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1 O Ribeirãoshopping e suas quatro expansões: um retrato da evolução dos espaços e estratégias utilizadas pelos shopping centers brasileiros Fernando Garrefa Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo (FAU-USP) Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo - Centro Universitário Barão de Mauá (Ribeirão Preto – SP) [email protected] Resumo O presente artigo faz uma análise dos projetos e estratégias do Ribeirãoshopping, empreendimento do tipo shopping center localizado na cidade de Ribeirão Preto 1 . Inaugurado em 1981, quando no país existiam apenas 8 shopping centers instalados, o Ribeirãoshopping nos fornece excelente oportunidade de estudo e compreensão sobre a evolução dos espaços varejistas no país. Os shopping centers são empreendimentos imobiliários bastante dinâmicos, onde mudanças constantes são necessárias no sentido de manter sua atratividade. Nesse sentido, as quatro expansões por que passou o Ribeirãoshopping nos fornecem um retrato desta modalidade varejista em constante mutação, dos anos 1980 – que é quando efetivamente os shoppings centers se consolidam no Brasil – até o início deste século XXI. A análise dos projetos e estratégias do Ribeirão shopping mostra como cada expansão reflete as tendências de momento do setor. A primeira expansão, de 1987, é marcada pela inauguração de um hipermercado, o que fez com que aumentasse seu poder de atração. Os cinemas, que no projeto original eram acessados pela face externa do shopping se voltam para dentro, configurando uma praça de alimentação onde se instala o Mc Donalds, Inaugurando o binômio “cinema – praça de alimentação”. A segunda expansão, em 1989, é marcada pela integração entre o hipermercado e o shopping center através de uma nova praça de alimentação que inspiram os consumidores a andarem pelo shopping. A terceira expansão, de 1992, buscou uma remodelação dos “cenários interiores”, com a troca de mobiliário e a introdução da iluminação zenital e paisagismo. A terceira expansão, de 1997, é expressa por um grande aumento de área bruta locável 2 e pela mudança no foco de ancoragem, que passa das lojas de departamento para os cinemas, praças de alimentação e para os serviços. A última expansão, ainda em curso, inclui a construção de um centro empresarial e de um hotel. Abstract This present paper makes an analysis of the projects and strategies of the RIbeirãoshopping, a shopping center located in Ribeirão Preto. Open in 1981, when in the country there was just 8 shopping centers doors opened, o Ribeirãoshopping dispose excellent opportunity to studies and comprehension over the retailing spaces evolution in Brasil. The Shopping centers are a quite dynamic real estate development, where constant changes are needed in the sense of the attrativity maintenance. In this sense, the four expansion for what have passed Ribeirãoshopping could provide a overview of this retailing modality in constant changing, since 1980`s – When the effectively shopping center consolidation in the country are done – until the beginning of this new century. The projects and strategies analysis shows how every expansion reflects the sector tendencies in each moment. The first expansion, from 1987, is marked by hypermarket joint, what makes this power attraction grow up. The Cinemas, that in the original project was accessed by shopping external face, now are moved indoor, configuring the food court where are installed a Mc Donalds, initiating the binomial “cinema-food court”. The second expansion, from 1989, is marked by the integration between shopping center and the hypermarket through a new food court that inspire the hypermarket costumer to walk through the shopping center. In the third expansion, from 1992, the shopping center owners put emphasis in skylights an in the natural landscaping. They also change the decoration and the furniture. The third expansion, form 1997, is marked by a great increasing in the Leaseble Retail Area and by the changing in the anchorage focus that pass from department stores to the cinemas, foods courts and services. This last expansion includes also a hotel and a business center. Introdução 1 Cidade com população de 500 mil habitantes situa da a 300 quilômetros de São Paulo. 2 O shopping aumenta de 38 mil para 61 mil metros quadrados de ABL (área bruta locável).

O Ribeirãoshopping e suas quatro expansões: um retrato da ...€¦ · 10 Essa divisão é sistematizada por GOSLING, David e Maitland, Barry. Design and planning of retail systems

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O Ribeirãoshopping e suas quatro expansões: um retrato da

evolução dos espaços e estratégias utilizadas pelos shopping

centers brasileiros

Fernando Garrefa Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Universidade de São Paulo (FAU-USP)

Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo - Centro Universitário Barão de Mauá (Ribeirão Preto – SP)

[email protected]

Resumo

O presente artigo faz uma análise dos projetos e estratégias do Ribeirãoshopping, empreendimento do tipo shopping

center localizado na cidade de Ribeirão Preto1. Inaugurado em 1981, quando no país existiam apenas 8 shopping centers

instalados, o Ribeirãoshopping nos fornece excelente oportunidade de estudo e compreensão sobre a evolução dos espaços

varejistas no país.

Os shopping centers são empreendimentos imobiliários bastante dinâmicos, onde mudanças constantes são necessárias

no sentido de manter sua atratividade. Nesse sentido, as quatro expansões por que passou o Ribeirãoshopping nos fornecem um

retrato desta modalidade varejista em constante mutação, dos anos 1980 – que é quando efetivamente os shoppings centers se

consolidam no Brasil – até o início deste século XXI.

A análise dos projetos e estratégias do Ribeirão shopping mostra como cada expansão reflete as tendências de momento

do setor. A primeira expansão, de 1987, é marcada pela inauguração de um hipermercado, o que fez com que aumentasse seu

poder de atração. Os cinemas, que no projeto original eram acessados pela face externa do shopping se voltam para dentro,

configurando uma praça de alimentação onde se instala o Mc Donalds, Inaugurando o binômio “cinema – praça de alimentação”.

A segunda expansão, em 1989, é marcada pela integração entre o hipermercado e o shopping center através de uma nova praça de

alimentação que inspiram os consumidores a andarem pelo shopping. A terceira expansão, de 1992, buscou uma remodelação dos

“cenários interiores”, com a troca de mobiliário e a introdução da iluminação zenital e paisagismo. A terceira expansão, de 1997,

é expressa por um grande aumento de área bruta locável2 e pela mudança no foco de ancoragem, que passa das lojas de

departamento para os cinemas, praças de alimentação e para os serviços. A última expansão, ainda em curso, inclui a construção

de um centro empresarial e de um hotel.

Abstract This present paper makes an analysis of the projects and strategies of the RIbeirãoshopping, a shopping

center located in Ribeirão Preto. Open in 1981, when in the country there was just 8 shopping centers doors opened,

o Ribeirãoshopping dispose excellent opportunity to studies and comprehension over the retailing spaces evolution in

Brasil.

The Shopping centers are a quite dynamic real estate development, where constant changes are needed in

the sense of the attrativity maintenance. In this sense, the four expansion for what have passed Ribeirãoshopping

could provide a overview of this retailing modality in constant changing, since 1980`s – When the effectively

shopping center consolidation in the country are done – until the beginning of this new century.

The projects and strategies analysis shows how every expansion reflects the sector tendencies in each

moment. The first expansion, from 1987, is marked by hypermarket joint, what makes this power attraction grow up.

The Cinemas, that in the original project was accessed by shopping external face, now are moved indoor, configuring

the food court where are installed a Mc Donalds, initiating the binomial “cinema-food court”. The second expansion,

from 1989, is marked by the integration between shopping center and the hypermarket through a new food court that

inspire the hypermarket costumer to walk through the shopping center. In the third expansion, from 1992, the

shopping center owners put emphasis in skylights an in the natural landscaping. They also change the decoration and

the furniture. The third expansion, form 1997, is marked by a great increasing in the Leaseble Retail Area and by the

changing in the anchorage focus that pass from department stores to the cinemas, foods courts and services. This last

expansion includes also a hotel and a business center.

Introdução

1 Cidade com população de 500 mil habitantes situa da a 300 quilômetros de São Paulo. 2 O shopping aumenta de 38 mil para 61 mil metros quadrados de ABL (área bruta locável).

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O shopping center (SC) é um empreendimento imobiliário nascido nos EUA, ainda na primeira metade do

século 20. O surgimento desta tipologia - cuja localização era essencialmente periférica - está fortemente associado

ao movimento suburbano norte-americano, que fez a população daquelas localidades crescer – entre 1950 e 1959 –

29 vezes mais rápido que a população urbana. 3 De acordo com Frieden, a construção de uma grande rede rodoviária,

a gasolina abundante e barata, o custo do automóvel acessível e ainda um programa habitacional do governo que

dava subsídios aos veteranos de guerra na compra de suas casas, favoreceram este movimento frenético.4 Outro fator

fortemente inerente à presença de SCs eram as taxas de motorização da população. Os EUA atingiram a taxa de um

automóvel para cada dez pessoas (essa era a taxa necessária para a viabilidade de um centro periférico) em 1930,

enquanto na Europa Ocidental esse percentual só foi atingido na década de 1960.5

O programa inicial dos SCs se concentrava no suprimento das demandas emergentes da sociedade

americana na primeira metade do século 20, visando a maximização do poder atração da unidade como um todo, a

partir de uma série de vantagens oferecidas tanto para o consumidor quanto para o fornecedor. Entre as oferecidas ao

consumidor destacam-se: compras comparadas e associadas, conforto ambiental, áreas climatizadas e protegidas das

intempéries, facilidade de estacionamento. Já para o fornecedor oferecia: diminuição de custos, por meio de

distribuição entre lojistas dos gastos com promoções, publicidade e propaganda, segurança, aumento das vendas por

impulso. 6

A aceitação deste modelo de comercialização, nos EUA pode ser expressa pelos números superlativos do

setor. Aquele país chegará aos anos 1970, com cerca de 11 mil estabelecimentos do tipo SC.7 Diante disso, a

pergunta que se passou a fazer não era mais se o comercio tradicional suportaria a concorrência com os SCs, mas se

os próprios SCs suportariam os níveis acirrados de concorrência entre eles. Heliana Vargas observa que a atividade

comercial é bastante dinâmica, buscando recriar constantemente seu espaço.8 Isso talvez explique a questão anterior

e o fato de existirem na cidade de São Paulo, no início da década de 1990, 12 SCs instalados, contrariando todas as

previsões sobre a saturação do mercado.9 Uma década depois, já eram cerca de duas dezenas de SCs, dois deles

implantados frente a frente (Morumbi SC e Market Place). Diante disso pode se afirmar que só mesmo uma dinâmica

intensa, visando a diferenciação constante entre os SCs, torna possível a sobrevivência do modelo.

Os shopping centers e suas gerações A dinâmica envolvida no processo evolutivo dos SCs, delimitou três possíveis gerações destes

empreendimentos.10

Os de primeira geração correspondem aos primeiros SCs, cujo modelo era americano e cujo surgimento

remonta aos anos 1920. Neste momento os SCs podiam ser classificados de acordo com seu porte e área de

influência em três categorias: SC de Vizinhança, Comunitário e Regional. Esta designação, entretanto não era muito

acurada, gerando margens a algumas confusões quando da possível classificação de um determinado SC.11

A área

variava de 4 Hectares - no caso dos SC comunitários ou de vizinhança – a 15 hectares no caso de um SC regional.12

Quanto ao projeto, os SCs deste primeiro período (até o final da década de 1950) se constituíam em

edifícios dispostos em meio a grandes áreas de estacionamento. Os edifícios se dispunham configurando “ruas” e

“praças” descobertas, para onde as vitrines se abriam. Esta configuração os fazia semelhantes a um centro urbano

tradicional, entretanto dispondo facilidades como vagas de estacionamento abundantes e acesso fácil, diferenciando-

3 GRUEN, Victor. Retailing and the automobile: a romance based upon a case identity. In: Hornbeck, James S. Stores and

Shopping centers. New York, McGraw-Hill, 1962, p. 98. 4 FRIEDEN, Bernard e Sagalyn, Line B. Down town Inc. How america rebuits cities. Cambridge, The Mit Press, 1992. 5 Gosling, David e Maitland, Barry. Design and planning of retail systems. Londres, The Architectural Press, 1976. Citado por

VARGAS, Heliana Comin. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. Op. Cit., p. 250. 6 Id., p. 253. 7 National Research Bureau. disponível em www.icsc.org /srch/rsrch/scope em 10/02/2003. Os números para o ano 2000 indicam

que existiam cerca de 45 mil SCs nos EUA. 8 VARGAS, Heliana Comin. A atividade comercial recriando seu espaço. São Paulo, Revista da pós-graduação em arquitetura e

urbanismo, n.4, dez 1993, p.65-77. 9 Construtores usam capital próprio e se associam a fundos. Estado de São Paulo. São Paulo, 22/08/1991. 10 Essa divisão é sistematizada por GOSLING, David e Maitland, Barry. Design and planning of retail systems. Londres, The

Architectural Press, 1976. 11 Essa classificação estava baseada, também no conceito de hierarquia de centros estabelecida por Crhristaller, o qual

considerava fatores como o porte do empreendimento, variedade de bens e serviços ofertados, poder aquisitivo e densidade

populacional e acessibilidade, na delimitação da área de influência de um centro. (MASANO, Tadeu Francisco. Shopping

centers e suas relações físico-territoriais e sócio-negociais no município de São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP,

1993). 12 GRUEN, Victor & Smith, Larry. Shopping towns USA: the planning of shopping centers. New york, Reinhold, 1960.

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se ainda dos centros tradicionais pela separação entre os diversos fluxos como carga e descarga, pedestres e

automóveis. Para Rybczynski, entretanto, os SCs nasceram aspirando ser novos centros, daí terem se apropriado,

neste momento, de alguns de seus elementos marcantes, como as vitrines, as praças e seus elementos ornamentais.13

A localização destes empreendimentos de primeira geração era quase sempre periférica (out of town), mas havia

alguns SCs com localizados em centros de cidades (down town), especialmente ligados a processos de revitalização

destas áreas.14

Em relação ao planejamento destes centros de compra, normalmente ainda eram constituídos após análises

não muito acuradas, que levavam em conta a acessibilidade, o nível de renda e a densidade populacional de seu

entorno e algumas possibilidades de concorrência. A disposição de uma loja de departamento como âncora, fez parte

desde os primeiros projetos, entretanto, a definição apurada do tenant mix, ainda não era fruto de preocupações.15

Os SCs de segunda geração são marcados pelo fechamento do Mall. O primeiro exemplo desta

modalidade teria sido o SC Southdale, em Minneapolis, inaugurado em 1958.16

Embora envolvendo custos

significativamente maiores, o surgimento destes SCs permitiu que eles se expandissem por locais onde o clima era

desfavorável. Contribuiu também para uma uniformização ambiental, uma vez que condições de iluminação e

temperatura podiam permanecer iguais em qualquer região do Globo. Heliana Vargas observa que nesses projetos,

“a relação entre as lojas e o mall mudou drasticamente. Em vez de ser um vazio entre os edifícios, o mall passou a

ser o ponto focal. O ambiente natural se interrompe no perímetro do edifício e todas as lojas se voltam para esse

espaço, que mais precisa estar separado por portas e paredes de vidro”.17

Neste momento se privilegiava a

implantação da edificação em apenas um nível, mesmo que isso significasse uma grande movimentação de terra.

A ambientação buscava uma diferenciação com o ambiente urbano tradicional (embora continuassem

usando elementos típicos dos centros de cidades, como bancos de praça e fontes), procurando ressaltar suas

qualidades ambientais, ao mesmo tempo em que buscava mergulhar o consumidor numa atmosfera que favorecesse a

compra por impulso. Fidela Frutos os qualifica nesta época como containers, ilhas fortalezas que negam o urbano

real.18

Alguns desses artifícios surgiram da observação de pesquisas psicológicas que consideravam, entre outras

coisas, que a ameaça de temporal ou o crepúsculo apressavam a saída dos consumidores, assim como a presença de

relógios, que poderia trazê-los de volta à rotina cotidiana, marcada pela relação com as horas.19

Diante disso, nesses

projetos eram escassas e minúsculas as aberturas para o exterior e a iluminação normalmente era feita artificialmente

– o que garantia a mesma luminosidade em todas as horas do dia.

Quanto ao planejamento, há a definição mais apurada do tenant mix, especialmente em relação à

localização. Na década de 1950, este item encontrou em Richard Nelson uma sistematização bem avançada, com a

escolha da localização baseada em oito pontos: potencial da área; acessibilidade; potencial de crescimento;

interceptação de negócios; atração cumulativa; compatibilidade; minimização de riscos de concorrência e aspectos

microeconômicos.20

Neste período, devido, entre outras coisas aos altos custos de implantação, o investimento e o

controle destes empreendimentos passou a estar ligado fortemente ao mercado imobiliário e financeiro, rompendo de

vez as relações com o capital mercantil.

No Brasil, o primeiro SC, o Iguatemi, implantado em São Paulo em 1966, possuía uma tipologia semelhante

a essa segunda geração, embora o medo dos investidores e dos comerciantes de um possível fracasso, fez com que se

adotasse um padrão com mais aberturas e iluminação natural.21

O sucesso do Iguatemi, posteriormente impulsionou a implantação de outros SCs pelo Brasil, estes já adotando uma

tipologia semelhante ao padrão norte americano da segunda geração, como o Park Shopping em Brasília , projeto do

início dos anos 1980. A localização dos SCs brasileiros, normalmente segue o padrão inner town – fora do centro,

mas dentro da mancha urbana. Este foi o caso de todos os Scs implantados na cidade de São Paulo, até a década de

1990. Entretanto, no interior do estado encontra-se alguns exemplos de SCs com localização out of town,

especialmente situados às margens de rodovias visando o afluxo da clientela regional.

13 RYBCZYNSKI, Witold. Vida nas cidades: expectativas urbanas no novo mundo. Rio de Janeiro, Record, 1996, p.179. 14 Um exemplo neste sentido é o SC edificado no Hyde Park, em Chicago, associado ao programa de renovação urbana.

(HORNBECK, James S. Stores and Shopping centers. New York, McGraw-Hill, 1962, p. 154). 15 VARGAS, Heliana Comin. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. Op. Cit., p. 252. 16 RYBCZYNSKI, Witold. Vida nas cidades: expectativas urbanas no novo mundo.Op. Cit. 17 VARGAS, Heliana Comin. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. Op. Cit., p. 254. 18 FRUTOS, Fidela & Valor, Jaume. Containers. In: Quaderns d`architecture i urbanisme. n.214, Barcelona, 1995. 19 Ibidem. 20 NELSON, Richard L. The selection of retail location. Citado por: Vargas, Heliana Comin. Espaço terciário: o lugar, a

arquitetura e a imagem do comércio. Op. Cit., p. 63. 21 Depoimento de Giancarlo Gasperini – autor do projeto original do SC Iguatemi em: Monteiro, José Vital. Shopping center

Iguatemi: o retrato da evolução do varejo. In: Projeto n. 119, São Paulo, Arco Editorial, 1989, p.87.

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Os Scs de terceira geração se caracterizam espacialmente, pela distribuição do Mall em vários níveis, com a

presença de elementos de circulação vertical ligados à ornamentação dos ambientes e à articulação dos espaços,

como no caso dos elevadores panorâmicos e escadas rolantes, normalmente ligados a praças de intersecção. Há

também uma tentativa de reversão aos ambientes artificiais do período anterior. Nesse sentido começa a se dispor de

farto uso de iluminação natural e mesmo de plantas ornamentais e cascatas. Essa tentativa de reversão pode estar

associada, por um lado à concorrência, que se acirrou tremendamente nos anos 1980, levando os SCs à necessidade

de constantemente diferenciação. Por outro lado, nos EUA parecia ter havido um cansaço dos consumidores em

relação ao modelo, somado à renovação de áreas urbanas degradadas, que as tornava atraentes. Nesse sentido, Peter

Calthorne, relata que o número de horas que os americanos passavam dentro dos SCs vinha se reduzindo

gradativamente.22

Na tentativa de se desvencilhar desse aspecto artificial, também face à diferenciação exigida pelo mercado,

vários SCs construídos em gerações anteriores começam a passar por reforma, alguns deles ainda remanescentes da

primeira geração. Nos SCs de terceira geração, as reformas são constantes, algumas vezes ampliando os negócios,

em outras apenas operando apenas renovações visuais. Entretanto, para os SCs, parece haver uma necessidade

imperativa de não envelhecer, de oferecer sempre novidades, ainda estas sejam idéias antigas com uma roupagem

nova.

Essa geração tem como peculiaridade, também, uma substituição gradual das antigas âncoras dos

empreendimentos como os supermercados e lojas de departamento, que passam a não conseguir manter os mesmos

níveis de lucratividade dos períodos anteriores. 23

Começa a entrar em cena a introdução de equipamentos de uso não varejista, tais como centros de saúde, spas,

escolas, academias de ginástica e uma ênfase nos cinemas, que também se apóiam em novas tecnologias para

oferecer maior conforto ao expectador. Na década de 1990, estes passam a ser as novas âncoras dos SCs.

O objetivo deste artigo é mostrar, através da análise do projeto original e das quatro expansões do

Ribeirãoshopping a sintonia entre estas ações e aquelas engendradas por outros empreendimentos do mesmo

segmento. Nesse sentido, buscamos mostrar que os shopping centers são empreendimentos dinâmicos, que mudam

constantemente e, também, que tais movimentos são orquestrados, principalmente se considerarmos que grande parte

dos empreendimentos deste tipo fazem parte de cadeias que agem em bloco.

A pesquisa que gerou este artigo fez parte de um trabalho mais amplo, que originou uma dissertação de

mestrado e que inclui ainda a análise de outros dois shopping centers existentes em Ribeirão Preto.24

Nesta pesquisa

foram levantadas e analisadas as plantas referentes ao projeto original e a suas expansões; fotografias aéreas,

externas e internas, retratando os espaços do shopping; foram realizadas entrevistas com os administradores,

membros da equipe de planejamento e marketing, lojistas e consumidores; Pesquisou-se índices demográficos e

econômicos relativos à cidade de Ribeirão Preto e especialmente do entorno do shopping; evolução da mancha

urbana e dos usos do solo; estudos demográficos e econômicos da região de Ribeirão Preto; Foram pesquisadas

matérias em diversos em periódicos relativas ao período analisado 1980 – 2002.

O Ribeirãoshopping foi inaugurado na década de 1980, em um momento de sensível aumento no número de

shoppings centers implantados no país. No Brasil, nesta década, mais de oitenta shopping centers, localizados

principalmente nas capitais dos estados - especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo - e no interior paulista

abriram suas portas25

, evidenciando uma sensível alteração do perfil do comércio varejista no país.

Com grande poder de atração, o Ribeirãoshopping foi implantado em meio a uma região cuja renda per capita

anual se situava em torno de cinco mil dólares e que possuía em média 1 automóvel para cada 4 habitantes26

. Atende

atualmente a uma população estimada em quatro milhões de habitantes, residentes em cerca de duzentas cidades,

contidas em um raio de influência que atinge inclusive regiões do estado de Minas Gerais27

.

Inaugurado em 1981, o Ribeirãoshopping, não só foi o primeiro shopping center instalado em Ribeirão Preto,

como um dos primeiros do Brasil. Seu empreendimento coincide com a fase de expansão dos shopping centers por

algumas regiões - especialmente pelo interior do estado de São Paulo -, iniciada no início da década de 1980. A

22 Peter Calthorne é líder do movimento pelo novo urbanismo surgido nos EUA no início dos anos 1990. Citado por: GRIFTH, Victória. Americanos abandonam shoppings. Gazeta Mercantil, 3/11/1999. 23 VARGAS, Heliana Comin. Espaço terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. Op. Cit., p. 257. 24 GARREFA, Fernando. A arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto: A emergência e expansão dos shopping

centers. São Carlos, EESC/USP, 2002. Dissertação de Mestrado. 25 PINTAUDI, Silvana ( org.). Shopping centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades brasileiras. São Paulo, Unesp, 1992,

p. 20. 26 Dados fornecidos pelo do DST (Departamento de Serviços de Trânsito de Ribeirão Preto). 27 Dados fornecidos pelo Instituto de Economia ” Maurílio Biagi”, da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto.

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inauguração do Ribeirãoshopping também caracteriza o momento em que grupos empresariais começaram a investir

maciçamente no setor, abrindo cadeias de shopping centers nas regiões mais atraentes. Este é o caso do Ribeirão

Shopping, pertencente ao grupo Multiplan, que criou uma organização chamada Renasce, com fins de orientar e

administrar sua cadeia de shopping centers. No início da década de 1980 faziam parte deste grupo os shopping

centers: Barra Shopping, Morumbi Shopping, BH Shopping e Ribeirãoshopping.

A ação dos grupos empresariais, fez aumentar o poder de atração dos shopping centers, que, no início da

década de 1980, ainda não haviam caído definitivamente no gosto do consumidor. Agindo em grupo, as grandes

cadeias, como o grupo Multiplan, podiam dispor de artifícios e recursos financeiros inviáveis aos empreendedores

isolados e aos pequenos comerciantes e passaram a estabelecer uma forte concorrência com o comércio tradicional.

Entre os recursos mobilizados estavam as disponibilidades de consultorias internacionais, a propaganda televisiva em

rede nacional, o sorteio entre os clientes de brindes de valor elevado e a realização de eventos. No caso do Grupo

Multiplan, havia até um cartão de crédito - negociado com o Banco Fininvest - oferecido aos consumidores que

poderia ser utilizado em qualquer um dos shoppings do grupo28

.

O Ribeirãoshopping nasceu não como um empreendimento isolado, mas como integrante de uma cadeia de

shopping centers que dispunha não só de grande capital, mas de “knowhow” na escolha da localização e no

planejamento do “mix”. A escolha do local já levava em conta a previsão de terras para expansão futura, conceito

que começava a se difundir pelo Brasil29

. A localização também o diferenciava dos shopping centers paulistanos

implantados até ali. Ao contrário destes últimos, que se inseriam em regiões já urbanizadas, o Ribeirão Shopping foi

instalado em uma área pertencente à fazenda Nova Aliança, portanto na zona rural da cidade. Apesar disso, a área era

acessível através da Avenida Presidente Vargas – importante eixo viário da zona sul – e se situava a menos de um

quilômetro do anel viário. Pode-se considerar sua localização como bem sucedida, pois conciliava diversos fatores

tais como o preço bem mais baixo da terra na zona rural, a proximidade do centro da cidade (apenas quatro

quilômetros) e do anel viário e sua inserção no vetor sul da cidade que, em 1981, dava sinais claros de expansão30

.

Quando foi inaugurado, em 1981, o Ribeirãoshopping possuía 98 lojas, das quais três “âncoras”: C&A, Mesbla e

a loja de departamentos Jumbo Eletro, somando um total de 20 mil metros quadrados de área bruta locável e 50 mil

metros quadrados de área total.

O “mix” do shopping era abrangente. Em sua composição encontravam-se estabelecimentos comerciais de

vestuários em geral, de artigos para presentes, boutiques sofisticadas e joalheiras. Tal aparato era complementado

ainda por dois cinemas, uma praça de alimentação e um pequeno parque de diversões interno.(fig.1)

28 VARGAS, Heliana Comin. Op. cit., p. 274. 29 Em São Paulo, por exemplo, os shopping centers Iguatemi, Morumbi e Ibirapuera foram verticalizados para poderem crescer,

pois seu planejamento inicial não previa possíveis expansões. Também deve ser mencionado o fato deles terem se instalado em

áreas anteriormente adensadas, daí a escassez e o preço elevado da terra, que podem ter impossibilitado a aquisição de reservas de

áreas para crescimento futuro. 30 Em 1981, de acordo com as fotografias aéreas analisadas, os bairros Jardim Sumaré e Alto da Boa Vista e Jardim América

encontravam-se plenamente adensados por residências de alto padrão.

Fig.1 O RibeirãoShopping, inaugurado em 1981 em

Ribeirão Preto: SC de segunda geração

Fonte: Arquivo Ribeirão Shopping.

Fig2. Tipologia inicial: uma caixa em meio a

grandes áreas de estacionamento.

Fonte: Arquivo Ribeirãoshopping

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Em sua inauguração, o Ribeirãoshopping foi visto por muitos como de grande importância para o município.

Para alguns, tinha a capacidade de colocar a cidade em pé de igualdade com as capitais e cidades mais importantes

do país. O historiador Rubem Cione, em texto elaborado quando da inauguração do Shopping escrevia: “Ribeirão

Preto vem vivendo um processo de desenvolvimento acelerado, o que pode ser facilmente constatado pela expansão

e refinamento de seus equipamentos urbanos, seja pela crescente sofisticação de seus hábitos de consumo e lazer e

pela visível evolução de sua automobilística”31

”. No mesmo evento, o presidente do grupo Embraplan, responsável

pelo planejamento do empreendimento, também procurava mostrar o shopping como uma evidência do caráter

progressista que atribuía à cidade: ” ... Esta cidade, que foi conhecida como a capital do café, agora também é a

capital do comércio da Alta Mogiana e por isso está recebendo este moderno centro de compras”32

.

O Ribeirãoshopping foi planejado e moldado, considerando as características e necessidades de seus

consumidores potenciais de classe média e alta. Essa intenção é evidenciada pela existência, até 1985, de apenas uma

linha acesso ao local por ônibus33

. Em compensação, o acesso à população motorizada era favorecido por sua

localização junto a uma via de trânsito rápido. A implantação, pensada em função da população regional, se

aproxima ao anel viário, facilitando a chegada dos consumidores das cidades próximas.

O Ribeirãoshopping inaugurou, uma nova forma de consumo em Ribeirão Preto. Suas “ruas” eram

climatizadas, completamente isentas dos inconvenientes que pudessem trazer desconforto aos consumidores. Seu

interior, assim como o de quase todos shopping centers brasileiros, era protegido da ação de trombadinhas, camelôs,

“gangs rebeldes” e “tipos exóticos”34

. Neste primeiro momento, possuía amplos e áridos estacionamentos e interiores

“resguardados por cegas empenas”. A decoração interna do shopping era simples e registra até hoje elementos que

remontam às “ruas de verdade”, como chafarizes e bancos semelhantes aos das praças da cidade. O ambiente

sofisticado do seu interior se diferenciava do ocupado pelo comércio tradicional, com seu aspecto poluído por postes

e fios e socialmente complexo. O sucesso do shopping foi quase instantâneo. Seu projeto original se assemelhava

muito ao de seus genitores americanos da década de 1960: uma grande “caixa” fechada para o exterior, não abrindo

mão de sua paisagem interior autônoma e com uma relação quase inexistente com o meio urbano (fig.2).

Possuía oito minúsculas portas de entrada, que se constituíam nas únicas aberturas que transpunham as cegas

empenas, revestidas por uma discreta cerâmica de cor creme. Tal tratamento do exterior, associado à implantação do

prédio em cota inferior à da rodovia, favorecia sua diluição na paisagem. O enorme totem com o nome do shopping,

voltado à via de acesso, constituía-se no marco visual que anunciava sua presença aos que trafegavam pela avenida

Presidente Vargas, sua principal via de acesso.

Sua concepção de “mix”, era baseada no poder de atração de suas três lojas “âncoras”, dispostas nas duas

extremidades e no centro do edifício, gerando o fluxo necessário à viabilização das lojas “satélites”. Sua estratégia

era concentrada no poder de atração daqueles grandes equipamentos comerciais: a C&A, a Mesbla e o Jumbo Eletro.

O shopping possuía, neste momento uma praça de alimentação e dois cinemas, mas a disposição do “mall”

consagrava as lojas como elementos principais na atração dos frequentadores. Uma evidência desta estratégia se

verifica na disposição dos cinemas, onde compra de bilhetes e a entrada eram feitas do lado externo do prédio. Os

cinemas funcionavam como anexos, evidenciando uma postura que procurava atrair a clientela pela diversidade de

lojas em um mesmo lugar. Nesse sentido, os equipamentos voltados ao lazer e ao entretenimento receberam, nesta

primeira etapa do Shopping, uma atenção secundária. A primeira expansão do Ribeirãoshopping se dá em 1987,

quando foi acoplado o hipermercado Carrefour. O estabelecimento ampliava então seu “mix” de ofertas, fruto de

pesquisas de mercado que constatavam a demanda por um hipermercado. Segundo Luiz Médici, superintendente do

Shopping, a implantação do Carrefour representou, naquele momento, um significativo aumento no fluxo de

consumidores: de 240 mil pessoas por mês para cerca de 500 mil35

. A implantação do hipermercado foi marcada

também pelo aumento do número de vagas de estacionamento, que eram necessárias para acolher o crescente fluxo

de consumidores. O número de vagas passou de 2.500 para 3.200.

Em 1989, data da segunda expansão, os planejadores do Ribeirãoshopping, além de ampliarem o porte do

empreendimento, buscaram adequar as características do Shopping às novas tendências surgidas naquele período. No

Brasil, começavam a ganhar importância na atração do consumidor os aparatos de lazer e o setor de alimentação. No

Ribeirãoshopping, esta tendência se cristaliza com a inauguração de mais uma sala de cinema e com a nova

31 CIONE Rubem. História de Ribeirão Preto, v.5. Ribeirão Preto, Legis Suma, 1997, p. 965. 32 Id., p.966. 33 Dados fornecidos pela Transerp (Empresa Municipal de Transportes Públicos). 34 FRÚGOLI, Heitor. Os shoppings em São Paulo e a trama do urbano: um olhar antropológico. in: PINTAUDI, Silvana. (org.). Shopping centers, espaço, cultura e modernidade nas cidades brasileiras. São Paulo, UNESP, 1992, pp. 84-87. 35 MÉDICI, Luiz. Entrevista. Ribeirão Preto, 12/01/01.

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disposição das bilheterias e entradas do cinema, doravante voltadas para os espaços internos do Shopping e

integradas com a praça de alimentação. Nesta última, também se cristaliza uma tendência do final da década de

1980: a difusão das redes de fast food, alavancadas pelo sucesso da rede Mc Donalds, que a partir desta expansão se

faria presente no Ribeirão Shopping, consagrando o binômio cinema-fast food. Os cinemas e o Mc Donalds foram

implantados frente a frente no Ribeirãoshopping. Também foi construído nesta etapa, um parque de diversões que

contava com uma pista de patinação no gelo. A presença destes equipamentos evidenciou uma mudança significativa

não só em relação à estratégia de atração dos consumidores, mas, na ampliação do número de horas que eles estavam

passando dentro do Shopping, que fomentava a compra por impulso. Foram acrescentadas mais 40 lojas e mais uma

sala de cinema, atestando o sucesso financeiro do empreendimento. Uma parte delas era composta por lojas de grife

como afirmou Luiz Médici, em entrevista à revista Exame Paulista, buscando associar uma imagem sofisticada ao

Shopping: “Quase todos os nomes das grandes grifes estão instalados no shopping. Nossa filosofia é trazer o melhor

da capital para o público do interior”36

.

A terceira expansão, ocorrida em 1992, foi menos abrangente que a anterior. Dela resultou a implantação de

14 lojas novas, mas que não constituíram aumento efetivo de área, visto que tais lojas nasceram da diminuição de

tamanho da Mesbla e da desativação de um grande magazine que tinha substituído a loja de departamentos Jumbo

Eletro. Também houve a implantação da segunda praça de alimentação e de um restaurante com bilhar e boliche

anexo. Apesar do pequeno porte da intervenção, questões estratégicas importantes estiveram ligadas a ela. A

primeira delas foi a criação de uma praça de alimentação que interligou o Carrefour ao Shopping. Esta praça

constituiu-se em atrativo ao consumidor que fazia compras no hipermercado e em seguida ia embora sem circular

pelo Shopping. Para esse público, a nova praça de alimentação acabava por estimular a visita a outros setores do

Ribeirãoshopping. Luiz Médici explica que o Carrefour conta com lanchonetes em várias de suas lojas, mas no caso

do Ribeirãoshopping o contrato o proibia de instalar tais equipamentos, justamente para que o consumidor do

hipermercado fosse tentado a frequentar a praça de alimentação do Shopping37

. Outro aspecto observado nesta

reforma foi a abertura de vários dômus espalhados pelos corredores e praças de alimentação valorizando a luz

natural. Esta atitude é coerente com as discussões em pauta no Brasil, no final da década de 1980, sobre a

artificialidade dos interiores de shopping centers. O debate culminou com a tendência de vários shopping centers

tentarem se integrar com o exterior. Inicialmente, esse esforço de integração elegeu os dômus como os elementos que

promoveriam uma superação dos ambientes artificiais, inclusive porque por intermédio da iluminação propiciada por

eles, haveria possibilidade de se utilizar vegetação natural em maior escala. A relação com o meio urbano, todavia,

continuava fechada, porém a paisagem interior sofria as variações de luminosidade do dia (Fig.3).

Na década de 1980, como acreditavam alguns sociólogos e antropólogos,

um dos trunfos dos shopping centers foi a negação do urbano real e a criação de

uma atmosfera particular, onde o tempo parecia não passar, onde não se

soubesse se era noite ou dia, se estava calor ou frio, sol ou chuva. Heitor

Frúgoli observou que os shopping centers não dispunham relógios em seus

interiores, um artifício que buscava contribuir para que o consumidor se

desligasse do universo real, marcado pelas relações com as horas38

. Nesse

sentido, um dos sintomas da tentativa de reversão, por parte do Ribeirão

Shopping, deste conceito de interior autônomo, foi a colocação de um relógio na

praça central, que, em conjunto com a instalação dos domus e do plantio de

vegetação natural, concorreu para tal tendência.

A terceira expansão do Shopping, de 1989, também buscou alterar a

decoração interna, num movimento coerente com o dinamismo próprio dos

shopping centes, onde “nada envelhece”. Nesta reforma, a decoração se tornou

densa, com uma paginação de piso feita em vários tipos de granito, com a

introdução de ornamentos dourados e de forro em gesso ornamentado.

A quarta expansão do Ribeirãoshopping aconteceu em 1997. Esta reforma foi a maior de todas as sofridas,

dispondo o dobro da área construída anteriormente. O shopping passou a contar com 240 lojas e 14 salas de cinema,

agora as grandes “âncoras” do empreendimento. Também como “âncoras” se implantaram um grande magazine de

36MÉDICI, Luiz. Entrevista. in: Exame Paulista/março 91, p. 10. 37 MÉDICI, Luiz. Entrevista. Ribeirão Preto, 12/01/01. 38 FRÚGOLI, Heitor JR. Op. Cit., p. 86.

Fig 3. Detalhe do dômus implantado na expansão de 1989 . Fonte: Foto do autor, 1999

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utilidades domésticas e mais uma praça de alimentação. “O shopping passou a contar também com uma rede de

serviços como agência de turismo, sapataria rápida, gráfica, loja de bordados e cabeleireiro”.39

(Fig 4) (Fig. 5)

Foi também a partir desta expansão que o empreendimento esboçou um estreitamento da relação com o

ambiente urbano: a nova praça de alimentação construída se abre para a cidade, através de uma pele de vidro. O novo

acesso projetado simula um espaço urbano tradicional, com fontes e jardins. Os interiores se sofisticaram ainda mais,

com a presença de um átrio encimado por uma grande cúpula envidraçada e a introdução de elevadores panorâmicos.

Neste movimento de simulação da cidade real, o shopping incorporou um dos marcos de Ribeirão Preto: a Choperia

Pingüim, tradicional ponto turístico e de encontro de Ribeirão Preto. Ao ser incorporada ao shopping, a choperia teve

direito até a um ambiente externo, semelhante ao que possui em sua loja no centro, fato raro em shoppings e único no

Ribeirãoshopping.

No final da década de 1990, o Ribeirãoshopping dispunha de recursos poderosos para atrair a clientela:

possibilitava a escolha entre vários filmes, oferecia acesso fácil, estacionamento amplo e uma grande variedade de

lojas. Estes recursos voltavam-se a apenas uma parcela da população, a formada pelas

classes A e B. Entretanto, a ampliação de seu poder de atração depois da quarta expansão, fez com que seus

corredores estivessem constantemente lotados por freqüentadores de quase todas as classes sociais. Tal fato - apesar

dos jornais noticiarem como um sucesso a lotação do Shopping – não foi avaliado por seus administradores como

positivo, pois atrapalhava as vendas40

.

O planejamento desta expansão - apesar da visível migração do padrão de “ancoragem” das lojas de

departamento para o setor de entretenimento e alimentação – reservou espaço a duas grandes lojas. Uma delas foi a

Americanas e a outra foi a loja Madeirense, voltada à materiais de construção e acabamento. Entretanto, a instalação

das Americanas coincidiu com a própria decadência dessa cadeia de lojas. Menos de um ano depois de inaugurada a

loja foi fechada. Foi fechada também a Mesbla, situada na ala antiga. Estas ações marcaram o fim das lojas de

departamento como “âncoras” do Shopping. Em seus lugares foram instalados os Magazines Renner, que

comercializa artigos de vestuário e utensílios domésticos e a Kalunga, um grande armazém que comercializa

produtos para escritório e informática.

Uma das estratégias visíveis adotadas pelo Shopping - que visava a complementação do efeito de atração

exercido pelos cinemas e praças de alimentação - foi a intensificação dos eventos e promoções feitas pelo Shopping.

Em 1998, a campanha de natal sorteou, durante o mês de dezembro, um carro por dia entre os consumidores. Desde

essa data existe um calendário de eventos que inclui shows com artistas consagrados, festivais de teatro infantil e de

dança, shows com artistas locais, além da publicação de uma revista e de desfiles de moda. Este último chama

39 Entrevista de Luiz Médici à revista Revide especial 2000, Dezembro de 1998, p. 23. 40 Em dezembro de 1998, a Folha de São Paulo noticiou o recorde de público do Ribeirão Shopping, cujos corredores tinham

recebido 250 mil freqüentadores em um só dia. (Shopping tem recorde de visitas. Folha de S. Paulo, caderno Ribeirão Preto,

22/12/1998).

Fi. 4. Vista aérea do Ribeirãoshopping após a quarta

expansão.

Fonte: Arquivo Ribeirãoshopping.

Fig. 5. Detalhe da cúpula sobre o novo hall de entrada

criado em 1997.

Fonte: Arquivo Ribeirãoshopping.

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atenção pela magnitude, como ilustrou a reportagem da Folha de São Paulo. Na edição de 1998, foram gastos com a

produção dos desfiles 250 mil reais, despendidos com a contratação de modelos famosos e do mesmo produtor do

Morumbi Fashion week, de São Paulo, considerado o maior evento de moda do país41

.

Nesta última expansão, o foco no setor de serviços em complementação às antigas âncoras é claro. Esta ação

se evidencia na construção de um centro empresarial e de um hotel ligados ao shopping por seu novo acesso, que é

feito diretamente pelo hall dos cinemas, pequenas lojas de prestação de serviços e em seguida pela nova praça de

alimentação. Além disso, cresce a participação do capital financeiro como financiador do empreendimento. A quarta

expansão contou com os fundos de pensão da Caixa e do Banco do Brasil, além de carteira de fundos de

investimento do Banco Schain. Nesse sentido, esta expansão é marcada por uma grande penetração do capital

financeiro no mercantil, movimento este que encontra eco em boa parte dos shopping centers brasileiros.

41 Shopping center desfila tendências da temporada. Folha de S. Paulo, caderno Ribeirão Preto, 27/11/1998.

Fig. 6. Implantação esquemática mostrando a evolução do espaço construído.

Fonte: Elaborado pelo autor através de plantas contidas no arquivo do Ribeiraoshopping.

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Considerações finais O setor brasileiro de shopping centers vem passando por transformações, especialmente desde a década de

1980, quando eles finalmente ganham visibilidade no mercado. As alterações pelas quais passaram os shopping

centers neste período foram intensas, muito embora seus projetos inflexíveis não permitissem grandes saltos. As

expansões e estratégia adotadas pelo Ribeirãoshopping personificam este percurso. Isto se deve talvez ao fato de o

shopping pertencer a uma grande cadeia, responsável por outros empreendimentos iguais, passando a agir em bloco e

sendo, posteriormente, seguidos por outros empreendedores. Nesse sentido, pode-se associar a evolução dos espaços

e estratégias utilizadas pelo Ribeirãoshopping à própria evolução do setor no Brasil. Logicamente podemos encontrar

outros empreendimentos que não se enquadrem dentro do retrato traçado neste artigo, inclusive porque há uma

diversidade em termos de porte, localização, público alvo, entre outros aspectos. Entretanto, a pesquisa procurou

detectar movimentos conjuntos relevantes, que podem ser expressos pela seguinte síntese relativa ao

Ribeirãoshopping , cujas ações puderam ser observadas também em um grande número de shopping centers. (Tab.1)

Tab. 1. Evolução das ações, estratégias e área bruta locável

do Ribeirãoshopping.

Fonte: O autor, após pesquisa junto aos arquivos do

Ribeirãoshopping.

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