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O RACISMO CONTRA O NEGRO Osvaldo José da Silva 1 [email protected] RESUMO Este artigo tem como objetivo contribuir para a reflexão acerca do racismo contra a comunidade do povo negro no Brasil. O grupo étnico representado pelo negro é o protagonista e pilar na formação da sociedade brasileira. O artigo irá demonstrar que, em decorrência do Racismo Contra o Negro, este protagonismo não é reconhecido. Tem como referência o primeiro capítulo da obra A Condição Humana, que possui o mesmo título: A Condição Humana, obra da pensadora política alemã Hannah Arendt (19061975). Com essa referência, o trabalho traça um paralelo com as provocações sobre o protagonismo dos negros na formação social, política e econômica do Brasil lançadas pelo pensador político brasileiro, Manuel Querino (18511923), e corroboradas por autores pensadores da negritude. No primeiro capítulo é abordado A Condição Escravista no Cenário Imperialista Europeu, no qual é analisado o desenrolar da geopolítica do imperialismo; na sequência o segundo capítulo O Negro na Condição de Escravizado, contextualiza o processo do tráfico negreiro; o terceiro capítulo compreende Dimensão da Vita Activa do Negro Escravizado no Brasil, em que é apresentado o Ser negro no caos da discriminação racial e será finalizado com o capítulo Condição da Imortalidade e a Eternidade do Ser Negro, no aspecto em que é evidenciada a identidade negra entre o passado e o futuro. Conclui-se que, é possível desvelar na modernidade os mecanismos nos quais foram invisibilizados os negros na sua condição humana, mas por outro lado, evidenciam-se também possibilidades da comunidade do grupo étnico negro aparecer no espaço público e político, para resgatar seu protagonismo consolidado na sociedade brasileira como forma de resistência ao racismo estrutural, institucional e de Estado que mantém ações contra esse próprio negro. PALAVRAS CHAVE: Condição Humana, Escravismo, Negro, Racismo. ABSTRACT This article aims to contribute to the reflection about racism against the black people community in Brazil. The ethnic group represented by the Negro is the protagonist and pillar in the formation of Brazilian society. The article will demonstrate that, as a result of Racism Against the Negro, this protagonism is not recognized. It has as reference the first chapter of The Human Condition, which has the same title: The Human Condition, the work of the German political thinker Hannah Arendt (1906-1975). With this reference, the work draws a parallel with the provocations about the protagonism of the blacks in the social, political and economic formation of Brazil launched by the Brazilian political thinker, Manuel Querino (1851-1923), and corroborated by black thinkers. In the first chapter is addressed The Slave Condition in the European Imperialist Scenario, in which the development of the geopolitics of imperialism is analyzed; following the second chapter The Negro in the Condition of Enslaved, contextualizes the slave trade process; the third chapter comprises the Dimension of the Active Vita of Black Enslaved in Brazil in which the Black Being is presented in the chaos of racial discrimination and will be finalized with the chapter Condition of Immortality and the Eternity of the Black Being in the aspect in which the identity is evidenced between the past and the future. It is concluded that it is possible to reveal in modernity the mechanisms in which blacks were invisible in their human condition, but on the other hand, there are also possibilities for the community of the black ethnic group to appear in the public and political space, to rescue their protagonism consolidated in Brazilian society as a form of resistance to structural, institutional and state racism that maintains actions against this same black. KEYWORDS: Human Condition, Slavery, Black, Racism. 1 Doutorando em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade de São Paulo PUC SP. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista UNESP FCL-Araraquara. Graduado em Filosofia e Economia pela PUC - SP.

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Page 1: O RACISMO CONTRA O NEGRO - Meusite · O RACISMO CONTRA O NEGRO Osvaldo José da Silva1 kayona@uol.com.br RESUMO Este artigo tem como objetivo contribuir para a reflexão acerca do

O RACISMO CONTRA O NEGRO

Osvaldo José da Silva1

[email protected]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo contribuir para a reflexão acerca do racismo contra a comunidade

do povo negro no Brasil. O grupo étnico representado pelo negro é o protagonista e pilar na

formação da sociedade brasileira. O artigo irá demonstrar que, em decorrência do Racismo Contra

o Negro, este protagonismo não é reconhecido. Tem como referência o primeiro capítulo da obra A

Condição Humana, que possui o mesmo título: A Condição Humana, obra da pensadora política

alemã Hannah Arendt (1906–1975). Com essa referência, o trabalho traça um paralelo com as

provocações sobre o protagonismo dos negros na formação social, política e econômica do Brasil

lançadas pelo pensador político brasileiro, Manuel Querino (1851–1923), e corroboradas por

autores pensadores da negritude. No primeiro capítulo é abordado A Condição Escravista no

Cenário Imperialista Europeu, no qual é analisado o desenrolar da geopolítica do imperialismo; na

sequência o segundo capítulo O Negro na Condição de Escravizado, contextualiza o processo do

tráfico negreiro; o terceiro capítulo compreende Dimensão da Vita Activa do Negro Escravizado no

Brasil, em que é apresentado o Ser negro no caos da discriminação racial e será finalizado com o

capítulo Condição da Imortalidade e a Eternidade do Ser Negro, no aspecto em que é evidenciada a

identidade negra entre o passado e o futuro. Conclui-se que, é possível desvelar na modernidade os

mecanismos nos quais foram invisibilizados os negros na sua condição humana, mas por outro lado,

evidenciam-se também possibilidades da comunidade do grupo étnico negro aparecer no espaço

público e político, para resgatar seu protagonismo consolidado na sociedade brasileira como forma

de resistência ao racismo estrutural, institucional e de Estado que mantém ações contra esse

próprio negro.

PALAVRAS CHAVE: Condição Humana, Escravismo, Negro, Racismo.

ABSTRACT

This article aims to contribute to the reflection about racism against the black people community in

Brazil. The ethnic group represented by the Negro is the protagonist and pillar in the formation of

Brazilian society. The article will demonstrate that, as a result of Racism Against the Negro, this

protagonism is not recognized. It has as reference the first chapter of The Human Condition, which

has the same title: The Human Condition, the work of the German political thinker Hannah Arendt

(1906-1975). With this reference, the work draws a parallel with the provocations about the

protagonism of the blacks in the social, political and economic formation of Brazil launched by the

Brazilian political thinker, Manuel Querino (1851-1923), and corroborated by black thinkers. In

the first chapter is addressed The Slave Condition in the European Imperialist Scenario, in which

the development of the geopolitics of imperialism is analyzed; following the second chapter The

Negro in the Condition of Enslaved, contextualizes the slave trade process; the third chapter

comprises the Dimension of the Active Vita of Black Enslaved in Brazil in which the Black Being is

presented in the chaos of racial discrimination and will be finalized with the chapter Condition of

Immortality and the Eternity of the Black Being in the aspect in which the identity is evidenced

between the past and the future. It is concluded that it is possible to reveal in modernity the

mechanisms in which blacks were invisible in their human condition, but on the other hand, there

are also possibilities for the community of the black ethnic group to appear in the public and

political space, to rescue their protagonism consolidated in Brazilian society as a form of resistance

to structural, institutional and state racism that maintains actions against this same black.

KEYWORDS: Human Condition, Slavery, Black, Racism.

1 Doutorando em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade de São Paulo PUC – SP. Mestre em

Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista UNESP FCL-Araraquara. Graduado em

Filosofia e Economia pela PUC - SP.

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SUMÁRIO

1. O RACISMO CONTRA O NEGRO......................................... 03

Introdução..................................................................................... 03

1.1 A Condição Escravista no Cenário Imperialista Europeu....... 06

1.2 O Negro na Condição de Escravizado........................................ 23

1.3 Dimensões da Vida Activa do Negro Escravizado no Brasil. 39

1.4 Condições de Imortalidade e a Eternidade do Ser Negro...... 49

Considerações Finais......................................................................... 53

Referências Bibliográficas........................................................... 57

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1. O RACISMO CONTRA O NEGRO

Introdução

A Condição do Racismo Contra o Negro possui seus primeiros registros na

modernidade a partir do sistema político, econômico e social imperialista advindo do

continente europeu contra o continente africano. Em termos de categorias cronológicas,

estamos reportando o período que abrange do século XVI ao XX, bem como suas

consequências no século XXI.

Este artigo objetiva contribuir para a reflexão acerca da comunidade do povo

negro no Brasil, como grupo étnico protagonista e pilar fundante na formação da

sociedade brasileira. Para tanto, mostra que, em decorrência do Racismo Contra o

Negro, este protagonismo não foi e não é reconhecido. Tem como referência o primeiro

capítulo da obra A Condição Humana, que possui o mesmo título: A Condição Humana,

obra da pensadora política alemã Hannah Arendt (1906–1975). Com essa referência,

traça um paralelo com as provocações da tese sobre o protagonismo dos negros na

formação social, política e econômica do Brasil lançadas pelo pensador político

brasileiro, Manuel Querino (1851–1923), e corroboradas por autores pensadores da

negritude.

No primeiro capítulo é abordado A Condição Escravista no Cenário Imperialista

Europeu, no qual é analisado o desenrolar da geopolítica racista do imperialismo

europeu contra os povos negros do continente africano; no segundo capítulo será

analisado, O Negro na Condição de Escravizado, a partir dos desdobramentos do tráfico

negreiro do continente africano especificamente para o Brasil; no capítulo terceiro

busca-se compreender a Dimensão da Vita Activa do Negro Escravizado no Brasil, no

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qual é apresentado o Ser negro no caos da discriminação racial; será finalizado com o

capítulo A Condição de Imortalidade e a Eternidade do Ser Negro, aspecto em que é

evidenciada a identidade negra entre o passado e o futuro. Conclui-se que, é possível

desvelar na modernidade os mecanismos nos quais foram invisibilizados os negros na

sua condição humana, mas por outro lado, evidenciam-se também possibilidades da

comunidade do grupo étnico negro aparecer no espaço público e político, para resgatar

seu protagonismo consolidado na sociedade brasileira como forma de resistência ao

racismo contra os negros. Para tanto, os autores pontuais deste trabalho Manuel Querino

e Hannah Arendt, serão a ponta de lança da análise estabelecida.

O tempo e cenário histórico de Manuel Querino acontecem, segundo Guimarães

(2004), a partir da cidade em que nasceu Santo Amaro (BA) no ano de 1851. Órfão em

1855 foi entregue ao tutor Manuel Garcia, nesta ocasião inicia seu processo de

alfabetização. Aos 17 anos alista-se no exército no contingente destinado a guerrear no

Paraguai no ano de 1865 (guerra do Brasil contra o Paraguai: 1864–1870). Por não

possuir porte físico ficou no Rio de Janeiro, então capital do império. No ano de 1870

foi promovido a cabo de esquadra.

Com o fim do conflito e após baixa no serviço militar, retorna a Salvador (BA).

Nesta cidade desempenha a função de pintor e decorador, estuda no Colégio 25 de

Março e no Liceu de Artes e Ofício, do qual é um dos fundadores e professor de

desenho geométrico. Exerce o magistério também no Colégio dos Órfãos de São

Joaquim. Militou pela causa republicana e abolicionista, nas quais com outros militantes

funda a Sociedade Libertadora Sete de Setembro. Estes organizaram também os

periódicos A Província, e O Trabalho para a defesa das causas republicanas e abolição

da escravatura. Sua luta possui também a visão na defesa das causas trabalhistas e

operárias no contexto soteropolitano no final do século XIX e início do XX. Ao exercer

a função pública com o cargo de 3º Oficial da Secretaria da Agricultura, nas agruras do

cotidiano por ser negro, sente na pele o preconceito racial à mercê da vontade dos

gestores, e tornar-se abolicionista, republicano e líder operário. Como escritor publica

um repertório de obras dentre as quais: A Raça africana e seus costumes (1916), O

Colono preto como fator da civilização brasileira (1918), Candomblé do Caboclo

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(1919), dentre outros títulos; a militância social e literária lhe permitiu tornar-se

conhecido e eleito, vereador e, também reforçar a luta contra o preconceito de cor,

preconceito este que se mantém nos dias de hoje no Brasil.

Em 1916, é administrativamente reformado e encostado, refugia-se na vida

privada, vindo a participar somente das reuniões do Instituto Geográfico e Histórico da

Bahia, na cidade de Salvador, até o seu falecimento em 1923.

Os dados biográficos de Hannah Arendt registram seu nascimento na cidade de

cidade Linden, subúrbio da cidade de Hannover, na Alemanha no de 1906. Realizou

seus estudos acadêmicos entre os anos de 1924 e 1929, primeiro na Universidade de

Marburg, sendo aluna orientada pelo filósofo alemão Martin Heidegger (1889 – 1976).

Posteriormente muda-se para a Universidade de Freiburg; e finalmente vai para a

Universidade de Heidelberg, onde em 1929 defende a tese de doutorado: O Conceito de

Amor em Santo Agostinho, sob a orientação do também filósofo alemão Karl Jaspers

(1883 – 1969). Entre os anos de 1930 e 1933, desempenhou ativa militância política na

cidade de Berlim, participando da Organização Sionista Alemã na luta contra o

nazismo; presa pela Gestapo e detida em Alexanderplatz acabou por ser libertada após

oito dias.

Em 1933, Arendt deixou então a Alemanha com sua mãe e sem documentos de

viagem seguiu para Praga, Genebra e, posteriormente Paris. Em Paris, trabalhou para

organizações que ajudavam refugiados judeus a emigrarem para a Palestina, nessas

ações encontrou um grupo de pares que incluía artistas e operários judeus e não judeus,

incluindo seu segundo marido Heinrich Blücher, Walter Benjamin e Bertold Brecht.

Com o cerco nazista se fechando sob a capital francesa, no ano de 1941 escapa da

França, via Espanha, para Lisboa, onde embarca para os Estados Unidos. Nesse mesmo

ano, em maio, chega à Nova Iorque.

Em Nova Iorque como colunista entre os anos de 1941 a 1945 do Aufbau, jornal

dos imigrantes judeu-alemães, passa a defender que os judeus se juntassem para

combater Hitler, como um povo europeu. De 1945 a 1947, leciona História Europeia no

Brooklyn College, em período concomitante Arendt, ocupou o posto de editora sênior

na Schocken Books, Nova York. Ali, pôde conhecer T.S. Eliot e Randall Jarrell. O ano

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de 1951 é o ano em que se torna cidadã americana e marca também a publicação da

obra Origens do Totalitarismo que a projetou internacionalmente. A partir daí, passa a

dar conferências nas universidades de: Yale, Columbia, Harvard, Princeton, Chicago e

também em outras universidades da Europa.

No ano de 1955 Arendt, foi professora visitante na Universidade da Califórnia,

em Berkeley. Em seguida no ano de 1958 publica a obra A Condição Humana. Em

1961, Arendt foi cobrir para a revista The New Yorker, o julgamento do nazista alemão

Adolf Eichmann, em Jerusalém. Para ela, comparecer a esse julgamento era uma

obrigação que ela devia a seu passado, uma cura posterior. Como resultado dessa

atividade, no ano de 1963, publica Eichmann em Jerusalém, talvez o livro mais

polêmico de Arendt, no qual ela traz o conceito da banalidade do mal.

Hannah Arendt também publicou ampla quantidade de textos e obras nas quais

procura compreender o olhar do mundo sob o ponto de vista do outro, sem

complacência ou justificar atitudes, mas distinguir e analisar os fenômenos do mundo

real. Dentre estas, podemos citar algumas traduzidas para o português com os seguintes

títulos: A Dignidade da Política, A Promessa da Política, A Vida do Espírito,

Compreender: formação, exílio e totalitarismo 1930–1954, Crises da República, Da

Revolução, Entre o Passado e o Futuro, Escritos Judaicos, Hannah Arendt – Martins

Heidegger: correspondências 1925/1975, Homens em Tempos Sombrios, Liberdade

Para Ser livre, Lições Sobre a Filosofia Política de Kant, O Conceito de Amor em Santo

Agostinho, O que é Política, Rahel Varnhagen, Responsabilidade e Julgamento e Sobre

a Violência. Nos últimos anos da sua vida Arendt, recolhe-se, procurando uma noção do

pensar que olhasse para o passado e nele encontrasse uma história significativa, até o

seu falecimento que vem a ocorrer em 04 de dezembro de 1975.

Numa análise comparativa, na condição de homens e mulheres no plural os

negros e negras que necessitam interagir no espaço público com as demais pessoas da

sociedade, encontraram e encontram no Brasil um cenário muito semelhante de

perseguição e exclusão social perpetrada pelo nazismo na Europa contra a comunidade

judaica, nazismo este gestado como sistema político na Alemanha (1930–1945)

representou a organização da sociedade totalitária concebida de forma eugênica de

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pessoas brancas “puras” contra pessoas brancas não puras, conforme análise e

compreensão elaborada por Hannah Arendt em suas obras, sobretudo na obra Origens

do Totalitarismo.

A compreensão do cenário do Racismo Contra o Negro, especificamente neste

trabalho, irá abordar o primeiro capítulo da obra a Condição Humana, cujo título

homônimo A Condição Humana poderá engendrar a compreensão da condição humana

do negro escravizado, processo este, originado no cenário imperialista europeu contra os

povos negros do continente africano; ousa também expressar a vita activa do povo

negro escravizado e a concepção de negritude eternizada a despeito de todo o genocídio

que lhe fora imputado.

Deste modo, as provocações lançadas por Manoel Querino adensarão as

concepções Arendtianas da condição humana, quanto às ações dos homens e mulheres

negros, como ações estruturantes da formação social e política da sociedade brasileira;

bem como, o acréscimo de outros textos e obras de cientistas sociais autores da

negritude será a ponta de lança para as novas reflexões acerca de estratégias

antirracistas a serem construídas por parte da comunidade negra.

1.1 A Condição Escravista no Cenário Imperialista Europeu

O mecanismo escravista desenvolvido pela sociedade europeia na era moderna

(do século XVII ao século XX) possui desdobramentos de ideologia racial na forma de

preconceito contra os negros no mundo moderno (séculos XX e XXI). Neste sentido, a

condição do negro escravizado e a condição do racismo contra os negros libertos são

consolidadas como paradoxo e antítese, da condição do negro enquanto grupo étnico da

espécie humana, bem como, na sua condição humana não reconhecida enquanto tal,

pelas pessoas racistas de cor branca.

A questão central colocada pela cientista política Hannah Arendt, na obra a

Condição Humana, reporta sobre a responsabilidade de toda a humanidade quanto ao

seu destino a partir da questão: o que estamos fazendo com o nosso planeta e com a

vida que é dada ao homem na terra a partir da natalidade; momento de ponderações

em que cada um, bem como todo ser da espécie humana, inseridos no mundo pela

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natalidade, que é uma das categorias centrais no pensamento de Arendt, deve analisar e

refletir acerca das ações que são sujeitos, ou questões de que sofrem consequências

nefastas desencadeadas por outros seres humanos, neste trabalho a questão proposta está

incondicionalmente ligada ao racismo contra a comunidade do grupo étnico negro

dentro do jogo das raças..

As construções culturais e ideológicas do jogo das raças, que num primeiro

momento foi adensada por falácias da ciência e de poder, momento no qual se

determinou que a etnia branca por ideologias específicas e aleatórias determinadas a-

priori, seria superior a outras determinadas etnias consideradas inferiores, sobretudo

superior a etnia negra, também por atributos aleatórios à própria realidade humana.

Essas situações foram paulatina e subsequentemente desconstruídas no plano

antropológico da realidade concreta das culturas e da natureza, pois a questão lançada

por Hannah Arendt, acerca das consequências de nossas ações, diz respeito a todo ser

humano e é o mote da reflexão aqui elaborada: o que estamos fazendo com o nosso

planeta e com a vida que é dada ao homem na terra a partir da natalidade comum,

questão que por outro lado, expressa uma contradição real disseminada pela concepção

racista de inferiorização racial contra a etnia do negro; destruindo qualquer

possibilidade de inclusão de seres humanos negros da mesma espécie, negros e brancos,

no espaço comum da vida. Além do racismo destruir o ser do homem negro, destrói

muito mais ainda o ser do homem branco, devido sua dinâmica sócio patológica.

Conforme aponta a Arendt (1989) há dois mecanismos de eliminação do outro

no continente africano, a primeira é a raça, a segunda é a burocracia na sua forma mais

cruel de se apresentar como um deus: onisciente, onipresente e onipotente contra as

comunidades negras do continente africano, estes dois mecanismos combinados

estabeleceram uma das epopeias mais terríveis de crimes contra a humanidade de etnia

negra.

Ambas as descobertas foram realizadas no Continente Negro. A raça foi uma

tentativa de explicar a existência de seres humanos que ficavam à margem da

compreensão dos povos europeus, e cujas formas e feições de tal forma assustavam

e humilhavam os homens brancos, imigrantes ou conquistadores, que eles não

desejavam mais pertencer à mesma comum espécie humana. Na idéia da raça

encontrou-se a resposta dos bôeres à “monstruosidade” esmagadora descoberta na

África – todo um continente povoado e abarrotado de selvagens – e a justificação

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da loucura que os iluminou como “o clarão de um relâmpago num céu sereno” no

brado: “Exterminemos todos esses brutos!” Dessa idéia resultaram os mais

terríveis massacres da história: o extermínio das tribos hotentotes pelos bôeres, as

selvagens matanças de Carl Peters no Sudeste Africano Alemão, a dizimação da

pacata população do congo reduzida de uns 20 milhões para 8 milhões; e, o que é

pior, a adoção desses métodos de “pacificação” pela politica externa europeia

comum e respeitável. (Arendt, 1989, p. 215).

Na reflexão sobre as imbricações entre raça e burocracia, Arendt (1989)

desenvolve a compreensão acerca da distinção histórica no cenário europeu, no qual a

expansão imperialista ultramarina desencadeou no contexto continental africano, o

mesmo modus operandi de que a expansão imperialista perpetrada internamente no

continente europeu foi utilizada pelo Estado-nação da Europa. Estes mesmos moldes,

métodos e práticas na exploração do continente africano, representou o holocausto

negro para os africanos, esta análise principia pela constatação a que iremos nos reportar

a Querino (1955), é a condição de homem e mulher negros africanos escravizados pelas

potências europeias, e neste caso específico transplantado por Portugal para o Brasil.

E, aproveitando o ensejo, deixamos aqui consignado o nosso protesto contra o

modo desdenhoso e injusto por que se procura deprimir o africano, acoimando-o

constantemente de boçal e rude como qualidade congênita e não simples condição

circunstancial, comum, aliás, a todas as raças não evoluídas. (QUERINO, 1955,

p.21-22).

O método imperialista continental utiliza a ideologia racial como arma política

na medida em que a aliança entre o capital e a ralé, faz ressurgir o nacionalismo tribal

excludente. O tribalismo é o nacionalismo dos povos sem emancipação política em

Estado-nação, que não participaram da expansão para fora da Europa.

O referido método é sustentado, sobretudo pelo pan-eslavismo nos moldes do

bolchevismo russo e do nazismo alemão. Essa estrutura do corpo político, Estado-nação

visualiza somente como nacional os integrados institucionalmente legais de nascitura

histórica nacional, possuindo ainda na sua raiz a identidade de classe configurada em

exército nacional.

Do ponto de vista sociológico, o Estado-nação era o corpo político das classes

camponesas europeias emancipadas – isto é, dos proprietários rurais – e é por isso

que os exércitos nacionais só puderam conservar sua posição permanente nesses

Estados enquanto constituíam a verdadeira representação da classe rural, ou seja,

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até o fim do século XIX. “O Exército”, como disse Marx, “era o ponto de honra dos

fazendeiros: transformados em senhores, o Exército os corporificava, defendendo

no exterior sua propriedade recém-adquirida. (...) O uniforme era a sua roupa de

gala, a guerra era a sua poesia; o seu lote de terra era a pátria, e o patriotismo era

a forma ideal da propriedade” O nacionalismo ocidental, que culminou no

recrutamento geral, foi produto de classes firmemente enraizadas e emancipadas.

(ARENDT, 1989, p. 261).

Nesta base, o conflito latente entre Estado e a nação só é manifestado na

modernidade na medida em que a Revolução Francesa instituiu os Direitos do Homem,

representada pela luta de classes, desencadeada pela atomização dos indivíduos. E, por

sua vez reforçada pelo positivismo progressista do século XIX, que insere o conceito

metafísico do homem divino.

A compreensão social do método positivista nacionalista encerra em si mesma

o pré-requisito das ideologias raciais, separando o mundo da ordem interna contra o

mundo oposto e desordenado dos diferentes. Esse equívoco de compreensão positivista

robustecido pela visão de natureza positivista é confrontado por Theodor Adorno (2014)

que aponta a falta de liberdade na racionalização do método no contexto interpretativo

da experiência social europeia, alimentando a linguagem totalitária dos indivíduos

atomizados na sociedade em formação.

Na própria sociedade se deve buscar a razão de que o modelo científico-natural

não lhe resulte aplicável e alegremente e sem limitações. Mas – a diferença do que

sustenta a ideologia e na Alemanha se pretende racionalizar as resistências

reacionárias – não porque seja preciso manter intacta a dignidade do homem, cuja

edificação trabalha laboriosamente a humanidade, frente alguns métodos que o

consideram uma parte da natureza. A humanidade erra quando sua pretensão

dominadora reprime a memória de um ser natural, perpetuando assim a cega

força da natureza, que quando se faz presente para os homens sua condição

natural. “A sociologia não é uma ciência do espírito”. Na medida em que o

endurecimento da sociedade vai reduzindo cada vez mais os homens à categoria de

objetos, transformando sua situação em uma “segunda natureza”, os métodos que

a convencem disso não constituem sacrilégio algum. A falta de liberdade do

método serve à liberdade ao testemunhar sem palavras a falta de liberdade

dominante. (ADORNO, 2014, p. 66-67)

Pode-se ver em Adorno (2014) a crítica que Arendt (1989) aponta quanto ao

resultado da sociologia positivista na unificação ética dos conceitos raciais, a uma

origem divina de um povo, e ao desprezo aos demais, como concebia o racismo nazista.

Por sua vez, também não há dúvidas de que o positivismo científico, a aliança entre o

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estabelecimento da relação raça e burocracia, raça passa a ser uma ideologia fabricada

com o intuído de legitimar e legalizar por parte do Estado-nação a submissão e a

inferiorização do negro africano diferente do branco europeu.

Decorrente desta concepção de mundo é o fato de que as massas flutuantes das

cidades modernas substituem a política pelo espírito da indústria; um povo passa a

representar a humanidade em função da incorporação da doutrina social positivista

burguesa. No fundo é a consciência tribal ampliada, via nacionalismo, para estabelecer

o antissemitismo como ódio contra os judeus. Esse nacionalismo resgata “deus” para a

luta política como verdade evidente. O Estado nacional incorporado pela visão de

mundo positivista agrega na sua constituição política a Razão de Estado.

Há que se ressaltar que o imperialismo no continente europeu tem sua

continuidade do imperialismo ultramarino no continente africano. Os governos

burocráticos, governando por decretos, desrespeitando leis e instituições, se mantêm de

forma invisível para a população, visto que não se sabe o que governa e quem governa,

assim sendo ninguém governa.

A esterilidade política do governo burocrático desencadeia a cultura do regime

totalitário como uma paixão irracional que incorpora nos movimentos e nos partidos,

colocando o apelo para as massas de partido acima dos partidos. E o monopólio político

de Estado desintegra o sistema de partidos europeus, provocando a ruína do Estado-

nação.

Neste cenário a iminente morte da democracia política é anunciada com o fim

da característica dos indivíduos privados de agir em conjunto e para proteger seus

interesses nos negócios públicos é dissolvida. Assim também foram as características do

fascismo e do nazismo, ungidos na ação multipartidária se transformaram em máquina

burocrática totalitária. A idolatria ao Estado totalitário condiciona a opinião pública e o

Estado se sobrepõe à sociedade.

O exército já não é mais constituído como identidade do Estado-nação, que fica

subordinado ao ditador no regime totalitário, as classes sociais e os movimentos de

unificação também ficam subsumidos ao regime imperialista totalitário, e por fim o

sistema multipartidário entra em colapso.

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O Estado - nação na Europa, sobretudo, no caso específico da unificação da

Itália e do Estado alemão na década de 1870, desencadeará na conferência de Berlim

(1884-1885, Alemanha) a concepção de Estado forte no qual o pangermanismo

estabelece que vivendo em Estado continental e sendo povos continentais, deveriam

procurar colônias no continente europeu. Estas nações conquistadoras fortes deveriam

submeter às nações fracas ao jugo das classes fortes e hegemônicas. O racismo (pureza

de uma determinada raça) será o pano de fundo para os movimentos de unificação

geopolítica e na criação do imperialismo continental.

Nesta forma de governo, o imperialismo continental, transformado em

transcontinental estabelecerá também as bases para a conquista colonizadora do Estado-

nação europeia no continente africano, pautado por administração burocrática e leis

racistas, que como consequência última inspirará como exemplo, na segunda metade do

século XX, a forma de racismo contra os negros o regime apartheid (separação entre

negros e brancos) na África do Sul, e na América a Lei Jim Crown nos Estados Unidos.

Os processos de libertação para vivenciar a liberdade, não aconteceram sem que

houvesse lutas de resistências locais e internacionais, tais como as realizadas pelos

direitos civis nos Estados Unidos e, a resistência armada realizada pelo Congresso

Nacional Africano (C.N.A.) na África do Sul.

Para Arendt (1989) a melhor ilustração sobre a desintegração geral da vida é o

ódio universal vago e difuso de todos contra um inimigo estereotipado segundo critérios

racistas, sem que ninguém pudesse ser responsabilizado pela atmosfera de desintegração

social. No ano de 1914 na Europa há a explosão do dia seguinte do conflito deflagrado

da primeira guerra mundial, houve uma reação em cadeia, sem controle social pautada

pela loucura e pelo desespero.

Em cada evento tais como: inflação elevada, desemprego, guerra civil,

migrações e situações de homens e mulheres apátridas como refugo da terra; se revelam

e, antes mesmo da disseminação da política totalitária, já havia um esqueleto de ódio

político.

Os partidos políticos que são a antítese dos próprios partidos descaracterizados

pelo medo, são substituídos pelo movimento totalitário sob a bandeira de que o Estado é

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o povo. As pessoas que passaram a ser consideradas refugos sociais são privadas de

todos os direitos, inclusive dos Direitos do Homem.

Agora todos estavam contra todos, e, mais ainda, contra os seus vizinhos mais

próximos – os eslovenos contra os thecos, os croatas contra os sérvios, os

ucranianos contra os poloneses. E isso não resultava do conflito entre as

nacionalidades e os povos formadores de Estados, ou entre minorias e maiorias: os

eslovacos não apenas sabotavam constantemente o governo democrático de Praga

como, ao mesmo tempo, perseguiam a minoria húngara em seu próprio solo,

enquanto semelhante hostilidade contra o “povo estatal” por um lado, e entre si

mesmas, por outro, animava as minorias insatisfeitas da Polônia. (ARENDT, 1989,

301).

A constatação de Arendt (1989) remete a preocupação teórica da política de

Hobbes (1997), quanto à sua visão do homem no estado de natureza, e o estado de

permanente, de conflito e guerra de todos contra todos. Neste caso, se está frente à

fragmentação do Estado nacional, “nação de minorias”, povos sem Estado, cenário em

que se torna impossível criar tratados de paz.

Os povos considerados como minorias sociais, se tornaram problemas de

apátridas, refugos, sem direito a ter direitos, nem mesmo direito de asilo. Em um

cenário de inversão de direitos, um apátrida para ser considerado cidadão poderia

arriscar-se a cometer um crime para ser preso e visto como humano frente à lei. Um

exemplo deste contexto histórico foram as brigadas de apátridas que lutaram nos

conflitos europeus.

As pessoas passaram a valer menos que um “cão sem pedigree”, essa era a sina

de um apátrida, que corria entre a naturalização e a desnaturalização, assimilação,

fixação ou deportação em massa; o apátrida era visto como uma anomalia social.

Enquanto a discussão do problema do refugiado girava em torno da questão de

como podia o refugiado tornar-se deportável novamente, o campo de internamento

tornava-se único substituto prático de uma pátria. De fato, os anos 30 esse era o

único território que o mundo tinha a oferecer aos apátridas. (ARENDT, 1989, p.

317-318).

A lógica do campo de internação será aplicada no campo de concentração,

configurados na redução linguística das denominadas “minorias” apátridas, mantidos na

ilegalidade de refugiados, ou cidadãos de segunda classe, este fato revela o fim dos

direitos do homem. Frente ao quadro de perplexidade desses direitos do homem, que

antes eram inalienáveis, irredutíveis e indeduzíveis de outros direitos ou leis, em que o

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próprio homem seria a sua origem e seu objetivo último, agora não passava de um

slogan. Nas senzalas no Brasil, Costa (1998) relata sobre a construção na forma de

barracão próximo à casa grande dos donos de escravos, onde eram presos os negros

escravizados a partir do tráfico desde o continente africano, possuía as mesmas

características dos campos de internação, concentração e extermínios estruturados pelos

nazistas na Europa.

Os castigos deixavam estigmas nos ombros, nos rins, nas faces, nas nádegas. Por

eles, conhecia o comprador a índole do negro. Durante muito tempo, esses sinais

não constituíram boa recomendação para o escravo. Às vésperas da Abolição,

quando a campanha pela libertação sacudira a opinião pública denunciando os

horrores da escravidão, eles passaram a ser considerados má recomendação para o

senhor. Os anúncios de escravos fugidos quando mencionavam sinais de castigo

explicitavam: castigos antigos, castigos provenientes de antigo senhor. Foi lenta

essa evolução da opinião pública, essa tomada de consciência da sociedade. Ainda

nas décadas de 1860 a 1870, registravam-se, amiúde, mortes de escravos por

espancamento. (COSTA, 1998, p. 344).

Pode-se abrir aqui um link na narrativa Arendtiana acerca do processo de

construção do campo de concentração, verdadeiras fábricas da morte, desencadeia por

exemplo, uma comparação com que diz o sociólogo Pierre Bourdieu (2003) que a

compreensão acerca do caráter de produção da ciência na sociologia, sem se conter nos

limites da cientificidade e analisar as produções simbólicas como instrumento de

dominação e visão de mundo. Neste caso, o ódio racial e os campos de concentração

puderam ser reconfigurados como imagem do período da colonização de Portugal e

Espanha ultramarina europeia na América Latina e Central, semelhanças processuais do

ódio racial contra a população negra, e a senzala como protótipo do campo de

concentração.

As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente apropriado,

servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais,

comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integração

real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os

seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da

sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das

classes dominadas; para a legitimação dessas distinções. Esse efeito ideológico

produz a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de

comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a

cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções

compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem pela sua

distância em relação à cultura dominante. (BOURDIEU, 2003, p. 10 -11).

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A ideologia racista desenvolvida por homens brancos contra homens negros

demonstram claramente que a produção coletiva de extermínio do outro diferente, neste

caso, o negro, deu suporte para a criação de mecanismos de confinamento e de

sofrimento, ficando o dominador com a ideia de naturalização do sofrimento do

dominado, como uma ação de causas e consequências; como o castigo, espancamento e

morte absolutamente normais no processo de dizimação dos corpos dos dominados

escravizados.

Com o viés de compreensão da ideologia racial a pesquisa a partir das ciências

sociais oferece uma multiplicidade de métodos. O que se procura evidenciar neste

trabalho é a característica comum a diversos cientistas sociais quanto à referência da

experiência social dos atores e suas ações políticas. Neste cenário, opta-se pela

compreensão, enquanto caminho de pesquisa (método), que abre a possibilidade de

estudo bibliográfico e analisa no campo indutivo acerca da condição humana do negro

entre o passado e o futuro.

Quando Arendt (1989) busca a compreensão do fato do ódio racial ser

consequência da forma de organização da política imperialista, bem como do

estabelecimento e da promoção do pensamento racista, do racismo enquanto prática da

construção do Estado totalitário, a autora apresenta um homem com direito emancipado

da história e da natureza, por sua vez preso às ideologias totalitárias, se tornando

supérfluo, exatamente pela perda de direitos humanos e dos direitos de cidadão.

A morte civil de um indivíduo (Arendt, 1989) é quando não há, sobretudo, o

reconhecimento de seu direito como homem e este é tratado como animal não dotado de

liberdade e razão, perdendo o seu lar e a proteção social, herança vinculada à condição

humana.

Se um negro numa comunidade branca é considerado nada mais do que um negro,

perde juntamente com o seu direito à igualdade, aquela liberdade de ação

especificamente humana; todas as suas ações são agora explicadas como

consequências “necessárias” de certas qualidades do “negro”; ele passa a ser

determinado exemplar de uma espécie animal, chamado homem. Coisa muito

semelhante sucede aos que perderam todas as suas qualidades políticas distintas e

se tornaram seres humanos e nada mais. Sem dúvida, onde quer que uma

civilização consiga eliminar ou reduzir ao mínimo o escuro pano de fundo das

diferenças, o seu fim será a completa petrificação; será punida, por assim dizer,

por haver esquecido que o homem é apenas o senhor, e não o criador do mundo.

(ARENDT, 1989, p.335).

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No jogo do poder a partir do discurso elaborado, há que se pensar a partir do

pensar do negro brasileiro, que os espaços de discussão são desdobrados a todo o

momento com da fala e o local da fala do pensar do negro. Nascimento (2009) aponta

caminhos sob a dimensão da afrocentricidade. Certamente a condição de judia, e

apátrida de Arendt, não a faz pensar na singularidade da questão racial contra o negro;

entretanto a estrutura de compreensão que desenvolve, abre espaço também para

questionamentos, da própria causa racismo contra o negro, como o outro, nos discursos

eurocêntricos, possibilitando o pensar do negro a partir da sua própria condição.

A crítica afrocentrista ao multiculturalismo encampa a de MacLaren e vai mais

longe. Para o afrocentrista, a questão não se localiza no reconhecimento das

identidades, mas na capacitação para participar do jogo democrático do poder.

Antes de pleitear o reconhecimento do outro, o afrocentrista quer construir as

bases para o pleno autorreconhecimento de seu povo e sua cultura, condição

necessária a essa capacitação. Prioriza então a crítica aos conceitos dominantes de

história e cultura africanas distorcidas pelo eurocentrismo, bem como a

reconstrução dos conteúdos por eles encobertos. (NASCIMENTO, 2009, p. 192).

E, ainda, o surgimento de governos totalitários é acompanhado pela produção

de homens bárbaros escravistas no seio da civilização global moderna fundamentando o

racismo. Há também o perigo dessas pessoas que pode ser seu número cada vez maior

ameaçar a nossa vida política, quanto à violência produzida por estes, a fim de destruir a

liberdade e a vida social construída pelos demais homens que não viveram e nem

compactuaram com o totalitarismo.

Neste cenário de declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem,

Arendt (1989) examina a cristalização dos fatores imperialistas como base da política

totalitária como destruidora da estrutura da civilização europeia, como um musgo de

ódio e violência que se espalhou pelas demais partes do mundo. Reportando estas

concepções para o cenário, observa-se que o Estado-nação falha na sua mais fundante

concepção. Falha também no século XX, no contexto da sociedade brasileira quando as

instituições oficiais compactuam ou são coniventes com projetos como o da redução da

maioridade penal, com os massacres perpetrados no campo contra a população rural

sem-terra e negra, bem como na área urbana com relação aos jovens negros

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assassinados na “guerra civil não declarada” no contexto da violência da periferia dos

centros urbanos.

Assim pode-se constatar que o genocídio contra o povo negro possui suas

raízes no período colonial brasileiro e adentra o mundo moderno. Ocorre nos tempos

hodiernos uma naturalização de que espancar e eliminar negros é um hábito do passado,

presente e pode continuar no futuro. Essa crença pode ser encontrada, por exemplo, nas

palavras do jurista e sacerdote católico português Rocha (2017) quando reivindica

princípios cristãos, contudo sem questionar a escravidão.

Nas fazendas, engenhos e lavras minerais, ainda hoje (século XVIII) há homens tão

inumanos que o primeiro procedimento que têm com os escravos e a primeira

hospedagem que lhe fazem, logo que comprados aparecem na sua presença, é

manda-los açoitar rigorosamente, sem causa que a vontade própria de o fazer

assim, e disto se jactam aos mais, como inculcando-lhes que só eles nasceran para

competentemente dominar escravos e serem deles temidos e respeitados, e se o

confessor ou outra pessoa inteligente lho estranha e os pretende meter em

escrúpulo, respondem que é lícita aquela prevenção, para evitar que os tais

escravos no seu poder procedam mal e para que, desde o princípio, se façam e

sejam bons; e que uma vez que são seus, entra a regra de cada um poder fazer do

seu o que mais quiser, na forma que entender. (ROCHA, 2017, p. 136).

E, neste mesmo sentido, chama atenção à observação realizada por parte da

autora (Arendt, 1989) acerca de Portugal que persistiu no atraso nacional na

modernidade mantendo o modelo colonial expansionista e explorador. Fato este

decorrente do poder da igreja e da industrialização e modernização tardia em Portugal

com empresas de cunho liberal, e, quando se compara Portugal, com o modelo

industrial inglês ou de outras nações modernizantes europeias; evento ilustrativo, que

revela aspectos arqueológicos e genealógicos acerca do holocausto do tráfico negreiro

realizado por Portugal a partir do continente africano para o território brasileiro.

Os únicos países onde, ao que tudo indicava a idolatria do Estado e o culto da

nação ainda estavam em moda, e onde os slogans nacionalistas contra as forças

supra estatais ainda correspondiam ao interesse do povo, eram aquelas nações

latino-europeias como a Itália e, em menor intensidade, a Espanha e Portugal, cujo

desenvolvimento nacional havia sido seriamente prejudicado pelo poder da Igreja.

Em parte, devido a esse fator de atraso no desenvolvimento nacional, e em parte

graças à sabedoria da Igreja (que sensatamente reconheceu não ser o fascismo nem

anticristão nem totalitário em seus princípios, e apenas estabeleceu uma separação

entre Igreja e Estado que já havia em outros países), a atitude anticlerical do

nacionalismo fascista rapidamente deu lugar a um modus vivendi, como na Itália,

ou uma aliança, como na Espanha e em Portugal. (ARENDT, 1989, p. 290).

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A sequência do estudo quanto ao racismo na concepção Arendtiana é

pertinente ao objeto de estudo – o racismo; na medida em que permite vislumbrar a

genealogia do pensamento racial e do racismo como preconceito de cor contra o negro

presente na sociedade brasileira contemporânea.

Em Arendt (1989) o declínio do Estado-nação representará a quebra da

promessa da manutenção do estado de direito e proteção dos indivíduos, na medida em

que não assegura o direito a ter direitos, análise por meio de diferentes caminhos

metodológicos pode ser observada também em Sartre (1978), Foucault (1996) e Moura

(1988).

A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados

da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem da igualdade perante a lei

ou da liberdade de opinião – fórmulas que se destinavam a resolver problemas

dentro de certas comunidades – mas do fato de já não pertencerem a qualquer

comunidade. Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais

perante a lei, mas sim de não existirem mais leis para eles; não de serem

oprimidos, mas de não haver ninguém mais que se interessasse por eles.

(ARENDT, 1989, p. 329).

A visão de Sartre (1978) percorre a mesma análise que Arendt (1989) para com

o racismo construído contra o judeu pelo antissemita na Europa, que representou senão

um pretexto para outras formas de racismos posteriores contra o negro, o amarelo, e o

homossexual. O racista tem dificuldade em aceitar o diferente no padrão estabelecido

por seu próprio contexto de crenças e valores. A multiplicidade racial e cultural de certa

forma agride os que concebem a raça pura como uma virtude e a degeneração seria a

miscigenação racial. Sartre (1978) registra ainda que o racista não compreende e não

entende o diferente e por isso o vê como uma ameaça de uma hipotética pureza

biológica; daí cria-se um encurtamento para o ódio e a violência racial, com a

subsequente guerra genocida e exclusão dos que não se enquadram nos padrões pré-

estabelecidos.

Não só a população alemã vê o diferente como ameaça os puritanos ingleses,

bem como a aristocracia francesa difundirá para os demais países europeus, por meio da

concorrência econômica, da ascensão política e dos conflitos sociais nacionais e

internacionais, os outsiders (não integrados) como uma ameaça. A denúncia dos fortes e

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conquistadores contra os fracos e vencidos cria um cenário de polarizações violentas

sobre debilidades de outras raças que será o mote da ação política racista.

Assim o anti-semita se escolheu criminoso, e criminoso branco: ainda aqui foge às

responsabilidades; censurou os instintos de homicida, mas descobriu o meio de

saciá-los sem confessá-los. Sabe que é perverso, mas como pratica o Mal pelo Bem,

como todo um povo espera dele a libertação, considera-se um perverso sagrado.

Graças a uma espécie de inversão de todos os valores, de que encontramos paralelo

em certas religiões e, por exemplo, na Índia onde existe uma prostituição sagrada,

à cólera, ao ódio, à pilhagem, ao homicídio e a todas as formas de violência inerem,

segundo êle, a estima, o respeito, o entusiasmo; e no próprio momento em que a

maldade o inebria, sente em si a leveza e a paz que a consciência tranquila e a

satisfação do dever cumprido proporcionam. (SARTRE, 1978, p. 29).

Tanto para Sartre (1978) onde o racista antissemita por opção escolhe um

inimigo como portador do mal, neste caso o judeu, quanto para Foucault (2010), numa

visão comparativa as relações conflituosas inter-raciais assumem caráter de força e

motor na luta entre as raças para tanto, aponta que o século XIX terá como mote o

conflito racial como elemento constitutivo do bio-poder, e este irá desembocar no

nazismo. Ao retomar a soberania clássica, o Estado engendra no seio das populações a

guerra das raças com o racismo, estabelecendo o direito de vida e de morte. Neste

contexto há o aparato tecnológico disciplinar do corpo para a instauração da bio-política

com o intuito de eliminar as raças inferiores, as sub-raças, os indivíduos anormais,

degenerados, com o objetivo de esquadrinhar e normalizar os comportamentos. A

estratégia política e pública usa a morte do outro, o classifica como perigoso para a

purificação da raça superior. A guerra das raças, calcada na interpretação da história

oficial de soberania dará origem ao discurso do racismo, no qual as diferenças não se

misturam.

Aparecimento, portanto, no fim do século XIX, daquilo que poderíamos chamar de

racismo de Estado: racismo biológico e centralizado. E esse tema é que foi, se não

profundamente modificado, pelo menos transformado e utilizado nas estratégias

específicas do século XX. Podemos assinalar essencialmente dois deles. De uma

parte, a transformação nazista, que retoma o tema, instituído no final do século

XIX, de um racismo de Estado encarregado de proteger biologicamente a raça.

Mas esse tema é retomado, convertido, de certa forma em modo regressivo, de

maneira que seja reimplantado, e que funcione, no interior de um discurso

profético, que era justamente aquele em que aparecera, antigamente, o tema da

luta das raças. É assim que o nazismo vai reutilizar toda uma mitologia popular, e

quase medieval, para fazer o racismo de Estado funcionar numa paisagem

ideológica-mítica que se aproxima daquela das lutas populares que puderam, em

dado momento, sustentar e permitir a formulação do tema da luta das raças.

(FOUCAULT, 2010, p.69).

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No Brasil, para Moura (1988) as consequências do pensamento racial

escravista contra a população negra e suas subsequentes formas de preconceito fez

emergir uma provocação no sentido de modernização das relações sociais.

Por mais que o racismo de Estado exerça de forma hegemônica, com força e

violência, políticas públicas e sociais racistas, há que se considerar que os que são

vítimas dessas políticas de Estado, ainda mantém sua condição humana enquanto

indivíduos providos de pensar e capacidade de agir em prol da liberdade e resgate da

vivência negada pela opressão totalitária. Como exemplo em terras brasileiras, um dos

aspectos mais relevantes na dinâmica das lutas contra a escravização do povo negro

foram os quilombos.

O dinamismo da sociedade brasileira, visto do ângulo de devir, teve a grande

contribuição do quilombola, dos escravos que se marginalizavam do processo

produtivo e se incorporavam às forças negativas do sistema. Desta forma, o

escravo fugido ou ativamente rebelde desempenhava um papel que lhe escapava

completamente, mas que funcionava como fator de dinamização da sociedade. As

formas “extralegais” ou “patológicas” de comportamento do escravo, segundo a

sociologia acadêmica, serviram para impulsionar a sociedade brasileira em direção

a um estágio superior de organização do trabalho. O quilombola era o elemento

que, como sujeito do próprio regime escravocrata, negava-o material e

socialmente, solapando o tipo de trabalho que existia e dinamizava a estratificação

social existente. Ao fazer isto, sem conscientização embora, criava as premissas

para a projeção de um regime novo no qual o trabalho seria exercido pelo homem

livre e que não mais simples mercadoria, mas vendedor de uma: sua força de

trabalho. (MOURA, 1988, p. 269).

Retomando o fundamento de Arendt e Foucault e comparando-o à Moura

pode-se compreender em diferentes distinções a análise do pensamento racial. A

primeira compreensão de distinção fenomênica é introduzida na estrutura do contexto

histórico, a partir da emancipação política da burguesia apresentada na formação dessa

mesma classe social dominante, que incorpora e apropria-se da exploração do trabalho

como mecanismo econômico para a produção do lucro e da riqueza financeira e

produtiva; a segunda distinção reflete a linguagem compreensiva, explicitando o

pensamento racial antes do racismo, contexto em que se permite compreender a

arqueologia do fenômeno e das ações da sociedade racista global; a terceira distinção é

definida pela compreensão de raça e burocracia, momento em que o “Grande Jogo” do

exercício de poder burocrático é manobrado a partir da violência, do extermínio e do

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genocídio de grupos étnicos diferenciados pelo padrão ideologicamente construído pela

classe social dominante; na quarta distinção elabora-se a compreensão na perspectiva

política da construção do imperialismo continental, bem como dos movimentos de

unificação do Estado-nação; a quinta distinção compreende o declínio do Estado-nação

e o fim dos direitos do homem, com a subsequente construção dos regimes totalitários, a

substituição dos partidos e o fim dos direitos do homem com a consolidação do ódio

racial.

É neste cenário apresentado no parágrafo anterior, que governo sobre as raças

inferiores gestou no continente europeu o ressurgimento da política e dos métodos

imperialistas, os herdeiros do poder de consciência tribal ampliada engendraram como

estrutura do homem branco um sistema político opressor, e seu efeito bumerangue

desencadeou a desestruturação do Estado-nação europeia para a abertura do abismo

totalitário.

Em comparação ao governo das raças superiores de que trata a obra

Arendtiana, Origens do Totalitarismo, compreendendo-o como imperialismo colonial

europeu, este possui uma correspondência com a qual se pode compreender a condição

do negro escravizado no Brasil.

A privação fundamental dos direitos humanos manifesta-se, primeiro e acima de

tudo, na privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação

eficaz. Algo mais fundamental do que a liberdade e a justiça, que são os direitos do

cidadão, está em jogo quando deixa de ser natural que um homem pertença à

comunidade em que nasceu, e quando o não pertencer a ela não é um ato da sua

livre escolha, ou quando está numa situação em que, a não ser que cometa um

crime, receberá um tratamento independente do que ele faça ou deixe de fazer.

Esse extremo, e nada mais, é a situação dos que são privados dos seus direitos

humanos. São privados não do seu direito à liberdade, mas do direito à ação; não

do direito de pensarem o que quiserem, mas do direito de opinarem. Privilégios

(em alguns casos), injustiças (na maioria das vezes), bênçãos ou ruinas lhe serão

dados ao sabor do acaso e sem qualquer relação com o que fazem, fizeram ou

venham a fazer. (ARENDT, 1989, p. 330).

É neste sentido que podemos compreender o tráfico negreiro como o

holocausto contra a população negra africana, negros afro-brasileiros e todo o conjunto

de negros da afro-diáspora; ser traficado para uma terra estranha, privado de liberdade

cujo objeto final é ter a vida consumida pelo trabalho escravizado (o trabalho liberta,

dizia slogan nazista); as senzalas no Brasil como campo de internação, concentração e

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extermínio, verdadeiras fábricas da morte, bem como a sua continuidade nas favelas do

século XX e XXI; a banalidade do mal, nos suplícios e castigos contra o homem e a

mulher negra, sentenciados à morte sem sentido desencadeadora da apatia e do banzo

(tristeza pela incompreensão de ser condenado pelo sistema escravista); o ódio racial

como um sentimento racional elaborado a partir da ideologia racial em que o homem

branco europeu seria superior ao homem negro africano e afro-brasileiro; a condição de

apátrida do negro no Brasil, estar neste paísl, mas não ter direito a ter direitos; o navio

negreiro ou tumbeiros; como metáforas dos trens que transportavam os judeus para os

campos de extermínios na Europa; a riqueza inútil do homem branco supérfluo

conquistador português; a sede de castigo e vingança banal do senhor escravista e dos

seus feitores; bem como o genocídio e o extermínio burocraticamente administrados

pela supremacia racial branca no Brasil.

Do exposto devemos concluir que, somente a falta de instrução destruiu o valor do

africano. Apesar disso, a observação há demonstrado que entre nós, os

descendentes da raça negra têm ocupado posições de alto relevo, em todos os

ramos do saber humano, reafirmando a sua honorabilidade individual na

observância das mais acrisoladas virtudes (QUERINO, 1955, p. 23).

A configuração da formação social brasileira oficial encontrou mecanismos de

dissuasão e dissimulação procurando esconder o ódio racial e a violência contra a

população negra. No contexto dos anos de 1970, é descrito um cenário por Nascimento

(2016) que pode contemplar a narrativa contemporânea para a população negra.

Devemos compreender “democracia racial” como significado a metáfora perfeita

para designar o racismo estilo brasileiro: não tão óbvio como o racismo dos

Estados Unidos e nem legalizado qual o apartheid da África do Sul, mas

institucionalizado de forma eficaz nos níveis oficiais de governo, assim difuso e

profundamente penetrante no tecido social, psicológico, econômico, político e

cultural da sociedade do país. Da classificação grosseira dos negros como selvagens

e inferiores, ao enaltecimento das virtudes da mistura de sangue como tentativa de

erradicação da “mancha negra”; da operatividade do “sincretismo” religioso à

abolição legal da questão negra através da Lei de Segurança Nacional e da omissão

censitária – manipulando todos esses métodos e recursos – a história não oficial do

Brasil registra o longo e antigo genocídio que se vem perpetrando contra o afro-

brasileiro. Monstruosa máquina ironicamente designada “democracia racial” que

só concede aos negros um único “privilégio”: aquele de se tornarem brancos, por

dentro e por fora. A palavra-senha desse imperialismo da brancura, e do

capitalismo que lhe é inerente, responde a apelidos bastardos como assimilação,

aculturação, miscigenação; mas sabemos que embaixo da superfície teórica

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permanece intocada a crença na inferioridade do africano e seus descendentes.

(NASCIMENTO, 2016, p.111)

Tomado por Moura (1988) e reforçado por Nascimento (2016) e Querino

(1955), certamente o conflito racial no Brasil na contemporaneidade apresenta aspectos

que ora aparece no ódio racial e na violência muda e silenciosa, ora este conflito mostra

a sua cara tornando explícito o ódio e a violência contra a população negra no Brasil na

forma do preconceito racial no exercício do viver em sociedade, nos espaços públicos e

nas relações de interação social. São nos exemplos micros do cotidiano da vida privada

e pública é que encontramos ações e eventos manifestos de rejeição da comunidade

negra, por parte da comunidade branca.

A perspectiva deste contexto e no seu contraditório é corroborada na análise de

Ware (2004) acerca da categorização de branquitude. A análise pressupõe o pensar

crítico de como a hegemonia da pele de cor branca evidencia muitos indivíduos e os

torna uma força cultural dominante.

A visão sobre o racismo estruturado e estereotipado na branquitude desvela

como a cor da pele branca foi construída sob a ideologia essencializadora, desprovida de

plausibilidade, com concepções metafísicas, naturalizando e normalizando uma visão de

mundo a partir da cor da pele branca.

A superioridade da denominada identidade branca não é autoevidente,

entretanto, fornece elementos visíveis e sistemáticos para hierarquização das diferenças.

Determina quem irá se apropriar da maior fatia renda no trabalho formal, auferir a mais

valia, ocupar espaços geográficos privilegiados, concentrar o capital, deter o poder

político e estar abrigado no Estado de direito.

O conceito de branquidade pode recair no que se propõe a criticar ao manter o

branco em evidência e se permanecer no estereótipo para a análise e objeto de

compreensão política. Há que se recorrer à categorização dinâmica da visão histórica

para entender os processos de mudanças e funções dos indivíduos na sociedade para

problematizar a branquitude na visão de mundo construída socialmente. Como aponta

Fanon (2008) cenários nos quais o negro possuía o sonho onírico de ser branco, sem

poder sê-lo na pureza idealizada.

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Conhecemos no passado, e, infelizmente, conhecemos ainda hoje, amigos

originários do Daomé ou do Congo que declaram ser antilhanos. Conhecemos no

passado e ainda hoje antilhanos que se envergonham quando são confundidos com

senegaleses. É que o antilhano é mais “evoluído” do que o negro da África:

entenda-se que ele está mais próximo do branco; e esta diferença existe não apenas

nas ruas e nas avenidas, mas também na administração e no Exército. Qualquer

antilhano que tenha feito o serviço militar em um regimento de infantaria colonial

conhece essa atormentante situação: de um lado, os europeus, os velhos colonos

brancos e os nativos; do outro, os infantes africanos. Lembro-me de certo dia,

quando, em plena ação, o problema era destruir um ninho de metralhadoras

inimigo. Por três vezes os senegaleses foram enviados, e três vezes rechaçados.

Então um deles perguntou por que os toubabs (brancos) não iam. É nesses

momentos que o antilhano não sabe ao certo se é toubab ou indígena, mas não

considera a situação preocupante, pelo contrário, a considera normal. Só faltava

essa, sermos confundidos com os pretos! Os antilhanos desprezam a infantaria

senegalesa e reinam sobre a negrada como senhores incontestável. (FANON, 2008,

p. 40).

Por outro lado, a herança do preconceito racial focado na cor de pele negra

contra a população negra afro-brasileira desencadeou reações, lutas e ações por

libertação e a vontade do exercício pleno da liberdade e essa condição é o combustível

das aspirações de igualdade política da condição humana dos negros afro-brasileiros.

O paradoxo entre trabalho e escravidão é descrito por Gorender (2010) na

mesma perspectiva, que Fanon (2008) descreve a alienação da pele negra por máscaras

brancas, e Arendt (1989) demonstra o desprezo do indivíduo por si mesmo.

Nenhum filósofo da Antiguidade Clássica escreveria uma apologia do trabalho

ainda mais nos termos de Hegel, como síntese da própria humanização do homem.

Para os antigos, o trabalho envilecia o ser humano, não era digno de homens livres

e nunca poderia dignificar o escravo. Uma concepção dignificadora do trabalho só

é desenvolvida na economia política burguesa clássica, que nele descobre a

substância do valor. Essa descoberta científica exerceu decisiva influência sobre

Hegel e explica os termos em que estabeleceu a dialética entre senhor e escravo.

Nesse último, encarnou abstratamente a humanidade trabalhadora que dá forma à

natureza, que a domina, com ela estabelecendo uma relação essencial. Não é

preciso encarecer a significação dessa tese para o marxismo.

Mas Hegel – como assinala Sanchez Valdez – via a sociedade indistinta, sob o

prisma ideológico burguês, que obscurecia a existência de classes antagônicas e a

luta de classes. Via o trabalho como objetivação e não como objetivação alienada.

Se nos voltarmos, contudo, à história real, ao escravo real, a dialética apresenta-se

a nós como o oposto da hegeliana. Porque o escravo real só conquistava a

consciência de si mesmo como ser humano ao repelir o trabalho, o que constituía

sua manifestação mais espontânea de repulsa ao senhor ao estado de escravidão. A

humanidade se criou pelo trabalho e, por mediação dele, se concebeu

humanamente – nisto reside a verdade da fenomenologia hegeliana. Já ao homem

escravo só foi dado recuperar sua humanidade pessoal pela rejeição do trabalho.

Tal a dialética concreta, num momento dado do desenvolvimento social.

(GORENDER, 2010, p. 105).

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A compreensão do declínio do Estado-nação e o fim dos Direitos do Homem

projetará um cenário sombrio no qual o negro na condição de escravizado, teve que

superar duas condições: a primeira lutar pela libertação; a segunda até o presente

momento continuar lutando pelo direito a ter direitos visando o pleno exercício da

liberdade.

O tráfico de negros escravizados do continente africano para o Brasil,

representa o cenário mais completo na modernidade, do declínio do Estado-nação na

Europa, e a consequente expansão ultramarina de Portugal como potência da Europa a

utilizar a estratégia de expansão ultramarina para construir um Estado rico na Europa à

custa do tráfico negreiro e da mão-de-obra escravizada da população de negros e negras

africanos transportados para o Brasil, conforme aponta Querino (1955).

Em 1522, os mouros, rapazes e raparigas, devido ao aperto da fome, ofereciam-se

como escravos, somente para obterem a alimentação; e assim, embarcavam para

Lisbôa e Sevilha, para onde os navios seguiam carregados. As viagens do interior

para o litoral tornavam-se penosas, pois, seguiam os negros algemados, com dupla

canga de madeira que os prendia a dois e dois, pelo pescoço. A marcha durava

semanas e meses através de rios e florestas, mal alimentados, sem repouso, cabeças

descobertas expostas ao sol ardente, até o ponto de embarque como fossem, Lagos

e toda a costa de Guiné, que se constituíam o maior empório de exportação de

africanos para o Brasil. (QUERINO, 1955, p. 27-28).

Dessa maneira, na condição de escravizado o negro foi transportado para o

Brasil e por aqui permaneceu nesta condição formal até o ano de 1888. Entretanto, a

formalidade da abolição da escravização da comunidade negra, não impediu que a

exploração, a desumanização, genocídio e o racismo como forma de exclusão social,

política e econômica, permanecessem e permanecem até a contemporaneidade por

outras formas que não a escravização formal. Entre lutas e resistências à escravização e

contra as formas de racismo na contemporaneidade os negros e negras brasileiros,

constroem mecanismos de lucidez para enfrentamentos contra os aparatos do sistema

racista moderno. Desde as primeiras comunidades especificas negras na forma de

Quilombos com estruturas social, econômica e política para de resistir à opressão por

parte dos brancos no período colonial brasileiro, e mesmo hoje na fase republicana, as

organizações e os enfrentamentos promovidos pelos diversos grupos do movimento

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negro organizados na modernidade, os negros nunca deixaram de resistir ou se

submeteram a alguma forma de cooptação racial hegemônica do mundo dos brancos.

1.2 O Negro na Condição de Escravizado

Compreende-se que a questão posta por Arendt: o que estamos fazendo com o

nosso planeta e com a vida que é dada ao homem na terra a partir da natalidade,

pode aportar o problema específico e singular do negro escravizado e como

consequência a condição de inferiorização racial do negro consolidado no processo de

colonização do continente africano por parte de nações europeias; estabelecimento de

cenários de violência de Estados europeus contra as ações das lutas por independência

dos países do continente africano; cooptação das lutas por libertação do

neocolonialismo no continente africano; sobretudo, com o cenário da modernidade

consolidando o preconceito racial contra os negros da África e da afro diáspora pelo

mundo.

O enfretamento do preconceito racial contra os negros e a questão da exclusão

da etnia da comunidade negra nas sociedades globalizadas da contemporaneidade, se

torna uma questão sine qua non e limite para a vida de toda a humanidade, visto que o

racismo praticado contra o negro é uma violência sócio-política e econômica, que sem

reconhecimento de cidadania e direitos e nem de direito a ter direitos, não possui um lar

autêntico em canto algum, e é visto como pária e apátrida em qualquer território que

sobreviva a partir da afro diáspora.

Visto que, a cultura e natureza intercambiadas no mundo complexo da

modernidade do século XXI, já não aceita mais atitudes e pensamentos irracionais e

falácias como a da supremacia racial de brancos sobre os negros, sobretudo, quando o

racismo é disseminado contra os negros na tentativa de inferiorizá-los é transformado

em uma patologia social que afeta e adoecem brancos e negros como evidenciado neste

trabalho e reafirmamos aqui para que fique bem clara que nesta patologia social, por

mais que o branco insista em criar estereótipos contra os negros, como já denunciava

Frantz Fanon, o racismo desumaniza também o branco.

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Agora podemos propor um padrão. Para a maioria dos brancos, o negro

representa o instituto sexual (não educado). O preto encarna a potência genital

acima da moral e das interdições. As brancas, por uma verdadeira indução,

sempre percebem o preto na porta impalpável do reino de sabás, das bacanais, das

sensações sexuais alucinantes... Mostramos que a realidade desmente todas essas

crenças. Mas tudo isso se acha no plano do imaginário, ou, na pior das hipóteses,

no do paralogismo. O branco que atribui ao negro uma influência maléfica regride

no plano intelectual, pois, como demonstramos, ele se inteirou desses conteúdos

com a idade mental de oito anos (periódicos ilustrados). (FANON, 2008, 152).

A questão colocada por Arendt: o que estamos fazendo com o planeta e com

nossas vidas, imbrica com a citação de Fanon (2008) na medida em que é

necessariamente uma questão política por abarcar também, no caso específico do

racismo contra os negros, o infinito passado descronologizado, bem como um infinito

futuro também descronologizado e desmemoralizado quando da origem da criação dos

racismos nas sociedades; constatando que em um dado momento se é racista sem se

suspeitar quando este teve seu início, e que, portanto, também não há um horizonte para

o seu fim. A saída deste impasse passa pela descolonização do pensamento de brancos e

negros, visa uma nova via para uma humanidade comum.

Arendt inicia a obra A Condição Humana já no prólogo colocando o evento

ocorrido em 1957, que foi o lançamento do satélite artificial (Sputnik) do país da Ex-

República Socialista da União Soviética, atual Rússia, como o marco de um artificio

humano sobre o qual devemos refletir a respeito do mundo comum da humanidade.

Segundo a autora este evento ultrapassa a todos os até então na história, visto que é a

demonstração de a humanidade não permanecerá para sempre presa à Terra.

Se a humanidade engloba negros, brancos, asiáticos e uma pluralidade de

diversidade de múltiplas etnias, consolida-se aqui a questão central deste trabalho, que

analisa o racismo consolidado contra os negros, estruturante na exclusão da comunidade

negra, enquanto parte da espécie humana como o problema do que estamos fazendo

com as comunidades negras local e global, quando as excluímos com a falácia da

inferioridade racial. O racismo, Wieviorka (2007), é uma construção social, política

econômica e ideológica que pode segregar os diferentes em diferentes espaços, ou no

mesmo tempo e espaço ser ativo de forma dissimulada, no racismo:

Noção tão ambígua quanto a de segregação, uma vez ela também designa ao

mesmo tempo um processo e seu resultado, a discriminação racial é suscetível de

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exercer-se em todos os domínios da vida social, no acesso à educação, à saúde, ao

emprego, à moradia, no interior da empresa e nos locais de trabalho, por vezes

também nas associações, até mesmo nos sindicatos, no funcionamento da justiça,

na polícia. Aparece também na maneira como os grupos vítimas do racismo são

tratados nas mídias, na televisão, no cinema, na publicidade, quando são

esquecidos, ignorados, tal como o “Homem Invisível” do belo livro de Ralph

Ellison, apresentados sob uma luz particularmente negativa, ou, ao contrário,

estetizados de uma maneira que acentua características físicas particulares.

(WIEVIORKA, 2007, p. 68-69).

Denota-se aqui uma preocupação tanto em Wieviorka (2207), quanto em

Arendt (1989) representada pelo divórcio que acaba ocorrendo entre o pensamento e

conhecimento, é a trava que coloca também o racismo contra os negros em segundo

plano, dissimulando como se não fosse um problema da realidade concreta da

organização social na modernidade. Este divórcio entre o pensamento e conhecimento

obnubila a própria capacidade dos homens em perceber as consequências de suas ações,

permeadas, por exemplo, como desenvolvimento extremo da produção industrial das

máquinas de produção e serviços, que de certa forma tecnicamente descarta os homens

como seus criadores, possibilitando a condição de escravos indefesos para a toda a

humanidade.

Há o discurso lógico da ciência, discurso este questionável quando se examina

mais profundamente as tautologias do seu início no cartesianismo, no darwinismo e no

positivismo; que fora antes estabelecido para consolidar as prerrogativas do advento da

automação como sendo a libertação do homem do fardo do trabalho, extenuante e

mecânico suscitado desde a Revolução Industrial da era moderna, atingindo seu auge no

mundo moderno.

A condição humana dentro destes parâmetros aponta para o horizonte:

O que nos depara, portanto, é a possibilidade de uma sociedade de trabalhadores

sem trabalho, isto é, sem a única atividade que lhes resta. Certamente nada

poderia ser pior. (ARENDT, 1991, p. 13).

O desafio aqui posto é analisar os eventos para entender a alienação no mundo

moderno nos seus aspectos culturais e naturais, para tanto é necessária à compreensão

das ações e eventos dos homens na história. A questão central complementada por

Arendt (1991): o que estamos fazendo? Pode ser alargada com a pergunta o que

estamos fazendo contra o negro? Racismo, escravização e preconceito racial, são

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manifestações elementares da condição humana, que estão presentes como eventos

históricos, sobretudo, pela suspensão do livre pensar. O pensar instrumentalizado

causou a derrota do livre pensar ao estereotipar o negro como um não humano. Impediu

por exemplo, a capacidade de criar novas relações sociais e políticas para além do

mundo do trabalho do sistema de produção capitalista. Considera-se para tanto, os

aspectos da vida privada construída para as relações sociais dos homens entre seus pares

mais próximos, e, também as contradições, conflitos, transformações e enfrentamentos

nas comunidades, nos espaços públicos e nas mediações políticas para além dos

sistemas pré-determinados. O destino comum de uma sociedade de trabalhadores sem

trabalho passa pelo esgotamento da própria forma como o trabalho foi concebido, e

antes deste cenário a mão de obra escrava foi o condicionante para exercer o trabalho

em condições desumanas, conforme atesta Querino (1955):

Se o escravizado não podia seguir o bando, era esfaqueado, enforcado ou deixado

ao abandono, exausto de fome “Sempre o mesmo motivo para o assassínio; furioso

pela perda do seu dinheiro, o dono alivia a sua cólera matando o escravo que não

pode continuar” (Livingston – Viagens de exploração, p. 95). Os traficantes, ao

receberem a mercadoria, marcavam-na com um ferro em brasa, nos peitos, nas

costas, nos braços e no ventre, de acordo com a senha convencionada pelos

consignatários no Brasil. De modo que, aqui chegando, cada qual distinguia o que

era seu. Está averiguado que os primeiros escravizados chegaram ao Brasil em

1538, em uma nau pertencente ao famigerado Jorge Lopes Bixorda, que, muito

antes, em 1512, levara para a Europa alguns indígenas como espécie do tráfico, ao

preço de três mil e quinhentos réis, por cabeça. (QUERINO, 1955, p. 28).

Nessa perspectiva e tomando a expressão A Condição Humana apresentada por

Hannah Arendt, que visa compreender o conceito de condição mais como qualificação

da condição para a existência, do que um condicionamento histórico a-priori ou pré-

determinado inevitavelmente, portanto, é o próprio homem que se condiciona a viver a

partir de suas próprias criações, e não por um sistema metafísico histórico determinante.

A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi

dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles

entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. O

mundo no qual transcorre a vita activa consiste em coisas produzidas pelas

atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência

exclusivamente aos homens também condicionam os seus autores humanos. Além

das condições nas quais a vida é dada ao homem na Terra e, até certo ponto, a

partir delas, os homens constantemente criam as suas próprias condições que, a

despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a mesma força

condicionante das coisas naturais. (ARENDT, 1991, p.17)

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É, neste sentido citado que os homens são seres condicionados, independente

do que façam, o que adentra o mundo humano é a ele incorporado pelo esforço humano

faz parte da condição humana. É exatamente aqui que entra a questão central deste

trabalho quando se elabora a questão do Racismo Contra o Negro, ser uma questão

condicionante das relações sociais, econômicas e políticas quanto à relação das etnias

branca e negra em conflito permanente mudo ou alvoroçado, violento fisicamente e

moral ou pela violência muda da omissão e da alienação.

Mas é, sobretudo, uma ideologia criada de superioridade da etnia branca contra

a inferiorização etnia negra. É nesta parte do trabalho que o título central terá a

incorporação da narrativa do Negro na Condição de Escravizado. Tendo em vista que

nenhum homem ou mulher negra tenha uma condenação original de nascer

escravizados, fica evidenciado que o negro é reduzido à condição de escravizado pela

construção social dos homens brancos racistas. As ações na amplitude do cenário da

vida humana, ou que esteja na relação com esta vida é caracterizado pela condição da

existência humana, a condição humana é complementar à existência humana pelo

próprio impacto da realidade do mundo. Dito isto, será evidenciado que a escravização e

o preconceito racial são uma condição humana criada pelo próprio homem branco,

condicionante da existência humana dos homens e mulheres negros.

Pela primeira vez na história humana, o nome Negro deixa de remeter unicamente

para a condição atribuída aos genes de origem africana durante o primeiro

capitalismo (predações de toda a espécie, desapossamento da autodeterminação e,

sobretudo, das duas matrizes do possível, que são o futuro e o tempo). A este novo

caráter descartável e solúvel, à sua institucionalização enquanto padrão de vida e à

sua generalização ao que mundo inteiro chamou o devir-negro do mundo.

(MBEMBE, 2014, p 18).

A partir da concepção do escravismo visando destituir o negro de sua condição

humana, criado pelo próprio homem branco, é que será analisado o Negro na Condição

de Escravizado, bem como os modos de resistências criados pela comunidade negra

como mecanismo de luta política no espaço público, por trabalho formal, inserção junto

à tradição do conhecimento público e comum da humanidade altamente tecnologizada.

Este fato, se assim for concebido pela não alienação entre o pensamento e o

conhecimento, poderá fazer com que a comunidade negra possa interagir e propor como

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parte da tradição cultural comum da humanidade e da natureza, alternativas à destruição

do planeta Terra e da aniquilação da vida em comum, e das sociedades livres dos

racismos. Visto que, como afirma Mbembe (2014) o devir negro escravizado pela

tecnologia irá escravizar a todos negros e brancos, pois o divórcio entre conhecimento e

pensamento suspende a capacidade de pensar o que estamos fazendo. Mesmo que

incertas consequências da ciência tenham grande significado político a relevância do

discurso que faz do homem um ser político, fica comprometido.

A automação das atividades humanas na modernidade subjuga as verdades que

ficam além da linguagem e que possuem grande relevância para o homem no singular,

poderá transformar a sociedade, numa sociedade de operários, situação na qual a

liberdade perde o significado por estruturar uma sociedade de trabalhadores sem

trabalho. Esta é a questão proposta: pensar o que estamos fazendo, e pensar é a

atividade mais pura da mente humana, que sem a liberdade não pode ser exercida

plenamente no mundo moderno.

Escravizar o negro no e a partir do continente africano não foi uma escolha

aleatória por parte da comunidade dos povos brancos dos países europeus, no século

XVI. Trata-se antes de tudo de um projeto de expansão econômica comercial e

marítima, visando à expansão do Estado-Nação, da Europa, que estava em declínio,

sobretudo, para abrir novas fronteiras ao modo de produção capitalista incipiente

naquele momento no contexto europeu, mas que já necessitava de matérias prima e

novos mercados para exploração e negócios.

Foi dentro do conjunto dos eventos sínteses do espirito do tempo da era

moderna, identificada por Arendt (XVII-XX) consolidados com a ocupação das

Américas pelos países europeus, com a invenção do telescópio, e a reforma protestante;

distinto do mundo moderno, registrada a partir do ano de 1945 do século XX com o fato

das explosões da bomba atômica, cenário este que podemos compreender nestes últimos

quase quinhentos anos que a escravização dos negros como mão de obra escrava e o

tráfico negreiro foram concebidos e suas terras no continente africano foram

ambicionadas e invadidas para suprir os anseios da fúria devoradora do capital mercantil

e industrial europeu.

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O que para a narrativa dos historiadores constituía a era moderna, tempo

histórico também da invasão no continente africado pelas potencias europeia, no mesmo

espaço de tempo, para os negros do continente africano era o abismo do inferno, que se

abria ao ser traficado do continente africano para outras terras, aqui neste caso singular

para o Brasil.

Nada igualmente pode dar ideia exata da imundice horrível de um navio carregado

de escravos. Acumulados, ou antes, embarrilados como se acham os negros, torna-

se quase impossível limpar o navio, que é de ordinário abandono, à falta de um

Hércules assáz temerário para varrer essas novas estribarias d’Augias ...Não resta

dúvida de que , si um branco fosse mergulhado na atmosfera em que vivem os

desgraçados negros, seria imediatamente asfixiado. (QUERINO, 1955, p. 30).

Neste cenário é estabelecida a ocupação, exploração escravização dos homens,

mulheres, crianças e idosos negros africanos sob a ideologia das raças. Na qual a raça

branca dita superior e civilizada, irá dominar, cristianizar e capturar os negros

inferiorizados como peça de reprodução do capital, num primeiro momento capital

mercantil como mão de obra escrava, e depois como mão de obra não remunerada para

extração de matéria prima, e uso intensivo na produção dos primeiros engenhos de cana

de açúcar, minérios e plantacion (plantação/agricultura) vindo a constituir a exploração

mercantil nas Américas para o comércio internacional.

A captura para o tráfico de negros e negras no continente africano para as

Américas no contexto interno africano podem ser compreendidos, por exemplo, a partir

da narrativa da escritora camaronesa Leonora Miano (2017) cuja resenha da obra: A

Estação das Sombras foi desenvolvida por mim e está indicada nas referências

bibliográficas.

A autora, Miano, descreve os eventos internos no continente antes das partidas

das embarcações para os continentes americanos. Para negros e negras afro-brasileiros

da afro diáspora por exemplo, ao rememorarmos as origens se encontra o imaginário

coletivo do tráfico transatlântico negreiro como herança de nossa ancestralidade de

tempos imemoriais, como referência e fundamento consolidado quanto às nossas

origens.

Percebe-se que o registro do evento do tráfico transatlântico negreiro fica mais

latente, solidificado e identificado, por carregar a tradição da imaterialidade oral e

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revelar na materialidade da escrita que possui o dom de permanecer imortal no tempo

conhecido, visto que tem um início, contudo não tem um fim. É como se a história do

tráfico transatlântico perpassasse a cada um que foi escravizado e chegasse aos afros

descendentes contemporâneos com uma força discriminatória descomunal, e ao mesmo

tempo revelasse parte de nossas origens.

A compreensão pode fluir a partir da Aurora Fuliginosa, descrita por Miano na

qual se introduz o cenário de destruição, violência, amargura e holocausto provocado

por conflito entre Clãs, na África camaronesa trazida pela tradição oral e outros

documentos. Neste caso específico o clã Bwele contra o Clã Mulongo, que possuíam a

mesma matriz original na formação, porém divididos a partir da expansão geográfica e

política das monarquias que eram unificadas.

O motivo do ataque, não é evidenciado no primeiro episódio da obra citada,

entretanto, vai se revelando como sendo a estratégia dos “homens de pés de galinha”

(assim chamados pela roupa que cobriam os seus corpos e adereços colocados nas

canelas e nas botas) que eram os europeus colonizadores que buscavam num primeiro

momento o escambo com as comunidades afros do litoral de subsaariano do continente

africano; e, posteriormente num segundo momento com troca de especiarias e armas de

fogo. Passaram a exigir então que, escravizassem homens e mulheres negros, que

servissem de mão de obra para as colônias europeias. Os Bwele entregaram os seus

próprios serviçais, para posteriormente atacarem o Clã Mulongo, escravizar homens e

mulheres e entregá-los aos europeus.

A narrativa de Miano dá a sensação de continuidade, e que esse tempo de

colonialismo imperialista não se esgota e está presente nos testemunhos da oralidade

conforme ela própria utiliza deste recurso, ao buscar explicações de sua mãe, nos

tempos atuais sobre o esclarecimento quanto aos aspectos culturais da raiz de seu povo,

trazidos na memória dos ancestrais. Assim, descreve a massa fuliginosa que cobria as

casas do povoado Mulongo, após o incêndio e destruição das casas, inserindo nesse

cenário o desaparecimento de doze homens da aldeia e o subsequente desespero de suas

mães. É interessante observar todos os aspectos dos rituais e da tradição afro presentes

no pós-tragédia. A partir da narrativa das mulheres personagens Eyabe e Ebusi têm a

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descrição da saga da mãe ao buscar o filho sequestrado entre os doze homens, levado

como escravo pelos Bwele para ser comercializado com os europeus.

Destaca-se também o papel feminino como rompedor de fronteiras e desafios no

sentido de esclarecer o fio da história desconhecido neste cenário específico, antes de

fazer parte dessa obra. Nesse ponto, não há como não lembrar e transpor para o Brasil

um paralelo, rememorando a saga de Luísa Mahin, ao procurar seu filho Luis Gama,

negro afro brasileiro escravizado, vendido a diversos senhores em diferentes cidades

brasileiras, cuja desestruturação familiar, humana e pessoal é narrada pela escritora Ana

Maria Gonçalves (2006).

Retomando a obra de Miano e num estudo comparativo, há um mesmo ambiente

de sombra e escuridão provocada pelo sequestro e desaparecimento, a priori sem

explicação e que necessita ser esclarecido, na narrativa que não é só contar um evento,

mas trazer à tona todo um ciclo de desumanização e holocausto provocado por ações

políticas e econômicas do povo branco sobre o povo negro.

Na narrativa de Miano, se encontra o chefe de Mukano que também sai na

tentativa de resgate dos seus companheiros Mulongos e ao adentrar o território Bwele,

encontra seu irmão Mutango, agora rendido, servidor e traidor junto aos Bwele, tendo

ajudado no ataque a aldeia Mulongo. No jogo de conflitos e traições, o guerreiro

Bwemba, explica a Mukano que assim que os Bwele, não precisar mais de Mutango,

este será emasculado ou terá sua língua cortada e será serviçal do Bwele ou será

entregue como escravo aos homens de pés de galinha. Mukano recorda que o seu irmão

Mutano, traidor, havia praticado também incesto e pedofilia com a própria filha, e que o

castigo do irmão não seria desproporcional.

Como sequencia deste enredo Miano, expõe as formas de resistência das

comunidades afros mais fragilizadas, em termos de armas de guerra, para fugir dos

inimigos de Clãs armados pelos estrangeiros que caçavam negros e negras para

escravizar. Neste cenário há a descrição da narrativa de Eyabe que na luta da busca

pelos homens sequestrados e pelo filho também vítima do sequestro da aldeia Mulongo,

depara-se com ambientes hostis da floresta, e caminhando em direção ao oceano

encontra os povos das águas; assim denominados por construírem suas habitações sobre

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palafitas, aproveitando das marés, estabelecem um mecanismo natural de defesa contra

os inimigos oportunos.

Descreve Miano ainda que, num acidente Eyabe é salva por habitantes deste

povoamento, quando estava cansada e sem forças quase afundara no lamaçal que

protegia o lugar. Há ai, o encontro com Mutimbo, um dos homens sequestrados pelos

Bwele, que ao oferecer resistência foi ferido na coxa por uma flecha envenenada e

deixado para morrer, o qual também foi salvo pelos habitantes aquáticos. Mutimbo

descreve para Eyabe o cenário da noite de incêndio ocorrido na aldeia dos Mulongos, e

como os doze foram capturados, acorrentados e levados para serem comercializados

como escravos. Esta parte da obra de Miano é carregada de narrativas, lembranças das

personagens, o valor das Leis da comunidade, a tradição como estruturadora da vida

cotidiana dos povos afros.

A narrativa segue para que se possa compreender o cenário escolhido como

exemplo, para demonstrar as tragédias causadas pelo processo de invasão e ocupação de

comunidades negras no continente africano. Há a representação de fagulhas espalhadas

pelos estrangeiros escravocratas para dividir os Clãs, provocar guerras e mobilizar

inimigos, aproveitando-se do cenário caótico capturar, escravizar e traficar o maior

número possível de homens e mulheres afros para as colônias europeias.

Neste cenário Miano, descreve a crença religiosa, sobretudo na força de Inyi,

representação feminina do criador que encarna o mistério da gestação e do

conhecimento, na qual esclarece o sentido das sombras, que paira sobre as

comunidades. A aliança do mal de Clãs caçadores de homens e mulheres, com os

homens de pés de galinha (estrangeiros) será desvelada, e todas as formas de destruição

das terras africanas virão à tona. Há que se ressaltar serem os homens de pés de galinha,

como “galinhas” são homens agindo no afã da cobiça e da destruição, contrariando a

própria condição humana.

Por fim Miano descreve com maestria o processo de destruição física e material

dos Mulongos; entretanto, fica evidente que o patrimônio imaterial, e a memória

herdada na tradição oral são resgatados. Eyabe e Ebusi personagens que caracterizam o

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recebimento das falas, da memória e das narrativas dos cativos que escaparam do navio

negreiro, mais tarde denominado tumbeiro, no sentido de tumbas de sepultamento.

Há também a descrição de um segundo ataque perpetrado pelos Bwele contra os

Mulongos, que havia destruído fisicamente por definitivo a aldeia. Restara as essas

mulheres o sepultamento dos corpos deixados expostos. Os cadáveres nutriram o solo

do país, “gerações se passaram, mas nós continuamos a ser o seu sangue”. As

considerações traçadas até aqui são parte de uma resenha reelaborada que desenvolvi da

obra de Miano, cujo título: A Estação das Sombras, possui contundência impar sobre a

construção dos eventos da história dos negros no processo da afro diáspora, que

permanece no tempo presente como o agora de um passado que ainda não passou, e de

um tempo presente de liberdade plena e exercícios de direito a ter direitos, que custa a

chegar para as comunidades de povos negros, nas Américas e ainda em partes

significativas do continente africano.

Nessa perspectiva o cenário da chegada dos negros africanos escravizados no

Brasil (Querino, 2955) reporta mais negros mortos no trajeto desde a saída do

continente africano, do que os que realmente aportaram em terra:

Para fazer chegar 65 mil negros ao Brasil, fora preciso arrancar 100 mil da Costa

d’África, e desses 65 mil morreram comumente 3,4 ou 5 mil nos dois meses

subsequentes à sua chegada. “Se as antigas matanças de prisioneiros de guerra a

fio de espada: se o degolamento dos inocentes; se as fogueiras ou autos de fé da

inquisição, crimes perpetrados na praça pública e no meio do povo parecem-nos

horríveis, não obstante a diferença dos tempos, o que diremos desse novo gênero de

suplícios consumado, em grande parte, nas praias desertas ou nas solidões do

oceano, entre o algoz e a vítima, e perante a majestade do supremo vingador de

todas as vitimas?” (Cartas do Solitário – do Dr A.C. Tavares Bastos, 1863).

(QUERINO, 1955, p. 31).

Neste cenário há o forte quadro de escravização do negro no Brasil. Embarcado

como peça para as Américas, e especificamente se reportando ao tráfico negreiro entre

Portugal e Brasil, o negro constituiu o ser inferiorizado, não humano que deveria servir

de mão de obra para ocupação, trabalho escravo e mais valia para o capital mercantil em

desenvolvimento nas terras brasileiras. A relação de raça dita superior do branco

português contra a raça inferiorizada do negro africano e escravizado no Brasil, é o pilar

que sustenta nos tempos atuais a exclusão social política e econômica dos negros da

afro diáspora que nascidos no Brasil serão objetos do genocídio racial engendrado na

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política de exclusão do tecido social, que por sua vez, estruturará o Racismo Contra os

Negros, na contemporaneidade.

Na era moderna, período de 1817– 1818 a população de negros escravizados no

Brasil era de 1.930.000 aproximadamente, esses números constituem a metade da

população do total de brasileiros que era de 3.818.000, conforme, Malheiro (1944)

citado por Conrad (1985). Esse dado é significativo na medida em que trezentos anos

após o início do tráfico negreiro a população de negros e negras sobreviventes ao

holocausto negreiro era de quase dois milhões, de uma estimativa de aproximadamente

5.000.000 de negros e negras traficados entre o continente africano.

Em estudos anteriores por mim desenvolvidos Osvaldo (2018) traço algumas

considerações sobre este itinerário, conforme apontamentos a seguir.

A história do povo negro no Brasil é intrínseca a constituição do território

geográfico, bem como a formação social da nação. Vítima do tráfico negreiro europeu,

sobretudo de Portugal imperial, para povoamento e colonização das terras brasileiras, os

negros e as negras oriundos de vários pontos do território do continente africano,

traficados como escravizados e escravizadas ocuparam as terras coloniais da metrópole

portuguesa como indivíduos realizadores de trabalho forçado na condição de sub-

humanos desprovidos da liberdade política e com a única certeza de um caminho sem

volta.

Para o sociólogo Moura (1989), referenciado a partir da obra: “História do

Negro Brasileiro”, a história tem início por volta do ano de 1549, quando o primeiro

contingente de negros africanos escravizados é desembarcado no litoral brasileiro, em

São Vicente(SP). Entretanto, como o tráfico não é um processo econômico e comercial

regulamentar e legal há múltiplas interpretações históricas sobre o início e registros de

negros desembarcados em terras brasileiras, como por exemplo, a afirmação na quais

Moura (1989) aponta dados do início do tráfico negreiro da África para o Brasil muito

próximo daquele pesquisado por Querino (1955):

Na nau Bretoa, para aqui enviada em 1511 por Fernando de Noronha (traficante

português de escravos) já se encontravam negros no seu bordo. Essa presença,

como vemos, confunde-se com a formação da Colônia e, depois, do Império.

(MOURA, 1989, p. 8).

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Distingue-se aqui a presença do negro no Brasil como escravo aleatoriamente

traficado, com a fase da exploração econômica de povoamento e colonização como

política econômica de exploração de terras e território com o trabalho escravizado dos

negros.

A contabilidade sobre a quantidade de negros escravizados e traficados para o

Brasil também possui grande controvérsia entre os pesquisadores com relação ao

número exato de indivíduos traficados, relativizados segundo o método estrutural de

pesquisa, tempo histórico, dados disponíveis e fontes primarias da pesquisa. De acordo

com o crescimento da colônia brasileira atrelada a Portugal, o fluxo demográfico aponta

para um crescimento exponencial de indivíduos negros escravizados assentados nas

terras brasileiras.

Para fins didáticos da abordagem sobre a quantidade de negros traficados e do

evento histórico do tráfico negreiro para o Brasil, tendo em vista que o objeto de estudo

é demonstrar o negro real e vítima do racismo, bem como sua luta por libertação para

poder agir livremente, seguindo o referencial do sociólogo Moura parte-se aqui da

premissa quantitativa do quadro apresentado a seguir (MOURA, 1989, p.10).

NÚMERO DE ESCRAVOS ENTRADOS NO BRASIL

(avaliação feita baseada em estatísticas aduaneiras)

Período Região Entradas anuais Total ano Total da importação

século XVI todo o Brasil - - 30.000

século XVII Brasil holandês 3.000 8.000 8.000

Pará 600

século XVIII Recife 5.000

Bahia 8.000

Rio de Janeiro 12.000 25.000 2.500.000

Século XIX Rio de Janeiro 20.000 50.000 1.500.000

(até 1850)

Durante o - - - 4.850.000

tráfico

Fonte: MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil. São Paulo, Nacional, 1935.

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Este quadro apoiado em critérios estatístico aduaneiro citado por Moura (1989)

apresenta uma dimensão referencial de cálculos que variam, se considerar o

contrabando de cinco milhões de negros, a de dez milhões de negros escravizados e

transportados da África continental para o Brasil, dependendo da fonte consultada.

Entretanto, as divergências quanto à quantidade da população negra africana traficada

para o Brasil, não elimina o evento auto evidente da escravização e do tráfico negreiro

realizado pela nação portuguesa para o território brasileiro entre os séculos XVI ao XIX.

Necessariamente não somente a nação portuguesa tinha os navios tumbeiros,

mas houve um processo vinculado à iniciativa privada no tráfico. O traficante não era

agente público, mas tinha o seu próprio negócio. Além disto, é importante frisar que

nem todos os traficantes eram portugueses ou brasileiros, mas de várias outras nações,

inclusive norte-americanos participaram do comércio atlântico como traficantes. O

Estado português apenas legaliza o processo comercial.

Os dados oficiais na história brasileira, comumente, não são plenamente

confiáveis, sobretudo, do período histórico referente ao escravismo, período que o

próprio Estado brasileiro fez questão de destruir os dados e as informações disponíveis,

com o objetivo de tentar apagar as evidências do tráfico negreiro e do escravismo.

Entretanto, a história do holocausto do tráfico negreiro e do escravismo virou memória

coletiva, pois ainda que se tentasse negá-lo, a recuperação dos testemunhos oral, ou não,

bem como registros paralelos dos sobreviventes nos diversos momentos da história do

período alimentaram e cristalizaram vivências, mesmo não tão rica de detalhes.

Assim, a entrada de africanos escravizados no Brasil não computa enquanto

dados não declarados do movimento do tráfico que saíram dos diversos pontos do litoral

africano. Nem todos os portos africanos de saída de população africana para o Brasil

eram portos legais e, nem mesmo os legais tinham controle aduaneiro sobre a população

que estava embarcando, submetida ao escravismo nacional brasileiro, daí poder-se falar

em tráfico não legal, pois houve contrabando de população africana após o ano de 1831

e, mesmo posterior a 1850. Fato este observado na referência de Conrad (1985) abaixo

citada.

O aumento natural de negros, escreveu um visitante estrangeiro por volta de 1820,

“é desencorajado pela avaliação de que é mais barato importar escravos adultos do

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que criar os jovens. Assim, qualquer estímulo para suavizar sua condição ou

torna-la mais confortável é substituído pelo abominável tráfico”. “O Brasil”,

declarou uma petição do Conselho Provincial da Bahia em 1839, “acostumado a

empregar escravos há quase três séculos e a ser abastecido por eles, como uma

provisão anual da África, deu pouca atenção ao encorajamento de seu aumento

progressivo pela produção” Com a grande preferência dos brasileiros pelo

trabalho escravo, escreveu outro estrangeiro por volta do mesmo período, “e seu

irresponsável descaso para com aquelas medidas que assegurariam um auto

abastecimento interno, estamos preparados para atender por que tanto tráfico

ultramarino de criaturas humanas continua a existir” (CONRAD, 1985, p.23).

Outra questão relevante é que nesta estatística aduaneira que apresenta no

quadro não se contabiliza a população, estimada em até 30% média, que ficou no

Atlântico, em decorrência de mortes, ferimentos, naufrágios e doenças contagiosas. Daí

considerar-se que os navios tumbeiros traziam carga excessiva e não declarada,

justamente para suprir a perda de população de escravizados ao longo da viagem.

Considerando estes dados, ainda faz-se necessário contabilizar que, em torno de

50% ou mais da população que saiu da África chegou ao Brasil; além de colocar mais

30% em média a população que saiu, mas que não chegou. Por esta mensuração pode-se

aventar: algo em torno de 20 milhões de africanos que saíram do continente africano do

início do século XVI ao final do século XIX e foram estabelecidos no Brasil. Ressalte-

se que com Pedro Alvares Cabral navegador português do século XVI, constata-se que a

parcela da população africana embarcada nas naus e submetida ao jugo escravista

português, era de origem litorânea, originária da Guiné, leia-se atual Cabo Verde, Guiné

Bissau, Guiné Conacri, Senegal, Costa do Marfim. Encontra-se também na obra de

Mbembe (2014) referências acerca do modus operandi que Portugal irá desencadear no

trafico negreiro advindo de ações do Estado colonial português, já desenvolvido

anteriormente no seu espaço geográfico interno, bem como no século XV ações de

sequestros de negros no continente africano como mecanismo de expansão e exploração

da mão de obra.

A transformação de Espanha e de Portugal – de colónias periféricas do mundo

árabe em motores de expansão europeia para além do Atlântico – coincide com o

afluxo de africanos à própria Península Ibérica, que participam na reconstrução

dos principados ibéricos a seguir à Grande Peste (Black Death) e à Grande Fome

do século XIV. A maioria são escravos, mas nem todos, também há alguns homens

livres. Se até então o aproveitamento de escravos na Península era efectuado

através das rotas transarianas controladas por mouros, uma reviravolta vai

operar-se por volta de 1440, quando os ibéricos inauguram contatos directos com a

África Ocidental e Central via oceano Atlântico. Os primeiros nergos, vítimas de

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pilhagens e transformados em objetos de venda pública, chegam a Portugal em

1444. O número de capturados aumenta sensivelmente entre 140 e 1500. Nesse

processo, a presença africana cresce, e milhares de escravos desembarcam

anualmente em Portugal, até o ponto de o seu afluxo desestabilizar o equilíbrio

demográfico de certas cidades ibéricas. É o caso de Lisboa, Sevilha e Cádis, nas

quais, no início do século XVI, cerca de 10 por cento da população é composta por

africanos. À maioria são-lhe atribuídoas tarefas agrícolas e domésticas. Em todos

estes casos, quando tem início a conquista de terras da América, afro-ibéricos e

escravos africanos integram tripulações marítimas, postos comerciais, plantações e

centros urbanos do Império. (MBEMBE, 2014, p.31-32).

A análise social aponta que os escravistas portugueses aperfeiçoaram o sistema

imperialista escravista concebido pelo Estado-nação europeu, para o contexto de

exploração do território brasileiro na medida em que ocupava o espaço territorial. A

ocupação territorial desenvolveu um modelo econômico mercantil próprio da

exploração baseada num primeiro momento na formação de vilas e cidades,

administradas pela coroa portuguesa, utilizando para tal feito, milícia de homens

inescrupulosos e obsoletos, na busca de riquezas e dinheiro supérfluo, gasto inutilmente

no modo de vida supérfluo português no contexto europeu. Fixam também no território

brasileiro grupos de famílias portuguesas adversa do espírito de cidadania, bem como

desprovidas do pensamento liberal disseminado na modernidade europeia.

A exploração de ocupação territorial portuguesa busca utilizar a mão de obra

trabalhadora com a escravização dos povos indígenas que habitavam a terra recém-

invadida e ocupada por portugueses e denominada por estes conquistadores de Brasil.

Com a resistência cultural do trabalho não ordenado, segundo a lógica da produção

expropriatória por parte das comunidades indígenas; logo os portugueses mudam a

figura do trabalhador escravizado, e, paulatinamente iniciam a dizimação dos índios

brasileiros, e buscam expandir o modelo imperialista europeu praticado no continente

africano por outras nações europeias, conforme apresentado na primeira parte deste

artigo é utilizada para tal finalidade exploratória a mão de obra escravizada de

populações negras africanas.

A viagem para o Brasil era das mais infortunadas, não tanto pelas tormentas do

Oceano, como pela estranha alimentação, resultando daí que, às vezes, o valor real

da mercadoria não compensava os esforços e trabalhos do contrabandista de carne

humana. (QUERINO, 1955, p. 32).

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Ao povoar e colonizar com seu trabalho escravo o Brasil, o negro africano

configurou a única força de trabalho que realmente produziu riquezas no território

brasileiro, explorado pelas forças imperialistas portuguesas. Há que se ressaltar que

pode soar estranho falar em escravo desprovido de liberdade como colonizador.

Diferente da concepção da distinção de colono como aquele homem livre desbravador

de terras inóspitas, que desencadeia ações para fundar novas comunidades baseadas nos

livres acordos entre si e na Lei, como forma de vida em grupos e sociedade ampliada. E,

que este colono, por sua vez, realiza o labor e o trabalho para criar estruturas produtivas

onde antes não havia um circuito de extração, produção e comércio dos produtos

criando mercados. Há que se ressaltar que a atividade da ação, sob a ótica Arendtiana,

fica suspensa pela falta da liberdade do negro enquanto escravo.

Na concepção de Querino (1955) o negro africano traficado para o Brasil como

escravizado e posteriormente aqui nascido também escravizado, é o agente que irá

realizar todas as tarefas do labor e do trabalho, mesmo não possuindo a liberdade é o

elemento colonizador no sentido de operar as formas produção e circulação de bens e

produtos, ou seja, labor e trabalho, é o negro os pés e as mãos do branco europeu

português que o escravizava. O paradoxo é que a mulher e o homem negro não eram

livres, entretanto os produtos resultado do labor e trabalho, estes eram negociados pelos

homens escravocratas.

Assim, o negro colocado ausente do mundo dos negócios da construção das

estruturas produtivas e de criação de mercados, bem como, do espaço público e político

foi ficando confinado às senzalas que representava os campos de internação,

concentração e extermínio da etnia negra. Conseguindo a liberdade somente a partir do

momento que se rebelava e fugia para os quilombos, que representava os espaços

comunitários de negros livres. Por sua vez, deixava para traz toda a estrutura de

exploração e produção construída por suas mãos de homem negro escravizado e

destituído da sua condição humana pelo branco europeu português escravocrata.

É desta forma que na era moderna e no mundo moderno a esteriotipização do

negro inferiorizado e escravizado no trabalho e na vida pública e privada, irá alimentar a

ideologia do preconceito racial de homem negro inferiorizado, sem direito a ter direitos

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como cidadão desprovido de humanidade, numa terra estranha que não o acolhe como

humano. A mesma lógica ideológica racial criada e desenvolvida no cenário imperialista

das nações europeias no continente africano, desde a expansão do estado nação,

aplicada no continente africano como ação política de inferiorização do outro, é

estruturada no Brasil, pelos brancos portugueses contra as comunidades dos negros. A

finalidade é muita clara, explorar a mão de obra escrava para acúmulo de riquezas e do

capital, para infindáveis lucros, para homens supérfluos para negócios supérfluos, e essa

é a herança que nos tempos modernos todos os homens, negros e brancos deverão

enfrentar.

1.3 Dimensão da Vita Activa do Negro Escravizado no Brasil

Na sua obra A Condição Humana Hannah Arendt designa com a

expressão Vita Activa três atividades humanas fundamentais especificamente: labor,

trabalho e ação. O homem cria o mundo para a sua existência e por esta criação é

condicionado, e ao mesmo tempo condiciona as atividades da criação, alargando a

condição humana para uma dimensão maior do que a vida que lhe é dada. A

qualificação da condição da existência humana da vita activa está associada

simultaneamente à condição da vida contemplativa (vida da mente/espírito) retratada

por Arendt na obra: A Vida do Espírito texto no qual trabalha as atividades práticas do

espírito no sentido kantiano (Immanuel Kant, 1724-1804) sobre as atividades do pensar,

do querer e do julgar, que terá as duas partes; do pensar e do querer, elaboradas por

Hannah Arendt, antes do seu falecimento, deixando o julgar não iniciado. Entretanto,

para críticos e apreciadores da sua obra, Lições Sobre a Filosofia Política de Kant

(1993) pode ser considerado um ensaio que ocupa o lugar da terceira parte que é a do

julgar.

No presente trabalho foca-se somente a obra: A Condição Humana e o

seu primeiro capítulo: A Condição Humana, no qual Arendt introduz em breves

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comentários sobre o que ela compreende como vita activa e a condição humana das

atividades: labor, trabalho e ação que serão desenvolvidas e explicitadas de forma mais

ampla, em capítulos específicos ao longo da obra, além de explicitar o modo como a

distinção das circunstâncias da condição humana como sendo as condições nas quais a

vida foi dada ao homem.

O que também projeta a obra de Hannah Arendt para além do seu tempo

é a perspectiva que abre para se pensar o mundo moderno a partir de um duplo voo: da

Terra para o universo e do mundo para dentro do homem para que se possa

compreender a cultura da sociedade que segue para uma nova era desconhecida. Para o

negro é evidente que se a era moderna lhe faz um deslocado como homem num mundo

comum, no contexto de valores hegemônicos brancos, neste tempo denominado mundo

moderno não há como conceber uma sociedade racista, por mais que o racismo insista

em se consolidar; como racismo contra o negro, marca da condição humana do ser

negro.

A atividade da condição humana compreendida na vita activa como labor

é a ação para a preservação da própria vida, no caso do negro escravizado no Brasil o

labor representa bem a concepção da luta pela sobrevivência, segundo Arendt (1991) o

labor:

O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano,

cujo crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio tem a ver com as

com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da

vida. A condição humana do labor é a própria vida. (ARENDT, 1991, p. 15).

O metabolismo mecânico do labor como atividade da vita activa

fundamental para a manutenção e reprodução da vida, reflete a dimensão da vita activa

do negro escravizado no Brasil no tempo e espaço geográfico a ser reelaborado para

sobreviver. A estrutura desumana da escravidão desde a captura do negro no continente

africano, passando pelo tráfico negreiro, até aportar nas terras brasileiras, o negro foi

desafiado a sobreviver.

No caso específico do labor o negro ao ser desembarcado do navio

negreiro, totalmente desnorteado por prolongadas jornadas na travessia do atlântico,

com seu corpo subjugado, identidade descontruída e fragmentada, numa terra inóspita e

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estranha, tempo espaço e geograficamente o negro é um deslocado, é transformado num

apátrida, pária social, um humano negro desprovido de humanidade básica. Só lhe

restam a vida e o ar que respira, é neste contexto que o negro deve se reestruturar. Em

Querino (1955) há a descrição que a atividade do labor para o negro é construída

também por uma luta insana e desesperada para manter o próprio corpo.

O tripulante que escapava era submetido ao castigo do calabrote ou içado nas

vergas a dois cabos de mergulho por baixo da quilha da embarcação. Ao chegarem

as levas de africanos nas águas da Bahia, davas-lhes desembarque franco no cais

d’Agua de Meninos, onde existiu, por muito tempo, um velho engenho. A despeito

da proibição expedida em ordens régias, o tráfico negreiro avultava assombroso.

(QUERINO, 1955, p. 32-33).

O cenário descrito por Querino (1955) reflete o espaço geográfico da

Bahia, entretanto, pode ser concebido como um dos parâmetros de desembarque

universais do negro escravizado em outros pontos oficiais e não oficiais de desembarque

do tráfico negreiro. O labor que num primeiro momento é o cuidado de si próprio, passa

subsequente a ser uma estratégia de produção e reprodução de insumos básicos

mantenedores do corpo e da vida humana do negro. O labor possui como condição

humana de atividade e finalidade a preservação da vida biológica, são produtos e objeto

de consumos cujo tempo é finito se desgasta e acaba pelo uso.

No Brasil desde a invasão dos portugueses em 1500 até o século XIX na

exploração da terra e da mão de obra dos povos indígenas refletiu a distinção de labor

aqui apresentada, quando da exploração dos povos indígenas por mecanismos de

subsistência dos conquistadores portugueses. Com a chegada dos primeiros homens

negros escravizados e traficados do continente africano para as terras brasileiras, o

labor, senão, quase na sua totalidade passa a ser desenvolvido pela mão de obra dos

negros escravizados. Da necessidade do labor nasce o modelo, segundo Mattoso (1990),

de acumulação primitiva do capital que é introduzido, sobretudo, na região nordeste do

país, no modelo de plantation:

Dessa necessidade nasce um complexo agro-industrial, o engenho, que exige

considerável grau de racionalização. Tarefas agrícolas e industriais esperam os

escravos. O engenho é uma verdadeira empresa e a divisão de trabalho necessária

ao sucesso econômico. O escravo ver-se-á cercado por um sistema fortemente

estruturado, no qual dominação e controle se adaptam às necessidades da

exploração. Toda a sociedade agrária brasileira, mesmo após passar do açúcar ao

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café, ao algodão, aos produtos de subsistência, conservará por muito tempo a

marca indelével de seus começos. (MATTOSO, 1090, p.108).

As atividades mecânicas do labor que se inserem na necessidade, na

repetitividade e na multiplicação, na interdependência dos corpos e no anonimato

fundamental dos seus agentes; tem a única finalidade de satisfazer as necessidades

básicas da vida e não deixa nenhuma marca durável cujo resultado desaparece no

consumo. A atividade de labor desenvolvida pelas comunidades negras de homens e

mulheres escravizados no Brasil consumiu e foi consumido por várias gerações de parte

da humanidade de raízes africanas aqui instaladas, e que simultaneamente garantiu a

sobrevivência dos escravagistas brancos, bem como a precariedade da vida dos

escravizados. Quando instados à fuga para as florestas, os escravizados construíam seus

espaços de liberdade a partir das fortalezas comunitárias denominadas quilombolas, os

negros também tinham que buscar sobrevivência nos recursos naturais disponíveis,

conforme Carneiro (1988) depara-se com uma narrativa dentre várias descrições destas

formas de sobrevivência.

Das matas, os negros retiravam o seu sustento. Dos cachos da palmeira pindoba,

que contém côcos do tamanho de um ôvo de ganso, os palmarinos (moradores do

Quilombo de Palmares) podiam retirar azeite, trabalhando a polpa e a amêndoa;

nos frutos e no palmito, encontravam “farto e substancioso alimento”; dos côcos

faziam uma espécie de manteiga “muito clara e branca” e certa espécie de vinho; e

no Diário da expedição Blaer-Reijmbach há referência a “uns vermes da grossura

dum dedo”, que se geravam no tronco das palmeiras, que os negros comiam.

(CARNEIRO, 1988, p. 47).

Se no campo as atividades laborais foram densamente estruturada pela

relação casa grande e senzala, local no qual o branco poderia separar-se fisicamente do

negro colocando-o na senzala ou nos trabalhos do campo; no meio urbano as atividades

laborais é a explicitação da violência dissimulada de homens e mulheres crianças e

idosos negros que espelhará, na modernidade dos tempos hodiernos espelho das

relações do preconceito racial. Fato este determinado não só por proximidade física,

mas, sobretudo, o preconceito racial que discrimina e inferioriza o negro físico e

psicologicamente, será o mecanismo da separação real entre o escravo e o livre, bem

como a linha arquetípica do branco dito superior e do negro escravizado ou ex-

escravizado dito inferiorizado. Assim Mattoso (1990) descreve.

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Falou-se muito que os senhores escolhiam para seu serviço pessoal os escravos

próximos do modelo branco, os nascidos no Brasil, por vezes na própria família do

proprietário, nela nascidos e educados, os criados, vale dizer, literalmente

“criados” e moldados na casa grande. Quando se treta de vendê-los, os senhores

não economizam elogios às suas qualidades e os periódicos os descrevem em seus

anúncios como indivíduos estimáveis e capazes. Além disso, os escravos domésticos

tornam-se facilmente indispensáveis aos seus senhores aos quais se devotam

cotidianamente ou lhes proporcionam o fruto do trabalho que executam fora, além

das tarefas da casa. (MATTOSO, 1990, p.111).

Deve-se ressaltar que as atividades do labor distinto do trabalho e da ação

compõe a condição humana, são assim concebidos para fins didáticos para que se possa

compreender na vita activa, como cada uma dessas condições correspondem a uma

condição básica e são fundamentais no entendimento das condições sob as quais a vida

na Terra foi dada ao homem. E cada uma destas três condições se configura

simultaneamente segundo eventos históricos específicos nas suas épocas, sem que haja

uma diferenciação rigorosamente cronológica. Evidencia-se, entretanto, que o labor está

implicitamente ligado ao animal laborans, ao passo que o trabalho está associado ao

homo faber, circunscrito aos espaços da vida privada; ao passo que a ação se manifesta

no espaço público. Recorre-se à Querino (2011) para ilustrar o quanto a distinção do

labor é representativa como herança estruturante da tradição brasileira quanto aos

aspectos dos hábitos alimentares consolidados no gosto e no sabor que demarca a

determinação da culinária de tradição dos povos africanos na mesa dos brasileiros.

O português abastado destinava, de preferência, os escravos que adquiria aos

trabalhos agrícolas; mas o comerciante, o capitalista, mandava-lhes ensinar as

artes mecânicas, conservando sempre um africano ou africana para o serviço

culinário, e daí as modificações modernas no arranjo das refeições à moda do

Reino, com a carne, peixe, mariscos, aves e animais domésticos. As iguarias em

que o português fazia uso do azeite de oliveira, o africano adicionava, com eficácia,

o azeite de dendê ou de cheiro. (QUERINO, 2011, p.31).

Pode-se observar que a descrição relativas à distinção do labor a partir da

compreensão proposta por Arendt, como uma das condições nas quais a vida é dada ao

homem, que o homem negro e a mulher negra afro-brasileiros mesmo na condição de

escravizados foram e são as bases da manifestação da subsistência do caráter nacional

brasileiro enquanto da existência da identidade de ser brasileiro e brasileira.

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A atividade da condição humana do trabalho para Arendt (1991) é

compreendida como a condição humana da permanência e existência do homem no

mundo, possui como finalidade a construção artificial do mundo, o produto do trabalho

objeto de uso tem a característica de solidez e permanência no tempo e é concebido para

perdurar.

O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana,

existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja

mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo

“artificial” de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro

de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a

sobreviver e a transcender todas as vidas individuais. A condição humana do

trabalho é a mundanidade. (ARENDT, 1991, p 15).

A distinção em Arendt de compreender o trabalho como a construção

artificial do mundo, subverte a tradição do pensamento político econômico clássico na

medida em que se distância do círculo conceitual de perceber o trabalho como mera

técnica produtiva objetivando mercado e consumo, bem como organização sistêmica da

racionalidade técnica produtiva. Para a autora, o trabalho é ação prática que contém

relações reais e simbólicas de conflitos e organização de mundo que para o qual

necessita de estratégias elaboradas pela estrutura do pensamento.

O trabalho também compreendido por Arendt (1991) como obra

corresponde a atividade não natural da existência humana, não está intercambiada no

ciclo vital da espécie. A produção artificial do mundo erigido pelo trabalho, pelas obras

das mãos humanas, garante à permanência e a durabilidade sem as quais o mundo não

seria possível sem a objetividade das coisas produzidas para visando a estabilização da

vida humana. A vida humana é designada como lapso de tempo entre o nascimento e a

morte, quando nascemos chegamos ao mundo e deparamos com uma dada estrutura

construída pelo pensamento e pelo trabalho das mãos humanas, podemos contribuir

como nossas obras neste ciclo; e ao morrer deixamos para os que ficam uma

contribuição da herança comum desse mundo construído artificialmente pela cultura

intercambiado com a natureza.

Para Querino (1955) que nasceu no período anterior à abolição da

escravatura (1853), viveu as agitações, concepções de mundo, nação política, e o desejo

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de liberdade para o negro no período abolicionista (1888); e faleceu vivenciando as

contradições de homem negro muitas vezes pária, apátrida ou sem direito a ter direitos

no ano de 1923, condição esta que no século XXI é uma mera formalidade, onde o

negro de fato não está inserido no contexto social brasileiro, resta-lhe o enfrentamento

contra o racismo em todas as suas formas para a conquista de cidadania.

O homem negro após ser escravizado, sequestrado no continente africano

e traficado para o Brasil, não teve outra saída senão a de sobreviver na terra estranha.

Para tanto, foi o único elemento verdadeiramente econômico, criador do país e

quase o único (QUERINO, 1955, p.40). A dimensão do trabalho enquanto obra

criadora do mundo no qual se viveu no Brasil por mais de trezentos anos foi realizado

pela mão de obra negra escravizada, o sentido do mundo do trabalho também foi

construído pela comunidade negra escravizada, resignificando o sentido da vida na

construção de uma nova nação afrodiásporica com o rosto de uma nova nação negra

pluriétnica fora do continente africano.

“O Brasil é um país sem riquezas reais, sem indústrias, sem trabalho. A população

se compõe de nobres orgulhosos e semi-bábaros, de comerciantes ávidos, de

nômades selvagens e de negros que sofrem o peso rigoroso da escravidão”. De fato

assim era. Só o africano era obrigado ao trabalho, amanhando as terras e colhendo

os produtos da sementeira, porque o regimen estabelecido neste país era a ambição

do ouro sem amor ao trabalho. Até o clima servia de desculpa aos ociosos, e por

isso dizia José d’Alencar: “O europeu não resistia: o índio não se sujeitara;

compraram o negro”. Conduzidos os escravos às casas dos compradores, ai

ficavam por algum tempo, não se lhes permitindo sair à rua, enquanto não

compreendessem alguns vocábulos da língua portuguêsa. (QUERINO, 1955, p. 36).

Por ser morada dos homens durante a sua vida, a Terra é o lugar próprio

para a ação e a fala, para a construção do mundo as atividades de fabricação são as que

constroem todas as coisas que nele são produzidas e dão objetividade e sequência à vida

de um homem junto à vida dos homens no tempo transcorrido entre o passado e o

futuro. É neste sentido que podemos apontar o trabalho do homem negro escravizado

africano, Jacino (2018), na dimensão de fabricação e construção artificial do mundo que

projeta um homem negro escravizado no seu tempo, como herdeiro de uma tradição do

passado que lança as bases por meio do seu trabalho, para a memória do futuro.

Marceneiros, carpinteiros, ferreiros, oleiros artistas das mais diversas áreas,

trabalhavam com madeira, matéria-prima de usos múltiplos, disponível no Brasil e

na África. Utilizada na construção das máquinas dos engenhos de açúcar, dos

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teares, nas estruturas das construções civis, no mobiliário, nos acabamentos, na

fabricação de carros, carroças, carruagens, cadeira de carregar gente, barcos e

embarcações e nas artes em geral. Por séculos no Brasil, a madeira seria

determinante para a sobrevivência, até ser substituída pelo ferro e pelo aço e, mais

recentemente, pelo plástico. De uso abundante no País, a madeira encerra

propriedades estruturais bastante importantes, cujo emprego constitui

conhecimento profundo de engenharia e arte. (JACINO, 2018, p.103-104).

Continua o autor quanto à especificidade da mão de obra africana

hegemônica na estruturação do mundo do trabalho na sociedade brasileira no período

colonial, coparticipe estruturante deste processo no período de independência do Brasil,

e mão de obra explorada e vilipendiada na atual conjuntura republicana.

Assim a quantidade de mão de obra especializada introduzida no Brasil através da

escravidão teria sido imensa e fundamental para os diversos momentos da

economia brasileira considerando que aqui chegaram escravizados especialistas

em plantação, colheita e beneficiamento de cana de açúcar e do café, construtores

de barcos e técnicos em navegação, mineradores, vaqueiros e profissionais no abate

de animais e na utilização de seu couro e carne; artesãos têxteis e químicos com

conhecimento de tintas, ourives, fabricantes de sabão e marceneiros, entre outros.

Este profissionais, eram classificados de “artífices mulatos” e sua presença foi

grande em Minas, Rio, Bahia e Pernambuco, deixando vestígios muito evidentes de

seu trabalho na música, na escultura e na pintura. Até mesmo na produção

cultural erudita, como na música clássica, no teatro e nas artes plásticas os

africanos e seus descendentes estiveram presentes, como ilustram expoentes que

representavam a regra e não a exceção como Antônio Francisco Lisboa, o

Aleijadinho, os “mestres mulatos” de Minas Gerais, o Frei Jesuíno de Monte

Carmelo, de São Paulo e incontáveis anônimos, como os descritos em documentos

recentemente descobertos. (JACINO, 2018, p.104-105).

Como parte integrante da vita activa junto do labor e do trabalho; a ação

é apresentada por Arendt (1991) como estruturante da condição humana. A atividade da

condição humana da ação tem como finalidade o exercício da pluralidade da existência

humana, testemunhada pela excelência das singularidades. A concretude da ação é a

política e a relação entre os homens acerca dos negócios humanos comuns para a

produção da história individual e social.

A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação

das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato

de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os

aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta

pluralidade é especificamente a condição - não apenas a conditio sine qua non, mas

a condition per quam – de toda vida política. (ARENDT, 1991, p. 15).

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E complementando Arendt (1991), aponta que viver é estar entre os

homens e toda atividade por mais elementar que seja a condição humana da ação está

implícita desde o nascimento até a morte dos indivíduos. Ação é a condição humana

para existir e é produzida pelos próprios homens na medida em que se manifesta para

preservar os corpos políticos, é pela ação que se inicia algo novo. É pela compreensão

da ação e da liberdade que identificamos nas ideias da autora, o quão inócuo é a

separação por raças.

A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos,

isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que

tenha existido, exista ou venha a existir. As três atividades e suas respectivas

condições têm intimas relação com as condições mais gerais da existência humana:

o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. O labor assegura não apenas

a sobrevivência do individuo, mas a vida da espécie. O trabalho e seu produto, o

artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da

vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano. A ação, na medida em que se

empenha em fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a

lembrança, ou seja, para a história. (ARENDT, 1991, p.16-17).

A condição humana na perspectiva Arendtiana, não é algo que se

assemelhe à natureza humana, visto que o pensamento e a razão são características

essenciais da existência humana, percebidos pelo labor, trabalho e a ação que

condicionam e são condicionantes da condição humana. Para a autora, nada nos autoriza

a presumir que o homem tenha uma natureza ou essência no mesmo sentido que outras

coisas as têm. Torna-se um problema insolúvel querer definir a nós mesmos como

portadores de uma natureza seria o mesmo que querer pular sobra à própria sombra. A

cognição nos permite no máximo dizer quem somos o que somos, e, por sua vez possui

um caráter teológico e não puramente político.

Pelo fato de não sermos condicionados de modo absoluto as condições

para a existência humana: natalidade, mortalidade, mundanidade, pluralidade e mesmo

o planeta Terra não podem explicar ou responder a pergunta sobre o que somos, é nesta

tradição filosófica que Arendt (1991) se insere diferentemente de outras ciências que

trabalham o homem tais como: a antropologia, a psicologia ou a biologia. Embora,

vivamos em condições terrenas, não somos meras criaturas terrenas o mérito dessas

ciências é apanhar a condição humana no seu caráter universal.

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O evento histórico da escravização e do tráfico de homens e mulheres

negros, a partir do continente africano, representou a ação de homens brancos europeus,

no caso específico do tráfico negreiro para o Brasil, maioria do tráfico foi realizada por

homens brancos portugueses. É inquestionável o fato de que a ideologia racial

supremacista branca alinhada à burocracia, estruturou o imperialismo europeu para a

conquista e submissão das comunidades negras africanas. Assim, não houve espaço para

que a mais necessária condição dos homens para agir em conjunto: a liberdade, não

existiu para que as comunidades negras pudessem agir politicamente em conjunto. Ao

escravizar e traficar os negros africanos aponta Junior (2010), os imperialistas

portugueses perderam qualquer possibilidade de compreender a dimensão comum dos

povos pluriétnicos do continente africano, e agirem em conjunto para equilíbrio do

planeta Terra como habitação comum de todos os seres humanos, e não humanos.

A ideia de “Escravo” empregada na educação e na cultura brasileira limitou o

pensamento dos historiadores brasileiros. Africanos e afrodescendentes foram

sempre vistos como seres originários das tribos de homens nus. Ou seja, seres

incultos despossuídos de conhecimentos e incapazes da edificação de uma cultura,

de protagonismo político e de realizações importantes históricas. Os produtos da

colônia brasileira não eram de conhecimentos dos europeus de como produzi-los.

Sendo Portugal a primeira nação europeia a explorar com intensidade a mão de

obra africana, o Brasil passa a ser fonte de tecnologias, da qual a da produção do

açúcar é mais conhecida e depois exportada para o Caribe holandês. Estas

observações nos abrem um horizonte para procurar os conhecimentos de origem

africana que foram fundamentais na construção do Brasil. O quadro revela um

número enorme de contribuições originais e de registros de africanos e

afrodescendentes realizando os diversos ofícios e empreendendo as diversas

construções. (JUNIOR, 2010, p. 35).

Por vita activa se compreende a tradição do pensamento político a vida

dedicada a assuntos políticos, é necessário dispor de liberdade e movimento das ações

para se ocupar do belo. Nem a interferência produtiva nem o consumo humano podem

interferir na contemplação e na investigação das belezas perenes, tanto Arendt, quanto

Querino propugnam essa base de existência comum dos homens.

O fundamento para exercer a condição humana da ação na comunidade é

resgatado por Arendt (1991), a partir da polis grega, na qual as atividades do labor e a

do trabalho restringiam a liberdade e a capacidade de agir livremente em conjunto.

Somente homens livres, e não artífices que laboravam ou trabalhavam, e nem mesmo os

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escravos poderiam participar explicitamente da ação enquanto práxis da vida coletiva. A

compreensão posterior aos gregos subverte esta compreensão da vita activa.

Com o desaparecimento da antiga cidade-estado – e Agostinho foi, aparentemente,

o último a conhecer pelo menos o que outrora significava ser um cidadão – a

expressão vita activa perdeu o seu significado especificamente político e passou a

denotar todo tipo de engajamento ativo nas coisas deste mundo. Convém lembrar

que isto não queria dizer que o trabalho e o labor houvessem galgado posição mais

elevada na hierarquia das atividades humanas e fossem agora tão dignos quanto a

vida política. De fato, o oposto era verdadeiro: a ação passara a ser vista como uma

das necessidades da vida terrena, de sorte que a contemplação, (o bios theoretikos,

traduzido como vida contemplativa) era o único modo de vida realmente livre.

(ARENDT, (1991, p.22).

Para a modernidade após o século XV a concepção da estrutura de

trabalho braçal, enquanto atividade humana que necessitará de um maior vigor físico,

será considerado de menor valor e será inferiorizado enquanto status social e mesmo

enquanto remuneração das atividades desenvolvidas, o trabalho braçal é destinado à

massa da população ignorante. Em oposição ao trabalho braçal, o trabalho intelectual

terá o status de maior valor e mais sublime, enquanto atividade do pensamento e da

contemplação tende a ser desenvolvido por uma restrita elite da elite social e com alta

remuneração. Para Arendt (1991) a superioridade da contemplação (atividades mais

intelectualizadas) sobre outros tipos de atividades incluindo ai, a própria ação, reporta a

um período anterior ao cristianismo, são referências do filósofo grego Platão (427a.C.-

347a.C.) Em Platão o exercitar as ideias possui uma dimensão mais sublime do que as

atividades que necessitam das habilidades manuais.

Observa-se que há no período da era moderna e do mundo moderno no

tempo é criado um significativo processo de transformação material e concepção da

organização do trabalho. Fazemos aqui referência de processos tais como, a paulatina

substituição da agricultura pela indústria e do trabalho artesanal para o trabalho na sua

forma de processamento de matéria prima em manufatura industrializada. Recuperando

uma citação utilizada em um trabalho anterior de minha autoria, quanto à atividade do

trabalho escravizado é notório que enquanto força de trabalho escravizado no Brasil, o

indivíduo negro torna-se chave para a compreensão do modo de exploração de trabalho muito

bem definido por Marx (s.d.) citado na obra Rebeliões na Senzala (MOURA, 1988, p.17).

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A força de trabalho nem sempre foi uma mercadoria. O trabalho nem sempre foi

trabalho assalariado, isto é, o trabalho livre. O escravo não vendia a sua força de

trabalho ao possuidor de escravos, assim como o boi não vende o produto do seu

trabalho ao camponês. O escravo é vendido, com a sua força de trabalho, de uma

vez para sempre a seu proprietário. É uma mercadoria que pode passar de mãos

de um proprietário para as de outro. Ele mesmo é uma mercadoria, mas sua força

de trabalho não é sua mercadoria. (MARX, s.d., p.63).

Acerca da passagem acima continua a compreensão de que o negro ao ser

utilizado como trabalhador escravizado no Brasil tem aviltada a sua dignidade. Deste

negro africano é tirada a intrínseca característica humana dos indivíduos, que é a

liberdade. A liberdade é a prática da experiência política do homem exercitada entre os

homens no plural. Considerado como se fosse um animal de carga a ser explorado no

trabalho e na vida, o indivíduo negro escravizado não realiza o fenômeno da ação da

liberdade na sua condição humana. O negro é um humano, por mais que o racismo tente

descaracterizá-lo como humano, o negro é um humano.

Por vita activa (Arendt, 1991) compreende-se também um desassossego,

ou seja, todas as atividades humanas definidas a partir do ponto de vista da absoluta

quietude, os movimentos do corpo e da alma devem cessar frente à absoluta quietude do

pensamento. Um exemplo dessa concepção, para Arendt (1991) foi o cidadão ateniense

que livre das preocupações do labor e do trabalho poderia estar livre para a

contemplação das ações políticas.

Entretanto, Arendt (1991) pretende na obra a condição humana expor o

uso da expressão vita activa em oposição à tradição, enquanto uma ordem hierárquica

de valoração entre mais valor e importância das atividades contemplativas e reveladas,

em oposição a concepção de menos valor ou importância das atividades práticas de

ordem concretas e verdadeiras. No fundo o homem só pode conhecer o que ele mesmo

realiza.

Portanto, não haveria um primado da contemplação sobre a atividade do

trabalho, mas mãos humanas, a distinção entre quietude e desassossego só podem ser

percebidas pelos olhos mortais do homem. Mesmo quando o cristianismo tenha

exaltado a contemplação, em detrimento da vita activa que esgotada, levaria à

contemplação essa posição não poderia excluir o movimento do pensamento

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(desassossego) plenamente por parte da cognição. A inversão hierárquica na era

moderna não pode prevalecer sobre nenhuma ordem previamente estabelecida, não é

necessário ou axiomático que haja valoração hierárquica entre vita activa e vita

contemplativa.

1.4 Condição de Imortalidade e a Eternidade do Ser Negro

A questão a ser abordada nesta etapa do trabalho é a dimensão que ocupa

na vida e para a vida as coisas que fazemos. Ou seja, em nome de que pensamos,

agimos, laboramos e trabalhamos. Mesmo que na modernidade os homens de

pensamento e os homens de ação tenham se enveredado para concepções diferentes no

modo de compreender o estar no mundo, ou de outro modo, compreender a

materialização das nossas ações políticas, como os filósofos compreenderam no

contexto da polis grega, e o que as ações políticas deixaram como legado ou herança

pode ser lembrada pela diferença entre imortalidade e eternidade.

Para os gregos, como no cenário do tempo de Homero, pelo menos havia

a compreensão de que os deuses gregos que transcendiam os homens possuíam uma

mesma forma humana. A preocupação dos gregos com a imortalidade resultou na

concepção dos deuses imortais, e num primeiro momentos os homens perseguiram esta

dimensão teológica.

A mortalidade dos homens reside no fato de que a vida individual,

com uma história vital identificável desde o nascimento até a morte,

advém da vida biológica. Essa vida individual difere de todas as

outras coisas pelo curso retilíneo do seu movimento que, por assim

dizer, intercepta o movimento circular da vida biológica. É isto a

mortalidade: mover-se ao longo de uma linha reta num universo em

que tudo o que se move o faz num sentido cíclico. (ARENDT, 1991,

p.27).

Ao oposto da mortalidade, a imortalidade significa continuidade no

tempo, uma vida sem morte nesta terra e neste mundo como foi dada ao homem e a

maneira de tornar a mortalidade em imortalidade é a capacidade de produzir coisas,

obras, feitos e palavras, que merecem ficar para a eternidade. Ao desenvolver a

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comparação compreensiva entre Querino e Arendt entende-se, por exemplo, outros

autores da negritude que apontam a eternidade do feito imortal da obra do negro

escravizado. Nesse aspecto aponta-se o trabalho desenvolvido por Tebas, Abilio (2018)

negro escravizado, que ao término de inúmeros trabalhos eternizados pelos feitos na

memória e nos escritos dos homens compra sua liberdade interrompendo mesmo que

momentaneamente, o sentido do ciclo dentro da estrutura social escravocrata vigente.

A publicação reafirma a versão de que o negro arquiteto “construiu também a

torre do recolhimento de Santa Teresa”, além da informação de que, antecipando-

se às “atuais técnicas, (...) bolou a canalização subterrânea para abastecer o

chafariz que instalara no Largo da Misericórdia, destinado ao uso público de água

potável e o retorno das águas excedentes”. (ABILIO, 2018, p. 16).

.

A citação Abilio (2018) tem o intuito de demonstrar que os feitos

imortais do negro, mesmo que escravizado, podem deixar atrás de si vestígios

imorredouros, que diferentemente dos outros animais o homem produz concepções

imortais às coisas mortais. Se, entretanto, tanto Sócrates, quanto Platão propõem a

compreensão do eterno como centro do pensamento metafísico, esta compreensão vem a

partir do entendimento de que certas obras mortais devem não só possuir a condição de

imortais, mas fundamentalmente ser apreciadas e incorporadas por futuras gerações

agregando a condição de eternidade. A materialidade destas obras se recupera na

medida em que o negro se reconhece nelas, Souza (1983), e as projeta como coparticipe

na construção de si próprio enquanto Ser e, enquanto homem negro e da comunidade

em que vive.

O negro brasileiro que ascende socialmente não nega uma presumível identidade

negra. Enquanto negro, ele não possui uma identidade positiva, a qual possa

afirmar ou negar. É que, no Brasil, nascer com a pele preta e/ou outros caracteres

do tipo negroide e compartilhar de uma mesma história de desenraizamento,

escravidão e discriminação racial, não organiza, por si só, uma identidade negra.

Ser negro é, além disto, tomar consciência do processo ideológico que através de

um discurso mítico acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que

o aprisiona numa imagem alienada, na qual se reconhece. Ser negro é tomar posse

desta consciência e criar uma nova consciência que reassegure o respeito às

diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração.

Assim ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é

tornar-se negro. (SOUZA, 1983, p. 77).

Vejamos bem que a eternidade do Ser negro é concebida num primeiro

momento na dimensão dos eventos e feitos que ficaram a condição de imortais para os

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homens e realizadas pelos próprios homens. Dessa forma o imortal possui um começo e

não um fim, e o eterno adquire uma compreensão de evento sem inicio e também sem

um fim a ser contemplado pelos homens. Para registrar esta diferenciação (Arendt 1991)

busca precisão na língua grega onde há um entendimento para o termo fazer, obra

durável proposta pelos negócios humanos. Em oposição ao agir, feito memorável a ser

lembrado para a imortalidade.

Desta forma se pode compreender como o racismo contra o negro foi

construído como estratégia ideológica de ocupação do território africano, dominação,

escravização e tráfico humano das mulheres negras e dos homens negros para várias

partes das Américas, Europa e muitas outras partes da Terra a partir do evento

econômico e politico da expansão marítima e comercial do Estado Nação da Europa.

Foi uma obra imortal dos negócios humanos, imortal porque teve um começo com a

escravização do negro e não possui um fim, visto que permanece enquanto preconceito

racial contra o negro. O contraponto para que se possa compreender este evento como

eterno, é justamente pelo paradoxo causado da resistência do negro contra a

escravização e contra o racismo do qual é o alvo na modernidade globalizada. Nas

raízes históricas da escravização o legado do negro se constitui como força motora de

mudanças.

Se o elemento africano não teve notória influência, no que diz respeito à moral, no

meio em que viveu também não destruiu o que encontrou; ao contrário, foi um

sustentáculo persistente dos bons costumes, no regimen doméstico. Como é sabido,

refere conceituoso escritor nacional – a raça preta não só tem modificado o caráter

nacional, mas, tem até influído nas instituições, nas letras, no comércio e nas

ciências do país, “Vivendo conosco no tempo e na ação os escravos dominaram às

vezes tão alto que a eles devemos ensino e exemplos” (Mello Moraes e Filho).

(QUERINO, 1955, p 43).

No caso específico do Brasil, o holocausto negro foi construído pelo

Estado português a partir do tráfico negreiro, e imortalizado como racismo de Estado,

estrutural e institucionalizado. A questão que passa ser eternizada é a negritude como

forma de resistência do homem e da mulher negros nos diferentes territórios de tempo e

espaço da diáspora negra.

O enfrentamento e a resistência do negro contra o racismo estão

presentes na eternidade do fato de que a vida lhe foi concebida para que como homem o

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negro seja livre e portador de direito a ter direitos, dentro de uma coletividade humana

culturalmente estabelecida a partir do Estado de direito.

A condição de imortalidade do ser negro advém primeiro da condição na

qual foi escravizado pelo branco, depois o evento do racismo, bem como os eventos que

esta escravização produz a partir das obras e feitos imortais de resistência contra a

escravização e ações desencadeadas de enfrentamento ao racismo que o negro produziu.

A condição de eternidade do ser negro vem da sua condição de homem que deve ser

livre, assim como todos os homens, esta eternidade está presente na contemplação sua

condição humana indentitária eterna enquanto natureza e cultura de homem negro,

conforme Arendt (1991):

A teoria, ou “contemplação”, é a designação dada à experiência do

eterno, em contraposição a todas as outras atitudes que, no máximo,

podem ter a ver com a imortalidade. Talvez a descoberta do eterno,

feita pelos filósofos, tenha sido favorecida pelo fato de que eles, muito

justificadamente, duvidavam das possibilidades da polis no tocante à

imortalidade ou até mesmo à permanência; e talvez o choque de tal

descoberta tenha sido tão grande que eles não puderam deixar de

olhar como vaidade ou vanglória qualquer busca de imortalidade, o

que certamente os colocava em franca oposição à antiga cidade-

estado e à religião que as inspirava. Contudo, a posterior vitória da

preocupação com a eternidade sobre todos os tipos de inspiração à

imortalidade não se deveu ao pensamento filosófico. A queda do

Império Romano demonstrou claramente que nenhuma obra de

mãos mortais pode ser imortal, e foi acompanhada pela promoção do

evangelho cristão, que pregava uma vida individual eterna, à posição

de religião exclusiva da humanidade ocidental. Juntas, ambas

tornavam fútil e desnecessária qualquer busca de imortalidade

terrena; e conseguiram tão bem transformar a vita activa e o bios

polítikos em servos da contemplação que nem mesmo a ascendência

do secular na era moderna e a concomitante inversão da hierarquia

tradicional entre a ação e contemplação foram suficientes para fazer

sair do oblívio a procura da imortalidade que , originalmente, fora a

fonte e o centro da vita activa. (ARENDT, 1991, p.29-30).

O evento constituinte da era moderna de escravização do negro não foi

capaz de eliminar o ser negro, do homem negro e da mulher negra, mesmo sendo um

evento constituído de modo a ser imortal na sua concepção de inferiorização e

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desumanização do grupo étnico negro, não foi o suficiente para fazer desaparecer da

face da terra o grupo étnico negro.

Por sua vez o grupo étnico negro preservou sua eternidade a partir dos

enfrentamentos e da resistência contra os eventos da escravização e do racismo

construídos socialmente. A eternidade está nos feitos e obras realizadas pelo labor e

trabalho, que persistentemente insiste em permanecer no mundo contemporâneo como

forma de resistência eterna contra o racismo existente contra o negro.

O paradoxo da escravização formal e/ou informal imortal tomada como

apartação social e inferiorização do grupo étnico negro, revelou a distinção da

eternidade da negritude. Isto significa que no mínimo podemos dizer que a negritude

surge a partir do momento em que o primeiro homem negro foi desumanizado pelo

homem branco, o homem negro sempre existiu, mas nem sempre fora escravizado e

racialmente pelo branco vivendo há muitas gerações anteriores ao que se conhece como

história; e partir da sua existência se constituiu a dimensão da negritude na qual não se

pode precisar seu início, nem muito mesmo o seu fim, distinção, aliás, na qual a

negritude é eternizada com sua natureza e cultura por todo o tempo em que o homem

negro existir.

A contemplação é a capacidade que desenvolvemos para buscar

compreender a singularidade dos eventos históricos nos quais o negro foi considerado

um não humano e escravizado como um animal não humano. O enfrentamento por vir

será o exercício hercúleo teórico e prático de desconstruir o racismo contra o negro,

para que a eternidade da negritude seja incorporada às sociedades e culturas constituídas

com sua própria natureza, e o negro seja reconhecido de fato e de direito como um

homem portador de direitos, em um Estado de direito e a ter plenos reconhecimentos de

cidadania legitimados e legalizados.

Considerações Finais

Este texto é um primeiro momento para uma compreensão a ser ampliado

acerca do Racismo Contra o Negro, racismo contra o negro no caso específico,

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sobretudo no Brasil. É fato que o racismo contra o negro é um fenômeno global

construído a partir de ideologias que na modernidade assumem o cunho político, social,

econômico e em certos eventos até mesmo de justificação cientifica questionável e

contraditória aos fatos estabelecidos de uma humanidade comum a todos os homens.

O racismo é uma tentativa de separar a espécie humana a partir das

características dos fenótipos, naturais, sociais ou culturais em grupos a serem excluídos

da condição humana. Ledo engano, visto que o comum é o fato autoevidente de que no

principio o homem possui uma condição humana comum.

Na condição humana do ser negro, evidenciado por traços físicos e

culturais, sociais e geográficos, há o paradoxo do homem autodenominado de cor

branca estruturar condições raciais de escravismo, inferiorização, discriminação,

preconceito e exclusão social, política e econômica contra a etnicidade de pele negra.

É neste contexto que se desvela o racismo contra o negro, sobretudo em

três diferentes formas; na primeira se observa o racismo estrutural que como o próprio

nome indica estrutura os meandros das relações sociais entre as pessoas e toma a forma

de preconceito racial contra o negro, nas vertentes sociais politicas e econômicas de

determinadas sociedades; a segunda forma de racismo é o institucional que

assumidamente e veladamente está presente nas organizações constituintes das

organizações sociais estabelecidas; a terceira forma do racismo é o racismo de Estado,

talvez o mais contundente, contudo, nem menos perverso, por ser aplicada a partir de

política de governo, na forma de lei racista, ação e/ou discursos de ódio construído sub-

repticiamente pelas autoridades governamentais, legitimando ou legalizando o

preconceito racial contra o negro.

Neste trabalho são evidenciadas algumas considerações acerca do

Racismo contra o Negro, com a problematização singular do racismo contra

comunidade do povo negro no Brasil, que por sua vez, no seu principio não foge as

características do preconceito racial contra o negro em qualquer parte do planeta Terra.

No caso do Brasil o negro representa o grupo étnico protagonista e pilar

na formação da sociedade brasileira. O se propõe a demonstrar que, em decorrência do

Racismo Contra o Negro, este protagonismo não é reconhecido.

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Para tanto, se opta pela metodologia comparativa utilizando como

parâmetro e referência o primeiro capítulo da obra A Condição Humana, que possui o

mesmo título: A Condição Humana, obra da pensadora política alemã Hannah Arendt

(1906–1975). Com essa referência, o trabalho traça um paralelo com as provocações

sobre o protagonismo dos negros na formação social, política e econômica do Brasil

lançadas pelo pensador político brasileiro, Manuel Querino (1851–1923), e

corroboradas por autores pensadores da negritude.

No primeiro capítulo é abordado A Condição Escravista no Cenário

Imperialista Europeu, no qual é analisado o desenrolar da geopolítica do imperialismo;

seguindo do segundo capítulo O Negro na Condição de Escravizado, contextualizando o

processo do tráfico negreiro; o terceiro capítulo compreende a Dimensão da Vita Activa

do Negro Escravizado no Brasil, em que é apresentado o Ser negro no caos da

discriminação racial; é finalizado com o capítulo A Condição da Imortalidade e a

Eternidade do Ser Negro, momento em que é evidenciada a identidade negra entre o

passado e o futuro para compreensão e enfrentamento das formas de racismo no Brasil

contra a comunidade negra.

É possível desvelar na modernidade os mecanismos nos quais foram

invisibilizados os negros na sua condição humana, mas por outro lado, evidenciam-se

também possibilidades da comunidade do grupo étnico negro aparecer no espaço

público e político, para resgatar seu protagonismo consolidado na sociedade brasileira

como forma de resistência ao racismo estrutural, institucional e de Estado a que o negro

se vê a mercê em todo tempo e espaço histórico da sociedade moderna.

A guisa de comparação como metodologia elegida para desenvolver a

compreensão do Racismo Contra o Negro se pode ilustrar o mal causado contra o negro

pelo racismo. Não se compara neste cenário para generalizar, Lévi-Strauss, (2008), mas

se pretende generalizar o racismo para comparar os mecanismos que levaram à

construção do holocausto contra o povo judeu, para demonstrar similaridades e

diferenças que há na construção do holocausto do tráfico negreiro, da escravização do

negro, bem como do preconceito racial contra o negro, assim a comparação se

estabelece com o seguinte fundamento:

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Assim, tanto em etnologia como em linguística, não é a comparação que funda a

generalização, e sim o contrário. Se, como cremos, a atividade inconsciente do

espírito consiste em impor formas a um conteúdo, e se essas formas são

fundamentalmente as mesmas para todos os espíritos, antigos e modernos,

primitivos e civilizados (como mostra tão claramente o estudo da função simbólica

tal como expressa na linguagem), é necessário e suficiente atingir a estrutura

inconsciente, subjacente a cada instituição e a cada costume, para obter um

princípio de interpretação válido para outras instituições e outros costumes,

contanto, evidentemente, que se avance o suficiente na análise. (LÉVI-STRAUSS,

2008, p.35).

Este mal será analisado a partir das ideias desenvolvidas por Hannah

Arendt pode ser denominado como mal banal. O mal banal penetra no seio da sociedade

como um fungo e destrói o tecido das relações sociais. Este mal banal é causado

segundo Arendt, pela suspensão por parte dos indivíduos da sua capacidade de pensar,

elaborar juízos e tomar decisões de maneira livre a partir do pensar, que ela define a

partir da concepção socrática do diálogo sem som, de mim comigo mesmo.

No filme Hannah Arendt – Ideias Que Chocaram o Mundo, dirigido pela

cineasta Margarethe Von Trotta, segundo a sinopse: Depois de acompanhar o

julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt ousa

escrever sobre o Holocausto como nunca havia sido feito antes. Seu trabalho provoca

um escândalo imediato, e Arendt permanece firme enquanto é atacada por amigos e

inimigos na mesma medida. Mas enquanto a imigrante judia alemã luta para romper

suas ligações dolorosas com o passado, a sedutora mistura entre arrogância e

vulnerabilidade de sua personalidade é exposta, revelando uma mulher lapidada pelo

exílio. O que a sinopse não revela é a questão central colocada pelo roteiro quanto à

questão da Banalidade do Mal, amplamente analisada na obra; Eichmann em Jerusalém,

Arendt enfrenta a direção da instituição acadêmica à qual estava vinculada na época,

que fazia coro com a comunidade judaica, não só de Nova Iorque, mas de outras partes

do mundo, sobre a qual pesava a acusação de ter sido complacente com a pessoa de

Eichmann, e dado mais visibilidade aos judeus que cooperaram com os nazistas do que

deviam.

A argumentação de Arendt, interpretada pela atriz Barbara Sukowa, é um

primor do pensamento Arendtiano colocado no roteiro acerca da culpa quanto às

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tragédias dos crimes contra a humanidade, reproduzo a seguir algumas palavras do seu

discurso apanhadas segundo a visão de expectador:

Quando a New Yorker (revista) me convidou para cobrir o julgamento de Adolf

Eichmann, fui com a ideia de que o tribunal tinha apenas um propósito: fazer

justiça. Minha tarefa não foi fácil, o tribunal se viu diante de um crime que não

existia nos códigos penais e diferentes dos julgamentos que antecederam o

julgamento de Nuremberg. Mesmo assim cabia ao tribunal julgar Eichmann como

um homem. Não se julgava a história nem nenhum “ismo”. Nem mesmo o

antissemitismo, somente a pessoa. O problema de um criminoso como Eichmann é

que ele se recusa a renunciar a nenhum traço pessoal, dizendo que nada era

iniciativa pessoal, e que a culpa era do sistema nazista, do qual dizia ter sido um

eficaz servidor profissional, nada foi de sua iniciativa pessoal. Esta é a questão,

segundo Arendt, o mal perpetrado por ninguém, que tenha convicção, ou razão

maligna. Esta desculpa torna claro o maior mal do mundo: seres humanos que se

recusam a ser pessoas. Este mal perpetrado por “ninguém”, é este o fenômeno da

banalidade do mal. Quanto a evidenciação da cooperação de lideres judeus para

com os nazistas, Arendt se defende afirmando que os cooperadores judeus

poderiam ter agido de forma diferente, mesmo o nazismo não estando restrito

apenas às fronteiras alemãs. O fato de ela mesma ser judia a faz entender que o

nazismo foi um crime contra a humanidade porque o judeu é um ser humano.

Entender não é perdoar, desde Sócrates e Platão, afirma ela, o pensar é entendido

como um diálogo silencioso travado consigo mesmo. É um assunto de caráter, nas

palavras de Eichmann fica evidenciada a incapacidade de pensar, incapacidade de

fazer juízos morais. É uma análise filosófica o ato de pensar que caracteriza o

humano, ser capaz de distinguir o bem do mal, o belo do feio, para evitar a

catástrofe na hora da verdade. (TROTTA, Arendt, 2012).

Conclui-se que, é possível desvelar na modernidade os mecanismos nos

quais foram invisibilizados os negros na sua condição humana, mas por outro lado,

evidenciam-se também possibilidades da comunidade do grupo étnico negro aparecer no

espaço público e político por meio de obras e ações desencadeadas em diferentes

tempos e espaços geográficos, para resgatar seu protagonismo consolidado na sociedade

brasileira como forma de resistência ao racismo estrutural, institucional e de Estado a

que o negro se vê a mercê em todo tempo e espaço histórico da modernidade. Não se

trata de procurar culpados, pois segundo Arendt (1999) há um Eichmann em cada um de

nós, e onde todos são culpados pelo racismo ninguém o é. O que se busca nesta reflexão

é estabelecer caminhos para compreensão do fenômeno do racismo contra o negro,

visando, sobretudo consolidar estratégias para combater o mal banal racista contra o

negro.

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