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O REGENTE DE CORO INFANTIL DE PROJETOS SOCIAIS
E AS DEMANDAS POR NOVAS COMPETNCIAS E HABILIDADES
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MIRIAN MEGUMI UTSUNOMIYA
O REGENTE DE CORO INFANTIL DE PROJETOS SOCIAIS
E AS DEMANDAS POR NOVAS COMPETNCIAS E HABILIDADES
Dissertao apresentada Escola de
Comunicaes e Artes da Universidade de So
Paulo, como exigncia parcial para a obteno
do ttulo de Mestre em Msica sob a orientaodo prof. Dr. Pedro Paulo Salles.
SO PAULO2011
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA CENTRAL DA UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
U95rUtsunomiya, Mirian Megumi.
O regente de coro infantil de projetos sociais e as demandas pornovas competncias e habilidades / Mirian Megumi Utsunomiya. --
So Paulo; SP: [s.n], 2011.130p.: il. ; 30 cm.
Orientador: Pedro Paulo Salles.Dissertao (mestrado) - Programa de Ps-Graduao em
Msica, Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de SoPaulo.
1. Regncia (Msica) 2. Coral infantil 3. Msica (Histria) - Brasil4. Sociedade civil 5. Terceiro setor. I. Salles, Pedro Paulo. II. Escolade Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo. Programa dePs-Graduao em Msica. III. Ttulo.
CDU: 78.071.2(043.3)CDD: 781.635
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MIRIAN MEGUMI UTSUNOMIYA
O REGENTE DE CORO INFANTIL DE PROJETOS SOCIAIS
E AS DEMANDAS POR NOVAS COMPETNCIAS E HABILIDADES
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica,
rea de Concentrao: Musicologia, Linha de Pesquisa: Histria, Estilo e Recepo,
da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, aprovada pela
Banca Examinadora, constituda pelos seguintes professores:
_________________________________________________
Profa. Dra. Rose Hikiji Gitirana
_________________________________________________
Prof. Dr. Fbio Cardozo Mello Cintra
_________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Salles
So Paulo, 03 de Junho de 2011
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ABSTRACT
This works aims at focusing the new skills and competencies demanded for
children's choir conductors in social projects. It was based on a research developed
in So Paulo with professionals of this area. Such skills and competencies vary
according to the social actors who support the choirs. The profile of a social project
children's choir conductor has proved to be different from other chorus modalities
due to the peculiarity of its children features and the specific context in which the
conductor must act. These factors increase the range of skills required for this job. It
was analysed the socio-historical arise of children's choir in Brazil in three specific
periods: The children's choir of the Colonial Period, ran by mestre-de-capela; the
children's choir of Canto Orfenico, conducted by teachers at Repblica Velha time
and the contemporary children's choir, from Nova Repblica, considered a civil
society action implemented in social projects of Nongovernmental Organizations,
which consequently order a different performance of this professional. Then, it will be
contextualized the emerging concepts of "Global Stage", "social actor", "Civil Society",
"Third Sector" and "competencies" in order to reflect on those current demands which
are shaping the profile of this new professional childrens choirconductor.
Key words:
Childrens choir ConductorCompetenciesCivil SocietyThird Sector
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A todos os regentes de corais infantis,
especialmente aos que atuam em projetos sociais
e acreditam no valor intrnseco
do ser humano.
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AGRADECIMENTOS
ADeus, minha Rocha Eterna;
ao Fred, meu companheiro, minha gratido eternaa Michelle, ao Gabriel e ao Leonardo, pelos inmeros abraos e pela pacincia;
ao Shinobu e Tokiko Yamamoto, ao Hissao e Kioko Utsunomiyapelo apoio incondicional;
ao Marlon Isamu Okubo, Silmara Drezza e Lilia Valentepor dividirem suas experincias em prol do coral infantil de projetos sociais;
Thelma Chan, Gisele Cruz e ao Samuel Kerrpelo resgate de uma histria que no pode se perder no tempo;
ao Celso Delneri, Clausi Nascimento, Carmen Lcia Teixeira, Viviane Valladopelos valiosos depoimentos;
Magal Elisabete Sparano e ao Edilson Vicente de Limapela reviso e longas conversas instigantes e
aos professores do curso de Msicada Universidade Cruzeiro do Sul
pelo incentivo que sempre me dispensaram.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1Atores Sociais no Palco Global ............................................................ 8Figura 1.2Diagrama dos trs setores da sociedade............................................. 10Figura 3.1Websitedo Centro de Promoo Social Cnego Luiz Biasi ................ 73
Figura 3.2Websitedo Instituto Bacarelli .............................................................. 75
Figura 3.3Websiteda ONG Moradia e Cidadania ................................................ 77
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LISTA DE QUADROS
Quadro 3.1Competncias requeridas ao regente em funo de objetivo e
enfoque do coro ............................................................................... 83
Quadro 3.2Competncias requeridas ao regente de coro infantil de
projeto social .................................................................................... 85
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................................... 1
1. PERCURSOS DO REGENTE DE CORO INFANTIL NO BRASIL ................................ 5
1.1 Atuao do regente de coro infantil sob a perspectiva da demanda do atorsocial em destaque ....................................................................................................... 6
1.1.1 O conceito de palco global e de ator social .............................................. 61.1.2 O conceito de setores da sociedade: o Terceiro Setor ................................. 9
1.2 O mestre-de-capela: o regente no Brasil do Perodo Colonial............................. 101.2.1 O mestre-de-capela no perodo do Brasil-Imprio ....................................... 131.2.2 Consideraes sobre o mestre-de-capela como regente de coro infantil ..... 14
1.3 O regente professor de Canto Orfenico no Brasil da Repblica Velha e noEstado Novo ................................................................................................................... 15
1.3.1 O Canto Orfenico na Frana ....................................................................... 161.3.2 O Canto Orfenico na Espanha .................................................................... 181.3.3 O Canto Orfenico no Brasil ........................................................................ 191.3.4 Consideraes sobre o professor de Canto Orfenico no Brasil .................. 25
1.4 O regente de coro infantil no contexto de fortalecimento da Sociedade Civilno perodo da Nova Repblica ................................................................................. 27
1.4.1 Corais infantis demandados por segmentos da Sociedade Civil fora doambiente eclesistico e escolar .................................................................... 29
1.4.2 Painis Funarte de Regncia Coral: participao diferenciada do Estado ... 301.4.3 O coral infantil na contemporaneidade paulistana ........................................ 331.4.4 O papel da ARCI na formao de regentes de coros infantis ....................... 361.4.5 Outras iniciativas alm da ARCI .................................................................. 391.4.6 Consideraes sobre o regente de coro infantil de projetos sociais ............. 41
2. HABILIDADES E COMPETNCIAS DO REGENTE DE CORO INFANTIL .................. 43
2.1 Conceituao de coro infantil e sua prtica contempornea no Brasil................ 432.1.1 Definio de coral infantil, faixa etria e composio ..................................... 452.1.2 O regente de coro infantil e a equipe de trabalho ........................................... 472.1.3 Voz infantil e tcnica vocal .............................................................................. 482.1.4 Escolha de repertrio, ensaios e apresentao .............................................. 49
2.2 Competncias e habilidades no contexto do regente de coro infantil.................. 512.2.1 A importncia da liderana do regente ressaltada .......................................... 512.2.2 Demandas para o regente como gestor. O conceito de competncia ............ 56
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2.2.3 Competncias para o regente como educador musical .................................. 642.2.4 Competncias para o regente de coro infantil em ONGs: demandas de uma
formao no atendidas .................................................................................. 66
3. DEMANDAS PARA O REGENTE DE CORAL INFANTIL DE PROJETOS SOCIAISSEGUNDO A TICA DOS PRPRIOS REGENTES ................................................... 69
3.1 A busca por fontes primrias de informaes ......................................................... 693.1.1 A coleta de dados ......................................................................................... 69
3.2 O perfil dos regentes entrevistados e das ONGs onde atuam ............................... 723.2.1 Marlon Okubo, do Centro de Promoo Social Cnego Luiz Biasi ................ 723.2.2 Silmara Drezza e o Coral da Gente do Instituto Baccarelli ............................ 74
3.2.3 Lilia Valente e o coral infantil da ONG Moradia e Cidadania ......................... 76
3.3 Novas competncias demandadas segundo a percepo dos prprios regentes783.3.1 Viso geral sobre os depoimentos e atuao dos regentes ........................... 783.3.2 Demandas por uma perspectiva holstica do coro infantil ............................... 82
4. FECHANDO AS DISCUSSES: GUISA DE UMA CONCLUSO............................. 88
4.1 O coro infantil e as demandas dos atores sociaisno palco global ....................... 88
4.2 O coro infantil em projetos sociais no Terceiro Setor ........................................... 89
4.3 Coral infantil em projetos sociais: um desafio para toda a sociedade ................. 91
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................. 92
APNDICES ...................................................................................................................... 100
APNDICE 1 - Entrevistas com os regentes ................................................................. 100
Apndice 1.1 Entrevista em udio de Henry Leck e em vdeo de Marlon Okubo,e Lilia Valente .................................................................................... 100
Marlon Isamu Okubo (Vdeo disponvel no DVD em anexo)Entrevista concedida em 9 de dezembro de 2010 ............................. 100
Lilia Valente (Vdeo disponvel no DVD em anexo)Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2010 .......................... 100
Henry Leck (udio disponvel no DVD em anexo)Entrevista concedida em 30 de maio de 2008
Intrprete: Aderbal Soares ................................................................ 100
Apndice 1.2 Depoimento de Silmara Drezza .......................................................... 101
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APNDICE 2 Contextualizao sobre o coro infantil ................................................ 106
Apndice 2.1 Entrevista com Gisele Cruz ................................................................ 106Apndice 2.2 Entrevista com Samuel Kerr ............................................................... 108Apndice 2.3 Entrevista com Thelma Chan ............................................................. 109
APNDICE C Outros depoimentos ............................................................................... 122
Apndice 3.1 Entrevista com Celso Delneri ............................................................. 122Apndice 3.2 Entrevista com Clausi Nascimento ..................................................... 125Apndice 3.3 Entrevista com Carmen Lcia de Souza Teixeira .............................. 127Apndice 3.4 Entrevista com Viviane Vallado ........................................................ 129
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INTRODUO
Cantar em grupo uma atividade humana ancestral. Cantou-se em grupo por
diversos motivos e com inmeras finalidades no decorrer da histria da humanidade.No Ocidente, o canto dividido em vozes harmoniosas comeou ligado ao ambiente
sacro, mas veio desenvolver-se, tambm, no meio no-religioso, como forma de
expresso artstica e, posteriormente, como forma de lazer e terapia para os
participantes.
A pessoa que conduz o coral o regente, figura que, em algum momento da
trajetria do estabelecimento dessa atividade social, torna-se o elemento central
para organizar, instruir, treinar e dirigir as apresentaes do grupo de pessoas quecantam em conjunto. Para exercer esse papel de condutor com essas atribuies, foi
necessrio que esse regente desenvolvesse certas competncias e habilidades para
atender s demandas que a um grupo de canto coral requerido em determinado
contexto social e histrico.
Nos ltimos sculos prevaleceu uma concepo do canto coral a partir da viso
ocidental e este modelo encontrou guarida na grande gama de grupos sociais,
atendendo a objetivos religiosos, artsticos, educacionais e ldicos propostos pela
sociedade na qual estavam inseridos. Atualmente, o canto coral tornou-se uma
atividade exercida no mundo todo, por diversos grupos, com os mais variados
objetivos. H corais com diferentes tipos de constituio (por gnero, por faixa etria,
por etnia, por profissionais de determinada rea etc.) surgindo ao longo do tempo,
cumprindo distintos papis nos contextos nos quais se desenvolveram. H corais
profissionais, cujos integrantes so remunerados para realizar apresentaes, mas a
grande maioria dos corais composta por coralistas amadores, cuja qualidade
tcnica, em vrios casos, igual ou superior s dos corais profissionais. Da mesma
forma, h regentes que exercem voluntariamente o ofcio e h aqueles que so
pagos.
Dentre os vrios tipos de corais, h o infantil, assunto desta dissertao. Nela
pretende-se estudar especificamente as habilidades e competncias do regente de
coro infantil de projetos sociais da cidade de So Paulo a partir das experincias
vivenciadas por eles mesmos, entendendo-se que a atividade do canto coral requer
do regente um perfil flexvel/adaptvel s diferentes demandas conforme diferentes
contextos scio-histricos em que estiver inserido.
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Portanto a problematizao do escopo deste trabalho enunciada da seguinte
forma: no contexto de corais infantis de projetos sociais na cidade de So Paulo
hoje, quais so as competncias e habilidades requeridas ao regente que est
frente do empreendimento?.
Este trabalho de pesquisa justifica-se pela sua relevncia nos seguintes
aspectos:
a) o crescimento da importncia de organizaes do Terceiro Setor que tm
atuado em reas de interesse pblico e a oportunidade profissional que
surge nesse panorama com a potencial demanda por regentes de corais.
Organizaes No-Governamentais tm sido protagonistas no cenrio
social ao desenvolver e financiar projetos com fins educacionais e deinsero social nas camadas da populao destitudas de assistncia no
tocante a direitos bsicos, os quais deveriam ser garantidos pelo Estado. O
Terceiro Setor surge como uma alternativa de preenchimento dessa lacuna e
o regente de coro, como profissional da rea da msica desafiado a
responder a essa demanda1potencial latente.
b) A falta de documentao sobre esse processo de insero de corais infantis
no contexto de atuao em projetos sociais de ONGs, bem como sobre opapel do regente dessa modalidade de coro.
A metodologia para a execuo dessa dissertao baseia-se na pesquisa de
campo e consta de duas etapas distintas:
1) A pesquisa de campo realizada em trs fases: entrevista com regentes de
coros infantis para resgatar informaes histricas e metodolgicas, alm
de depoimentos que ajudem a compor um olhar sobre o recorte temticoque seja significativo para o desenvolvimento desta dissertao, e a
observao in loco da atuao dos regentes nos projetos sociais
desenvolvidos pelas ONGs, para se obter impresses e informaes
relevantes sobre a atuao profissional e competncias demandadas; e a
terceira etapa com a pesquisa bibliogrfica buscando-se conceituar e
posicionar-se historicamente o canto coral infantil no Brasil, sobretudo na
1 uma demanda potencial e latente porque as oportunidades de emprego no Terceiro Setor, segundo os especialistas, tendem acrescer nos prximos anos, num movimento natural de equiparao aos padres dos pases de economia e sociedade maisdesenvolvidos, pois a rea de educao tem sido uma das prioridades do setor no Brasil, mas que, por desconhecimento tanto porparte das ONGs, como por parte dos regentes e empresas financiadoras, permanece sub-aproveitada, sendo pouco desenvolvida,frente ao rol de possibilidades de atividades propostas pelas Organizaes do Terceiro Setor.
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cidade de So Paulo, alm de se refletir sobre os elementos constitutivos
do coro infantil e suas especificidades, bem como as demandas requeridas
ao regente quando se trabalha com essa modalidade de coro, atravs do
vis do gestor.
2) A consolidao das informaes bibliogrficas em dilogo com os
levantamentos obtidos na pesquisa primria composta de entrevistas e
observao de campo.
Esta dissertao est organizada em quatro partes: a primeira parte,
denominada Percursos do regente de coro infantil no Brasil, refere-se, dentro da
abordagem scio-histrica realizada sempre a partir da perspectiva do ator socialatuante no palco globala trs momentos nos quais se identifica a figura do regente,
do coro infantil e do ator social em questo, demandante da atividade do coro
baseado em Dupas (2005). Os perodos abordados so: O Perodo Colonial e
Imprio, em que a figura de mestre-de-capela, regente do coral de adultos, tambm
responsvel pelo treino e apresentao das vozes infantis masculinas nos servios
religiosos (DUPRAT, 1985 e NETO, 2010); a Repblica Velha e Estado Novo,
perodo em que o Canto Orfenico mobilizou multido de jovens e crianas e nasquais o professor da disciplina identificado como o regente de coro infantil (GILIOLI,
2008; PAZ, 1989 e MONTI, 2010); e o perodo contemporneo da Nova Repblica,
onde o fortalecimento da Sociedade Civil e a consolidao do Terceiro Setor (MELO
NETO & FROES, 1999; ALBUQUERQUE, 2006, entre outros autores), fez surgir
coros infantis no contexto de projetos sociais, cujo regente um profissional da
msica que exerce funes de liderana e gesto.
A segunda parte, Habilidades e competncias do regente de coro infantilaborda, a partir da conceituao e posicionamento do que se entende por coro
infantil hoje (CRUZ, 1997 e VERTAMATTI, 2008) as habilidades e competncias
requeridas ao regente no contexto de crianas atendidas por projetos sociais de
ONGs, pelo olhar da gesto, segundo Maximiano (2004), Fleury & Fleury (2001) e
Fucci Amato & Amato Neto (2007; 2009), alm de discutir os conceitos e
concepes sobre a temtica das competncias e habilidades tanto na rea
pedaggica quanto na de gesto, segundo Zabala & Arnau (2010) e Perrenoud
(2001).
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A terceira parte intitulada Demandas para o regente de coral infantil de
projetos sociais segundo a tica dos prprios regentes analisa, por meio dos
depoimentos de regentes de corais infantis de projetos sociais em So Paulo, a
percepo do profissional envolvido nesse novo contexto, realizando um dilogo
com os conceitos e informaes destacados nos captulos anteriores.
Finalmente em Fechando discusses: guisa de uma concluso busca-se
uma reflexo sobre o coro infantil e as demandas dos atores sociais em evidncia no
palco global; o coro infantil em projetos sociais atravs da demanda dos projetos
sociais financiados por empresas como instrumento de propaganda e marketing
social e o perfil desejado para o regente de coro infantil de projetos sociais no
Terceiro Setor por meio de uma anlise sobre as novas competncias e habilidadesrequeridas ao regente de coro infantil alm da competncia tcnica musical que se
posiciona como elemento propulsor da atuao diante das demandas do mercado
de trabalho.
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1. PERCURSOS DO REGENTE DE CORO INFANTIL NO BRASIL
Este captulo da dissertao tem como escopo propor uma reflexofundamental geral sobre os profissionais de msica identificados em cada um dos
trs momentos histricos abordados responsveis, na poca, pela conduo do
coro de vozes infantis no Brasil. Apesar de ser apresentado numa sucesso
cronolgica dos acontecimentos, no h a pretenso de ser uma abordagem da
histria da atividade do canto coral infantil nem de se sugerir um processo de
evoluo histrica do ofcio de regente. Tem-se apenas a inteno de se
apresentar aquilo que foi identificado como sendo o equivalente figura do regentedentro do que tambm foi reconhecido como coral infantil em dois significativos
perodos histricos estudados Perodo Colonial e Estado Novo e avaliar as
demandas do ofcio para o regente. O terceiro perodo histrico do coral infantil,
por assim dizer e identificado como tal, refere-se atual modalidade de exerccio
dessa atividade.
A descrio do profissional que rege o coro infantil feita considerando-se o
contexto histrico, social e cultural do momento da poca descrita. Paralelamente,
observou-se nesses diferentes momentos histricos a figura da instituio, chamada
de ator social,que cria a demanda pelo coro infantil e financia essa atividade.
Portanto, neste captulo, far-se- uma abordagem da atuao do regente de
coro infantil a partir do contexto histrico social e na perspectiva de demandador do
servio e financiamento do mesmo. Apresentaremos os seguintes momentos:
O regente no Brasil do Perodo Colonial, identificado na figura do mestre-de-
capela, onde a Igreja Catlica o ator social que demanda a existncia de
coros de vozes infantis masculinas. Esse modelo foi norma constante em
todo o Brasil;
O regente de Canto Orfenico na cidade de So Paulo, no final da Repblica
Velha (1930) at o Estado Novo (1945) e pouco alm dele (dcada de 50),
perodo em que o Estado, representado pela Secretaria de Educao o
ator social demandador dos coros infantis e
O regente de coro infantil na capital de So Paulo, demandado por
organizaes do Terceiro Setor, onde a Sociedade Civil, atravs de ONGs e
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empresas com fins lucrativos, estabelece a atividade de canto coral com
crianas com objetivos sociais, notadamente a partir dos anos 90 at hoje.
1.1 Atuao do regente de coro infantil sob a perspectiva da demanda do atorsocial em destaque
1.1.1 O conceito de palco global e de ator social
Ao longo da trajetria da humanidade, variados personagens atuaram no
ambiente scio-cultural, econmico e poltico de diversas pocas, desenvolvendo, a
partir dessas relaes interpessoais, em interao com o meio sociocultural, ao
longo da linha do tempo aquilo que se pode chamar de processo histrico. Quando
se diz personagensno estamos nos referindo apenas a pessoas, mas tambm a
grupos sociais que sempre exerceram seu papel de atores sociais em um ambiente
de interao que pode ser chamado de palco global, conforme denominao
utilizada pelo cientista social Gilberto Dupas em sua obra Atores e poderes na nova
ordem global: assimetrias, instabilidades e imperativos de legitimao (DUPAS,
2005, p.26-27), que trata sobre globalizao, economia e poltica internacional,
empregando conceito tambm utilizado pelo cientista poltico estadunidense Joseph
Nye2.
De acordo com essa perspectiva, instituies so identificadas como atores
sociais num palco global: essas instituies possuem fundamento e obrigaes
legais reconhecidos pela sociedade, apresentam regulamentos e dispositivos
prprios para sua gesto e interagem com o governo (podendo tambm ser o
governo) e com as comunidades em geral (empresarial, internacional, de cidados
locais). Da mesma forma que essas instituies podem ser vistas sob o prisma deformalizao e legalidade, do outro lado, existem movimentos e instituies sociais
informaisou que ultrapassam os limites da formalidade, por no se submeterem a
um s comando, mas criando uma categoria social, como por exemplo a sociedade
civilou o mercado. Do ponto de vista legal, uma instituio formal constituda
como uma pessoa jurdicaque, mediante um contrato social pblico ganha vida e
identidade, podendo atuar no palco social, adquirindo e exercendo direitos e
2 Reitor da Escola Kennedy de Governo, de Harvard, ex-presidente do Conselho Nacional de Inteligncia dos EUA.Desenvolveu o conceito de soft power, no qual contrape a recente poltica norte-americana de hegemonia poltica eeconmica atravs da fora bruta e interveno militar, a qual denominou hard power.
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contraindo obrigaes. Elas tornam-se atores sociais, pois compram, vendem,
agem, planejam, pensam, comunicam-se com diversos pblicos, enfim, atuam no
palco global que o espao social, poltico-econmico e cultural da sociedade,
onde se desenvolvem os conflitos e enredos que, em interao com o meio natural e
ao longo da linha do tempo, consolidam o processo histrico e social. O Governo
um ator social concebido atravs de processos polticos fundamentados em pactos
historicamente constitudos (o contrato social) gerando uma srie de outras
organizaes-atores, como a Polcia, o Poder Judicirio, o governo Executivo, as
empresas estatais, entre outras. Os cidados se articulam e criam suas prprias
instituies, sob a gide legal de associaes, fundaes e cooperativas, entre
outros, que podem ser classificados como uma categoria de atores sociais dasociedade civil. De igual modo, esses mesmos cidados se articulam em sociedades
com fins lucrativos, formando as empresas, que so categorizadas num outro
segmento de atores sociais denominado de mercado.
Conforme Dupas, esses atores podem ser agrupados em trs grandes reas
principais: rea do Capital (empresas que visam lucro); a rea da Sociedade Civil
(indivduos e organizaes sociais no-governamentais) e a rea do Estado
(Executivo, Legislativo, Judicirio, partidos polticos, instituies internacionais eempresas do governo). Essa diviso tripartite da sociedade, diga-se de passagem,
recente na histria da sociedade, representa em boa parte, sob o aspecto de
legitimidade e poder, a complexidade da sociedade atual. Ficam de fora dessa
perspectiva conjuntural, mas no do palco global, grupos margem da lei e da
ordem, como organizaes terroristas (que tem voz e poder) e criminosas, como
traficantes e grupos que exercem um poder paralelo atravs de coero e violncia.
importante perceber que na sociedade contempornea, empresas e organizaestm voz, intenes e se comunicam, enquanto atores do cenrio social.
Ao longo da maior parte da histria, a presena da Sociedade Civil na
formao de uma sociedade muitas vezes foi eclipsada e em outras vezes nem
chegou a se constituir (pessoas que no fossem ligadas ao Estado nem ao poder
econmico mercado apenas recentemente tm voz no palco global). Por outro
lado, uma outra instituio a religiosa em alguns momentos da Histria atuou
muito prximo do poder poltico, como nas civilizaes da Antiguidade, onde o poder
poltico e as funes sacerdotais eram desempenhadas pelo governante mximo: o
fara, o imperador, o rei.
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Figura 1.1Atores Sociais no Palco Global
De acordo com essa viso tripartite, atores sociais no palco global podem
assumir algumas identidades, como por exemplo, uma ONG, no caso da Sociedade
Civil, a Prefeitura, representando o Estado e, por parte do Capital, uma Empresa
financiadora de um projeto social da ONG. No palco global, portanto, haveria pelo
menos estes trs atores sociais, representativos de cada uma das trs partes da
sociedade, que desenvolveriam um enredo. Podem se constituir atores sociais,
porque so pessoas jurdicas, que possuem autonomia para comprar, vender,
solicitar ao governo, captar recursos, fazer pronunciamentos. O palco pode ser
reproduzido num meio de veiculao jornal, por exemplo , mas ele existe
independente da mdia (Figura 1.1).
No Brasil, at a proclamao da Repblica, em 1889, havia o regime do
padroado, oriunda da tradio monrquica portuguesa, onde, por um acordo entre a
Coroa e Roma, a Igreja Catlica mantinha ingerncia sobre diversos aspectos da
vida pblica civil dos cidados brasileiros. Tais prerrogativas foram descartadas com
a laicizao do Estado brasileiro, atravs do decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890,
consagrada na Constituio Federal de 1891. Dessa forma, a Igreja Catlica pode
ser considerada, em todo o processo histrico anterior proclamao da repblica,
uma instituio ligada ao governo da poca (embora em alguns momentos,
houvesse antagonismo entre as partes). Modernamente, em algumas acepes, ela
pode ser identificada como um ator da Sociedade Civil.
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1.1.2 O conceito de setores da sociedade: o Terceiro Setor
Uma outra forma de categorizao dos atores sociais institucionais atravs
do vis econmico. Essa perspectiva divide a sociedade em trs setores, a partir do
ponto de vista de objetivos econmicos e sociais da organizao. O Primeiro Setor
identificado como Estado instncia social que recolhe tributos e os distribui
sociedade em geral, valendo-se de sua autoridade por meio da coero (fora da lei,
aparato policial, rgos de fiscalizadores). O Segundo Setor representado pelas
organizaes da iniciativa privada visam lucro e agem de acordo com a lgica de
mercado, desenvolvendo-se de acordo com a capacidade de acumular Capital. E,
por fim,
[...] o Terceiro Setor composto de organizaes sem fins lucrativos, criadas e
mantidas pela nfase na participao voluntria, num mbito no-governamental,
dando continuidade s prticas tradicionais da caridade, da filantropia e do
mecenato e expandindo o seu sentido para outros domnios, graas, sobretudo
incorporao de cidadania e de suas mltiplas manifestaes na sociedade civil
(FERNANDES, 1995, p.25).
O Terceiro Setor abrange o universo de entidades privadas sem fins lucrativosque realizam atividades voltadas para beneficiar a sociedade em geral, ou cumprir
seus interesses a partir da autogesto. Sua constituio jurdica baseada no
associativismo: associaes, institutos, fundaes e cooperativas que no visam
lucro e tenham objetivos de atender a alguma demanda social ou defesa de direitos.
Num sentido mais amplo, as atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor
englobam no somente essas instituies sem fins lucrativos ou ONGs, mas atores
governamentais (regulando, intermediando ou mesmo financiando as aes) e
atores do Segundo Setor, empresas privadas que, atravs do exerccio da
Responsabilidade Social Empresarial RSE, atuam em parceria ou desenvolvem
atividades com fins sociais sem objetivos financeiros. Dessa forma, possvel
afirmar que o Terceiro Setor envolve, alm das entidades caractersticas do Terceiro
Setor (organizaes sem fins lucrativos com objetivos sociais), entidades
governamentais (Primeiro Setor) e empresas privadas com objetivos econmicos
(Segundo Setor), atuando principalmente como articuladores ou financiadores de
projetos de interveno social, de carter educacional, humanitrio, cultural,
assistencialista ou de defesa de direitos. O diagrama a seguir (figura 1.2) representa
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Durante o perodo do Brasil Colnia, mantiveram-se as influncias musicais
trazidas pelos portugueses. Na medida em que as vilas eram instaladas pela nova
terra, a vida musical, essencialmente sacra, tambm se desenvolvia organizada
pelos mestres-de-capela e organistas (KIEFER, 1997, apud LIMA, 2007).
O mestre-de-capela era um membro leigo, autorizado por um vigrio da vara
eclesistica e agregado aos que cuidavam dos assuntos concernentes igreja.
[...] a prtica da msica em muitos aspectos sobrevivia justamente por ser inerente
ao culto religioso, logo centralizando na capela musical o seu centro de gravidade.
Nas igrejas que aqui se erigiram no decorrer dos sculos XVI e XVII, da mesma
forma que nos conventos e nas capelas de engenhos, a msica dos mestres-de-
capela era a garantia da legitimao e, portanto, presena sine qua non, mesmo
em pocas remotas e de intensa retrao econmica (NETO, 2008, p.43).
No havia um salrio fixo a ser pago pelos servios prestados, por isso,
os mestres-de-capela buscavam formas de ampliar os ganhos e atenuar custos,
mantendo escolas de meninos e/ou monopolizando o exerccio da msica na
freguesia para a qual sua proviso dava jurisdio. [...] A manuteno da msica
ficava vinculada s possibilidades da comunidade, articulada pelos vigriosatravs dos rendimentos das festas, enterros, batizados, assim como atravs de
uma pequena colaborao da fbrica da igreja (constituda pelas esmolas e
demais servios realizados pelos eclesisticos) ou da boa vontade de um senhor
local (NETO, 2008, p. 44).
A funo do mestre-de-capela era definida dentro da prtica de msica inerente
ao culto religioso e tambm da msica (profana) para cerimoniais protocolares na
corte e suas colnias, desenvolvendo as seguintes atividades:
O mestre-de-capela um arrematador de servios musicais, subempreendendo
servios prestados por msicos, cantores, ou instrumentistas, trabalhando sob sua
orientao e compasso (regncia); eventualmente executante de instrumento
acompanhante do coro ou do solista (frequentemente um tiple 3 ou soprano);
proprietrio dos materiais musicais (papis de msica), adquiridos ou copiados
pela sua prpria mo; eventualmente compositor de obras executadas na ou
especialmente para a ocasio; integrante do coro ou cantor solista conforme a
3Tambm chamado de soprano ou vozes agudas.
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ocasio; no necessariamente ocupante de cargo estvel de msica em igreja,
sempre ttulo identificado com o de regente (DUPRAT, 1985, p. 154).
Segundo Neto (2008), o mestre-de-capela, tinha tambm a funo de prepararfuturos msicos que pudessem assumir as atividades musicais, entretanto, seu
papel de educador no se limitava a formao de novos msicos. O mestre-de-
capela tambm se ocupava de ensinar as letras e contas at mesmo para as
mulheres que eram consideradas como poro excluda da sociedade.
No sculo XV, a funo educacional cabia ao mestre-de-capela, mas as
especificidades pedaggicas permitiram a criao da funo do mestre-escola para
atender a diversidade das disciplinas alm da obrigatoriedade do ensino decontraponto, cantocho, gramtica e latim.
Esse fenmeno foi fundamental para a caracterizao do mestre-de-capela como
professor de letras, principalmente nas Colnias, onde a constituio de escolas
era deficitria e distante, ao que parece, das preocupaes primeiras do Bispado
da Bahia. Enfim, essas escolas institucionais vinham substituir no s uma tarefa
secular dos msicos que, com dispndio prprio sustentavam seus alunos, mas
tambm as escolas de ler e contar, quase inexistentes na Colnia (NETO, 2008,
p.84-85).
Alm das funes no mbito musical e educacional, o mestre-de-capela
tambm ocupava uma funo administrativa e corretiva dos sacramentos por falta de
pessoas qualificadas e formadas para isto.
Justamente na fragilidade de convenes e nas amplas possibilidades diante da
falta da administrao social da Coroa, o mestre-de-capela surgiu como um
elemento-chave que ocupou espaos e, ao mesmo tempo, tornou-se agente de
controle fundamental dos poderes estabelecidos. Encontrando-se em uma funo
capital para o espetculo poltico, sua proviso foi entendida como articuladora
das possibilidades crticas que poderiam consolidar as zonas de influncia e poder,
atuando alm da capela, na administrao de Irmandades e na instruo pblica
de ler e contar (NETO, 2008, p.62).
Os corais eram formados por solistas, crianas (meninos) e adultos. Havia um
contrato de trabalho para isso. No havia espao para a participao feminina.
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1.2.1 O mestre-de-capela no perodo do Brasil-Imprio
Quando a famlia real portuguesa chegou ao Brasil em 1808, assistiu a um Te
Deumem ao de graas pela viagem bem sucedida que acabara de fazer. O coral
foi formado por capeles, cantores e o Coral de Meninos do Seminrio So Joaquim,
alm de msicos da orquestra e do organista, todos regidos pelo padre Jos
Maurcio Nunes Garcia que, na sua infncia, fez parte do coral infantil do Seminrio
So Joaquim (MATTOS, 1997, In: LIMA, 2008, p.30). Com a instalao da famlia
real no Rio de Janeiro, os msicos foram transferidos para a Catedral e Capela Real,
perodo em que houve um profcuo desenvolvimento do canto coral no pas. Porm,
com a volta da famlia real a Portugal, em abril de 1821 e posterior Proclamao da
Independncia do Brasil, a vida musical entra em declnio por falta de recursosfinanceiros para manuteno da orquestra que, anteriormente, chegou a ter 150
msicos contratados alm dos cantores que vieram da Europa.
Nessa poca, j havia a prtica de um canto coral com temas no-religiosos,
dentro do contexto de peras e operetas. Houve, portanto, um desprendimento do
canto coral do universo religioso, atendendo s demandas da aristocracia voltado,
sobretudo, para o entretenimento. No entanto, o canto coral infantil como atividade
autnoma, com a participao de meninas e meninos, no existia. O coral estavaatrelado ao servio religioso ou servia como coadjuvante em montagens opersticas.
No entanto, esse pequeno perodo de expanso da atividade do canto coral para
fora do contexto religioso foi interrompido com a sada da famlia real portuguesa do
pas.
Jos Maurcio Nunes Garcia foi um grande organista, regente, compositor e
professor. Filho de pais descendentes de escravos e prerrogativa do mestre-de-
capela em seu exerccio, utilizou seu grande conhecimento musical em favor decrianas e jovens menos favorecidas, ensinando msica gratuitamente em sua
prpria residncia. Este curso preparou muitos msicos para as igrejas e atividades
opersticas do Rio de Janeiro. Formaram-se compositores, instrumentistas, cantores,
modinheiros, compositores e intrpretes de modinhas como o caso de Gabriel
Fernandes da Trindade que atuava em teatros e festas particulares.
Ocupando a cadeira de nmero 5 da Academia Brasileira de Msica, padre
Jos Maurcio, foi o inspirador de Francisco Manuel da Silva, o criador e o primeiro
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presidente do Imperial Conservatrio de Msica4uma escola maior e gratuita, hoje
Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esta instituio, sob
os auspcios de Francisco Manuel da Silva, propiciou a formao musical de jovens
menos favorecidos, criando uma estrutura que possibilitou o alcance de seus
objetivos pedaggicos. Nesse perodo, a msica era ensinada por professores
particulares nas casas de famlias que tinham melhores condies para propiciar
aulas particulares a seus filhos e pela aquisio de instrumentos. Aqueles que
possuam o domnio do conhecimento musical no faziam parte das orquestras e
corais das igrejas, mas exerciam seus dotes musicais em recitais e concertos
privados (LIMA, 2008).
A msica poderia servir como uma forma de ascenso social e,consequentemente, msicos mestios fizeram uso dessa prerrogativa. No se pode
negar que, com Jos Maurcio Nunes Garcia, h um prenncio do que seria o ensino
de msica no Brasil: classes dominantes com poder aquisitivo e que possuam
acesso cultura musical erudita e classes desfavorecidas sem acesso a nenhum
tipo de conhecimento musical.
Somente em 1843, h um fato relevante em direo recuperao do
movimento musical no Brasil com a criao do Conservatrio5
de Msica do Rio deJaneiro. Em 1851, meninos cantores que estudavam neste Conservatrio foram
admitidos para a Capela Imperial que voltou ao centro do movimento musical da
poca.
1.2.2 Consideraes sobre o mestre-de-capela como regente de coro infantil
Embora a formao dos corais infantis desse Perodo Colonial no tenha tido a
participao feminina, ainda assim considera-se este perodo como importantereferncia para anlise desta pesquisa centrada no regente (mestre-de-capela) e
suas competncias e habilidades.
O mestre-de-capela era um membro leigo do corpo administrativo da Igreja,
agente de controle fundamental dos poderes estabelecidos [...] atuando alm da
4O Imperial Conservatrio de Msica foi criado em 1848. Aps a Proclamao da Repblica, em 1890, passou a denominar-seInstituto Nacional de Msica. Em 1937, Escola Nacional de Msica e em 1965, Escola de Msica da Universidade Federal doRio de Janeiro (LIMA, 2008).
5 A palavra Conservatrio tem origem italiana e significa, asilo, orfanato e hospcio. CONSERVATRIO: () escolas demsica, de certa importncia, para o ensino gratuito ou mediante mdica retribuio, da msica, do canto, de instrumentos, dacomposio e regncia. O nome provm do primeiro estabelecimento, em 1537, pelo padre espanhol Joo de Tapia, residenteem Npoles, do Conservatrio della Madonna di Loreta, que recolhia e conservava, at a maioridade, crianas abandonadas,conseguindo grandes resultados no ensino da msica (SINZIG, 1959, In: GILIOLI, 2008, p. 57).
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capela, na administrao de Irmandades6 e na instruo pblica de ler e contar
(NETO, 2008, p.62).
Para exercer as funes do mestre-de-capela, o regente dos grupos
instrumentais e vocais do Perodo Colonial, era necessrio ter certas competncias
que o habilitassem a assumir e desenvolver as funes: competncia intelectual e
tcnica (conhecer a linguagem musical, liderar e ensinar os grupos instrumentais e
vocais para o servio religioso, compor, dispor de repertrio adquirido ou copiado
por ele mesmo e instrumentista organista, harpista etc.), administrativa/gerencial
(na participao das Irmandades e questes relativas ao convvio da e na
comunidade) e competncia interpessoal (participar do jogo de relaes a fim de
conseguir e manter seu sustento financeiro), alm de conhecimentos pedaggicospara alfabetizar e ensinar a contar, sendo tambm uma forma de compor o seu
sustento (DUPRAT, 1985 e NETO, 2008).
Este perfil de regente existiu devido demanda de um profissional capaz de
atender a todos os pr-requisitos. A sociedade vigente e a sua estruturao
constituram um campo diferenciado para o surgimento de um mestre-de-capela
imbudo de muitas competncias. Lembrando que mesmo com todas estas funes,
muitos deles ainda desenvolviam alguma atividade paralela a fim de complementarsua renda atravs do trabalho com uma mercearia, no cultivo da lavoura, como
vereador e outras profisses. A esse acmulo de funes e profisses, Duprat
chama de pluralismo profissional(DUPRAT, 1985).
1.3 O regente professor de Canto Orfenico no Brasil da Repblica Velha eEstado Novo
O Canto Orfenico uma modalidade amadorstica do canto coral, imbudo dos
aspectos pedaggico-musical e moral, geralmente executado a capella. O carter
pedaggico-musical est implcito no objetivo de no formar pequenos maestros ou
msicos profissionais, mas alfabetizar musicalmente as crianas (GILIOLI, 2008, p.41).
6 As Irmandades eram espaos de socializao, formadas por membros leigos da sociedade. Caracterizava-se pelaorganizao de festividades e eventos catlicos, realizao de caridade e, segundo Rainer SOUSA, as irmandades atuavamcomo espao de consolidao da f catlica, ao mesmo tempo em que tambm serviam de alternativa para a resoluo ediscusso de problemas e questes que no eram diretamente controladas pelas instituies polticas oficiais. Disponvel em:http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/as-irmandades-leigas.htm.Acesso em 14 de maro de 2011.
http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/as-irmandades-leigas.htmhttp://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/as-irmandades-leigas.htm7/24/2019 O regente
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Em pases como a Frana, os grupos de Canto Orfenico eram formados por
operrios das fbricas ou de alunos das escolas pblicas, todos com a finalidade de
civilizao dos costumes e se constitua tambm como um espao de lazer. No
Brasil, os orfees eram formados por alunos do ensino fundamental ao mdio (ou
primrio, ginsio e colegial/normal) ou por professores.
A palavra orfeo passou a ser empregada em diversos pases, inclusive o
Brasil, para determinar os conjuntos corais escolares, ou de associaes formadas
por professores, militares, operrios ou amadores de msica, os quais, sem visar
propriamente a um fim profissional de corista, interpretam de preferncia
composies musicais acessveis em forma, gnero e contextura (BARRETO, 1938,
p. 27. In: GILIOLI, 2008, p. 41).Para uma anlise do coral infantil no contexto do Canto Orfenico, buscou-se
subsdios no contexto histrico do Canto Orfenico na Frana e na Espanha,
baseados em Gilioli (2008). Estes dois pases apresentaram caractersticas que
influenciaram diretamente a implantao e seus desdobramentos em terras
brasileiras, principalmente no Estado de So Paulo.
1.3.1 O Canto Orfenico na FranaEm 1810 a Frana conheceu os prenncios do Canto Orfenico7, h mais de
um sculo antes de ser implantado no Brasil. O modelo francs foi trazido em sua
fase de maturidade, ou seja, depois de passadas as fases de experimentao e
implantaes parciais.
Na Frana, medida que as atividades corais se desenvolviam, os mtodos de
ensino tambm se multiplicavam, ganhando caractersticas pedaggicas e
racionalizadas. Louis Bocquillon-Wilhem (msico) e Pierre Jean de Branger (poetapopular) desenvolveram os corais, Pierre Gallin8(ex-professor de matemtica), criou
o sistema de notao musical composto de algarismos. Este mtodo foi modificado e
amplamente difundido por seus discpulos Aim Paris, Nanine Chev e Emil Chev.
Por isso, este sistema conhecido pela designao Mtodo Gallin-Paris-Chev ou
7 O termo orphen surgiu apenas em 1831, segundo Gilioli (2008, p.52); como designao de um grupo de alunosselecionados que se reuniam mensalmente para cantar sem acompanhamento instrumental sob a direo de Louis Bocquillon-Wilhem. Com a constituio da sociedade coral, incentivado pelo Baro de Gerando em 1819, Wilhem foi designado para
cuidar do ensino de canto e Branger, um poeta popular, escrevia a letra das msicas que seriam ensinadas nas escolas.8O Brasil recebeu grande influncia deste mtodo gallinista que foi trazido ao Brasil por Joo Gomes Jnior. Em 1890, MrciaBrowne trouxe para So Paulo o mtodo tonic-solfa. um mtodo semelhante ao mtodo gallinista que atravs da posiorelativa dos sons, nomeia as notas musicais por letras (dd, rr, mimetc).
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simplesmente Chev (BEVILACQUA, 1933, In: GILIOLI, 2008, p.54). s ideias
iniciais de Gallin, foram acrescidas as ideias de Rousseau de atribuir nmeros aos
sons musicais e o mtodo passou a ser conhecido como Mtodo Rousseau-Gallin-
Paris-Chev. O Brasil herdou o Canto Orfenico e o Mtodo Chev onde a notao
se dava da seguinte forma: qualquer que fosse o tom da melodia, a escala era
indicada por nmeros de 1 a 7 (e as pausas por zeros). Para representar uma oitava
mais grave ou mais aguda, colocava-se um ponto abaixo ou acima do algarismo,
respectivamente. Bemis e sustenidos eram indicados com traos que cortavam os
nmeros em direes diferentes (GILIOLI, 2008, p. 54).
Na Frana, o Canto Orfenico enfocava hinos e marchas no seu repertrio,
alm de composies especficas. Gilioli acredita que isto tenha acontecido porque oConservatrio de Msica de Paris surgiu a partir de uma organizao musical militar
e Wilhem foi aluno, professor e chegou a ocupar o cargo de diretor geral de ensino
musical desta instituio, ou seja, estes fatos influenciaram e evidenciaram-se nas
escolhas do repertrio para o Canto Orfenico. O pas recebeu um grande impulso
no desenvolvimento dessa modalidade de canto em grupo deflagrada pelo
desenvolvimento industrial no perodo de 1815 a 1830. Utilizaram o canto em grupo
para ensinar a obedincia laboral desde a infncia (GILIOLI, 2008, p.56).Em 1833, surgiu a Lei da Instruo Primria baseada em um relatrio escrito
por Victor Cousin que visitou a Alemanha9com a finalidade de conhecer e estudar o
sistema de ensino musical do pas. Consequentemente, as aulas de canto foram
institudas neste novo currculo escolar francs em decorrncia do modelo alemo
que j contemplava o canto coletivo desde a Reforma Protestante. Este fato serviu
para fomentar o trabalho que Wilhem j fazia com o canto atravs das sociedades
corais.Em 1835, o Conselho Comunal de Paris votou a favor do ensino regular de
canto nas escolas da cidade e estabeleceu a introduo imediata da disciplina em
30 delas. A partir de ento, o ensino de canto passou a ser obrigatrio em todas as
escolas francesas (COSME, 1957, In: GILIOLI, 2008, p. 58).
As provas de que o Canto Orfenico j alcanava sua maioridade, se deu com
o fato de Wilhem criar os concursos orfenicos que, posteriormente foram
desenvolvidos em nvel nacional por Eugne Delaporte, inspirados nos grandes
9Na Alemanha, o Canto Orfenico enquanto modalidade do canto em conjunto, foi implantada por influncia da ReformaProtestante liderada por Martinho Lutero, no sculo XVI. Para ele, o canto seria uma disciplina importante nas escolasprimrias porque a msica expulsaria do corao as preocupaes e melancolias (BRAGA, In: GILIOLI, 2008 p. 62).
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festivais alemes do gnero. Em 1835, o canto passou a ser um curso universitrio.
Tambm neste mesmo ano, foram criados os orfees para as classes trabalhadoras
a fim de disciplin-los. Havia tambm vrios jornais que defendiam os interesses das
associaes e entidades ligadas ao Canto Orfenico. O Estado francs fez uso do
canto como instrumento poltico e propagandstico10.
Outro aspecto que precisamos levar em considerao a ideia de que o canto
coletivo, em grandes massas, no exige perfeio tcnica para se conseguir uma
performance considerada aceitvel. Segundo Gilioli,
Uma massa vocal esconde cantores no to bem adestrados. Assim, osconcursos orfenicos eram eventos propcios para estimular o canto e, comele, trazer mensagens e tentar incutir comportamentos nos seus praticantes eespectadores (2008, p.60).
Na Frana, o Estado financiou a implantao do Canto Orfenico com
pagamento de salrios, delegando cargos e funes, alm do apoio produo
literria pedaggica com a publicao de mtodos e cancioneiros que seriam
utilizados pelos grupos orfenicos.
1.3.2 O Canto Orfenico na EspanhaOs irmos Lzaro e Fabiano Lozano trouxeram a ideia do Canto Orfenico da
Espanha, em 1920, influenciados, especialmente pelo Orfeo Catal.
Em 1851, Jos Anselmo Clav, trabalhando como violinista nos cafs, fundou a
primeira associao coral de operrios denominada orfeo com o objetivo de
salvar o operariado do vcio e da ignorncia, tirando-os da bebida e do jogo e
despertando a sensibilidade esttica. Seu trabalho ganhou grandes propores mas
no a fora de uma instituio. Alguns historiadores acreditam que a sua falta de
conhecimento musical, no permitiu que os corais pudessem alcanar um bom nvel
tcnico. Ou seja, estes orfees tinham uma caracterstica mpar: no se
aproximavam do ensino da escrita musical erudita mas muito mais da oralidade da
cultura popular. Isso, talvez, pela formao precria de Clav no domnio da
partitura(GILIOLI, 2008, p. 71).
Por outro lado, Luis Millet, em 1881, fundava o Orfeo Millet que, atravs de
apoios institucionais e prestgio cultural, popularizou e multiplicou o nmero de
10As apresentaes grandiosas foram intensamente impulsionadas pela Revoluo [Francesa] de 1789, deixando de sercompreendidas como excessos extravagantes para se tornarem fenmenos normais para a poca(GILIOLI, 2008, p.60) [grifonosso].
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corais pela Espanha especialmente entre operrios e escolares de Barcelona, desta
vez sem traos de estmulo a uma cultura oral e de tcnicas mnemnicas de
aprendizado encontrados em Clav (GILIOLI, 2008, p. 71).
Em 1891, surge o Orfeo Catal, de grande qualidade artstica, com cinquenta a
sessenta componentes selecionados. Atrelados a eles, havia uma revista que fazia
um levantamento do folclore regional chamada Revista de La Musica Catalana,
divulgando o nacionalismo catalo, alm de festas que foram transformadas em
concursos anuais de orfees.
A proliferao de orfees por toda a Espanha deflagrou um problema: a falta de
qualidade tcnico-musical. Grande parte destes orfees comearam a ser vistos
apenas como um estgio preparatrio para ingresso num orfeo considerado de altaqualidade artstica. Havia tambm um pressuposto de civilizao dos costumes e de
conteno social das classes trabalhadoras assim como acontecera na Frana
(GILIOLI, 2008, p.73).
Apesar deste trao marcante na influncia espanhola, no podemos ignorar o
carter salvacionista de Clav de que a msica capaz de salvar das influncias
perniciosas do vcio e do jogo; salvar de uma situao pessoal considerada ruim
atravs do canto coletivo.Uma aspecto importante do Canto Orfenico na Espanha foi o problema da
qualidade musical dos orfees que se popularizaram e se multiplicaram
impulsionados pelos apoios institucionais e do prestgio cultural de Millet. Apoios
institucionais (sociedade civil) podem ser uma alternativa para a falta de apoio do
Estado, assim como a sua popularizao e multiplicao, mas necessrio um
cuidado no que diz respeito qualidade musical e o aprendizado propriamente dito.
1.3.3 O Canto Orfenico no Brasil
O repertrio do Canto Orfenico apresenta menor dificuldade tcnica do que o
destinado aos corais profissionais. Segundo GILIOLI (2008), vem deste fato a
tradio de se cantar peas arranjadas ou adaptadas, sem a exigncia da tcnica
vocal. Heitor Villa-Lobos entendia que a tcnica vocal e os procedimentos do canto
lrico no eram compatveis com o Canto Orfenico. A utilizao do manossolfa 11foi
11 Manossolfa uma tcnica de solfejo em que cada nota associada a um sinal feito com as mos, dividindo-se nascategorias falado (para fixar a associao das notas com os sinais especficos), entoado (em que j aplicada a entonaocorreta das notas ao associ-las aos sinais), simples (a uma voz) e desenvolvido (a duas ou mais vozes). (LISBOA, 2005, p.32).Joo Gomes Jr. foi o criador desta tcnica, influenciado pelo mtodo gallinista e tonic-solfa (GILIOLI, 2008, p. 93).
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bastante til no ensino da diferena de altura dos sons juntamente com a
metodologia da Melodia das Montanhas12.
As festas escolares e um elevado nmero de comemoraes cvicas permitiam
a regularidade e a quantidade das apresentaes, em geral, em grandes
concentraes cvicas. A direo musical destas concentraes ficava a cargo do
regente (no Rio de Janeiro e So Paulo foi regido por Heitor Villa-Lobos) e ao
professor de Canto Orfenico cabia a regncia nas apresentaes internas da
escola, assim como a preparao do repertrio para o grande coral. Os professores
de Canto Orfenico eram legitimados apenas quando concluam seus cursos
preparatrios no SEMA Superintendncia de Educao Musical e Artstica 13e,
aps a sua extino, no Conservatrio Nacional de Canto Orfenico ou nosconservatrios oficiais criados em outros Estados brasileiros. Os cursos que
deveriam fazer eram: Curso de Frias (durao de dois meses), Curso de
Emergncia (um semestre) e o Curso de Especializao ou Seriado (trs anos). O
diploma de Professor de Canto Orfenico era concedido apenas queles que
terminassem o ltimo curso (MONTI, 2010).
Um dos grandes problemas enfrentados por Villa-Lobos foi a capacitao de
professores que poderiam assumir as aulas de Canto Orfenico. Embora houvesseuma instncia onde o professor deveria buscar sua formao especfica, no eram
suficientes para a demanda que existia para atender todas as escolas brasileiras,
alm de serem dificultados pela distncia e a disponibilidade de tempo para
participarem dos cursos14.
Algumas pesquisas tem procurado conhecer como foi o processo de
implantao e o desenvolvimento do Canto Orfenico em alguns Estados brasileiros,
retomados atravs de documentos da poca, como por exemplo: Oliveira (2004)com o tema O canto civilizador: msica como disciplina escolar nos ensinos
12Melodia das Montanhas: consiste em delinear o contorno de montanhas e acidentes geogrficos sobre uma folha de papelquadriculado (milimetrado). Convenciona-se, antecipadamente, o valor e altura dos sons, de acordo com os traos horizontaise verticais. Este processo foi criado com o fim de incentivar os alunos a construrem melodias, estimulando e desenvolvendosua criatividade e visando tambm colocar em prtica os conhecimentos de teoria musical. Utilizam-se para isto desenhos,gravuras ou fotografias de montanhas, morros, etc., a serem reproduzidas, podendo ser depois harmonizadas ou no, peloprofessor, a melodia resultante (PAZ, 1988, p.63).
13A Superintendncia de Educao Musical e Artstica (SEMA) foi criada com a finalidade de desenvolver e cultivar o ensino damsica. Esse organismo era responsvel pela superviso, orientao e implantao do programa do ensino de msicaCantoOrfenico (PAZ, 1988, p. 16).
14O problema da capacitao de professores de Canto Orfenico foi tambm comentada por LEMOS JNIOR (2005, p. 24),confirmando que somente em 1956 foi criado o Conservatrio Estadual de Canto Orfenico do Paran [...] treze anos depoisda formao do Conservatrio Nacional, que atendia uma demanda muito grande para formar professores de Canto Orfenicopara todo Brasil.
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primrio e normal de Minas Gerais, durante as primeiras dcadas do sculo XX;
Lemos Jnior (2005), Canto Orfenico: uma investigao acerca do ensino de
msica na escola secundria pblica de Curitiba; Lima Jnior (2009) com o tema
Histria da disciplina de msica e Canto Orfenico em duas escolas secundrias
pblicas de Londrina (1946-1971); Unglaub (2009) com o tema A prtica do Canto
Orfenico e cerimnias cvicas na consolidao de um nacionalismo ufanista em
terras catarinenses.
O Canto Orfenico no foi um projeto pedaggico pioneiro, pensado, implantado
e gerido por Heitor Villa-Lobos. Gilioli (2008, p. 6-8) afirma que muito antes de sua
implantao no Rio de Janeiro, ento capital da Repblica, atravs do Decreto n
19.890 de 18 de abril de 1931, o Canto Orfenico j fazia parte do rol de disciplinas dealgumas escolas nos Estados de Minas Gerais 15 e So Paulo 16 . Somente na
Constituio de 1934, o Canto Orfenico passa a ser obrigatrio em todo territrio
nacional.
Joo Gomes Jnior foi apontado por muitos como o criador do Canto Orfenico
no Brasil, mas ele prprio admitia que o Canto Orfenico j existia antes dele, com
Elias lvares Lobo, um compositor ituano que deixou a profisso para se dedicar ao
ensino de msica em So Paulo. Ainda antes de Elias lvares Lobo, Gilioli (2008, p.83-86) aponta algumas citaes bibliogrficas que levantam suposies sobre o
precursor do Canto Orfenico no Brasil, no entanto, os documentos so escassos
para confirmar a veracidade.
Embora existam poucos elementos para definir a paternidade do Canto
Orfenico no Brasil, constata-se que j havia a preocupao em incluir a msica e
mais especificamente o canto coral no currculo escolar mesmo antes de definir que
as aulas nas escolas deveriam ser ministradas na lngua materna, o portugus(GILIOLI, 2008, p.84).
15Tambm se desenvolveram, enquanto experincias musicais, as apresentaes dos escolares nas grandes festas cvicas dacapital. Os jornais da poca traziam diferentes relatos sobre a performance musical das crianas e das alunas normalistas,principalmente aps a criao, por Joo Pinheiro, dos grupos escolares e da Escola Normal da Capital, a partir de 1906.Nessas apresentaes, destaca-se um forte apelo nacionalista, associado a canes de contedo cvico-patritico e por vezesde contedo folclrico (OLIVEIRA, 2004, p.74).
16A oficializao da disciplina chamada Canto Orfenico em substituio disciplina Msica, em So Paulo, aconteceu em1930, ou seja, antes do Decreto de implantao no Rio de Janeiro que aconteceu em 1931 (GILIOLI, 2008). SegundoCONTIER (1998, p. 16), Fabiano Lozano apresentou Diretoria Geral do Ensino no Estado de So Paulo, um projeto sobre oensino do Canto Orfenico nas escolas, com dois objetivos fundamentais: a necessidade de despertar no aluno o sentimentoesttico; a utilizao da msica como instrumento para a formao cvica do aluno.
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Os irmos Lzaro e Fabiano Lozano, em Piracicaba, Carlos Alberto Gomes
Cardim, Joo Gomes Jnior, Honorato Faustino e Joo Baptista Julio, so alguns
dos nomes que participaram da implantao do Canto Orfenico em So Paulo17.
A influncia espanhola no pensamento de Lzaro e Fabiano Lozano foi
bastante pontual: criao de um orfeo com vozes selecionadas e treinadas com o
fim de alcanar qualidade na execuo da msica vocal coletiva, nos moldes do
Orfeo Catal. No criaram vrios grupos mas investiram em um grupo formado por
alunos e ex-alunos da Escola Normal de Piracicaba: o Orfeo Piracicabano 18em
1914, reconhecido oficialmente em 1925.
As crianas e jovens que tiveram acesso educao formal no incio do sculo
XX podiam ser consideradas privilegiadas. Em especial aqueles alunos queconseguiam chegar ao ensino mdio (curso normal que corresponde ao que hoje
conhecemos como magistrio) como por exemplo, o que ocorria na cidade de
Piracicaba/SP, onde a escola era sinnimo de distino social, de conhecimento
elitizado, riqueza cientfica e cultural, prerrogativa das elites que governavam a
cidade (SIMES, 2006, p.1-2).
Na cidade de Piracicaba-SP, os cerimoniais escolares que aconteciam desde a
inaugurao da Escola Agrcola Prtica Luiz de Queiroz em 1901, Escola Normal,Escola Complementar e Colgio Piracicabano, foram noticiados no jornal da cidade
com todos os detalhes da programao, nomes das autoridades presentes, os
discursos, as msicas entoadas pelo coral dos alunos e depois os detalhes de como
tudo transcorreu. Os jornais recebiam o patrocnio dos comerciantes e pessoas que
tinham algum interesse na publicao da notcia.
A reproduo dos cerimoniais escolares na imprensa da poca pode servir de
diagnstico da dimenso que a esfera escolar tinha para essa sociedade. Se nos
apoiamos nas reportagens jornalsticas da Repblica Velha perceberemos que a
17O que realmente ocorreu nas dcadas de 1920 e 30 foi uma disputa de poder e de liderana no interior do movimentoorfenico. Na medida em que a Revoluo de 1930 significou uma grande derrota das elites paulistas e os mentores domovimento orfenico paulista eram por demais ligados a esse establishment poltico que havia perdido poder, a capacidade deinfluncia do grupo tambm foi praticamente dizimada. Foi nesse vcuo que, aps superar dificuldades iniciais, Villa conseguiuse estabelecer como o nome central do movimento orfenico brasileiro (GILIOLI, 2008, p.105). A participao no ensino demsica e o canto coral em So Paulo, a importncia e os feitos de cada um destes educadores citados, est detalhado napesquisa de Gilioli (2008, p. 108-116).
18O Orfeo Piracicabano, em 1929, gravou seu primeiro LP com o Hino Nacional e outras canes folclricas a 4 vozes. EsteLP o registro mais antigo do Canto Orfenico, segundo GILIOLI (2008, p. 82). Aps a sua institucionalizao, fez concertosem Campinas e nos Teatros Municipais de So Paulo e do Rio de Janeiro. Foram bem recebidos pela crtica e pelo pblicodevido escolha de repertrio que visava, fundamentalmente, ao enaltecimento da Nao. Mrio de Andrade os chama depassarinhada do Brasil em uma crtica publicada no Dirio Nacional com muitos elogios ao coral e ao grupo de solistas doOrfeo (CONTIER, 1998, p. 13,14).
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escola era um dos principais eixos do centro de poder e representao social
durante esse perodo e provavelmente o principal local de encontro das elites. A
reproduo dos cerimoniais que aconteciam nas escolas por meio da imprensa
revela que a instituio escolar simbolizava espao de poder e prestgio social.
Estar presente no cerimonial escolar, especialmente se na condio de
protagonista dirigindo os trabalhos ou sendo homenageado, significava fazer parte
da boa sociedade.(SIMES, 2006, p.4)
O Brasil passou por muitas mudanas no cenrio poltico, desde a
Proclamao da Repblica at a posse de Getlio Vargas como presidente. Por
meio de um programa de governo no perodo de 1930 a 1950, o coral infantil volta a
ser o centro das atenes. O coral infantil, antes restrito aos ambientes eclesisticose em algumas atividades opersticas, ganha os espaos de um estdio de futebol
como o Parque Antrtica em So Paulo, associaes atlticas e teatros. Tambm
neste perodo havia orfees de professores e de alunos do colegial (ensino
mdio/normalistas). As grandes concentraes cvico-artsticas contavam com a
participao de crianas, jovens e adultos (civis e militares) como exemplificado por
Contier (1998, p. 39):
Nesse espetculo deveriam participar conjuntos corais constitudos por 25.000
policiais militares, 10.000 estudantes ginasianos, 6.000 da E. S. do DEM, 9.000
soldados do exrcito, 6.000 operrios, 2.000 marinheiros, 2.000 msicos de banda,
2.000 policiais e 2.000 escoteiros, totalizando uma massa coral de 64.000 vozes,
acrescida dos roncos de 100 avies (PAZ, 1998, p.54).
Ermelinda Paz afirma ainda que, para Villa-Lobos conseguir reunir trinta,
quarenta, at cinquenta mil pessoas num grande coral, os professores de Canto
Orfenico deveriam ensinar a disciplina19para conseguir manter crianas e jovens
em seus lugares e prontos para cantarem. Existem documentos20com o registro de
19A palavra disciplina deve ser entendida aqui como respeito e obedincia a regras, mtodos, autoridade superior(DicionrioDigital Aulete).
20 Ermelinda Paz anexa os documentos referentes a um destes eventos para demonstrar a grandiosidade e os detalhespertinentes aos preparativos da solenidade: a Hora da Independncia que aconteceu em 7 de setembro de 1940. Constam doanexo, os seguintes documentos: Comisso Central da Secretaria Geral de Educao e Cultura (relao de nomes e cargos);Instrues gerais para a Solenidade da Hora da Independncia (local, horrio, acesso e procedimentos); Comissesespeciais organizadas pelo Departamento de Educao Nacionalista (nomes e funes especficas para o andamento dasolenidade); Edital endereo aos Diretores de Departamento e do Instituto de Educao; Instrues especiais do Servio de
Educao Fsica (procedimentos gerais e relao de convocados); Instrues especiais emanadas do servio de educaofsica (organizao dos ensaios extras anteriores apresentao, com datas, horrios, locais e a escolas que iriam participar);Escolas que tomaro parte na concentrao cvico-orfenica do Dia da Ptria (Hora da Independncia) a realizar-se no dia 7de setembro de 1940, com o respectivo nmero de alunos, discriminados por grupos (quantidade de alunos por naipes); Editaisn 6 (uniforme); n7 (convocao para contribuir no brilhantismo do evento); n 8 (dirigido aos pais com solicitao de apoio no
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cada procedimento e os setores da sociedade envolvidos no planejamento e na
execuo de um destes grandes encontros.
Alm de policiais, nibus, professores de educao fsica que auxiliavam no
posicionamento das crianas, havia tambm a participao de msicos populares
muitas vezes convidados para serem solistas nos eventos. Isto se deve ao fato de
que Villa-Lobos teria grande admirao e respeito pelos artistas populares
(intrpretes e compositores) e por isso a sua incluso na programao do dia (PAZ,
1998, p.46-47).
Embora Villa-Lobos no o tenha criado, ele contribuiu para a divulgao
nacional e internacional do movimento orfenico que j existia no Brasil. No perodo
de 1930, 40 e 50, o Canto Orfenico experimentou o seu auge atravs de grandesconcentraes corais em estdios de futebol, como o Pacaembu, em So Paulo. O
problema da capacitao dos professores que trabalharam nesse projeto j havia
sido detectado desde a sua implantao, no perodo de 1910 a 1930. Mesmo com a
criao dos conservatrios oficiais em alguns Estados brasileiros, estes no foram
suficientes para atender demanda de professores a serem capacitados.
Heitor Villa-Lobos foi um dos principais compositores e arranjadores de peas
para coro infantil (notadamente em sua modalidade de Canto Orfenico) desseperodo. Desenvolveu grande repertrio nacionalista, trazendo ao pblico produes
inspiradas ou transcritas da cultura popular brasileira alm de transformar para coral
peas do repertrio instrumental erudito. Foi o incio de uma popularizao do
repertrio, a servio da poltica nacionalista de Getlio Vargas, exercido nos circuitos
educacionais infantis do pas.
Com o fim da era Vargas, o canto coral escolar promovido, gerido e financiado
pelo Estado entra em declnio. Em 1971, a msica como disciplina foi absorvida pelaEducao Artstica, como determinao da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educao (Lei 5692/71) e passa a abranger msica, artes plsticas, teatro e dana.
Segundo Gilioli (2008, p.24), isso definiu a extino da msica enquanto disciplina
no sistema escolar brasileiro.
comparecimento dos filhos e a presena deles na solenidade); Edital n 46 (solicita o apoio para facilitar o preparo dosprofessores de msica do Departamento de Educao Nacionalista para o evento); Edital n 44 (instruo de uso da verba daCaixa Escolar para aquisio de uniformes para os alunos mais necessitados, devendo enviar relao de beneficiados);Conduo (instrues para chegada a p, de carro ou de bonde); Policiamento (instrues de fechamento de ruas prximas aolocal do evento e local de estacionamento dos nibus e bondes); Relao de escolas na ordem de sada do estdio; Relaode escolas que devero ser transportadas em nibus e Relao de escolas e bandas de msica que devero sertransportadas em especiais da Light(PAZ, 1998, p.116-155).
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Analisando as funes e cargos ocupados por Villa-Lobos durante o perodo
em que esteve frente do Canto Orfenico no Brasil, observamos a atuao
produtiva de um grande compositor, maestro, professor, administrador no SEMA
(Secretaria de Educao Musical e Artstica) e depois no Conservatrio Nacional de
Canto Orfenico e um interlocutor com o governo de Getlio Vargas. De posse
desses ttulos, organizou grandes concentraes cvico-artsticas que tiveram incio
em 1931 em So Paulo e medida que faziam sucesso, aumentava o nmero de
integrantes, tornando a festividade de maior pompa. Um instrumento de marketing
pessoal e institucional, dentro e fora do Brasil (CONTIER, 1998, p. 19-22).
Gilioli (2008, p. 163-211) fez uma anlise do acervo fonogrfico disponvel na
Biblioteca Nacional com gravaes de orfees artsticos a partir de 1929. Sogravaes do Orfeo Piracicabano de Fabiano Lozano e os orfees de professores
de Canto Orfenico e orfees de escolas, regidas pelo prprio Villa-Lobos ou pelos
professores de Canto Orfenico. Ele ressalta que a falta de tcnica vocal dos
coralistas percebida nas gravaes atravs da afinao do repertrio, seja na
manuteno da tonalidade no decorrer da msica ou na diferena da tonalidade
cantada em relao partitura.
1.3.4 Consideraes sobre o professor de Canto Orfenico no Brasil
Quando nos reportamos ao tema central desse trabalho, ficam as questes
sobre as competncias e habilidades de Villa-Lobos para exercer a liderana de um
grande movimento coral em nvel nacional. Ser que as competncias e habilidades
referentes sua atuao s se tornaram conhecidas com o fim de favorecer os
ideais do governo?Alm de Villa-Lobos como gestor deste movimento, no podemos ignorar os
professores que atuavam diretamente com crianas e jovens na implantao do
Canto Orfenico. Ser que as competncias tcnicas resumiam-se aos seus
conhecimentos musicais? Quais as outras competncias exigidas para o exerccio
da profisso?
Nem todas as questes sero respondidas, pois no h documentos que
comprovem as exigncias para o exerccio da profisso de professor de Canto
Orfenico e nem a observao in locopara comprovarmos a veracidade dos dados
coletados.
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De qualquer forma, esse perodo em que o Estado, atravs do Ministrio da
Educao e Cultura, instituiu o Canto Orfenico como atividade obrigatria a todos
os alunos da rede de ensino, confirma, novamente, o protagonismo de um ator
social na gerao da demanda por coros infantis. A atividade de coro infantil
continuou, com alguma diferenciao, a ser em certo nvel, requerida pela igreja,
atravs da demanda de vozes infantis para os servios religiosos. No entanto, outro
ator do palco global o Estado um dos trs componentes da sociedade sob a
perspectiva tripartite da sociedade, desencadeou toda uma demanda de coros e
professores regentes sob a gide do Canto Orfenico, modalidade de canto a
capella surgida com contornos ideolgicos e polticos na Frana e na Espanha,
importada para o Brasil, onde ganhou o seu auge a servio do Estado Novo.Novamente, a demanda requerida ao regente de coro infantil o professor de Canto
Orfenico moldada a partir das diretrizes do financiadordo projeto. De certa
forma, o Canto Orfenico serviu como plataforma de propaganda poltica do governo
e difuso de sua ideologia, pois ao analisar o repertrio utilizado na poca do
governo Vargas (1937-1945), auge do perodo da atividade orfenica, encontramos
ttulos de obras nacionalistas e ufanistas como: Brasil Unido, Regosijo de uma
raa (sic), Brasil Novo, Desfile aos heris do Brasil, Tiradentes, Verde Ptria,Cano do Operrio Brasileiro, Saudao a Getlio Vargas21. oportuno lembrar
que Getlio Vargas, nessa poca, flertava com os governos nacionalistas europeus,
como a Alemanha de Hitler e a Itlia de Mussolini, que exaltavam o nacionalismo e
tratavam com ufanismo a classe trabalhadora, alm do culto da personalidade do
dirigente do pas, associando o Estado figura do governante, por meio de
mecanismos hoje reconhecidos como sendo de propaganda poltica explcita.
Nesse perodo de domnio dessa modalidade de canto coral infantil houve aproduo, distribuio e uso, financiado pelo Estado, de partituras impressas usadas
nas aulas de Canto Orfenico. Ao professor de Canto Orfenico, nem sempre
devidamente capacitado para o ofcio, cabia treinar o repertrio para as
apresentaes previamente institudas por instncias superiores. O que hoje seria
consenso ser classificado como ensaio do coroeram na verdade, o desenvolver da
aula de Canto Orfenico, disciplina onde se aprendia o repertrio e se treinava
para essas apresentaes de cunho cvico-patritico, mas com carter de
21VILLA-LOBOS, Heitor. Canto Orfenico. Marchas, canes e cantos marciais para Educao Consciente da Unidade deMovimento. 1 vol. So Paulo, Irmos Vitale Editores, 1940.
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propaganda ideolgica para a manuteno do status quopoltico. O Estado usou a
mquina estatal composta pelas escolas e professores, para transmitir sua influncia
e impor seu domnio ideolgico populao (alunos, pais e comunidades em geral)
utilizando-se da msicao Canto Orfenicocomo um dos instrumentos.
1.4 O regente de coro infantil no contexto de fortalecimento da sociedade civilno perodo da Nova Repblica
Na dcada de 1980, em meio a crises econmicas e altos ndices inflacionrios,
uma boa parte dos pases latino-americanos, aps um perodo de ditadura militar,
comeou a se envolver na busca do restabelecimento da democracia. Juntamente
com o processo de abertura poltica os governos passaram a adotar uma poltica
neoliberal de desenvolvimento, o que agravou a situao de pobreza nos pases do
Terceiro Mundo. Houve tambm um crescimento do setor informal da economia e
com isso aumentou o descrdito do Banco Mundial e das instituies internacionais
quanto ao destino dado pelos rgos governamentais aos recursos alocados em
programas de desenvolvimento social afirma o cientista social Antonio Carlos de
Albuquerque, em sua obra Terceiro Setor: Histria e Gesto de organizaes
(ALBUQUERQUE, 2006, p.23). No Brasil, essa nova fase de abertura poltica e
redemocratizao comea em 1985, com o trmino da ditadura militar e a eleio
ainda que de forma indireta do primeiro presidente civil aps 20 anos de
hegemonia poltica das Foras Armadas no governo.
Juntamente com o processo de abertura poltica, a sociedade civil,
forosamente diminuda de sua autonomia nas duas ltimas dcadas anteriores
comea a se reorganizar e a participar novamente no somente do processo polticodo pas, mas tambm no protagonismo em algumas reas outrora obscurecidas pela
ao paternalista do governo. o perodo de surgimento e desenvolvimento de um
contemporneo Terceiro Setor no Brasil, a partir da consolidao de Organizaes
No-Governamentais atuantes nas reas de educao e assistncia social e da
participao das empresas (Segundo Setor) devido divulgao e incorporao do
conceito de Cidadania Empresarial, mais tarde evoluda para a forma de
Responsabilidade Social Empresarial. Melo Neto & Froes, em sua obraResponsabilidade Social & Cidadania Empresarial, define o primeiro conceito:
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A cidadania empresarial um novo conceito decorrente de um movimento social
internalizado por diversas empresas e que tem por objetivo conferir uma nova
imagem empresarial quelas empresas que se convertem em tradicionais
investidoras de projetos sociais e com isso conseguem obter seus diferenciais
competitivos (p.98).
Segundo definio existente no site institucional do Instituto Ethos22:
Responsabilidade social empresarial a forma de gesto que se define pela
relao tica e transparente da empresa com todos os pblicos com os quais ela
se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o
desenvolvimento sustentvel da sociedade, preservando recursos ambientais e
culturais para as geraes futuras, respeitando a diversidade e promovendo a
reduo das desigualdades sociais.23
Durante os anos de ditadura militar, temas como pobreza, participao
popular e desenvolvimento social eram encarados pelo governo como provocao
ao regime, por isso tanto organizaes da sociedade civil, como as empresas em
geral, eram discretas em tratar desses assuntos. A abertura poltica devolveu
sociedade a responsabilidade de se envolver nessas temticas. Segundo o estudoGlobal Civil Society Dimensions of the nonprofit sector, citada por Antonio Carlos
de Albuquerque (2006, p.23), os desafios para as organizaes do Terceiro Setor
para o incio do sculo XXI na Amrica Latina seriam: torn-lo uma realidade, uma
vez que era necessrio consolidar sua existncia enquanto ator social efetivo; treinar
e capacitar os profissionais e voluntrios atuantes nas organizaes; formar
parcerias com o governo e o setor privado. Isso tem efetivamente acontecido no que
se refere ao crescente nmero de projetos de interveno social liderados pelasONGs e financiadas tanto pelo governo quanto pela iniciativa privada, evidenciando
uma forte caracterstica do Terceiro Setor brasileiro que a presena dos trs
setores da economia na sustentao das suas atividades. Dessa forma, em sua
22O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social uma organiz ao sem fins lucrativos, cuja misso mobilizar,sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negcios de forma socialmente responsvel, tornando-as parceiras naconstruo de uma sociedade justa e sustentvel. Foi criado em 1998 por um grupo de empresrios e executivos oriundos dainiciativa privada, sendo um plo de organizao de conhecimento, troca de experincias e desenvolvimento de ferramentas paraauxiliar as empresas a analisar suas prticas de gesto e aprofundar seu compromisso com a responsabilidade social e odesenvolvimento sustentvel. As empresas associadas correspondem a 35% do PIB do Brasil, denotando o envolvimento dasempresas 2 setor na temtica de Responsabilidade Social Empresarial. O Instituto Ethos tambm uma referncia
internacional nesses assuntos, desenvolvendo projetos em parceria com diversas entidades no mundo todo. Texto disponvel emhttp://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/31/o_instituto_ethos/o_instituto_ethos.aspx . Acesso em 10 de fevereiro de 2011.
23Definio extrada do site do Instituto Ethos, disponvel em: http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/29/o_que_e_rse/o_que_e_rse.aspx. Acesso em 10 de fevereiro de 2011.
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definio mais ampla, a Sociedade Civil englobaria tambm as empresas, as quais,
apesar de na viso tripartite da sociedade serem consideradas como sendo da rea
do capital, segundo a tica da Responsabilidade Social Empresarial, elas fazem
parte de uma comunidade cidad organizada, composta por pessoas e instituies.
Na dcada de 1990, o Brasil v surgir associaes como a ABONG
Associao Brasileira de Organizaes No-Governamentais (1991), alm de
diversos outros movimentos sociais, empreendimentos sem fins lucrativos e
fundaes empresariais. H tambm uma profuso de trabalhos acadmicos e livros
versando sobre o assunto, indicando o crescimento e desenvolvimento do Terceiro
Setor no Brasil. Um estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econmica
Aplicada) mostrou que 67% das empresas na regio Sudeste realizam algum tipo deao em benefcio das comunidades (ALBUQUERQUE, 2006, p. 33-35), denotando
a rpida assimilao dessa nova dimenso de atuao desses atores sociais no
palco global.
1.4.1 Corais infantis demandados por segmentos da Sociedade Civil fora do
ambiente eclesistico e escolar
nesse novo momento histrico e poltico que ressurge a Sociedade Civilcomo protagonista no palco global segmento canto coral infantil representada
por atores das mais variadas organizaes sem fins lucrativos, financiadas por
entidades do Segundo Setor (o Capital) e tambm pelo Estado.
No tocante ao coro infantil, com o fim do Canto Orfenico, a atividade de canto
coral no Brasil se diversificou e passou a fazer parte de programas desenvolvidos
em clubes, escolas, centros culturais, teatros, igrejas, universidades e escolas de
msica, alm de ajuntamentos motivados somente pelo prazer de cantar e dedesenvolver repertrio especfico para o canto coral. Essa foi uma manifestao de
certa forma esperada, dado o clima de abertura poltica que propiciou a participao
da sociedade em reas at ento monopolizadas pelo governo.
Desde esse perodo de redemocratizao permaneceram em atividade, ainda
que de forma dispersa, resistente e isolada, alguns pequenos grupos de canto coral
infantil nas escolas, tanto privadas, quanto pblicas, desobrigadas, no entanto, de
seguir determinaes impostas pelo governo, no que se refere manuteno dos
corais infantis (Canto Orfenico). A atividade do canto coral infantil no Brasil, deixou
de ter no Estado a figura de seu principal demandador e financiador, principalmente
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porque o governo atribuiu o ensino da msica a um hipottico polivalente professor
de Educao Artstica, versado em Artes Plsticas, Msica e Artes Cnicas. Tal
exigncia jamais pde ser cumprida a contento, pois essa formao genrica em
trs reas complexas desestimulou a formao de um educador musical competente.
As regies Sul, Sudeste e o Nordeste do Brasil so plos de um movimento de
corais infantis estabelecidos h algumas dcadas. Em outras regies brasileiras, h
notcias de algumas iniciativas no menos importantes nem de menor qualidade
tcnica, impulsionadas por uma tradio do canto coletivo.
Os corais formados por adultos tomam configuraes diferenciadas como:
corais de colaboradores de uma empresa (a atividade fazendo parte, por exemplo,
de programas de Qualidade Total de empresas estatais ou privadas24), corais emuniversidades, hospitais, clubes, corais amadores formados por pessoas que gostam
de cantar e queriam desenvolver um determinado estilo de repertrio, corais para
terceira idade, corais profissionais, enfim, tipos e finalidades bastante diferentes de
grupos, tendo em comum, no entanto, a vontade de cantar em grupo. Esse
movimento de canto coral surge de iniciativas da Sociedade Civil, tanto pelo brao
de ONGs, quanto de Associaes e empresas preocupadas em desenvolver
programas e projetos de Responsabilidade Social Empresarial, nas modalidades deendomarketing(aes de marketing interno, objetivando o cuidado da empresa para
com seus funcionrios), quanto de incentivo cultura e educao, alm do enfoque
de realizao de projetos de assistncia e incluso social.
1.4.2 Painis Funarte de Regncia Coral: participao diferenciada do Estado
A documentao escrita formal e sistematizada sobre este perodo da histria
recent