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RACISMO: representação social do negro nos gêneros textuais · pedagogia de ensino fundamentada nos gêneros textuais e na Lei 10.639 /03, ... seus conhecimentos e, ... línguas

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RACISMO: representação social do negro nos gêneros textuais

Nelci Alves Coelho Silvestre1

Orientadora: Ms.Carmen Ilma Belincanta Borghi2

Resumo

O presente artigo é um requisito parcial para a conclusão do Projeto de

Desenvolvimento Educacional – PDE – 2012. Nele contém uma análise das

discussões entre professores das disciplinas de Línguas Inglesa, Espanhola,

Portuguesa, História e Geografia sobre o ensino focado nos gêneros discursivos e

a Lei 10.639/03. Partindo dos pressupostos teóricos dos gêneros discursivos, o

objetivo deste trabalho consistiu em buscar subsídios para desenvolver uma

pedagogia de ensino fundamentada nos gêneros textuais e na Lei 10.639/03,

visando a desconstrução dos discursos dos colonizadores via literatura. Para

tanto, trabalhamos com diversos gêneros textuais embutidos da temática do

racismo. Analisamos o conto The White People Maid (2011) de Keith Jardim,

numa relação interdisciplinar e dialógica com a História, com a Geografia e com

outras linguagens artísticas como a música, a pintura, o curta-metragem. Nossa

proposta decorre em função do pouco contato dos professores com os gêneros

textuais sob a ótica do racismo e da necessidade de superação dessa realidade.

Daí a premência de se discutir algumas questões relacionadas ao racismo e à

discriminação racial via gênero literário. O incentivo ao estudo dos gêneros

textuais e da Lei 10639/03 contribuiu para ampliar o conhecimento do grupo bem

como engajá-los nesta empreitada.

Palavras-chave: Gêneros Discursivos; Racismo; Literatura.

1 Introdução

Este artigo é o resultado das atividades desenvolvidas durante nossa

participação no PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional – 2012/2013,

e foi elaborado em sua fase conclusiva com o intuito de apresentar, de forma

sucinta, as atividades desenvolvidas durante o processo de formação continuada.

1 A autora é professora de Língua Inglesa da SEED, grupo PDE 2012, Mestre em Comunicação e

Poéticas Visuais e Doutoranda em Letras pela Universidade Estadual de Londrina. 2 A orientadora é Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)

– e docente da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

No preâmbulo do PDE, o professor participante do programa deveria

apresentar obrigatoriamente um Projeto de Intervenção Pedagógica que fosse

oriundo de uma problemática relacionada ao ensino. Este deveria ser relevante

para aperfeiçoar práticas pedagógicas no intuito de contribuir de maneira sensível

para um ensino mais efetivo nas escolas públicas paranaenses. Deste modo, a

proposta de trabalho realizada pretendia superar a seguinte problemática: “como

trabalhar com o racismo por meio dos gêneros textuais, já que os professores não

se sentem preparados para esta prática?” Frente a esta dificuldade, o papel da

Formação Continuada é de extrema relevância para que o professor aprimore

seus conhecimentos e, consequentemente, seja capaz de inverter esta realidade.

Daí a opção por um projeto com professores de Línguas Inglesa, Espanhola,

Portuguesa, História e Geografia, com ênfase nos gêneros textuais e na temática

do racismo.

Nas escolas públicas do Paraná, o trabalho com textos orientado pelas

Diretrizes Curriculares deve ser fundamentado a partir dos gêneros discursivos,

com os quais são privilegiados os aspectos da ordem da enunciação.

Trabalhando com gêneros, o cerne do ensino será os diferentes modos de dizer

determinados por situações comunicativas distintas, já que os gêneros são formas

que advém de diferentes esferas de comunicação (BAKHTIN, 1997).

Aliado a isto, a inserção dos conteúdos de História e Cultura Afro-

Brasileira nos Currículos Escolares passou a ser obrigatória a partir da sanção da

Lei 10.639/03. A promulgação desta lei pretende promover a inclusão social e a

cidadania para todos no sistema educacional brasileiro. No entanto, após dez

anos da lei, observa-se que ainda há muitos desafios a serem vencidos.

Ao relacionar as práticas de ensino ao trabalho com os gêneros do

discurso, nosso intuito é viabilizar discussões, além de sugerir possíveis

encaminhamentos de trabalho centrado neste gênero, em uma abordagem

integrada de ensino de língua, envolvendo as atividades de leitura, produção

textual e análise linguística a partir da temática do racismo.

Nesse contexto, é inegável a importância da formação do professor na

atualidade, pois seus conhecimentos não devem estar restritos apenas à

disciplina que leciona, mas perpassar diversas outras áreas do saber. Espera-se,

assim, que o curso tenha promovido um trabalho dialógico com outras disciplinas,

com outras linguagens. Daí, a escolha do conto “The White People Maid”, de

Keith Jardim. Esta literatura de Língua Inglesa foi selecionada com o propósito de

contribuir no processo de interdisciplinaridade, uma vez que o enredo propicia a

compreensão da história africana, da geografia de Trinidad e Tobago,

fundamentada no estudo das relações sociais, políticas, econômicas e culturais

que se desenvolvem no conto, além de seu valor estético enquanto gênero

literário.

Então, buscando contribuir com a formação continuada do professor,

propôs-se um curso para professores da rede pública do Colégio Estadual do

Jardim Independência, cidade de Sarandi – PR. sobre o Racismo nos Gêneros

Textuais. Para que pudéssemos atingir este objetivo nossa participação em

cursos, palestras, seminários oferecidos pela SEED e pela IES, o Grupo de

Trabalho em Rede, na plataforma Moodle, os encontros de orientação, a

Produção Didático-Pedagógica (Sequência didática) com atividades voltadas ao

trabalho interdisciplinar, desenvolvidas durante a implementação, foi

imprescindível. A produção deste artigo científico é o cumprimento da etapa final

do PDE.

2 Os gêneros discursivos

O processo de ensino-aprendizagem de Língua Estrangeira necessita de

condições favoráveis para se realizar, tais como ambiente agradável, material de

ensino adequado ao nível, conhecimento dos documentos oficiais por parte dos

professores a fim de que os aprendizes possam desenvolver a linguagem. Desta

forma, o professor de LE deve estar consciente de seu papel, que de acordo com

os PCNEM, “além de capacitar o aluno a compreender e a produzir enunciados

corretos no novo idioma, propicia ao aprendiz a possibilidade de atingir um nível

de competência linguística capaz de permitir acesso a informações de vários

tipos, ao mesmo tempo em que contribua para a sua formação geral enquanto

cidadão” (BRASIL, 1999, p. 52).

Na verdade, o processo de ensino-aprendizagem de qualquer disciplina que

tem os gêneros discursivos como eixo de articulação e progressão curricular pode

atingir o objetivo de formar cidadãos leitores e críticos conforme a proposição dos

documentos oficiais.

Por esta razão, para que possamos obter sucesso no ensino e

aprendizagem de LE e nas demais disciplinas que compõem a matriz curricular,

um caminho a se seguir é entender o que são gêneros do discurso e porque

trabalhar com eles. Sendo assim, é necessário que focalizemos o gênero,

embasados na proposta apresentada pelos PCNs (1997, 1998), que é ancorada

na teoria de Bakhtin (1997), e na categorização indicada por Dolz e Schneuwly

(2004) ao proporem cinco agrupamentos de gêneros elaborados com base no

domínio social de comunicação a que pertencem (áreas de atividade humana em

que os gêneros circulam), nos aspectos tipológicos (estrutura, construção

composicional) e em suas capacidades de linguagem dominantes (estilo).

Bakhtin (1997) denomina gêneros do discurso os enunciados,

relativamente estáveis, advindos das diferentes esferas de atividades humanas

que traduzem as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas

áreas por meio de seu conteúdo, seu estilo verbal e principalmente pela sua

construção composicional. Para o autor, os inúmeros gêneros existentes em uma

sociedade podem ser diferenciados em gêneros primários (simples) e secundários

(complexos). Os primários estão relacionados às situações de comunicação

verbal espontânea, estabelecendo “relação imediata com a realidade existente e

com a realidade alheia” (BAKHTIN, 1997, p. 281), ao passo que os gêneros

secundários voltam-se às circunstâncias de comunicação mais complexas e

relativamente mais evoluídas, relacionadas, sobretudo, à escrita. Ao veicular os

gêneros ao estilo, Bakhtin (1997) ressalta que os enunciados (orais ou escritos)

refletem a individualidade do falante ou escritor.

Abreu-Tardelli (2007), ao discutir os gêneros discursivos, assinala que sua

eleição como objeto de ensino de Língua Inglesa pode significar instrumentalizar

os alunos “com as ferramentas de que precisam para agir no mundo em que

vivem” (ABREU-TARDELLI, 2007, p. 74). Para a autora, a noção de gênero

permite incorporar elementos das diferentes capacidades de linguagem,

mobilizadas na produção e leitura de um texto. Essas capacidades de linguagem

devem ser desenvolvidas para o domínio dos gêneros textuais. Nesse sentido,

ensinar gênero não se configura no ensino da comunicação apenas, mas na

formação de “sujeitos agentes do mundo e no mundo” (ABREU-TARDELLI, 2007,

p. 74).

Essa afirmação da autora valida o propósito do sistema educacional

brasileiro exposto nos PCNEM que visa à formação do sujeito para a cidadania.

As orientações curriculares para o Ensino Médio (OCMs) confirmam que a escola

precisa contribuir para a formação de indivíduos. Sendo assim, para que se possa

ressignificar o ensino de inglês, o trabalho baseado em gêneros do discurso

torna-se “subsídios de compreensão de como interagimos pela linguagem,

construindo relações sociais, de como (re) construímos nossa identidade e de

como buscamos alcançar nossos objetivos sociais” (PEREIRA, 2007, p. 2).

Seguindo essa linha de raciocínio, nos PCNs (1997, 1998) de Língua

Inglesa, encontramos a defesa do ensino de línguas embasado nos conceitos de

gêneros discursivos como objeto de ensino. O documento postula que os textos

veiculados socialmente se configuram dentro de um determinado gênero, em

função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos

discursos, as quais geram usos sociais que os determinam; também são

organizados de diferentes formas, o que supõe o desenvolvimento de diversas

capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino.

Desse modo, o professor pode ter parâmetros mais claros acerca do que

ensinar e avaliar, já que os gêneros nos permitem circunscrever as formas de

dizer que circulam socialmente, uma vez que trazem em si conteúdos específicos

de ensino a eles relacionados, fato que desvincula o trabalho com classificações

genéricas e tipológicas. Assim, um conto, um romance, por exemplo, apesar de

serem textos narrativos, são gêneros que possuem grandes diferenças entre si.

Ademais, o ensino dos gêneros favorece a integração entre práticas de

leitura, escrita e análise linguística. Para a prática de leitura, pensamos no gênero

literário porque, segundo Coito, “o texto literário refrata e reflete signos sociais, os

quais em movimento no dizer, reforçam ou rechaçam o discurso oficial” (COITO,

2006, p. 209).

2.1. Gêneros textuais e Literatura Pós-Colonial

Sobre o texto literário, Antônio Candido discute em sua palestra A

Literatura E A Formação do Homem, de 1972, as funções do texto literário. A

primeira delas é a função psicológica, que preenche a necessidade universal de

ficção e fantasia inerente ao ser humano. Já a função psicológica contribui para a

formação da personalidade, conduzindo à função formativa do tipo educacional.

Candido afirma que a função formativa age e educa com o impacto indiscriminado

da própria vida. Assim, ela não corrompe nem edifica, pois traz livremente em si o

que se denomina de bem e de mal, humanizando porque faz viver. A função do

conhecimento do mundo e do ser corresponde à representação de uma

determinada realidade social e humana, fato que possibilita ao indivíduo o

reconhecimento da realidade em que vive mesmo diante de sua transposição

para o mundo ficcional.

Tendo em vista a funcionalidade do texto literário, sobretudo, no que tange

à formação do indivíduo, Candido coloca que a relação da literatura com os

direitos humanos pode ser vista sob dois enfoques. Primeiro, a literatura é uma

necessidade universal e negar a sua fruição seria como destruir a nossa

humanidade. Segundo, a literatura pode atuar como um instrumento consciente

de desmascaramento ao focalizar as situações de restrição dos direitos, ou

negação deles, como a miséria, a servidão, a submissão, entre outros.

Nesse sentido, a literatura pós-colonial vem ao encontro de nossa proposta,

pois narra eventos de povos colonizados e cria uma estética a partir do excluído.

Os excluídos figuram nos textos literários pós-coloniais afetados “pelo processo

imperial, desde o primeiro momento da colonização europeia até o presente”

(ASHCROFT et.al., 1991, p.2, apud, BONNICI, 2009, p.267). Como a literatura

pós-colonial é o resultado da experiência de colonização baseada na tensão com

o poder colonizador, os eventos delineados nessas narrativas apresentam a vida

daqueles cuja identidade e cultura foi transformada pelo colonialismo tais como a

vida de indígenas, de mulheres, de imigrantes, dos negros, entre outros.

2.2. Racismo

O conceito de raça superior foi um dos fatores que fundamentou o império

europeu, permitindo a imposição de seus valores e a consequente outremização

dos não nativos. Segundo Bonnici (2009) “a carga de preconceito a ela (raça)

inerente é tão forte que muitos questionam a conveniência em usá-la” (BONNICI,

2009, p. 275). Ao investigar as acepções do termo tanto na acepção fenotípica,

como na geográfica e na biológica, Bonnici concorda com os antropólogos no

sentido de que não há raças humanas, mas apenas uma raça.

Na verdade, a trajetória imperialista, com base em conceitos filosóficos e

científicos, a partir do século XVII, foi a responsável pelo racismo atual. A cor

negra ou a ausência da pele branca foi uma das justificativas utilizadas para

associar os negros aos seguintes termos: mal, selvagem, primitivo. Por

conseguinte, os nativos, ou não brancos, eram estereotipados, taxados de tolos e

de pouco inteligentes.

Figueiredo (1998, p.64) assegura que o negro não se considerava inferior a

nenhuma outra raça, mas que a partir do contato com o branco, da negação dos

valores humanos e culturais impostos pela colonização é que o negro começou a

apresentar uma imagem negativa de si mesmo.

Diante da suposta superioridade do branco, os negros começaram a imitar

seu comportamento a fim de se equipararem a ele. Memmi observa que o racismo

é “a atribuição generalizada de valor a diferenças reais ou imaginárias para o

benefício do acusador sobre a vítima, com a finalidade de justificar o privilégio e a

agressão do primeiro” (1968, p.186).

Conforme mencionado, o racismo estigmatiza diferenças com o intuito de

justificar vantagens e abusos de poder por parte do grupo dominante,

desconsiderando o fato de que todos os seres humanos possuem, igualmente,

aspirações de progresso, além de negar as diferenças nas experiências históricas

peculiares aos diferentes grupos humanos.

Parece que a convivência pacífica, bem como a igualdade de direitos entre

as raças em nossa sociedade é ilusória, já que se refere aos direitos formais dos

indivíduos, sem levar em consideração as especificidades de cada grupo. Ao

negar a relevância e o respeito às diferenças para o entendimento da diversidade,

o tratamento igualitário só funciona no mundo das ideias, porque no mundo dos

homens a cor dérmica continua sendo fator discriminatório que, juntamente com a

etnia, classe e religião impedem o negro de se afirmar como sujeito agente na

sociedade.

Frente a estes apontamentos, no afã de atender às postulações dos

PCNEM, que consideram a formação do cidadão atuante como responsabilidade

de todas as disciplinas do currículo escolar e de atender a Lei 10.639/03 que pede

a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo oficial da

rede de ensino, nossa proposta teve o intuito de desenvolver um trabalho que

resgatasse a função humanizadora do texto literário e a necessidade do contato

com tais textos para que esse caráter formativo se desenvolva tanto em âmbito

individual como social.

3 Aplicação e desenvolvimento da implementação do projeto na escola

O projeto foi aplicado para um grupo de dez professores do Colégio

Estadual do Jardim Independência, em Sarandi- Paraná. Dos discentes que

compuseram o grupo havia três de Língua Portuguesa, três de Língua Inglesa, um

de Língua Espanhola, dois de Geografia e um de História. No primeiro encontro,

propusemos uma atividade com diferentes gêneros textuais com o intuito de

identificar o conhecimento do grupo a respeito do assunto. Todos os professores

identificaram os gêneros textuais apresentados e afirmaram que trabalham com

os gêneros, mas nem todos conheciam a denominação. Diante da resposta,

solicitamos a leitura do texto “Gênero textual e ensino de línguas”, de Vera Lúcia

Lopes Cristóvão (2003). Após a leitura silenciosa, discutimos o que são gêneros e

porque é importante trabalhar com eles.

Uma das professoras de língua estrangeira comentou que as DCEs

propõem um trabalho com os gêneros textuais. De fato, segundo o documento

O trabalho com a Língua Estrangeira Moderna fundamenta-se na diversidade de gêneros textuais e busca alargar a compreensão dos diversos usos da linguagem, bem como a ativação de procedimentos interpretativos alternativos no processo de construção de significados possíveis pelo leitor (PARANÁ, 2008, p. 58).

Outra professora de Língua Portuguesa complementou que o ensino por

meio dos gêneros é relevante porque permite ensinar textos que estão em

circulação. As professoras de História e Geografia contribuíram ao afirmar que

trabalham com diferentes gêneros: gráficos, mapas, reportagens, notícias, diários,

resumos, respostas interpretativas, seminários, mas que não estavam

familiarizadas com a terminologia que apresentamos. Acrescentamos que elas

trabalham com diferentes capacidades de linguagem: do narrar, do relatar, do

argumentar, do expor, do instruir ou do prescrever, consoante Dolz e Schneuwly

(2004).

Na sequência, dialogamos sobre leitura. Curioso observar que os dez

professores demonstram preferência pela leitura do texto literário, em especial,

contos e romances. No afã de ilustrar o quão importante é a leitura, fizemos uso

da TV multimídia para exibir o vídeo “Ler devia ser proibido”. O grupo aprovou o

vídeo e complementou que o fato de o título propor o contrário do que almejamos

já desperta a curiosidade.

O segundo vídeo, proposto “Manifesto por um Brasil Literário”, tem a

participação do escritor Bartolomeu Campos de Queirós. Na entrevista, ele

discute a importância da leitura do texto literário e valida “a necessidade universal

de ficção e de fantasia” (CANDIDO, 1972, p. 804). Consoante as discussões do

grupo, a ligação entre o real e o imaginário proporciona prazer, ao mesmo tempo

em que contribui para formar os educandos. Candido confirma

A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa, - o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para reforço de sua concepção de vida (CANDIDO, 1972, p. 805).

Neste viés, o texto literário apresenta função formativa porque atua como

instrumento educativo. Assim, ao refletir sobre sua condição no mundo, seu papel

na sociedade, o homem se depara com a função humanizadora da literatura.

Candido atesta que a literatura “não corrompe nem edifica, portanto; mas,

trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal,

humaniza em sentido profundo, porque faz viver” (CANDIDO, 1972, p. 806).

Os docentes comentaram ainda que a escola deve se dedicar mais a

leitura literária e que quando o professor se apresenta como leitor apaixonado há

mais possibilidade de o aluno ser um bom leitor, ou seja, todos concordaram com

o exposto por Queirós no vídeo.

No segundo encontro, comentamos que o conto pertence ao agrupamento

do narrar e fizemos uma revisão dos elementos da narrativa para atender as

professoras de Geografia, ainda não muito familiarizadas com o trabalho com o

texto literário.

Em seguida, foram apresentados três contos: “Pai contra mãe”, de

Machado de Assis (2000); “Minha Cor”, de Raquel de Almeida (2007); Desiree’s

Baby, de Kate Chopin (2006). As professoras de Língua Portuguesa optaram pelo

conto machadiano. Já as professoras de História, Geografia e Espanhol optaram

pelo texto de Almeida. O conto em inglês foi destinado às professoras da Língua

Inglesa.

A contextualização histórica foi realizada pela professora de História que

apresentou dados dos períodos em que os textos foram produzidos. Após a

contextualização das obras, os grupos fizeram a leitura dos contos e levantaram a

temática social de tais textos. Os elementos da narrativa também foram levados

em consideração bem como a linguagem literária.

O conto “Pai contra mãe” conta a história de Cândido Neves, cujo ofício é

resgatar escravos fugidos. O casamento com Clara gera um filho, porém os

tempos são outros e já não há muitos escravos a ser resgatados, o que dificulta a

situação financeira do casal. Diante da possibilidade de colocar o filho na Roda

dos Enjeitados para livrá-lo da fome, Cândido se depara com uma negra fugida.

Já a caminho da Roda, onde pretendia deixar o filho, persegue a escrava e a

alcança. Ela suplica por sua vida, alegando que está grávida, e que não quer que

seu filho também seja escravo. Mesmo assim, Cândido entrega a escrava a seu

dono. Diante da violência, ela aborta e Candido justifica sua ação a partir do

comentário de que nem todas as crianças “vingam”.

A fábula do conto “Minha Cor” gira em torno da descoberta da própria cor.

A adolescente conta sobre o dia em que foi fazer sua carteira de identidade. Na

fila de espera, a mãe observa que seu registro atesta que ela é parda. A mãe

esclarece que ser parda é ser como ela, nem preta, nem branca. O pai assegura

que ela é “preta”, pois ela é filha dele. Quando vai ao samba, próximo a sua casa,

uma mulher branca, segundo a descrição do narrador, indaga o porquê de ela

não dançar se ela é “da cor”. Mas é na visita à avó paterna que a narradora

conhece sua verdadeira identidade. As bisavós vieram da África, foram escravos

de senhores brancos, logo sua história, sua origem constroem sua identidade.

Já o conto Desiree’s Baby conta a história de Desiree que após o

casamento com Armand, dá a luz a um lindo bebê. Apesar de o bebê ser perfeito,

Armand se afasta da esposa, as visitas das vizinhas se intensificam e as escravas

também mudam com ela. Quando o bebê tinha três meses, a mãe ao comparar o

filho com o moleque escravo se dá conta da cor de seu filho amado e vai à

procura do esposo. Este confirma que o filho era negro, logo ela é negra. Desiree

parte com seu bebê, provavelmente para a casa da mãe adotiva e nunca mais é

vista. Armand decide dar fim as coisas de Desiree e de seu filho via fogueira.

Neste momento, encontra um pacote de cartas e reconhece em uma delas, a letra

de sua mãe. A carta revela a origem de Armand. Sua mãe era negra.

Por meio da análise destes três contos, que abordavam questões sociais

referentes ao negro, os docentes discutiram sobre a suposta democracia racial e

o racismo velado que permeia nossa sociedade. A professora de História

comentou que nas DCEs de sua disciplina há a proposta de inserção da cultura

africana e afro-brasileira no ensino. De fato, as DCEs de História confirmam que

“Essa nova perspectiva permitirá estabelecer relações entre a sociedade

brasileira e as demais, como a indígena, a africana e a asiática, promovendo a

reflexão sobre sujeitos até então negligenciados pela História” (PARANÁ, 2008,

p.75).

Também houve contribuição das professoras de Geografia ao explanar

que o documento oficial que rege sua disciplina propõe um trabalho pedagógico

da história e da cultura africana e afro-brasileira. Realmente, as DCEs de

Geografia preconizam que

O trabalho pedagógico da história e da cultura afro-brasileira e indígena pode ser feito, por exemplo, por meio de textos, imagens, mapas e maquetes que tragam conhecimentos sobre: a questão histórica da composição étnica e miscigenação da população brasileira; a questão político-econômica da distribuição espacial da população afro-descendente e indígena no Brasil e no mundo;

as contribuições das etnias indígenas e africana na construção cultural da nação brasileira; as motivações das migrações dos povos africanos e indígenas no tempo e no espaço; o trabalho e distribuição de renda entre essas populações no Brasil; a configuração socioespacial do continente africano desde o período escravista até os dias atuais (PARANÁ, 2008, p. 80).

Frente a estes apontamentos, destacamos a importância de um trabalho

interdisciplinar no qual as diversas áreas do saber possam contribuir para a

construção do aprendizado do aluno. Neste sentido, nos comprometemos a

desenvolver um trabalho em conjunto para que pudéssemos aplicar tão logo

terminássemos o curso.

Seguindo esta linha de pensamento, a música Ebony and Ivory de Paul

McCartney foi apresentada. Nosso intuito era de estabelecer relações

intertextuais entre os contos e a canção. Após a audição, os professores

observaram que a letra propõe a convivência harmoniosa entre brancos e negros,

diferentemente dos contos estudados.

No terceiro encontro, apresentamos o curta-metragem “Xadrez das Cores”

dirigido por Marco Schiavon no ano de 2004. Neste vídeo de 22 minutos

aproximadamente, entramos em contato com Cida, uma mulher negra que vai

trabalhar para Estela, uma senhora viúva, sem filhos e extremamente racista.

Como Cida precisa de dinheiro, ela tolera o preconceito da patroa. Em

determinado momento, Cida demonstra interesse pelo jogo de xadrez e por

intermédio dele vislumbra uma possibilidade de melhora para a comunidade onde

vive.

As discussões do grupo giraram em torno do binarismo inerente à raça

branca, ora representada por Estela, imputado ao sujeito colonial, no caso, Cida,

o estereótipo de inferior porque ela é negra. O grupo observou que o fato de a

senhora Estela utilizar-se de adjetivos degradantes para referir-se à empregada,

reduzindo-a ao patamar mais baixo da hierarquia binária, comprova tal oposição.

Já a alusão ao jogo de xadrez, atestaram os docentes, remete ao

conhecimento, pois só por intermédio dele é possível resistir e revidar como Cida

faz. Sua resistência e revide a coloca como sujeito, em posição igualitária a da

patroa. Neste sentido, o binarismo entre rico e pobre, branco e negro, patrão e

empregado estabelecido pela patroa se quebra quando Cida vence o jogo.

A discussão do vídeo aliada à leitura do texto “Ficção Pós-colonial retrata

conflitos contemporâneos”, de Carolina Cantarino deu margem para retomarmos

as funções da literatura propostas por Candido (1972). A função social do texto

literário, segundo o autor, permite que o leitor reconheça a realidade ao seu redor

via ficção, ou seja, essa função não só facilita a compreensão da realidade como

colabora para a emancipação dos dogmas impostos pela sociedade.

Dando sequência às atividades programadas, apresentamos o conto The

White People Maid, de Keith Jardim, publicado na revista Moving Worlds v. 11, n.

1, 2011, p. 89 a 92, pela University of Leeds. Comentamos com o grupo que o

autor Keith Jardim, nasceu em Trinidad e Tobago, e que atualmente ele exerce a

função de professor na Gulf University for Science and Technology, Kuwait. No

ano de 2011, ele publicou uma coleção de short stories intitulada Near Open

Water, indicado para o prêmio “Bocas” de literatura caribenha.

Nesta etapa, direcionamos a leitura do conto, que já fora solicitada desde o

primeiro encontro. Cumpre observar que a proposta de leitura de texto literário na

Língua Inglesa foi um desafio para o grupo já que a maioria não tem formação

acadêmica em Língua Inglesa.

Durante o período de leitura que durou dois encontros, foram realizadas

leituras do conto, coletivamente, para esclarecer detalhes sobre o vocabulário, a

estrutura do conto como o foco narrativo, as personagens e suas características,

o tempo, o espaço e a análise da linguagem empregada pelo narrador

protagonista, Cynthia, como forma de resistência ao idioma imposto pelo longo

período de colonização.

A contextualização histórica, para o melhor entendimento do conto, foi

realizada pela professora de História, que já estava preparada para esta

atividade. Nesta etapa, a docente enfatizou questões históricas presentes na obra

como a relação colonizador/colonizado, as relações de poder, o movimento de

independência do país e suas consequências. Também houve contribuição da

professora de Geografia que explanou sobre a República de Trinidad e Tobago,

enfocando o sentido de Trinidad (trindade cristã) e de Tobago (tabaco – cultivado

pelos nativos da região), a localização, a área, a capital, a população, a moeda, a

economia, o idioma (Língua Inglesa) enfatizando os indicadores sociais.

Após a leitura do conto, notamos que se trata da história de Cynthia, uma

empregada doméstica negra, que presta serviços à patroa branca, Senhora

Gomes. O foco narrativo em primeira pessoa foi fundamental para a narradora

protagonista, Cynthia, mostrar como era subjugada pela patroa. Constantemente

questionada sobre os objetos pessoais da Senhora Gomes, a empregada, para

comprovar sua versão da história, dialoga com o leitor, inferindo que também ele

é preconceituoso.

No início da narrativa, Cynthia apresenta ao leitor parte de sua rotina. As

ações de varrer, lavar, tirar o pó e encerar a casa onde trabalha, além de

conversar com Sra. Gomes quando ela se sente solitária fazem parte de seu

cotidiano. Diariamente também é interrogada sobre onde se encontram os objetos

pessoais da patroa e da filha, as quais ela denomina de “Old Bitch” e “Paris

Hilton”, respectivamente.

Em determinada ocasião, Cynthia, atendendo a solicitação da patroa vai a

uma farmácia local, carregando a quantia de 100 dólares no bolso de seu avental.

O dinheiro estava destinado à compra de comprimidos para dormir. Alheia à

realidade, observa que o local é assaltado e que o guarda é assassinado, bem

como a senhora idosa que tentara se defender. Ao sair ilesa deste episódio,

Cynthia sente-se como se fosse invisível para a sociedade. Em pânico, ela

perambula pela cidade sem saber ao certo para onde ir, o que fazer.

Quando decide avisar a patroa do acontecido, seu celular cai no bueiro.

Inconformada com a perda do celular, com sua condição, com a condição de sua

família, do Caribe, ela chora. Somente à noite, ela se sente melhor. Neste

momento, ela encontra o Midnight Robber, uma figura associada ao carnaval de

Trinidad e Tobago. Depois de ouvir o discurso dele, caminha em direção a sua

casa.

Oprimida e inferiorizada, ela não aceita passivamente a objetificação

imputada a ela. Quando se dirige à casa da patroa que a acusa e a ofende,

Cynthia responde aos insultos preconceituosos da patroa e deixa a casa levando

o celular da Senhora Gomes. Em um ato de resistência às provocações, insultos

e acusações a que fora submetida, ela pisa no celular e o destrói. No retorno,

anseia por reencontrar o Midnight Robber, personagem que simboliza a tradição

da ilha.

No que concerne aos personagens, foram enfatizadas Cynthia, a

empregada negra; Senhora Gomes, a patroa branca, a filha da Senhora Gomes,

comparada a atriz Paris Hilton e o Midnight Robber. Além disso, ficou evidente

nos debates que a relação de poder presente no conto, fica explícita pela

divergência de visão de mundo entre Cynthia e a Senhora Gomes quanto aos

bens materiais, às relações pessoais, entre outros.

A linguagem que o narrador utiliza para contar sua história afasta-se da

norma considerada padrão. Cynthia parece ter se apropriado da língua do

colonizador, mas por não ter tido a oportunidade de estudar faz uso de variações.

A substituição do adjetivo possessivo “her” pelo pronome “she” é um exemplo:

“Again and again Madam would ask me where I put she cell phone” (JARDIM,

2011, p. 82). Os professores citaram outros casos como o caso da terceira

pessoa do presente simples: “Cynthia, she say, have you seen my cell phone?”

(JARDIM, 2011, p. 82) .

Outro exemplo mencionado foi “Now you must think I is a ungrateful black

woman who never know she place in the high society I was working in” (JARDIM,

2011, p. 82). O pronome “I” seguido pelo “is” causou um grande impacto nos

professores familiarizados com a norma padrão da língua. Foi explicado que a

linguagem da protagonista não idêntica a do colonizador, caracteriza e reafirma a

identidade do colonizado.

Comentamos que no período colonial, a produção literária da colônia era

controlada pela classe dominante. Esta não aceitava ou limitava textos que não

fizessem parte do eixo eurocêntrico. Os escritores pós-coloniais, conscientes do

poder ideológico da língua, trabalhavam para descolonizar o idioma europeu.

Para tanto desenvolveram duas estratégias: a ab-rogação e a apropriação. A ab-

rogação consiste na recusa das normas da língua ou em sua marginalização; já

na apropriação há uma adaptação do idioma para expressar o contexto do

colonizado.

Nesta linha de pensamento, a subversão do código linguístico europeu,

observada no conto, é uma estratégia do autor pós-colonial Jardim para

demonstrar resistência, para afirmar a identidade do sujeito colonizado. Bonnici

(2009) corrobora “as transformações linguísticas e literárias foram perpetuadas

pelos escritores pós-coloniais para mostrar sua subjetividade adquirida”

(BONNICI, 2009, p. 62).

Além da linguagem, o espaço e o tempo também foram analisados. Foi

solicitado aos professores que observassem como é descrito o espaço. O

apartamento da senhora Gomes, por exemplo, está situado em uma área restrita

à alta sociedade. A filha denominada de Paris Hilton possuía uma casa em uma

área destinada às pessoas ricas - Hale Land Park, mas estava morando no

mesmo edifício que a mãe. “[…] walk over to the daughter flat five doors down in

this compound these high society people living in to borrow this-that-and-the-

other” (JARDIM, 2011, p. 82).

O tempo é outro elemento da narrativa que merece nossa atenção. Para

análise desta categoria, realizamos exercícios de leitura de trechos específicos do

conto, a fim de observar a alternância entre o presente e o passado. A narradora

protagonista estabelece um jogo entre estas duas instâncias temporais, a partir de

suas lembranças e de seu momento atual. Vejamos alguns exemplos: “Yes now,

to get back to the story. Was a early afternoon like so many others in the dry

season […] (JARDIM, 2011, p. 83). Em suas lembranças, ela solicita ao leitor que

retorne a história. Começa a contar que era início de tarde como qualquer outra

da estação. Em seguida, presentifica a situação, comenta e depois continua: “But

I was telling you about the madam, the day the good Lord see fit for she not to be

a Old Bitch – well, at least for a few hours. So hear what happen” (JARDIM, 2011,

p. 84). Em sua fala sobre a patroa, ela convida o leitor a ouvir o que aconteceu.

Conforme observado, apesar da linearidade presente, já que é possível

identificar um começo, um meio e um fim, o conto é marcado pela anacronia,

pelas idas e vindas quanto ao momento presente e o passado, na história.

Falando do presente, de sua condição de empregada na casa da senhora Gomes,

a narradora começa a contar da mãe dela: Janice e de como ela morrera. Em

seguida, relembra as desavenças entre seus pais, a religiosidade do pai, o fato de

ele ser trabalhador. Depois comenta sobre a ilha de Trinidad e do quão

estressante tem sido viver na ilha pelo barulho, pelo movimento e pela violência.

Aliás, a inserção de elementos da cultura local caracteriza a literatura pós-

colonial. Na leitura do conto, observamos trechos históricos como a intervenção

dos Yankees durante a segunda guerra mundial. Vários soldados foram enviados

a Trinidad, influenciando a população local. “My mother Janice uses to say it all

start up when Yankee and them reach Trinidad in the last big war Europe, England

and America had with Germany” (JARDIM, 2011, p.85). Outro aspecto é a

desigualdade social, enquanto a maioria necessita de transporte público como as

vans superlotadas denominadas pelo narrador de ‘Maxi-taxi’ (JARDIM, 2011,

p.90), a minoria esbanja riqueza e poder por intermédio de Mercedes e BMWs.

Quando apresentamos a figura que representa o Midnight Robber, todos

concordaram que ele representa a diversidade cultural da região: o grande

chapéu sombreiro, típico da cultura mexicana; as calças e as caveiras o associam

ao cowboy norte-americano. “He stand tall, a man dress up in one of them big

sombrero hat and a long black cloak hanging a few inches above his feet, showing

the old sneakers He wearing” (JARDIM, 2011, p. 88).

Mais importante que sua caracterização é seu discurso, pois por meio dele

revela que se apropriou da história da colonização. “And when the Europeans and

them start to fight, and all the ships and souls get bent, all the fight they fight in

their big ships fill up the sea with bodies of black and white men – and all their

blood!” (JARDIM, 2011, p. 88-89). Ao recontar a sangrenta história do processo

de colonização, a figura mítica reconstrói a história e a identidade caribenha que é

mista, diversa.

A própria figura carnavalesca em meio à modernidade é uma forma de

resistência à imposição da cultura europeia. Como o Midnight Robber apresenta

características quase divinas como ser capaz de subir aos céus e reorganizar as

estrelas, seu discurso mostra poder. Cynthia percebe que por trás da máscara e

da fantasia o Midnight Robber rejeita a dominação.

Ciente de que pelo discurso pode se subjetificar, Cynthia xinga a Senhora

Gomes de fetid obscenity. Acrescenta ainda que vai chamar os guardas para a

madame. Tanto a resistência verbal quanto a civilidade dissimulada são

estratégias que garantem a agência do sujeito colonial.

O roubo do celular da patroa também representa resistência “And yes, of

course I steal Old Bitch cell phone! I take the damn phone home and pitch it down

hard and mash it up fine-fine with the strong low heel shoes I was wearing”

(JARDIM, 2011, p. 92).

Ao destruir o celular com seus sapatos, notamos que a protagonista

termina um ciclo em sua vida: o ciclo da subalternidade – o termo subalterno é

emprestado da obra de Antonio Gramsci e serve para “descrever o colonizado-

objeto” (BONNICI, 2009, p. 265). A atitude de Cynthia parece responder a

pergunta que intitula o ensaio de Spivak “Can the subaltern speak”, pois ela

mostra que uma subalterna pode falar, pode romper o silêncio imposto pela

colonização.

Nesta etapa, assistimos o vídeo I have a dream, de Martin Luther King e

refletimos em que medida o conto e o discurso se assemelham. Os docentes

entenderam que tanto a narrativa quanto o discurso expressam um sonho comum

– ser respeitado pelo que é e não pela cor da epiderme.

No sexto encontro, lemos e discutimos sobre a sequência didática a partir

do texto “Elaboração de sequências didáticas: Ensino e aprendizagem de gêneros

em língua inglesa” de Lilia Santos Abreu-Tardelli. Apresentamos alguns exemplos

de sequências didáticas e conversamos sobre as produções com o grupo.

O sétimo encontro foi destinado à elaboração e produção de uma

sequência didática. Foram formadas três equipes: duas compostas por três

educadoras e uma composta por quatro. Orientamos que os grupos deveriam

trabalhar com o tema “Racismo” e colaboramos na elaboração da sequência.

Finalmente, no oitavo encontro, foram exibidas as sequências. Nesta

atividade, os educadores apresentaram propostas interessantes para o trabalho

em sala de aula. Segue a descrição das sequências apresentadas pelas

professoras.

O grupo 1 apresentou uma proposta com base no gênero “crônica” para o

público do Ensino Fundamental. Primeiramente foi lida a crônica “O povo: suas

cores, suas dores”, de Luís Fernando Veríssimo. Em seguida, foi feito um

questionamento para reconhecimento do gênero. O passo seguinte foi a respeito

do contexto de produção. No estudo do texto questões de compreensão e

interpretação foram contempladas. A questão da cor e da classe social foi

abordada a partir do texto.

Para ilustrar, o grupo falou sobre a proposta de emenda à constituição

(PEC) 66/2012 pela jornada de trabalho já que o texto falava da relação patroa e

empregada. Na análise linguística, o foco foi o discurso direto e indireto. Os sinais

de pontuação também se fizeram presentes. Na produção de texto foi solicitado

um desfecho para a crônica, desta vez no discurso direto.

O grupo 2 propôs uma unidade didática que trata da “Representação

social do negro” em tempo e espaço determinados, numa gradação crescente,

de objeto a sujeito, nas manifestações artísticas e literárias do Brasil Império, dos

primeiros anos do período Republicano até os dias atuais. Para isso, foram

propostas análises de imagens e textos literários, como contos, crônicas, músicas

e filmes. As atividades propostas são destinadas ao Ensino Médio. O objetivo

principal é a discussão do posicionamento social do negro no período escravista e

pós-abolição. Portanto, foram selecionados textos com abordagem

interdisciplinar, incluindo conteúdos de Arte, Língua Portuguesa, Geografia,

História e Sociologia.

Inicialmente, a proposta consistiu em textos de sensibilização dos alunos

para a temática proposta. Nesse sentido, as imagens de Debret e fotografias de

sujeitos negros, que se destacam em diferentes áreas ao longo da História são de

grande valia.

Na sequência, o trabalho se voltou para a crônica “Os Inconfidentes e seus

Escravos”, de Nireu Oliveira Cavalcanti, que trata da objetificação do negro.

Outros objetos de estudo foram apresentados como a música “Novo velho Exu”,

de Chiquinha Gonzaga e o conto “Minha cor”, de Raquel de Almeida, pois ambos

tratam da subjetificação do negro, definindo seu papel social pelo enfrentamento.

As atividades propostas abordaram o contexto de produção, a temática, a

estrutura e a linguagem dos textos selecionados.

A sequência se encerra com a exibição do filme “Gonzaga, de pai para

filho...” e a música “Asa branca”, de Luiz Gonzaga, com o intuito de desconstruir o

papel do negro como objeto e evidenciar a importância social, política e cultural

do negro.

O grupo 3 apresentou uma sequência que não contemplava a temática

estudada, por isso optamos por não descrevê-la aqui. Apesar da fuga ao tema, a

sequência apresentava o gênero textual “propaganda” e propunha um trabalho

voltado às capacidades discursivas, conforme estudado durante o curso.

Ao final das apresentações, os integrantes do projeto comentaram que a

análise de gêneros textuais diversos, e, principalmente a realização da sequência,

possibilitou a compreensão de como trabalhar com gêneros textuais. Também

ressaltaram a importância de um trabalho em conjunto com outras disciplinas

como História e Geografia, pois as explicações contextualizadas possibilitaram

melhor entendimento da literatura pós-colonial e suas características no conto. A

exibição do curta-metragem antecipando a temática do conto estimulou o

interesse dos educadores que tiveram mais dificuldade para entender o texto

escrito em Língua Inglesa.

4 Considerações finais

Definimos nossa experiência, realizada com os professores do Colégio

Estadual do Jardim Independência, cidade de Sarandi-PR como satisfatória, uma

vez que todos os docentes leram a narrativa em inglês, os textos de apoio e

realizaram as sequências. Acrescentamos que todos conseguiram estabelecer

relações intertextuais entre os diversos gêneros textuais trabalhados, a partir de

uma temática central fundamentada no racismo.

Consideramos que não houve dificuldade de acesso aos textos, pois

foram disponibilizados na copiadora, além de termos disponibilizado material extra

sobre gêneros, sequências, literatura pós-colonial, racismo, contos etc.

Frente a estes apontamentos, destacamos que todas as etapas do projeto

atingiram os objetivos propostos. Um aspecto negativo foi o fato de o curso ter

sido realizado no sábado de manhã. Tentamos amenizar este problema por meio

de dinâmicas, oportunizando o diálogo, a troca de experiências entre os docentes

do grupo e a professora PDE.

Com relação à metodologia utilizada para a aplicação do projeto,

observamos que foi relevante para o melhor desenvolvimento das atividades

propostas, uma vez que havia uma sequência de ações. A realização deste

projeto foi possível porque o PDE possibilitou a formação continuada, que, por

sua vez, permitiu a produção do material didático a ser disponibilizado para os

educadores, no momento da implementação. Acreditamos que seria difícil a

aplicação de um projeto como este, caso não houvesse uma oportunidade como

esta, pois os professores têm uma carga horária pesada. A conquista da hora-

atividade tem sido um avanço para a educação, mas ainda é insuficiente para o

planejamento de aulas, elaboração e correção de avaliações, além do

atendimento aos pais e pedagogos. Diante destes apontamentos, estamos

cientes de que a efetivação desta sequência fundamentada nos gêneros textuais,

sem um período de estudos para a capacitação docente, seria quase que inviável.

Outro aspecto que consideramos negativo, é que durante a

implementação do projeto, o professor deve priorizar os conteúdos científicos

sugeridos pelas Diretrizes Curriculares para suas aulas. Além do preparo das

aulas, é necessária a elaboração de provas e trabalhos bem como o

preenchimento de lista de chamada e canhotos. Sendo assim, a aplicação da

proposta metodológica ou das aulas pode ficar comprometida, diante da

dificuldade do professor em conciliar as atividades relativas ao PDE e à sala de

aula.

Conforme mencionado anteriormente, embora haja alguns aspectos

negativos, o resultado da implementação foi satisfatório, pois demonstrou

importantes avanços no trabalho com os gêneros textuais e no tocante a Lei

10639/03. Se considerarmos a carga horária do professor integrante do projeto,

sua dupla ou tripla jornada de trabalho, observamos que, apesar de tudo, ele tem

buscado se aperfeiçoar, se aprimorar.

Além disso, os professores integrantes do projeto reconhecem que são

responsáveis pelo ensino e a aprendizagem, mas que há um conjunto de fatores

favoráveis ou desfavoráveis à apropriação do conhecimento. Isto significa que o

trabalho com gêneros textuais e com a Lei 10639/03 não é de responsabilidade

de uma área apenas, nem de um professor, nem só dos alunos, mas das diversas

áreas do conhecimento, aliadas ao interesse e vontade de aprender do aluno.

Desta forma, concluímos que as atividades desenvolvidas de forma

interdisciplinar entre a língua e literaturas de Língua Inglesa e outras disciplinas

escolares e linguagens artísticas ampliaram o conhecimento de mundo dos

educadores. Neste viés, os professores pontuaram que precisamos transformar a

sociedade em que vivemos em uma sociedade mais igualitária e justa. Para tanto,

propusemos um trabalho voltado para a descolonização da mente. Ou seja, a

história do povo colonizado, marginalizado, oprimido precisa ser trabalhada em

sala de aula para que nossos alunos sejam capazes de construir ou de reafirmar

sua agência.

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