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Segundo especialista, a culpa supõe a falta de diligência ou de prudência que habitualmente não deveriam existir em relação ao que era esperável com a execução de um ato.
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PUBLICAÇÕES | Imprensa
O resultado médico adverso visto pelo Direito
16/08/2011 | Portal Saúde Web
A desventura de um resultado médico tência à saúde. Considera, de forma
indesejado é um paradoxo, contrário aos abrangente, os envolvidos na cadeia de
princípios médicos de agir com o máximo assistência às pessoas enfermas: o médico,
de zelo e modo mais perfeito da habilidade o profissional da saúde em geral e as
profissional para evitar malefícios ao entidades atuantes na área. Portanto, não
paciente. se limita apenas aos médicos.
Mercê dos preceitos régios da beneficência Até mesmo profissionais brilhantes e
e não maleficência que norteiam a ativida- altamente reconhecidos por suas especiali-
de médica, às vezes manifestam-se no dades estão arriscados a cometer erros. É
organismo do enfermo reações nocivas, comum falar em erro do médico ou, então,
imprevisíveis, sem que as causas e os danos em erro de técnica sem maiores cuidados.
possam ser explicados nem imputados à Deslembra-se da existência de aconteci-
uma conduta reprovável: a terapia é bem mentos além da força humana e da com-
aplicada mas a resposta revela-se decepci- preensão, inteiramente desassociados de
onante; realiza-se a cirurgia dentro da má prática do médico ou de outros profis-
melhor técnica, entretanto resulta em sionais da saúde.
fracasso; o medicamento é prescrito É fácil perceber que a imputação de erro corretamente, mas produz resposta sem fundamento ou a propositura de uma inesperada.ação judicial descabida, podem provocar
Ninguém tem o privilégio da infalibilidade graves danos a quem se dedica à medicina.
de modo que, como em qualquer ativida- Quando feitas por emulação ou malícia,
de, a possibilidade de falhar também está levam o autor da acusação ou da demanda
presente na prática da medicina. A expres- temerária a responder pelos danos que
são erro médico deve ser compreendida causar a quem for indevidamente incrimi-
como qualquer situação indesejada nado. Por isso, antes de atribuir erro a
ocorrida na prestação do serviço de assis- algum militante da saúde, médico, não
Segundo especialista, a culpa supõe a falta de diligência ou de prudência que habitu-almente não deveriam existir em relação ao que era esperável com a execução de um ato.
Décio Policastro*
O resultado médico adverso visto pelo Direito (cont.)
médico ou hospital, é preciso pensar e agir causar dano a alguém por ação ou omissão
com prudência, averiguando se está bem voluntária, reconhecíveis por uma das
configurada a atividade culposa para modalidades da culpa: imprudência
constatar, com segurança, se realmente (atitude precipitada, desprecavida, sem
houve desempenho impróprio ou erro cautela); negligência (desatenção, deslei-
grosseiro nos serviços prestados. xo, deixar de fazer o que devia ser feito,
ausência de cuidados) ou imperícia (desco-Indiscutível que reações orgânicas são nhecimento técnico ou insuficiente).desiguais e quase impossíveis de prever.
Variam de pessoa para pessoa e, por vezes, Os eventos impossíveis de serem evitados
surgem num mesmo indivíduo de forma tornando impraticável o cumprimento
diferente. Mesmo as grandes teorias ainda natural e correto de um dever, afastam a
não conseguem esclarecer causas do responsabilidade. Isso ocorre com o caso
imponderável, sem possibilidade de serem fortuito e com a força maior que, embora
encontradas na intrincada heterogeneida- com características distintas – inevitabilida-
de do corpo humano, responsáveis pela de na força maior e imprevisibilidade no
preocupação de um efeito indesejado. caso fortuito – livram da obrigação de
reparar pela inexistência de culpa do Qualquer procedimento médico, seja ele praticante do ato causador do dano. São de que natureza for, desde os mais simples circunstâncias excepcionais, estranhas à aos mais complexos, está sujeito a compli- vontade.cações orgânicas imprevistas, distantes,
por conseguinte, de um mau resultado Como ninguém pode ser responsabilizado
provocado diretamente por algum atuar pelo dano ao qual não deu causa, também
do profissional. Bem por isso o dever os profissionais de saúde, incluídas as
médico de informar o enfermo ou os entidades públicas e privadas, estarão
familiares de que todo ato médico tem isentos de responderem pelos males
certo grau de risco de manifestações advindos de acontecimentos imprevisíveis
orgânicas adversas, por mais leves que que escapam ao seu domínio e à ciência
sejam. Quem não faz, incorre no alto preço médica, pois há a quebra do nexo de
de ser apontado como negligente por causalidade, ou seja, o resultado não se dá
omitir informações. em razão das suas atuações.
Como o direito vê esses acontecimentos A culpa, portanto, em sentido estrito,
sob o prisma da responsabilidade médica, supõe a falta de diligência ou de prudência
civil e criminal? que habitualmente não deveriam existir
em relação ao que era esperável com a Comete ilícito culpável, passível de respon- execução de um ato.sabilização, a pessoa física ou jurídica que
PUBLICAÇÕES | Imprensa | 16 de Setembro de 2011
Neste ponto merece destacar o seguinte: Há procedimentos que, embora ocasio-
face a responsabilidade de natureza nem sequelas, precisam ser realizados por
objetiva que as entidades hospitalares faltar terapia substitutiva para atacar a
carregam por imposição legal, diferente da doença. Nesses casos justificam-se plena-
responsabilidade pessoal do médico, de mente tratamentos de qualquer espécie,
natureza subjetiva, dependente por sem que se possa atribuir ao médico res-
conseguinte da comprovação da culpa, o ponsabilidade alguma. Responsabilização
hospital é responsável por danos causados derivada de ato pessoal do médico sempre
pelos serviços ligados à estrutura hospita- depende da prova induvidosa da culpa.
lar, enquanto o enfermo permanecer Considerando que a lógica médica é salvar internado em suas dependências (trabalho vidas ou minimizar os efeitos da moléstia, do corpo de enfermagem, higienização, compreende-se que o profissional da sala de cirurgia e equipamentos, adminis-medicina a despeito de saber do risco de tração de medicamentos, fornecimento de um tratamento, ainda assim opte por ele. sangue, alimentação, etc.). Elege, desta maneira, um mal menor,
Vale lembrar que no conceito de hospital convencido de estar tentando evitar um
estão incluídos os estabelecimentos mal maior: agravamento da doença e até
prestadores de serviços médicos em geral: mesmo a morte. Isso não quer dizer que
hospitais propriamente ditos, hospitais tenha direito de fazer experiências sobre o
gerais, hospitais-dia, pronto-socorros, corpo humano ou submeter doente
atendimentos de urgência, ambulatórios, terminal ou possuidor de enfermidade
clínicas. degenerativa, sem expectativa de melho-
ra, a tratamentos inúteis afora os de natu-O médico sempre trabalha com alguma reza paliativa.margem de risco inerente ao próprio
ofício. Acontece que eventos de origem O que não pode é abandonar o paciente
indeterminada, nocivos ao enfermo, por ser terminal ou portar moléstia incurá-
podem surgir em razão de fatores estra- vel. Faz parte dos deveres éticos o médico
nhos à atividade médica. São aspectos continuar dando assistência ainda que
expressivos: faixa etária, reações contrárias apenas para cuidados paliativos. Significa
do organismo, falta de resistência imuno- que mesmo esgotados os recursos da
lógica, parada cardiorrespiratória, hemor- ciência médica, resta-lhe ainda a obrigação
ragia imprevisível, interação medicamen- de proporcionar conforto e bem estar físico
tosa e outras situações anômalas, em que ao enfermo até o final de seus dias.
inexiste o nexo de causalidade, uma vez Quando a falência no tratamento de que não sobrevêm de nenhuma participa-determinadas doenças graves está esgota-ção culposa.
PUBLICAÇÕES | Imprensa | 16 de Setembro de 2011
O resultado médico adverso visto pelo Direito (cont.)
da e a enfermidade ameaçar perigosamen- demais deveres médicos, são fundamenta-
te a vida, é aceitável o recurso à terapêutica is para o enfermo e pessoas que o cercam
experimental permitida pelos órgãos compreenderem a probabilidade e os
competentes, ou a novos procedimentos reveses de um resultado desfavorável.
que tenham alguma solidez científica a
lhes dar sustentação, sempre, porém, sem
nenhuma promessa e com o indispensável * É advogado, sócio fundador de Araújo e consentimento e adequado esclarecimen- Policastro Advogados, Conselheiro do to ao doente ou aos familiares das possíveis Instituto dos Advogados de São Paulo consequências. Essas são as razões pelas
(IASP) e autor dos livros Erro médico e quais os médicos diferenciam-se dos
suas consequências jurídicas (2010, 3ª curandeiros, especialmente, por serem
ed.) e Código de Procedimento Ético-dotados de conhecimentos técnico-
Profissional Médico e sua aplicação científicos e formação a serviço da saúde
(2011), ambos da Editora Del Rey do ser humano e da coletividade.
(www.livrariadelrey.com.br).
Considerando que toda ciência tem sua
terminologia, informações claras, linguajar
compreensível a respeito de tratamentos,
riscos e percentuais de êxito, recidivas,
efeitos colaterais de medicamentos,
sequelas, etc., poderiam ter evitado um
sem número de ações judiciais se tivesse
existido bom relacionamento e boa
comunicação entre o profissional, o
paciente e sua família.
Não é demasiado ressaltar que o bom
relacionamento e as explicações dadas
sobre as expectativas da terapêutica, além
de serem atitudes éticas somadas aos
48 ANOS
Esta e outras publicações estão disponíveis em
nosso website:
www.araujopolicastro.com.br/publicacoes.asp
Publicado originalmente no site Saúde Web (http://saudeweb.com.br) em 16 de setembro de 2011.
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