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D’aura Brandão - Psicologia e Educação I | 1 O QUE TOCA À/A PSICOLOGIA ESCOLAR Maria Cristina Machado Kupfer Início da Psicologia Escolar Identidade da Psicologia Escolar (construída a partir de uma imagem Ideológica): Prática ortopédica, corretiva das ações dos professores sobre as crianças. Papel do psicólogo escolar: Psicometrista (testar, discriminar e "expulsar" as crianças indesejáveis). Máxima liberal: As diferenças não provêm da desigualdade de oportunidades e sim das diferenças individuais. Objeto: problemas de aprendizagem das crianças. Espaço de atuação: apenas uma sala de atendimento, um espaço em que podia aplicar testes e que, se eliminado não mudaria a configuração geral da escola. Sua entrada na escola permitiu: Novos dispositivos teóricos de leitura da realidade escolar e de seus problemas. Peso dos determinantes sociais sobre os problemas de aprendizagem Leituras estruturais, segundo as quais há uma relação de determinação recíproca entre os elementos de uma instituição (não seria jamais possível estudar uma criança sem levar em conta as peculiares relações com seus professores e pais, por exemplo) Problemas enfrentados: O da demanda (Encontrar uma Psicologia que poderia propor uma intervenção "não-alienante") O da técnica (Encontrar teorias psicológicas que viessem a orientar uma intervenção nas escolas ao mesmo tempo em que levasse em conta a análise da realidade social) Psicanálise Estava presente, exercendo influências sobretudo na Psicologia Clínica, e de modo impreciso quando se falava por exemplo em projeção, em identidade, em "desenvolvimento afetivo". Suas explicações a respeito das origens dos problemas das pessoas parecem não coincidir nem um pouco com as explicações que colocam um grande peso sobre os determinantes sociais “porque está operando com o sujeito do inconsciente, e não com o eu do sujeito”. A partir de Lacan, o discurso - e não o comportamento - é o alvo da análise, e uma vez que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, o analista estará operando com as leis de funcionamento da linguagem, e extraindo delas a eficácia de sua ação. Linguagem: condição do inconsciente, assim como é condição da Ciência, assim como é condição, fundamento, de toda construção cultural. Condição, portanto, da construção das instituições humanas, e entre elas, a escola.

O QUE TOCA À A PSICOLOGIA ESCOLAR RESENHA

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D’aura Brandão - P s i c o l o g i a e E d u c a ç ã o I | 1

O QUE TOCA À/A PSICOLOGIA ESCOLAR

Maria Cristina Machado Kupfer

Início da Psicologia Escolar

❤ Identidade da Psicologia Escolar (construída a partir de uma imagem Ideológica): Prática ortopédica, corretiva das ações dos professores sobre as crianças.

❤ Papel do psicólogo escolar: Psicometrista (testar, discriminar e "expulsar" as crianças indesejáveis).

❤ Máxima liberal: As diferenças não provêm da desigualdade de oportunidades e sim das diferenças individuais.

❤ Objeto: problemas de aprendizagem das crianças. ❤ Espaço de atuação: apenas uma sala de atendimento, um espaço em que podia

aplicar testes e que, se eliminado não mudaria a configuração geral da escola.

Sua entrada na escola permitiu:

❤ Novos dispositivos teóricos de leitura da realidade escolar e de seus problemas. ❤ Peso dos determinantes sociais sobre os problemas de aprendizagem ❤ Leituras estruturais, segundo as quais há uma relação de determinação recíproca

entre os elementos de uma instituição (não seria jamais possível estudar uma criança sem levar em conta as peculiares relações com seus professores e pais, por exemplo)

Problemas enfrentados:

❤ O da demanda (Encontrar uma Psicologia que poderia propor uma intervenção "não-alienante")

❤ O da técnica (Encontrar teorias psicológicas que viessem a orientar uma intervenção nas escolas ao mesmo tempo em que levasse em conta a análise da realidade social)

Psicanálise

❤ Estava presente, exercendo influências sobretudo na Psicologia Clínica, e de modo impreciso quando se falava por exemplo em projeção, em identidade, em "desenvolvimento afetivo".

❤ Suas explicações a respeito das origens dos problemas das pessoas parecem não coincidir nem um pouco com as explicações que colocam um grande peso sobre os determinantes sociais “porque está operando com o sujeito do inconsciente, e não com o eu do sujeito”.

❤ A partir de Lacan, o discurso - e não o comportamento - é o alvo da análise, e uma vez que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, o analista estará operando com as leis de funcionamento da linguagem, e extraindo delas a eficácia de sua ação.

❤ Linguagem: condição do inconsciente, assim como é condição da Ciência, assim como é condição, fundamento, de toda construção cultural. Condição, portanto, da construção das instituições humanas, e entre elas, a escola.

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❤ Transportando esses princípios para o âmbito de um trabalho institucional interessado em adotá-los, admitir-se-á então que toda instituição está estruturada como uma linguagem. Se assim é, estará sujeita às leis de funcionamento da linguagem.

❤ Se as instituições seguem essas regras, também podemos ler os discursos que ali se desenrolam da mesma maneira como se lê o discurso de um sujeito em análise. Embora não estejamos psicanalisando as pessoas da instituição, estaremos aplicando as regras de funcionamento da linguagem à instituição como um todo.

O novo lugar do psicólogo:

❤ Possibilitar que os sujeitos (pais, professores, alunos – separadamente) possam manifestar suas falas beneficiando-se dos efeitos de verdade e de transformação que surgem quando há espaço para emergências ou falas singulares.

O que poderá acontecer quando uma instituição estiver toda voltada para a repetição, para o igual?

1) Quando houver apenas repetições, quando houver apenas discursos cristalizados, os sujeitos não mais poderão manifestar-se. Não falarão, não poderão "oxigenar-se", ou seja, não poderão beneficiar-se dos efeitos de verdade e de transformação. Nesses casos, o resultado poderá ser a impossibilidade de criação de novos discursos, mais flexíveis e acompanhadores das mudanças.

2) O passo seguinte é a fixação das crianças em estereotipias, em modelos que lhes são pré-fixados; vem a inibição intelectual, o fracasso escolar. Para os demais grupos da instituição escolar em que não houver circulação discursiva, o resultado será a falta de oxigenação e a consequente necrose do tecido social. A falta de circulação discursiva é o início do fim de uma instituição, já que, não podendo jamais ficar parada, não lhe sobrará alternativa a não ser recuar, e iniciar a sua atrofia. Independentemente dos alvos a que se propõe essa instituição, eles não serão atingidos.

E quando há circulação de discursos: 1) As pessoas podem se implicar em seu fazer, podem participar dele ativamente,

podem se responsabilizar por aquilo que fazem ou dizem. Mudam ativamente os discursos, assim como são por eles mudadas, de modo permanente.

2) As modificações sofridas por um grupo podem provocar modificações em outros grupos da instituição, sem que esses outros tenham sido tocados ou mencionados, já que a instituição está sendo encarada como uma rede de relações interligadas e em constante movimento, na qual a mudança de um elemento provocará necessariamente uma alteração de posição nos demais. Isso é uma decorrência do fato de ela ser encarada como uma linguagem. Se há mudanças em um grupo de professores, essas mudanças poderão "transbordar" para o grupo de crianças, sem que tenham sido dados conselhos,

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orientações, ou sem que os professores tenham tido "consciência" da necessidade dessa mudança. Simplesmente o ângulo de visão passa a ser outro, e o que se vê é outra coisa.

Um psicólogo munido dessa leitura poderá então propor-se a criar condições para

a produção de tais mudanças. Um psicólogo que faça, por exemplo, um grupo de professores, tendo como referência essa "leitura" institucional, de modo amplo, e do grupo, em seu funcionamento interior, estará operando com princípios da Psicanálise, sem, contudo estar psicanalisando ninguém.

Assim, acredita-se que um psicólogo possa, atualmente, pedir à Psicanálise que lhe forneça alguns princípios orientadores da construção de um espaço de trabalho dentro da escola.

Parâmetros do espaço psi

O espaço psi, definido por parâmetros tomados de empréstimo à Psicanálise, pode ser assim caracterizado:

1. O objetivo do trabalho do psicólogo na escola é o de abrir um espaço para a circulação de discursos, naquelas instituições em que a ausência dessa circulação estiver comprometendo a realização dos objetivos institucionais.

2. Um psicólogo estará "autorizado" a intervir em uma instituição quando estiver criada a transferência, seu principal instrumento de trabalho, da qual extrairá seu poder de ação, com a qual poderá criar o espaço psi na escola.

3. Diante da demanda da escola, o psicólogo não a atenderá, nem a recusará, mas a "escutará" (entendendo-se "escuta" em seu sentido psicanalítico).

4. O trabalho do psicólogo se movimentará na intersecção entre a Psicologia e a Pedagogia.

5. A ética que o orienta pode ser assim enunciada: um coordenador dirige os trabalhos, mas não dirige as pessoas. Cada um deverá responsabilizar-se por aquilo que diz, condição para a eficácia da direção dos trabalhos. Disso se deduz ainda que o psicólogo não participa da definição ou da transformação dos objetivos daquela instituição, pois não faz uso político do poder que lhe confere a transferência. Usa-a apenas para produzir efeitos de verdade nos participantes dos grupos, e para ajudar na reorganização das condições de "oxigenação" daquele organismo.

❤ Lembrando aqui que o psicólogo deverá exercer a escuta e o estabelecimento da

transferência que é feito a partir da autorização que a escola, por meio da concessão do

espaço dá ao psicólogo.