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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP GUSTAVO GONÇALVES GOMES O SANEAMENTO COOPERATIVO COMO ROTEIRO DE ORGANIZAÇÃO E DE JULGAMENTO DO PROCESSO DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2016

O SANEAMENTO COOPERATIVO COMO ROTEIRO DE ORGANIZAÇÃO E DE ... · O saneamento cooperativo como roteiro de organização e de julgamento do processo. 2016. 326f. Tese (Doutorado

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

GUSTAVO GONÇALVES GOMES

O SANEAMENTO COOPERATIVO COMO ROTEIRO DE

ORGANIZAÇÃO E DE JULGAMENTO DO PROCESSO

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2016

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Secretaria Acadêmica – Processamento de Dissertações e Teses

GUSTAVO GONÇALVES GOMES

O SANEAMENTO COOPERATIVO COMO ROTEIRO DE

ORGANIZAÇÃO E DE JULGAMENTO DO PROCESSO

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Direito,

sob a orientação do Professor Doutor

João Batista Lopes.

São Paulo

2016

Banca Examinadora:

______________________________

______________________________

______________________________

______________________________

______________________________

Dedico este trabalho aos meus dois

melhores amigos: Lucas e Tom, vocês

são a alegria que faltava em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Ninguém é capaz de vencer grandes desafios sozinho e esta tese de

doutorado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo é resultado

do trabalho indireto de várias pessoas queridas, que sempre me apoiaram e me

fizeram seguir adiante. É o momento, portanto, de demonstrar gratidão.

Agradeço inicialmente ao meu orientador, professor João Batista Lopes, por

me acolher como orientando no Doutorado da PUC-SP e também pelas inúmeras

lições de processo civil, sempre regadas com muita cordialidade, educação e

serenidade.

Ao meu mestre e amigo Cassio Scarpinella Bueno, cuja convivência me

trouxe muito mais do que conhecimento jurídico. Sua amizade, a disponibilidade em

ajudar os alunos e a paixão com que leciona são elementos de inspiração que um

dia desejo replicar em minha vida acadêmica.

Aos amigos Paulo Hoffman, José Felipe Perroni, Sueli Aragão e Mariana

Hadek, pelo incondicional apoio na estruturação das ideias e na revisão do trabalho.

Aos queridos amigos do “Champas”. A amizade de vocês é, sem dúvida, o

maior legado que levarei da PUC-SP. Com vocês por perto fica fácil se interessar

por processo civil.

Aos amigos do CAEL e da PUC-RJ. Tenho saudades de tudo que vivemos

juntos e sempre levarei todos comigo, onde quer que eu esteja.

Aos meus irmãos, Renato e Tatiana, que me trazem exemplos únicos da

força que preciso ter para realizar os meus objetivos. Tenho muito orgulho de vocês.

Ao meu jovem sobrinho Victor Gomes Paixão, cuja amizade e convivência,

ainda que remota, trouxeram-me energia e inspiração para concluir este trabalho.

À minha equipe da Siqueira Castro Advogados, cujo apoio e dedicação

diária me possibilitaram vencer inúmeros desafios profissionais e acadêmicos. Sem

vocês, nada disso seria possível.

À minha esposa Thais e aos meus filhos, Lucas e Antônio, com quem divido

tudo que tenho e tudo que sou. Minhas conquistas são e sempre serão de vocês!

“Se queremos progredir, não devemos

repetir a história, mas fazer uma história

nova.”

Mahatma Gandhi

RESUMO

GOMES, Gustavo Gonçalves. O saneamento cooperativo como roteiro de organização e de julgamento do processo. 2016. 326f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. O saneamento do processo é o foco desta tese. Apesar de ser um tema clássico e de ter assimilado várias influências e reconfigurações ao longo do tempo, a fase de saneamento é muito importante na consecução da principal finalidade do processo civil: a outorga rápida e eficiente da prestação jurisdicional. O estudo, que se desenvolve com a orientação metodológica da abordagem dedutiva e da técnica de pesquisa bibliográfica, pretende, em um primeiro plano, reforçar a necessidade de o saneamento do processo ser realizado com vistas a organizar e preparar a demanda para a sua fase final, definindo-se todas as regras necessárias para que o processo venha a alcançar o seu maior e melhor rendimento; em segundo, realizar uma nova leitura sobre uma temática considerada bem conhecida por todos, de modo a fazer com que as provocações aqui trazidas possam ser muito úteis à modernização do sistema processual civil brasileiro. Para esse propósito, e antes de adentrar a realidade atual fruto da vigência do Código de Processo Civil de 2015, será necessário traçar algumas considerações a respeito das influências estrangeiras sobre o tema e elaborar um breve resumo a respeito do desenvolvimento da fase de saneamento no direito brasileiro, importante para demonstrar de forma objetiva as deficiências existentes no modelo anterior – do Código de Processo Civil de 1973 – e as razões do seu fracasso. Em breve conclusão, pode-se afirmar que a absoluta falta de consciência das partes e dos juízes na utilização da técnica proposta pelo antigo ordenamento processual foram um grande motivo de perda de eficiência da fase de saneamento, a qual era concluída com o “despacho saneador”. As inovações trazidas pelo CPC de 2015 estimulam a existência de um processo civil desenvolvido em regime de colaboração, com várias oportunidades legais para a realização de uma atividade saneadora democrática e efetiva, em benefício de todos os sujeitos do processo. A fase de saneamento do processo e a decisão saneadora que dele advém servem a todos como um verdadeiro roteiro de julgamento da demanda, cujo conteúdo deve ser construído em conjunto – o juiz e as partes. Em um Estado Democrático de Direito é justo e adequado que seja garantido o pleno exercício do contraditório e, principalmente, facultada às partes a indicação (conjunta ou não) das questões de fato e de direito que, na sua visão, devem obrigatoriamente ser objeto de apreciação do juiz em sua sentença. O saneamento, no contexto da marcha processual, mostra-se como a sua principal fase e colabora para que o Estado-juiz possa fazer a entrega da atividade jurisdicional de maneira técnica, adequada, efetiva e justa. Palavras-chave: Saneamento. Princípio da cooperação. Roteiro de julgamento. Instrução processual. Despacho saneador.

ABSTRACT GOMES, Gustavo Gonçalves. The cooperative reorganization as an organization and judgment guide of the process. 2016. 326p. Doctoral thesis (Ph.D. in Law) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. The reorganization measures of the process is the main theme of the thesis .In spite of a classic theme, there are several influences and reconfigurations that need to be re-adjusted over time, the main focus remains to achieve the restructuring of the civil procedure: a fast and efficient guarantee of legal assistance. The study was developed with the methodical orientation of the deductive approach and the technical of the literature search. This study aims, in a first moment, reinforce the need of reorganization measures of the process regarding the organization and preparation of the lawsuit to the fnal phase and setting up the necessary rules, so that the process can reach its highest and best efficiency. Secondly, realize a new meaning of this well-known subject, with the provocations brought up hereby, which can be very useful to modernize the Brazilian Civil Process System. For this purpose, and before getting in the current reality, which is the result of the effectiveness of of Civil Procedure Code of 2015, we need to draw some considerations about the foreign influences on the issue and prepare a brief summary of the development of the reorganization measures in Brazilian’s law. It’s important to demonstrate, as well, objectively, the deficiencies in the previous model - the Civil Procedure Code of 1973 - and the reasons of its failure. In a brief conclusion, we can say that the absolute lack of awareness of the parties and the judges in the use of the old technical proposed in the previous procedural law was a major cause of loss of efficiency in the reorganization measures phase, which was completed with the "reorganization measure instruction". The innovations introduced by the Civil Procedure Code of 2015 promote the existence of a civil process in cooperation with several legal possibilities for the realization of a democratic and effective restructuring process, for the benefit of all parties involved in the process. The reorganization measures phase of the process and its decision serves as a judgment guide of the lawsuit, whose the content should be worked by the judge and the parties. In a law democratic state, it is right and appropriate to guarantee the “full right of adversarial exercise”; in particular, the judge must necessarily provide the parties (jointly or separately) the grounds of his judgment, based on the fact and the law. The Reorganization, in the context of procedural motion, is the main phase and enables the State, represented by the judge,to exercise the judicial activity in a technical manner, appropriate, effective and equitable. Keywords: Reorganization measures. Principle of cooperation. Judgement guide. Procedural instruction. Reorganization measure instruction.

ZUSAMMENFASSUNG GOMES, Gustavo Gonçalves. Die gemeinschaftliche restrukturierung mit richtlinien zur organisation und beurteilung des prozesses. 2016. 326b. These (Doktorarbeit) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. Die Restrukturierungsmaßnahme des Prozesses sind das Hauptthema der These. Trotz

eines klassischen Themas, gibt es mehrere Einflüsse und Neukonfigurationen, die im

Laufe der Zeit neu angepasst werden müssen, der Hauptzweck bleibt die grundlegende

Bedeutung die Restrukturierungsmaßnahme des Zivilverfahrens zu erreichen, d. h. eine

schnelle und effiziente Gewährleistung der Rechtshilfe. Die Studie wurde entwickelt mit

der methodischen Ausrichtung des deduktiven Ansatzes und mit Hilfe der Fachliteratur,

als Erstes wird angestrebt, die Notwendigkeit der Restrukturierung des Prozesses im

Hinblick auf die Organisation und Vorbereitung der Klage zu verstärken bis hin zur

letzten Phase und notwendige Regeln zu definieren, so dass der Prozess seine höchste

und beste Effizienz erreicht. Zweitens, verwirklichen einer zeitgerechten Bedeutung

eines gut bekannten Themas, mit beabsichtigten Provokationen, welche sehr nützlich

sein können, um das brasilianische Zivilprozesssystem zu modernisieren. Zu diesem

Zweck ist es erforderlich auf die aktuelle Realität einzugehen, die das Ergebnis der

Wirksamkeit des ZPO von 2015 ist, wir müssen einige Überlegungen über die

ausländischen Einflüsse auf das Thema anstellen und noch eine kurze

Zusammenfassung über die Entwicklung der Restrukturierungsmaßnahme des

brasilianischen Rechts vorbereiten. Es ist auch wichtig sachlich die Mängel des

Vorgängermodells der Zivilprozessordnung von 1973 zu demonstrieren und die Gründe

ihres Scheiterns. In einer kurzen Fassung können wir sagen, dass der absolute Mangel

an Bewusstsein der Parteien und der Richter bei der Verwendung der vorigen Regeln

des Zivilprozesses eine wichtige Ursache für den Verlust von Effizienz der

Restrukturierungsphase waren, welche abgeschlossen wurden mit der "Anweisung einer

Restrukturierungsmaßnahme". Die vom ZPO 2015 eingeführten Innovationen fördern die

Existenz eines Zivilprozesses in Zusammmenarbeit mit mehren rechtlichen

Möglichkeiten zur Verwirklichung einer demokratischen und effektiven

Restrukturierungsmaßnahme, zum Nutzen aller Beteiligten des Prozesses. Die

Restrukturierungsphase eines Prozesses bis hin zur Entscheidung einer Klage sind

echte Richtlinien hilfreich, deren Inhalte sollten zusammen von Richtern und den

Parteien erarbeitet werden. In einem rechts demokratischen Staat ist es richtig und

angemessen ein volles Widerpruchsrecht zu garantieren, vor allem muss der Richter

notwendigerweise den Parteien (gemeinsam oder getrennt) die Begründung seines

Urteils, basierend auf der Tatsache und des Gesetzes, zur Verfügung stellen. Die

Restrukturierung im Zusammenhang des Prozessvefahrens ist die Hauptphase und

ermöglicht dem Staat, als Rechtsorgan, eine angemessene, technische, effektive und

gerechte Rechtsprechung auszuüben.

Stichwort: Restrukturierungsmaßnahme. Prinzip der zusammenarbeit. Rechtlinien der

rechtsprechung. Verfahrensanweisung. Anweisung der restrukturerungsmaßnahme.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1

O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO E O PAPEL DOS SUJEITOS

DO PROCESSO (JUÍZES E PARTES)

1.1 O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988:

A DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO.................................................................. 21

1.2 O CRESCIMENTO DA CULTURA DA LITIGIOSIDADE NO BRASIL

E O DEMANDISMO EXACERBADO ......................................................................... 28

1.3 REFORMAS PROCESSUAIS E TENTATIVAS DE ADEQUAÇÃO

DO PROCESSO AO NOVO CENÁRIO CONSTITUCIONAL .................................... 36

1.4 O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS PREMISSAS

QUE O NORTEARAM ............................................................................................... 50

1.5 DEVERES DO JUIZ NO NOVO PROCESSO CIVIL ........................................... 58

1.6 DEVERES E POSTURA DAS PARTES NO PROCESSO CIVIL ........................ 69

1.7 COMBATE À LITIGIOSIDADE ............................................................................ 77

1.8 DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS .......................... 83

1.9 DEVER DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EFETIVA: COMBATE À

JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA .............................................................................. 90

1.10 ESTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA: FIM DO JUDICIÁRIO COMO

LOTERIA ................................................................................................................... 97

CAPÍTULO 2

DESPACHO SANEADOR: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E BREVES NOTAS

DE DIREITO ESTRANGEIRO

2.1 REFERENCIAIS DO DESPACHO SANEADOR NO DIREITO BRASILEIRO ... 106

2.2 O DESPACHO SANEADOR SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

DE 1939 .................................................................................................................. 113

2.3 O SANEAMENTO DO PROCESSO SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL DE 1973 ........................................................................................................ 119

2.4 BREVES NOTAS SOBRE A METODOLOGIA ANALÍTICA DO DIREITO

ESTRANGEIRO ...................................................................................................... 134

2.5 O SANEAMENTO DO PROCESSO EM PORTUGAL ....................................... 138

2.6 O SANEAMENTO DO PROCESSO NA ITÁLIA ................................................ 146

2.7 O SANEAMENTO DO PROCESSO NA ESPANHA .......................................... 153

2.8 O SANEAMENTO DO PROCESSO NA INGLATERRA .................................... 158

2.9 O MODELO DE STUTTGART ........................................................................... 161

CAPÍTULO 3

O SANEAMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

3.1 O SANEAMENTO SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 ... 166

3.2 SANEAMENTO DO PROCESSO E DEMOCRACIA: A RELAÇÃO ENTRE OS

SUJEITOS DO PROCESSO NA CONSTRUÇÃO DA DECISÃO SANEADORA .... 171

3.3 A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO NA CONSTRUÇÃO DO DESPACHO

SANEADOR E A FIXAÇÃO DAS QUESTÕES RELEVANTES NA VISÃO DAS

PARTES .................................................................................................................. 175

3.4 HIPÓTESES DE REALIZAÇÃO DO SANEAMENTO DO PROCESSO ............ 180

3.5 APROVEITAMENTO DO PROCESSO: RESOLUÇÃO DAS QUESTÕES

PROCESSUAIS PENDENTES (Art. 357, inc. I, do CPC de 2015) .......................... 185

3.6 DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES DE FATO SOBRE AS QUAIS RECAIRÁ A

ATIVIDADE PROBATÓRIA: ESPECIFICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA

(Art. 357, inc. II, do CPC de 2015) .......................................................................... 191

3.7 DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA: A LIBERDADE DO JUIZ

NA INSTRUÇÃO DO PROCESSO (Arts. 357, inc. III, e 373 do CPC de 2015) ...... 199

3.8 DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES DE DIREITO RELEVANTES PARA A

DECISÃO DE MÉRITO (Art. 357, inc. IV, do CPC de 2015) ................................... 206

3.9 DESIGNAÇÃO, SE NECESSÁRIO, DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E

JULGAMENTO (Art. 357, inc. V, do CPC de 2015) ................................................. 211

3.10 AVALIAÇÃO, PELAS PARTES, DO DESPACHO SANEADOR E EVENTUAL

PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS E AJUSTES NO PRAZO DE CINCO DIAS

(Art. 357, § 1º, do CPC de 2015) ............................................................................. 215

3.11 ESTABILIDADE DO DESPACHO SANEADOR E SUA

IRRECORRIBILIDADE APÓS A MANIFESTAÇÃO DAS PARTES ......................... 219

3.12 APRESENTAÇÃO CONJUNTA, PELAS PARTES, DAS QUESTÕES DE

FATO E DE DIREITO RELEVANTES PARA O JULGAMENTO DA LIDE E

VINCULAÇÃO DO JUIZ AOS TERMOS HOMOLOGADOS

(Art. 357, § 2º, do CPC de 2015) ............................................................................. 225

3.13 DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA ESPECIAL DE SANEAMENTO PARA

TRATAMENTO DE CASOS COMPLEXOS: DEVER DE COOPERAÇÃO

E VALORIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ORALIDADE

(Art. 357, § 3º, do CPC de 2015) ............................................................................ 232

3.14 OUTRAS PROVIDÊNCIAS PREVISTAS NO ARTIGO 357 DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL: NOVAS REGRAS A RESPEITO DA AUDIÊNCIA DE

INSTRUÇÃO E JULGAMENTO .............................................................................. 237

CAPÍTULO 4

O SANEAMENTO COMO ROTEIRO VINCULATIVO DE ORGANIZAÇÃO

E DE JULGAMENTO DO PROCESSO

4.1 A COOPERAÇÃO ENTRE OS SUJEITOS DO PROCESSO COMO

EVOLUÇÃO, REFORÇO E NOVA FACETA DO PRINCÍPIO DO

CONTRADITÓRIO .................................................................................................. 242

4.2 NEGÓCIO PROCESSUAL E INTERVENÇÃO DAS PARTES NO CURSO

DO PROCESSO ...................................................................................................... 248

4.3 O SANEAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL

E DE DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO: POR QUE DEVEMOS GARANTIR

A SUA REALIZAÇÃO? ............................................................................................ 253

4.4 O SANEAMENTO PRELIMINAR: UMA IDEIA PARA OBJETIVAR A DEMANDA

E ORGANIZAR AS QUESTÕES RELEVANTES (DE FATO E DE DIREITO)

DA CAUSA DESDE O SEU INÍCIO ......................................................................... 263

4.5 RECONFIGURAÇÃO NECESSÁRIA DO DESPACHO “EM PROVAS”:

A INDIVIDUALIZAÇÃO, PELAS PARTES, DAS QUESTÕES RELEVANTES

AO JULGAMENTO DA LIDE ................................................................................... 273

4.6 A NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO JUIZ ÀS QUESTÕES DE FATO E DE

DIREITO APRESENTADAS PELAS PARTES: PARIDADE DE ARMAS E DEVER

DE ENFRENTAMENTO, PELO JUIZ, DE TODOS OS FUNDAMENTOS

CONTIDOS NA AÇÃO ............................................................................................ 282

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 296

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 304

INTRODUÇÃO

O Brasil é um país atípico: cultura e sociedade são influenciadas por

aspectos que valorizam a construção de relações litigiosas. Esse cenário produz

impactos negativos, ocasionando grandes efeitos colaterais nas engrenagens

econômicas e sociais da nação. A anomalia relacionada à cultura da litigiosidade

exige de todos nós uma série de reflexões sobre como lidar e principalmente como

mudar essa realidade tão perniciosa.

Muitas iniciativas já foram tomadas no afã de minimizar os impactos

negativos causados pela quantidade exagerada de processos judiciais. Das

inúmeras medidas implementadas, pode-se dizer que a campanha pelo acesso à

justiça, trazida no bojo da ordem constitucional de 1988, democratizou a relação do

jurisdicionado com o Poder Judiciário. Hoje, a sociedade brasileira conta com muitos

instrumentos de apoio ao jurisdicionado para a solução de seus conflitos. Apesar

disso, ainda há um grande caminho a avançar na construção de um modelo

jurisdicional capaz de resolver todos os problemas com efetividade, em curto espaço

de tempo e com a certeza de que o direito não venha a perecer.

A legislação processual, bem sabemos, é uma forte aliada na resolução dos

litígios de forma mais dinâmica e adequada. Um olhar para os códigos de processo

civil que entraram em vigor no Brasil ao longo dos anos permite inferir que os

instrumentos processuais colocados à disposição dos jurisdicionados são poderosas

ferramentas que contribuem para a outorga da prestação jurisdicional.

Apesar de o ordenamento possuir bons mecanismos técnicos para a solução

de conflitos, ainda assim, sempre haverá oportunidade de melhorar e de inovar para

beneficiar o conjunto da sociedade e, última forma, perseguir a pacificação social.

Foi com este espírito que o legislador, apoiado por inúmeros estudiosos do Direito e

por processualistas, especificamente, iniciou um grande movimento com a finalidade

de rever, em detalhes, o Código de Processo Civil de 1973 (CPC de 1973).

Como é cediço, o CPC de 1973 recebeu grande influência do direito italiano

e, mesmo assim, foi concebido com características técnicas muito eficientes para a

realidade brasileira. Por outro lado, mesmo considerado um bom código, como se

trata de uma lei antiga, com mais de quarenta anos de vigência, precisava ser

atualizado com vistas a adequá-lo às necessidades da sociedade contemporânea e

14

principalmente resolver muitos dos problemas que o antigo sistema processual não

conseguiu solucionar.

De todas as propostas oferecidas pelo legislador ao sistema processual civil

brasileiro que entrou em vigor no ano de 2015 – o Código de Processo Civil de 2015

(CPC de 2015) –, pode-se dizer que houve uma grande tentativa de democratização

do sistema para sintonizá-lo com a ordem constitucional implantada em 1988. Para

esse propósito, ganhou força uma nova e firme tendência relativa à

constitucionalização do processo civil brasileiro, consequência inevitável e muito

bem-vinda.

O fenômeno da constitucionalização do processo civil deu novo ritmo e novo

fôlego a todo o sistema, o que certamente viabiliza a obtenção de resultados mais

firmes, legítimos e efetivos. Mas não custa lembrar que uma nova lei, por si só, não

tem o condão de mudar a mentalidade e a cultura de uma nação. Esta constatação

baliza a reflexão de que o CPC de 2015 só atingirá os resultados esperados se

todos estiverem dispostos a lutar contra a cultura da litigiosidade e, também, fazer

cessar o costume de utilizar o processo civil como estratégia técnica para defesa de

direitos nem sempre defensáveis.

O processo deve, portanto, servir como instrumento de proteção do direito

material. É dele a função de viabilizar a outorga da prestação jurisdicional, não

sendo coerente a sua utilização com finalidade contrária. Nessa senda, a criação de

um processo mais participativo é o caminho saudável a ser seguido por todos,

especialmente em um país como o Brasil, onde se defende a ferro e fogo a

manutenção de um Estado Democrático de Direito.

O sistema processual civil anterior, que em diversas oportunidades favorecia

certo distanciamento entre o juiz e as partes, não é um modelo que se sustenta

diante da atual realidade brasileira e da necessidade de uma tutela jurisdicional mais

célere e efetiva. No novo contexto, a atuação de um juiz mais participativo é o que

se entende como o melhor caminho a seguir na busca de um processo democrático

e sintonizado com as garantias asseguradas pelo Estado Democrático de Direito.

O legislador, por seu turno, ouviu o clamor daqueles que sonhavam contar

com um processo mais participativo e mais colaborativo, no qual todos os sujeitos,

mesmo defendendo posições antagônicas, colaboram para a prolação de uma

decisão judicial fundamentada eficiente, rápida e justa. Essa nova tendência pode

ser observada em vários trechos do CPC de 2015, desde o início, quando deixa

15

patente que o primeiro ato a ser praticado pelas partes se refere a uma tentativa

amistosa de conciliação, até os seus termos finais, quando delega mais poderes-

deveres ao juiz, facultando-lhe a adoção de medidas coercitivas e criativas que

possam facilitar e garantir o cumprimento de suas sentenças, com a consequência

de conceder à parte vencedora da demanda aquilo que lhe é de direito.

De todas as ocorrências que permitem constatar a existência de um

processo civil mais democrático e mais participativo, o “saneamento do processo” é

uma das atividades mais importantes para o sucesso dessa empreitada; não o

simples saneamento conduzido somente pelo juiz, mas sim um saneamento

cooperativo com a efetiva participação também das partes1.

A propósito, é importante registrar que o saneamento do processo já era

uma fase extremamente importante no bojo do Código de Processo Civil de 1973

(CPC de 1973), mas, por circunstâncias que serão apresentadas neste estudo, não

surtiu o resultado esperado. A regra imposta no artigo 331 do CPC de 1973 foi

praticamente ignorada e negligenciada pelos juízes, pois poucos magistrados

desenvolviam a atividade de saneamento do processo conforme o legislador propôs,

descolando-se do compromisso do Estado-juiz com o jurisdicionado: a marcha

processual deve fluir com mais rapidez, transparência e engajamento das partes.

Esse é um dos principais problemas que serão abordados no decorrer deste

trabalho.

Com o intuito de rever e consertar as falhas cometidas no CPC de 1973, o

legislador, lançando mão das premissas constantes do artigo 331 do CPC pretérito,

propôs uma nova dinâmica para o desenvolvimento da atividade saneadora,

conforme consigna de forma detalhada o artigo 357 do CPC de 2015.

Em breve resumo, as atividades propostas pelo artigo 357 do CPC atual são

muito precisas no sentido de permitir ao juiz um bom desempenho da fase

saneadora do processo, utilizando-a como oportunidade para organizar as medidas

necessárias à outorga da prestação jurisdicional.

O tema “saneamento do processo” é deveras instigante quando se tem em

1 Paulo Hoffmann talvez seja um dos maiores estudiosos sobre esse tema e desenvolveu rico

trabalho acadêmico que culminou em sua tese de doutorado pela PUC-SP, na qual denominava esse tipo de saneamento como “saneamento compartilhado”. Contudo, o CPC de 2015 trouxe um novo conceito a ser explorado no processo civil, dando maior relevo ao princípio da colaboração, que influencia indiscutivelmente a fase de saneamento do processo. Nada mais justo, portanto, tratar do tema como saneamento cooperativo, o que não retira o ineditismo e o brilho das ideias outrora apresentadas por Hoffman no seu livro intitulado “Saneamento compartilhado”.

16

mente que, se esta etapa da marcha processual for tratada pelo legislador da atual

ordem processual civil com o devido cuidado e técnica, desaguará em um processo

de escopo mais bem definido na medida em que permite ao juiz e também às partes

indicar com mais naturalidade as provas e os elementos necessários à constituição

de uma decisão de qualidade.

A fase processual a que se destina o saneamento precisa ser encarada por

todos os sujeitos do processo como um verdadeiro roteiro de julgamento, por meio

do qual o juiz e as partes devem estar vinculados ao seu conteúdo de forma ampla,

garantindo que suas expectativas a respeito das matérias de fato e de direito

apresentadas possam ser plenamente atendidas.

O roteiro de julgamento, que se estabelece praticamente no meio do

processo, pode ser iniciado, ainda que de forma prévia, no momento da propositura

da demanda. No âmbito da concepção de colaboração, a fase saneadora do

processo pode muito bem ser considerada instrumento de pacificação social,

especialmente quando se concebe que o juiz, no exercício de sua função, pratica

todos os atos necessários para que as consequências advindas da causa de pedir

explicitada na lide sejam concluídas de forma satisfatória e definitiva.

O tratamento amplo e adequado dos fatos que dão ensejo à propositura da

demanda e ao encaminhamento justo e efetivo de todas as consequências (e não

somente de parte das consequências) relativas à mesma causa de pedir são

medidas necessárias para a solução definitiva e satisfatória da questão, impedindo

que em outras oportunidades as partes venham a se insurgir contra aquilo que fora

decidido.

Não obstante o tema objeto deste estudo já ter sido tratado por outros

juristas, a atenção aqui se manterá voltada para as novas oportunidades de melhoria

na forma como deve ser acolhida a atividade saneadora no âmbito da legislação

processual civil pátria. Com foco nessa realidade, o principal propósito que move o

presente esforço de pesquisa, e com a esperança de dar uma contribuição de fundo

teórico-prática à evolução do processo civil brasileiro como técnica e como

instrumento de prestação jurisdicional, é demonstrar como o saneamento pode ser

um importante aliado no árduo compromisso de modernizar o processo civil pátrio,

projetando-o para a obtenção do melhor rendimento possível. Para atingir este

desiderato será necessário tratar a decisão saneadora como roteiro a ser seguido

pelo juiz na sua tarefa de organizar e julgar as causas que lhe são submetidas, sem

17

olvidar que a colaboração efetiva das partes é uma premissa indispensável à

obtenção do resultado final esperado.

No plano metodológico, a pesquisa se orienta pelo raciocínio da abordagem

dedutiva, aquele que abrange uma concepção mais ampla ou geral sobre

determinado tema para, a partir dela, construir uma proposição individualizada da

questão-problema que o pesquisador deseja solucionar. Para trilhar esse caminho,

adota-se como técnica a pesquisa bibliográfica2, necessária para reunir o referencial

teórico de base sobre a temática escolhida, especificamente livros, revistas,

periódicos e sites de interesses, que compõem a doutrina nacional e internacional, e

também a jurisprudência pertinente. Em particular, e para a plena concepção e

estudo do tema aqui proposto, de acordo com o direito positivado brasileiro e a

melhor doutrina, alguns importantes aportes teóricos serão retirados da obra do

processualista Galeno Lacerda, cujo trabalho a respeito do “despacho saneador”

tornou-se clássico no âmbito do direito processual civil, sendo de especial interesse

para aqueles que pretendem conhecer com profundidade a atividade saneadora

desempenhada pelo juiz. Ainda, apesar de a legislação processual brasileira abarcar

um rico histórico e precedentes legítimos sobre o despacho saneador, para que a

presente pesquisa fique mais completa, será importante incursionar no processo civil

de sistemas alienígenas quanto ao procedimento de saneamento, especificamente

Itália, Espanha, Portugal e Inglaterra.

O estudo, que dá corpo ao relatório da pesquisa então empreendida,

estrutura-se em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, o olhar argumentativo é dirigido ao “novo processo civil

brasileiro”; que retrata uma concepção mais contemporânea dos reais objetivos da

nossa legislação processual. Se, por um lado, a democratização do acesso à justiça

foi uma grande conquista para o nosso Estado Democrático de Direito, por outro, a

campanha de acesso à justiça trouxe a todos um inevitável efeito colateral

indesejado, que é o crescimento exponencial da cultura da litigiosidade e o

2 “A pesquisa bibliográfica ou fonte secundária abrange toda bibliografia já publicada relacionada ao

tema em estudo, desde livros, jornais, revistas, monografias, dissertações, teses, incluindo outras fontes como eventos científicos, debates, meios de comunicação como televisão, rádio, vídeos, filmes etc. [...] é de fundamental importância porque consiste no primeiro passo de qualquer estudo, tanto em nível lato sensu com stricto sensu. É através de uma pesquisa bem feita que se torna possível a fundamentação de todos os dados de uma questão e, por conseguinte, oferece a fundamentação teórica para o problema.” FIGUEIREDO, Antônio Macena de; SOUZA, Soraia Riva Goudinho de. Como elaborar projetos, monografias, dissertações e teses. Da redação científica à apresentação do texto final. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 88.

18

demandismo exacerbado no Brasil. Uma das principais bandeiras levantadas pelo

legislador na criação do CPC de 2015 alude à identificação de mecanismos técnicos

estruturais que possam minimizar o número de processos em curso no Brasil. Para

tanto, será necessário tratar o processo civil da forma como ele foi idealizado, ou

seja, uma ciência jurídica viabilizadora da defesa do direito material, compromissada

com a finalidade para a qual foi criada. Abordar o novo processo civil brasileiro

requer uma breve digressão a respeito das várias reformas processuais feitas após

a vigência do CPC de 1973 e as consequentes tentativas de adequação da

legislação processual ao cenário pós-Constituição de 1988. Outras questões que

influenciam de forma negativa a performance nas excelentes ideias técnicas

sugeridas pela doutrina processual moderna também serão enfrentadas,

especialmente as deficiências estruturais do Poder Judiciário que impedem o

desempenho a contento de sua nobre e constitucional missão. A falta de estrutura,

aliada à falta de vontade política na realização de mudanças profundas no sistema

são verdadeiros inimigos do Estado Democrático de Direito e, por tal razão,

merecem tratamento e atenção especiais. O novo processo civil exige um

reposicionamento da função de todos os sujeitos processuais, especialmente o

magistrado. O juiz do processo contemporâneo precisa conduzir o processo de

forma ofensiva (para frente), dedicando-se a obter um único e simples objetivo, que

é conceder às partes, de forma adequada e rápida, aquilo que lhes é de direito. Por

último, serão abordadas as razões motivadoras e as premissas que, visando

configurar um novo processo civil brasileiro, acabaram por alimentar de forma

generosa as ideias e os elementos que compuseram os trabalhos voltados à criação

do CPC de 2015.

O segundo capítulo se dedica à evolução histórica do despacho saneador e

a breves notas de direito estrangeiro. Para tanto, será importante, de plano,

relembrar como o Código de Processo Civil de 1939 (CPC de 1939) tratou o tema e,

logicamente, conhecer quais as propostas indicadas pelo legislador que culminaram

na proposição do CPC de 1973. A avaliação sobre a maneira como a fase instrutória

e principalmente a atividade saneadora do processo é desempenhada nos países

estrangeiros se revela um importante indicador e potencializador das provocações

construtivas que serão apresentadas no último capítulo. Afinal, o direito processual

civil brasileiro não foi constituído em sua essência de forma isolada, ao contrário,

sofreu forte influência do processo de outros países, especialmente colaborações

19

recebidas do direito italiano. A utilização de modelos processuais estrangeiros para

complementação dos estudos relativos ao direito processual civil brasileiro é uma

grande oportunidade de aprendizado e, por consequência, de melhoria daquilo que

já foi construído. Desta feita, uma simples abordagem a respeito da existência ou

não de atividade saneadora dos juízes nos modelos estrangeiros escolhidos não é

suficiente, o que força uma análise apurada de outros elementos que compõem o

modelo processual nesses países. Bem por isso, como o saneamento do processo é

ato que apesar de ter uma carga colaborativa de todos os sujeitos do processo

confia no juiz como principal condutor da fase cognitiva, é importante conhecer a

atuação dos magistrados em cada um dos países que serão estudados. O passo

seguinte será conhecer o modelo de Stuttgart, que entre várias outras premissas e

características defende uma atuação mais efetiva, compartilhada e proativa dos

magistrados na atividade saneadora.

O conteúdo do terceiro capítulo é a abordagem crítica e construtiva das

inovações trazidas pelo CPC de 2015 a respeito do saneamento do processo. Para

tanto, será necessário resgatar as principais influências que ensejaram a redação do

atual artigo 357 do CPC, o qual propôs o modelo de saneamento compartilhado do

processo. Essa proposta representa, entre outras características, a adequação do

antigo modelo de saneamento ao Estado Democrático de Direito brasileiro, que

pressupõe a configuração de uma relação cooperativa entre todos os sujeitos do

processo. O estudo do saneamento do processo no CPC de 2015, também objeto

de abordagem, trata das hipóteses processuais que justificam o desempenho de

referida atividade; mais do que isso, traz exemplos práticos a respeito de como

devem ser resolvidas as questões processuais pendentes A fase de saneamento,

que também será tratada, servirá para assegurar ao processo uma perfeita

organização e delimitação das questões de fato sobre as quais recairá a atividade

probatória. Esta delimitação é premissa básica para se garantir ao magistrado o

exercício da melhor técnica dedicada à especificação dos meios de prova que serão

aplicados ao processo; tudo no intuito da constituição consistente dos elementos

que serão indispensáveis à formação do convencimento do magistrado. O

estabelecimento de uma relação harmônica na construção do despacho saneador é

uma clara influência dos princípios constitucionais no novo processo civil e traduz

um processo constitucional que o legislador idealizou ao construir o CPC de 2015.

Neste cenário, é preciso conciliar as diferentes visões e necessidades das partes e

20

dos magistrados a respeito da técnica que deve ser utilizada na fixação dos pontos

controvertidos. Para as partes, a fixação dos pontos controvertidos trará maior

conforto e tranquilidade na medida em que terão a certeza de que os temas de

maior importância serão tratados/enfrentados, de forma positiva ou negativa, pelo

magistrado em sua sentença. Para o juiz, a definição dos pontos controvertidos com

a colaboração das partes é uma premissa fundamental para a construção de um

verdadeiro roteiro de julgamento cuja estratégia precisa comportar uma abordagem

lógica e racional de todos os itens que foram ventilados e efetivamente importantes

para a configuração de um raciocínio lógico na construção da sentença. Ainda, no

tocante à atividade cognitiva, serão resgatados elementos importantes da nova

metodologia imposta pelo CPC de 2015, que trouxe em seu bojo uma regra mais

flexível de distribuição do ônus da prova, aplicando-se-lhe a já conhecida teoria da

carga dinâmica das provas, que no Brasil é representada pelo grande estudioso e

defensor, o professor João Batista Lopes.

O último capítulo enfrenta a tese que se pretende defender com este estudo:

o saneamento como roteiro vinculativo de organização e de julgamento do processo.

Nele, reúnem-se as principais ideias e, especialmente, as propostas a respeito

daquilo que deve ser considerado e realizado no bojo da constituição de um

saneamento mais participativo e compartilhado, que junto com estratégias dedicadas

à organização do processo permitirão o estabelecimento de uma regra voltada à

formação de um instrumento de pacificação social. No centro das ideias e das

propostas que se pretende apresentar está a condução, pelo juiz, do atual processo

civil, que demanda e requer muito mais do que o simples conhecimento técnico. A

configuração do saneamento processual como roteiro de julgamento faz, inclusive,

refletir sobre a eventual necessidade de construção de um saneamento prévio, que

deveria ocorrer logo no início da demanda. O saneamento prévio, portanto, será

uma proposta trazida neste trabalho a título de provocação e, principalmente, com a

finalidade de colaborar com a construção de um modelo processual civil cada vez

mais eficiente, objetivo e democrático. Por fim, como o principal foco de todos é a

criação de um processo efetivo, a derradeira reflexão recai sobre a possibilidade de

se utilizar o saneamento compartilhado como oportunidade de delimitação definitiva

da demanda, criando-se uma espécie de direcionamento do processo de acordo

com o enfrentamento das questões de fato e de direito relevantes para o julgamento

da lide.

21

CAPÍTULO 1

O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO E O PAPEL DOS SUJEITOS

DO PROCESSO (JUÍZES E PARTES)

1.1 O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988: A

DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO

Antes de adentrar o tema a que se dedica o presente estudo, é importante

analisar a influência da Constituição Federal, promulgada em 1988, sobre o

processo civil brasileiro, especificamente no tocante ao direito fundamental de

acesso à justiça, igualmente designado como direito à inafastabilidade do controle

jurisdicional.

A Constituição Federal representou a transição de um Estado ditatorial para

um Estado Democrático de Direito3 quando passou a reconhecer direitos

fundamentais e sociais a todos os indivíduos, entre eles a garantia de acesso ao

Poder Judiciário4. A finalidade da democratização do acesso à justiça é justamente

3 Delosmar Mendonça Junior leciona sobre os princípios que compõem e decorrem do Estado

Democrático de Direito: “Podemos apontar que o princípio do Estado Democrático de Direito é princípio estruturante, do qual, entre outros, decorrem os princípios de igualdade e do devido processo legal como princípios constitucionais gerais, os quais, por sua vez, levam à norma do contraditório e da ampla defesa na qualidade de princípio constitucional especial. ‘Os princípios estruturantes ganham densidade e transparência através das suas concretizações (em princípios gerais, princípios especiais e regras), e estas formam com os primeiros uma unidade material (unidade da Constituição). Todos estes princípios e regras poderão ainda obter maior grau de concretização e densidade através da concretização legislativa e jurisprudencial’. Os Direitos e garantias fundamentais constituem um conjunto normativo-constitucional de especial importância prevendo limitações do poder estatal e assegurando valores e ideias sócio-políticas tendo como finalidade o respeito à dignidade humana. Seguimos Calmon de Passos, na clara visão de que ‘só é legítimo Estado de direito aquele que defere aos indivíduos direitos que a ele, Estado, possam ser oponíveis. E esses direitos fundamentais, para que sejam exaustivos, devem não só dizer respeito à segurança econômica dos cidadãos. E apenas serão efetivamente direitos se providos de instrumentos, também constitucionalmente assegurados, que lhe permitam sempre se fazer efetivos, quando violados’. Parte da doutrina registra distinções entre direitos e garantias fundamentais. O assunto remonta a Rui Barbosa, fazendo a diferenciação entre as disposições meramente declaratórias dos direitos e disposições assecuratórias, todavia, admitindo a possibilidade de fixação da garantia no mesmo dispositivo que declara o direito. Acompanhamos Canotilho, no entendimento de que as clássicas garantias são também direitos. O que caracteriza a natureza de garantias é a instrumentalidade na proteção de direitos. Muitas vezes um direito é ao mesmo tempo garantia de proteção de outros direitos.” (Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 49). 4 Artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

22

possibilitar que qualquer um5 recorra ao Judiciário para resguardar os seus direitos

em eventual ameaça ou lesão6.

De acordo com os ensinamentos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth7,

“acesso à justiça” é o sistema que permite que as pessoas possam “reivindicar seus

direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema

deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que

sejam individual e socialmente justos".

Considerada em sua acepção estrita, a expressão “acesso à justiça”, para

Kazuo Watanabe8, é mera "garantia formal de postulação jurisdicional, de acesso ao

Poder Judiciário". Na acepção ampla, denota “preocupação com a questão da

educação, com a orientação jurídica, para as pessoas melhor reconhecerem os seus

direitos e agirem de forma a melhor potencializá-los"9.

Em relação ao processo civil, pano de fundo deste trabalho, é importante

ressaltar que o CPC de 1973, apesar de anterior à Carta Cidadã, não apresentava, a

princípio, disposições em desacordo com os preceitos constitucionais. Apenas se

procedeu a uma adequação na interpretação da lei processual civil vigente, à luz dos

princípios da ordem constitucional de 1988. Para tanto, foi necessário criar

ferramentas e definir mecanismos adequados à efetivação da garantia constitucional

de acesso à justiça, de modo a concretizar a ideologia de democratização. Esta

intervenção deveria estar atenta às expectativas e às exigências de uma sociedade

5 Não somente indivíduos. Também possuem este direito as pessoas jurídicas, os órgãos

administrativos e as chamadas pessoas formais, entre as quais se enquadram o condomínio, a massa falida e o espólio. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 1. p. 90-91). 6 A Constituição Federal de 1988 garante ao cidadão não apenas a tutela jurisdicional reparatória, em

efetiva lesão, mas igualmente a tutela preventiva, em caso de ameaça de lesão a direito. Segundo Fredie Didier Jr., “quando a Constituição fala de exclusão de lesão ou ameaça de lesão do Poder Judiciário quer referir-se, na verdade, à impossibilidade de exclusão de alegação de lesão ou ameaça, tendo em vista que o direito de ação (provocar a atividade jurisdicional) não se vincula à efetiva procedência do quanto alegado; ele existe independentemente da circunstância de ter o autor razão naquilo que pleiteia; é direito abstrato” (Direito à inafastabilidade do poder judiciário. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Coord.). Direitos constitucionalizados. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 166). 7 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen G. Northfleet. Porto Alegre:

Fabris, 1988. p. 8. 8 WATANABE, Kazuo. Assistência judiciária como instrumento de acesso à justiça. Revista da

Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 22, 1984. p. 87. 9 WATANABE, Kazuo. Assistência judiciária como instrumento de acesso à justiça. Revista da

Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 22, 1984. p. 87.

23

igualitária, em respeito, assim, a um dos alicerces da própria democracia10. Mais do

que isso, conforme alerta João Batista Lopes11, é preciso ter muito cuidado sobre a

forma como a legislação constitucional influencia a processual.

A supervalorização dos princípios constitucionais do processo acarreta também o risco de desprezar por completo a legislação processual como se todas as causas pudessem ser resolvidas com a aplicação direta da Constituição. A invocação de princípios constitucionais não pode erodir normas técnicas e requisitos necessários ao desenvolvimento do processo (por exemplo, os prazos processuais não podem ser desprezados; as condições da ação (rectius, requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito) não podem ser dispensadas; a exigência de prova escrita, na ação monitória, é infastável etc.).

A efetivação de qualquer uma das garantias constitucionais no Brasil,

mundialmente reconhecido por possuir uma sociedade desigual, necessita de um

trabalho hercúleo, com reformas institucionais de base, valendo lembrar que apesar

dos cenários econômicos positivos que o país já vivenciou não se constata uma

preocupação perene de governantes e instituições em sanar a sua crise social.

A crise de que se fala, enraizada em todos os setores nacionais, bem

sabemos, demandaria muito tempo para ser combatida. A tendência é se agravar se

não houver uma real preocupação com a adoção de políticas de Estado para a

realização das reformas necessárias, abandonando-se meras medidas paliativas,

consideradas suficientes para a obtenção de votos. Assim, orientados por políticas

de governos, estanques e para o decurso de mandatos, dificilmente se vislumbrará

uma sociedade justa e plenamente protegida pelos preceitos da Constituição

brasileira. O resultado dessa dura realidade é a ausência de serviços públicos de

qualidade, entre eles o que seria primordial para a construção de uma sociedade

igualitária: a educação. A ausência de instrução educativa, por óbvio, contribui para

que a maioria da população não saiba exatamente quais são os seus direitos e os

meios para resguardá-los.

A efetivação da garantia constitucional do acesso ao Poder Judiciário fica

evidentemente prejudicada em nossa sociedade não só em razão da ignorância

sobre os direitos fundamentais dispostos na Carta Magna, mas também pela grande

10

CAPPELLETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 61, p. 144-160, jan./mar./ 1991. p. 156. 11

LOPES, João Batista. Efetividade da tutela jurisdicional à luz da constitucionalização do processo civil. Revista de Processo - RePro, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 29, n. 116, p. 29-39, jul./ago. 2004. p. 33.

24

disparidade de poder aquisitivo que reina entre os brasileiros, a maior parte

desprovida dos recursos necessários para contratação de um advogado e

pagamento de custas judiciais.

A questão da facilitação do acesso à justiça recebeu importante contribuição

de Mauro Cappelletti e de Bryant Garth12, estampada na obra intitulada “Acesso à

justiça”13, onde sugeriram três “ondas” de reformas: (i) assistência judiciária para os

necessitados; (ii) tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos;

e (iii) utilização de novos instrumentos que representem “uma tentativa de atacar as

barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo"14, seja dentro da

jurisdição, como simplificação dos procedimentos judiciais, diminuição das vias

recursais e criação de tutelas de urgência; seja fora do âmbito jurisdicional,

estabelecendo formas alternativas de solução de conflitos, como por exemplo a

mediação e a arbitragem.

As “ondas” de reformas sugeridas pelos mencionados autores, de fato,

influenciaram propostas legislativas nacionais, posteriormente incorporadas ao

sistema jurídico brasileiro para remediar os problemas sociais existentes. Em relação

à primeira sugestão de reforma, a Lei n. 1.060/1950 já estabelecia o benefício da

assistência judiciária, direito que foi expressamente previsto na Constituição Federal,

em seu artigo 5º, inciso LXXIV15. O CPC de 1973 nada abordou sobre o tema,

diferentemente do novo diploma processual civil, instituído pela Lei n. 13.105/2015,

que revogou parcialmente aquela legislação (Lei n. 1.060/1950) ao regulamentar a

concessão da gratuidade de justiça (artigos 98 a 102).16

12

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen G. Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. 13

A obra “Acesso à justiça” decorreu de um projeto de pesquisa, intitulado “Projeto Florença de acesso à justiça”, patrocinado pela Fundação Ford e pelo Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. O projeto, dirigido por Mauro Cappelletti, teve início em 1973 e envolveu grandes juristas de um total de 23 países, os quais responderam a um questionário e elaboraram relatórios apontando deficiências e possíveis soluções para a resolução dos problemas de seus respectivos sistemas jurídicos. Os resultados foram publicados em 1978. Cf. NUNES, Dierle; TEIXEIRA, Ludmila. Por um acesso à Justiça democrático: primeiros apontamentos. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 217, p. 75-120, mar. 2013. p. 76. 14

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça, p. 31. 15

“Art. 5º. [...] LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; [...].” 16

Das inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil em relação à gratuidade de justiça, podemos destacar: (i) a possibilidade de concessão de gratuidade em alguns atos do processo ou redução de um percentual de determinada despesa processual (“artigo 98. [...] § 5

o A gratuidade

poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento”); e (ii) a possibilidade de parcelamento das despesas processuais: (“art. 98 [...] § 6

o Conforme o caso, o

25

Com relação à assistência aos necessitados, é importante destacar a

previsão constitucional17 da instituição da Defensoria Pública18, cuja organização é

disciplinada pela Lei Complementar n. 80/1994. O CPC de 2015, ao contrário do

CPC de 1973, possui, em seu Livro III, título dedicado à Defensoria Pública (artigos

185 a 187), onde dispõe sobre deveres, benefícios e responsabilidades do órgão.

A tutela de interesses difusos e coletivos, referente à segunda onda, coube

sobretudo ao Ministério Público, instituição prevista na Constituição Federal (artigos

127 a 130-A), com atribuições disciplinadas pela Lei n. 8.625/1993 e pela Lei

Complementar n. 75/199319. Para a tutela desses interesses, criaram-se algumas

leis, entre elas: (i) a Lei n. 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública para defesa

do meio-ambiente, direitos do consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico; (ii) a Lei n. 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto

da Criança e do Adolescente; e (iii) a Lei n. 8.078/1990, que institui o Código de

Proteção e Defesa do Consumidor.

Umas das principais medidas para a busca da efetivação da garantia de

acesso à justiça, inserida na terceira onda, foi a criação dos Juizados Especiais

Cíveis pela Lei n. 9.099/1995. Com o intuito de fomentar e facilitar o acesso à

justiça, a solução foi criar um procedimento relativamente simples e teoricamente

mais célere, por meio do qual é possível ajuizar ação sem o pagamento de custas

processuais e, dependendo do valor da causa20, sem a necessidade de

representação por advogado.

No contexto do terceiro estágio de reforma, também é importante destacar a

Lei n. 8.952/1994, que provocou diversas mudanças no CPC de 1973, como: (i) a

possibilidade de o juiz tentar, a qualquer tempo, a conciliação entras as partes

juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento”). 17

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.” 18

Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos cidadãos mais necessitados é o fato de a Defensoria Pública não estar disponível em todas as cidades do país, mas apenas em grandes centros, prejudicando significativamente o acesso à justiça. Grande exemplo da deficiência da instituição é a implantação tardia da Defensoria Pública no Estado de São Paulo, ocorrida somente em decorrência da Lei Complementar Estadual n. 988/2006, ou seja, 18 anos após a promulgação da Constituição Federal. 19

O Código de Processo Civil de 1973 já fazia menção às atribuições do Ministério Público (artigos 81 a 85), que foram mantidas na nova lei processual, nos termos dos artigos 176 a 181. 20

Atribuído em até vinte (20) salários mínimos.

26

(artigo 125, inciso IV); (ii) a criação do instituto da tutela antecipada (artigo 273); e

(iii) a nova redação do artigo 461, instituindo a tutela específica na ação cujo objeto

seja o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Posteriormente, a Lei n. 10.444/2002 inovou ao: (i) prever expressamente a

fungibilidade entre as medidas cautelares e antecipatórias (artigo 273, § 7º); (ii)

afastar a obrigatoriedade de realização da audiência preliminar conciliatória (artigo

331, § 3º); e (iii) criar o artigo 461-A, dispondo sobre a tutela específica nas ações

que tenham por objeto a entrega de coisa.

Por fim, com o intuito de buscar a celeridade processual, a Lei n.

11.232/2005 instituiu o sincretismo processual no CPC de 1973, reunindo em um

único processo as fases cognitiva e executiva. As novas medidas tornaram

desnecessário o processo de execução autônomo para a efetivação do direito

reconhecido ao permitir ao autor/exequente, com uma simples petição, iniciar a fase

de cumprimento de sentença.

Em que pesem as alterações ocorridas no sistema jurídico nacional, elas

não foram suficientes para satisfazer plenamente a garantia constitucional de acesso

à justiça, sobretudo após a Emenda Constitucional n. 45/2004 inserir o inciso

LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo a todos, nos âmbitos

administrativo e judicial, o direito à razoável duração21 do processo22.

O grande número de deficiências em nosso Poder Judiciário, em especial no

sistema processual civil, não permitiu que o direito fundamental de acesso à justiça

fosse atendido em todas as suas acepções, valendo dizer que para a

democratização deste direito também é necessária a democratização do processo.

21

Embora a EC n. 45/2004 não tenha precisado exatamente em que consiste a “razoável duração do processo”. 22

Disposição que reafirma a garantia já presente no artigo 8º, 1, da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (São José, Costa Rica, 22/11/1969), da qual o Brasil é signatário desde 26/05/1992: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969). Disponível em: <HUMANOS. https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 16 set. 2016.

27

Para o propósito de desenvolvimento de um “processo civil constitucional”23

e democrático, o magistrado deve ser mais participativo, com o intuito de buscar a

verdade24, atuando, ainda, em conjunto com as partes em um cenário cooperativo,

em prol da conciliação e para evitar ao máximo a litigiosidade.

A cooperação entre as partes e o juiz deve ser realizada desde o início do

processo, de modo a ser bem delineada a lide. Assim, no momento da prolação da

decisão saneadora, que representará um roteiro de organização e de julgamento do

processo ao qual o magistrado está vinculado, permitir-se-á a fixação dos pontos

controvertidos25 – por meio da delimitação das questões de fato e de direito

relevantes ao julgamento da causa – e o deferimento das provas necessárias para a

23

Sobre a relação entre a constitucionalização do processo e a efetividade do acesso à justiça, assim conclui João Batista Lopes: “Como conseqüência da constitucionalização, assistimos à revisitação dos princípios e institutos do direito processual civil. A relação entre constitucionalização do processo e efetividade da jurisdição é íntima na medida em que a primeira contribui decisivamente para se atingir a segunda. Com efeito, o modelo constitucional de processo, isto é, o processo com garantias constitucionais, constitui exigência inafastável para se alcançar a tutela jurisdicional adequada e efetiva.” (Efetividade da tutela jurisdicional à luz da constitucionalização do processo civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 116, p. 29-39, jul./ago. 2004. p. 36). 24

De acordo com William Santos Ferreira: “No modelo probatório do common law se afasta, aparentemente com mais vigor, a ideia de verdade certa ou absoluta, sendo buscada uma reconstrução confiável do fato, o que ainda é mais particular em decorrência do adversary system, que privilegia o contraditório entre as partes para a análise do julgador, sendo empregado um modelo que trabalha com a probabilidade, em que haja uma escolha racional em torno da versão mais provável, destacando-se essencialmente a prova como argumento persuasivo, o que não afasta a eficiência do método para uma ‘descoberta de verdade’, embora se deva aclarar que não é um sistema orientado a tal fim. Na Corte de Apelação na Inglaterra, em 1982 se decidiu: ‘quando falamos da devida administração da justiça, isso nem sempre significa descobrir a verdade do que aconteceu. Frequentemente significa que, por questões de justiça, uma parte deve provar suas alegações sem qualquer auxilio do outro lado’” (Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 279, 280). 25

João José Custódio da Silveira, na vigência do Código de 1973, já ressaltava a importância da fixação compartilhada dos pontos controvertidos: “Ao magistrado incumbe se esforçar para, motivadamente, fixar os pontos controvertidos, sem qualquer receio de que o possa fazer de maneira deficiente. Isso porque, havendo inconformismo oferecido por qualquer das partes, bastará ao juiz decidir a questão a modificar a delimitação operada ou, ao revés, mantê-la com reforço de argumentos – isso quando proferida por escrito, uma vez que a fixação dos pontos em audiência (inaugural no procedimento sumário ou preliminar no ordinário) estará vivificada pelo contato direto, permitindo acertamento conjunto e imediato. Tal interação é de suma importância não apenas para colocar em termos a instrução, mas bem delimitar a tarefa final do juiz, pois se não fixar um ponto como controvertido será defeso concluir na sentença que uma das partes não se desincumbiu do ônus naquele assunto. Motivos pelos quais deve haver fluidez e conversação na atividade de ‘saneamento’ da prova. Frise-se que a fixação dos pontos controvertidos não induz estabilização definitiva sobre quais fatos devem ser objeto da prova, até porque o próprio desenrolar de sua colheita pode revelar outros cujo esclarecimento é essencial para o deslinde da causa. Ou seja, se após a instrução o juiz detecta ponto dependente de elucidação pata alicerçar ainda mais a formação de sua convicção, poderá converter o julgamento em diligência com o intuito de dissipar a dubiedade. Tudo a desmitificar o momento de delimitação da controvérsia, estimulando o juiz a fazê-lo com intensidade, conquanto eventual omissão suportará complemento posterior sem prejuízo às partes.” (O juiz e a condução equilibrada do processo. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 85-86).

28

busca da verdade real26, a partir da adequada imputação do ônus probatório entre

os sujeitos do processo.

No âmbito do processo civil brasileiro, e como será abordado nos capítulos

seguintes, pelo menos durante a vigência do CPC de 1973, a acessibilidade ao

Poder Judiciário não seguiu estritamente a diretriz constitucional que aponta no

sentido de que, segundo Fredie Didier Jr.27, a tutela jurisdicional deve ser rápida,

efetiva28 e adequada29.

O cenário até então desenhado era o de uma cultura de litígios em excesso,

aliada a uma máquina judiciária com a estrutura saturada, além de uma atividade

jurisdicional que prestigiava o formalismo em detrimento do direito material, proferia

decisões judiciais modeladas, não uniformes e mal fundamentadas, sem

enfrentamento do que fora realmente suscitado e requerido pelas partes, vício este

presente sobretudo em decisões de saneamento do processo.

1.2 O CRESCIMENTO DA CULTURA DA LITIGIOSIDADE NO BRASIL E O

DEMANDISMO EXACERBADO

As medidas tomadas no âmbito do Poder Judiciário brasileiro com vistas à

efetivação do direito fundamental de acesso à justiça não surtiram os efeitos

26

“A necessidade e relevância da produção da prova se impõe como meio destinado a angariar elementos que irão balizar a formação do livre convencimento. À medida que ao juiz forem apresentados resultados probatórios que tragam maiores informações fáticas relacionadas às questões controvertidas ou inverossímeis, maiores serão os elementos correspondentes à aproximação da verdade e, consequentemente, maior será a probabilidade de acerto para a aplicação de uma decisão justa que reflita a aplicação do direito material. Consoante leciona Barbosa Moreira, ‘a probabilidade de atingir-se uma decisão justa cresce na razão direta do rendimento dos mecanismos probatórios’.” (CASTRO, Daniel Penteado. Poderes instrutórios do juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p.146). 27

DIDIER JR., Fredie. Direito à inafastabilidade do Poder Judiciário. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Coord.). Direitos constitucionalizados, p. 172. 28

Segundo Giuseppe Chiovenda, a tutela jurisdicional efetiva deve proporcionar ao detentor de um direito, o quanto possível, e de forma prática, tudo aquilo e exatamente aquilo que teria direito, caso a obrigação fosse cumprida de forma espontânea pelo demandado: "Il processo deve dare per quanto possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto de conseguire." (Dell'azione nascente dal contrato preliminare. Rivista di Diritto Comercialle, 1911; Saggi di diritto processuale civile. Roma, 1930. v. I. p. 110). 29

De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, o acesso à justiça deve garantir uma tutela jurisdicional adequada às peculiaridades da situação de direito material, permitindo, assim, a adequação do procedimento, da espécie de cognição, da natureza dos provimentos e dos meios executórios necessários (Novas linhas do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 204).

29

desejados. Os inúmeros problemas arraigados em nosso sistema jurídico, que

revelam um percurso na contramão da diretriz constitucional, não permitiram que

com os mecanismos adotados a tutela jurisdicional passasse a ser célere, adequada

e efetiva.

Entre os fatores que impediram o pleno atendimento ao princípio

constitucional de acesso à justiça estão, sobretudo, (i) a deficiência estrutural da

máquina judiciária, (ii) a ausência de boa-fé processual do litigante brasileiro e (iii) a

carência de zelo e diligência dos magistrados, que, não raro, valiam-se de decisões

modeladas, sem enfrentar o que fora realmente suscitado pelas partes, além de

prestigiarem o formalismo em detrimento do direito material pleiteado.

As leis que instituíram o Código de Defesa de Consumidor e o procedimento

dos Juizados Especiais Cíveis ajudam a explicitar melhor essa realidade.

No âmbito das relações de consumo, a Lei n. 8.078/1990 finalmente permitiu

a proteção e a reparação ao indivíduo sujeito de abusos praticados por fornecedores

de produtos/serviços. Com a promulgação da Carta Cidadã30, o sentimento

democrático aflorou31, desencadeando a busca dos direitos previstos na lei

consumerista contra ilícitos cometidos pelas grandes empresas. Paralelamente, o

Brasil viveu o período de privatizações, em que serviços essenciais passaram a ser

prestados por empresas privadas, e o fortalecimento da moeda nacional, resultado

da implantação de reformas econômicas (Plano Real). Essas medidas

proporcionaram um aumento do poder de compra da população. Com um número

maior de consumidores chegando ao mercado de consumo, o Judiciário passou a

ser demandado cada vez mais.

30

A Constituição Federal de 1988 prevê expressamente a proteção aos direitos do consumidor, por meio do seu artigo 5º, inciso XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Para a efetivação desta proteção, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 48, determinou que: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. 31

João Luiz Martins Esteves observou que: “[…] desde a edição da Constituição Federal de 1988, particularmente no âmbito da jurisdicional constitucional, através do controle concreto ou abstrato de leis, tem sido comum a busca da sociedade pela efetivação dos direitos sociais. Através de uma visão do panorama geral das atividades desenvolvidas para esta efetivação é possível enxergar que os sindicatos, as organizações sociais não governamentais, além do próprio cidadão de maneira individual, depois de uma série de batalhas no âmbito político, passaram a procurar, através do ingresso de ações judiciais, um posicionamento do Poder Judiciário quanto à garantia e efetivação daqueles direitos. Este fenômeno tem sido chamado no mundo acadêmico de ‘judicialização dos conflitos sociais’, ou em uma amplitude que revele a problematização da atividade política, ‘judicialização da política’ a qual, muitas das vezes, traz nela embutidas questões de ordem social” (Cidadania e judicialização dos conflitos sociais. Revista de Direito Público, Londrina, UEL, v. 1, n. 2, p. 41-54, maio/ago. 2006. p. 41).

30

Não obstante a imperatividade do CDC, os abusos perpetrados contra o

consumidor não diminuíram. As empresas, mais preocupadas com o lucro do que

com a qualidade dos seus produtos/ serviços, passaram a considerar eventual ação

judicial como risco calculado do negócio.

A cultura de litigiosidade agravou-se abruptamente a partir da vigência da

Lei n. 9.099/1995, que permitiu um procedimento judicial mais simples, sem a

necessidade de pagamento de custas para o ajuizamento de ação e, dependendo

do valor da causa, sem a obrigatoriedade de representação de advogado, como

mencionado linhas atrás.

Mesmo com a positivação do direito do consumidor, que para uma maior

proteção do consumidor determinou ser do fornecedor o ônus da prova, as

empresas não deixaram de cometer abusos, sendo eventual demanda judicial

contingenciada como risco da atividade econômica. Os serviços essenciais, antes

prestados por autarquias e órgãos públicos, passam a ser privatizados. A economia

fortalecida só fez aumentar o número de consumidores. A criação dos Juizados

Especiais Cíveis facilitou o ajuizamento de ações, inclusive mediante simples

formulários preenchidos pelos demandantes32. Esse novo cenário desembocou em

um demandismo exacerbado e no surgimento de causas repetitivas ou de massa33.

A facilitação do acesso à justiça por meio das leis n. 8.078/1990 e n.

9.099/1995 pode parecer algo extremamente positivo se consideradas as reiteradas

ilicitudes praticadas por fornecedores de produtos e/ou serviços. Entretanto, o

32

No relatório emitido em 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça, tendo como base o ano de 2014, constatou-se que o assunto mais demandado nos Juizados Especiais Estaduais é o “direito do consumidor”, representando 1.014.903 ações ingressadas (16% do total). CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em números 2015. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-justica-numeros-2015-final-web.pdf >. Acesso em: 29 jun. 2016. 33

Antonio Adonias Aguiar Bastos assim define as demandas de massa: “Cuida-se de demandas-tipo, decorrentes de uma relação modelo, que ensejam solução-padrão. Os processos que versam sobre conflitos massificados lidam com conflitos cujos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) se assemelham, mas não chegam a se identificar. Cuida-se de questões afins, cujos liames jurídicos materiais concretos são similares entre si, embora não consistam num só e mesmo vínculo. A circunstância de haver causas afins é requisito necessário, mas não suficiente para a configuração dos litígios de massa. O problema não surge com a semelhança entre as demandas, mas com a sua repetição em grande quantidade. O processamento de causas semelhantes, por si só, não desafia, de maneira significativa, a capacidade da estrutura judicial, nem os valores jurídicos fundamentais (como os da isonomia, da segurança jurídica, da efetividade e da razoável duração do processo), enquanto elas estiverem diluídas em pequeno volume nos órgãos judiciais. A categorização das demandas de massa dá-se pelos critérios acima expostos: identidade de tese, e não em concreto, da causa de pedir e do pedido, associada à repetição em larga escala. A elas, contrapõem-se as demandas heterogêneas, cujos elementos objetivos encerram traços distintivos, não guardando similitude com outras causas, nem o julgamento conjunto ou com base no precedente.” (Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 186, p. 87-107, ago. 2010. p. 97).

31

sistema jurídico nacional não se estruturou adequadamente para o aumento abrupto

de lides, o que certamente demandaria um minucioso planejamento estratégico,

diante de um país com dimensões continentais como o nosso.

Além da estrutura física, deplorável em vários estados da federação, o Poder

Judiciário não possui mão de obra suficiente e qualificada34 – na qual se incluem

serventuários e juízes – para que a tutela jurisdicional seja adequada e efetiva. Por

questões políticas35 e financeiras36, o orçamento destinado ao Poder Judiciário não

proporciona a estrutura necessária ao pleno e apropriado atendimento do grande

número de demandas recebidas37.

Além do demandismo exacerbado e da ausência de estrutura adequada da

máquina judiciária, a situação se agrava devido ao perfil do litigante brasileiro, que

raramente é dotado de boa-fé processual. Nesta cultura de litigiosidade, incentivada

34

O Conselho Nacional de Justiça, no relatório emitido em 2015 sobre números do Judiciário relativos ao ano 2014, revelou, por meio do Índice de Atendimento à Demanda (IAD), que as Varas Judiciais ainda não são capazes de baixar, por ano, o mesmo número de casos novos ingressados naquele exercício. Por exemplo, o IAD é de 99% na Justiça Estadual (que concentra 81% do acervo do Poder Judiciário). O índice abaixo do patamar de 100% traz, por consequência, o aumento dos casos pendentes ano após ano, elevando o estoque de demandas. Segundo o relatório, em 2014, o Poder Judiciário iniciou com um estoque de 70,8 milhões de processos. A Taxa de Congestionamento, indicador que compara o que não foi baixado com o que tramitou durante o ano-base (soma dos casos novos e dos casos pendentes iniciais), foi de 71,4% no mesmo ano (2014). CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em números 2015. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-justica-numeros-2015-final-web.pdf >. Acesso em: 29 jun. 2016. 35

É de grande interesse do Poder Público que os processos sejam morosos, visto ser parte em 51% dos processos que envolvem os cem maiores litigantes nacionais. Cf. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. 100 maiores litigantes. Brasília, março 2011. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016. Segundo o referido relatório, o Setor Público Federal é réu em 67% das demandas em que atua como parte. Portanto, quanto mais demorar a tramitação da lide, menos dinheiro terá de desembolsar em cada exercício. 36

A manutenção do procedimento dos Juizados Especiais, por exemplo, no qual não há a necessidade de pagamento de custas judiciais para o ajuizamento de ação, é muito onerosa para o Ente Público, o que certamente impede o investimento na estrutura adequada em todos os setores do Poder Judiciário. Considera-se, para tanto, o baixo índice de recorribilidade nos Juizados Especiais Cíveis, já que é por meio da interposição do Recurso Inominado que o Judiciário “recupera” as despesas não pagas inicialmente. Desta forma, há uma sobrecarga financeira para o pagamento de toda a estrutura física e dos salários dos serventuários e juízes. Conforme o último relatório do CNJ, o número de magistrados lotados exclusivamente nos Juizados Especiais Estaduais (1ª instância), em 2014, foi de 854, representando 7,1% de todos os juízes na Justiça Estadual. Os serventuários, no mesmo âmbito, em número de 15.098, representam 5,5% de todos os servidores estaduais. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em números 2015. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-justica-numeros-2015-final-web.pdf >. Acesso em: 29 jun. 2016. 37

De acordo com o relatório emitido pelo Conselho Nacional de Justiça em 2015, o número de processos que ingressaram no Judiciário durante o ano de 2014 é de cerca de 28,9 milhões. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em números 2015. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/relatorio-justica-numeros-2015-final-web.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016.

32

pelo próprio Poder Público38 – o maior cliente do Judiciário –, a regra é utilizar

artifícios, como recursos infundados e protelatórios, para induzir os juízes em erro e

tornar o processo moroso.

O ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros39,

expôs, de forma simples e esclarecedora, como funciona a cultura brasileira de

litígios:

No Estado moderno concede-se ao derrotado em pendência judicial a faculdade de recorrer em busca de outra decisão. Exaurido o duplo grau de jurisdição, impõe-se ao perdedor cumprir o dispositivo judicial. As instâncias extravagantes têm como objetivo a unificação da jurisprudência, a boa aplicação da lei federal (recurso especial) ou o primado da Constituição (recurso extraordinário). Em regra, o acórdão proferido em segundo grau deveria ser prontamente obedecido. No Brasil, entretanto, esta regra tornou-se exceção: ninguém se conforma com a sentença, nem com o acórdão. Para nós, bom advogado é aquele que interpõe todos os recursos imagináveis, nada importando a circunstância de a jurisprudência estar assentada nos tribunais superiores, em sentido contrário à pretensão de seu constituinte.

Os magistrados, aparentemente sufocados40 com a grande quantidade de

ações sob sua competência e com o número expressivo de peças atravessadas

pelas partes, somado o fato de a maioria exercer a função apenas por meio

período41, passam a exercer o ofício jurisdicional sem a qualidade e a

tempestividade desejadas.

O resultado negativo desse status quo do exercício jurisdicional

contemporâneo se reflete em peças apresentadas pelas partes raramente lidas na

íntegra; formalidades prestigiadas para evitar o “trabalho” de análise do direito

38

Quanto ao interesse político de os processos em que o Estado figura como parte permanecerem morosos, assim discorre José Eduardo Carreira Alvim: “É preciso também, em homenagem ao princípio da igualdade de tratamento, que o Estado deixe de pretender uma justiça rápida apenas para seus súditos, e, para si próprio somente quando convenha aos seus interesses - como nas execuções fiscais [...]. Não é muito ético nem justificável, mesmo no interesse público, que a Justiça não deva ser rápida também para o Estado, o maior demandista e responsável pelo emperramento da máquina judiciária.” (Alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 84, p. 175-199, out./dez. 1996. p. 181). 39

BARROS, Humberto Gomes de. Reforma cultural - pressuposto da reforma do Judiciário. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, IASP, v. 5, p. 175-195, jan./jun. 2000. p. 178. 40

Humberto Gomes de Barros, ex-ministro do STJ, assim concluiu sobre a estrutura de nosso Poder Judiciário: “Há escassez de juízes, ou excesso de processos? A resposta tende a prestigiar o primeiro termo da alternativa: faltam juízes e os que existem são preguiçosos.” (Reforma cultural - pressuposto da reforma do Judiciário. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, IASP, v. 5, p. 175-195, jan./jun. 2000. p. 177). 41

O fato de os magistrados não conseguirem atender à demanda de processos também é explicado pelo direito de férias forenses em duas ocasiões no ano, perfazendo o total de sessenta dias.

33

material; decisões “pré-modeladas”, concisas e mal fundamentadas42, muitas vezes

redigidas por estagiários ou assessores e proferidas sem coerência com o suscitado

pelas partes; e falta de uniformidade da jurisprudência, aplicando-se a lei ao caso

concreto de acordo com as convicções de cada juiz, entre outros exemplos.

Mas não é só. No curso da marcha processual, a fase de saneamento era

frequentemente alvo de exercício deficiente da jurisdição, pelo menos durante a

vigência do CPC de 1973. Raras eram as ocasiões em que os magistrados, no

momento de sanear o processo, fixavam os pontos controvertidos com base na

contraposição de todos os argumentos apresentados pelas partes. Além disso, no

momento de prolação da sentença era recorrente não atentarem para os pontos por

eles fixados inicialmente, deixando de fundamentar e de esclarecer todas as

questões controvertidas envolvidas na lide.

O deferimento de provas no despacho saneador, em regra, era proferido de

forma padronizada – “defiro a produção das provas documental suplementar, pericial

e testemunhal” –, sem a delimitação dos fatos e dos pontos controvertidos que

seriam esclarecidos em cada meio de prova admitido43, sinal de que os magistrados

sequer analisavam os fundamentos apresentados pelas partes na instrução

probatória.

Na análise superficial do processo e das petições das partes, era comum os

juízes se omitirem ao deixar de deferir ou de indeferir uma prova requerida.

Ademais, prevalecia a distribuição estática do ônus probatório. A teoria da carga ou

distribuição dinâmica das provas44 era pouco utilizada pelos magistrados, pois não

42

A decisão sucinta e sintética é praxe no Judiciário nacional, sendo, inclusive, sancionada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, que firmou jurisprudência no sentido de que a fundamentação ou motivação suficiente desobriga o juiz de responder a todos os argumentos das partes: “[...] Não há que falar em violação aos artigos 165, 458, inciso II, e 535, do CPC, visto que houve o julgamento das questões de maneira fundamentada, apenas não tendo sido adotadas as teses da agravante. O julgador não precisa responder, nem se ater a todos os argumentos levantados pelas partes, se já tiver motivos suficientes para fundamentar sua decisão, como ocorreu no caso em exame. Precedentes. [Grifo nosso] " BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1140811/RJ, Relator: Min. Marco Buzzi, Quarta Turma. Brasília, DF. Julgamento: 23/02/2016. Publicação DJe 26/02/2016. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/116258477/stj-20-05-2016-pg-5698>. Acesso em: 16 set. 2016. 43

O artigo 357 do novo Código de Processo Civil determina de forma expressa a necessidade de indicação pelo juiz das questões de fatos que serão analisadas em cada meio de prova deferido: “Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; [...]”. 44

Antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, o STJ já havia firmado entendimento quanto à possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova nos casos em que se constate maior facilidade de produção de prova por uma das partes: “[...] Mesmo que a prova não incumbisse exclusivamente às rés, pode-se falar, no mínimo, em distribuição dinâmica do

34

estava prevista em nosso ordenamento jurídico.

A decisão saneadora não era utilizada pelos juízes como roteiro de

organização e de julgamento do processo, inclusive, desconsideravam pontos

controvertidos no momento de decidir a demanda, proferindo uma sentença sem que

fossem produzidas todas as provas deferidas. Não rara era a situação, por exemplo,

de deferimento de produção de provas pericial e testemunhal, e após a realização

da perícia o magistrado, por falta de atenção, prolatava sentença de mérito sem

designar a audiência de instrução e julgamento.

O cenário caótico assim desenhado, além de prejudicar a credibilidade do

Poder Judiciário, afeta a relação entre os advogados e seus clientes, que não

aceitam algumas decisões judiciais e frequentemente acusam o seu patrono de

deficiência na prestação dos serviços. De fato, é difícil explicar ao cliente

pronunciamentos judiciais teratológicos ou simples equívocos cometidos na

atividade jurisdicional, o que torna o ofício do advogado mais árduo, já que necessita

sanar repetidas vezes os vícios do Judiciário e, ao mesmo tempo, estabelecer

novamente uma relação de confiança com quem representa. E não se pode deixar

de mencionar, em meio a esse caos que se estabeleceu no sistema jurídico pátrio,

as fraudes perpetradas por aproveitadores, os chamados “litigantes profissionais”. A

falta de atenção dos magistrados para com as lides, deixando a atividade

jurisdicional delegada para meros assessores e estagiários, permite que uma

história bem contada na petição inicial, às vezes desprovida de provas, seja

acatada.

No âmbito dos Juizados Especiais, especialmente em processos cuja causa

de pedir é a relação de consumo, o litigante contumaz alega vícios em

serviços/produtos, sem qualquer comprovação, e acaba beneficiado com sentenças

ônus da prova, que tem por fundamento a probatio diabólica, isto é, a prova de difícil ou impossível realização para uma das partes, e que se presta a contornar a teoria de carga estática da prova, adotada pelo art. 333 do CPC, que nem sempre decompõe da melhor forma o onus probandi, por assentar-se em regras rígidas e objetivas. Com base na teoria da distribuição dinâmica, o ônus da prova recai sobre quem tiver melhores condições de produzi-la, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação dessa teoria, levando-se em consideração, sobretudo, os princípios da isonomia (arts. 5.º, caput, da CF/1988, e 125, I, do CPC), do devido processo legal (art. 5.º, XIV, da CF/1988), do acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, da CF/1988) e da solidariedade (art. 339 do CPC), bem como os poderes instrutórios do Juiz (art. 355 do CPC).” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1286704/SP. Relator: Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma. Brasília, DF. Julgamento: 22/10/2013. Publicação DJe 28/10/2013. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24580852/recurso-especial-resp-1286704-sp-2011-0242696-8-stj/relatorio-e-voto-24580854>. Acesso em: 16 set. 2016.

35

mal fundamentadas, que condenam os fornecedores ao pagamento de indenizações

elevadas, fomentando a indústria do dano moral.

As empresas, reiteradamente condenadas ao pagamento de valores

indenizatórios, não raro injustamente, adotam algumas providências estratégicas,

que acabam incentivando fraudes por parte desses litigantes profissionais.

A política de acordos implementada por fornecedores de produtos/serviços,

por meio da qual são apresentadas propostas em audiências conciliatórias, inclusive

sem a devida análise do mérito da ação, permite ao fraudador receber valores no

início do processo sem qualquer esforço. O litigante habitual45 sabe quais são as

empresas que adotam esta política e movimenta a máquina judiciária

indiscriminadamente com o fim de obter vantagens ilícitas.

As fraudes também são recorrentes devido à política das empresas de não

interposição de recursos no procedimento de Juizados Especiais Cíveis, o que é

compreensível considerando que as custas judiciais, em muitas situações,

equivalem ou até ultrapassam o valor condenatório disposto em sentença. Assim,

contando com o “auxílio” do magistrado desatento e negligente, o fraudador tem o

seu “direito” reconhecido e sequer precisa executar a indenização pecuniária, em

razão do pagamento espontâneo pelo réu.

O conjunto de problemas aqui apontados acabou inserindo o sistema

brasileiro de justiça no conceito econômico-financeiro nominado "custo Brasil",

evidentemente um fator negativo na avaliação do grau de risco para eventuais

investimentos de capital estrangeiro no país.

Não é difícil imaginar o ciclo vicioso que se estabeleceu com a estrutura

saturada do Judiciário, ou seja, quanto mais medidas eram adotadas para aumentar

o acesso à justiça, maior era a sobrecarga e consequentemente menor o ritmo da

entrega da adequada prestação jurisdicional.

O propósito das reformas legislativas que ocorreram foi ajustar o sistema

processual civil à exata diretriz constitucional de acesso à justiça, mas na verdade a

necessidade primordial era fomentar as formas alternativas de resolução de

conflitos.

45

Mauri Cappelletti e Bryant também discorrem sobre as vantagens dos litigantes habituais: “1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidade de desenvolver relações informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros” (Acesso à justiça, p. 25).

36

1.3 REFORMAS PROCESSUAIS E TENTATIVAS DE ADEQUAÇÃO DO

PROCESSO AO NOVO CENÁRIO CONSTITUCIONAL

Como mencionado antes, após a promulgação da Constituição Federal de

1988 foram necessárias algumas medidas para a efetivação de direitos

fundamentais previstos na lei constitucional, entre eles a garantia de inafastabilidade

do controle jurisdicional.

Quanto às inovações legislativas, merecem destaque as leis n. 8.078/1990 e

n. 9.099/1995, que apesar de facilitarem o acesso à justiça não foram capazes de

proporcionar uma tutela jurisdicional célere, adequada e efetiva, sobretudo devido à

estrutura saturada de nosso Poder Judiciário.

Assim, mediante sucessivas reformas, buscou-se o ajuste do sistema

processual civil, de modo a tornar o processo46 um instrumento real a serviço da

ordem constitucional.

O CPC de 1973 passou por três grandes fases de reforma, primeiramente

com as leis n. 8.952/1994, n. 9.079/1995, n. 9.139/1995 e n. 9.245/1995; em seguida

as leis n. 10.352/2001 e n. 10.444/2002; e, por fim, as leis n. 11.187/2005, n.

46

Sálvio de Figueiredo Teixeira assim define processo: “O processo, instrumento de que se serve o Estado para o exercício da jurisdição, é um conjunto de atos que se sucedem coordenadamente na direção de um objetivo comum, que é a solução do conflito de interesses. Em outras palavras, o processo se forma, desenvolve e extingue através de uma sequência ordenada de atos, constituindo uma relação jurídica entre juiz, parte (autor e réu) e auxiliares. Assim, atos processuais são, dentre os atos jurídicos em geral, as manifestações de vontade dos sujeitos do processo, visando à formação, à modificação ou à extinção da relação processual. No magistério de Chiovenda, ‘dizem-se atos processuais os que têm importância jurídica em respeito à relação processual’. São os que têm por efeito ou consequência imediata a constituição ou a extinção da relação jurídica. Ato processual, ainda no terreno da conceituação, é para Liebman, ‘uma declaração ou manifestação de pensamento, feita voluntariamente por um dos sujeitos do processo, enquadrada em uma das categorias de ato previsto pela lei processual e pertence a um procedimento, com eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva sobre a correspondente relação processual’.” (Prazos e nulidades em processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 4). Fredie Didier Jr,. Flávio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues analisam o processo por outra perspectiva: “Tudo o que indica um caminhar para frente significa processo. Ao contrário, tudo que indica um caminhar para trás significa um retrocesso. A palavra processo, no seu conceito etimológico, significa ‘marcha avante’ (do latim procedere = seguir adiante). Tomando como ponto de partida o conceito utilizado acima, veremos que a palavra processo, de certa forma, possui o mesmo sentido, quando encaixada no estudo do direito. A sua importância é tão grande que não foi por acaso que emprestou o seu nome para designar a ciência do direito processual civil. Mas, se processo é um caminho, deve então ligar duas extremidades. Essas duas extremidades são a jurisdição e a ação. Exercita-se o direito de ação, provocando-se a jurisdição para a resolução de um conflito de interesses. O processo, então, se coloca neste hiato que separa a jurisdição da ação. É nesse sentido que o processo deve ser entendido: como o único caminho idôneo que permite o exercício efetivo do direito de ação e, pelo lado do juiz, o julgamento da lide.” (A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 13).

37

11.232/2005, n. 11.276/2006, n. 11.277/2006, n. 11.280/2006, n. 11.382/2006, n.

11.417/2006, n. 11.418/2006 e n. 11.419/2006.

As alterações no CPC de 1973 pelas leis retromencionadas são apenas

alguns exemplos de “remendos” na tentativa de adequação aos preceitos da

Constituição Federal, que serão a seguir analisados.

Na primeira etapa de reforma do processo civil, a Lei n. 8.952/1994 teve um

papel de relevo para o aperfeiçoamento da efetividade do acesso à justiça ao criar o

mecanismo da tutela jurisdicional antecipada (artigo 273 do Código de 1973).

A antecipação da tutela47, desde que a parte apresentasse prova inequívoca

que convencesse o magistrado da verossimilhança das alegações, poderia ser

concedida, a qualquer tempo e grau de jurisdição, para se evitar que um direito

perecesse em razão da demora na tramitação do feito até o seu julgamento

definitivo (risco de dano irreparável ou de difícil reparação), ou, ainda, para impedir o

abuso de direito de defesa e atos protelatórios do réu. Entretanto, segundo a

redação do § 2º do artigo 273, incluída pela Lei n. 8.952/1994, a tutela não seria

antecipada se houvesse perigo de irreversibilidade do provimento48.

O instituto da tutela antecipada foi criado, em especial, para combater o fator

tempo49, extremamente prejudicial à efetivação do acesso à justiça50.

47

Teori Albino Zavascki, quanto ao instituto, explica que “antecipar efeitos da tutela definitiva não é antecipar a sentença, mas sim, antecipar os efeitos executivos que a futura sentença poderá produzir no plano social” (Medidas cautelares e medidas antecipatórias: técnicas diferentes, função constitucional semelhante. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 82, p. 53-69, abr./jun. 1996. p. 64). 48

Para Luiz Guilherme Marinoni, a regra não é absoluta: "Não há qualquer lógica em não se admitir a concessão da tutela antecipatória baseada em 'fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação' sob o simples argumento de que a sua concessão pode causar prejuízo irreversível ao demandado. Mesmo antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil admitia-se a concessão de tutela antecipatória, sob o rótulo de tutela cautelar, ainda que ela pudesse causar prejuízo irreversível ao réu. [...] Como está claro, nos casos em que o direito do autor, que deve ser mostrado como provável, está sendo ameaçado por dano irreparável ou de difícil reparação é ilógico não se conceder a tutela antecipatória com base no argumento de que ela pode trazer um dano ao direito que é improvável" (Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 139). 49

“Se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração da justiça. Isto para não se falar nos danos econômicos, frequentemente graves, que podem ser impostos à parte autora pela demora do processo e pela consequente imobilização de bens e capitais. Se o processo retira da vida o seu próprio impulso, ele não pode – apenas porque se destina a ‘descobrir a verdade’ – deixar de considerar as necessidades do autor, a menos que deseje celebrar, através de um procedimento fúnebre, não só o seu rompimento com a vida, mas também a sua completa falta de capacidade para realizar os escopos do Estado. O sistema processual deve ser capaz de racionalizar a distribuição do tempo no processo e de inibir as defesas abusivas, que são consideradas, por alguns, até mesmo

38

Com a possibilidade de se prestar a tutela jurisdicional em tempo razoável, a

morosidade do trâmite processual, sempre presente em todos os estados da

federação, não afetaria, em tese, esta garantia constitucional.

Sobre a condição da tutela jurisdicional anterior à Lei n. 8.952/1994,

comenta Humberto Theodoro Junior51:

[...] o longo trajeto a ser percorrido pelo credor até conseguir a satisfação de seu direito se transformava, quase sempre, num prêmio para o réu inadimplente e num castigo injustificável para o autor. Aquele era contemplado por longa suspensão do dever de cumprir a obrigação violada, e este, não obstante a evidência muitas vezes de seu direito, não tinha outro caminho a trilhar senão o de esperar tempo longo e, às vezes, intolerável, para encontrar a respectiva satisfação. [...] Coube à Lei 8.952, de 13.12.1994, a tarefa de construir a sistemática ampla e bem estruturada da antecipação provisória de tutela satisfativa, já então encarada como uma das exigências do devido processo legal, em sua visão mais dinâmica e atual de pleno acesso à Justiça com a carga máxima de efetividade

da prestação jurisdicional.

Apesar de ser uma inovação relevante para a prestação adequada da tutela

jurisdicional, na prática, o pedido liminar de antecipação de tutela não é apreciado

com celeridade pelos juízes, podendo demorar dias ou até semanas. A pronta

análise deste tipo de pleito depende muito de uma atuação proativa do advogado, já

que a estrutura da máquina judiciária, por si só, não colabora para que se evite o

perecimento de um direito.

A Lei n. 8.952/1994 inovou ao alterar a redação do artigo 461 do CPC de

1973, que instituiu, inclusive liminarmente, a tutela específica (in natura) ou, em

caráter subsidiário, a tutela substitutiva (perdas e danos)52, nas ações cujo objeto é o

direito do réu que não tem razão” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 17-18). 50

Conforme explica Humberto Theodoro Júnior: “Dentro dessa perspectiva de estimular os responsáveis pela prestação jurisdicional a outorgar às partes litigantes um processo caracterizado pela ‘efetividade’ e ‘tempestividade da tutela’, foi que a Lei 8.952, de 1994, concebeu ‘a antecipação de tutela’.” (Tutela de segurança. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 88, p. 9-30, out./dez. 1997. p. 13). 51

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela de segurança. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 88, p. 9-30, out./ dez. 1997. p. 14-15. 52

Humberto Theodoro Junior fala da diferença entre as execuções das tutelas específica e substitutiva: “Entende-se por execução específica o processo de execução forçada que afeta a esfera patrimonial do devedor em busca de proporcionar ao credor exatamente o mesmo bem que, segundo o vínculo obrigacional, deveria ter sido entregue ou restituído por meio do voluntário cumprimento da prestação devida. É o que também se denomina execução in natura. Por substitutiva entende-se a execução forçada que se baseia na responsabilidade patrimonial genérica do devedor e que, para satisfazer o direito do credor, expropria bens do inadimplente, transformando-os em dinheiro para com este indenizar a parte pelo equivalente à prestação devida.” (Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 105, p. 9-33, jan./mar. 2002. p. 13).

39

cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, dispondo ainda sobre

providências que assegurem o seu cumprimento, como a imposição de multa

diária53. A lei também permitiu que o juiz, a qualquer tempo, pode promover a

conciliação entras as partes (art. 125, inc. IV, do CPC de 1973), faculdade esta

pouco utilizada no dia a dia forense, devido à falta de instrumentos facilitadores e à

inércia do próprio magistrado. No entanto, para assegurar a tentativa de composição

amigável em algum momento do processo, estabeleceu-se um estágio anterior ao

saneamento do processo: a audiência preliminar do artigo 331 do Código de 197354.

Em que pese a boa intenção do legislador, esta audiência, na prática, não alcançou

a sua finalidade, pois não raro é realizada com a participação de conciliadores

despreparados, sem a presença do juiz da causa. Esta audiência, de tal modo,

passou a ser um mero ato pro forma, sem efetividade alguma.

Ainda, na primeira fase de reformas processuais, mais três leis devem ser

lembradas no que tange a inovações. A primeira delas, Lei n. 9.079/1995, introduziu

a ação monitória55, permitindo um procedimento especial56, teoricamente mais

célere, para detentores de provas escritas sem eficácia de título executivo.

53

“Art. 461 [...] § 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa

diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.” 54

“Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos disponíveis, o juiz designará audiência de conciliação, a realizar-se no prazo máximo de 30 (trinta) dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.” 55

“Art. 1.102.a - A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.” 56

Sérgio Seiji Shimura aponta as vantagens de se estabelecer um procedimento monitório: “A finalidade do procedimento monitório, que tem profundas raízes no antigo Direito luso-brasileiro, é abreviar, de forma inteligente e hábil, o caminho para a formação do título executivo, contornando o geralmente moroso e caro procedimento ordinário. [...] O fator tempo tornou-se elemento determinante para garantir a efetividade da prestação jurisdicional. Nessa esteira, a técnica do procedimento monitório, como espécie de tutela jurisdicional diferenciada, com vistas a neutralizar o lapso de tempo intercorrente entre o início do processo e a sentença, delineia-se de crucial importância para a idéia de um processo que espelhe a realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação, que é de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos. [...] O traço peculiar que distingue o procedimento injuncional está na circunstância de ser ele uma técnica processual concebida com a finalidade da obtenção rápida do título executivo, obviando-se os percalços naturais da demora processual na consecução da sentença condenatória. Essa é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor - sem prévia audiência bilateral da parte contrária - para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que enseja execução. A sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as conseqüências de sua inércia. Conceituando, pois, o processo monitório, podemos afirmar que é aquele que veicula uma ação de natureza condenatória, de rito especial e de cognição sumária, cujo objetivo é a obtenção imediata de um título executivo.” (SHIMURA, Sérgio Seiji. Sobre a ação monitória. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 88, p. 58-69, out./ dez. 1997. p. 59).

40

A Lei n. 9.245/1995, por sua vez, alterou as regras do procedimento

sumário. Estabeleceu, na nova redação do artigo 276 do CPC de 1973, a

necessidade de se requerer a produção de prova pericial já na petição inicial, com a

indicação de quesitos e assistente técnico, em prol da economia processual. Alterou,

igualmente, a disposição do artigo seguinte, instituindo a obrigatória audiência de

conciliação do artigo 277, na qual, caso o acordo não fosse possível, o réu deveria,

de pronto, apresentar contestação, além de rol de testemunhas, formulação de

quesitos e indicação de assistente técnico, se requeridas por ele provas oral e

pericial (artigo 278 do Código de 1973).

Por fim, mas ainda na primeira etapa reformista, a Lei n. 9.139/1995 alterou

o artigo 522 do CPC de 1973, possibilitando à parte, contra qualquer decisão

interlocutória, interpor agravo retido ou por instrumento, salvo nas situações em que

a lei processual dispusesse sobre a obrigatoriedade da retenção. Das contribuições

desta lei para dar celeridade ao processamento do recurso de agravo, merecem

destaque: (i) a interposição do agravo de instrumento diretamente no tribunal57, com

a devida instrução com peças obrigatórias58 e o cumprimento do artigo 52659; e (ii) a

possibilidade de o relator atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento60,

visando abolir o uso do mandado de segurança, impetrado frequentemente para

suspender os efeitos da decisão agravada.

A despeito das alterações positivas perpetradas pela Lei n. 9.139/1995, o

fato é que a criação da tutela antecipada, a partir da Lei n. 8.952/1994, aumentou

em demasia as decisões agraváveis e, portanto, o número de agravos de

instrumento, fato que contribui para tornar o processo cada vez mais moroso.

A primeira fase de reformas processuais inegavelmente promoveu inovações

para facilitar a efetivação da tutela jurisdicional. Contudo, como observou Cândido

Rangel Dinamarco61, não houve uma preocupação sistemática nas alterações do

57

“Art. 524. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente [...]” 58

“Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída: I - obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II - facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis.” 59

“Art. 526. O agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá juntada, aos autos do processo de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso.” 60

“Art. 527 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, se não for caso de indeferimento liminar (art. 557), o relator: [...] II - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), comunicando ao juiz tal decisão; [...].” 61

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 39.

41

CPC de 1973, o que acabou reunindo na lei processual civil dispositivos "mal

costurados entre si e sem a indispensável coordenação orgânica, funcional e

conceitual".

Seis anos se passaram e veio a segunda onda de reformas no sistema

processual civil brasileiro, a partir da vigência das leis n. 10.352/2001 e n.

10.444/2002.

A Lei n. 10.352/2001 trouxe modificações no regime do agravo com o fito de

reparar, ao menos em parte, a contumaz utilização do recurso pelos litigantes,

valendo citar: (i) inadmissibilidade do agravo de instrumento em caso de não

cumprimento do previsto no artigo 526, desde que arguido e comprovado pelo

agravado; (ii) possibilidade de o relator negar seguimento liminarmente ao agravo,

nos termos do artigo 557; (iii) possibilidade de o relator converter o agravo de

instrumento em retido62; além de (iv) expressamente possibilitar que o relator

deferisse, em antecipação de tutela, a pretensão recursal63.

Na sequência, a Lei n. 10.444/2002, com vistas ao aperfeiçoamento e às

correções das reformas da primeira etapa, implementou: (i) a fungibilidade64 entre as

medidas cautelares e antecipatórias65,66; (ii) um novo teto para o procedimento

62

“Art. 527. [...] II - poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juiz o da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente;” 63

“Art. 527. [...] III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;” 64

“[...] o propósito almejado pela reforma foi o de prestigiar o tratamento substancial das postulações, fazendo com que o erro de forma não prejudique o aproveitamento dos atos processuais, conforme determina o princípio da instrumentalidade (arts. 244 e 250 do CPC).” Cf. MELO, Gustavo de Medeiros. O princípio da fungibilidade no sistema de tutelas de urgência: um departamento do processo civil ainda carente de tratamento adequado. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 167, p. 76-131, jan. 2009. p. 88. 65

“Art. 273 [...] § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza

cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.” 66

Paulo Afonso de Souza Sant'Anna, afirmando que a Lei n. 10.444/2002 retirou a autonomia do procedimento cautelar, expõe: “Permitir a concessão de providência acautelatória na ação principal, prescindindo da medida cautelar específica para tal, é absolutamente consentâneo com as exigências de efetividade do processo civil moderno, que prescreve a Constituição Federal. Mais do que isso, deixar de lado a medida cautelar porque seu objetivo pode ser alcançado, sem qualquer problema, por meio da ação principal atende, perfeitamente, ao princípio da economia processual, uma vez que o mesmo fim é atingido sem que sejam necessários dois procedimentos, com duas iniciais, duas citações, duas contestações, duas impugnações etc. Isso sem levar em consideração a celeridade que a inovação nos proporciona, pois invariavelmente dois procedimentos gastam mais tempo do que apenas um. Pensando na evidente diminuição dos custos, que nem sequer é questionável, facilita-se e atinge-se o acesso à justiça tão almejado nos dias atuais.” (Novos contornos do instituto da tutela antecipada e os novos paradigmas do sistema processual civil (lei 10.444/2002). Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 112, p. 82-115, out./dez. 2003. p. 102-103).

42

sumário67, o qual passou a compreender causas cujo valor não ultrapassasse

sessenta salários mínimos (artigo 275, inciso I, do CPC de 1973); (iii) a não

obrigatoriedade de realização da audiência preliminar conciliatória68; (iv) a

possibilidade de imposição, de ofício, de multa diária em caso de descumprimento

de obrigação imposta em decisão de antecipação de tutela ou em sentença69; (v) a

possibilidade de o magistrado, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da

multa, quando constatar ser insuficiente ou excessiva (artigo 461, § 6º, do CPC de

1973); além da (vi) criação do artigo 461-A, dispondo sobre a tutela específica nas

ações que tenham por objeto a entrega de coisa70.

A segunda onda da reforma processual, do mesmo modo que a primeira,

teve como norte a busca de efetividade do processo. O intuito do legislador foi

aprimorar as alterações anteriormente estabelecidas e retificar as que não atingiram

a finalidade proposta.

Fernanda Medina Pantoja71 reforça:

As mudanças implementadas revelaram, basicamente, dois objetivos: primeiro, o de realmente introduzir novidades no sistema processual civil brasileiro, muitas das quais já vinham sendo concebidas; segundo, o de corrigir supostas imperfeições da primeira fase da reforma do CPC - e é exatamente deste segundo objetivo que decorre a conhecida alcunha ‘Reforma da Reforma’, dada a esta segunda etapa do movimento reformista.

67

O limite anterior era de vinte (20) salários mínimos. O novo teto possibilitou que um maior número de ações pudesse tramitar em um procedimento mais simples e célere. 68

“Art. 331. [...] § 3o Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa

evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2

o.”

69 “Art. 461. [...] § 5

o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático

equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.” 70

No entendimento de Cândido Rangel Dinamarco, relativamente à criação do artigo 461-A e a aplicação subsidiária das disposições do artigo 461 do Código de 1973: "[...] sentiu-se a necessidade de estender as novas técnicas às de entregar coisa, que também são obrigações específicas. Não são como as obrigações em dinheiro, que podem ser satisfeitas mediante a utilização de qualquer bem existente no patrimônio do devedor, o qual é expropriado para a satisfação do credor. Daí o advento, com a Reforma da Reforma, do art. 461-A do CPC (red. Lei 10.444, de 07.05.2002) pelo qual a execução das obrigações de entregar a coisa certa ou determinada pelo gênero e quantidade se subordina ao regime do art. 461, §§ 1.º a 6.º, do CPC.” (A reforma da reforma. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 222). 71

PANTOJA, Fernanda Medina. Reformas processuais: sistematização e perspectivas. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 160, p. 87-114, jun. 2008. p. 95.

43

A terceira onda de reformas no CPC de 1973 precedeu a Emenda

Constitucional n. 45/2004, responsável pela "Reforma do Poder Judiciário"72.

Orientada pelas novas disposições constitucionais e mais uma vez objetivando

implementar efetividade e celeridade ao processo, esta fase iniciou três anos após a

conclusão da segunda etapa reformista, o que demonstra que as modificações

legislativas antes introduzidas não foram suficientes para garantir uma tutela

jurisdicional adequada.

No novo estágio, relevantes foram as alterações realizadas no CPC de 1973,

a partir da Lei n. 11.232/2005, a qual instituiu o sincretismo processual ao reunir as

fases de conhecimento e de execução em um único processo.

Assim, com a não obrigatoriedade de se instaurar um processo autônomo

para executar um título judicial reconhecido, simplificou-se um dos grandes entraves

para a efetividade da tutela jurisdicional – a execução excessivamente morosa73 –,

bastando ao exequente apresentar mera petição para dar início à fase executiva,

definitiva ou provisória.

Na nova fase, designada no CPC de 1973 como “cumprimento de sentença”,

o executado passou a ter a obrigação de pagar o valor exequendo no prazo de

quinze dias, sob pena de aplicação de multa de 10% (dez por cento)74. O legislador,

além da rapidez, preocupou-se com um procedimento mais efetivo, prevendo

sanção ao devedor em caso de descumprimento do comando judicial de pagamento.

Outra mudança importante para a consolidação do sincretismo processual

foi a inovação quanto ao meio de defesa do executado na fase de cumprimento de

sentença: a impugnação75. Tratando-se de mero incidente processual, extinguiu-se

na execução de título judicial a figura dos embargos, os quais constituíam uma nova 72

Entre as inovações perpetradas pela Emenda Constitucional n. 45/2004, podemos citar como relevantes: (i) a criação de novo inciso do artigo 5º da Constituição Federal (LXXVIII), passando a ser cláusula pétrea a duração razoável dos processos judiciais; (ii) a introdução da súmula vinculante no âmbito do Supremo Tribunal Federal (artigo 103-A da Constituição Federal); e (iii) a instituição da repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário (artigo 102, § 3º, da Constituição Federal). 73

As palavras do jurista argentino Augusto Morello, ao tratar de execução, são plenamente aplicáveis ao direito brasileiro: “[...] executar uma sentença é uma verdadeira odisséia, uma aventura kafkaniana" (Liquidaciones judiciales. La Plata: Librería Editora Platense, 2000. p. 9). 74

“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.” 75

“Art. 475-J [...] § 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na

pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.”

44

ação, tornando mais lento o trâmite dos autos.

A Lei n. 11.232/2005 estabeleceu a liquidação de sentença como fase do

processo anterior à de cumprimento de sentença, quando esta não determinasse o

valor devido pelo réu ao autor.

No âmbito dessas mudanças, destaca-se, ainda, a revogação do artigo 584

do CPC de 1973, passando a fazer parte do rol de títulos executivos judiciais, nos

termos do artigo 475-N, litteris: “a sentença proferida no processo civil que

reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar

quantia”.

Outras leis tiveram importante papel na terceira fase de reformas do

processo civil brasileiro, cujas modificações no CPC de 1973 passam a ser

sucintamente elencadas.

A Lei n. 11.187/2005 provocou alterações no recurso de agravo, utilizado

recorrentemente no sistema processual, passando o CPC de 1973 a dispor: (i) ser

cabível, em regra, o agravo retido contra decisão interlocutória, salvo quando: (a)

esta for suscetível de causar lesão grave e de difícil reparação; (b) interposto em

face de decisão de inadmissão de apelação; ou (c) interposto em face de decisão

sobre os efeitos em que a apelação for recebida (artigo 522); (ii) sobre a

obrigatoriedade de interposição de agravo retido oral imediato em audiências de

instrução e julgamento76; (iii) sobre a necessidade de o relator converter o agravo de

instrumento em retido, se nenhuma das exceções previstas no artigo 522 fosse

atendida77; e (iv) sobre a irrecorribilidade da decisão do relator que atribuísse ou não

efeito suspensivo ou ativo ao agravo, passível de reforma somente no momento do

julgamento do recurso, salvo se o próprio relator a reconsiderasse (artigo 527,

parágrafo único).

No ano de 2006, das alterações iniciais realizadas no CPC de 1973, é

importante citar: (i) a Lei n. 11.276/2006, que alterou pontualmente questões

recursais, como a possibilidade de o tribunal, em caso de nulidade sanável,

determinar a realização ou renovação do ato processual, prosseguindo-se com o

76

“Art. 523. [...] § 3º Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante.” 77

“Art. 527. [...] II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; [...].”

45

julgamento da apelação após o cumprimento da diligência78; (ii) a Lei n.

11.277/2006, que criou o artigo 285-A para permitir a dispensa de citação e a

prolação de sentença de plano79 quando a matéria controvertida fosse unicamente

de direito e no juízo já houvesse sido proferida sentença de improcedência em casos

idênticos80; e (iii) a Lei n. 11.280/2006, que entre as inovações ampliou a atividade

ex officio do juiz, podendo este conhecer, independentemente de provocação das

partes, a nulidade de cláusula de eleição de foro81 e a prescrição82.

A Lei n. 11.382/2006 também trouxe diversas alterações e as mais

relevantes em relação ao processo de execução de títulos executivos extrajudiciais

foram: (i) instituição do prazo de três dias para pagamento da dívida pelo

executado83; (ii) possibilidade de oposição de embargos à execução,

independentemente de garantia do juízo84; e (iii) rejeição liminar de embargos à

execução protelatórios85.

Ainda, na terceira etapa reformista, uma sequência de leis importantes,

datadas de 19 de dezembro de 2006, entraram em vigor no ano de 2007, como: (i)

Lei n. 11.417/2006, que não alterou o CPC de 1973, mas passou a regulamentar

78

“Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. [...] § 4

o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou

renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.” 79

Para Cassio Scarpinella Bueno, a aplicação do art. 285-A não é um dever ou uma imposição ao magistrado: "Não obstante a peremptoriedade do texto do art. 285-A do CPC, não vejo como entender obrigatória, como uma imposição, como um dever, a aplicação da regra. Sempre haverá espaço, e é importante que assim seja, mais ainda no início da vigência do dispositivo, para que o 'juízo' reveja o seu entendimento anterior ou, mais propriamente, considerando as pessoas físicas que exercem, em nome do Estado, jurisdição, os juízes ou juízas que ocupam os juízos, que ele ou ela discorde do entendimento anterior, da 'sentença de total improcedência em outros casos idênticos', recusando, por isto mesmo, a rejeição liminar prima facie da petição inicial pelo fundamento aqui discutido" (A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2. p. 72). 80

Luciano Vianna Araújo analisa o artigo 285-A do Código de 1973, à luz do direito fundamento de acesso à Justiça: “A garantia de uma tutela jurisdicional célere e tempestiva deve ser analisada em relação ao autor e, também, ao réu. O art. 285-A do CPC permite que se cumpra tal garantia, com benefícios para as duas partes (autora e ré), principalmente para o réu; o qual, independentemente de sua vontade, enfrenta o litígio, ainda que não o deseje. O aumento brutal do número de processos e, por conseguinte, de recursos tem levado a diversas reformas processuais, com a finalidade precípua de otimizar os julgamentos. O art. 285-A do CPC exerce, da mesma forma, essa função.” (ARAÚJO, Luciano Vianna. Art. 285-A do CPC (julgamento imediato, antecipado e maduro da lide): evolução do sistema desde o Código de Processo Civil de 1939 até 2007. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 160, p. 157-179, jun. 2008. p. 177). 81

“Art. 112. [...] Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu.” 82

“Art. 219. [...] § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.” 83

“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.” 84

“Art. 736. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos.” 85

“Art. 739. O juiz rejeitará liminarmente os embargos: [...] III - quando manifestamente protelatórios.”

46

importante inovação incluída pela Emenda Constitucional n. 45/2004, com influência

direta no sistema processual civil: a súmula vinculante86, disposta no artigo 103-A da

Constituição Federal87; (ii) Lei n. 11.418/2006, que incluiu no CPC de 1973, por meio

dos artigos 543-A e 543-B, a repercussão geral como requisito de admissibilidade do

recurso extraordinário, o que já era previsto na Constituição Federal88 após a

Emenda Constitucional n. 45/2004; e (iii) Lei n. 11.419/2006, que dispôs sobre a

informatização do processo judicial, regulamentando, por exemplo a comunicação

eletrônica de atos processuais, a transmissão eletrônica de peças e

documentos, além da utilização da assinatura digital, o que permitiria uma maior

acessibilidade ao Poder Judiciário89.

Por fim, a Lei n. 11.672/2008 incluiu no CPC de 1973 o artigo 543-C90,

estabelecendo procedimento para julgamento de recursos especiais repetitivos, ou

seja, com fundamento em idêntica questão de direito.

O saneamento do processo, escopo do presente estudo, previsto no artigo

331 do Código de 1973, sofreu alterações nas duas primeiras fases reformistas aqui

citadas.

86

“[...] o que se tenta operar com a súmula vinculante é a produção nas instâncias jurisdicionais e na Administração Pública do respeito aos entendimentos da Corte Suprema acerca de tema já por ela legitimamente editado em súmula com eficácia vinculante, decorrendo de tal respeito, em sentido lógico, a promoção de valores como a isonomia e eficiência na prestação jurisdicional do serviço público da Justiça” (GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Predicados da súmula vinculante: objeto, eficácia e outros desdobramentos. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 207, p. 25-42, maio 2012. p. 28). 87

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.” 88

“Art. 102. [...] § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.” 89

Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina analisam de forma crítica as alterações promovidas pela Lei n. 11.419/2006: “[…] embora a lei em questão vincule o legislador e o administrador a certas diretrizes para a elaboração de normas complementares e formulação de políticas públicas, respectivamente, devem ser afastadas, de plano, interpretações no sentido de que a Lei 11.419/2006 obrigaria os jurisdicionados a adotar, imediatamente, o meio eletrônico para a consecução dos atos processuais. Caso contrário, haveria afronta ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional – correspondente ao direito de ação e de defesa (art. 5º, caput, da CF/1988), tendo em vista a realidade social e econômica brasileira. A imposição irrestrita de uso de meios eletrônicos para a prática de atos processuais poderá significar, na prática, uma barreira ao ajuizamento de ações judiciais por aqueles que não dispõem – nem podem dispor – de tais facilidades” (Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 292). 90

“Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.”

47

Inicialmente, a Lei n. 8.952/1994 alterou o texto original para tornar

obrigatória a designação de audiência de conciliação previamente ao saneamento

processual, quando houve a inserção de dois parágrafos, o segundo específico

sobre a decisão saneadora91.

A Lei n. 10.444/2002, por sua vez, alterou sucintamente o caput do artigo

331 e incluiu um terceiro parágrafo, tornando facultativa a audiência conciliatória

preliminar ao saneamento do processo92.

As alterações do CPC de 1973 no tocante ao saneamento do processo

foram insignificantes para a evolução dessa relevante fase processual. É importante

anotar que pelo fato de o legislador ter como foco a audiência preliminar

conciliatória, as modificações não permitiram uma prestação jurisdicional mais

efetiva; ao contrário, reduziram a importância do saneador, insculpido de forma

sucinta em apenas um parágrafo do artigo 331.

A redação original do artigo 331 da antiga lei processual, ainda após a

pequena alteração promovida pela Lei n. 5.925/197393, dedicava-se inteiramente ao

saneamento processual, com expressa menção à realização de perícia e prova oral

em audiência de instrução e julgamento. A preocupação exclusiva do legislador em

favorecer a conciliação entre as partes desvirtuou o propósito deste dispositivo legal,

deixando em segundo plano esta importante fase de formação de um verdadeiro

roteiro de organização e de julgamento do processo, o que veio a preservar o

deficiente exercício jurisdicional de saneamento.

91

“Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos disponíveis, o juiz designará audiência de conciliação, a realizar-se no prazo máximo de 30 (trinta) dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir. § 1

o Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença

§ 2o Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos,

decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.” 92

“Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. [...] § 3

o Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser

improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2

o.”

93 “Art. 331. Se não se verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções procedentes, o juiz, ao

declarar saneado o processo: I - decidirá sobre a realização de exame pericial, nomeando o perito e facultando às partes a indicação dos respectivos assistentes técnicos; II - designará a audiência de instrução e julgamento, deferindo as provas que nela hão de produzir-se.”

48

Além de todas as leis citadas, nas três fases de reforma do processo civil

brasileiro, quadra destacar, por força da Emenda Constitucional n. 45/2004, a

criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão destinado a exercer o

“controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do

cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (artigo 103-B, § 4º, da Constituição

Federal).

Decorrida mais de uma década de alterações no CPC de 1973, que passou

por três grandes reformas, percebe-se que não foi possível atingir a finalidade

disposta na atual Carta Magna, qual seja, garantir a prestação de uma tutela

jurisdicional célere, efetiva e adequada.

Assim também entende Vilian Bollmann94:

As afirmadas ‘reformas’ não atingem os fins a que se destinam simplesmente porque repetem a tentativa de modificar aspectos pontuais do sistema, mantendo o mesmo paradigma de comportamento anterior; algo como tirar com balde a água que

invade um barco em naufrágio.

Kazuo Watanabe95, ainda na primeira fase reformista, já previa a dificuldade

de se atingir plenamente o direito constitucional de acesso à justiça, por mais

alterações que fossem realizadas no Código Processual. No entendimento do

doutrinador:

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução.

João Batista Lopes96, à época da segunda etapa das reformas processuais,

já se posicionava sobre a necessidade de reestruturação da Justiça, não sendo

suficiente uma mera alteração na lei processual.

94

BOLLMANN, Vilian. Mais do mesmo: reflexões sobre as reformas processuais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 137, p. 153-170, jul. 2006. p. 153. 95

WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer - arts. 273 e 461 do CPC. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Org.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 20. 96

LOPES, João Batista. Efetividade do processo e reforma do código de processo civil: como explicar o paradoxo processo moderno - justiça morosa? Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 105, p. 128-138, jan./mar. 2002. p. 136.

49

A solução dos problemas do Judiciário requer análise e reflexão sobre as várias causas determinantes do atual quadro de morosidade da Justiça. Assim, conquanto necessária, não é suficiente a reforma processual sem o redimensionamento da máquina judiciária e a modernização da infra-estrutura do Poder Judiciário. A criação automática de cargos na proporção do aumento do volume de processos insere-se nesse contexto como providência urgente e inadiável. Da mesma forma, a informatização dos serviços e a melhoria das instalações cartorárias também contribuirão, em grande medida, para se alcançar o fim colimado. O anacronismo de nossa organização judiciária constitui sério entrave à celeridade processual e fator de comprometimento da imagem do Poder Judiciário. A partir dessa perspectiva talvez se possa lançar alguma luz para explicar o paradoxo que a todos nós intriga, isto é, a convivência entre um modelo de processo moderno e uma Justiça

morosa.

O problema do acesso à justiça, como analisado por José Eduardo Carreira

Alvim97:

[...] não é uma questão de ‘entrada’, pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder Público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. O problema é de ‘saída’, pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem, fazem-no pelas ‘portas da emergência’, representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, rezando, para

conseguir sair com vida.

Dessa exposição é fácil inferir que as deficiências do Poder Judiciário e do

sistema processual civil, combinadas com a postura dos operadores do direito, não

permitiram que as alterações legislativas alcançassem o fim almejado. Ademais, o

CPC de 1973, cheio de “remendos”, tornou-se insuficiente para que a garantia

constitucional fosse finalmente concretizada, tanto que se mostrou necessário

elaborar um novo Código de Processo Civil98.

97

ALVIM, José Eduardo Carreira. Justiça: acesso e descesso. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Brasília: Ajufe, v. 73, p. 165-183, jan./jun. 2003. p. 167-183. 98

Neste sentido, no fim da terceira fase de reformas no Código de 1973, posicionaram-se João Batista Lopes e Maria Elizabeth de Castro Lopes: “É de todos conhecido que o Código de Processo Civil vem sendo objeto de numerosas alterações com o declarado escopo de agilizar e desburocratizar o processo. Não passa despercebido ao observador atento que, em vários aspectos, as chamadas reformas setoriais representaram avanços no plano técnico, notadamente no que respeita ao regime do agravo de instrumento, à introdução da tutela antecipada como regra geral, à tutela específica, à eliminação de nova citação para o cumprimento da sentença etc. Quem advogou ao tempo em que vigorava a versão original do CPC de 1973 tem boa lembrança de que o agravo de instrumento era interposto em primeiro grau e dependia do escrivão para a formação do instrumento, o que, em muitas comarcas, exigia meses até que o recurso chegasse ao tribunal. O modelo foi modificado para que se pudesse levar, de imediato, o inconformismo ao tribunal, o que, sem dúvida, traduziu aprimoramento do sistema. Mais um passo adiante se deu com a admissibilidade do

50

1.4 O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS PREMISSAS

QUE O NORTEARAM

Como amplamente exposto, desde a promulgação da Carta Magna de 1988,

algumas garantias e direitos fundamentais constitucionais não foram plenamente

implementados. A prática demonstrou que o ideal constitucional de acesso à justiça,

em que os direitos de qualquer indivíduo devem ser adequadamente tutelados pelo

exercício jurisdicional, não será alcançado com a mera facilitação de ingresso de

ações judiciais.

Mas há outras variáveis que de forma direta ou indireta acabam por

influenciar o resultado final que deve ser entregue pelo Poder Judiciário. Um dos

principais aliados deste objetivo é o processo civil. Como instrumento, o processo

civil é capaz de garantir o pleno exercício de direitos, tutelando por exemplo aqueles

que têm razão, de acordo com o ordenamento jurídico. Aliás, a natureza jurídica do

processo sempre foi um tema debatido em nossa doutrina, pois conhecer as suas

origens e a sua composição contribui para a compreensão das suas premissas e,

enfim, da sua missão.

Olavo de Oliveira Neto e Patricia Elias Cozzolino de Oliveira99, a respeito,

lecionam:

chamado efeito ativo do agravo de instrumento. No que respeita à tutela antecipada e à tutela específica, é majoritária a opinião de que representaram um passo adiante rumo à efetividade, o que é proclamado até por processualistas estrangeiros que nos visitam. No que toca à substituição do processo de execução de sentença pelo cumprimento da sentença, a alteração também foi, de modo geral, bem recebida, posto que algumas reservas tenham sido opostas por parte da doutrina, notadamente em relação à falta de explicitude a respeito do termo inicial da multa de 10%. Mas algumas deficiências da legislação não foram até agora corrigidas, a saber: a) o art. 520 do CPC, que consagra a regra geral do duplo efeito da apelação, não foi modificado; b) permanece vigente a parcimoniosa disciplina da ação monitória; c) os numerosos procedimentos especiais estão a exigir adequada sistematização; d) as tutelas diferenciadas (e, em especial, a tutela de urgência) necessitam de disciplina adequada; e) o sistema recursal precisa ser simplificado; f) falta ao Código uma parte geral, com disposições aplicáveis às várias espécies de processo. Considerando-se as numerosas inovações introduzidas no ordenamento e as que deveriam ter sido por ele acolhidas, há que refletir sobre a necessidade ou conveniência de um novo Código para se restaurar o rigor sistemático da legislação.” (Reformas setoriais, harmonia do sistema normativo e efetividade do processo. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 162, p. 87-93, ago. 2008. p. 91). 99

OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVEIRA, Patrícia Eliza Cozzolino de. O processo como instituição constitucional. In: MOREIRA, Alberto Caminã; ALVAREZ, Anselmo Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Panorama atual das tutelas individual e coletiva. Estudos em homenagem ao professor Sergio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 637.

51

A reforma ideológica do Direito Processual Civil e a adoção, pela nossa constituição, de um modelo constitucional do Processo Civil Brasileiro, deram causa a uma necessidade ainda maior de repensar o Direito Processual, promovendo uma adaptação dos institutos existentes a essa nova realidade.

Essa também é a opinião de João Batista Lopes100, que considera

ultrapassada a ideia de que o processo deve ser encarado como relação jurídica.

O desempenho do processo civil é definido pela Constituição Federal e

como a constituição é “o seu ponto de partida e de chegada”, é adequado dizer que

a natureza jurídica do processo é de instituição constitucional.101

Apesar de o processo ser uma instituição, e desta premissa não se duvida,

os obstáculos existentes no ordenamento jurídico brasileiro para garantir uma justa

prestação jurisdicional – célere, efetiva e adequada – são muitos, entre eles a

ausência de estrutura do Judiciário, a postura dos juízes e o perfil do litigante

brasileiro. Acrescente-se que as reformas no âmbito do sistema processual civil não

foram aptas a atender o espírito dos princípios constitucionais e o CPC de 1973,

com tantos remendos, transformou-se em uma “colcha de retalhos”, insuficiente para

contornar a crise instaurada. As medidas implementadas acabaram por agravar o

cenário, sobrecarregando a máquina judiciária e impossibilitando a efetividade

processual102.

Dessa realidade contrária aos anseios do legislador originário de 1988

emergiu a necessidade de elaboração de um novo Código de Processo Civil,

norteado por premissas e princípios consagrados pela Constituição Federal.

100

LOPES, João Batista. Ação declaratória. São Paulo: RT, 2009. p. 26. 101

OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVEIRA, Patrícia Eliza Cozzolino de. O processo como instituição constitucional. In: MOREIRA, Alberto Caminã; ALVAREZ, Anselmo Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Panorama atual das tutelas individual e coletiva. 102

Sobre a ineficiência das reformas, assim se posicionou a Comissão de Juristas na Exposição de Motivos do novo Código de Processo Civil: “O Código vigente, de 1973, operou satisfatoriamente durante duas décadas. A partir dos anos noventa, entretanto, sucessivas reformas, a grande maioria delas lideradas pelos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, introduziram no Código revogado significativas alterações, com o objetivo de adaptar as normas processuais a mudanças na sociedade e ao funcionamento das instituições. A expressiva maioria dessas alterações, como, por exemplo, em 1.994, a inclusão no sistema do instituto da antecipação de tutela; em 1.995, a alteração do regime do agravo; e, mais recentemente, as leis que alteraram a execução, foram bem recebidas pela comunidade jurídica e geraram resultados positivos, no plano da operatividade do sistema. O enfraquecimento da coesão entre as normas processuais foi uma conseqüência natural do método consistente em se incluírem, aos poucos, alterações no CPC, comprometendo a sua forma sistemática.” BRASIL. Congresso Nacional. Comissão de juristas responsável pela elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 16 set. 2016.

52

Assim, para atingir o objetivo de instituição de um processo civil democrático

e constitucional em nosso ordenamento, por iniciativa do Senado Federal103, formou-

se uma Comissão de Juristas104, presidida pelo Ministro Luiz Fux105, para a

elaboração de um anteprojeto. De início, o trabalho da Comissão foi identificar os

avanços do sistema processual vigente, conservando-os e organizando-os, depois

adequar a lei processual à luz da Constituição Federal e pontuar os problemas

constatados no ordenamento, como a dispersão excessiva da jurisprudência, a

ausência de mecanismos efetivos para a autocomposição, a morosidade e o

formalismo.

De acordo com a “Exposição dos Motivos” do anteprojeto, a Comissão se

orientou por cinco objetivos:

1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.

Para harmonizar a lei processual civil à Constituição Federal inicialmente

foram incluídos dispositivos que pudessem dar concreção aos princípios nela

previstos.

Como se depreende da redação final aprovada do novo Código de Processo

Civil – instituído pela Lei n. 13.105/2015 e em vigor desde 18/03/2016 –, o primeiro

capítulo dispõe especificamente sobre as normas fundamentais do processo civil,

estabelecidas à luz das premissas constitucionais. Com este norte, entre as

103

Ato do presidente do Senado Federal, José Sarney, n. 379/2009. 104

Comissão composta pelos juristas Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora), Adroaldo Furtado Fabrício, Humberto Theodoro Júnior, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque Almeida, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Fialho de Almeida, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Elpídio Donizetti Nunes. 105

Luiz Fux, em pronunciamento constante no anteprojeto, antes da exposição de motivos, assim expôs: “Esse o desafio da comissão: resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere. [...] A metodologia utilizada pela comissão visou a um só tempo vencer o problema e legitimar a sua solução. Para esse desígnio, a primeira etapa foi a de detectar as barreiras para a prestação de uma justiça rápida; a segunda, legitimar democraticamente as soluções.” BRASIL. Congresso Nacional. Comissão de juristas responsável pela elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 16 set. 2016.

53

disposições processuais, foram atendidos os seguintes princípios: inafastabilidade

do controle jurisdicional106; conciliação107; celeridade108; boa-fé processual109;

participação e cooperação110; isonomia entre as partes111; ampla defesa e

contraditório112; necessária motivação dos atos113; segurança jurídica114;

flexibilização procedimental115; instrumentalidade das formas116; primazia do exame

de mérito117; dignidade da pessoa humana; proporcionalidade; razoabilidade;

legalidade; publicidade; e eficiência118.

106

“Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.”

107 “Art. 3

o [...] § 2

o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser

estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” 108

“Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a

atividade satisfativa.” 109

“Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a

boa-fé.” 110

“Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo

razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” 111

“Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e

faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” 112

“Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.” 113

“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.” 114

“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.” 115

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;” 116

“Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. [...] Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. [...] Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.” 117

“Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a

atividade satisfativa. [...] Art. 6

o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo

razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” 118

“Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem

comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

54

Leonard Ziesemer Schmitz119 esmiuçou cada uma das normas fundamentais

quando o Código processual ainda se encontrava na condição de projeto:

Os primeiros 12 artigos compõem um capítulo denominado ‘das normas fundamentais do processo civil’. O art. 1.º, a nosso ver desnecessário, é a positivação do ‘modelo constitucional de processo civil’, deixando-se explícito o que já é obrigatório em decorrência do sistema jurídico brasileiro: há um inegável enfoque do direito processual a partir do texto constitucional. Os arts. 2.º e 3.º traduzem, de maneira correta, os princípios da inércia e da inafastabilidade da jurisdição, alertando para o fato de que a arbitragem (realidade inescondível no cenário societário e negocial brasileiro e mundial) e a conciliação respeitam, e não ferem, a inafastabilidade da jurisdição. O art. 4.º merece destaque: ‘As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa’. Há, aqui, duas novidades muito importantes a serem ressaltadas. Primeiramente, a positivação dentro da legislação processual do princípio da ‘duração razoável do processo’, presente na EC 45/2004 e constante do art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988. E em segundo lugar, uma nítida contribuição da teoria do processo: a noção de que a efetiva satisfação do direito (material) é, sim, parte integrante do exercício jurisdicional e do processo. [...] Os arts. 5.º (princípio da boa-fé processual), 8.º (princípio da cooperação), 9.º e 10 (proibição de ‘decisões surpresa’ e princípio do contraditório efetivo) formam um conjunto de valores traduzidos no que a teoria denomina ‘princípio da colaboração’. [...] A positivação destas normas, de caráter programático, decorre diretamente da ideia de que o Estado de Direito Democrático, é, antes de tudo, participativo. Nas palavras do relatório-geral apresentado à Câmara dos Deputados: ‘A participação desborda dos limites estritamente políticos para se projetar em todas as manifestações da vida em comunidade. É pela participação que se legitima a conduta dos agentes de Estado que implementam o quanto deliberado nas instâncias próprias. Em outras palavras, a atuação do Estado, para ser legítima, há de decorrer das deliberações democráticas’. [...] O art. 6.º, por sua vez, é tentativa de estabelecer uma ‘regra hermenêutica’ que guia o método interpretativo do juiz, e apresenta-se carregada de conceitos jurídicos vagos: ‘Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência’. A positivação de uma norma nesses moldes é uma tentativa de dirigir a atuação do julgador, indicando quais são as diretrizes principiológicas e valorativas de que deve servir-se quando da tomada de decisões no curso do processo. [...] O art. 11 traduz o princípio da publicidade, já bastante sedimentado no processo civil brasileiro, e o art. 12 introduz a regra (que, por sua posição topográfica dentro do Código, deve ser encarada como uma norma fundamental do processo, embora nitidamente não o seja) de que ‘os órgãos jurisdicionais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão’.

119

SCHMITZ, Leonard Ziesemer. A teoria geral do processo e a parte geral do novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 55, p. 329-358, jul./set. 2013. p. 341-343.

55

Acerca da função das normas fundamentais expostas no Código de 2015,

Guilherme César Pinheiro120 expõe:

O Novo CPC traz consigo a expectativa de se imprimir uma nova racionalidade à prática jurídica de aplicação do Direito brasileiro, desde que ele seja interpretado em sua unidade e a partir de seus fundamentos constitucionais. Especialmente, a partir de suas normas fundamentais (art. 1.º a 12), as quais possuem aplicabilidade em todo o código e são norte interpretativo de todos os institutos processuais.

Para o cumprimento do segundo objetivo, nos termos da “Exposição de

Motivos”, procurou-se “converter o processo em instrumento incluído no contexto

social em que produzirá efeito o seu resultado”. Para tanto, foram criados

instrumentos aptos a possibilitar a resolução da lide de forma consensual, por meio

da mediação ou conciliação em audiência prévia, visando, sem qualquer imposição,

que as partes cheguem à conclusão de que a melhor forma de pôr fim ao conflito é a

composição amigável.

Ainda, com o intuito de contribuir de maneira qualitativa para a solução do

litígio, passou-se a dispor expressamente sobre o amicus curiae121, admitindo a

participação de um terceiro no processo e que, segundo a “Exposição de Motivos”,

possui “aptidão de proporcionar ao juiz condições de proferir decisão mais próxima

às reais necessidades das partes e mais rente à realidade do país”. Esse novo

conceito, que no Brasil tem como maior expoente o professor Cassio Scarpinella

Bueno, revolucionará a forma como os assuntos de maior relevância serão tradados

e conduzidos pelo Poder Judiciário.

A simplificação procedimental, por sua vez, foi atendida por meio de diversas

inovações. Há vários exemplos nesse sentido. A extinção de alguns incidentes,

passando, em preliminar de contestação, a ser impugnado o valor atribuído à causa

e o benefício de gratuidade de justiça, além de arguida qualquer espécie de

incompetência. Ainda, na peça de defesa, permite-se ao réu formular pedidos, não

120

PINHEIRO, Guilherme César. O novo código de processo civil e as alterações não explícitas sobre a petição inicial. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 258, p. 85-102, ago. 2016. p. 94. 121

“A palavra “amicus”, substantivo, por sua vez, corresponde, em português a “amigo”. A expressão que se consagrou no uso da doutrina (inclusive, embora ainda em estágio crescente, na brasileira) observa a segunda declinação do latim, e seu plural, de acordo com os doutos, é amici curiae. É essa a forma como empregamos ao longo do trabalho, quando nos referimos a uma pluralidade de “amicus” é empregada na forma nominativa do latim. As demais classes a que a palavra “amicus”, pode pertencer, de acordo com a gramática latina, são descartadas aqui, porque estranhas à língua portuguesa.” BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 7.

56

sendo mais necessária a apresentação de reconvenção. A interposição de recursos

também foi simplificada mediante a uniformização do prazo em quinze dias, com

exceção dos embargos de declaração. O agravo retido não é mais previsto na lei

processual, podendo as questões que não comportarem agravo de instrumento ser

alegadas em preliminar de apelação, sem se operar a preclusão122.

Para maior rendimento do processo, o CPC de 2015 criou a estabilização de

tutela, a qual permite a manutenção da eficácia da medida de urgência até eventual

impugnação pela parte adversa.

No âmbito dos recursos excepcionais, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o

Superior Tribunal de Justiça (STJ) não poderão, respectivamente, deixar de

conhecer recurso extraordinário cujo fundamento seja infringência a dispositivo da

Constituição da República, nem recurso especial que abordar violação à lei

infraconstitucional. O tribunal que se julgar incompetente para analisar matéria que

lhe for submetida deverá remeter à outra corte para julgamento.

Por fim, para atender ao quinto objetivo – organizar e dar coesão ao sistema

jurídico –, institui-se, no Livro I, uma Parte Geral do novo Código, onde são

mencionadas questões como: princípios e garantias fundamentais do processo civil;

sujeitos do processo; terceiros interventores; juiz e auxiliares da justiça; atos

processuais; provas; tutelas de urgência e de evidência; formação, suspensão e

extinção do processo. O Livro II, por sua vez, trata das fases de conhecimento e de

cumprimento de sentença do processo, além dos procedimentos especiais. O Livro

III aborda o processo de execução. O Livro IV dispõe sobre os processos nos

tribunais e meios de impugnação de decisões judiciais. Por último, são expostas as

disposições finais e transitórias.

122

Rodrigo Barioni discorre sobre o intuito do legislador em ampliar o objeto do recurso de apelação no Código de 2015: “A modificação do regime de preclusões e a ampliação do objeto do recurso de apelação pelo novo Código de Processo Civil, para permitir a impugnação de decisões que na vigência do Código de Processo Civil de 1973 eram recorríveis por meio de agravo retido, representam importantes inovações no sistema, que devem ser cuidadosamente estudadas pelos processualistas. Pretende-se reduzir o número de recursos, cujo julgamento muitas vezes deixa de ser interessante às partes, em vista do desenvolvimento do processo ou de seu resultado. A iniciativa apresenta-se com potencial para reduzir a atividade das partes (hoje obrigadas a agravar na forma retida, apresentar contraminuta e posteriormente reiterar o pedido de julgamento nas razões recusais) e do Poder Judiciário (pela dispensa do processamento do agravo retido em primeiro grau e, a depender da conduta das partes, pela não impugnação das questões decididas em decisões interlocutórias, em razão da perda de interesse das partes)” (Preclusão diferida, o fim do agravo retido e a ampliação do objeto da apelação no novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 243, p. 269-280, maio 2015. p. 275).

57

Em relação ao saneamento do processo no Código de 2015, aplicaram-se

na redação do artigo 357123 os objetivos traçados pela Comissão de Juristas por

ocasião da elaboração do anteprojeto. Nesta fase processual, com o ensejo de criar

um ambiente colaborativo no âmbito do processo, os juristas prestigiaram aspectos

como eliminação de questões processuais pendentes, delimitação das questões de

fato sobre as quais recairá cada meio de prova admitido, distribuição adequada do

ônus da prova e especificação das questões de direito relevantes para o julgamento

da causa e, ao mesmo tempo, princípios processuais fundamentais, em especial

aqueles atinentes a motivação dos atos judiciais, conciliação, celeridade, boa-fé

processual, participação e cooperação, tratamento isonômico das partes, ampla

defesa e contraditório, segurança jurídica, eficiência e primazia do exame de mérito.

Nesse sentido, com as disposições dos parágrafos do artigo 357, permitir-

se-á que as partes (i) peçam esclarecimentos e solicitem ajustes na decisão

saneadora; (ii) apresentem delimitação consensual de questões de fato e de direito;

e (iii) participem de audiência para a realização do saneamento de forma

cooperativa. Estas disposições, vale lembrar, foram orientadas por princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direito como a ampla defesa e o

contraditório, a boa-fé processual, a participação e cooperação, a igualdade de

tratamento entre as partes e a flexibilização procedimental.

As inovações aqui mencionadas, que se sintonizam com os objetivos

alinhados pela Comissão de Juristas, criam não só as condições para que o

magistrado possa não só proferir decisão de acordo com a realidade da causa, mas

também colaboram para resolver o problema do sistema antigo de saneamento, em

que as decisões eram mecânicas e mal fundamentadas, mas também possibilitar

maior rendimento ao processo na medida que a decisão saneadora passa a ser um

123

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. § 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável. § 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz. § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.”

58

verdadeiro roteiro de organização e de julgamento do processo para o juiz e para as

partes.

As disposições do novo código processual civil podem ser consideradas

positivas para a realização de uma prestação jurisdicional tempestiva e efetiva, mas

a alteração legislativa que se procedeu é apenas parte da solução do problema

porque, concomitantemente, é necessária uma mudança na postura e no

comportamento de todos os sujeitos que participam do processo – partes,

advogados, serventuários da Justiça e, principalmente, juízes, cujos deveres

passam a ser abordados na seguinte seção.

1.5 DEVERES DO JUIZ NO NOVO PROCESSO CIVIL

Muitos são os empecilhos que impedem a concretização de uma tutela

jurisdicional plena, nos moldes definidos pelo constituinte de 1988. Um entrave que

contribui para que a máquina judiciária funcione indevidamente é o comportamento

dos juízes124. Não é novidade, na rotina forense, o exercício da função jurisdicional

de forma desinteressada e negligente, sem o devido compromisso com o resultado

final da correspondente atuação. São poucos os magistrados que realmente

cumprem com seus deveres e se esforçam para que a prestação jurisdicional seja

efetiva. Alguns juízes, ao ingressarem na magistratura até demonstram força de

vontade, mas acabam esmorecendo, tornando-se meros expectadores do processo.

A justificativa é a de que vivem sufocados pelo sem-número de ações e, ademais,

não lhes é proporcionada a estrutura requerida para a prestação jurisdicional

124

A conclusão a que chegam Wilson Levy, Fredie Didier Jr., José Renato Nalini e Glauco Gumerato Ramos sobre a figura do juiz, “[...] é a de que o magistrado, numa democracia, nem é o deus que alguns ingenuamente pensam que são, nem monarcas soberbos ou semideuses que olham de cima para baixo, com desprezo ou piedade, o restante dos mortais. Nem os senhores absolutos, que muitos desejam ser, mas um servidor indispensável e qualificado a quem se defere a delicada, difícil e desafiadora função de garantir um máximo de segurança para os integrantes do grupo social avaliarem as consequências dos conflitos em que se envolverem, buscando sempre e incansavelmente lograr o máximo de coerência entre as expectativas que o direito positivo colocou para os interagem na sociedade e as soluções que lhe darão, quando fracassarem as instituições sociais nessa tarefa. Costumo afirmar que nada é mais significativo para diagnosticar o grau de saúde política de um povo do que fazer uma análise realística do papel que nela desempenha a magistratura. É só este fato de ser o magistrado o referencial básico para isso já diz tudo sobre a importância do Judiciário, mas por igual sobre sua imensa responsabilidade. Daí não podermos nem devermos ser injustos ou displicentes no julgar aqueles que nos julgam” (. Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 614).

59

adequada e célere. Com o discurso de que nunca darão conta do ofício, trabalham

cada vez menos, em geral somente meio período, acumulando um grande número

de processos pendentes de julgamento, sem contar que o exemplo se espraia pelos

cartórios de suas respectivas varas e pelos serventuários, que também passam a

entrar no “esquema” de produzir pouco, tornando o sistema mais moroso e

improdutivo. De qualquer modo, se a quantidade de trabalho é vultosa, no exercício

de seu ofício o juiz deveria, ao menos, preocupar-se com a qualidade e fazer valer a

máxima de que “a Justiça tarda, mas não falha”. Não é o que vem ocorrendo nas

últimas décadas.

As falhas na prestação da tutela jurisdicional são diversas. Neste ponto do

estudo, é pertinente elencar aquelas constatadas com maior frequência.

Qualificar como desatenta a leitura das peças processuais pelos juízes pode

parecer desrespeitoso, até em razão de muitos advogados prolixos exagerarem,

sem necessidade, na redação das petições. Todavia, as peças sucintas, por vezes

de uma única página, não raro recebem o mesmo tratamento: não são analisadas

adequadamente. Por este motivo, decisões são proferidas em descompasso com o

suscitado pelas partes, com fundamentação insuficiente ou até inexistente.

As decisões judiciais atuais são passíveis de inúmeras críticas, a começar

pelos responsáveis pela elaboração destes pronunciamentos. Em certas ocasiões,

não são os juízes que redigem o decisum, ficando a tarefa a cargo de estagiários

e/ou assessores, até mesmo sem a revisão do magistrado.

Outro problema é a ampla utilização de modelos de decisões concisas e

padronizadas, sem fundamentação e sem vínculo com o que é discutido

especificamente na lide – a decisão de saneamento do processo por exemplo nunca

é tratada com a devida importância pelos juízes. Muitas das decisões “pré-

fabricadas” prestigiam o formalismo em detrimento do direito material, fortalecendo

assim a nefasta jurisprudência defensiva.

A jurisprudência nacional, pode-se dizer, é um conglomerado de opiniões

divergentes. Falta uniformidade nas decisões judiciais proferidas pelos tribunais, o

que transforma o Judiciário em uma verdadeira loteria, aumentando, desta feita, o

clima de insegurança jurídica no país.

A realidade do exercício jurisdicional, antes mesmo da vigência do CPC de

2015, já se mostrava incompatível com os deveres impostos aos juízes pelo Código

de 1973 e pela própria Constituição Federal.

60

Como é cediço, dos poderes atribuídos ao juiz125, dois são fundamentais: o

poder de decisão, que o autoriza a conhecer, instruir e julgar os casos que lhe

submetidos; e o poder de coerção, que lhe permite a determinação de medidas

coercitivas destinadas a assegurar o resultado prático do que fora decidido126. Para

o exercício destes poderes, o magistrado necessita cumprir obrigações e observar

os limites expressamente previstos em lei, de modo a exercer adequadamente a

atividade jurisdicional.

A propósito, o CPC de 1973 (no artigo 125 e seguintes) elencava como

principais deveres dos juízes: (i) assegurar igualdade de tratamento às partes e

julgar com imparcialidade; (ii) buscar a rápida solução da lide; (iii) reprimir atos

atentatórios à dignidade da Justiça; (iv) tentar, a qualquer tempo, a conciliação entre

as partes; (v) aplicar, no julgamento da ação, as normas legais ou, se inexistentes,

recorrer a analogia, costumes e princípios gerais do direito; (vi) decidir por equidade

somente nos casos previstos em lei; (vii) julgar a ação dentro dos limites em que foi

proposta, sendo defeso o conhecimento de questões não suscitadas, que, por lei, é

exigida a iniciativa da parte; (viii) impedir que as partes se utilizem da ação para a

prática de ato simulado ou ilegal; (ix) determinar, de ofício ou por provocação, as

provas necessárias à instrução do processo; (x) apresentar em sentença os motivos

que influíram na formação do seu convencimento; (xi) necessariamente, julgar a lide

após participar de sua instrução oral127; e (xii) não atuar no processo na condição de

suspeito e/ou impedido128.

125

Roberto Rosas tece o seu parecer sobre o exercício do poder da seguinte maneira: “Os limites da extensão do poder estão nos exatos termos da configuração do poder e do seu exercício pretensamente desenvolvido. Mas não é tarefa fácil definir esses limites, porquanto a sede de poder, os desmandos, os desregramentos, influem substancialmente no condicionamento do exercício do poder. Por isso, Rui afirmou: ‘Poder não é ter obrigação de fazer alguma coisa, não é estar adstrito a praticar alguma ação. É ter o direito, a competência, a autoridade para uma função, para um ato, para uma coisa. Usará dessa autoridade, exercerá essa competência, quando caiba, quando importe, quando julgue. Não obrigatoriamente. Não fatalmente. Não cegamente. Mas apreciativamente. Mas discricionariamente. [...] Claro está que em todo poder se encerra um que legitimem o seu uso, mas não deixar de o exercer, dadas as condições que o exijam’ (Obras Completas de Rui Barbosa, v. 47, t. 3, 1920, p. 23). Assim, a exigência do poder para seu exercício é de meridiana necessidade, sem a qual ou se concederá além do requerido – e aí haverá o abuso – ou então, requisitado o exercício, não o fizer.” (Do abuso de direito ao abuso de poder. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 66-67). 126

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil - processo de conhecimento. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 71. 127

“Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.” 128

Artigos 134 e seguintes do Código de 1973.

61

Os magistrados, na vigência do antigo Código, também possuíam outras

faculdades, como: (i) apreciar livremente a prova produzida (livre convencimento),

atendendo aos fatos e circunstâncias constantes no processo (art. 131); e (ii)

possibilidade de julgar o processo no estado em que se encontra, quando a questão

de mérito fosse unicamente de direito ou se ocorresse a revelia (art. 330, inc. I e II).

Outras obrigações jurisdicionais dos magistrados decorrem dos preceitos

constitucionais, por exemplo garantir o devido processo legal129, a ampla defesa e o

contraditório130, bem como fundamentar e dar publicidade às decisões131.

A rotina forense, contudo, evidenciava que as faculdades eram utilizadas e,

por outro lado, muitos deveres ficavam relegados a segundo plano. Obrigações

como imparcialidade, celeridade, efetivas tentativas de conciliação, fundamentação

adequada das decisões e busca da verdade por meio de produção de provas

determinadas de ofício132 raras vezes eram atendidas pelos magistrados133, quase

constituindo letra morta em nosso ordenamento.

Não obstante os problemas recorrentes na vigência do CPC de 1973 terem

contribuído para que as reformas legislativas não fossem eficientes, as inovações do

novel diploma processual civil de 2015, por si sós, não surtirão os efeitos desejados

se os magistrados não mudarem a postura habitual.

129

“Art. 5º [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” 130

“Art. 5º [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 131

“Art. 93. [...] IX - Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.” 132

Sobre a busca da verdade, Alexandre Freitas Câmara assim se posiciona: “Sempre sustentei que

o processo tem por fim a atuação da vontade concreta do direito. Ademais, sempre fiz questão de dizer que a jurisdição não é uma função estatal de composição das lides. Agora, por coerência, tenho de dizer que o processo tem por fim produzir decisões verdadeiras, isto é, decisões que estejam de acordo com a verdade dos fatos. E para isso, é preciso que a instrução probatória busque determinar a verdade. Deste modo, é preciso reconhecer que quando o juiz determinar, de ofício, a produção de alguma prova, o faz no exercício de sua função de julgador, já que busca, com tal determinação, preparar-se para proferir decisão que esteja de acordo com a verdade e, pois, seja capaz de atender às finalidades do processo” (Poderes instrutórios do juiz e do processo civil democrático. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 153, p. 33-46, nov. 2007. p. 42-43). 133

A atuação ineficiente e pouco ativa dos juízes é historicamente pautada no princípio do livre convencimento. Na lição de Gabriel Dolabela Raemy. Rangel: "O princípio do 'livre convencimento' é uma verdadeira balbúrdia jurídica, que vem sendo interpretado como um cheque em branco para o atuar dos juízes em valorar tudo na forma com que bem quiser." (A legitimidade do poder judiciário no regime democrático. São Paulo: Laços, 2014. p. 81).

62

No tocante às obrigações do juiz, o CPC de 2015 determina, de plano, em

seu artigo 3º134, que os métodos de solução consensual devem ser estimulados.

Com essa ênfase, a toda evidência, busca-se o incentivo à composição amigável,

pouco praticada no sistema processual civil brasileiro até então. Se o magistrado

passar a fomentar a conciliação nas diversas fases processuais, inevitavelmente

contribuirá para desafogar a máquina judiciária em significativas proporções135.

O artigo 12 do CPC de 2015, em sua redação original136, também exigia dos

juízes obediência à ordem cronológica dos processos. Esta disposição, no entanto,

foi alterada antes da vigência da lei processual. Agora, por força da Lei n.

13.256/2016: “Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à

ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.”.

Em capítulo destinado à definição de poderes, deveres e responsabilidades

dos juízes, o código processual civil vigente apresenta estrutura semelhante ao

anterior (CPC de 1973), mas com acréscimo, de forma expressa, de algumas

incumbências jurisdicionais (artigo 139137): (i) indeferimento de medidas

134

“Art. 3o. [...] § 3

o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos

deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” 135

Desde a vigência do novo Código de Processo Civil, são recorrentes os despachos de juízes afastando a designação de audiência prévia de conciliação ou mediação devido à ausência de estrutura. Trata-se de clara violação ao disposto no artigo 334 da lei processual. Se um dos deveres do magistrado é fomentar a solução consensual, deve este realizar o ato no início do processo mesmo que a sua comarca não disponha de conciliadores e mediadores, sem prejuízo de designação de nova audiência no curso do feito com a presença de um destes auxiliares da Justiça. 136

“Art. 12. Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.” 137

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela duração razoável do processo; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; VII - exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais; VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso; IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei

63

protelatórias; (ii) determinação de medidas assecuratórias do cumprimento das

ordens judiciais; (iii) promoção, a qualquer tempo, da autocomposição com o auxílio

de conciliadores e mediadores; (iv) dilação dos prazos processuais e alteração da

ordem de produção das provas, adequando-as às necessidades de cada lide; (v)

exercício do poder de polícia; (vi) requisição, a qualquer tempo, de comparecimento

pessoal das partes para esclarecimentos sobre os fatos da causa; (vi) determinação

de suprimento de pressupostos processuais e saneamento de vícios; e (vii) missão

de oficiar os legitimados para a propositura de ação coletiva quando se deparar com

demandas individuais repetitivas.

Mas há outros dispositivos do CPC de 2015 que evidenciam o importante

dever jurisdicional de prevenção, que consiste em dar oportunidades às partes para

sanar vícios e irregularidades138 constatados no processo139. Para exemplificar, o

artigo 801140 dispõe sobre a correção da petição inicial, enquanto o artigo 1.007141

nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva. Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.” 138

Teresa Arruda Alvim Wambier discorre sobre “irregularidades” e “nulidades”: “Certo é que a nulidade consiste muitas vezes no resultado da falta de um elemento que deveria integrar necessariamente um ato ou do afastamento deste ato das formas ou do tipo legal a que deva corresponder. Mas este não é senão um aspecto do problema, de natureza predominantemente formal. Vimos, aliás, que há certos vícios que não resultam de um defeito intrínseco do ato, mas decorrem da circunstância de o ato viciado (derivadamente) ter ocorrido num segmento em que houve um outro ato nulo, anteriormente (originariamente), sendo que o vício deste terá contaminado todos os atos subsequentes, tornando-os também nulos e, portanto, vulneráveis quanto à sua eficácia. Logo, dizer-se que o ato irregular é o ato que tem um ‘defeito menos’, embora pareça ser verdadeiro, consiste, a nosso ver, em enunciado que não resolve todos os problemas. Dall’Agnol Jr. distingue, a nosso ver com razão, entre irregularidades corrigíveis e incorrigíveis: aquelas seriam, por exemplo, a ausência de rubrica ou numeração nas folhas dos autos, e estas seriam, v.g, o desrespeito aos prazos impróprios, pelo juiz ou seus auxiliares. A distinção entre as irregularidades e as nulidades absolutas, dentro do esquema que propomos, não é tarefa das mais difíceis, um vez que cuidamos de traçar com clareza o perfil das nulidades: são os vícios decorrentes de infrações às regras relativas ao pressupostos genéricos de admissibilidade da apreciação e julgamento do mérito (nulidade derivada, por exemplo, sentença de mérito, proferida apesar da falta de uma das condições da ação) e a falta de elemento do ato (nulidade originária, por exemplo, sentença sem relatório). [Grifo da autora]” (Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 189). 139

DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 198, p. 213-226, ago. 2011. p. 219. 140

“Art. 801. Verificando que a petição inicial está incompleta ou que não está acompanhada dos documentos indispensáveis à propositura da execução, o juiz determinará que o exequente a corrija, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de indeferimento.” 141

“Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. [...] § 2

o A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção

se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias. [...]

64

permite o complemento das custas recursais.

O atual artigo 927, por sua vez, com o intuito de estabilizar a jurisprudência,

determina que os magistrados observem: (i) decisões do Supremo Tribunal Federal

em controle concentrado de constitucionalidade; (ii) enunciados de súmula

vinculante; (iii) acórdãos de resolução de demandas repetitivas e julgamentos de

recursos extraordinário e especial repetitivos; (iv) enunciados das súmulas do

Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça; e (v) orientação do

plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Para o saneamento do processo, ato judicial escopo deste estudo, o CPC de

2015, consoante o disposto nos incisos do artigo 357, impõe um rol de obrigações

aos juízes, entre as quais se reputam de maior relevância: (i) a delimitação das

questões de fato sobre as quais recairá cada meio de prova admitido; (ii) a

distribuição dinâmica do ônus da prova, incumbindo à parte com maior facilidade

para produzi-la; e (iii) a especificação das questões de direito relevantes para a

decisão do mérito.

Outra disposição de grande importância para a fase de saneamento do

processo é a presente no § 3º do artigo 357, que assim estabelece:

Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.

O legislador do CPC de 2015, por meio dessas disposições, tenta

claramente sanar problemas graves enraizados em nosso sistema, como

morosidade, litigiosidade excessiva, má-fé processual, inflexibilidade, formalismo,

ausência de cooperação, desinteresse do magistrado pela busca da verdade real142

§ 4

o O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo,

inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. [...] § 6

o Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão

irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo. § 7

o O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção,

cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.” 142

“Somos daqueles que repudiam essa distinção. No estágio atual da evolução do pensamento do processo civil não há mais como admitir deva ele se contentar com uma outra verdade que não aquela que corresponda na medida do possível, àquilo que realmente ocorreu ou está para ocorrer no mundo dos fatos e, por isso mesmo, dá ensejo à propositura da ação. Se o que se busca no processo penal é uma ‘verdade real’, é essa mesma verdade que deve motivar o processo civil. O processo é público, e os compromissos do juiz com a sociedade também o são, trata-se de processo

65

e falta de uniformidade nas decisões.

Todavia, a redação legal não é suficiente. A situação atual somente

começará a ser revertida se os juízes, em especial, passarem a cumprir

minimamente o disciplinado na lei processual vigente.

Gil Ferreira de Mesquita, com sua análise, corrobora a assertiva:

É justamente através da aplicação das normas processuais [...] é que o processo civil brasileiro pode chegar ao estágio de evolução em que se encontra atualmente: se ainda não se configura como sistema desejado em sua totalidade, pelo menos é o que tivemos de mais avançado em toda história jurídica nacional, especialmente após as reformulações sofridas pelo Código de Processo Civil desde o ano de 1994, certamente influenciadas pelas bases democráticas lançadas pela Constituição Federal. Nessa linha de raciocínio devemos observar que os órgãos judicantes não agem, nem devem agir, como simples repetidores mecânicos de regras legisladas, porque a tarefa de aplicação à lei abstrata ao caso concreto, através da correta aplicação normativa (consoante as regras do sistema hermenêutico), transcende, em muito, a simples e automática adaptação do direito objetivo (norma agendi) às peculiaridades e vicissitudes da lide para caracterizar a autêntica construção judicial do direito, através, do processo, como um verdadeiro compromisso entre a estabilidade e a evolução; a regra e o ideal de justiça; o indivíduo e o grupo; a liberdade e o governo.143

O atendimento estrito às regras processuais é apenas o início do caminho

que permitirá vislumbrar um cenário processual sintonizado com os princípios de

atual Carta Magna brasileira. Para tanto, quer dizer, para o alcance do ideal

constitucional de acesso à justiça, os magistrados precisam e devem ir além144.

Se o intuito do legislador do CPC de 2015 foi tornar mais rápido o trâmite

processual, este propósito será atingido se o magistrado, entre outras incumbências,

interessar-se pela gestão do cartório de sua vara: um ambiente organizado

voltado à aplicação da lei penal ou da lei não penal. A distinção entre as ‘verdades’ não justifica a distinção desses – e de outros – ramos do direito processual. Os valores constitucionais a serem realizados pelo processo, civil ou penal, são os mesmos. O ‘modo de ser’ do processo é um só, totalmente vinculado à Constituição Federal. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro, p. 59. 143

MESQUITA, Gil Ferreira de. Princípio do contraditório e da ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 108. 144

“Há, portanto, dentro do atual contexto de processo civil, a nítida influência de outros fatores e elementos não processuais na constituição de um sistema mais efetivo. Dos magistrados, exige-se não somente o perfil técnico e jurídico, mas também conhecimentos sobre outros ramos do conhecimento, como economia, política, psicologia e administração, características extras que possam estar em sintonia com a árdua tarefa que lhes é posta, sem o tradicional formalismo que a profissão historicamente impõe. Parece evidente a necessidade de se exigir dos magistrados mais do que conhecimento jurídico, mas, para que não sejamos injustos vale lembrar que outros fatores são determinantes para a construção de um poder judiciário mais moderno, efetivo e com credibilidade.” GOMES, Gustavo Gonçalves. Juiz participativo – meio democrático de condução do processo. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 22.

66

favorecerá o trabalho dos serventuários e a celeridade dos procedimentos.

Ademais, na condução da marcha processual para frente, os

pronunciamentos judiciais objetivos são indispensáveis, de modo a não revolver

desnecessariamente questões já expostas ou decididas nos autos. A repressão de

medidas notoriamente protelatórias das partes também contribui para este objetivo.

A jurisprudência utilizada como fonte preferencial do direito pode igualmente

favorecer a celeridade processual. Significa dizer que a observância dos

magistrados aos posicionamentos emanados dos tribunais, especialmente os

superiores, proporciona não só a desejada segurança jurídica como abrevia a

análise de questões de fato e de direito.

A preocupação da lei processual com a efetiva análise do direito material

também deve orientar o juiz a assumir algumas posturas145. A atuação participativa é

uma delas146. A utilização proativa dos poderes instrutórios147, considerados os

145

“Vale ressaltar que o exercício das atribuições conferidas ao juiz para capitanear a condução do processo tem como norte equilibrar e acelerar o caminho para a solução da contenda. Ao manejar o instrumento do modo mais apropriado para cada hipótese, longe de estar agindo contrariamente à lei ou com arbítrio, apenas imprime o traçado a ser seguido com base em dispositivos processuais que permitem fazê-lo. Nessa linha é que se destaca o incentivo à superação de atecnias na prática de atos processuais por parte de serventuários, advogados ou do próprio órgão jurisdicional, sempre no intuito de aproveitar ao máximo o processo como meio eficaz para compor a lide. Mais ainda, tem-se como resultado mediato uma deferência ao princípio da economia processual, bem como à garantia constitucional da durabilidade razoável. Da mesma forma que o juiz é chamando a participar ativamente da instrução, determinando a produção de provas relevantes à elucidação de fatos controvertidos independentemente das partes (art. 130 do CPC), aguarda-se dele conduzir o procedimento de sorte a evitar prática ou repetição de atos processuais desnecessários. Dentre alternativas, poderá: a) reputar válido ato praticado em desobediência a forma predeterminada quando atingida sua finalidade essencial (arts, 154 e 244 do CPC); b) reconhecer a ocorrência de vício sem determinar que a falha seja suprida ou renovado o ato quando constatar ausência de prejuízo à parte a quem aproveitar a declaração de nulidade (art. 249 do CPC); c) avalizar atos praticados a despeito do erro de forma, desde que não resulte prejuízo a algum dos litigantes (art. 250 do CPC); d) converter o julgamento em diligência no segundo grau de jurisdição para sanar a deficiência, evitando a anulação da sentença e a involução na marcha procedimental (art. 515, §4º, do CPC).”. SILVEIRA, João José Custódio da. O juiz e a condução equilibrada do processo, p. 40. 146

Maria Elizabeth de Castro Lopes traça um paralelo entre a postura dinâmica do magistrado e o ativismo judicial: “Pensamos que a expressão ativismo judicial pode ser utilizada justamente para indicar essa postura dinâmica do juiz, mas não, evidentemente, para transformá-lo em dono do processo ou advogado de uma das partes. A fixação do conceito de ativismo judicial precisa ser feita de maneira criteriosa, porque não deve significar a hipertrofia dos poderes do juiz, nem a liberdade para descumprir regras processuais, sob pena de sofrermos as consequências de um processo autoritário. Por exemplo, rejeitamos a chamada discricionariedade judicial, já que, diferentemente do que ocorre no direito administrativo, o juiz não deve decidir segundo razões de conveniência ou oportunidade, mas sim em função da necessidade da tutela jurisdicional. Assim, a concessão de uma tutela de urgência depende da demonstração da necessidade imediata do provimento, não sendo suficiente a simples conveniência ou oportunidade. Também entendemos que a atividade do juiz não se limita à aplicação das ‘regras do jogo’ (já que se exige dele atuação dinâmica na condução do processo) e também é exato que ele não deve se converter em investigador de fatos. Aliás, nem mesmo no processo penal o juiz deve atuar como investigador. Não se pode admitir que, a pretexto de realização da verdadeira justiça, o juiz se transforme em advogado dos hipossuficientes, o que, evidentemente, desvirtua a verdadeira função processual. Também não se pode aceitar que o juiz se

67

meios de prova admitidos em lei, é uma importante estratégia para o magistrado

chegar à verdade real148, que não poderá contentar-se com a mera verdade “formal”

contida no universo dos autos a partir apenas das alegações e das provas trazidas

pelas partes149.

Para o juiz, bem sabemos, não existe uma obrigação de meio no processo,

apenas de resultado. Com este propósito o magistrado precisará expurgar os vícios

culturais formalistas e de inflexibilidade que ainda atingem o processo e, em

cooperação150 contínua com as partes – não sendo possível a composição amigável

converta em legislador, o que contraria o princípio da separação de poderes. É inconcebível que o juiz, ‘a partir de um difuso e muito particular sentido de justiça’ ignore a ordem normativa vigente e decida de acordo com suas tendências políticas ou preferências pessoais. Costuma-se dizer que o juiz não julga a lei, mas conforme a lei, o que não significa, porém, aplicação fria e mecânica da norma.” (LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Ativismo judicial e novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 205, p. 301-306, mar. 2012. p. 302-303). 147

Teresa Arruda Alvim, à época da primeira onda reformista do Código de 1973, já defendia uma postura mais ativa dos juízes na instrução processual, Nas palavras da doutrinadora: “[...] hoje se vem paulatinamente difundindo a idéia de que o juiz deve desempenhar papel muito mais ativo na fase probatória do processo. Essa idéia, como se disse acima, parte de uma preocupação honesta com o acesso à justiça e também, do ponto de vista estritamente dogmático, da noção adequadamente entendida no sentido de que o processo é direito público, e que disso decorrem conseqüências inarredáveis. Se o processo é direito público, toda a questão ligada ao interesse das partes fica, sob essa ótica, esmaecida. Não tem sentido assim, falar-se em que o juiz teria ‘favorecido’ uma das partes. Ao magistrado interessa a busca da verdade, e, se casualmente, com essa busca, indiretamente, estiver ‘favorecendo uma das partes’, isso importa nada ou muito pouco. Quando os fatos a serem esclarecidos fazem com que emerja a verdade, no sentido de que B, e não A, tem direito, não se pode dizer que o juiz esteja perdendo a sua neutralidade, deixando de ser imparcial ou ‘pendendo’ para uma das partes. Na fase probatória, segundo essa nova visão, deve o juiz agir concomitantemente e em condições de igualdade em relação às partes: ordenar que se faça uma perícia, ouvir as partes, ouvir e reouvir testemunhas. Na atividade do juiz, tem-se a garantia de que estar-se-á buscando a verdade. O mesmo não se pode dizer quanto à das partes, que estarão sempre querendo mostrar o lado da realidade que lhes interessa” (ALVIM, Teresa Arruda. Reflexões sobre o ônus da prova. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 76, p. 141-145, out./dez. 1994. p. 143). Olavo de Oliveira Neto também se posiciona a respeito: “O Juiz não está circunscrito às provas propostas pelas partes. Pode não as admitir, porque desnecessárias, impossíveis ou protelatórias, como também determinar, até de ofício, a produção de outras. [...] os poderes instrutórios do juiz permitem uma postura mais ativa e interventiva do Juiz, deixando de lado a posição de mero expectador dos atos das partes.” (OLIVEIRA NETO, Olavo de. Princípio da proibição da prova ilícita. In: _____; CASTRO LOPES, Maria Elizabeth de. (Org.). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Campos Jurídico, 2008. p. 193-214). 148

O Código de 2015, de forma expressa, dispõe sobre a relevância da busca pela verdade real: “Art. 378. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.” 149

Segundo José Manoel de Arruda Alvim Netto, a verdade formal “é aquela retratada no processo e juridicamente idônea para se constituir no juízo histórico e para suportar a decisão do juiz, a qual, muitas vezes, é diversa, sabidamente diversa, da verdade material” (Dogmática jurídica e o novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, p. 85-133, jan./mar. 1976. p. 99). 150

Além da cooperação com as partes, o Código de 2015 institui o dever de cooperação nacional entre os órgãos jurisdicionais (artigos 67 a 69), de forma a facilitar a atividade do juiz. Este dever pode ser executado, nos termos do artigo 69, das seguintes formas: “I - auxílio direto; II - reunião ou apensamento de processos; III - prestação de informações; IV - atos concertados entre os juízes cooperantes. [...] § 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para: I - a prática de citação, intimação ou notificação de

68

– proferir uma decisão justa. Dessa maneira, será possível decidir, de forma

qualitativa e bem fundamentada, sobre o mérito da causa. Esse comportamento, é

importante destacar, precisa ser perseguido pelos magistrados desde o início do

processo e intensificado na fase de saneamento. Acrescente-se que ao participar

ativamente e em cooperação151 com as partes, oportunizando a manifestação,

sempre que possível, e considerando todos os seus argumentos, no momento de

decidir o juiz facilmente: (i) eliminará vícios e irregularidades processuais; (ii) fixará

os pontos controvertidos da causa; (iii) determinará as provas necessárias para a

busca da verdade real; (iv) delimitará as questões de fato em que cada uma das

provas recairá; (v) distribuirá o ônus da prova adequadamente; e (vi) especificará as

questões de direito relevantes para a decisão do mérito. Esses requisitos mínimos

são, na verdade, um roteiro para a adequada organização e instrução do processo e

contribui, por conseguinte, para a efetiva prestação da jurisdição.

O novo CPC deve, portanto, representar um divisor de águas, a partir do

qual os juízes passarão a observar minimamente as regras processuais. Se assim

não procederem, poderão responder por perdas e danos, conforme previsão do

artigo 143 da nova lei processual152.

ato; II - a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos; III - a efetivação de tutela provisória; IV - a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas; V - a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; VI - a centralização de processos repetitivos; VII - a execução de decisão jurisdicional.” 151

“Certo que as partes, como sujeitos parciais da relação processual, e o juiz na qualidade de sujeito imparcial, não tem interesses iguais refletidos no contraditório. Este, o juiz, não pode, por definição, ter interesse nenhum naquilo que julga, sob pena de ruptura com um dos sustentáculos da jurisdição, que é imparcialidade; aquelas, as partes, têm interesses seus deduzidos em juízo, e que são por definição também, colidentes. Isso, contudo, não significa que não existia outro tipo de interesse, que é comum a todos os sujeitos processuais, que é o de resolver a questão pendente de apreciação pelo Poder Judiciário da melhor forma possível, imunizando-a de ulteriores discussões. É esse o contexto em que o principio da cooperação tem sua incidência. Não se trata, pois, apenas de salientar a importância do contraditório, mormente a partir de sua visão mais tradicional, típica de uma forma, de uma concepção, de Estado e de Direito, mas, mas amplamente, viabilizar um constante diálogo, uma verdadeira conversa entre os sujeitos processuais para que cada qual se desincumba da forma mais escorreita possível de seus deveres, direitos, faculdades, ônus e obrigações ao longo de todo o procedimento.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro, p. 55-56.) 152

“Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias.”

69

A função de rígido controle do exercício jurisdicional153 cabe principalmente

ao Conselho Nacional de Justiça, que aplicará as sanções previstas.

A mudança de comportamento por parte dos juízes, conforme as novas

disposições processuais e com as diretrizes constitucionais, contribuirá para que a

concretização da prestação jurisdicional rápida e efetiva e de um sistema processual

democrático e justo. Para este propósito, é imprescindível que se altere a postura

das partes e que prevaleça a boa-fé processual durante o trâmite do feito.

1.6 DEVERES E POSTURA DAS PARTES NO PROCESSO CIVIL

Não basta criticar o comportamento dos juízes e apontá-los como

responsáveis por problemas constatados na rotina forense. Para que a tutela

jurisdicional plena um dia seja alcançada, da forma prevista no texto constitucional,

também é imprescindível que ocorra uma mudança de postura das partes no

processo.

A prática revela que o litigante brasileiro raramente é dotado de boa-fé

processual154. À figura do litigante, a propósito, está associada também a de quem

153

O Conselho Nacional de Justiça contribui para a efetividade da prestação jurisdicional ao exercer controle sobre a atividade dos magistrados e demais membros do Poder Judiciário, definindo, para tanto, um plano anual de metas. Para o ano de 2016, entre as metas instituídas pelo CNJ, podemos destacar: (i) julgamento de maior quantidade de processos do que os distribuídos durante o ano de 2015; (ii) julgamento dos processos mais antigos – o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, deverá julgar 99% dos processos distribuídos até 31/12/2011 e 90% dos processos distribuídos em 2012; (iii) aumento dos casos solucionados por meio da conciliação em relação ao ano anterior; (iv) impulsionar processos de execução; (v) priorizar o julgamento de ações coletivas – no âmbito da Justiça Estadual, deverão ser julgadas, até 31/12/2013, 60% das ações coletivas distribuídas em 1º grau, e, até 31/12/2014, 80% das ações coletivas distribuídas em 2º grau; (v) priorizar o julgamento de processos dos maiores litigantes e de recursos repetitivos. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Metas nacionais para 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/f2ed11abc4b5ddea9f673dec7fe39335.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016. 154

Fredie Didier Jr. explica a diferença entre boa-fé subjetiva e objetiva, esta última prevista no Código de Processo Civil: “Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a antecipação dos efeitos da tutela prevista no inc. II do art. 273 do CPC. A ‘boa-fé subjetiva’ é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O inc. II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito do processo: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções.” (Multa coercitiva, boa-fé processual e

70

representa: o advogado. O advogado, munido de capacidade postulatória155 e

conhecendo o sistema processual civil, poderá, querendo, trilhar caminhos indevidos

e utilizar artifícios para retardar o processo e prejudicar a parte adversa.

Quando o autor ou o réu sugere a estratégia a ser adotada no processo é o

advogado quem atua para chegar à finalidade almejada, mesmo que a conduta

processual seja protelatória ou de má-fé156. Exemplos nesse sentido são as

orientações de empresas rés, fornecedoras de produtos/serviços, para que seus

advogados utilizem todos os mecanismos procrastinatórios existentes, com o

propósito de eventual condenação ser contingenciada em data futura. Apesar de

muito remota a chance de êxito em demandas de natureza consumerista e do

entendimento jurisprudencial que lhe dá suporte, a estratégia largamente adotada é

a de “recorrer até o fim”. O advogado, no afã de agradar o cliente, acata a orientação

sem qualquer ressalva. Trata-se de inequívoco abuso do direito157 de defesa,

representando típica conduta de má-fé da parte e de seu advogado. Este último,

ocasionalmente, vai além quando durante a instrução processual ou em fase

recursal apresenta argumentos inverídicos, com o intuito de induzir os magistrados

em erro158, atuação maliciosa que, por vezes, é bem-sucedida.

William Santos Ferreira159 define bem a situação:

Em nosso país, litigar é quase um dever. Para os advogados isto é indiscutível. Em nossa sociedade é raro se ver o advogado como um ‘gestor’ que pode colaborar na busca de uma solução conciliatória, ou, ainda que se mantido o conflito, que este apenas seja centrado no que realmente importa: a aplicação do direito e a solução do conflito. O advogado é visto como um guerreiro que deve saber

supressio: aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 171, p. 35-48, maio 2009. p. 37). 155

Nos termos da Constituição Federal, artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça [...].”. 156

Segundo Jeferson Isidoro Mafra “A má-fé é a consciência de agir em desacordo com a lei; de descumprir obrigações; a intenção de prejudicar alguém. Contrapondo-se à conduta de boa-fé, a má-fé contamina e vicia o ato praticado. O ato fraudulento, doloso, simulado e praticado com má-fé não é legítimo e, portanto, não gera efeitos: é anulável.” (Dever de cumprir ordem judicial. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 818, p. 741-758, dez. 2003. p. 745). 157

Cândido Rangel Dinamarco define o abuso de direito como “o uso de meios legítimos além dos limites da legitimidade de seu uso” (Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 2. p. 267). O Código Civil, por meio do artigo 187, qualifica o abuso de direito como ato ilícito: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” 158

Conduta, esta, proibida pelo Código de Ética e Disciplina da OAB: “Art. 6º É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé.” 159

FERREIRA, William Santos. Responsabilidade objetiva do autor e do réu nas tutelas cautelares e antecipadas: esboço da teoria da participação responsável. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 188, p. 9-51, out./ 2010. p. 10.

71

operar muito bem com as armas do processo. Aliás, não é à toa que o tratamento paritário no processo é chamado de paridade de armas160.

Outra prática corriqueira é a demonstração de boa vontade do autor da

demanda, que se dispõe a realizar composição amigável e encerrar a lide, mas o

advogado o convence de manter a ação em curso com o discurso de que a causa é

ganha e que o valor indenizatório certamente será mais elevado do que o proposto

pela parte adversa. Nessas hipóteses, obviamente, a intenção do patrono é garantir

os honorários de sucumbência, além de honorários contratuais de êxito calculados

sobre o valor superior a ser pago em futura execução.

Uma postura diversa dos advogados em ambas as situações reduziria

sensivelmente o número de processos que seguem em trâmite. Na primeira delas,

apesar da orientação de contínua litigância pelo cliente, o advogado tinha o dever de

apresentar alternativas, apontar as vantagens e os riscos161. Um acordo mesmo

antes de uma decisão definitiva de mérito pode favorecer as empresas fornecedoras

não apenas em razão da possibilidade de pagamento de valor inferior ao da

condenação, mas pela consciência de que o montante indenizatório em posterior

execução será excessivo, considerando-se a aplicação de índice de correção e os

160

“[...] a ideia da paridade de armas teve ressonância em vários países como a Espanha, a Argentina e o Brasil. A doutrina a ela se refere no sentido de que sejam garantidas às partes e aos intervenientes não só as mesmas oportunidades de atuação no processo, com alegações e requerimentos, mas também os mesmos instrumentos de ataque e defesa para que o juiz possa, ao final, proclamar a solução mais justa e equânime da causa. Como se vê, direção material do processo e paridade de armas são ideias afins quando se busca a efetividade da tutela jurisdicional. Até que ponto, porém, pode o juiz valer-se da chamada direção material do processo? O sistema confere ao juiz o poder de auxiliar a parte mais fraca? Pode admitir-se, entre nós, om chamado assistencialismo judicial? A resposta é negativa, porque o processo não é uma instituição filantrópica ou assistencialista.” (MEDINA, José Miguel Garcia. Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 266). Ainda, sobre o princípio da igualdade das armas, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira assim disserta: “[...] o celebrado princípio processual da igualdade de armas (waffengleichheit), a ordenar a ampla igualdade técnica (ou a cada um segundo a sua capacidade para a realização de uma tarefa específica) e econômica (ou igual satisfação das necessidades fundamentais) entre os interessados, constitui o complemento necessário e específico do princípio do contraditório um dos meios dirigido à obtenção da plena igualdade entre os interessados. Feitas essas reflexões, cumpre salientar o profícuo relacionamento entre a iniciativa do juiz em tema de prova e o princípio do contraditório no sentido da mitigação da desigualdade entre as partes no processo civil. Como é sabido, não basta que as partes ‘lutem com as armas’ de que disponham, sob a fiscalização de um juiz preocupado exclusivamente em prevenir ou reprimir as eventuais infrações das regras da ‘disputa’. Decididamente, o juiz deve assumir um papel ativo no processo. Ao Juiz cabe fomentar a participação efetiva dos interessados no curso inteiro do procedimento. Somente assim poderá ser reduzida, quiçá suprimida, a desigualdade entre as partes. Os poderes do juiz, portanto integram e disciplinam o princípio do contraditório no sentido da promoção da igualdade entre os interessados” (Prova cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 134). 161

Este dever é imposto ao advogado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB: “Art. 8º O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.”.

72

juros incidentes. Na segunda situação, tão presente no cotidiano jurídico, a postura

desejável do advogado, na defesa dos direitos e interesses de quem representa,

deveria ser a de estimular a conciliação162, acatando a vontade do cliente. Os

processos, pelo tempo de tramitação, podem causar muitos aborrecimentos às

partes. Uma resolução amigável, por mais que não abarque todas as pretensões das

partes, é capaz de causar um grande alívio. O mister do advogado é, portanto, lutar

apenas pelos interesses de seu cliente e nunca sobrepor o próprio interesse.

A atividade do litigante contumaz, com ou sem a participação de advogados,

é um terceiro evento típico constatado, em virtude da facilitação da Lei n.

9.099/1995. Especialmente no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, em causas

cuja matéria é a relação de consumo, estes “litigantes profissionais”, sem qualquer

comprovação de vícios de produtos/serviços, ajuízam ações em face de empresas

que já não possuem boa fama perante os tribunais. Assim, demonstrando evidente

má-fé, elaboram petições iniciais confusas e ilógicas – as quais prejudicam a ampla

defesa e o contraditório, mas raramente são indeferidas mediante reconhecimento

de inépcia –, requerendo, ao final, indenizações por danos inexistentes, e não raro

acabam beneficiados pela desídia dos magistrados.

Além da negligência do juiz, outros fatores contribuem para alimentar a

ocorrência de fraudes processuais, como a política implementada por grandes

empresas, com a realização de acordos independentemente da análise do direito do

demandante, e a orientação de pronto pagamento de condenações fixadas ainda em

primeira instância nos Juizados Especiais Cíveis, tendo em vista o alto valor das

custas para a interposição de recurso.

Na vigência do CPC de 1973, os artigos 14 e 15 elencavam os seguintes

deveres das partes e de seus procuradores em juízo: (i) expor os fatos de acordo

com a verdade; (ii) manter conduta pautada na lealdade163 e na boa-fé; (iii) não

formular pretensões ou se defender sem que tenha fundamento para tanto; (iv) não

produzir provas ou praticar outros atos inúteis ou desnecessários; (v) cumprir

devidamente os comandos judiciais, não criando embaraços para a efetivação

162

O Código de Ética e Disciplina da OAB determina, em seu artigo 2º, parágrafo único, VI, como dever do advogado “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”. 163

Para Cássio Scarpinella Bueno: “O princípio da lealdade significa que a atuação de todos os sujeitos do processo, sempre entendida a expressão na sua forma mais ampla de qualquer partícipe do processo, deve ser pautada nas noções de boa-fé, probidade e eticidade.” (Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 505-506).

73

destes; e (vi) não empregar expressões injuriosas nos autos do processo.

O parágrafo único do artigo 14164 e as disposições previstas nos artigos

16165 a 18 prescreviam as responsabilidades das partes166 e as sanções por

litigância de má-fé167.

O artigo 17, especificamente, assim definia os atos de litigância de má-fé: (i)

deduzir pretensão ou defesa contra norma legal ou fato incontroverso; (ii) alterar

propositadamente a verdade dos fatos; (iii) utilizar-se do processo para atingir fim

ilícito; (iv) resistir injustificadamente ao andamento do processo; (v) atuar de forma

temerária em qualquer ato do processo; (vi) provocar incidentes infundados; e (vii)

interpor recurso com manifesto intuito protelatório.

O artigo 18, por sua vez, determinava sanções aos litigantes de má-fé:

condenação ao pagamento de multa não excedente a um por cento do valor da

causa; indenização – em quantia não superior a vinte por cento do valor da causa –

em razão dos prejuízos sofridos pela parte contrária, além de honorários

advocatícios e despesas que tenha efetuado.

Quanto ao abuso na utilização de recursos, o artigo 538, em seu parágrafo

único168, dispunha sobre a aplicação de multa em caso de oposição de embargos

164

“Art. 14. [...] Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.” 165

“Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.” 166

Responsabilidades e sanções aos advogados são disciplinadas pelo estatuto da OAB. O fundamento de a parte arcar com a responsabilidade processual, por ato perpetrado por seu advogado, reside na culpa in eligendo. 167

João Batista Lopes, em análise da natureza da responsabilidade por litigância de má-fé e dos danos dela decorrentes, assim expõe: “Cuida-se de responsabilidade subjetiva, decorrente de dolo processual [...]. A má-fé caracteriza-se, essencialmente, pela intenção de prejudicar e, por isso, não se presume, isto é, incumbe à parte prejudicada o respectivo ônus da prova. Contudo, como a má-fé se traduz, às vezes, por expedientes ardilosos e sutis, sua prova é difícil, o que tem levado a doutrina a contentar-se com meros indícios, desde que veementes e concordantes. Põe-se, também, a questão da natureza do dano que autoriza as sanções por litigância de má-fé. Trata-se do dano resultante dos atos processuais praticados pela parte (procrastinação abusiva, falseamento dos fatos, utilização de expedientes escusos etc.) ficando, pois, fora da previsão legal o dano resultante de atos extraprocessuais.” (O juiz e a litigância de má-fé. Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 740, p. 128, jun./ 1997. p. 128). 168

“Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10%

74

declaratórios com fins protelatórios.

No tocante à execução, o CPC de 1973 também instituía deveres,

responsabilidades e sanções às partes, em seus artigos 475-O, I169, 600170, 601171 e

740, parágrafo único172.

As disposições do CPC de 1973, entretanto, não foram suficientes – nem

efetivamente aplicadas na prática forense – para garantir a postura ética requerida e

coibir condutas tão reprováveis.

Na tentativa de impedir comportamentos abusivos das partes, o legislador do

CPC de 2015 incluiu, no artigo 77173, alguns deveres não previstos no artigo 14 da

antiga lei processual: (i) indicar, no primeiro momento em que se manifestar nos

autos, o endereço onde receberão intimações, devendo atualizar essa informação

em caso de alteração; e (ii) não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou

direito litigioso. Em caso de não atendimento desta última obrigação e daquela

contida no inciso IV do artigo 77 (efetivo cumprimento das decisões jurisdicionais), (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.” 169

“Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; [...]” 170

“Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: I - frauda a execução; II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III - resiste injustificadamente às ordens judiciais; IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.” 171

“Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução. Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.” 172

Art. 740. [...] Parágrafo único. No caso de embargos manifestamente protelatórios, o juiz imporá, em favor do exeqüente, multa ao embargante em valor não superior a 20% (vinte por cento) do valor em execução.” 173

“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.”

75

consideradas violações graves e que constituem atos atentatórios à dignidade da

justiça, os parágrafos do mesmo dispositivo174 determinam punição mais severa:

multa de até vinte por cento sobre o valor da causa e, sendo este irrisório, em até

dez vezes o valor do salário mínimo.

No Código vigente, o artigo 80175, reproduzindo o mesmo texto do artigo 17

do CPC de 1973, relaciona os atos considerados como de litigância de má-fé. O

artigo 81, por seu turno, sofreu algumas alterações em comparação ao artigo 18:

para a condenação do litigante de má-fé, o legislador fixou multa entre um e dez por

cento do valor corrigido da causa ou, se este for irrisório, até dez vezes o valor do

salário mínimo.

Outros dispositivos do novo Código de Processo Civil também abordam a

litigância de má-fé e o atentado à dignidade da Justiça: (i) artigo 536176, pertinente à

fase de cumprimento de sentença; (ii) artigo 702177, alusivo ao procedimento

174

“Art. 77. [...] § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. § 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2o será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97. § 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º. § 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2o poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo. § 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará. § 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º. § 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.” 175

“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.” 176

“Art. 536. [...] § 3o O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente

descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.” 177

“Art. 702. [...] § 10. O juiz condenará o autor de ação monitória proposta indevidamente e de má-fé ao pagamento, em favor do réu, de multa de até dez por cento sobre o valor da causa.§ 11. O juiz condenará o réu que de má-fé opuser embargos à ação monitória ao pagamento de multa de até dez por cento sobre o valor atribuído à causa, em favor do autor.”

76

especial da ação monitória; (iii) artigo 918178, trata dos embargos à execução; e (iv)

artigo 1.026179, concernente aos embargos de declaração.

A sobrecarga de causas no Poder Judiciário e o prolongamento do trâmite

processual se devem, em muitos casos, à postura das partes e de seus advogados.

Logo, a mudança de comportamento destes atores do processo deve ser igualmente

exigida na vigência do novo Código de Processo Civil, não se restringindo ao juiz o

dever de transformação.

A boa-fé processual aparece nesse contexto como garantia de verdadeira

mudança e, enfim, como meio de atingir o ideal de processo civil constitucional. O

comportamento balizado pela boa-fé deve ser exigido das partes, do juiz e também

na relação advogado-cliente, sobretudo a partir do saneamento do processo.

A conduta colaborativa180 entre os participantes da relação jurídica

processual (autor, réu e juiz)181 auxilia na correta definição dos pontos

178

“Art. 918. O juiz rejeitará liminarmente os embargos: [...] III - manifestamente protelatórios. Parágrafo único. Considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios.” 179

“Art. 1.026. [...] § 2o Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o

tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa. § 3

o Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será elevada a

até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final. § 4

o Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores houverem sido

considerados protelatórios.” 180

“As partes devem colaborar entre si e com juízo ou o tribunal; e o juiz ou tribunal devem cooperar com as partes. Relativamente às partes, a instauração do litígio evidencia pretensões antagônicas de cada um dos envolvidos quanto ao direito material, o que não lhe retira o dever de colaborar no âmbito do processo. É possível identificar, no processo, pelo menos um ponto convergente entre autor e réu, consistente em que ambos buscam a resolução da disputa levada a juízo. Às partes recai o dever de cooperação, da participação a fim de cooperar para que o processo tramite em tempo razoável (livre de incidentes desnecessários), de modo custoso, na identificação dos pontos controvertidos e que as partes cumpram as decisões judiciais e colaborem com a efetivação do direto garantido pela sentença, sendo responsáveis pelo resultado do processo. O juízo ou o tribunal devem colaborar com as partes mediante a utilização das técnicas da gestão processual e pelo rigoroso respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa. No âmbito do gerenciamento do processo, o princípio da cooperação incide como guia em relação a participação das partes entre si e com o juiz, e do juiz com as partes quanto à condução da marcha processual e suas técnicas.” CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O gerenciamento de processos judiciais. Em busca da efetividade da prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. v. 10. p. 152-153. 181

Araken de Assis anota: “Deve-se à obra de Oskar Bülow, por vários títulos a formulação pioneira da teoria do processo como relação jurídica. Equivaleu ao verdadeiro nascimento da ciência do processo, conforme acentua Cândido Rangel Dinamarco, a banal e surpreendente afirmativa que ele constituiria ‘uma relação de direitos e obrigações recíprocas, vale dizer, uma relação jurídica’. Esta noção, àquela altura, nada continha de particularmente inovadora, seja quanto ao conceito de relação jurídica, elaborada pelos civilistas alemães do século XIX, seja quanto à sua aplicação ao processo, pois nas entrelinhas dos contemporâneos de Bülow, a ela se citava. Indiscutivelmente, porém, pela vez primeira se caracterizava esta relação jurídica, tendo por sujeitos as partes e o órgão judiciário, e

77

controvertidos, no deferimento das provas necessárias à instrução processual e na

distribuição do ônus da prova de maneira adequada, tudo a fim de se formar um

verdadeiro roteiro de organização e de julgamento do processo.

As partes, portanto, desde o início do processo, deverão cooperar com o juiz

de forma proativa para a construção de uma decisão saneadora qualitativa, se

possível já na inicial e na contestação, mediante a apresentação das questões de

fato e de direito que entendem ser relevantes para a resolução do mérito da causa.

Em suma, a efetiva cooperação entre todos os atores do processo deve

estar sempre presente, seja para possibilitar o encerramento da lide mediante

acordo, seja para se atingir a verdade e resolver o mérito da causa de forma justa.

Qualquer ato de litigância de má-fé atentatório à dignidade da justiça ou de abuso de

direito de ação ou de defesa182 deve ser punido e reprimido com severidade,

cabendo ao juiz a correta aplicação dos dispositivos legais previstos no sistema

processual civil de 2015.

1.7 COMBATE À LITIGIOSIDADE

As alterações legislativas, como analisado, são insuficientes para reformar o

sistema processual civil com vistas à plena garantia constitucional de acesso à

justiça. Assim, para dar conta qualitativamente de toda a demanda processual

desta simples e relevantíssima realidade científica, consoante Bülow, se distinguiu, em seguida, os pressupostos de constituição da relação material, posta em causa, e os da relação processual, que a ela se sobreporia. Nota-se que tal concepção, ao fim e ao cabo, somente deu colorido público, ressaltando o papel do órgão jurisdicional, as teses do processo como contrato ou quase-contrato. Evidentemente, observa Couture, apenas uma perspectiva profundamente distorcida na situação compulsória gerada pelo processo, que vincula o réu, a despeito da sua indiferença ou resistência, e impõe ao autor, de qualquer modo, o desfecho desfavorável, quanto aos seus interesses, da sua própria iniciativa de acudir à tutela do Estado, um liame resultante da vontade exclusiva das partes. Tais teses obsoletas e artificiais desmerecem outras considerações. Ora, duas se revelam as consequências da presença de uma relação de índole pública, face à participação do Estado, no processo: primeira, firmou-se, de uma vez por todas, a autonomia de estrutura relativamente ao direito material, o que se manterá incólume e sobranceiro a impugnações de vulto, mesmo rejeitada, ulteriormente, a teoria da relação por suas rivais; segunda, esclareceu-se, e esta a vantagem palpável desta teoria sobre as anteriores, a diferença entre processo e procedimento.” (Cumulação de ações. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 28-30). 182

De acordo com Candido Rangel Dinamarco, o Código de Processo Civil instituiu um sistema tríplice de proteção à litigância de boa-fé: "Em resumo, têm-se por contrárias ao princípio da boa-fé e lealdade (a) as condutas tipificadas como litigância de má-fé, (b) as definidas como atos atentatórios à dignidade da Justiça e (c) as que, embora não tipificadas, caracterizem abuso de direito no processo." (Instituições de direito processual civil, p. 261).

78

existente, além da reestruturação da máquina judiciária, há que se exigir uma

mudança radical na postura dos sujeitos do processo, ou seja, do juiz e das partes.

O combate à cultura de litigiosidade estabelecida em nosso ordenamento

exige várias frentes de atuação. Por óbvio, são importantes as inovações

processuais adotadas, aliadas à mudança de comportamento dos operadores do

direito, cujo escopo é a efetividade do processo, entretanto, se o objetivo é

desafogar o Judiciário, a necessidade primordial é fomentar as formas alternativas

de resolução de conflitos, em especial a conciliação e a mediação.

Bem a propósito, a conciliação e a mediação não serão nomeadas neste

estudo como alternativas de solução de conflitos ante o entendimento de que o

processo litigioso é que deveria ser considerado uma alternativa de solução de

conflito quando soluções menos impactantes, menos desgastantes e mais

inteligentes, amigáveis (mediação, conciliação, arbitragem etc.) não fossem

suficientes. Estes, sim, deveriam ser os métodos principais e usuais para solucionar

as controvérsias.

A realidade da justiça brasileira demonstra que, seja por falta de orientação,

seja por ausência de alternativas extrajudiciais, as partes não se esforçam para

chegar a uma composição amistosa antes de recorrerem ao Judiciário, deixando

para este poder a tarefa de decidir a lide183.

O CPC de 2015, em respeito ao princípio da conciliação, deu o primeiro

passo para modificar esse cenário ao instituir diversas disposições que favorecem a

autocomposição184 e convocar todos os sujeitos do processo a aplicá-la. O juiz, em

especial, tem o dever de promover a solução amigável, em qualquer momento do

processo, de preferência com o auxílio de conciliadores e mediadores judiciais185.

A criação da audiência prévia de mediação ou conciliação também é uma

importante inovação processual e poderá ser designada de pronto pelo juiz186 para

183

Leonardo Greco, sobre a constituição da lide, ensina: “Toda vez que dois sujeitos disputam um bem da vida e um deles se dirige ao juiz contra o outro, pedindo que esse bem lhe seja atribuído com exclusividade, há uma lide e a jurisdição é contenciosa. A atitude do sujeito passivo da lide pode ser ativa, de resistência, ou uma atitude passiva, de insatisfação.” (Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 1. p. 90-91). 184

Na autocomposição, os envolvidos cedem parte do seu direito em prol do fim do litígio. 185

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; [...]” 186

“Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com

79

ser realizada presencialmente ou por meio eletrônico187, salvo em caso de

discordância expressa das partes188. A medida poderá ser indicada na inicial189, pelo

autor, e por petição, pelo réu, até dez dias antes da audiência190.

Para incentivar a autocomposição, a lei processual vigente possibilitou a

realização de mais de uma sessão191 da audiência destinada à conciliação ou

mediação192 e passou a dispor sobre responsabilidades e sanções imputadas às

partes em caso de não comparecimento injustificado193. No entanto, a previsão mais

importante implementada pelo CPC de 2015 com vistas à solução consensual na

audiência prévia é a presença necessária de conciliadores e mediadores194 –

devidamente remunerados195 –, na posição de auxiliares da Justiça196, sendo,

antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.” 187

“Art. 334. [...] § 7

o A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da

lei.” 188

“Art. 334. [...] § 4

o A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; [...] § 5

o O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá

fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.” 189

“Art. 319. A petição inicial indicará: [...] VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.” 190

“Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data: [...] II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;” 191

“Art. 334. [...] § 2o Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não

podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.” 192

Luis Fernando Guerrero ensina a diferença entre Conciliação e Mediação dentro do novo sistema processual: “A conciliação [...] conta com a proposta de solução do litígio pelo terceiro imparcial, no caso o conciliador, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Já na mediação (...) o mediador auxilia as pessoas interessadas a compreenderem as questões e os interesses envolvidos no conflito e posteriormente identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo. Ou seja, não há propostas de solução do litígio por parte do terceiro imparcial, mediador.” (Conciliação e mediação - novo CPC e leis específicas. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 41, p. 19-42, abr./jun. 2014. p. 25). 193

“Art. 334. [...] § 8

o O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado

ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.” 194

“Art. 334. [...] § 1

o O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou

de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.” 195

“Art. 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.” 196

Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o

80

inclusive, dedicada uma seção processual a estes profissionais (artigos 165 a 175).

A intenção clara do legislador foi alterar o quadro processual anterior, de

audiências conciliatórias ineficazes. Por essa razão, determinou aos tribunais a

criação de centros de solução consensual de conflitos, o desenvolvimento de

programas para auxiliar, orientar e estimular a autocomposição197 e a capacitação

profissional198 de conciliadores199 e mediadores200.

A presença obrigatória de profissionais capacitados e remunerados para a

autocomposição em audiência prévia de conciliação ou mediação201 já é uma grande

evolução em relação ao sistema processual anterior, em que juízes despreparados

ou conciliadores voluntários e desinteressados permaneciam como meros

espectadores da audiência.

Alisson Farinelli e Eduardo Cambi202 explicam a importância da participação

compulsória de conciliadores e mediadores devidamente preparados em audiência

prévia. Na avaliação destes autores:

A aproximação das partes, com vistas ao diálogo, à negociação e à busca pelo consenso, auxiliados por um terceiro preparado para esse fim, aumenta o grau de legitimação do Poder Judiciário. Isto porque o acordo é formulado pelas partes, com a ajuda qualificada de um conciliador ou mediador, bem como com a chancela do juiz. Assim, uma justiça que prima pelo consenso mútuo produz resultados mais satisfatórios, considerando que a solução de conflitos, com o esteio em técnicas não adversariais, aponta para uma efetividade que,

depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.” 197

“Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.” 198

“Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional. § 1

o Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade

credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.” 199

“Art. 165. [...] § 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver

vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.” 200

“Art. 165. [...] § 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo

anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.” 201

O artigo 166 do CPC de 2015 dispõe sobre os princípios da conciliação e da mediação: “A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.” 202

FARINELLI, Alisson; CAMBI, Eduardo. Conciliação e mediação no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 194, p. 277-306, abr. 2011. p. 286.

81

dificilmente pode ser alcançada pela via tradicional da imposição do direito nos casos concretos. [...] é um passo importante na descentralização da justiça. Permite que outras pessoas se envolvam com a solução da controvérsia. Tira do juiz o papel exclusivo de buscar conciliar os litigantes. Isto é importante porque, não raro, o juiz, para não realizar o pré-julgamento da demanda, não bem exerce o papel de conciliador, optando por não interferir na solução pacífica do conflito, sob o pretexto de comprometer o princípio da imparcialidade. A verdade é que os juízes são, normalmente, preparados para proferir sentença e, por vezes, não é comum

constatar o seu despreparo para conduzir a conciliação.

Com a nova disposição processual, que funciona como verdadeiro filtro,

espera-se uma substancial redução de casos analisados pelos juízes anualmente.

Para tanto, como explicitado linhas atrás, desde o início do processo, as partes203

deverão estar dispostas a conciliar e resolver a lide. Agindo com lealdade e boa-fé,

em colaboração recíproca, poderão evitar o martírio da espera pela resolução da

causa e o dispêndio com custos processuais e honorários advocatícios.

Na hipótese de não ser realizada a composição amigável na audiência

prévia, a disposição para a solução consensual deverá permanecer ao longo de todo

o processo, na fase cognitiva ou na fase executiva, cabendo ao próprio advogado

estimular a conciliação e demonstrar as suas vantagens e as consequências do

litígio204.

203

Quando falamos em partes, a efetiva conciliação também deve ser buscada pelos entes públicos, maiores litigantes do Judiciário, como bem explicita Fredie Didier Jr.: “Há certo dissenso na prática forense em relação à possibilidade de conciliação nas causas que envolvem pessoas jurídicas de direito público. Existe um mau vezo de se relacionarem tais causas com suposto interesse público, a não permitir a realização de qualquer espécie de autocomposição. Trata-se de equívoco lamentável. São inúmeras as hipóteses de autocomposição envolvendo interesse de ente público, não sendo temerário afirmar, por exemplo, que a maior parte dos conflitos fiscais se resolve por acordo de parcelamento firmado perante a repartição pública, longe das mesas de audiência do Poder Judiciário. A lei, inclusive, prevê expressamente a possibilidade de conciliação em demandas que dizem respeito aos entes federais. Em regra são situações em que a cobrança integral do valor é muito dispendiosa, se comparada com o seu possível resultado. A renúncia ou transação acaba sendo de interesse público. […] Assim, é plenamente possível o acordo em tais causas. Pouco importa se lhes atribua a característica da indisponibilidade, pois é induvidosa a possibilidade de conciliação, justificando-se a realização da audiência preliminar.” (Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2007. v. I. p. 478-479). 204

Sobre as vantagens da Conciliação, Mauro Cappelletti, ensina, com maestria, que: “[...] há situações em que a justiça conciliatória (ou coexistencial) é capaz de produzir resultados que, longe de serem de ‘segunda classe’ são melhores, até qualitativamente, do que os resultados do processo contencioso. A melhor ilustração é ministrada pelos casos em que o conflito não passa de um episódio em relação complexa e permanente; aí, a justiça conciliatória, ou – conforme se lhe poderia chamar – ‘a justiça reparadora’ tem a possibilidade de preservar a relação, tratando o episódio litigioso antes como perturbação temporária do que como ruptura definitiva daquela; [...]” (Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 41, p. 405-423, abr./jun. 2014. p. 412).

82

O estímulo à conciliação deverá partir sobretudo do juiz, durante todo o

curso do processo. Esta medida é reforçada no novo Código de Processo Civil, que

em seu artigo 359205 dispõe sobre nova tentativa de conciliação em audiência de

instrução e julgamento. O magistrado não pode figurar como mero expectador do

processo. Além de seus deveres mínimos, dispostos na lei processual, precisa

adotar uma postura participativa para conciliar as partes, antes de utilizar os poderes

instrutórios para um justo julgamento da lide. Apesar de a lei processual assim não

dispor, a audiência de saneamento prevista no § 3º do artigo 357 deve ser realizada

em todas as causas. Afinal, existirá momento mais propício para o juiz conciliar as

partes do que em uma audiência de saneamento compartilhado, na qual são

discutidas detalhadamente e em conjunto as questões de fato e de direito

envolvidas? A resposta é não.

É importante anotar que o empenho de todos os sujeitos do processo para

que se chegue a uma autocomposição só terá bom êxito se houver um ambiente

colaborativo e pacífico, crucial para direcionar o processo a uma justa decisão de

mérito. Assim, ainda que não seja possível a conciliação, a cooperação entre as

partes e o juiz pautada na boa-fé processual permitirá que seja proferida uma

decisão saneadora bem fundamentada e qualitativa, a qual representará um roteiro

de organização e de julgamento do processo, de modo a alcançar uma tutela

jurisdicional adequada e efetiva.

A litigiosidade reinante no sistema jurídico brasileiro muito se deveu à não

identificação dos reais problemas existentes. Medidas foram adotadas para

aumentar a porta de entrada do Poder Judiciário, sem que fosse possível – por

ausência de estrutura da máquina judiciária e pelo comportamento inadequado de

partes e de juízes – dar vazão ao número de ações ajuizadas.

A sobrecarga do Judiciário por certo teria sido evitada se previamente fosse

fomentada uma cultura de conciliação, orientando a sociedade a buscar a verdadeira

paz social206, por meio de ferramentas extrajudiciais efetivas.

205

“Art. 359. Instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem.” 206

Alexandre Freitas Câmara reflete sobre as prioridades da sociedade em determinado conflito: "[...] a sociedade precisa ter consciência de que deve buscar solucionar, por si própria, seus conflitos e, nos casos em que tal resultado não seja obtido, existirá uma alternativa: o Poder Judiciário. Este, sim, deve ser visto como meio alternativo de resolução de conflitos, aquele que será usado nos casos em que a sociedade falhe e os litigantes não sejam capazes de encerrar seu litígio sem a participação da máquina judiciária.". (Mediação e conciliação na res. 125 do CNJ e no projeto de código de processo civil. O processo em perspectiva. Jornadas brasileiras de direito processual. São Paulo: Revista dos

83

Com a ausência de medidas institucionais nesse sentido, caberá aos

operadores do direito, de um lado, zelar pela correta e efetiva aplicação da nova lei

processual com o intuito de mitigar a litigiosidade excessiva latente em nosso

país207, de outro, aumentar a credibilidade da tutela jurisdicional brasileira, deixando

de ser um fator negativo na avaliação do nominado “risco Brasil".

1.8 DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Os deveres dos juízes dispostos na lei processual e na Constituição Federal,

além da necessária postura participativa, são elementos essenciais para uma

prestação jurisdicional plena e efetiva.

Umas das consequências da maior participação do magistrado no processo

é permitir que as decisões judiciais sejam bem fundamentadas208, consoante

Tribunais, 2013. p. 4). 207

Esta realidade é bem elucidada por Teresa Arruda Alvim Wambier, que procura indicar possíveis soluções para o problema: “No Brasil desenvolveu-se, desde sempre, uma cultura segundo a qual os conflitos deveriam ser solucionados por meio da atuação do Poder Judiciário. Houve, por assim dizer, uma judicialização dos conflitos. Isso levou a dois problemas muito sérios, de difícil solução: em primeiro lugar, um estado de beligerância na sociedade. Que não sabe buscar soluções pacíficas para suas crises; em segundo lugar, uma quantidade avassaladora de processos instaurados perante o Poder Judiciário, tão grande que os membros desse Poder não são capazes de dar conta deles. É preciso mudar esse estado de coisas, que só tem levado a soluções adjudicadas, quase sempre absolutamente insatisfatórias, incapazes de permitir a obtenção da pacificação social que se costuma apresentar como escopo da jurisdição. Para que isso aconteça, impõe-se uma mudança de postura. É preciso deixar claro que o judiciário deve ser o meio alternativo. A sociedade deve dar-se conta de que é capaz de resolver, por si própria, os conflitos jurídicos que nela surgem. Tais conflitos devem ser solucionados pacificamente, pelos meios adequados de resolução de litígios, os quais se desenvolvem dentro dos próprios organismos da sociedade, como a conciliação, a mediação e a arbitragem. Apenas naqueles casos em que esses meios adequados não sejam capazes de resolver o conflito é que será preciso ir ao Judiciário. Em outras palavras, a sociedade precisa ter consciência de que deve buscar solucionar, por si própria, seus conflitos e, nos casos em que tal resultado não seja obtido, existirá uma alternativa: o Poder Judiciário. Este, sim, deve ser visto como o meio alternativo de resolução de conflito, aquele que será usado nos casos em que a sociedade falhe e os litigantes não sejam capazes de encerrar seu litigio sem a participação da máquina judiciária.” (O processo em perspectiva. Jornadas brasileiras de direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 40). 208

Teresa Arruda Alvim Wambier faz uma breve digressão histórica sobre a motivação das decisões: “De fato, a história registra, segundo Barbosa Moreira, ‘precedentes antigos de decisões judiciais que precisam ou costumavam ser motivados’. Começou a generalizar-se a obrigatoriedade de que constasse das decisões a fundamentação, nas legislações ocidentais, a partir da segunda metade do século XVIII. Em regra, esta obrigatoriedade vinha acompanhada da exigência da publicidade. No curso deste século, foram diversas as situações políticas, sociais e culturais em que a motivação das decisões judiciais se foi tornando obrigatória. Até o que se tem chamado de ‘decisão motivada’ tem variado consideravelmente, de época para época, de lugar para lugar. Por isso fica realmente difícil querer encontrar um só princípio que tenha inspirado esta necessidade. O assunto merece, portanto,

84

previsão do artigo 93, inciso IX209, da Carta Magna.

Com efeito, o princípio da motivação dos atos no exercício jurisdicional210,

além de traduzir o espírito constitucional, impede que sejam proferidas decisões

arbitrárias, sem a contextualização211 e sem a fundamentação legal devidas.

Sobre o dever de fundamentação das decisões judiciais, à luz da

Constituição Federal brasileira, José Joaquim Gomes Canotilho212 ensina:

A fundamentação das decisões - o que, repita-se, inclui a motivação - mais do que uma exigência própria do Estado Democrático de Direito, é um direito fundamental do cidadão. Fundamentação significa não apenas explicitar o fundamento legal/constitucional da decisão. Todas as decisões devem estar justificadas, e tal justificação deve ser feita a partir da invocação de razões e oferecimento de argumentos de caráter jurídico. O limite mais importante das decisões judiciais reside precisamente na necessidade de motivação/justificação do que foi dito. Trata-se de

uma verdadeira 'blindagem' contra julgamentos arbitrários.

Na avaliação de João Batista Lopes213:

A doutrina nacional e a estrangeira põem em relevo a indispensabilidade da motivação das decisões judiciais, que consiste,

análise mais minuciosa, e o único ponto passível de afirmação segura é que o dever de motivar as decisões tem preocupado os povos de maneira acentuada.” (Nulidades do processo e da sentença., p. 311). 209

“Art. 93. [...] IX - Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”. 210

“Dessarte, toda decisão jurisdicional, por força constitucional, tem de ser motivada, tendo em conta a necessidade de controle do poder jurisdicional por parte da sociedade, pendor de legitimidade dessa função em um Estado Democrático de Direito (art. 1º, CRFB). Não é à toa, pois, que Nicolas Picardi considera que, contemporaneamente, o poder jurisdicional se caracteriza justamente por ser um poder limitado e controlável, um poder que se aloca entre o poder vinculado e o poder absoluto. Essa motivação, aliás, tem de ter um conteúdo mínimo essencial, sem o qual não se reputa atendida essa ordem constitucional. A síntese desse conteúdo mínimo normalmente ocorre quando o julgador logra: a) individualizar os fatos, as normas jurídicas incidentes e aplicáveis ao caso concreto, a juridicização dos fatos e as suas consequências jurídicas; b) contextualizar os nexos de implicação e de coerência entre os enunciados fático-legais e c) justificar esses mesmos enunciados racionalmente, reportando-se ao ordenamento jurídico. Não satisfaz os rigores do art. 93, IX, CRFB, por exemplo, a simples menção à normas legais, ou aos jargões contidos nas mesmas, sem qualquer enfrentamento da situação concreta trazida à consideração judicial, praxe infelizmente comum entre nós.” MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 62. 211

Sobre o relatório, requisito da sentença, Teresa Arruda Alvim Wambier o considera como uma espécie de pré-fundamentação: “De fato, o relatório, na sentença, pode ser visto como uma espécie de pré-fundamentação. Trata-se de elementos que têm por escopo situar a fundamentação, circunstancializando-a, em certa medida. A fundamentação só ganha sentido no contexto do relatório." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 257). 212

CANOTILHO, J.J. Gomes. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1.324. 213

LOPES, João Batista. Pareceres. São Paulo: Castro Lopes, 2015. p. 234-235.

85

em essência, na indicação clara e precisa das razões de fato e de direito que levaram o juiz a formar seu convencimento. No direito italiano, por exemplo, os autores assinalam que o requisito da motivação é decorrência do princípio de legalidade (sentido amplo) e constitui estrutural que permite o controle externo das decisões judiciais. MONTESANO defende a tese de que a motivação se destina a convencer não só as partes e os advogados, mas a comunidade jurídica ‘con discorsi di contenuto tecnico-giuridico’. TARUFO vai mais longe ressaltando que a motivação permite o controle externo das decisões judiciais por todos os jurisdicionados e constitui ‘espressione del principio della participazione popolare all’ammistrazione della giustizia’. No Brasil, são conhecidos os estudos de BARBOSA MOREIRA, em que expõe a exata latitude do princípio da motivação das decisões como garantia do Estado de direito e de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER que mostra a indispensabilidade da fundamentação para se aferir a imparcialidade do juiz e a legitimidade da decisão.

As falhas no exercício jurisdicional verificadas no sistema anterior214, que já

exigia a motivação dos atos judiciais215, devem ser prontamente sanadas, sobretudo

a análise superficial de peças processuais e a utilização de modelos de

pronunciamentos porque dão ensejo a decisões com fundamentações deficientes ou

inexistentes, sem o devido enfrentamento do que fora suscitado pelas partes.

O CPC de 2015, que tratou a fundamentação de forma mais detalhada e

ampla do que o Código anterior, no capítulo de normas fundamentais do processo

civil (artigo 11216), dispôs sobre a sua obrigatoriedade, sob pena de nulidade217.

214

Cândido Rangel Dinamarco, sobre a fundamentação, na vigência do Código de 1973, analisa: "Com razão, os tribunais brasileiros não são radicalmente exigentes no tocante ao grau de pormenorizações a que deve chegar a motivação da sentença. Afinal, como disse Liebman, e tenho a oportunidade de lembrar tantas vezes, ‘as formas são necessárias, mas o formalismo é uma deformação’. Com essa premissa antiformalista, entende-se que se toleram na sentença eventuais omissões de fundamentação no tocante a pontos colaterais ao litígio, pontos não essenciais ou de importância menor, irrelevantes ou de escassa relevância para o julgamento da causa. O que não se tolera são as omissões no essencial. Isso viola os princípios, fórmulas e regras de direito positivo atinentes à motivação da sentença, chocando-se de frente com a garantia político-democrática do devido processo legal." (Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 1.078). 215

Por meio de disposições do Código de 1973, como os artigos 131 (“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento”) e 165 (“As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso”). 216

“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.” 217

“Em todas as situações, ainda que a lei ou norma constitucional não preveja expressamente cominação de nulidade, ou o faça sem esclarecer que se trata de uma nulidade absoluta, a interpretação sistemática permite concluir tratar-se de nulidade absoluta, podendo ser decretada em quaisquer tempo e grau de jurisdição, por provocação da parte interessada ou até mesmo de ofício pelo juiz. Assim, por exemplo, apesar de o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, estabelecer que ‘toda decisão judicial deva ser motivada, sob pena de nulidade’, sem, entretanto, deixar claro qual espécie de nulidade originada. Obviamente, uma decisão judicial que desrespeite essa norma

86

Além de dispor de forma genérica sobre o dever de fundamentação em

todas as decisões judiciais, o CPC de 2015 também reforçou a sua obrigatoriedade

em outros dispositivos, específicos para cada ato judicial, a saber: (i) concessão,

indeferimento, modificação ou revogação da tutela provisória218; (ii) indeferimento de

diligências inúteis ou meramente protelatórias na fase de produção de provas219; (iii)

distribuição dinâmica do ônus da prova220; (iv) prolação de sentença221; (v)

modificação ou revogação de decisão relativa aos efeitos dos embargos à

execução222; (vi) modificação de enunciado de súmula, jurisprudência pacificada ou

tese adotada em julgamento de casos repetitivos223; (vii) julgamento de agravo

interno224; (viii) condenação por embargos de declaração manifestamente

protelatórios225; e (ix) prolação de acórdão226.

constitucional está eivada de nulidade absoluta [Grifo do autor].” MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Introdução ao estudo do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 410. 218

“Art. 298. Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso.” 219

“Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.” 220

“Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.” 221

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença [...] II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;” 222

“Art. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo. [...] § 2º Cessando as circunstâncias que a motivaram, a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.” 223

“Art. 927. [...] § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.” 224

“Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal. [...] § 3º É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno. § 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.” 225

“Art. 1.026. [...] § 2º Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa.” 226

“Art. 1.038. [...] § 3º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida.”

87

A nova lei processual implementou disposições mais específicas sobre o

dever de fundamentação. É o caso do artigo 298, que determina a exposição de

motivação clara e precisa em decisões judiciais sobre tutela provisória. Todavia, a

mais notável inovação é a disposta no § 1º do artigo 489227, que define como não

fundamentada qualquer decisão interlocutória, sentença ou acórdãos que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

As novas exigências constantes no artigo 489228 definem um verdadeiro

roteiro processual para se constatar o atendimento ou não ao dever de

fundamentação. O CPC de 1973, ao contrário, em seu artigo 165 estabelecia que as

decisões interlocutórias fossem fundamentadas de forma concisa.

Com a nova lei processual, o magistrado passa a ser obrigado a enfrentar

todos os argumentos deduzidos pelas partes229 e a necessariamente vincular ao

227

O artigo 489, em seu § 2º, ainda prevê o dever de fundamentação de ponderação na hipótese de confronto de normas: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.”. 228

Sobre os §§ 1º e 2º do artigo 489, Paulo Henrique dos Santos Lucon conclui que: "A mera aplicação da lei ao caso concreto, a exigir do julgador a explicitação do nexo de pertinência entre as fattispecie abstrata e concreta, é então substituída por uma atividade complexa de justificação em que o magistrado deve, entre outras atividades, (i) demonstrar o significado por ele atribuído a cada um desses termos indeterminados, (ii) realizar juízo de ponderação, quando diante de conflito entre normas com caráter de princípio e (iii) indicar o estado ideal de coisas a ser promovido com a sua decisão." (Motivação das decisões jurídicas e o contraditório: identificação das decisões imotivadas de acordo com o NCPC. Revista do Advogado, São Paulo, AASP, n. 126, v. XXXV, p. 169-174, maio/ 2015. p. 170). 229

À época do código projetado, Lucio Delfino, Alexandre Freire, Pedro Miranda de Oliveira e Sergio Luiz de Almeida Ribeiro já destacavam a necessidade de enfrentamento de todos os argumentos das partes pelo juiz como a inovação mais impactante quanto ao dever de fundamentação: “Talvez o dispositivo do Projeto do Novo CPC que maior impacto trará à questão da fundamentação das decisões encontra-se inserto no inciso IV do parágrafo primeiro do artigo 499, CPCP, o qual determina, in verbis: ‘Art. 499 [...] Parágrafo Primeiro. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acordão, que: [...] IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador’.

88

caso concreto normas, conceitos jurídicos indeterminados e entendimentos

jurisprudenciais. Deverá, ainda, na forma do artigo 927 do CPC de 2015230, antes de

fundamentar e proferir um comando judicial, observar decisões e enunciados de

tribunais superiores, além de orientações jurisprudenciais de seus respectivos

tribunais, sob pena de nulidade, conforme interpretação conjunta dos artigos 11 e

489, inciso VI. Essas imposições essenciais evitam o exercício jurisdicional arbitrário

e discricionário, ou de acordo com as crenças pessoais do juiz, situação que

resultava em julgamentos parciais.

O legislador do CPC de 2015 também expõe consequências de uma decisão

não fundamentada, especialmente em seu artigo 1.013, onde determina que o

tribunal deve decidir o mérito de processo que estiver em condições de pronto

julgamento e se decretada, em julgamento de apelação, a nulidade de sentença por

falta de fundamentação.

Nos termos do artigo 10 do novo código processual civil, o juiz deve

oportunizar a manifestação das partes sobre todos os fundamentos que integrarão

as decisões judiciais, inclusive matérias que possa conhecer de ofício, em aplicação

aos princípios do contraditório e da cooperação.

Especificamente sobre o saneamento do processo, a decisão deve ser bem

fundamentada e, conforme previsão do artigo 357, conter itens obrigatórios, como:

(i) delimitação de questões de fato sobre as quais recairá cada meio de prova

admitido; (ii) distribuição adequada do ônus da prova; e (iii) especificação das

Infere-se deste dispositivo que a tendência do legislador do Projeto é a de permitir as partes o efetivo esgotamento da prestação jurisdicional, uma vez que determina que o Magistrado deverá analisar todos os argumentos submetidos à sua apreciação, os quais possam infirmar o julgamento. O CPCP traz, em seu bojo, a garantia constitucional do cidadão em ter uma decisão fundamentada precisamente, sendo expressamente manifestada em diversas oportunidades no corpo do CPCP, muito embora, por ser uma garantia constitucional, poderia, inclusive, ficar implícito, o que importa em reafirmar que o legislador primou pela ampla garantia constitucional e profissional desse Projeto. Assim como já manifestado anteriormente neste estudo quando das aduções acerca do próprio instituto da fundamentação, nos dias de hoje, a tendência dos Tribunais é a de considerar fundamentada aquela decisão que não analise precisamente todas as teses suscitadas pelas partes, de modo a ser suficiente apenas a menção acerca daquela que fora determinante para o convencimento do juiz.” (Processo civil nas tradições brasileira e ibero-americana. Florianópolis: Conceito, 2014. p. 366). 230

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.”

89

questões de direito relevantes para a decisão do mérito. Note-se que estes itens só

serão atendidos de forma qualitativa, de modo a tornar a decisão de saneamento

devidamente fundamentada, em um verdadeiro roteiro de organização e de

julgamento do processo, se houver uma postura participativa do juiz e cooperativa

entre ele e as partes. Para tanto, o § 2º do artigo 357 faculta às partes delimitarem

consensualmente as questões de fato e de direito imprescindíveis ao julgamento da

lide, as quais deve o magistrado considerar sem qualquer resistência, a fim de

construir uma decisão saneadora motivada e abrangente.

Pode-se dizer ainda que mais correto seria realizar a audiência de

saneamento prevista no § 3º do artigo 357 em todas as causas, independentemente

de complexidade. Este é momento ideal para que as partes e o juiz, em cooperação,

abordem todas as questões de fato e de direito envolvidas no processo, permitindo

uma decisão fundamentada de saneamento, segundo as exigências do artigo 489.

Em síntese, em todos os pronunciamentos jurisdicionais o magistrado, após

formar o seu convencimento231, deve desenvolver fundamentação sólida e

consistente, de maneira a justificar detalhadamente a decisão tomada.

A interação com as partes e o ambiente cooperativo auxiliam de forma

qualitativa para a análise de todos os elementos presentes nos autos do processo e

para a formação da convicção do juiz na busca da verdade e consequente prolação

de uma decisão justa e bem motivada. Esse é, pois, o caminho para o Judiciário

brasileiro conquistar o respeito e a confiança do jurisdicionado232.

Acrescente-se que a fundamentação adequada de uma decisão construída a

partir de um comportamento participativo do juiz é uma das premissas para se atingir

um julgamento justo e efetivar a garantia constitucional de acesso à justiça. Com

231

Sobre o convencimento do magistrado, Eduardo Cambi e Renê Francisco Hellman concluem que: “O convencimento judicial não é livre. Não implica valorações de cunho eminentemente subjetivas, isentas de critérios e controles. Não pode o magistrado desconsiderar o diálogo processual, devendo buscar pautas ou diretrizes de caráter objetivo para se ter uma valoração lógica e racional (modelos de constatação ou standards judiciais). O órgão julgador, tampouco, pode deixar de enfrentar todos os pontos ou questões, objeto de argumentação das partes, que, se considerados, poderiam alterar a decisão proferida.” (Precedentes e dever de motivação das decisões judiciais no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 241, p. 413-438, mar. 2015. p. 426-427). 232

Sobre a legitimação do exercício jurisdicional, Felipe Scalabrin e Gustavo Santanna afirmam que a demonstração das razões do convencimento e a adoção ou afastamento das alegações das partes justificam “o (in)sucesso da tese vencedora(vencida), que funda a legitimidade ao poder desempenhado pelos juízes”. (A legitimação pela fundamentação: anotação ao art. 489, § 1.º e § 2.º, do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 255, p. 17-40, maio 2016. p. 20).

90

essa postura, o magistrado prestigiará a análise do direito material233 em detrimento

do formalismo, alterando o panorama de fomento à jurisprudência defensiva.

1.9 DEVER DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EFETIVA: COMBATE À

JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA

Durante a vigência do CPC de 1973, de todos os problemas ocorridos na

atividade jurisdicional, o mais pernicioso para os jurisdicionados era o apego do

magistrado ao formalismo234 235. Não raras vezes, um processo tramitava durante

anos e por mero desvio de forma – que poderia ser sanado –, acabava extinto sem o

enfrentamento do direito material discutido.

Em fase recursal, da mesma maneira, a reanálise de matéria de fato ou de

direito envolvida na causa ficava impossibilitada em tribunais ou cortes superiores,

devido ao não cumprimento de requisitos formais.

233

Nas palavras de Daniel Francisco Mitidiero: “Mais profundamente, diz-se que o processo deve partir do direito material, da realidade substancial, e ao direto material deve voltar. É a teoria da relação circular, bem surpreendida por Hermes Zaneti Junior [...]. Com efeito, como observa Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, ‘o direito material constitui a matéria-prima que é a tutela jurisdicional, refletida na eficácia da sentença, já não apresenta o direito material em estado puro, mas transformado, em outro nível qualitativo. O provimento jurisdicional, embora certamente se apoie no direito material, apresenta outra força, outra eficácia, e com aquele não se confunde, porque, além de constituir resultado do trabalho de reconstrução e até de criação por parte do órgão judicial, exibe o selo da autoridade estatal, proferida a decisão com garantias do devido processo legal’.” (Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 70). 234

Adilson Abreu Dallari contrapõe os conceitos de formalismo e garantia da forma: “Formalismo é a antítese da garantia da forma. A exigência de requisitos formais para a produção de atos jurídicos visa proteger o cidadão contra abusos de poder. Já o formalismo é um meio sutil de constranger o cidadão e comprometer o livre exercício de seus direitos. Entenda-se, portanto, por formalismo, para os fins deste estudo, a formulação de exigências descabidas, despropositadas, que não decorrem nem levam a qualquer utilidade prática, que não concorrem para a realização de qualquer interesse público, resumindo-se (na melhor das hipóteses) numa pura demonstração de poder, destinada a colocar o cidadão num estado de submissão.” (Formalismo e abuso de poder. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 64, p. 7-34, Jul./set. 2008. p. 7). 235

Sobre o formalismo exacerbado, José Roberto dos Santos Bedaque

afirma que: “O processualismo exagerado leva à distorção do instrumento, que perde a relação em seu fim e passa a viver em função dele próprio. Esta visão do fenômeno processual, além dos malefícios causados à sociedade e ao próprio Estado, contribui para o amesquinhamento da função jurisdicional, pois torna os juízes meros controladores das exigências formais, obscurecendo a característica principal dessa atividade estatal – qual seja, o poder de restabelecer a ordem material, eliminar os litígios e manter a paz social. Não se pode olvidar, ainda, que o formalismo desmedido também alimenta os processos, pois provoca incidentes desnecessários que acabam se transformando em recursos. Os tribunais brasileiros estão abarrotados de questões processuais, o que torna ainda mais demorada a solução definitiva da crise de direito material.” (Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 30).

91

A supremacia da forma para tolher o direito recursal representava uma praxe

no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Além do

filtro realizado nos tribunais de origem relativamente aos requisitos de

admissibilidade, com o intuito de coibir a desenfreada interposição de recursos, os

tribunais superiores sempre se valeram de todas as justificativas possíveis236,

inclusive com a criação de súmulas237, para que as violações à lei infraconstitucional

ou à Constituição Federal não fossem efetivamente examinadas238.

Sobre essas práticas recorrentes no exercício jurisdicional, José Carlos

Barbosa Moreira239 assim se manifestou:

A essa luz, o que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso e equilibrado da matéria, que não imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo, em homenagem ao outro. Para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta - e atualmente recomendável - toda vez que esteja

236

O Superior Tribunal de Justiça sempre exigiu, para a demonstração da tempestividade do recurso, a efetiva comprovação de feriado local, por meio de provimento do Tribunal de origem: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FERIADO LOCAL. Se o termo inicial ou final do prazo recursal recai em feriado local, o fato precisa ser provado; não basta a respectiva menção nas razões do recurso especial. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 884009 / RJ - Embargos de Divergência em Recurso Especial - 2012/0089473-3 - Relator: Min. Castro Meira - Relator p/ Acórdão: Min. Ari Pargendler - Órgão Julgador: Corte Especial. Brasília, DF. Julgamento: 18/12/2013. Publicação: DJe 11/04/2014. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16950271/embargos-de-divergencia-em-recurso-especial-eresp-884009-rj-2009-0190683-0/relatorio-e-voto-16950273>. Acesso em: 16 set. 2016. Outrossim, corriqueiras eram as decisões de não conhecimento de recurso por ausência de preenchimento correto de guia recursal: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREPARO. PREENCHIMENTO DA GUIA DE RECOLHIMENTO. NÚMERO DO PROCESSO. INOBSERVÂNCIA DA RESOLUÇÃO VIGENTE. 1. ‘A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a partir da Res. n° 20/2004 do STJ é indispensável a correta indicação do número do processo na GRU (ou DARF), sob pena de deserção do recurso especial’ (AgRg nos EREsp 991.087/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Corte Especial, DJe de 23/9/2013). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1107260 / RJ - Agravo Regimental no Recurso Especial - 2008/0285776-4 - Relatora: Min. Maria Isabel Gallotti - Órgão Julgador: Quarta Turma. Brasília, DF. Julgamento: 04/12/2014. Publicação DJe 12/12/2014. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15439581/peticao-de-recurso-especial-resp-1107260>. Acesso em: 16 set. 2016. 237

Como, por exemplo, o enunciado da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, que, de forma genérica, assim dispõe: “É inadmissível o recurso extraordinário quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”. 238

Sobre a jurisprudência defensiva praticada nos Tribunais Superiores, Fernanda Mercier Querido Farina relata: “[...] medidas emergenciais, aplicadas de forma verdadeiramente reativa à situação patológica do sistema, também resultaram em julgamentos patológicos, distorcidos, aos quais se dá hoje o nome vulgar de ‘jurisprudência defensiva’. A denominada ‘jurisprudência defensiva’ pode ser caracterizada, hoje, como um excesso de rigorismo processual e procedimental. São decisões que se utilizam indiscriminadamente e estendem a aplicação de entendimentos jurisprudenciais, sumulados ou não, que contenham algum óbice ao conhecimento dos recursos. Se voltam exclusivamente a reduzir o número de processos julgados pelas Cortes Superiores, deixando de entregar uma prestação jurisdicional plena.” (Jurisprudência defensiva e a função dos tribunais superiores. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 209, p. 105-144, jul. 2012. p. 117). 239

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos. In:_____. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 270.

92

clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento.

O formalismo muito contribuiu para diminuir a credibilidade do Poder

Judiciário. No cenário processual era comum uma simples decisão judicial, com

poucas linhas, apontando o não cumprimento de determinada formalidade, aniquilar

todo o trabalho exercido pelos advogados, sem falar no martírio sofrido pelas partes

durante o trâmite processual com os dispêndios a título de custas processuais nas

várias fases do processo e com a longa espera por um resultado definitivo.

A realidade demonstrava que muitos julgadores, antes de qualquer análise

do direito material suscitado, apoiados no tecnicismo exacerbado, lançavam-se à

cata de algum vício alegadamente insanável e por meio de decisão concisa e mal

fundamentada obstavam o julgamento do mérito da causa. Essa prática passou a

ser regra, uma forma de os magistrados escaparem da suposta carga de trabalho

excessiva. A opção por essa forma de atuar acabou fortalecendo a jurisprudência

defensiva em todos os graus de jurisdição, o que impossibilitou a efetivação do ideal

constitucional de acesso à justiça.

Pedro Miranda de Oliveira240 muito bem analisa o problema da

jurisprudência defensiva aqui mencionada. Na concepção do autor:

Aquilo que se convencionou chamar de ‘jurisprudência defensiva’, a nosso ver, é, na verdade, jurisprudência ofensiva: ofende o princípio da legalidade; ofende o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional; ofende o princípio do contraditório; ofende o princípio da boa-fé; ofende o princípio da cooperação. Enfim, ofende o bom senso, a segurança jurídica e o princípio da razoabilidade. É ofensiva ao exercício da advocacia, pois coloca em xeque a relação cliente/advogado. E, dessa forma, ofende a cidadania. A jurisprudência ofensiva escancara uma lógica perversa: a primazia do check list sobre a matéria de fundo, ou seja, a prevalência da forma em detrimento do mérito. Há quem a fundamente apenas pelo número elevado de recursos existentes nos tribunais. Todavia, nada justifica a primazia do formalismo, consubstanciada na técnica utilizada pelos tribunais para dificultar o acesso do jurisdicionado, por meio da criação de óbices para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos.

240

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O princípio da primazia do julgamento do mérito recursal no CPC projetado: óbice ao avanço da jurisprudência ofensiva. Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 950, p. 107-132, dez. 2014. p. 110-111).

93

O legislador do novo diploma processual civil, com o intuito de fazer

prevalecer a decisão de mérito e minimizar a inclinação jurisdicional pelo formalismo,

repetindo a tendência do CPC de 1973 de aplicação do princípio da

instrumentalidade das formas (artigos 188241, 277242 e 283243), criou mecanismos de

obrigatório cumprimento pelos juízes e que permitem às partes corrigir vícios

constatados no curso da demanda, primando pelo aproveitamento dos atos

processuais.

Neste ponto, não custa lembrar que o processo civil preceitua, em seus

artigos iniciais (4º244 e 6º245), que o objetivo primordial do sistema é obter a efetiva

solução de mérito em tempo razoável. Mais adiante, em capítulo que versa sobre

deveres do juiz, impõe a dilatação de prazos processuais, a alteração da ordem dos

meios de prova para o fim de conferir efetividade na tutela do direito246 (art. 139, inc.

VI), o suprimento de pressupostos e o saneamento de vícios processuais (art. 139,

inc. IX).

Conforme disposto no artigo 64, § 4º247, o CPC de 2015 objetiva o máximo

aproveitamento dos atos processuais, mesmo que proferidos por juízes

incompetentes. O § 4º do artigo 218248 considera tempestivo o ato praticado antes

do início do prazo processual, eliminando a frequente decisão formalista, na vigência

do CPC anterior, de extemporaneidade no cumprimento do prazo. 241

“Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.” 242

“Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.” 243

“Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais. Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.” 244

“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” 245

“Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” 246

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira defendia, ainda na vigência do Código de 1973, a adaptabilidade da tramitação processual pelo juiz: “O estabelecimento, como princípio geral do processo, do princípio da adequação formal, facultando ao juiz, obtido o acordo das partes, e sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adapte perfeitamente às exigências da demanda aforada, a possibilidade de amoldar o procedimento à especificidade da causa, por meio da prática de atos que melhor se prestem à apuração da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem inidôneos para o fim do processo.” (Efetividade e processo de conhecimento. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 96, p. 59-69, Out./Dez. 1999. p. 66). 247

“Art. 64. [...] § 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.” 248

“Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei. [...] § 4º Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.”

94

No artigo 352, o CPC de 2015249 prevê a necessária correção, pelo autor, de

irregularidades ou vícios sanáveis constatados em preliminares alegadas pelo réu.

A disposição do artigo 317250, por sua vez, antes da extinção do feito sem

resolução de mérito, busca a manutenção do processo ao conceder à parte

oportunidade de promover a correção do vício.

Em grau recursal, a lei processual civil vigente traz diversas disposições

para combater a jurisprudência defensiva: (i) no parágrafo único do artigo 932,

concede ao recorrente a oportunidade de sanar vício ou complementar documento

exigível, antes da inadmissão do recurso; (ii) no § 1º do artigo 938, permite a

realização ou renovação de ato processual eivado de vício sanável, quando

constatado em preliminar suscitada em julgamento de recurso; (iii) por meio do artigo

1.007, § 2º, permite, sob pena de deserção, que seja suprida a insuficiência de

preparo, a teor do que já ocorria no CPC de 1973 (artigo 511, § 2º); (iv) inova na

disposição do § 4º do artigo 1.007, possibilitando que seja sanada, além da

insuficiência, a própria ausência de preparo, desde que recolhido em dobro; (v) no §

7º do artigo 1.007, dispõe sobre o impedimento da deserção em caso de

preenchimento equivocado de guia recursal, devendo ser intimada a parte para

sanar o vício; (vi) no tocante aos recursos excepcionais, em redação do § 3º do

artigo 1.029251, outorga aos tribunais superiores o direito de avaliar, subjetivamente,

se determinado vício é sanável ou não; (vii) nos artigos 1.032252 e 1.033253, caso

seja constatado pelo Superior Tribunal de Justiça que o recurso especial versa sobre

questão constitucional ou, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, verifique-se que

o recurso extraordinário aborda violação reflexa à lei constitucional, prevê a

obrigatória remessa dos autos para o tribunal superior competente para o

249

“Art. 352. Verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias.” 250

“Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.” 251

“Art. 1.029. [...] § 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.” 252

“Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.” 253

“Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.”

95

julgamento da matéria, sem acarretar o não conhecimento do recurso.

Antônio do Passo Cabral254, em análise ao princípio da prevalência do

exame de mérito255 adotado pelo CPC de 2015, aduz:

O princípio destina-se a aproveitar toda a atividade processual (e também suas formalidades) para resolver o conflito, e não apenas o processo. É decorrência de uma constatação antiga da doutrina, no sentido de que as extinções do processo prematuras, por razões puramente procedimentais, além de não resolverem o problema prático daqueles que foram buscar o Judiciário, invariavelmente faz com que o litígio retorne pela repropositura da demanda. O princípio da prevalência da decisão de mérito quer evitar as extinções por razões procedimentais, aproveitando os atos e o procedimento como

um todo para buscar a solução do conflito.

As alterações procedidas na lei processual civil com o intuito de prestigiar o

direito material são positivas, porém insuficientes ao efetivo combate à

jurisprudência defensiva. A transformação deve partir dos próprios juízes, com a

alteração radical de suas posturas para mitigar o formalismo processual exacerbado,

de modo a garantir uma prestação jurisdicional em sintonia com o espírito da

Constituição Federal.

No saneamento do processo, fase crucial para construção de um roteiro de

organização e preparação da lide em direção a uma análise qualitativa de mérito,

caberá ao magistrado, em colaboração com as partes, eliminar todos os vícios que

possam acarretar a extinção do feito ou eivar de nulidade uma futura sentença de

mérito.

Com o apoio mútuo entre partes e juiz, se possível com a realização de

audiência de saneamento, nenhuma questão processual ficará pendente, pois

poderá delimitar exatamente as questões de fato e de direito relevantes para o

julgamento, deferir as provas necessárias para alcançar a verdade e distribuir

adequadamente o ônus da prova.

A realização da audiência de saneamento, reiteradamente apontada no

presente estudo, aplica-se a todos os atos do processo. A par da reinvindicação

geral por uma justiça mais célere, a maior preocupação do juiz deve ser a atividade 254

CABRAL, Antônio do Passo. Teoria das nulidades processuais no direito contemporâneo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 117-140, maio 2016. p. 130. 255

Fredie Didier Jr. também sai em defesa do princípio da primazia da decisão de mérito: "De acordo com esse princípio, deve o órgão julgador priorizar a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para que ela ocorra. A demanda deve ser julgada – seja ela a demanda principal (veiculada pela petição inicial), seja um recurso, seja uma demanda incidental." (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 136).

96

jurisdicional de forma qualitativa. Se, por um lado, o magistrado não pode prender-se

a formalidades, por outro, ao analisar o direito material deve ter a devida cautela e

proferir uma decisão adequada e bem fundamentada256.

Fato é que, para permitir o enfrentamento do direito material, a

instrumentalidade deverá sobrepor-se às formalidades257, principalmente no

exercício da jurisdição pelos ministros dos tribunais superiores, se não resultar em

violação a preceitos constitucionais fundamentais, como ampla defesa, contraditório

e devido processo legal, tampouco gerar nulidades absolutas258.

No processo, a obrigação do magistrado é de resultado, sendo, portanto,

necessário manter uma conduta pautada na flexibilidade259, na participação e na

cooperação, de maneira a alcançar uma decisão justa e fundamentada.

256

Neste sentido é lição de José Carlos Barbosa Moreira: “Para muita gente, na matéria, a rapidez constitui o valor por excelência, quiçá o único. Seria fácil invocar aqui um rol de citações de autores famosos, apostados em estigmatizar a morosidade processual. Não deixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo, quero crer, no pensamento desses próprios autores – hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível, aqui e ali, ceder o passo a outros valores. Se uma justiça lenta demais é decerto uma justiça má, daí não se segue que uma justiça muito rápida seja necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço.” (O futuro da justiça: alguns mitos. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 102, p. 228-237, abr./jun. 2001. p. 232). 257

Ressalta-se que o aspecto formal não pode ser eliminado, tendo em vista a necessidade de se resguardar a segurança jurídica na prática dos atos processuais. Neste sentido, ensina Arruda Alvim: “O formalismo, na prática de determinados atos, é condição essencial para a convivência social ordenada e, portanto, para uma vivência jurídica estável, a fim de que o Direito se apresente certo e seguro.” (Manual de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 471). Antônio do Passo Cabral corrobora esta posição: “Seja qual for o viés ideológico que adote o intérprete, favorável ou contrário à rigidez formal, não se pode fugir da constatação de que existe uma importância das formas processuais. As formalidades proporcionam segurança, ordenação e previsibilidade ao procedimento, gerando expectativas de comportamento que são absolutamente indispensáveis para qualquer sistema processual. Caso os rumos do processo dependessem exclusivamente do capricho das partes ou do juiz, por mais prudentes, diligentes e bem intencionados que fossem, as incertezas de seus caminhos produziriam uma instabilidade completamente indesejável. Assim, o fenômeno jurídico, e com ele o processo, com vistas a assegurar a estabilidade às relações jurídicas, inevitavelmente deve se posicionar em alguma moldura formal.” (Nulidades do processo moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 8-9). 258

Para a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas devem ser atendidos os seguintes requisitos: (i) o ato, praticado com defeito formal, atingir a sua finalidade; (ii) não causar prejuízo à outra parte ou ao processo; e (iii) gerar vício sanável, ou seja, uma nulidade relativa. Com este entendimento, Luiz Fux afirma que: “Concluindo pelo atingimento da finalidade e pela ausência de prejuízo, o processo prossegue sem sancionar-se o ato com a nulidade, aproveitando-o tal como se nada de irregular tivesse acontecido.” (Curso de direito processual civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 362). 259

O magistrado, com o intuito de flexibilizar os atos processuais, pode utilizar-se da fungibilidade, faculdade explicitada por Antônio do Passo Cabral: “Corolário da regra da instrumentalidade é a possibilidade de que o ato seja aproveitado por fungibilidade ou conversão. É o aproveitamento do suporte fático do ato praticado, que é insuficiente para a produção de certos efeitos, mas é suficiente para a produção de outros (o ato convertido).” (Teoria das nulidades processuais no direito contemporâneo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 117-140, maio 2016. p. 122).

97

O combate ao formalismo exacerbado é uma das etapas que militam em

direção à efetiva segurança jurídica que deve imperar no ordenamento jurídico. O

maior desafio, no entanto, é a uniformização da jurisprudência.

1.10 ESTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA: FIM DO JUDICIÁRIO COMO

LOTERIA

O exercício deficiente da atividade jurisdicional no Brasil permitiu, durante

décadas, a prolação de decisões mal fundamentadas e formalistas. A consequência

desse status quo foi o desenvolvimento de uma jurisprudência desarmônica e sem

uniformidade.

A máxima do “cada cabeça, uma sentença” é plenamente aplicável ao

ordenamento jurídico nacional. Corroboram esta afirmação decisões destoantes

para questões de mérito similares nos vários estados da federação e a

heterogeneidade nos posicionamentos jurisdicionais dentro dos próprios tribunais

estaduais ou federais, inclusive em uma mesma vara judicial composta por mais de

um juiz260.

Os ministros dos tribunais superiores, que têm o dever de estabilizar os

entendimentos interpretativos sobre a Constituição Federal e as leis

infraconstitucionais, nunca se preocuparam em harmonizar as suas decisões. Pelo

contrário, o interesse maior era prestigiar o formalismo261, o que, inclusive faziam

260

Luiz Guilherme Marinoni, sobre a ausência de coerência entre as decisões, comenta: “A falta de autoridade dos julgados, ou melhor, a falta de coerência entre as decisões judiciais produzidas por um mesmo tribunal, órgão colegiado e magistrado, além de desesperar os jurisdicionados, que ficam sem saber como se comportar, impede a advocacia de exercer a sua missão, isto é, de orientar o comportamento dos seus clientes. Ou seja, a falta de coerência entre as decisões estimula a litigiosidade, trazendo aos tribunais milhares de casos que, caso o sistema judicial não violentasse a sua própria lógica, poderiam ser acomodados mediante acordos.” (Uma nova realidade diante do projeto de CPC. Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 10, p. 569-629, ago. 2015. p. 570). 261

Sobre o papel do Superior Tribunal de Justiça na uniformização de interpretação de lei federal, assim leciona Carlos Alberto Carmona: “Em sede recursal, para focar outros métodos de uniformização de jurisprudência, os problemas foram-se multiplicando ao longo do tempo, pois a divergência na interpretação da lei federal tem destinatário certo, o STJ; este cria tantos entraves para a apreciação dos recursos especiais que o recurso que objetiva a uniformização da interpretação da lei federal mais parece uma miragem, tornando pouco eficaz a promessa constitucional de tornar aquela corte de superposição um fator eficaz de interpretação harmônica do direito federal.” (Apud PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudência: da divergência à uniformização. São Paulo: Atlas, 2006. p. IX).

98

sem homogeneidade, como se constata nas decisões divergentes proferidas sobre o

mesmo tema em curto espaço de tempo.

O Judiciário, na realidade, foi transformado em uma verdadeira loteria.

Durante a vigência do CPC de 1973 – ainda que implementadas reformas com o

objetivo de uniformizar as decisões262 –, não havia previsibilidade de garantia da

tutela de um direito em eventual demanda judicial.

Se, por um lado, a instabilidade da jurisprudência fomenta o demandismo

por parte dos “litigantes profissionais”, os quais decidem aventurar-se mesmo sem a

ocorrência de lesão ou ameaça de lesão a direito, por outro, a falta de confiança na

máquina judiciária desestimula muitos indivíduos a ingressarem com a ação judicial

– ainda que detentores de um “bom direito” –, optando por suportar um prejuízo a

pagar custas judiciais e não alcançar uma solução justa da lide. Neste clima de

insegurança, cada vez mais se negava ao jurisdicionado a garantia constitucional de

efetivo acesso à justiça.

O CPC de 2015, para tentar reverter esse cenário, em atendimento aos

princípios da previsibilidade e da segurança jurídica263, instituiu regras com vistas a

estabilizar a jurisprudência nacional. Para tanto, criou um capítulo destinado à

cooperação entre todos os órgãos do Poder Judiciário (artigos 67 a 69), cabendo

destacar o artigo 69, § 2º, inciso VI264, dispositivo que prevê atos concertados entre

juízes para a centralização de processos repetitivos.

Também, em prol da uniformização, a redação do artigo 332 ficou mais

abrangente em relação ao artigo 285-A do CPC de 1973. Assim, serão liminarmente

262

No tocante às reformas processuais do Código de 1973, podemos citar as disposições dos artigos: 557, § 1º (negativa de seguimento a recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou de Tribunais Superiores); 543-C (julgamento de recursos especiais repetitivos); 285-A (sentença de plano em causas idênticas as já decididas pelo Juízo como sendo improcedentes); e 518, § 1º (não recebimento do recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula dos Tribunais Superiores). Ademais, durante a vigência da antiga lei processual, a Emenda Constitucional n. 45/2004 instituiu as súmulas vinculantes, regulamentadas posteriormente pela Lei n. 11.417/2006. 263

Segundo Luiz Guilherme Marinoni: “A segurança jurídica, vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser ‘Estado de Direito’.” (Princípio da segurança dos atos jurisdicionais. In: _____ et al. (Org.). Supervisora Silvia Faber Torres. Dicionário de princípios jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 1.225). 264

“Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como: [...] II - reunião ou apensamento de processos; [...] § 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para: [...] VI - a centralização de processos repetitivos; [...]”.

99

julgadas improcedentes as causas que dispensem fase instrutória e contrariem:

I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

O artigo 926, voltado aos tribunais, impõe a uniformização da jurisprudência

e o dever de “mantê-la estável, íntegra e coerente”, sendo necessária, ainda, a

edição de súmulas correspondentes a sua jurisprudência dominante.

Nos termos do artigo 927, os juízes de qualquer grau de jurisdição terão de

observar265, no exercício se sua atividade:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Para assegurar a observância da uniformização da jurisprudência, de acordo

com o inciso VI do § 1º do artigo 489, não se considera fundamentada a decisão

judicial que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente

invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em

julgamento ou a superação do entendimento”. A ausência de fundamentação gera

nulidade do pronunciamento, a teor do comando do artigo 11 do Código de 2015.

O artigo 932, inciso IV, determina que o relator deve negar provimento a

recurso que contrarie:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

265

Para tanto, o § 5º do artigo 927 determina: “Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”.

100

O inciso V do citado artigo 932 dispõe que se dê provimento a recurso

interposto em face de decisão contrária a súmulas, acórdãos e entendimentos acima

delineados.

O incidente de assunção de competência, presente no CPC de 1973, está

previsto no artigo 947 da nova lei processual civil e será admitido quando

determinado julgamento de recurso “envolver relevante questão de direito, com

grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos”. De acordo com o

§ 3º deste artigo: “O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos

os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.”.

Relevante inovação do CPC de 2015 para a estabilização jurisprudencial foi

a instituição do incidente de resolução de demandas repetitivas266 (artigos 976 a

987), cabível “quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos

que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco

de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.

Para que seja um procedimento transparente, célere e efetivo, a lei

processual civil determina (i) a ampla divulgação e publicidade dos julgamentos267,

os quais deverão ser realizados dentro do prazo de um ano, tendo preferência sobre

os demais feitos268 e (ii) a suspensão de todos os processos pendentes, individuais

ou coletivos que versem sobre a questão objeto do incidente instaurado, de

competência daquele tribunal269, suspensão esta que pode ser estendida a todo o

território nacional pelos tribunais superiores270.

266

Quanto às consequências da aplicação do incidente de resolução de demandas repetitivas em nosso ordenamento, Guilherme Puchalski Teixeira ensina: “A tese fixada no IRDR não afastará a necessidade de que os titulares do direito reconhecido no precedente repetitivo tenham que ajuizar suas ações individuais a fim de obter o reconhecimento do seu direito, para só então efetivá-lo. Daí concluir que a grande contribuição do IRDR ao sistema processual não guarda relação com o ideal de celeridade do processo e sim com a eficiência e racionalidade do sistema, tornando-o estável e previsível frente a questões de direito repetitivas.” (Incidente de resolução de demandas repetitivas: projeções em torno de sua eficiência. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 251, p. 359-387, jan. 2016. p. 375). 267

“Art. 979. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. § 1º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.” 268

“Art. 980. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.” 269

“Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; [...].” 270

“Art. 982. [...] § 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso

101

Nos termos do artigo 985, finalizado o julgamento do incidente, a tese

jurídica passa a ser aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986; [...].

O legislador processualista, no artigo 987, estabeleceu que uma vez

apreciado o mérito do incidente pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior

Tribunal de Justiça, a tese jurídica adotada “será aplicada no território nacional a

todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de

direito”.

O instituto da reclamação, previsto na Constituição Federal (artigo 103-A, §

3º), é um instrumento útil para reprimir decisões desarmônicas. As suas hipóteses

de cabimento foram ampliadas no CPC de 2015, em seu artigo 988, para:

I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV - garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

No âmbito dos recursos excepcionais, para impedir decisões divergentes

das proferidas nos tribunais superiores, o artigo 1.030, inciso I, preceitua as

hipóteses de negativa de seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo

extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.” “Art. 1.029. [...] § 4º Quando, por ocasião do processamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça receber requerimento de suspensão de processos em que se discuta questão federal constitucional ou infraconstitucional, poderá, considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, estender a suspensão a todo o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto.”

102

Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos.

O inciso II do mesmo artigo 1.030 determina o dever de remessa do

processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, “se o acórdão

recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior

Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou

de recursos repetitivos”. Pela disciplina do inciso III, será necessário “sobrestar o

recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo

Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de

matéria constitucional ou infraconstitucional”.

Por fim, o CPC de 2015 regula o julgamento dos recursos extraordinário e

especial repetitivos271 (artigos 1.036 a 1.041), ou seja, no caso de haver

multiplicidade destes recursos com fundamento em idêntica questão de direito.

Segundo o § 1º do artigo 1.036:

O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

No âmbito dos tribunais superiores, a mesma iniciativa também pode partir

de relator272.

Conforme disposição do inciso II do artigo 1.037, depois de verificados os

pressupostos necessários, o relator “determinará a suspensão do processamento de

271

Humberto Theodoro Júnior, em análise do regime dos recursos extraordinário e especial repetitivos no Código de 2015, conclui que: “Perante o sistema do Código novo, é fácil ver que o regime dos recursos repetitivos, na esfera do STF e do STJ, está programado para produzir eficácia vinculante, porque a questão de direito, que constitui seu objeto, ultrapassa o interesse do recorrente, por dizer respeito a todo um universo de causas onde a mesma norma se acha, ou poderá achar-se, em vias de aplicação. Não se trata, portanto, de uma força vinculante criada pela pura vontade do legislador processual, mas de algo cujas raízes se encontram nas matrizes constitucionais dos recursos extraordinário e especial. É da imperiosa necessidade de velar pela autoridade da Constituição e de garantir a uniformidade da inteligência e aplicação do direito positivo infraconstitucional, que o NCPC extraiu a inspiração para conferir, de forma expressa, a força vinculante da jurisprudência estabelecida no âmbito dos recursos extraordinário e especial repetitivos.” (Jurisprudência e precedentes vinculantes no novo código de processo civil – demandas repetitivas. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 359-372, maio 2016. p. 365). 272

“Artigo 1.036 [...] § 5º O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.”

103

todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão

e tramitem no território nacional”.

Após a publicação do acórdão-paradigma, dispõe o artigo 1.040 que:

I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

Os legisladores do sistema processual civil, como se vê, fizeram um grande

esforço para garantir uniformidade na jurisprudência nacional, trabalho que deve ser

colocado em prática de imediato, inclusive na aplicação da nova lei de processo.

Algumas questões, porém, não foram suficientemente detalhadas, como por

exemplo o procedimento a ser seguido quando constituído um negócio jurídico

processual (artigo 190) ou o significado de “complexidade em matéria de fato ou de

direito” para a designação de audiência de saneamento (artigo 357, § 3º).

Na verdade, juízes e órgãos jurisdicionais precisam, desde já, evitar

interpretações muito distintas sobre as novíssimas disposições do CPC de 2015. E

para caminhar no sentido da efetiva estabilização, os tribunais superiores darão o

necessário exemplo ao eliminar qualquer desarmonia em seus julgados. Se os

recursos especial e extraordinário são ferramentas úteis para sanar divergências

interpretativas de disposições de leis federais e da Constituição da República, a

homogeneização de entendimentos jurídicos é imperiosa e urgente. Não se poderá

exigir o atendimento de enunciados e súmulas por juízes e desembargadores se os

próprios ministros das cortes superiores assim não procedem.

O fato de o regime jurídico brasileiro ser pautado pelo civil law, em que se

privilegia a mera aplicação da norma ao caso concreto ao invés da utilização de

104

precedentes273 não é motivo suficiente para não se estimular a utilização de

jurisprudência como legítima fonte do direito274 e, como decisões qualitativas e bem

fundamentadas, podem servir como um verdadeiro guia para os magistrados,

tornando mais céleres os julgamentos275.

Portanto, antes de uniformizar a jurisprudência, os juízes devem preocupar-

se com a qualidade de seus pronunciamentos, adotando uma postura participativa e

cooperativa para que, a partir de decisões saneadoras qualitativas que representem

verdadeiros roteiros de organização e de julgamento do processo, possam proferir

decisões de mérito adequadas e devidamente fundamentadas. Ao lado disso, a

segurança jurídica, a previsibilidade e o tratamento isonômico em situações

273

Daniel Mitidiero assim define os precedentes: “[...] não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial. E porque tem como matéria-prima a decisão, o precedente trabalha essencialmente sobre fatos jurídicos relevantes que compõem o caso examinado pela jurisdição e que determinaram a prolação da decisão da maneira como foi prolatada. Os precedentes são razões generalizáveis que podem ser extraídas da justificação das decisões. Por essa razão, operam necessariamente dentro da moldura dos casos dos quais decorrem. Os precedentes emanam exclusivamente das Cortes Supremas e são sempre obrigatórios – isto é, vinculantes. Do contrário, poderiam ser confundidos com simples exemplos.” (Precedentes, jurisprudência e súmulas no novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 245, p. 333-349, jul. 2015. p. 337). 274

Cassio Scarpinella Bueno fala da importância da jurisprudência para o nosso ordenamento: “Não há mais razão para olvidar a importância que, mesmo para um país de civil law, como o nosso, a força, quando menos, ‘persuasiva’ dos julgados, sobretudo dos tribunais superiores, mas também dos tribunais de segundo grau de jurisdição, assumiram nos últimos anos. E até, em alguns casos, o caráter vinculante daquelas decisões. Desde sua introdução lenta, com a Lei n. 8.038/90, até a Emenda Constitucional n. 45/2004, o nosso processo civil passou a conhecer a possibilidade de que, uma vez resolvidos uns poucos casos sobre dada questão, outros a eles similares acabariam por ser resolvidos da mesma forma; até mesmo, diante daquela ‘jurisprudência’, passou-se a admitir certos ‘atalhos’ procedimentais, o mais notório deles os julgamentos monocráticos no âmbito dos tribunais, estampados, dentre tantos dispositivos do nosso Código de Processo Civil, no seu art. 557.” (Amicus Curiae no processo civil brasileiro. Um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 37). 275

Sobre a introdução de um sistema de procedentes pelo Código 2015, Humberto Theodoro Júnior assim discorre: “O método de precedentes é algo que se construiu lentamente na cultura anglo-americana, em função do sistema de equidade, cuja observância prescinde de autorização legislativa. Seus fundamentos mais significativos encontram-se nas garantias fundamentais de igualdade e segurança jurídica. Essas mesmas garantias constitucionais têm inspirado o direito brasileiro a adotar e aperfeiçoar ao longo de mais de meio século o sistema de valorizar a jurisprudência por meio de súmula dos julgados que se tornam repetitivos e que são capazes de sintetizar teses consolidadas, principalmente nos tribunais superiores do país. Trata-se, sem dúvida, de orientação diferente daquela que prevalece na formação dos precedentes nos países normatizados pelo common law, mas que se mostra mais adaptada à sistemática do civil law. É natural que seja diferente o tratamento da jurisprudência num sistema de direito consuetudinário - formado à base de precedentes estabelecidos a partir de casos -, daquele que se dá num sistema de direito escrito, no qual as posições dos tribunais se manifestam a partir de interpretação e aplicação das leis que constituem o ordenamento jurídico positivo. [...] O NCPC, a inserir o sistema de precedentes em nosso direito processual civil, o fez a partir do mecanismo da identificação da tese e não do caso, mas traçou regras importantíssimas destinadas ao aprimoramento da técnica de formação dos julgados e de sua fundamentação, bem como de formulação dos enunciados da súmula jurisprudencial.” (Jurisprudência e precedentes vinculantes no novo código de processo civil – demandas repetitivas. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 359-372, maio 2016. p. 366-367).

105

idênticas serão imprescindíveis para o Estado brasileiro alcançar o espírito

constitucional de acesso à justiça. A vigência do CPC de 2015 é o marco inicial da

caminhada rumo à eliminação das incertezas, e o trajeto só será percorrido com um

Poder Judiciário confiável276 e não uma mesa de apostas.

276

Sobre a relação entre segurança jurídica e confiança, eis a lição de José Joaquim Gomes Canotilho: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Esses dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com os componentes subjetivos da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos dos actos.” (Direito constitucional e teoria da constituição. Almedina: Coimbra, 2000. p. 256).

106

CAPÍTULO 2

DESPACHO SANEADOR: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E BREVES NOTAS

DE DIREITO ESTRANGEIRO

2.1 REFERENCIAIS DO DESPACHO SANEADOR NO DIREITO BRASILEIRO

A formação do direito brasileiro não ocorre de forma isolada e independente

porque é fruto de uma série de influências e de copertencimentos a estruturas

jurídicas delineadas sobretudo pelo traço continental europeu. Muitos institutos e

conceitos jurídicos aplicados no ordenamento jurídico brasileiro são recepções

diretas ou indiretas de inovações realizadas em outros territórios nacionais.

A influência do direito estrangeiro277 deve ser destacada, pois acaba por

dimensionar uma série de particularidades quando se quer considerar

especificamente um elemento singular, tal como se pretende fazer neste estudo, no

que tange ao saneamento do processo. Por essa razão, é preciso ponderar que a

estrutura do direito processual civil brasileiro, que contemporaneamente possui certa

independência e alta carga de inovação, já esteve inscrita em uma relação de maior

proximidade com os modelos europeus, principalmente com o modelo ditado

inicialmente por Portugal, dada a existência de uma relação histórica entre

metrópole e colônia, que deixou seus traços, mesmo depois da declaração de

independência brasileira. De igual maneira, é preciso considerar que os modelos

jurídicos ocidentais não se realizam e não progridem de forma isolada, mas, ao

contrário, transbordam para uma ampla comunicação conceitual, teórica e formação

277

É preciso pontuar que essa não é uma exclusividade da realidade jurídica brasileira, mas, em verdade, trata-se de característica de todos os países colonizados do continente americano, incluindo-se aí, em certo grau, até mesmo os EUA. Essa influência possui uma dupla dimensão, que precisa ser mencionada: a) por um lado, os sistemas jurídicos dos países americanos, sejam eles de origem ibérica ou anglo-saxã, acabam por representar uma espécie de espelhamento para com os sistemas jurídicos europeus, de modo que é notória a influência não apenas das metrópoles (Portugal, Espanha, Inglaterra) sobre as colônias, mas é também perceptível a influência de outros sistemas jurídicos que contavam com uma importância teórica relevante em um contexto europeu, como é o caso da Alemanha, da Áustria e da Itália; b) por outro lado, não se pode desenvolver uma análise que considere os sistemas jurídicos presentes no continente americano (incluindo-se, por óbvio, o Brasil) mera reprodução precisa dos modelos europeus, pois é óbvio que as condições culturais e o desenvolvimento histórico, social e político de cada país acaba produzindo diferenças no próprio sistema jurídico, a tal ponto que, muito embora as influências permaneçam, não devem ser tomadas de forma absoluta.

107

de institutos e instrumentos. Assim, a passagem de uma análise histórica para uma

análise do direito estrangeiro não produz um salto, mas, em realidade, apenas a

continuação de um procedimento analítico que percorre os pontos de variabilidade

de uma mesma questão, ou seja, o despacho saneador e, consequentemente, o

saneamento do processo.

Antes de adentrar o código processual brasileiro de 1939 para conhecer a

maneira como este diploma legal abordava a questão do despacho saneador, é

preciso apresentar as condições histórico-jurídicas que precederam tal

normatividade. Nesse registro, encontram-se principalmente a presença e a

influência do direito português em terras brasileiras.

As ordenações portuguesas, trazidas ao Brasil no Período Colonial, já

reconheciam a necessidade de suplantar as nulidades processuais que ocorriam

invariavelmente em algumas lides, a tal ponto que as Ordenações Filipinas, na seara

processual (Livro III), já buscavam evitar e sanar a ausência de celeridade e

prestigiar a economia processual278.

As Ordenações Filipinas, que continuaram a ser consideradas mesmo após

a independência brasileira, contemplavam uma série de determinações que

antecipavam a estrutura processual posteriormente aplicada, por exemplo os

princípios aclamados pela ciência processual – princípios da imediatidade, da

publicidade, da eventualidade e da unirrecorribilidade das sentenças.

Segundo Eduardo Talamini279, não obstante a evidência de que as

Ordenações Filipinas disciplinaram hipóteses que hoje se aproximariam “da arguição

e apreciação das condições da ação e do reconhecimento de sua carência pelo

autor”, por meio do Livro III, Título XX, § 16280, “não há como se pretender ver em

278

É válida, aqui, a menção a Innocêncio de Souza Duarte, que, em 1871, já reconhecia a necessidade de se encontrar meios e instrumentos para evitar tais nulidades; (DUARTE, Innocêncio de Souza. As nulidades do processo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1871). 279

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Iinformação Legislativa, Brasília: Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 280

O texto encontrado no Livro III, Título XX, § 16, mostra certo caráter procedimental quanto ao problema das nulidades: “E, se antes do réo vir com contrariedade, achar que a materia do libello he tal, que por ella não pode o autor ter aução para demandar o que pede, poderá razoar per scipto contra o libello no termo, que lhe foi assinado para contrariar, e o autor haverá a vista das razões do réo, e lhe responderá à primeira audiencia, e o feito se fará concluso.” (CÓDIGO PHILIPPINO. Terceiro Livro das Ordenações. Título XX, § 16, p. 591. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733>. Acesso em: 16 set. 2016. Nota-se, então, um movimento que se assemelha à noção de audiência preliminar tal como hoje é conhecida, ainda que estejam ausentes as estruturas e os princípios do contemporâneo processo civil. A regra prevista por

108

tais hipóteses verdadeiros precedentes do ‘despacho saneador’ naquilo que esse

mecanismo tem de especial”281.

Em 1840, ainda na vigência das Ordenações Filipinas, o Estado português

notou a necessidade de orientar os magistrados para que evitassem as nulidades,

por meio de uma posição mais incisiva no momento da cognição da lide282. Essa

preocupação também era latente no Brasil.

Em 1850, publica-se o Decreto n. 737, que, pela presença dos artigos 98 e

676283, pode-se dizer que teria algum caráter de precedência à origem do despacho

saneador. Essa precedência é, no entanto, questionada, pois os referidos artigos

determinam que as partes são as responsáveis por provocar o julgamento prévio

das nulidades (tal como ocorria nas Ordenações Filipinas).

esta norma das Ordenações Filipinas é conhecida por exceptio inepti libelli, um instituto jurídico já conhecido pelo direito canônico. 281

CÓDIGO PHILIPPINO. Terceiro Livro das Ordenações. Título XX, § 16, p. 591. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733>. Acesso em: 16 set. 2016. 282

Essa orientação foi informada por meio de uma Portaria publicada no Diário do Governo, em 7 de dezembro de 1840, a qual continha o seguinte texto: “Constando que nos processos que sobem aos Tribunais de Segunda Instancia se encontram gravíssimas omissões e irregularidades, algumas das quaes poderiam ter-se evitado, ou ser supprimidas a tempo, se nas primeiras Instancias o Ministerio Publico, que é o fiscal da boa execução das Leis, se houvesse com maior cuidado, para de tamanho desleixo não resultar, como acontece, que avultado numero de feitos, já quase concluídos, voltam ao princípio com grande prejuízo das Partes, augmento de trabalho, offensa da administração da Justiça: Manda a RAINHA, pela Secretaria de Estado dos Negócios Ecclesiasticos e de Justiça, que o Conselheiro Procurador Geral da Côroa passe a as mais terminantes ordens para que os Magistrados do Ministerio Publico em cada uma das Relações tomem lembrança das irregularidades e omissões, que descobrirem pelo exame dos processos, para que o Procurador Regio no fim de cada mez dirija aos Agentes seus subordinados, que as não tiverem prevenido ou emendado, a competente admoestação ou censura, a fim de que mais se não repitam similhantes faltas; e para que nos casos em que por ellas a Lei impozer multa, a promova efficazmente contra o que se achar incurso; dando apportunamente parte dos que por seus descuidos e negligencias se mostrarem inhabeis ou incapazes de servir; e fazendo por essa occasião constar a todos que só pelo perfeito e cabal desempenho de seus deveres podem esperar ser attendidos segundo as informações de seus superiores, com o despacho a que por Lei tiverem direito.”. Citado por Flávio Pâncaro da Silva no Prólogo à segunda edição de LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: Fabris, 1985. p. VIII-IX. Note-se que, embora reconhecendo a problemática, a referida Portaria não cria um dispositivo, mas busca determinar uma solução pragmática, encarregando os agentes jurídicos a lidarem com a situação das nulidades existentes. 283

Os textos dos referidos artigos versam sobre o problema das nulidades em termos procedimentais: “Art. 98. Quando da contestação constar a argüição de nulidade, o Juiz tomando della conhecimento verbal e summario em audiencia, ou mandando que os autos lhe sejam conclusos, supprirá ou pronunciará a nullidade como fôr de direito e se prescreve no título – Das nulidades. [...]. Art. 676. Deve o Juiz ou suprir, ou pronunciar a nullidade logo que as partes as argüirem pelo modo determinado no artigo antecedente. Serão supridas as nullidades quando os actos e termos posteriores são independentes, e não ficam prejudicados por ella, devem porém ser pronunciadas quando pelo contrario ellas influem sobre os actos posteriores”. Cf. BRASIL. Decreto n. 737, de 25 de novembro de 1850. Determina a ordem do Juizo no Processo Commercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM737.htm>. Acesso em: 16 set. 2016.

109

Galeno Lacerda avalia que não haveria semelhança, sequer precedência

direta entre o Decreto n. 737 e as disposições do CPC de 1939. Para o autor, estas

normativas:

No fundo, nada mais faziam que determinar o julgamento prévio de uma exceção dilatória de nulidade, como ocorria com as demais exceções e era costume desde o processo medieval. Mas, e isto é que os afasta de qualquer símile com o saneador, o ato do magistrado era provocado pela parte. Continuávamos com o juiz inerte, espectador passivo da batalha judiciária. A prática admitiu a argüição da nulidade a qualquer tempo, o que estimulava a fraude, sendo a coisa mais natural o seu julgamento na sentença [Grifo do autor].284

Afastada a existência do Decreto n. 737 como antecedente direto do

despacho saneador, a influência direta recai então sobre o direito português.

Eduardo Talamini285 afirma que “a criação do instituto deu-se, de fato, por

meio do Decreto nº 3, de 29-5-1907 (então com o nome de ‘despacho regulador do

processo’)”. Em agosto do mesmo ano, outro decreto estendeu tal previsão –

praticamente repetindo-a – para o procedimento das ações de despejo de prédios

urbanos e rústicos. Esse despacho, criado para que os magistrados pudessem, no

âmbito do processo sumário, conhecer as nulidades processuais em causas cíveis e

comerciais que contassem com pequeno valor286, tinha uma determinação expressa:

deveria ser proferido após a fase chamada de articulados e aplicado antes da

colheita das provas287.

O grande diferencial do “despacho regulador do processo” instituído pelo

Decreto n. 3 de 1907 foi a determinação de uma posição mais ativa do juiz quanto à

questão das nulidades, como é possível inferir da leitura do artigo 9º do referido

Decreto:

Art. 9º. Em seguida à última resposta das partes ou à última nomeação e impugnação dos peritos, e dentro de cinco dias, o juiz proferirá despacho para os fins seguintes: 1º) Conhecer de quaisquer nulidades insupríveis e das supríveis que as partes hajam devidamente argüido; mas neste caso só anulará o

284

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 35. 285

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 286

LIEBMAN, Enrico Tullio. O despacho saneador e o julgamento do mérito. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 3, p. 75-97, -out . 2011. 287

BARBI, Celso Agrícola. Despacho saneador e julgamento do mérito. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 3, p. 123-132, out. 2011.

110

processado ou mandará suprir a irregularidade, quando a nulidade puder influir no exame da decisão da causa. 2º) Mandar corrigir quando a nulidade puder influir no exame ou decisão da causa. 3º) Designar dia, dentro dos dez imediatos, quando não haja diligências a realizar, para julgamento da ação.

Essa norma foi alterada pelo Decreto n. 12.353, de 22 de setembro de 1926,

o qual não só produziu uma mudança considerável no sistema processual civil

português, mas também alterou a designação do despacho anteriormente instituído

pelo Decreto n. 3/1907 para “despacho saneador”, ampliando as suas funções, por

força da redação do artigo 24:

Art. 24º. Findo os articulados, o processo será concluso imediatamente ao juiz que dentro de 15 dias proferirá despacho para os fins seguintes: 1º) Conhecer de quaisquer nulidades insupríveis e das supríveis que tenham sido argüidas; 2º) Apreciar se as partes têm legitimidade para a causa e se estão devidamente representadas em Juízo; 3º) Resolver quaisquer questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa, quer as partes as tenham levantado, quer entenda dever supri-las ex officio, de forma que não se inicie a produção de provas senão quando haja segurança de que se conhecerá do objeto da ação.

Com esse dispositivo, a doutrina especializada considerou que se tratava de

um avanço não apenas pela criação de uma nomenclatura específica –,

conceitualmente se tratava de um despacho saneador –, mas, como anotou Alberto

dos Reis288, doutrinador português que à época escrevia sobre a inovação

normativa, este despacho tinha a função de “limpar” o processo das questões que

podem obstar o conhecimento do mérito da causa

Galeno Lacerda289, na leitura do citado artigo 24, identificou três objetivos

fundamentais: “1º) conhecer de nulidades; 2º) apreciar a legitimidade das partes e a

sua representação em juízo, e 3º) julgar as questões prévias ou prejudiciais”.

Quadra mencionar ainda que o despacho saneador é explicitamente

nomeado no Decreto-Lei português n. 12.353 de 1926, onde se conferiram poderes

ao juiz para que realizasse o exame da legitimidade das partes, de sua

representação em juízo e de outras questões prévias ou prejudiciais ao

288

REIS, Alberto dos. Breve estudo sôbre a reforma do processo civil e comercial. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1933. p. 150. 289

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 40.

111

conhecimento do mérito290. Essa seria a influência portuguesa direta sobre o CPC

de 1939, muito embora Portugal tenha continuado a progredir com inovações

legislativas nos anos seguintes291.

No que diz respeito à realidade brasileira, muitas foram as medidas tomadas

no sentido de evoluir a partir das determinações do Regulamento 737 de 1850. Entre

os códigos processuais civis estaduais (pós-Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil de 1891), alguns traziam a previsão de que, havendo a confissão

do réu (vale dizer, o atual “reconhecimento do pedido”), deveria ocorrer o julgamento

“no estado em que se achar o processo” (art. 271 do Código de Pernambuco;

semelhante norma havia nos códigos do Rio Grande do Sul e de São Paulo). Vários

desses diplomas repetiram a previsão de eliminação de nulidades noticiadas pela

parte (SP, RS, DF, MG, PE, BA, ES, RJ, SC). 292

Assim, por mais que houvesse uma evidente tentativa de avançar em

direção de criar uma instrumentalização para resolver o problema das nulidades, as

inovações dos códigos processuais civis estaduais acabavam reproduzindo uma

problemática já conhecida, ou seja, mantinham a estrutura em que o exame ex

officio permanecia afastado “de vícios processuais pelo julgador”293.

Conforme pondera José Carlos Barbosa Moreira294, é com o anteprojeto do

Código de Processo Civil do Estado de Mato Grosso295 que se vislumbra a primeira

tentativa de introduzir o instituto do saneamento de forma instrumental e precisa,

pois “contemplava um despacho saneador à feição do art. 24 do citado Decreto

12.353” de Portugal, ainda que não se tenha efetivado296.

290

HOLLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho saneador. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 33, n. 130, p. 231-24, abr./jun. 1996. 291

Uma análise comparada com o direito português será desenvolvida mais detidamente na seção 2.6. 292

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr,/jun./ 1997. 293

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr,/jun. 1997. 294

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Saneamento do processo e audiência preliminar. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 3, p. 165-200, out. 2011. 295

É preciso lembrar, como Alcides de Mendonça Lima, que “os Estados-membros da Federação brasileira tinham competência para legislar sobre processo (civil e penal), na vigência da Constituição Federal de 1981” (As providências preliminares no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, p. 26-42, jan,1976. p. 26). 296

Eduardo Talamini ressalta que a o anteprojeto do CPC do Estado do Mato Grosso tinha uma “direta e confessa inspiração no Decreto português nº 12.353/26 e na doutrina de J. A. dos Reis”, o que ressalta a influência portuguesa na entrada do “despacho saneador” como instituto jurídico na

112

Houve outras duas tentativas, anteriores ao CPC de 1939, de inserção do

despacho saneador na realidade jurídica brasileira: a primeira, “com o anteprojeto de

1934 (de autoria de Pereira Braga e Filadelfo Azevedo) relativo à Justiça Federal”297;

a segunda, com:

O Decreto-Lei nº 960, de 17-12-38 (sobre cobrança de dívida pública), em seu art. 19, [que] além de providências saneadoras propriamente ditas, do exame dos pressupostos processuais e condições da ação e da preparação da instrução probatória da causa, previu a hipótese de julgamento de mérito no caso de falta ou intempestividade da defesa.

298

Como no caso português, em várias oportunidades o debate sobre a

necessidade de inserção de um despacho saneador em meio a movimentos

processuais surgia de forma pontual, em casos concretos. Muitas das inovações

legislativas não diziam respeito a uma questão estrutural geral, mas a uma situação

específica, como ocorreu com o referido Decreto-Lei n. 960 de 1938, que dispunha

sobre a cobrança de dívida pública e não se projetava como regra para todo o

processo civil brasileiro, mas, simultaneamente, acabava reforçando a necessidade

de se enfrentar a questão do despacho saneador.

A propósito, os artigos 19 e 20299 do Decreto-Lei n. 960 não enunciavam o

termo “despacho saneador”, porém, como reconhece José Carlos Barbosa

realidade brasileira (O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr,/jun. 1997). 297

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 298

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 299

É importante citar os textos dos referidos artigos, pois denotam o caráter inovador mencionado, sem que se faça qualquer menção explícita ao “despacho saneador”: “Art. 19. Com a defesa e a impugnação, se houver, o escrivão fará os autos conclusos ao juiz, o qual, ordenando o processo, e depois de verificar se as partes são legítimas e estão legalmente representadas, proferirá despacho, dentro em dez dias, para: I – mandar suprir as irregularidades ou nulidades, dentre estas decretando as que forem insanáveis; II – decidir qualquer matéria estranha ao mérito da causa, mas cujo conhecimento ponha termo ao processo; III – ordenar, de ofício ou a requerimento das partes, os exames, vistorias, diligências e outras provas indispensáveis á instrucção da causa; IV – conhecer do mérito da causa si o réu for revel ou a defesa tiver sido apresentada fora do prazo legal. Parágrafo único. Para o suprimento de irregularidades ou nulidades, ou a realização de qualquer diligência, o juiz marcará prazo que não deverá ser superior a dez ou a trinta dias, caso o ato houver de se realizar dentro ou fora da jurisdição, podendo ser excepcionalmente prorrogado, por duas vezes, no máximo, si o exigirem as circunstâncias do caso ou peculiaridades locais.”. “Art. 20. Ao proferir o despacho a que se refere o artigo anterior, o juiz poderá, cominando pena de desobediência: I – ordenar o comparecimento pessoal do réu, testemunhas e peritos á audiência de instrução e julgamento; II – ordenar a produção ou o exame de documentos que se achem em poder do réu ou de terceiros; III – requisitar quaisquer esclarecimentos ou informações a repartições públicas ou a

113

Moreira300, este foi o caso da “primeira lei brasileira que se esforçou por aplicar os

princípios – então apregoados pela doutrina – da oralidade, da concentração e

outros correlatos”.

2.2 O DESPACHO SANEADOR SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

1939

O CPC de 1939, por mais que tenha avançado ao incluir a nomenclatura

“despacho saneador” expressamente e em regime federal, apresentou um

retrocesso quanto às legislações anteriores, sobretudo quando comparado com o

Decreto-Lei n. 960/1938, pois não foram recepcionadas as inovações que

aconteciam simultaneamente em Portugal com o CPC português, cortando, assim,

os laços diretos de influência antes existentes.

O sistema processual civil de 1939, resultado de uma necessidade

legislativa, respondia aos anseios normativos que haviam brotado com as

constituições brasileiras de 1934 e de 1937, quando, por razões políticas, sociais e

jurídicas, notou-se a necessidade premente de estabelecer uma unificação

legislativa dos regramentos pertinentes ao processo civil. Essas constituições

também provocaram uma mudança na estrutura do ordenamento brasileiro, uma vez

que os estados-membros da federação não tinham mais a possibilidade de

dispor/decidir sobre normas processuais (civis e penais), que voltaram a ser

atribuição exclusiva da União.

Orientado por Pedro Batista Martins, renomado processualista à época, o

Código de Processo Civil de 1939 recepcionou a nomenclatura portuguesa, definiu e

estabeleceu o “despacho saneador” entre os artigos 293 e 296. Estes artigos,

posteriormente, foram refundidos por força do Decreto-Lei n. 4.565 de 1942, e do

particulares.” É importante notar que, por meio do inciso IV do artigo 19, aventa-se a possibilidade de se realizar o julgamento imediato do mérito naqueles casos em que o réu é considerado revel ou, ainda, que venha a apresentar a defesa fora do prazo legal, o que dispunha, à época, um avanço processual.” BRASIL. Decreto-Lei n. 960, de 17 de dezembro de 1938. Dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, em todo o território nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del0960.htm>. Acesso em: 18 set. 2016. 300

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Saneamento do processo e audiência preliminar. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, p. 165-200, out. 2011.

114

Decreto-Lei n. 8.570 de 1946, que acabaram especificando “melhor as funções do

juiz por ocasião do ‘saneador’”301.

O “despacho saneador” é mencionado explicitamente no artigo 293 do CPC

de 1939, onde também constam as situações iniciais que demandam o seu

aparecimento, litteris: “Art. 293. Decorrido o prazo para contestação, ou

reconvenção, se houver, serão os autos conclusos, para que o juiz profira o

despacho saneador dentro de 10 dias”.

A indicação de um período determinado para apreciação de possíveis

nulidades era um ponto relevante. Contudo, os dispositivos que se seguiram ao

referido art. 293 acabaram limitando a sua aplicabilidade em muitas situações, de tal

modo que o artigo 294302 foi alterado pela redação do Decreto-Lei n. 4.565 de

1942303 e, posteriormente, pela redação do Decreto-Lei n. 8.570 de 1946304. Por fim,

mantiveram-se as redações dos artigos 295 e 296305.

301

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 302

A redação original do artigo 294 contava com o seguinte texto: “Art. 294. No despacho saneador, o juiz: I – decidirá sobre a legitimidade das partes e da sua representação, ordenado, quando fôr o caso, a citação dos litisconsortes necessários e do órgão do Ministério Público; II – mandará ouvir o autor, dentro em três (3) dias, permitindo-lhe que junte prova contrária, na contestação, reconhecido o fato em que se fundou, outro se lhe opuser, extintivo de pedido; III – pronunciará as nulidades insanáveis, ou mandará suprir as sanáveis bem como as irregularidades; IV – determinará exames, vistorias e quaisquer outras diligências, na forma do art. 295; Parágrafo único. As providências referidas nos números I e II serão determinadas nos três (3) primeiros dias do prazo a que se refere o artigo anterior”. BRASIL. Decreto n. 4.565, de 11 de agosto de 1942. Altera e retifica disposições do Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del4565.htm>. Acesso em: 18 set. 2016. 303

As alterações do Decreto-Lei n. 4.565/1942 mantiveram os incisos I e II intactos. Com a inserção do inciso III, os incisos III e IV do antigo texto passaram para os incisos IV e V do novo texto. A redação do parágrafo único foi mantida. Na redação do novo inciso III constava: “examinará se ocorre o requisito de legítimo interesse econômico ou moral”. 304

A inovação trazida pelo Decreto-Lei n. 8.570/1946 resultou na supressão do parágrafo único e nova redação para o inciso V, que assim passou a dispor: “determinará, ex-officio ou a requerimento das partes, exames, vistorias e outras quaisquer diligências, na forma do art. 295, ordenando que os interessados se louvem dentro de 24 horas em peritos, caso já não haja feito, e indicando o terceiro desempatador, como prescreve o art. 129”. BRASIL. Decreto-Lei n. 8.570, de 8 de janeiro de 1946. Dá nova redação a dispositivos do Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del8570.htm>. Acesso em: 18 set. 2016. 305

“Art. 295. Para o suprimento de nulidades ou irregularidades e a realização de diligências, o juiz marcará prazos não superiores a quinze (15) ou trinta (30) dias, conforme a realização do ato seja dentro ou fora da jurisdição. Findos os prazos, serão os autos conclusos para que o juiz, dentro de quarenta e oito (48) horas, proceda na forma dos ns. I e II do artigo seguinte. Art. 296. Não sendo necessária nenhuma das providências indicadas no art. 294, o juiz, no próprio despacho saneador: I – designará audiência de instrução e julgamento para um dos quinze (15) dias seguintes; II – ordenará, quando necessário, o comparecimento à audiência, das partes, testemunhas e perito.” BRASIL. Decreto-Lei n. 8.570, de 8 de janeiro de 1946. Da nova redação a dispositivos do Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del8570.htm>. Acesso em: 18 set. 2016.

115

Na primeira redação do CPC de 1939, o tratamento dado ao despacho

saneador foi deveras criticado. No entendimento da doutrina, produzira-se um

retrocesso na medida em que o avanço realizado pelo Decreto-Lei n. 960/1938 havia

sido suprimido na redação dos mencionados artigos do CPC.

Essa é a visão crítica de José Carlos Barbosa Moreira306 quando afirma que:

Os trabalhos de reforma do processo civil, tendentes à decretação de um código unitário para todo o país, assinalaram curioso retrocesso no particular. Conquanto publicado após a entrada em vigor do Decreto-lei nº 960, o anteprojeto do Código nacional comprimia o despacho saneador em molde bem mais acanhado, destinando-o somente a providências reguladoras do processo, bem como, se possível, à designação da audiência final e, sendo o caso, à nomeação de perito. E o Código de Processo Civil de 1939, embora desse ao ato mais amplos contornos, tampouco chegou a consagrar em termos expressos a possibilidade de julgamento do pedido por ocasião do despacho saneador, ainda que parte da doutrina, a despeito do silêncio do texto, a sustentasse, com argumentos sobretudo de ordem prática. Ficou assim de novo a legislação brasileira em atraso com relação à portuguesa, que no mesmo ato conforme se registrou, completava o seu ciclo evolutivo naquele sentido.

Não obstante as inovações legislativas posteriores307, uma análise detida

sobre o caso permite inferir que não só estavam ausentes algumas questões

importantes – em um primeiro momento, a participação ativa do juiz por meio de ato

ex-officio – mas determinados passos processuais deveriam ser mantidos mesmo

quando não se mostrassem mais necessários na realidade concreta. Essa leitura,

que leva ao entendimento de que na forma como o CPC de 1939 havia tratado o

despacho saneador, em princípio, estaria excluída “a possibilidade de conhecer-se

diretamente do mérito”, bem como “consagrava-se a indispensabilidade da

306

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Saneamento do processo e audiência preliminar. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 3, p. 165-200, out. 2011. 307

Eduardo Talamini pontua, com clareza, todos os elementos que foram trazidos entre os artigos 293 e 296 do CPC de 1939: “Assim, nos art. 293 a 296, previu-se caber aos juízes, encerrada a fase postulatória no procedimento ordinário: (a) ordenar o processo: (a.1) dando oportunidade de ouvida do autor, quando houvesse defesa material indireta (art. 294, III); (a.2) verificando se havia nulidades e suprindo as sanáveis (art. 294, IV); (b) verificar a presença dos pressupostos processuais e condições de ação, extinguindo o processo sem julgamento de mérito, se fosse o caso (‘absolvição da instância’ – art. 294, I, III e IV); (c) preparar a instrução probatória; (c.1) ordenando a realização de perícias (art. 294, V); (c.2) designando a audiência e determinando a produção de prova oral (art. 296, I e II)” (O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997).

116

audiência, ainda que não houvesse provas a produzir”308. Essa estrutura andava na

contramão da realidade prática e da necessidade de um processo efetivo e

economicamente voltado para a celeridade309. Os problemas se evidenciavam não

apenas na redação primeira dos artigos relativos ao despacho saneador, mas

também nas alterações feitas pelos decretos posteriores.

O Decreto-Lei n. 4.565/1942 procurou resolver uma questão pertinente à

motivação, pontuando que o magistrado “examinará se ocorre o requisito de legítimo

interesse econômico ou moral”. Mas essa inovação não estava em perfeita

consonância com o todo do CPC de 1939, uma vez que “não trazia exigência

expressa e genérica de motivação”. O artigo 280, inciso II, “estabelecia apenas a

necessidade de fundamentação da sentença”310 e o texto do Decreto, que exigia o

exame de requisito de legítimo interesse econômico ou moral, não fazia mais que

postular uma valoração de juízo ainda muito distante de uma base principiológica

concreta e objetiva para a questão da motivação311.

Ademais, conforme o entendimento doutrinário produzido por força do CPC

de 1939, o despacho saneador era, erroneamente, considerado fracionado, o que

levava à concepção de que o despacho saneador, em sua natureza jurídica, poderia

ser compreendido como uma variedade de instrumentos e finalidades.

Eduardo Talamini312, dissertando a respeito das várias finalidades do

despacho saneador na vigência do CPC de 1939, exemplifica:

O ‘despacho saneador’ [no CPC de 1939] poderia assumir a forma de decisão interlocutória, decisão terminativa (não julgava o mérito, sendo, nesse caso, a ação renovável) ou decisão definitiva (a ação não seria renovável: quando do acolhimento de questões prejudiciais ao mérito ou do exame do próprio mérito) [Grifo do autor].

308

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 309

HOLLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho saneador. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 33, n. 130, p. 231-243, abr./ jun. 1996. 310

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 311

HOLLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho saneador. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 33, n. 130, p. 231-243, abr./jun. 1996. 312

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997.

117

À época, não se questionava o problema da definição da natureza jurídica

do despacho saneador, uma vez que, em termos gerais, o saneamento poderia ser

realizado em diversos momentos do processo.

Galeno Lacerda313, em sua obra dedicada ao despacho saneador previsto

no CPC de 1939, explicitou a questão sem, contudo, avançar sobre as

problemáticas críticas que dela decorriam:

No direito brasileiro há três momentos em que o juiz realiza atos de inspeção do feito: quando profere o despacho liminar, quando julga a exceção e quanto lança o despacho saneador. Nas três oportunidades, provê, em última análise, sobre o saneamento do processo, de sorte que, em lato sentido, caberia a tais atos a designação genérica de despachos saneadores. Em sentido estrito, porém, reserva-se essa denominação para a decisão proferida entre as fases postulatória e probatória, tendo por objeto o exame e julgamento das questões prévias acima referidas, objeto que lhe dá sem dúvida extensão maior que a dos outros dois despachos. Isto significa, a rigor, que do ponto de vista decisório, o processo é dividido em duas fases de julgamento, ficando a sentença, como regra geral, reservada à solução do mérito.

A doutrina reconheceu o problema e, em instância crítica, desenvolveu a

questão postulando que seria necessária uma melhor definição sobre a natureza

jurídica do despacho saneador e também sobre as dimensões de sua aplicabilidade

e de seus efeitos314. Essas questões, no entanto, não foram resolvidas pelo CPC de

1939, tampouco pelas alterações proferidas pelos decretos já mencionados. O que

se mostrou como grande inovação legislativa no que diz respeito ao despacho

saneador na verdade foi a possibilidade de apreciação e decisão ex-officio, que,

como apontado antes, não constava explicitamente no texto original do CPC de

1939, mas sim por força das alterações realizadas pelo Decreto-Lei n. 8.570/1946.

Esse ponto não deixou de ser frisado pela doutrina:

313

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 8. 314

No desenvolvimento dessa crítica é válida a menção às ponderações de José Manuel de Arruda Alvim que, ao analisar o despacho saneador no CPC de 1939, entende a questão decisória diferentemente de Galeno Lacerda. Para aquele autor: “Já se decidiu que o saneador não tem unidade formal, podendo ser fraccionado. É, em nosso entender, necessário compreender-se tal assertiva com algumas cautelas. Parece-nos que, rigorosamente, o que se faz gradualmente é a regularização formal do processo, ou, se se quiser, o saneamento lato sensu. No entanto, a decisão é – mesmo por definição – necessariamente unitária. [...] O que se nos afigura importante é, imprescindivelmente, isolar os atos de preparação propriamente ditos, daquele momento decisório, que se contém no saneador, quando se examina a viabilidade do processo, para atingir seus fins ulteriores. A decisão é, como se disse, unitária e sequer pode ser feita em etapas, pois é imprescindível que, de um dado momento, nitidamente isolado, nasça o termo inicial à interposição do recurso cabível. Logo, a fase decisória, é uma e não pode ser fracionada” (Despacho saneador – o saneador no código de processo civil de 1940. Revista Justitia. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/4a221d.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016).

118

A grande inovação decorrente da adoção do ‘despacho saneador’ – que consiste em aspecto essencial do instituto, tanto no Brasil como em Portugal – foi a reserva de um momento em que o juiz tem o poder de, ex-officio, examinar e, se possível, eliminar possíveis vícios processuais. Antes do Código de 39, só mediante provocação do interessado isso podia ser feito. Daí que, antes de existir o ‘despacho saneador’, o interessado aguardava para só apontar a nulidade (absoluta ou relativa: não se falava em preclusão em relação a nenhuma das duas) quando lhe aprouvesse, eventualmente já no recurso contra a sentença que lhe fora desfavorável. Todas as matérias que não estivessem na esfera de disponibilidade da parte, a partir do Código de 39, passaram a poder ser conhecidas de ofício, nessa nova fase do processo.315

Note-se que a criação de um momento ex-officio contribuía sobremaneira

para a produção de um processo mais eficaz e, portanto, pela evolução da desejada

economia processual. Além da capacidade de produzir um momento em que os

requisitos formais do processo poderiam ser analisados sem a necessidade de

mobilizar toda a engrenagem processual e estatal em prol de uma “causa perdida”, a

possibilidade de análise ex-officio conferia maior participação e liberdade ao juiz,

representando um verdadeiro avanço em termos de princípios e estrutura

processuais316. Assim, por mais críticas que pudessem ser feitas à forma como o

despacho saneador figurava no CPC de 1939, críticas estas, regra geral,

justificadas, não há como não reconhecer que o instituto explicitamente estabelecido

em uma normativa de ordem federal contribuiu muito para o avanço do que seria

abordado no CPC de 1973.

315

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 316

A doutrina não deixou de enfatizar a importância não apenas do despacho saneador, como o momento de análise e decisão ex-officio. Para Galeno Lacerda, o despacho saneador tem extrema relevância, pois “[...] graças a ele, deixam de realizar-se atos e despesas inúteis pela decisão da questão prejudicial. Impede-se que processo inviável transponha os umbrais da audiência. Ordena-se o suprimento oportuno de vícios sanáveis, para que não contaminem os atos posteriores, libertos, assim, de repetições ou ratificações onerosas. Poupa-se tempo, evitam-se desperdícios” (Despacho saneador, p. 6.) Para Eduardo Talamini, o despacho saneador, nos termos de uma possibilidade de análise ex-officio apresentou sensível avanço para a cultura jurídica brasileira: “A positivação da fase saneadora refletiu não tanto a conscientização acerca do caráter público da relação processual e da função do juiz (que antes disso, mesmo no Brasil, vinha sendo destacado), como a preocupação de traduzir em resultados concretos essa nova percepção do processo. Mais ainda, destinou-se a propiciar economia processual – quer com o juiz encerrando o processo que não deveria ir para frente, quer eliminando a discussão de questões processuais” (TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997).

119

2.3 O SANEAMENTO DO PROCESSO SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL DE 1973

No período que seguiu à publicação do CPC de 1939, muitas foram as

críticas e as análises realizadas pela doutrina em virtude das necessidades práticas,

pois havia elementos que ainda não estavam suficientemente esclarecidos.

Como mencionado linhas atrás, não foi por outra razão que o legislador

sentiu a urgência de alterar a redação do texto voltado ao despacho saneador317 por

meio de decretos que, por mais que tenham viabilizado novas ponderações – como

é o caso da menção explícita à função ex-officio do juiz –, não conseguiram

solucionar todas as questões pendentes.

Um ponto importante referido por diversos doutrinadores era a delimitação

demasiado específica do despacho saneador dentro de um âmbito próprio do

processo ordinário318. Essa delimitação criava problemas, pois muito embora o

despacho saneador constasse no diploma processual civil de forma extensiva

porque abrangia todo o país – ainda havia restrição em sua aplicabilidade.

Ressalvavam-se, assim, as muitas limitações do CPC de 1939, sobretudo quanto ao

seu alcance prático e sua finalidade em meio ao desenvolvimento processual.

Enfatizava-se, assim, um aspecto demasiado formal e não se avançava sobre os

princípios que haviam norteado a própria criação do referido despacho saneador,

uma vez que o formalismo impedia análises que efetivassem a verdadeira economia

e eficácia do processo319. Uma questão sensível, por exemplo, dizia respeito à

317

“Apenas para registro, diga-se que a denominação originalmente posta no CPC de 1973 (despacho saneador) terá sido adotada por influência direta do CPC de 1939, receptor de longuíssima tradição, certamente remontante àquela referida Portaria do Procurador Régio, de 1º de dezembro de 1840; ao que consta, porém seria o eminente processualista português JOSÉ ALBERTO DOS REIS o verdadeiro teorizador desse instituto, aconselho daquela recomendação do Procurador Régio e inserido nas leis processuais lusitanas o que então se denominava Despacho Regulador do Processo.” MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A audiência preliminar e a sequência do processo. BDJur, Brasília, DF, 20 nov. 2008. p. 4. 318

Em uma análise comparativa sobre o despacho saneador no CPC de 1939 e no CPC de 1973, Alcides de Mendonça Lima escreve: “O ‘despacho saneador’ do Código brasileiro de 1939 era proferido nas ações que (a) seguiam o procedimento ordinário, desde sua propositura (b) ou nas intentadas com procedimento especial, mas que, posteriormente, se transformavam em procedimento ordinário. Aquelas que se iniciavam e prosseguiam sempre com o procedimento especial dispensavam o despacho saneador.” (As providências preliminares no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, p. 26-42, jan.1976. p. 26 et seq.). 319

Em ajustada ponderação, José Manuel de Arruda Alvim destaca o caráter demasiado formal e as consequências que acarretava para o processo. Nas suas palavras: “Acentua-se que, como regra

120

análise da petição inicial, que conforme as limitações do CPC de 1939, não poderia

ser alvo de decisão por meio de despacho saneador. Tratava-se de uma finalidade

de determinação de preclusão320, que não servia às necessidades de um

saneamento que a realidade prática demandava. Ademais, o despacho saneador do

CPC de 1939 era um ato solitário do juiz e não previa a possibilidade de realização

de um “processo oral”, com maior participação das partes envolvidas.

A necessidade de uma revisão do saneamento no processo civil era real e

ocorreu durante o movimento de renovação de todo o processo civil brasileiro. Tal

revisão e tal renovação culminaram na entrada em vigor, em 1º de janeiro de 1974,

do Código de Processo Civil conhecido informalmente como Código Buzaid, uma

vez que o texto final teve como base o Projeto de autoria do Professor Alfredo

Buzaid, então catedrático de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo e Ministro da Justiça321.

geral em princípio, não se deve examinar no saneador, matéria de fato, mas precipuamente matérias jurídicas. Desta forma, dessume-se do espírito e da própria finalidade do despacho saneador que as matérias nele enumeradas devem, sempre que possível, ser decididas na oportunidade processual destinada à sua prolação. [...] Lamentavelmente, ao invés de servirem-se muitos dos aplicadores da lei do despacho saneador, como instituto destinado a superar, gradualmente, determinadas questões, decidindo-se definitivamente no âmbito do processo, é comum vermos tais questões, sistematicamente e sem razão bastante, serem deixadas para solução final, conjuntamente com o mérito. Com isto, é evidente, demonstra-se incompreensão do que seja o saneador, obliterando-se sua ratio essendi, que é a de, ordenada e seguramente, propiciar mais economia de atividade jurisdicional.” (Despacho saneador – o saneador no código de processo civil de 1940. Revista Justitia. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/4a221d.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016). 320

No que tange entendimento das finalidades do despacho saneador no CPC de 1939, é justamente esse caráter de determinação da preclusão que se destaca para Alcides de Mendonça Lima: “A grande finalidade do despacho saneador era a de tornar preclusas as questões no mesmo decididas ou, na maioria, as que deveriam ter sido levantadas e não o foram antes de haver sido proferido. Somente as de ordem pública é que não precluíam (verbi gratia, incompetência absoluta; coisa julgada), quer para as partes, como para o juiz.” (As providências preliminares no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, vol. 1, p. 26-42, jan.1976. p. 26 et seq.). 321

O texto redigido por Alfredo Buzaid já contava com um Anteprojeto datado de 1964 e um Projeto de 1972. O projeto teria sido revisado por especialistas como José Frederico Marques, Luís Machado Guimarães e Luís Antonio de Andrade. Considerando-se que o presente estudo aborda questões de acesso à justiça, de democracia e de garantias processuais, não é demais lembrar que Alfredo Buzaid foi não só o responsável pelo Anteprojeto e pelo Projeto do CPC de 1973, como também, no cargo de Ministro da Justiça, foi o responsável pelo trâmite “político” até a aprovação do diploma processual. Este trâmite, no entanto, ocorreu no período ditatorial, em que as disposições democráticas estavam absolutamente suspensas. Acrescente-se que, à época da tramitação o CPC de 1973 havia uma preocupação de acesso à justiça se não nula, ao menos muito reduzida. Para Buzaid, por exemplo, a função do CPC de 1973 era de servir como “instrumento jurídico, eminentemente técnico, preordenado a assegurar a observância da lei”, não fazendo referência ao acesso à justiça ou à solução de conflitos, assim como consta na Exposição de Motivos do referido diploma processual.

121

Publicado na forma da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, então alterada

pela Lei n. 5.925, de 1º de outubro de 1973, o Código de Processo Civil apresentava

inspirações diversas daquelas presentes no diploma anterior de 1939322.

Alcides de Mendonça Lima323 também afirma que: “O Código brasileiro [de

1973] se inspirou, em grande parte, nos diplomas similares da Alemanha, Itália e

Portugal, além de manter vários institutos já formados sob a égide de nossa melhor

tradição.”.

As mudanças no sistema processual civil foram bem importantes na medida

em que retiraram a predominância de certa tendência portuguesa e colaboraram

para redimensionar a análise e o debate sobre diversos institutos – entre eles o

saneamento – da nova estrutura jurídica. Essa nova influência deslocou a questão

do saneamento de um registro fixo, inserindo-a entre aquelas pertinentes às

providências preliminares processuais, como a problemática da revelia, por exemplo.

Além disso, o saneamento do processo no CPC de 1973 alcançava a questão da

análise da petição inicial, razão pela qual muitos autores louvaram as inovações

pertinentes à problemática saneadora como verdadeiro avanço jurídico e

institucional.

A atividade saneadora do juiz, no sistema atual [de 1973], é bem maior do que no anterior [de 1939]. A fiscalização é mais severa, pois começa, de modo mais evidente, no exame rigoroso da petição inicial (art. 284); no teor do mandado de citação, para que conste a advertência expressa de que a revelia faz presumir como aceitos

322

Cândido Rangel Dinamarco analisa a evolução legislativa processual, citando os Códigos de 1973 e 1939: “Vista pela perspectiva deste fim de século, não se mostra substancialmente grandiosa a reforma operada mediante a edição do vigente Código de Processo Civil, no ano de 1973. Ele representou um passo de gigante, sim no que diz respeito à técnica processual, à adoção de conceitos modernos, à correta estruturação dos institutos. O Código de Processo Civil de 1939 fora uma tentativa de superar as mazelas de uma legislação extremamente ligada à tradição lusitana das Ordenações, mas uma tentativa que não se pode dizer bem sucedida como um todo. Vínhamos então de uma ordem jurídico-processual em que não se faziam sentir os ecos da profunda reforma científica operada na ciência processual e presente na produção de estudiosos italianos e alemães da segunda metade do século passado e do início deste. O discutido Regulamento 737, que uns consideram um monumento legislativo de sua época e outros dizem ser o atestado da ignorância dos juristas de então, era, de todo modo, um diploma absolutamente superado pelas colocações científicas possibilitadas a partir da obra de Van Bülow. Os códigos estaduais que se lhe sucederam tinham altos e baixos, eram diferentes entre si e poucos apresentavam nível técnico satisfatório. E o código de 1939, no afã até um tanto pretencioso de constituir-se em instrumento afinado com as tendências modernas da época (notadamente norte-americanas, como se vê da Exposição de Motivos do Min Francisco Campos), não se pode dizer que tenha sido um diploma moderno, mas teve lá os seus pontos de significativo aperfeiçoamento do sistema.” (A reforma do código de processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 23). 323

LIMA, Alcides de Mendonça. As providências preliminares no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, p. 26-42, jan.1976. p. 26 et seq.

122

pelo réu os fatos articulados pelo autor (art. 285); tanto que foram ampliados os casos de indeferimento daquela peça preambular (art. 295).

324

Diferentemente do CPC de 1939, o saneamento foi inserido em um rol mais

amplo de outras questões, uma vez que os artigos que o precediam (art. 323 a 330)

dispunham sobre condições de revelia, declarações incidentes, fatos impeditivos

modificativos ou extintivos do pedido, extinção do processo e julgamento antecipado

da lide, condições estas que antecipam o aparecimento do saneamento325.

A nova disposição do CPC de 1973, no entanto, não causou uma ruptura

abrupta em relação ao CPC de 1939; o que ocorreu foi a adição de hipóteses

previstas no diploma anterior como a possibilidade de, no saneamento, o juiz já em

seguida conhecer do mérito da causa – não só quando houver revelia, mas também

nos casos em que os elementos constantes dos autos já lhe permitirem a formação

do convencimento326.

Em síntese, as tão aclamadas inovações do CPC de 1973 não estavam

isentas de críticas e elas pareciam muito apegadas à estrutura existente no CPC de

1939. O artigo 331, por exemplo, dedicado explicitamente à regulamentação do

saneamento, mantinha a nomenclatura “despacho saneador” em seu título, mas a

redação convencional foi rapidamente alterada nas modificações realizadas pela Lei

n. 5.925/1973327. Entre as alterações é preciso mencionar, inicialmente, a supressão

do título “Do despacho saneador” e a sua substituição por “Da Audiência Preliminar”.

De igual maneira, a Lei n. 5.925/73 alterou o texto do artigo 331, com vistas a

324

LIMA, Alcides de Mendonça. As providências preliminares no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, p. 26-42, jan.1976. p. 26 et seq. 325

Sobre as inovações do CPC de 1973 em confronto com o CPC de 1939, Alcides de Mendonça Lima pondera: “As providências que, antes, eram referidas em um só dispositivo, hoje se acham desdobradas, de modo mais técnico, em vários, em sequência lógica, além de algumas inovações. Em síntese, tudo visa à preparação do processo para seu julgamento, isso é para ser extinto (art. 329) ou para ser decidida à lide (art. 330 e 331)” (As providências preliminares no Código de Processo Civil brasileiro de 1973. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 1, p. 26-42, jan. 1976. p. 26 et seq.). 326

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 327

Na primeira redação do artigo 331 constava o seguinte texto: “Se não verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções precedentes, o juiz, ao declarar sanado o processo: I – deferirá a realização de exame pericial, nomeando a parte e facultando às partes a indicação dos respectivos assistentes técnicos; II – designará a audiência de instrução e julgamento, determinando o comparecimento das partes, perito, assistentes técnicos e testemunhas.”.

123

adequar a substituição do título de despacho saneador para a ideia de audiência

preliminar328.

A mudança não foi tão abrupta e o único elemento de maior relevância foi a

substituição do termo “despacho saneador” por “audiência preliminar”. Contudo, a

substituição não passou de uma disposição nominal, pois não havia no texto do

artigo 331 previsão de realização de audiência nesse momento processual.

Junior Alexandre Moreira Pinto329, a respeito, comenta que “até o ano de

1995, prevalecia o posicionamento do legislador de 1973, em que o então chamado

‘despacho saneador’ se dava de forma escrita, sem qualquer contato do juiz com as

partes”, e, acrescente-se, sem sequer prever a audiência que se anunciava no título

da seção que abordava o saneamento.

Também não foram poucas as críticas à prática jurídica produzida em

decorrência do disposto no artigo 331 ante o argumento de que no processo ainda

imperava um distanciamento muito grande entre as partes e o juiz, sem contar as

formalidades que impunham um limite à participação das partes.

O avanço da temática do saneamento do processo só veio com o CPC de

1973, quer dizer: o termo “despacho saneador” deu lugar a “saneamento”.

Assim também analisa Adriana de Albuquerque Holanda330:

No Código de Processo Civil de 1973 não há mais a denominação despacho saneador, mas há a previsão do saneamento do processo, ficando superada a discussão que se estabeleceu a respeito da nomenclatura desse instituto. Esta atividade, prevista como uma fase, teria seu momento oportuno através de despacho escrito, exarado nos autos, em que o magistrado declararia o processo saneado, ou tão-somente marcaria audiência de instrução e julgamento, definindo quais as provas que foram aceitas e como deveriam ser promovidas em tal audiência, considerando-se, implicitamente, que o processo está perfeitamente constituído.

328

O texto do art. 331, que seguiu a modificação da Lei n. 8.925/1973, dispôs da seguinte forma: “Se não se verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções precedentes, o juiz, ao declarar saneado o processo: I – decidirá sobre a realização de exame pericial, nomeando o perito e facultando às partes a indicação dos respectivos assistentes técnicos; II – designará a audiência de instrução e julgamento, deferindo as provas que nela hão de produzir-se.”. 329

PINTO, Junior Alexandre Moreira. A causa petendi e o contraditório. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 144. 330

HOLLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho saneador. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 33, n. 130, p. 231-243, abr./jun. 1996.

124

Não obstante a mudança de nomenclatura, o magistrado declararia o

processo “saneado” ou então marcaria a audiência de instrução e julgamento sem

que houvesse qualquer previsão para a determinação de uma audiência preliminar.

Até a criação da Lei n. 8.952, publicada no fim de 1994, a questão do

saneamento do processo passou por um longo processo de crítica e de ajustes. Esta

lei, entre as muitas inovações, fixou um momento destinado à audiência preliminar –

agora denominada “audiência de conciliação” –, que já constava no CPC de 1973,

apenas como intenção legislativa, não como prática efetiva.

Outra alteração importante no que tange ao saneamento foi a modificação

do artigo 331, que recebeu nova redação justamente para incluir explicitamente a

previsão da audiência preliminar. Com novo texto para o caput do artigo, também

foram incluídos os §§ 1º e 2º331. A nova redação determinava que a “audiência de

conciliação” deveria ser realizada após a fase postulatória, demonstrando uma

tendência a seguir o Código de Processo Civil Tipo para América Latina (CPC Tipo),

modelo de código debatido em um âmbito transnacional332.

Segundo o CPC Tipo para América Latina, a audiência de conciliação seguia

os interesses de um processo voltado à oralidade, com o objetivo central de

determinar um momento para oportunizar às partes envolvidas na lide (autor, réu e

juiz), por meio do diálogo, a resolução conciliadora da lide. A audiência de

conciliação, segundo esse modelo, também serviria para o saneamento de possíveis

331

No texto, então, constou a seguinte redação: “Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos disponíveis, o juiz designará audiência de conciliação, a realizar-se no prazo máximo de 30 (trinta) dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir. § 1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença. § 2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.”. 332

Sobre a origem e a disposição do referido Código de Processo Civil Tipo para América Latina, André Antonio da Silveira Alcântara pontua: “Lastreados no movimento de unificação em matéria de processo civil, com vistas às novas tendências, especificamente nas ideias de Mauro Cappelletti, alguns juristas se reuniram para a elaboração do denominado Código Tipo ou Modelo de Processo Civil Latino-americano e, também, Ibero-americano, já que integravam Espanha e Portugal. O desiderato foi a constituição de um processo com característica primordial de oralidade, por audiência, consagrando o princípio do imediatismo, concentração, eventualidade e publicidade, além do ativismo do magistrado. Nada obstante a premente necessidade de unificação não se preocupou na elaboração de uma lei uniforme para todos os países integrante, haja vista suas vicissitudes e peculiaridade, mas sim na formação de um código tipo ou modelo, a fim de que os países interessados, em desejando, utilizassem seus preceitos inovadores, adequando-os sua realidade. A unificação não alcaçaria o resultado desejado, cabendo a cada país pinçar idéias contidas no Código Tipo, que se identifiquem com sua realidade. O projeto do código modelo foi apresentado em 1982 na Guatemala e aprovado em Jornadas de 1988 no Rio de Janeiro/Brasil. Todo trabalho foi conduzido pelo Instituto de Direito processual Latino-americano, criado em 1958, em memória de Eduardo J. Couture.” (Saneamento do processo: saneamento e efetividade na audiência preliminar em face da nova tendência processual. São Paulo: Leud, 2004).

125

irregularidades existentes e para a organização conjunta de toda a instrução

probatória.

Sobre o aparecimento da audiência preliminar no ordenamento processual

brasileiro, relata Luiz Rodrigues Wambier333:

A inclusão da audiência preliminar em nosso sistema processual se deu sob expressa (e confessa) inspiração do Código Modelo de Processo Civil para a América Latina, idealizado pelo Instituto Iberoamericano de Direito Processual e que se revela um extraordinário modelo de lei processual, construído sob os expressivos fundamentos da efetividade e da integração dos diversos sistemas processuais da América Latina e da península ibérica. O que se buscou, com sua inclusão no CPC, foi modificar a sistemática do saneamento do processo e, com isso, criar-se ocasião apropriada (e oportuna, sob o aspecto temporal) para que o juiz efetuasse a tentativa de conciliação, antes do início da fase instrutória.

Muito embora se considerasse o CPC Tipo para a América Latina uma fonte

notável, a inserção da audiência de conciliação no saneamento, a princípio, não foi

bem compreendida, uma vez que determinava uma importante fase processual que,

no entanto, não se coadunava com o saneamento per se.

O termo “conciliação” nesse contexto deu azo a uma série de questões

críticas porque, apesar de importante em uma perspectiva processual, a conciliação

não se vincula ao saneamento do processo. Para os críticos, a nomenclatura

“audiência de conciliação” descaracterizava o ato e retirava a sua verdadeira

importância, isso porque sugeria inicialmente que o único objetivo daquele ato seria

obter uma solução amigável entre as partes, excluindo, assim, todo o elemento

inerente ao saneamento. Ainda, afirmavam que com essa nomenclatura diminuir-se-

ia a importância da audiência, pois, para além de seu caráter conciliatório, também

deveria servir às pretensões saneadoras do processo e à organização da instrução

probatória334.

A legislação, influenciada pelas críticas, foi alterada e editada a Lei n.

10.444/2002, quando a audiência de conciliação passou a denominar-se “audiência

333

WAMBIER, Luiz Rodrigues. A audiência preliminar como fator de otimização do processo. O saneamento “compartilhado” e a probabilidade de redução da atividade recursal das partes. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em: < http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Luiz%20Rodrigues%20Wambier-formatado.pdf >. Acesso em: 13 maio 2016. 334

É nesse sentido que Athos Gusmão Carneiro entende haver falta de correção no uso do termo e que um esclarecimento na nomenclatura auxiliaria esclarecer tanto do saneamento como a fase processual destinada à conciliação. (Audiência de instrução e julgamento. 15. ed. São Paulo: Gazeta Jurídica, 2014).

126

preliminar”,. Com a referida alteração legislativa, o artigo 331 recebeu em seu caput

um novo texto e o acréscimo do § 3º. Com o § 3º, vale lembrar, tomou corpo o

caráter saneador da “audiência preliminar”335.

A propósito, uma crítica dirigida ao comando do § 3º do artigo 331 diz

respeito à possibilidade de o saneamento simultaneamente prever que em casos de

a transação não ser admitida – ou que não se possa obtê-la – o magistrado poderá

dispensar a audiência preliminar em prol do saneamento do processo. Nesse

sentido, o saneamento tomaria o lugar de um importante momento processual, isto

é, o confronto entre as partes envolvidas (autor, réu e juiz)336.

As mudanças legislativas, mesmo aquelas ocorridas recentemente, no início

dos anos 2000, não foram capazes de sanar todos os problemas existentes. Uma

questão que perdurou ao longo de todo o CPC de 1973 – e que, em verdade, já

vinha sendo discutida desde o CPC de 1939 – alude ao momento exato em que o

saneamento ocorre, seja pela força de um “despacho saneador”, seja pela

determinação de uma decisão saneadora. As posições doutrinárias são diversas e

todas buscam determinar objetivamente quais são os limites de aplicação do

saneamento e qual a abrangência deste ato processual.

Para o processualista Humberto Theodoro Junior337, por exemplo, o

magistrado não está obrigado a observar um momento preciso no que tange à

determinação saneadora, mas é certo que o limite de sua abrangência ocorre na

audiência preliminar (de conciliação), Nas suas palavras:

Não há limites necessários e bem definidos para o início da atividade de saneamento, nem para sua separação da fase postulatória, mas seu encerramento tem um momento processual exato, que se situa

335

Com as alterações, o artigo 331 ficou assim: “Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. [...] § 3º Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção de provas, nos termos do § 2º.”. 336

Na visão crítica de Humberto Theodoro Júnior: “A Lei nº 10.444/02 também acrescentou novo § 3º ao art. 331, que praticamente anulou o esforço para habituar os juízes brasileiros ao importante instituto da audiência preliminar, pois abriu-lhes a oportunidade de não realizá-la ‘se as circunstâncias da causa’ evidenciarem ser improvável a transação. A lei do menos esforço conduzirá grande número de juízes a seguir a velha rotina de marcar a audiência de instrução e julgamento sem tentar a conciliação e sem, infelizmente, efetuar a triagem que a lei destinou à audiência preliminar (art. 331, §2º). Nada recomendava a transação da audiência preliminar em simples eventualidade a ser cumprida segundo critério pessoal do juiz.” (Código de processo civil comentado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 927). 337

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. v. 1. p. 433.

127

dentro da audiência preliminar de conciliação. Quase sempre essa atividade saneadora se superpõe à fase postulatória, pelo menos em boa parte, e, enquanto os litigantes ainda estão deduzindo suas pretensões em juízo, vai o juiz, paulatinamente, suprindo ou fazendo suprir as nulidades ou irregularidades sanáveis ou decretando as nulidades insanáveis.

Segundo essa posição doutrinária, não havia um momento bem definido

para o início da atividade saneadora, ainda que existisse um momento fixado para o

término de tal atividade, denotando, sim, um ato contínuo de análise e de apreciação

saneadora que chegaria a termo em determinado momento processual.

De acordo com Eduardo Talamini338, reside nessa continuidade do

saneamento o caráter próprio e inovador do CPC de 1973, em comparação com os

diplomas legais anteriores. E aduz:

Há, reitere-se, saneamento constante do processo. Eis aspecto essencial no sistema do Código de 73. Trata-se de concepção que não prevalecia na vigência do Código de 39, embora preconizada por autorizada doutrina. Considerava-se geralmente o ‘despacho saneador’ como o momento oportuno e único para o exame da regularidade do processo, excetuando-se, quando muito, a possibilidade de expressa indicação de que o tema seria tratado na sentença final. Tal peculiaridade, de certo modo, muda o perfil da fase saneadora: essa é, no atual Código, a ocasião especialmente reservada para a atividade de verificação da validade formal do processo – mas não o único momento em que se autoriza essa atividade. Enfim, a fase saneadora, diferentemente do que se entendia sob a égide do diploma anterior, não é uma ilha de poderes do juiz dentro de um mar de dispositividade.

Na vigência do CPC de 1939 e do CPC de 1973 uma questão muitas vezes

suscitada diz respeito à análise do saneamento a ser desenvolvida nos primeiros

momentos do processo até a audiência preliminar. Muito embora o artigo 331, com

todas as suas reformas, dê a entender que os limites da aplicação do saneamento

se findam com a audiência preliminar, os artigos precedentes abrem o leque

interpretativo para se considerar que tal saneamento deve ocorrer na extensão de

todo o processo. Essa é a posição de Fredie Didier Jr339:

É importante notar que a atividade de saneamento do magistrado não se esgota nessa fase [das questões preliminares], que se caracteriza, apenas, pela concentração de atos de regularização do

338

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 339

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2010. v. 1. p. 525.

128

processo. É que desde o momento em que recebe a petição inicial, pode o magistrado tomar providências para regular eventuais defeitos processuais – a determinação de emenda da petição inicial (art. 284 do CPC) e a possibilidade de controle a qualquer tempo das questões relativas à admissibilidade do procedimento (art. 267, § 3º, CPC) são exemplos disso. O dever de o magistrado sanear o processo deve ser exercido ao longo de todo o procedimento, mas há uma fase em que a sua atuação revela-se mais concentrada.

A ressalva feita pela doutrina é importante para compreender a extensão e

os limites do saneamento no CPC de 1973. Apesar da tendência de se compreender

– ou mesmo limitar – o saneamento em um ponto específico da lógica processual,

existe uma série de aberturas, exceções e possibilidades que justificam a realização

do saneamento em qualquer etapa do processo, desde que se faça necessário. Em

suma, o CPC de 1973, no que tange ao momento processual do saneamento, cria

uma interessante questão: o saneamento tende a ser resolvido entre o momento de

recepção da petição inicial e os trâmites que levam à audiência preliminar, mas tal

regra geral não exclui a possibilidade de contínua análise e exercício da atividade

saneadora ao longo de todo o processo.

Na prática, o saneamento fica muitas vezes adstrito a limitações de uma

participação “engessada” por parte do magistrado, o que pode ser observado com a

lógica do artigo 333 do CPC de 1973. As regras do artigo 2º do antigo CPC, que

dispunham sobre o princípio dispositivo340, refletiam-se no saneamento, como por

exemplo no momento da dilação probatória. Essas regras encontravam sua

aplicação no artigo 333341, que estabeleciam que as partes eram as responsáveis

por provar o fato constitutivo do direito (art. 333, inciso I) ou, ainda, provar a

existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito (art. 333, inciso II).

Por se tratar de saneamento, a prova de fato impeditivo, por exemplo,

deveria estar sob a tutela e o interesse do magistrado, uma vez que ele seria o

responsável pela condução econômica e eficaz do processo. Entretanto, o princípio

dispositivo determinava a produção das provas sob um aspecto de passividade total

do magistrado diante da necessidade de mobilização das partes. Essa interpretação 340

O artigo 2º do CPC de 1973, que em seu texto previa que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais”, não fazia mais que aplicar o princípio latino de ne procedat judex ex officio, em franca demonstração de um entendimento restrito e pouco progressista do direito processual civil. 341

O texto do artigo 333 dispunha: “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”.

129

era fruto de uma confusão entre a aplicação do princípio dispositivo e a essência da

atividade saneadora no que tange à produção de provas.

Para o segmento doutrinário a que se filia Liliana de Almeida Ferreira da

Silva Marçal342 “o sistema probatório é regido pelo princípio dispositivo, segundo o

qual compete às partes produzir as provas e ao juiz apreciá-las”, mas isso não deve

ser concebido como participação saneadora do juiz em meio ao processo, uma vez

que “esta aparente passividade judicial no que se refere à produção de provas, não

se confunde com a ideia clássica de que o juiz deve ter um comportamento

estático”343.

Do conflito de interpretações, extrai-se que o saneamento ativo, ou seja,

aquele desempenhado com a participação do magistrado está em maior

consonância com as tendências contemporâneas do processo civil. A lógica rígida

do art. 333 é então substituída, por influência do Código de Defesa do Consumidor,

por uma ideia de maior participação e maior atividade do magistrado na condução

do processo, isto é, por uma maior possibilidade e para a efetividade do ato

saneador. Estas mudanças hermenêuticas e doutrinárias foram percebidas ao longo

da existência do CPC de 1973, sobretudo após a promulgação da atual Constituição

Federal344.

Cabe pontuar, ainda, que a prática jurídica forjou muitas críticas sobre a

forma como o CPC de 1973 tratou a questão do saneamento. As críticas tinham

diferentes ponderações e recebiam fundamentações pertinentes, ainda que

variadas.

342

MARÇAL, Liliana de Almeida Ferreira da Silva. Inversão do ônus da prova no CDC. Revista do Advogado - AASP, São Paulo, AASP, ano XXVI, n.

89, dez. 2006. p. 85.

343 MARÇAL, Liliana de Almeida Ferreira da Silva. Inversão do ônus da prova no CDC. Revista do

Advogado - AASP, São Paulo, AASP, ano XXVI, n. 89, dez. 2006. p. 85. 344

É possível notar, por exemplo, posições doutrinárias mais conservadoras, que reproduziam a lógica do tradicional CPC de 1973 e, portanto, anteriores à Constituição de 1988, e outras mais inovadoras, voltadas para uma prática processual em consonância com as últimas tendências contemporâneas. No que tange ao saneamento pertinente à determinação de produção de provas, Vicente Greco Filho expõe o que considerava sobre o saneamento à luz restrita do princípio dispositivo: “O juiz tem poderes investigatórios, mas limitados em face do princípio dispositivo. A atividade do juiz não pode substituir ou suprimir a atividade das partes, inclusive a fim de que se mantenha eqüidistante das partes para a decisão.” (Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 2. p. 185). Em contrapartida, posição mais progressiva é esboçada por Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover: “Os poderes do juiz foram paulatinamente aumentados: passando de mero espectador inerte à posição ativa, coube-lhe não só impulsionar o andamento da causa, mas também determinar provas, conhecer ex officio de circunstâncias que até então dependiam da alegação das partes, dialogar com elas, reprimir-lhes eventuais condutas irregulares.” (Teoria geral do processo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 70).

130

A oralidade pode ser apontada como uma questão de suma importância345,

quase totalmente negligenciada pelo CPC de 1973 e muitas vezes ressalvada como

crítica perspicaz à forma como o saneamento era conduzido no antigo regime

processual civil.

Para Giuseppe Chiovenda346:

Entre os muitos problemas concernentes ao procedimento, este [a oralidade] é o fenômeno fundamental. O tipo e as características de um processo determinam-se sobretudo pelo prevalecer do elemento oral ou do elemento escrito. Basta, para demonstrá-lo, confrontar o

345

Sobre o princípio da oralidade, válidas são as notas de Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Ricardo Augusto de Castro Lopes: “Entre nós, José Carlos Barbosa Moreira – em trabalho que conta quase três décadas – igualmente destacou a importância do princípio como forma de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional. Observou o processualista que a oralidade não tem fim nela própria. Ela é um meio de proporcionar às partes e aos órgãos judiciais a possibilidade de colaboração mais segura e frutífera. De forma análoga Ovídio Baptista da silva destacou que o juiz, tendo um contato direto e pessoal com as partes e com as testemunhas, pode ‘avaliar-lhes a credibilidade das informações prestadas em juízo certamente com muito maior segurança da que teria o julgador que apenas recebesse essa prova reduzida a um simples registro datilográfico constante do processo, que, seguidamente, lhe chegaria às mãos muito tempo depois de prestado o depoimento’. Ou, como dissera Moacyr Amaral Santos, se a prova ‘visa formar a convicção do juiz para que ele conclua pela verdade, nada mais necessário que o juiz a acompanhe, diretamente, em todo o seu desenvolvimento, desde que proposta até a sua apreciação e crítica pelos advogados nos debates orais’. Na última década do século precedente, Oreste Nestor de Souza Laspro se dedicou ao tema e observou que ‘Embora a oralidade esteja longe de ser o instituto salvador de todo o sistema processual, como se acreditava outrora, verdadeira solução para toda a crise do Judiciário. É sem dúvida, um dos mecanismos mais importantes de efetividade do processo na legislação da grande maioria dos países, inclusive no Brasil, já que sob ela se consagram os princípios retro analisados que, na prática, já demostravam trazer melhores resultado na realização da justiça’.” (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; LOPES, Ricardo Augusto de Castro. A prova no direito processual civil. São Paulo: Verbatim, 2013. p. 234-235). Ainda, sobre a oralidade no processo, é importante destacar o posicionamento de Liebman, citado por Susana Henriques da Costa: “O ‘despacho’ saneador teria a função de organizar o processo e resolver questões preliminares da demanda, sem que, contudo, fosse possível ao juiz, nessa etapa do procedimento, decidir qualquer questão relativa ao mérito do processo. Liebman sempre foi um defensor ardoroso da oralidade no processo civil. Para ele, a oralidade é um dos cânones do direito processual, um princípio fundamental que não pode ser mitigado. Em consequência dessa premissa, Liebman entende que o juiz não pode emitir uma decisão de mérito sobre o processo sem a realização da audiência de instrução e julgamento, que permita seu contato com as partes e com a prova do processo. Seria inconcebível, para ele, o julgamento antecipado do mérito. Sua posição fica muito clara quando afirma que ‘suprimir a audiência é o mesmo que suprimir a oralidade, ainda mais no sistema construído pelo legislador brasileiro, em que a única audiência é a de instrução e julgamento, destinada ao conhecimento do mérito [...]. Eliminar a audiência significa, pois frustrar completamente as finalidades do legislador, não só porque impede a realização do debate oral, mas também porque tira às partes a única oportunidade que lhes concedeu a lei para dar suficiente desenvolvimento às respectivas razões e alegações [...]. Não é exagero dizer que a realização da audiência é uma garantia e imprescindível de um conhecimento suficiente da causa por parte do Juiz. As partes têm o direito a que ela se realize, em conformidade com as disposições da lei. A súbita decisão da lide, proferida em um momento em que o Juiz está apenas habilitado a sanear o processo, constituiria uma surpresa de que poderia ser fonte de graves e irreparáveis consequências e deve por isso ser considerada como motivo de nulidade da sentença intempestivamente pronunciada’.” (COSTA, Susana Henriques da. Condições da ação. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2005. p. 100-101). 346

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 1, p. 46.

131

nosso processo penal, que é oral, com o nosso processo civil, que é escrito.

Em relação ao saneamento, nota-se ainda a “falsa presença” de uma opção

pela oralidade, já que a audiência prévia (ou preliminar) poderia oralmente apontar e

sanar as nulidades e os problemas existentes no processo. Contudo, o que

prevalece é a sua dimensão escrita, contrariando as tendências contemporâneas de

um direito participativo, cooperativo. Essa opção pela forma escrita anula a oralidade

desejável na condução do processo347.

Ainda, na opinião de Giuseppe Chiovenda348, mesmo onde parece haver

uma abertura para admitir a oralidade no processo logo se percebe um fechamento

pela força da determinação escrita, isolada e – por vezes – distanciada do

magistrado, pois “num sistema em que as partes são obrigadas a expor por escrito

não só as declarações e os pedidos, mas ainda os motivos de fato e de direito em

que se apoiam os pedidos, a discussão oral [ocorrida na audiência preliminar] reduz-

se em regra a uma repetição supérflua”.

Em paralelo à oralidade, apontou-se como questão fundamental a

necessidade de um processo civil baseado em “imediação”, isto é, o juiz exerce um

papel participativo com as partes para que não exista uma distância entre a

jurisdição e a lide.

Galeno Lacerda349, nesse sentido, afirma que “o sistema oral traz consigo a

imediação, e esta é que favorece, na prática, a solução liminar das questões prévias.

Por esse motivo, força convir em que ideia tão salutar floresça com maior vigor

naquele sistema”.

No CPC de 1973 não prevalecia a oralidade; a imediação era praticamente

desconhecida, um anseio manifesto pelos juristas de que deveria ser – mas não fora

– atingido. Muito embora tenha havido alguma esperança com a inserção da

“audiência preliminar” como nova possibilidade de realização de um processo oral,

347

Em análise sobre a questão, tendo em vista não apenas a crítica ao CPC de 1973, mas também a criação do Novo CPC, Luis Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero anotam: “[...] em um processo de corte cooperativo, o mais adequado, contudo, é que a atividade de organização do processo (sanação de vícios processuais e preparação da prova) ocorra oralmente; em que as partes e o juiz possam dialogar e participar ativamente na definição destas questões”. MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 121. 348

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 50-51. 349

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 14.

132

por força da reforma promovida pela Lei n. 8.952/1994, na prática, manteve-se o

mesmo desprezo pela oralidade.

O sistema processual civil não foi assimilado pelos magistrados e a

realidade não mudou, como aponta Heitor Vitor Mendonça Sica350 em sua doutrina:

Os juízes, assoberbados de trabalho, no mais das vezes não tinham tempo para estudo dos autos antes da realização das audiências preliminares e, assim, geralmente encontravam-se nessas ocasiões despreparados para sanear o feito oralmente. As partes aguardavam durante meses a realização da audiência e, frustrada a conciliação, sequer presenciavam o saneamento oral do feito.

A audiência preliminar, enfim, confirmou-se como tendência a ser adotada

apenas no momento de “conciliação”, permanecendo estéril a sua disposição

saneadora. Os magistrados, quando muito, proferiam “decisões saneadoras”

meramente pro forma, produzindo uma prática anódina, mas nunca efetiva.

Outro fator que contribuía para as decisões saneadoras pro forma realizadas

pelos magistrados era a própria estrutura do direito processual civil criada pelo CPC

de 1973, que privilegiava a multiplicação de atos e feitos ao invés de concentrá-los

nos momentos decisórios.

Novamente, a respeito, Heitor Vitor Mendonça Sica351 pontua que no CPC

de 1973 “[...] jamais se questionou a utilidade da concentração decisória no tocante

às atividades de saneamento e organização” ignorava-se inclusive que “mesmo que

seu proferimento seja feito por escrito, e não em audiência, a decisão saneadora

propicia um exame concentrado dos requisitos de admissibilidade da demanda,

antes do início da instrução probatória [Grifo do autor]”, o que poderia, de fato,

significar uma economia de tempo processual considerável.

O princípio da concentração, tão enaltecido pela doutrina352, não encontrava

lugar na prática jurídica do CPC de 1973, de modo que o saneamento não só

350

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Evolução legislativa da fase de saneamento e organização do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 435-460, maio 2016. 351

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Evolução legislativa da fase de saneamento e organização do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 435-460, maio 2016. 352

Para Giuseppe Chiovenda, o princípio da concentração representaria um avanço sensível ao direito processual civil: “Este princípio da concentração é a principal característica exterior do processo oral, e a que mais influi na abreviação das lides. O mesmo é dizer oralidade que concentração. E aqui melhor se manifesta a diferença entre processo oral e o escrito: que, ao passo que o oral tende necessariamente a restringir-se a uma ou poucas audiências próximas, nas quais se desenvolvam todas as atividades processuais, o processo escrito, ao contrário, difunde-se numa série indefinida de fases, pouco importando que uma atividade se desenvolva mesmo a grande distância de outra, de vês que é apoiado nos atos escritos que o remoto juiz terá, um dia, de julgar. No processo oral predomina, pois, a audiência ou debate, a cujo termo deve seguir-se imediatamente a

133

padecia dessa disposição, mas sofria outras consequências como a determinação

de continuidade do processo em termos específicos, sobretudo na fixação de pontos

controvertidos, nas provas e na condução da instrução.

A pouca atenção dos magistrados para com o saneamento muitas vezes

prejudicava a produção de provas ou, ainda, produzia-se uma continuidade

processual que levava a uma audiência de instrução inútil e ineficaz. Acrescente-se

o fato de os tribunais costumarem “fazer ‘vista grossa’ ao reiterado descumprimento

do dever imposto aos juízes no tocante à fixação dos pontos controvertidos” 353,

denotando, mais uma vez, que “a prática destoa da teoria”, a tal ponto de “a

importância da fase de saneamento e organização restar apequenada” 354.

O descuido com a função do saneamento e o excesso de formalismo levam

à descaracterização da função saneadora e acarretam uma demanda do sistema

processual contrária à ideia de celeridade e de efetividade processuais. Isso é

claramente apontado por Adriana de Albuquerque Hollanda355 ao considerar o

movimento – muitas vezes desnecessário – que leva um processo à fase de

instrução por mero descuido na análise saneadora:

Como se verifica, a audiência de instrução e julgamento é necessária somente para os casos controvertidos que exijam prova testemunhal ou pericial para comprovação dos fatos que foram expostos durante a fase postulatória; nos demais casos, sua obrigatoriedade seria um formalismo por parte do direito processual civil, o que, no momento pelo qual passamos, significaria um retrocesso. A cada dia encontramos no processo somente um instrumento para a composição da lide, principalmente na área civil, justificando assim até a dispensa, em alguns casos, do princípio da oralidade que, com a complexidade de nossa sociedade, ao invés de ser um fator dinamizador para o processo, acaba por caracterizar-se como um entrave, pois a quantidade de demandas tornaria o sistema jurisdicional inoperável.

As mudanças ocorridas na vigência do CPC de 1973 contribuíram para

atestar que o antigo diploma processual civil, apesar de todas as alterações visando

a uma maior aproximação com interesses e teorias contemporâneas, era baseado

sentença, só se concebendo nos casos mais graves que seja formulada e publicada em brevíssimo prazo ulterior.”. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 54-55. 353

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Evolução legislativa da fase de saneamento e organização do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 435-460, maio 2016. 354

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Evolução legislativa da fase de saneamento e organização do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 435-460, maio 2016. 355

HOLLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho saneador. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 33, n. 130, p. 231-243, abr./jun. 1996.

134

em uma estrutura principiológica datada e incapaz de avançar em prol das novas

tendências. Não apenas a prática jurídica, mas também os muitos estudos críticos e

comparativos mostravam aos juristas e doutrinadores brasileiros que uma reforma

sensível da normatividade do processual civil se fazia necessária.

Assim, antes de avançar para considerações específicas sobre o

saneamento no CPC de 2015, é pertinente desenvolver um breve estudo do direito

estrangeiro, indicando quais as influências recebidas de ordenamentos jurídicos

alienígenas que colaboraram para intensificar a necessidade de uma revisão no

sistema processual civil pátrio.

2.4 BREVES NOTAS SOBRE A METODOLOGIA ANALÍTICA DO DIREITO

ESTRANGEIRO

A abordagem histórica sobre a inserção, a formação e o desenvolvimento do

instituto do saneamento facilita a percepção dos rumos que tal estrutura jurídica

tomou na realidade legal brasileira e, com isso, identificar quais as disposições da

estrutura jurídica existente no Brasil, não apenas na seara do processo civil, mas,

fundamentalmente, em âmbito geral.

Como apontado na análise histórica, a realidade jurídica brasileira não

nasceu de forma independente, alienada de outras estruturas jurídicas; ao contrário,

sofreu grande influência de teorias e práticas concebidas em outros países. Essa

não é uma exclusividade brasileira, mas reflexo de um quadro cultural e social muito

amplo que envolve todo o Ocidente, especialmente quando se concebe que os fatos

e as mudanças ocorridos na Europa e na América se conectam de forma intrínseca.

Dessa maneira, é pertinente traçar linhas de conexão entre as ponderações

e as reflexões críticas, teóricas e práticas que aconteceram no Brasil e também em

outros países, sobretudo porque muitos desses avanços jurídicos influenciaram os

novos aportes legislativos registrados no Brasil, com destaque para o caso do

processo civil em geral e para o saneamento em especial.

135

A abordagem aqui pretendida exige a exposição dos elementos centrais que

norteiam uma análise comparativa, pois se deve partir do pressuposto de que, como

adverte Ivo Dantas356:

Qualquer tentativa de conceituação e fixação de objeto e método de uma ciência implica, evidentemente, valoração por parte daquele que vai empreender o estudo. Em outras palavras, pode-se dizer que não existe posição certa ou errada em tais tentativas, uma vez que o entendimento filosófico-epistemológico do autor é que determinará a rota que será seguida na tarefa conceitual [Grifo do autor].

Portanto, é necessário evidenciar os termos dos sistemas que se está

analisando e justificar quais são as razões que fundamentam a escolha de

determinados sistemas jurídicos em detrimento de outros357.

No que diz respeito ao escopo deste estudo, em relação aos sistemas

jurídicos elencados, não será desenvolvida uma análise de comparação direta, ou

seja, não serão apontados elementos do direito estrangeiro de forma a opor ou

justificar aqueles do direito nacional. Essa metodologia possui duas justificativas

essenciais: a) não se pretende desenvolver um estudo sobre os desenvolvimentos

do saneamento na ordem jurídica internacional, mas apenas pontuar quais os

elementos centrais do saneamento em meio a sistemas jurídicos estrangeiros em

comparação com o brasileiro, em especial no que tange às questões próprias de um

direito processual civil mais próximo ou mais afastado de uma acessibilidade da

justiça; b) têm-se em mente, aqui, todas as críticas direcionadas a uma tendência

simplificadora de análise do direito comparado como resultado de um descuido

metodológico, ou seja, a análise não pretende deslocar nenhum dos sistemas

jurídicos para âmbitos que não lhes competem, evitando com isso desvirtuar tanto

os sistemas jurídicos analisados como o próprio sistema brasileiro358.

356

DANTAS, Ivo. Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 231-349, abr./jun. 1997. 357

Marc Ancel, sobre os limites e as razões que fundamentam o estudo de direito comparado, questiona: “Por que convém estudar o direito comparado e como é preciso abordar e conduzir semelhante estudo? O como da pesquisa comparativa é frequentemente colocado em função de seu porquê, pois o fim a que se propõe o comparativista determina, largamente, a técnica de sua investigação; e ao inverso, os meios disponíveis são em grande parte a condição primeira – e em todo caso constituem o limite – de sua investigação [Grifo do autor].” (Utilidade e métodos do direito comparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1980. p. 15-16). 358

Muitos autores ponderam, inclusive, que a própria pretensão de uma nomenclatura como “direito comparado” já é, ela mesma, controversa porque enunciaria uma pretensão que, em termos metodológicos e analíticos, raramente poderia efetivar-se por meio de um estudo, seja ele o mais cuidadoso possível. Sobre esse engano, comenta Felipe de Solá Cañizares: “Direito Comparado é a expressão consagrada pelo uso, especialmente nos países latinos, nos de língua inglesa e também nos países escandinavos e eslavos. E, no entanto, os autores contemporâneos coincidem em

136

A par desses problemas, a análise recairá sobre sistemas jurídicos que

apresentem proximidade com a estrutura do ordenamento brasileiro, ou seja,

aqueles pertencentes à civil law, tradição que o Brasil adotou desde o início de sua

formação jurídica independente. Exceção, porém, será feita ao sistema inglês,

mormente em razão de nos últimos anos a Inglaterra, por meio das civil procedures

rules – publicadas em 1999 –, ter evidenciado uma aproximação com o modelo civil

law. Sendo assim, pode-se dizer que uma análise do sistema processual civil inglês

não produz o mesmo abismo que poderia ser encontrado, por exemplo, em uma

comparação com o adotado nos EUA. Nesse sentido, a análise manter-se-á dentro

de um espectro denominado “micro-comparação”, sobre o qual explica Mauro

Cappelletti359:

O direito comparado é, em realidade, um método (Rechtsvergleichung [comparação jurídica] e não vergleichen des Recht [direito comparado], segundo a terminologia alemã mais apropriada); é, em suma, uma maneira de analisar o direito de dois ou mais sistemas jurídicos diversos: assim, existe aquela que podemos chamar de ‘micro-comparação’, quando a comparação se efetua no âmbito de ordenamentos que pertencem à mesma ‘família jurídica’ (por exemplo, entre França e Itália), ou ainda, ‘macro-comparação’, se a análise comparativa é conduzida entre duas ou mais famílias jurídicas, por exemplo, entre um ordenamento da Civil Law.

Quadra mencionar que não se pretende, com as análises realizadas, extrair

fundamento para determinada prática, mas apenas elencar os principais elementos

que na relação com a realidade jurídica brasileira apresentam as tendências do

saneamento em âmbito internacional. Para tanto, será necessário analisar sistemas

jurídicos de países que possuem alguma relação ou interesse com o caso brasileiro,

como Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra e Alemanha, e que têm contribuído para o

avanço teórico-prático do direito processual civil.

A análise, como evidenciada por Ivo Dantas360, será orientada pela diferença

entre a produção de conhecimento científico (por meio de uma análise intelectual e

considerar esta expressão inadequada e que esta se presta à confusão, porque pode fazer crer que se trata de uma matéria determinada, como é o sentido das expressões direito civil, direito penal, direito comercial, etc. [Grifo do autor]” (Introducción al derecho comparado. Barcelona: Instituto de Derecho Comparado, 1954. p. 95). 359

CAPPELLETTI, Mauro. El derecho comparado: método y finalidades. Dimensiones de la justicia en el mundo contemporáneo: cuatro estúdios de derecho comparado. México: Porrua, 1993. p. 17. 360

Ivo Dantas fala de uma dupla finalidade para a análise de direito comparado, sendo uma para fins científicos, próprios de uma função intelectual “[...] daquela que lança mão dos estudos sobre os sistemas jurídicos estrangeiros para verificar a forma como os fatos sociais, econômicos e políticos estão sendo tratados por outros povos”, e uma forma profissional, ou técnica, na qual se buscar

137

também técnica) e a produção de uma realidade jurídica. No caso, o direito

comparado servirá de base para a análise de realidades jurídicas e não para

produção de tais realidades361. A intenção, vale registrar, não é esquadrinhar o

instituto do saneamento processual brasileiro, comparando-o com as práticas

estrangeiras, mas apenas perquirir como é tratado em outros ordenamentos. O

procedimento a ser adotado para tanto está assim definido: a) primeiro, analisam-se

a realidade e os fundamentos da estrutura processual civil do ordenamento

alienígena com vistas a delinear as principais bases que o sustentam; b) segundo,

com foco no cenário processual civil, identificam-se a função e o papel

desenvolvidos pelo instituto do saneamento em cada sistema jurídico analisado,

necessário para desenvolver breves aportes críticos quando comparado com a

realidade brasileira.

A propósito da estratégia de comparação, Gutteridge362 afirma que a

pretensão científica do direito comparado é “o descobrimento, por meio de um

processo de comparação, das causas que fundamentam a origem, desenvolvimento

e decadência das instituições jurídicas”.

Caio Mário da Silva Pereira363 acrescenta que no desenvolvimento do

trabalho o analista extrairá:

[...] dos sistemas legislativos nacionais os princípios informativos dos vários institutos e, operando uma sintetização que não é estranha ao processo de formação doutrinária, construirá dogmática superestrutural, que exprimirá o estado da civilização jurídica em dado momento histórico [Grifo do autor].

Definidos, assim, os aspectos metodológicos norteadores da presente

pesquisa, passa-se à análise do instituto do saneamento processual dos sistemas

jurídicos nacionais escolhidos.

oferecer “os elementos necessários à análise, por parte dos operadores do Direito, para melhor compreensão de institutos jurídicos existentes em outros ordenamentos” (Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 231-349, abr./jun. 1997). 361

Nos dizeres de Ivo Dantas: “não é o Direito Comparado que terá funções práticas. Suas conclusões é que serão utilizadas por legisladores, magistrados, advogados, etc., para melhor regulamentar os fatos sociais de determinada sociedade” (Direito comparado como ciência. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 231-349, abr./jun. 1997). 362

GUTTERIDGE, H.C. El derecho comparado: introducción al método comparativo em la investigación y em el estudio del derecho. Barcelona: Instituto de Derecho Comparado, 1954. p. 16. 363

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito comparado: ciência autônoma. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, ano 4, p. 33-47, 1952.

138

2.5 O SANEAMENTO DO PROCESSO EM PORTUGAL

O direito processual civil português foi responsável pela inserção do

saneamento na ordem jurídica brasileira, como apontado na análise do Código de

Processo Civil de 1939.

Com uma série de precedentes que remontavam a leis do Período Colonial,

como as Ordenações Filipinas, Portugal já demonstrava, muito antes de outros

sistemas jurídicos, preocupação com a regulamentação capaz de evitar a

perpetuação de nulidades. Apesar de muitos percalços, o caminho legislativo

português possibilitou a inserção do “despacho saneador” sob a forma legal e com

delimitações específicas.

A criação do instituto deu-se, de fato, por meio do Decreto nº 3, de 29-5-1907 (então com o nome ‘despacho regulador do processo’). Tratava-se de dispositivo inserido na disciplina de processo sumário para as causas cíveis e comerciais de pequeno valor. Concediam-se poderes ao juiz para, por ocasião desse ‘despacho regulador’, conhecer e julgar matéria relativa às nulidades processuais.364

Percebe-se, assim, que havia uma limitação, uma vez que o saneamento

ocorreria por força de “despacho regulador”, isto é, mediante decisão interlocutória

que visava muito mais “regular” do que “sanear” o processo. Ademais, aludido

“saneamento” seria aplicável apenas a causas cíveis e comerciais de pequeno valor,

ou seja, não se estendia a todo o processo civil.

Como pontua Galeno Lacerda365, “o despacho introduzido no processo

sumário pelo decreto de 1907 destinava-se apenas a conhecer das nulidades”. Esta

limitação logo foi modificada, pois:

[...] sua extensão foi ampliada pelo art. 24 do decreto 12.353, de 22 de setembro de 1926, que reformou o processo civil português. Já tinha ele agora três fins principais: 1.º) conhecer de nulidades; 2.º) apreciar a legitimidade das partes e a sua representação em juízo, e 3.º) julgar as questões prévias ou prejudiciais.

364

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 365

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 40.

139

Apesar de sua aparente simplicidade, as alterações e sobretudo as

expansões delineadas pelo Decreto n. 12.353 de 1926 foram muito importantes para

o avanço da inserção do saneamento em todo o processo civil português366.

Paulo Pimenta367, que dedicou um estudo ao saneamento no direito

processual civil português, relata:

O diploma em análise lançou as bases de uma nova fase processual, [...] dirigida ao saneamento do processo, a qual funcionava como um crivo, antecipando para o despacho saneador a apreciação das questões (formais) que, até então, eram relegadas para a sentença.

A ampliação estabelecida pelo Decreto n. 12.353, entre outras coisas,

definiu a nomenclatura de “despacho saneador”. O legislador e os juristas passaram

a considerar pertinente aprimorar o instituto por meio de uma série de medidas que

visavam esclarecer e explicitar os termos de aplicação do “despacho saneador”.368

A partir de então, desenvolveu-se tendência jurisprudencial de ampliação das hipóteses de julgamento direto do mérito já na fase saneadora. Com o Decreto nº 18.552, de 3-7-30, passam a poder ser resolvidas no ‘saneador’ todas as outras questões para cuja decisão o processo já reunisse elementos instrutórios suficientes. Depois, o Decreto nº 21.287, de 26-5-32, consolidou a legislação processual civil e comercial, mantendo as regras até então vigentes sobre o

‘despacho saneador’, e criou o instituto do ‘questionário’. 369

Percebe-se que todas as mudanças legislativas visavam ampliar os limites

de cognição370 e de aplicação do saneamento, porém adstritas à forma que se havia

concebido o instituto, ou seja, por meio de um “despacho saneador”371.

366

Na visão de Alfredo Buzaid, “O despacho saneador é instituto do processo civil, criado pelo direito português moderno. Surgiu no Decreto nº 12.353, de 22 de setembro de 1926, cujo art. 24 determinava que, findos os articulados, o juiz proferisse despacho para conhecer de quaisquer nulidades, da legitimidade das partes e sua representação e de outras questões que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa. O primeiro aceno da ideia se encontra, porem, no Decreto nº 3, de 29 de Mario de 1907, que regula o processo de despejo; e o despacho que o juiz proferia, quando os autos lhe subiam conclusos, depois de encerrada a fase postulatória, recebia, na doutrina e na jurisprudência, o nome de despacho regulador do processo.” (Estudo de Direito. São Paulo: Saraiva. 1972. v. 1. p 15, 16). 367

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo Código de Processo Civil. Coimbra: Almedina, 2003. p. 22. 368

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 369

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 370

Em clássica obra sobre o tema, Kazuo Watanabe ensina: “Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo estudados no capitulo precedente (trinômio: questões de mérito; para alguns: binômio, com exclusão

140

Muito embora as inovações legislativas portuguesas apresentassem um

caminhar contínuo em prol de uma regulamentação mais aprimorada, havia certa

insatisfação com a estrutura do direito processual civil, que culminou na criação do

Código de Processo Civil de 1939 de Portugal. Há, na verdade, uma linha que liga

as reformas realizadas no início da década 1920 ao CPC português do fim da

década de 1930.

Paulo Pimenta concorda com a existência dessa linha quando pontua que

“na realidade, o CPC de 1939 – em vigor a partir do dia 1 de outubro desse ano – foi

o culminar das reformas legislativas iniciadas em 1926”372. Essa não é apenas uma

avaliação geral e abstrata, mas encontra um aporte realmente concreto em uma

análise ponderada, bem relatada pelo autor:

No que respeita à matéria objecto do nosso estudo, podemos dizer que o CPC de 1939, por um lado, desenvolveu e consolidou as soluções normativas que haviam sido lançadas pelos diplomas antecedentes, designadamente, os Decretos nº 21:287, de 26.05.1932 e nº 21:694, de 29.09.1932. Assim aconteceu com o despacho saneador (art. 514, do CPC de 1939) e com o questionário (art. 515 do CPC de 1939). Por outro lado, foram introduzidas algumas inovações relevantes, tais como a audiência probatória (arts. 512 e 513 do CPC de 1939) e a especificação (art. 515 do CPC de 1939).373

O saneamento previsto pelo Código de Processo Civil português de 1939 é

um flagrante avanço na estrutura ainda pouco rígida determinada pelos decretos. O

mérito do CPC português de 1939 se deveu a sua capacidade de regulamentar as

das condições da ação; Celso Neves: quadrinômio, distinguindo pressuposto dos supostos processuais). Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau da sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta).” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. São Paulo: DPJ; 2005. p. 127.) 371

Sobre as inovações trazidas pelo Decreto 21.287 de 1932 em relação ao seu antecessor, o Decreto n. 18.552 de 1930, Galeno Lacerda torna evidente que se tratava de mudanças ocorridas sob um mesmo eixo orientador: “Pela ação da jurisprudência, porém, o âmbito do despacho foi alargado ao julgamento do mérito, em determinados casos. Daí surgiu o art. 10º do decreto 18.552, de 3 de julho de 1930, que permitiu ao juiz também ‘conhecer de todas as outras questões para cuja decisão o processo lhe forneça os elementos necessários’. Essas quatro funções do saneador passaram para o art. 102 do decreto 21.287, de 26 de maio de 1932, segundo o qual deveria o juiz nessa ocasião conhecer: a) Quaisquer nulidades insupríveis e as supríveis que tenham sido argüidas [...] b) Se as partes têm legitimidade para a causa e se estão devidamente representadas em juízo [...] c) Quaisquer questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa. d) Todas as outras questões para cuja decisão o processo lhe forneça os elementos necessários [Grifo do autor].” (Despacho saneador, p. 41-42). 372

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo Código de Processo Civil, p. 31. 373

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo Código de Processo Civil, p. 31.

141

tendências que vinham sendo aplicadas de maneira esparsa, ou, como anota

Galeno Lacerda374 “[...] condensou-se nessas normas o fruto de mais de trinta anos

de experiências originais, [...] o novo texto revela sensível progresso técnico e

doutrinário sobre o anterior”

De fato, a inovação e a unidade apontadas encontravam-se principalmente

na redação do artigo 514, assim redigido:

Art. 514 – Concluída a discussão, dentro de dez dias será proferido despacho para os fins seguintes: 1.º – Conhecer, pela ordem designada no art. 293, das exceções que podem conduzir à absolvição da instância, assim como das nulidades, ainda que não tenham por efeito anular todo o processo; 2.º – Decidir se procede alguma exceção peremptória; 3.º – Conhecer do pedido, se a questão de mérito for unicamente de direito e puder ser decidida neste momento com perfeita segurança, ou se, sendo a questão de direito e de fato, ou só de fato, o processo contiver todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa. §1.º – As questões a que se refere o nº 1.º só pode deixar de ser resolvidas no despacho se o estado do processo impossibilitar absolutamente o juiz de se pronunciar sobre elas, devendo neste caso justificar a sua abstenção e cumprindo aos tribunais superiores apreciar se foi fundada. §2.º – As questões a que se refere o nº 2.º devem ser decididas quando o processo fornecer os elementos indispensáveis, nos termos declarados no nº 3.º. §3.º – Quando se conhecer do pedido, o despacho fica tendo, para todos os efeitos, o valor de uma sentença, e como tal será designado.375

Algumas mudanças importantes foram produzidas por força do citado artigo

514, quando (i) se autorizou “o conhecimento direto do mérito (o que em alguns

casos já era possível antes – quer por expressa previsão dos textos anteriores, quer

por criação jurisprudencial)” 376, e quando, a título de inovação, (ii) a audiência

preparatória passou “a preceder o ‘saneador’, a qual se destinaria à busca da

conciliação e – frustrada a tentativa ou incabível – à discussão das questões

resolúveis por meio daquele pronunciamento”377.

374

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 43. 375

PORTUGAL. Decreto-Lei n. 44.129. Código de Processo Civil de 1939. Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-de-Processo-Civil-Portugues-de-1939.pdf>. Acesso em: 11 out. 2016. 376

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997. 377

TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, v. 34, n. 134, p. 137-163, abr./jun. 1997.

142

Em suma, o CPC português de 1939, com o saneamento, abriu espaço para

um momento específico do ato de sanear. É como analisa Paulo Pimenta378:

Temos, portanto, que o CPC de 1939 instituiu, formalmente, uma nova fase processual, cujas bases haviam sido lançadas, como dissemos, pelo Decreto nº 12:353, de 22.09.1926. Esta nova fase marcava uma transição entre o momento inicial do processo, destinado à apresentação das teses das partes, e os momentos posteriores, em que se produziam as provas, em que se discutia a matéria objecto da produção de prova, em que se julgava a matéria de facto, e em que, finalmente, era proferida a sentença.

A importância de criar uma fase específica para o saneamento só pode ser

notada na comparação do CPC português com o CPC brasileiro do mesmo ano.

Este código ignorou tal disposição e alocou o ato saneador em um momento do

processo que causou uma série de problemas devido à dificuldade de se

estabelecer qual era a natureza, o alcance e os limites de tal saneamento.

Conforme as diretrizes do saneamento no CPC português de 1939, a partir

do momento processual designado para o ato saneador, havia dois possíveis

caminhos: a conclusão ou o prosseguimento do processo379. O saneamento, nesse

caso, era meramente entendido como aferição das possíveis nulidades e não

ultrapassava, de nenhuma forma, esta dimensão.

Na doutrina de Paulo Pimenta380, essa dimensão do “despacho saneador”

era muito clara e específica, pois o que estava em causa era a garantia de que o

processo só transitaria “para as fases posteriores se estivessem reunidas as

condições para o julgamento material da questão” e “isso só aconteceria se não

houvesse irregularidades ou, ao menos, se estas estivessem sanadas”381.

Em função das duas possíveis vias a serem percorridas com a resolução do

despacho saneador – a conclusão ou o prosseguimento do processo (ainda que com

378

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo Código de Processo Civil, p. 32. 379

Segundo afirma Paulo Pimenta: “A prolação do despacho saneador tanto era possível de conduzir ao termo do processo, fosse por motivos de forma, fosse por razões ligadas ao mérito da causa, como de levar à conclusão de que o processo poderia e deveria seguir para os períodos subseqüentes, a fim de ser, na devida altura, proferida a sentença final. Nesta última hipótese, isto é, havendo o processo de prosseguir, o juiz, depois de proferir o despacho saneador, trataria de ordenar ou organizar os pontos de facto com relevo para a decisão da causa, discriminando-os em função de, nessa altura do processo, estarem já demonstrados (especificação) ou necessitarem de prova (questionário).” (A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil, p. 35). 380

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil, p. 45. 381

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil, p. 45.

143

a solução de nulidades sanáveis) –, doutrina e jurisprudência perceberam que havia

uma lacuna em relação ao valor da decisão que advém do despacho saneador. O

mesmo problema ocorria na realidade processual brasileira da época.

Em sede doutrinária, discutia-se a existência de uma falha na concepção

teórico-estrutural do despacho saneador382. Muitas das críticas – ocorridas não

apenas em relação ao saneamento, mas também para todo o processo civil –

determinaram a necessidade de se realizar uma mudança na estrutura processual.

Uma revisão produziu, então, o CPC de 1961, cuja vigência iniciou em 24 de abril de

1962.

O CPC de 1961, muito embora tenha pretendido trazer inovação, quanto ao

saneamento não produziu nenhuma diferença em relação ao que já estabelecia o

diploma processual civil que o antecedeu. Em verdade, acabou reforçando os

mesmos problemas anteriormente existentes.

Em termos de organização sistemática, o CPC de 1961 manteve a fase do saneamento como o segundo período processual, após o dos articulados e antes do momento da instrução. Formalmente, foi mantida a designação proveniente do código anterior, isto é: – da audiência preparatória e despacho saneador. Tal circunstância fez perdurar a discussão que vinha detrás, acerca da melhor designação para esta importante fase processual, sem que, mais uma vez, fosse alcançada uma fórmula inteiramente satisfatória.383

Muitas tentativas eram feitas com a intenção de reestruturar o processo civil

português. O saneamento não passava de mais uma entre muitas questões que

eram constantemente mencionadas como problemáticas em meio à prática judicial.

Em 1965, houve uma tentativa de criar um novo CPC, que trouxe pequenos

avanços, porém não se mostraram de fato revolucionários.

382

Paulo Pimenta também busca esclarecer esse ponto, ainda que tenha sido uma questão de sensível análise pela doutrina ao longo dos anos: “Na verdade, ao conhecer o pedido, o juiz haveria de concluir pela sua procedência ou pela improcedência. Condenando o réu no pedido ou absolvendo-o dele, o juiz sempre estaria a proferir uma decisão sobre o mérito da causa, decisão que seria o fruto da ponderação e do confronto entre a pretensão expressa pelo autor e a impugnação oposta pelo réu. Já quando apreciasse uma exceção peremptória, a conclusão podia ser pela sua procedência ou pela sua improcedência. Se julgasse procedente a exceção peremptória, isso significa que tinha obtido acolhimento a defesa indireta deduzida do réu, com a sua conseqüente absolvição do pedido. Nesse caso, ainda que por via indireta, a decisão proferida contenderia com o mérito da causa. Em contrapartida, se tal exceção peremptória fosse julgada improcedente, o mérito da questão manter-se-ia quanto a este ponto, incólume.” (A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil, p. 51). 383

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil. p. 67.

144

Mas um passo importante foi dado quando, por força de denominação

doutrinária, considerou-se a audiência preliminar como espécie de pré-saneador.

Este momento processual era assim definido pelo artigo 508 do CPC de 1995

português384:

Na sequência da conclusão do processo que lhe é feita, quando findam os articulados, deverá o juiz proceder a uma análise minuciosa de todo o material constante dos autos. Atente-se que, como já referimos, este é, em regra, o primeiro contacto do juiz com o processo que lhe foi distribuído, sendo que tal processo há de conter, normalmente, a petição inicial e a contestação, e, eventualmente, a réplica e a tréplica. O âmbito da intervenção do juiz, nesse momento, é definido pelo art. 508 do CPC, que regula os diversos casos de prolação do despacho pré-saneador.

O momento processual disciplinado no artigo 508 era, na verdade, pré-

saneador, haja vista que o direito processual civil português, por meio do artigo 510,

manteve a fase processual conhecida como “despacho saneador”, não apenas em

sua nomenclatura usual – inserida pelo CPC de 1939 e nunca mais retirada – mas

também em sua dimensão tradicional.

A propósito, uma rápida leitura do artigo 510 é bastante para se perceber

que muito da estrutura tradicional do despacho saneador foi mantida:

Artigo 510. - (Despacho saneador) 1. Realizada a audiência ou logo que findem os articulados, se a ela não houver lugar, é proferido dentro de quinze dias despacho saneador, para os fins seguintes: a) Conhecer, pela ordem designada no artigo 288.º, das excepções que podem conduzir à absolvição da instância, assim como das nulidades, ainda que não tenham por efeito anular todo o processo; b) Decidir se procede alguma excepção peremptória; c) Conhecer directamente do pedido, se a questão de mérito for ùnicamente de direito e puder já ser decidida com a necessária segurança ou se, sendo a questão de direito e de facto, ou só de facto, o processo contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa. 2. As questões a que se refere a alínea a) do n.º l só podem deixar de ser resolvidas no despacho se o estado do processo impossibilitar o juiz de se pronunciar sobre elas, devendo neste caso justificar a sua abstenção. 3. As questões a que se refere a alínea b) do n.º l devem ser decididas sempre que o processo forneça os elementos indispensáveis, nos termos declarados na alínea c). 4. Quando julgue procedente alguma excepção peremptória ou quando conheça directamente do pedido, o despacho fica tendo,

384

PIMENTA, Paulo. A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo código de processo civil, p. 137.

145

para todos os efeitos, o valor de uma sentença e como tal é designado.385

Aspectos considerados importantes para a teoria moderna não constam no

citado artigo 510 na medida em que não há menção à possibilidade de o juiz

participar ativamente no processo a fim de, por ato ex officio, sanar eventuais

nulidades, por exemplo, não dispõe sobre a conexão com os momentos posteriores,

nem faz vinculação com a formulação e a divisão do ônus probatório. Em suma, a

estrutura do referido artigo manteve o direito processual civil português encerrado

em uma perspectiva do saneamento dentro dos limites de um “despacho saneador”,

isto é, como ato formal e aplicável a um processo pouco dinâmico. Mesmo as

alterações que ocorreram posteriormente ao CPC português de 1995 mantiveram

essa lógica e essa mesma dinâmica.

Em 2013, vem a lume um novo código de processo civil, mas também se

manteve fechado quanto à ideia de “despacho saneador”. O dispositivo legal que

trata do tema passou a ser o artigo 595, cujo texto trouxe algumas inovações,

sobretudo e de forma expressa, quanto à possibilidade de o magistrado conhecer

nulidades processuais de ofício:

Art. 595.º Despacho Saneador: 1 - O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção peremptória. 2 - O despacho saneador é logo ditado para a ata; quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode excecionalmente proferi-lo por escrito, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso. 3 - No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença. 4 - Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer. 5 - Nas ações destinadas à defesa da posse, se o réu apenas tiver invocado a titularidade do direito de propriedade, sem impugnar a posse do autor, e não puder apreciar-se logo aquela questão, o juiz

385

PORTUGAL. Decreto-Lei n. 44.129. Código de Processo Civil de 1939. Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-de-Processo-Civil-Portugues-de-1939.pdf>. Acesso em: 11 out. 2016.

146

ordena a imediata manutenção ou restituição da posse, sem prejuízo do que venha a decidir-se a final quanto à questão da titularidade do direito.386

Por mais que Portugal tenha sido, no passado, uma verdadeira e importante

fonte de inspiração para o direito processual civil brasileiro387, em termos gerais, e a

questão do saneamento em especial, já não encontra correspondente na

contemporaneidade.

A manutenção de uma estrutura que, muitas vezes, mostrou-se defasada e

distante das novas tendências dinâmicas orgânicas do processo civil atual faz com

que Portugal delineie uma concepção de saneamento que fica adstrita a um

demasiado formalismo processual e a um regramento que perpetua o

distanciamento entre o Poder Judiciário e as partes envolvidas no processo.

2.6 O SANEAMENTO DO PROCESSO NA ITÁLIA

O direito processual civil italiano apresenta seus contornos modernos com o

Código de Processo Civil de 1942, publicado no período da Segunda Guerra

Mundial. Desde o início do século XX, havia indicações em favor de um

aprimoramento do sistema processual civil, uma vez que o precedente datava de

1865 e era considerado muito defasado, dissonante das realidades jurídica, social e

política italianas.

Muitas escolas de direito processual civil em formação apresentavam teorias

e novos conceitos para a estrutura processual civil. A mais influente foi liderada pelo

386

PORTUGAL. Decreto-Lei n. 44.129. Código de Processo Civil de 1939. Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-de-Processo-Civil-Portugues-de-1939.pdf>. Acesso em: 11 out. 2016. 387 “Como se vê, no nosso Código, tal como no processo de Portugal, o despacho saneador bem merece tal designação, porque de tal sorte é o seu alcance e de tal raio de ação os seus efeitos, que bem se pode dizer, age como órgão alimpador, aparelho profiláctico preparatório da sentença de mérito. O nosso Código previu, tanto quanto possível, na ordem da economia processual, como na órbita econômica jurisdicional, as questões que devem ser decididas antes do mérito. E disse, imperativamente: o juiz decidirá, mandará ouvir, pronunciará as nulidades, mandará suprir, determinará exames. Daí se conclui que no nosso processo atual o despacho saneador constitui fase necessária e indispensável. É, mesmo parte essencial, como preparatória, à decisão da causa que, antes de ser julgada por uma decisão de forma.” (CUNHA, Oscar da. Despacho saneador. Revista Forense. Rio de Janeiro, 1945. p. 264.)

147

jurista Giuseppe Chiovenda, que em 1919 já havia publicado o projeto de um Código

de Processo Civil segundo as bases de seu próprio pensamento388.

Em 1901, o jurista italiano já havia publicado estudo “comparativo”,

denominado Romanesimo e germanesimo nel processo civile, onde desenvolveu

uma análise sobre como o processo civil alemão poderia contribuir para a

construção de um processo civil italiano. Esse estudo acabou delineando o projeto

de um novo diploma processual civil que tinha como base o cruzamento de teorias e

influências, aí incluídas as tradições italianas mais recentes, as teorias germânicas e

alguns preceitos do direito romano. Em verdade, “o projeto do Código era baseado

explicitamente nos princípios romanos clássicos da oralidade, imediatidade,

concentração e livre avaliação da evidência”389.

As tendências progressistas de Giuseppe Chiovenda foram anuladas390,

assim como outras tentativas iniciadas por juristas como Lodovico Mortara,

Francesco Carnelutti e Enrico Redenti.

O Código de Processo Civil de 1942, apesar de ter surgido em meio às

dificuldades do fascismo391, foi influenciado pelas escolas do início do século XX –

com Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti e outros. A estrutura do novo

diploma processual civil prestigiava um processo mais célere, efetivo e com maior

participação do juiz. Além disso, mostrava-se muito mais atento às necessidades

jurídicas de seu tempo.

Na avaliação de Mauro Cappelletti e Joseph Perillo392:

Apesar dos defeitos, o Código de 1942 foi um avanço perante seus predecessores. Sob o Código de 1865, as sessões de dilação da prova poderiam ocorrer diante de um juiz que não participara em todas as decisões do caso. Sob o Código de 1942, a evidência oral é apresentada a pelo menos um dos juízes. Os outros dois juízes na

388

CAPPELLETTI, Mauro; PERILLO, Joseph. Civil procedure in Italy. Netherlands: Springer Science, 1965. p. 43. 389

CAPPELLETTI, Mauro; PERILLO, Joseph. Civil procedure in Italy, p. 43. 390

Giuseppe Chiovenda, no seu tempo, já propunha uma estrutura de direito processual civil baseada em uma perspectiva de maior participação e atividade tanto do juiz quanto das partes, por entender o processo civil como a obtenção de um fim conjunto, não como um abismo entre as partes e a jurisdição. Nesse sentido, o jurista prelecionava que o juiz deveria sair da posição puramente passiva em que se encontrava no antigo processo para intervir mais ativamente na atuação e na formação dos autos do processo (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituzione di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1935. p. 23). 391

Conforme ponderação de Mauro Cappelletti: e Joseph Perillo: “Os principais e mais fortes processualistas da Itália continuaram a dominar o dia-a-dia da prática nas cortes e na discussão legislativa sobre a reforma processual”, de modo que “o Código de Processo Civil adotado em 1940, e tornado efetivo em 1942, não era uma produto do fascismo” (Civil Procedure in Italy, p. 44). 392

CAPPELLETTI, Mauro; PERILLO, Joseph. Civil procedure in Italy, p. 45.

148

adjudicação recebem o benefício de seu relatório oral, bem como dos autos escritos do caso. Outras inovações representaram um passo à frente. Por exemplo, foi feita uma distinção entre questões que devem ser decididas por uma regra informal relativamente conhecida, como uma ordinanza, e aquelas que requerem uma sentenza mais formal. Uma ordinanza, diferentemente da sentenza, pode ser anulada ou modificada pela corte que proferiu a sentença.

A preocupação do Código de Processo Civil italiano se referia à estrutura da

jurisdição, notadamente a interligação de dois pontos: a) as funções e o alcance dos

limites da jurisdição; e b) o papel dos magistrados na condução do saneamento do

processo.

O CPC italiano de 1942 organizava o sistema processual segundo uma

distribuição de funções a um complexo agrupamento de instâncias e tribunais.

Conforme o artigo 1º do referido código, as jurisdições civis se dividiam em quatro

principais setores – giudici ordinari, giudici amministrativi, giudice contabile e giudici

speciali – e, além destes, um setor por dependência (juízo estrangeiro). Cada setor,

vale notar, desmembrava-se em uma série de juízos, tribunais, cortes e comissões.

Os giudici ordinari – jurisdições gerais de tutela de direitos subjetivos –

comportavam os juízos de paz, os tribunais ordinários, os tribunais para menores, as

cortes de apelação e a corte de cassação. A divisão de competência dos juízos

correspondia a regras de valor da causa, legitimidade dos envolvidos ou, ainda,

determinação de matéria.

Um aspecto peculiar sobre a organização italiana dos tribunais e dos

magistrados alude à divisão de fases processuais entre diferentes juízes. Um juiz,

por exemplo, pode ser responsável pelo “preparo” do processo, isto é, a fase das

tratazione, enquanto as fases de instrução e de sentença podem ser atribuídas a um

tribunal e, portanto, a outros juízes.

A questão sobre a unidade do caso submetido à tutela de um juiz, ao invés

de recair sobre dois ou mais magistrados, dependendo da fase processual em que

se encontre, foi discutida amplamente e, por fim, alterada por força da Lei n. 363, de

26 de novembro de 1990. Até a reforma legislativa, os processos civis poderiam ser

conduzidos, regra geral, por mais de um juiz, o que causava sérios problemas

decisórios e, sobretudo, em relação ao saneamento.

149

As mudanças também foram comentadas por Giuseppe Tarzia393:

A reforma recente, ao contrário, incidiu profundamente sobre a identidade do juiz e sobre a estrutura do processo. O juiz de primeiro grau é agora de fato, normalmente, um juiz único também para as causas devolvidas à competência dos tribunais. A estrutura do processo foi, pois, completamente mudada, através de fundamentais inovações. [...] A regra é que, fora os casos reservados expressamente à decisão colegiada, nas matérias cíveis o tribunal decide na pessoa do juiz instrutor ou do juiz da execução em função de juiz único com todos os poderes do colegiado. A regra é aquela do juiz único, a exceção é constituída do juízo colegiado.

O direito processual civil italiano seguia, então, as regras dos artigos 163394

a 185, que definiam que o processo iniciava com a “notificação do ato de citação” e

em um período de cinco a dez dias levava à constituição em juízo das partes395.

Conforme o artigo 166 ocorria a constituição em juízo do convenuto, isto é, da

questão em litígio, e por fim, por força do artigo 183, a “audiência de primeiro

comparecimento e tratativas”. É essa audiência que interessa ao início da análise

sobre o saneamento no processo civil italiano.

A realização da audiência de primeiro comparecimento e tratativas poderia

ser entendida, em primeiro plano, como espécie de audiência preliminar, pois as

disposições que nela são feitas visam definir questões essenciais ao processo.

O artigo 183 do CPC italiano prevê que:

na audiência fixada para o primeiro comparecimento das partes e para as tratativas o juiz instrutor verifica de ofício a regularidade do contraditório e, quando ocorre, pronuncia as medidas previstas no artigo 102, segundo parágrafo, no artigo 164, segundo, terceiro e quinto parágrafos, no artigo 167, segundo e terceiro parágrafos, no artigo 182 e no artigo 291, primeiro parágrafo.396.

393

TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 79, p. 51-64, jul./set. 1995. 394

O artigo 163, ao definir os termos do início do processo já regula os primeiros movimentos a serem tomados: “La domanda si propone mediante citazione a comparire a udienza fissa. Il presidente del tribunale stabilisce al principio dell'anno giudiziario, con decreto approvato dal primo presidente della corte di appello, i giorni della settimana e le ore delle udienze destinate esclusivamente alla prima comparizione delle parti”. Interessante pontuar a oração inicial(“A demanda é proposta mediante citação a comparecer a audiência [Tradução nossa]”), denotando que, para o processo civil italiano, a lide se instaura no momento da citação, não antes. 395

Segundo explicita Giuseppe Tarzia: “O autor, no ato em que formula a demanda (atto di citazione) não só deve individuar o juiz e as partes, mas também determinar ‘a coisa objeto da demanda’ e fornecer ‘a exposição dois fatos e dos elementos de direito que constituem as razões da demanda, com as relativas conclusões’, e ainda indicar ‘especificamente os meios de prova que quis utilizar’.” (TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 79, p. 51-64, jul./set. 1995). 396

O texto original dita: “All'udienza fissata per la prima comparizione delle parti e la trattazione il giudice istruttore verifica d'ufficio la regolarità del contraddittorio e, quando occorre, pronuncia i

150

A respeito do artigo 183 do CPC italiano, valiosas são as lições de

Francesco P. Luiso397 sobre as atividades saneadoras que devem ser exercidas pelo

magistrado em audiência:

O art. 183 do CPC, em seus parágrafos primeiro e segundo, disciplina atividade relativa às questões processuais. De acordo com o primeiro parágrafo, o juiz deve verificar a regularidade do contraditório e tomar as providências necessárias para a integração do contraditório nas hipóteses de litisconsórcio necessário (art. 102, II, do CPC); para o saneamento de nulidade de citação (art. 164 do CPC) e do pedido reconvencional (art. 167 do CPC); para o saneamento dos defeitos de capacidade e representação técnica (art. 182 do CPC) e dos vícios de notificação da citação (art. 291 do CPC). [...] O rol constante no art. 183, I, do CPC é extremamente interessante, porquanto constitui uma lista completa dos pressupostos processuais, cujos vícios são sanáveis pelo juízo competente (também o defeito relativo à jurisdição e à incompetência são sanáveis, mas por meio de remessa a um diverso juízo); e, portanto, confirma o princípio, que se encontra expresso na legislação, segundo o qual o juiz – diante de um vício sanável – não deve encerrar imediatamente o processo com sentença de extinção, mas deve tomar a providência apropriada para o seu saneamento. Não se deve, então, acreditar que o que está descrito acima constitui o único objeto da primeira audiência. Na realidade, sob a ótica da separação entre a fase introdutória e a fase de tratativas, são objeto da primeira audiência todas as atividades atinentes às questões processuais potencialmente aptas a assimilar as tratativas sobre o mérito da causa. O juiz, portanto, deve verificar não somente as questões acima indicadas, mas também todas aquelas atinentes aos outros pressupostos processuais, de modo a evitar que se passe à análise do mérito, enquanto subsistem vícios processuais (sanáveis ou insanáveis) que obstam a decisão de mérito [Grifo do autor].

provvedimenti previsti dall'articolo 102, secondo comma, dall'articolo 164, secondo, terzo e quinto comma, dall'articolo 167, secondo e terzo comma, dall'articolo 182 e dall'articolo 291, primo comma”. 397

No texto original: “L’art. 183 c.p.c., al comma primo e secondo, disciplina l’attività relative alle questioni di rito. Ai sensi del primo comma, il giudice verifica la regolarità del contraddittorio e provvede a dare le disposizioni idonee per l’integrazione del conttraddittorio nelle ipotesi di litisconsorzio necessario (art. 102, II c.p.c.); per la sanatoria delle nullità della citazione (art. 164 c.p.c.) e della domanda riconvenzionale (art. 167 c.p.c.); per la sanatoria dei difetti di capacità e rappresentanza tecnica (art. 182 c.p.c.) e dei vizi di notificazione della citazione (art. 291 c.p.c.). [...] L’elencazione contenuta nell’art. 183, I c.p.c. è oltremodo interessante, in quanto essa costituisce una elencazione completa dei presupposti processuali, il cui vizio è sanabile dinanzi al giudice adito (anche il difetto relativo di giurisdizione e l’incompetenza sono sanabili, ma attraverso l’adizione di un diverso giudice); e quindi conferma il principio, che abbiamo trovato espresso qua e là dal legislatore, in virtù del quale il giudice – di fronte ad un vizio sanabile – non deve chiudere imediatamente il processo con sentenza de rito, ma deve dare le acconce disposizioni per la sanatoria dello stesso. Non si deve, poi, credere, che quanto sopra descritto costituisca l’unico oggetto della prima udienza. In realtà, nell’ottica della separazione fra fase introduttiva e fase di trattazione, oggeto della prima udienza sono tutte le attività attinenti alle questioni processuali potenzialmente idonee ad assorbire la trattazione nel merito della causa. Il giudice, quindi, deve occuparsi non soltanto delle questioni sopra indicate, ma altresì di tutte quelle attinenti agli altri presupposti processuali, in modo da evitare che si passi alla trattazione del merito, quando sussistono vizi processuali (sanabili o insanabili), ostativi alla decisione di merito.” (LUISO, Francesco P. Diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 2011. p. 31-32).

151

Note-se, portanto, que nesse momento o juiz já pode realizar uma

verificação da regularidade do processo. Por essa razão, pode-se afirmar que em tal

audiência ocorre uma importante fase do saneamento no âmbito do processo civil

italiano.

Essas disposições foram mais incisivas com as mudanças legislativas de

1990, já mencionadas, pois a determinação e a fixação de questões saneadoras

passaram a compor a base decisória de um só magistrado, não sendo mais

necessária a divisão de fases processuais, salvo determinadas exceções.

Sobre a audiência de primeiro comparecimento e tratativas é ainda

importante mencionar que ela possibilita a apresentação de questões típicas do

saneamento, conforme se extrai da redação do artigo 163 do CPC italiano:

Na audiência de tratativas ou naquela eventualmente fixada nos termos do parágrafo terceiro, o juiz requisita às partes, sob a base dos fatos alegados, os esclarecimentos necessários e indica as questões pertinentes de ofício, das quais retém oportuna a tratativa. Na mesma audiência o autor pode propor as demandas e exceções que são conseqüência da demanda reconvencional ou das exceções propostas pela contestação.398

Esse caráter da audiência de primeiro comparecimento e tratativas revela

proximidade com as questões de saneamento do processo brasileiro, como pontuou

Giuseppe Tarzia399: “[...] o papel central que foi atribuído à primeira audiência di

trattazione [é] semelhante à audiência prevista pelo novo art. 331 do Código

brasileiro”. O art. 331 do CPC brasileiro, vale lembrar, traz em seu título o caráter de

saneamento.

Em comentário sobre a questão saneadora no art. 183 do CPC italiano, o

mencionado jurista ainda afirma que “[...] a norma responde à necessidade de

consentir ao autor não só uma defesa, mas também um ataque à demanda

reconvencional e às exceções do réu”400.

Muito embora a normativa italiana preveja a possibilidade de o magistrado

agir em determinados momentos “de ofício”, o legislador italiano não deixou claro

398

O referido texto no artigo 183 consta com a seguinte versão original: “Nell'udienza di trattazione ovvero in quella eventualmente fissata ai sensi del terzo comma, il giudice richiede alle parti, sulla base dei fatti allegati, i chiarimenti necessari e indica le questioni rilevabili d'ufficio delle quali ritiene opportuna la trattazione.Nella stessa udienza l'attore può proporre le domande e le eccezioni che sono conseguenza della domanda riconvenzionale o delle eccezioni proposte dal convenuto”. 399

TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 79, p. 51-64, jul./set. 1995. 400

TARZIA, Giuseppe. O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 79, p. 51-64, jul./set. 1995.

152

qual a participação do magistrado no saneamento processual e isso dá a entender

que o interesse pelo apontamento de exceções e de problemas formais depende

das partes.

No juízo italiano, as questões probatórias são passíveis de uma série de

movimentos, modificações, e não compõem um sistema unitário. Na verdade, a

tendência que se percebe na leitura da legislação italiana é a multiplicação de

momentos probatórios. Isso porque, como pontuado antes, o processo possui uma

fase introdutória e uma fase de instrução, e as provas são apresentadas em diversos

momentos de ambas as fases.

Na concepção de Mauro Cappelletti e de Joseph Perillo401, a fase de

instrução é aquela responsável pela formação da prova:

Uma vez que a tomada de provas constitui seu principal elemento, a fase instruttoria será denominada de estágio de tomada de prova e o giudice instruttore de juiz de exame. Deve ser pontuado, no entanto, que o giudice instruttore, para além de tomar evidências (instruzione probatoria), também realiza outras funções durante essa parte do procedimento: encarregado com as trattazione do caso, ele realiza todas as funções e toma todas as decisões necessárias para preparar o caso para submissão ao painel que deverá produzir a decisão. Como conseqüência, mesmo se nenhuma evidência é tomada, ainda assim há uma fase instruttoria, que então é limitada à trattazione.

Por influência das raízes romanas, o processo civil italiano permite a

manifestação oral, mas de modos dispersos e por vezes desnecessários. Além

disso, muito do que é reportado oralmente tem de ser reduzido a termo para constar

nos autos, uma vez que o juiz de instrução não é necessariamente o mesmo que

proferirá a decisão final. Não obstante essa possibilidade tenha sido alterada,

parcialmente, com a mudança legislativa ocorrida em 1990 ainda é clara a tendência

de o processo civil italiano, na busca de provas, prolongar-se de forma contrária a

uma pretensão de eficácia e celeridade, pois “o estágio de tomada de provas

normalmente abarca um número de audições separadas, algumas dedicadas à

tomada de prova, outras às trattazione e outras para ambos os casos, o que

geralmente alonga o processo por vários meses”402.

401

CAPPELLETTI, Mauro; PERILLO, Joseph. Civil procedure in Italy, p. 173. 402

CAPPELLETTI, Mauro; PERILLO, Joseph. Civil procedure in italy, p. 179.

153

Em suma, o saneamento processual civil italiano é fruto de uma série de

atos, regra geral, não unitários, que não raro produzem decisões de caráter

meramente interlocutório.

Em função da estrutura do processo civil italiano, mesmo após a mudança

de 1990, percebe-se que ainda existe dificuldade de o magistrado determinar os

pontos do saneamento, que poderiam ocorrer ao longo das trattazione ou da das

instruzione. Esse sistema não está isento de críticas, sobretudo pelas considerações

em prol da efetividade jurídica403. Apesar dos múltiplos interesses que pode suscitar

o processo civil italiano quanto ao saneamento, as dificuldades enfrentadas são

muito próximas daquelas encontradas no Brasil até bem pouco tempo, uma vez que

o CPC brasileiro de 1973 havia recebido inspirações do CPC italiano de 1942.

2.7 O SANEAMENTO DO PROCESSO NA ESPANHA

De plano, pode-se dizer que a realidade jurídica espanhola se diferencia dos

outros sistemas até aqui mencionados, especialmente no que se refere à

nomenclatura escolhida para abordar a sistematicidade processual civil. Ao invés do

termo “código”, como é habitual, sobretudo em países de tradição civil law, a

tradição espanhola adota enjuiciamiento, de modo que não se fala em Código de

Processo Civil mas em Ley de Enjuiciamiento.

A propósito, a primeira Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola da era

moderna é datada de 1885. O antecessor legislativo processual se encontrava na

Terceira das Siete Partidas, uma estrutura legislativa de cunho medieval que

remontava, em sua formação, ao século XIII404.

403

Em sua análise sobre a realidade jurídica italiana, Giuseppe Tarzia pontua: “Existe, em uma palavra, a exigência de recolocar o juiz no centro do fenômeno processual: não para um exercício solitário de autoridade, nem para uma aplicação burocrática de esquemas processuais pré-fabricados. Ele deve, isto sim, conduzir o processo no diálogo e no contraditório com as partes. Esta obrigação do juiz ao contraditório, expressa pelas legislações mais modernas, continua infelizmente a encontrar resistência no sistema positivo e ainda mais na praxe do processo civil italiano.” (O novo processo civil de cognição na Itália. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 79, p. 51-64, jul./set. 1995). 404

ARAGONESES, Pedro; GUASP, Jaime. Derecho procesal civil. Madrid: S.L. Civitas Ediciones, 2005. p. 69.

154

O propósito da Ley de Enjuiciamiento de 1855 era inovar em relação aos

antecedentes medievais que antes regravam o processo civil405. A lei, que teve uma

curta duração – substituída em 1881 por outra Ley de Enjuiciamiento –, não obteve

muita eficácia prática.

A Ley de Enjuiciamiento editada em 1881, por sua vez, respondia a uma

intenção burguesa e foi inspirada pelos Códigos Napoleônicos e pela herança

medieval presente nas Partidas. Esta mudança de 1881, afirma Rafael Hinojosa

Segovia406, é “fruto de uma ideologia medieval reforçada pela preocupação liberal

dominante na época de sua criação”.

Um rápido olhar para as primeiras disposições presentes na Ley de

Enjuiciamiento de 1855 permite dizer que naquela época já havia uma preocupação

com o andamento e o saneamento do processo, isso em sentido amplo. Por

exemplo, o artigo 1º dispunha que o Poder Judiciário era obrigado a “adotar as

medidas mais rigorosas para que na substância dos juízos não haja dilações que

não sejam absolutamente necessárias para a defesa dos litigantes”, que deveria

“procurar a maior economia possível” e, ainda, que o recurso de nulidade deveria ser

facilitado na medida do necessário “para que alcancem cumprida justiça todos os

litigantes”407.

Como a estrutura processual espanhola ficou a cargo de uma normativa

mais conservadora, logo se sentiu a necessidade de reformá-la408, o que acabou

acontecendo com a edição da Ley de Enjuiciamiento Civil (LEC), de 7 de janeiro de

2000. Segundo a exposição de motivos da referida lei, os princípios que deveriam

405

É possível ler, na exposição de motivos da Ley de Enjuiciamiento de 1855, uma intenção revolucionária que, como dito, durou pouco, pois foi abafada pelo formalismo das alterações de 1881. Ainda assim, o texto denota um caráter de mudança: “Los litigios y reclamaciones jurídicas son hoy el espanto y la ruina de muchas familias; son un manantial perenne de escándalos, son la muerte de la justicia misma.". "El verdadero cáncer de nuestras instituciones judiciarias son las deformaciones ruinosas el despilfarro y desbarajuste de la sustanciación, máquina de guerra asestada contra la fortuna del infeliz litigante, o inmoral juego de suerte o azar, donde frecuentemente triunfa de la razón la malicia, de la legalidad la astucia, de la más sana intención el fraude y la codicia.” 406

SEGOVIA, Rafael Hinojosa. Il nuovo codice di procedura civile spagnolo. Rivista di diritto processuale, Padova, Cedam, 2/2000. p. 373. 407

ESPAÑA. Ley de enjuiciamiento civil. Edicion Oficial. Madrid: Imprenta del Ministerio de Gracia y Justicia, 1855. Disponível em: <http://fama2.us.es/fde/ocr/2006/leyDeEnjuiciamientoCivil1855.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2016. 408

O direito processual civil espanhol ficou, ao longo do século XX, sendo regulamentado por procedimentos especiais que, por serem regulados em legislação extravagante, não possuíam a necessária vinculação com a Ley de Enjuiciamiento de 1881, considerada ultrapassada há muito tempo. Sobre esses detalhes da realidade jurídica espanhola, ver GIMÉNEZ, Ignazio Diéz-Picazo. The principal innovations of spain’s civil procedure reform. TROCKER, Nicolò; VARANO, Vicenzo (Org.). The reforms of civil procedure in comparative perspective. Torino: Giappichelli, 2005.

155

regê-la estavam voltados para a imediação, a concentração do procedimento e,

tanto quanto possível, a oralidade409.

A reforma da LEC de 2000 entrou em consonância com a Constituição

espanhola de 1978, que dispunha para o Poder Judicial, contrariamente a outros

sistemas europeus, uma jurisdição una ou unitária. Justamente, na relação entre a

LEC e a Constituição, destaca-se a previsão, já constitucional, de aplicação do

princípio da oralidade.

O postulado da oralidade está presente no juicio verbal e é aplicado a todas

as matérias que constem no rol do artigo 250.1 da LEC e também a todas as demais

causas que se limitem ao valor de três mil euros.

Além disso, outros princípios demonstram como a LEC buscou tornar efetiva

a ideia de participação real e concreta do magistrado na lide, como é o caso do

princípio de imediação que torna obrigatória a presença do juiz em determinados

atos do processo, conforme se extrai dos artigos 137 e 289.2 da mesma lei. A

ausência do juiz, por sua vez, pode acarretar a nulidade.

O início da ação acontece com o recebimento da petição inicial, momento

em que já ocorre uma análise saneadora prévia, pois, conforme o artigo 9º, ao juiz

caberá verificar a capacidade da parte, do processo e da representação, determinar

a capacidade da jurisdição e da competência (art. 36.2, 37.2, 38, 48.1 e 58) e, por

fim, conferir se foram juntados todos “os documentos que a lei expressamente exige”

(art. 403.3).

O artigo 206 prevê um momento processual conhecido por providencias – os

três momentos processuais conhecidos são providencias, autos e sentencias –

quando o magistrado deverá analisar aspectos (saneamento) voltados para

questões formais de direito e que podem ser solucionadas mediante decisão. As

providencias servem para simplificar o trâmite processual, ou seja, evitar um extenso

prosseguimento do processo, de modo que uma decisão interlocutória, em certos

casos, pode assumir o caráter de uma decisão final410.

409

Esses princípios são trabalhados em sua importância e formação para a Lei espanhola por CRESPO, José Folguera. Sobre las líneas generales de la reforma del processo civil. Jornadas sobre el anteprojecto de la Ley de Enjuiciamiento Civil. Zaragoza, Edijus, 1999. 410

O texto da lei dita que são resoluções judiciais de providências aquelas que seguem o requisito do seguinte artigo: “Artículo 206. Clases de resoluciones. 1. Son resoluciones judiciales las providencias, autos y sentencias dictadas por los jueces y Tribunales. En los procesos de declaración, cuando la ley no exprese la clase de resolución judicial que haya de emplearse, se observarán las siguientes reglas: 1.ª Se dictará providencia cuando la resolución se refiera a cuestiones procesales que

156

O princípio da “concentração”, que está em consonância com a questão da

oralidade e da participação do juiz no desenvolvimento do processo, prevê – ainda

que tal não se realize na prática – que todos os atos processuais serão produzidos

em um único momento. Desta feita, a audiência prévia (artigos 414 a 430) e a

audiência de instrução (artigos 431 a 433) seriam realizadas a um só tempo, em

conjunto com o princípio da eventualidade (artigos 400 a 402).

No processo espanhol, a audiência prévia é o momento da primeira

apreciação saneadora.

O artigo 416 prevê com clareza:

Artigo 416. Exame e resolução de questões processuais, com exclusão das relativas a jurisdição e competência. 1. Descartado o acordo entre as partes, o tribunal resolverá, do modo previsto nos artigos seguintes, sobre quaisquer circunstâncias que possam impedir o válido prosseguimento e término do processo mediante sentença sobre o fundo e, em especial, sobre as seguintes: 1.ª Falta de capacidade dos litigantes ou de representação em suas diversas classes; 2.ª Coisa julgada ou litispendência; 3.ª Falta de devido litisconsórcio; 4.ª Inadequação do procedimento; 5.ª Defeito legal no modo de propor a demanda ou, em seu caso, a reconvenção, por falta de clareza ou precisão na determinação das partes ou da petição que se deduza.411

O momento processual da audiência prévia, claramente previsto pela LEC

espanhola, determina quando e quais os critérios a serem adotados nas análises

iniciais de saneamento. Muito embora o legislador espanhol tenha elencado alguns

aspectos a serem analisados, no ponto 1, consignou que a análise deve contemplar

“quaisquer circunstâncias que possam impedir o válido prosseguimento e término do

processo”, ou seja, ampliou o espectro da análise saneadora. Ademais, como o

processo civil espanhol é voltado para a imediação e para a busca de uma resolução

efetiva, a ocorrência de tal saneamento não ocorre apartada das partes, ao

contrário, estabelece-se uma relação direta com elas.

Nessa perspectiva, em regra, o juiz não pode instaurar o processo de ofício,

mas apenas mediante provocação dos interessados. Daí se infere que a produção

de provas deveria ser consequência das manifestações das partes interessadas.

requieran una decisión judicial por así establecerlo la ley, siempre que en tales casos no exigiera expresamente la forma de auto.”. 411

ESPAÑA. Ley de enjuiciamiento civil. Edicion Oficial. Madrid: Imprenta del Ministerio de Gracia y Justicia, 1855. Disponível em: <http://fama2.us.es/fde/ocr/2006/leyDeEnjuiciamientoCivil1855.pdf >. Acesso em: 03 jun. 2016.

157

Contudo, como o interesse é pela produção de justiça efetiva, o princípio dispositivo

não é tomado de forma absoluta, cabendo, conforme o artigo 429 da LEC, a

possibilidade de o juiz determinar, de ofício, a realização de provas que as partes,

ou não tenham requerido, ou demonstrem ser necessárias para tornar mais claros

os fatos em litígio412.

No que tange à eficácia do processo, há na LEC em comento uma série de

medidas que demonstram certo compromisso quanto à necessidade de se realizar

uma lide participativa e voltada para a resolução do conflito sem a interferência

desnecessária de formalidades obtusas. Não apenas a questão da oralidade, muito

importante na LEC de 2000, mas as diversas dimensões do saneamento parecem

estar em consonância com o texto ditado na exposição de motivos desta mesma lei,

onde se definiu o alcance do saneamento na realidade jurídica espanhola413.

412

O texto do artigo 429.1 pontua: “Art. 429.1. Cuando el tribunal considere que las pruebas propuestas por las partes pudieran resultar insuficientes para el esclarecimiento de los hechos controvertidos lo pondrá de manifiesto a las partes indicando el hecho o hechos que, a su juicio, podrían verse afectados por la insuficiencia probatoria. Al efectuar esta manifestación, el tribunal, ciñéndose a los elementos probatorios cuya existencia resulte de los autos, podrá señalar también la prueba o pruebas cuya práctica considere conveniente. En el caso a que se refiere el párrafo anterior, las partes podrán completar o modificar sus proposiciones de prueba a la vista de lo manifestado por el tribunal”. ESPAÑA. Ley de enjuiciamiento civil. Edicion Oficial. Madrid: Imprenta del Ministerio de Gracia y Justicia, 1855. Disponível em: <http://fama2.us.es/fde/ocr/2006/leyDeEnjuiciamientoCivil1855.pdf >. Acesso em: 03 jun. 2016. 413

Por sua relevante posição jurídico-social, é justificada a menção à parte dessa Exposição de Motivos, demonstrando o caráter da justiça processual civil espanhola: “[...] usticia civil efectiva significa, por consustancial al concepto de Justicia, plenitud de garantías procesales. Pero tiene que significar, a la vez, una respuesta judicial más pronta, mucho más cercana en el tiempo a las demandas de tutela, y con mayor capacidad de transformación real de las cosas. Significa, por tanto, un conjunto de instrumentos encaminados a lograr un acortamiento del tiempo necesario para una definitiva determinación de lo jurídico en los casos concretos, es decir, sentencias menos alejadas del comienzo del proceso, medidas cautelares más asequibles y eficaces, ejecución forzosa menos gravosa para quien necesita promoverla y con más posibilidades de éxito en la satisfacción real de los derechos e intereses legítimos.Ni la naturaleza del crédito civil o mercantil ni las situaciones personales y familiares que incumbe resolver en los procesos civiles justifican un período de años hasta el logro de una resolución eficaz, con capacidad de producir transformaciones reales en las vidas de quienes han necesitado acudir a los tribunales civiles.”. ESPAÑA. Ley de enjuiciamiento civil. Edicion Oficial. Madrid: Imprenta del Ministerio de Gracia y Justicia, 1855. Disponível em: <http://fama2.us.es/fde/ocr/2006/leyDeEnjuiciamientoCivil1855.pdf >. Acesso em: 03 jun. 2016.

158

2.8 O SANEAMENTO DO PROCESSO NA INGLATERRA

A estrutura processual civil da tradição inglesa por muito tempo seguiu uma

lógica distinta daquela conhecida em países de tradição civil law. No fundo, os

problemas eram os mesmos em todos os países, mas as soluções encontradas

eram distintas.

Todos os sistemas jurídicos conhecem bem as dificuldades de gerenciar

uma quantidade excessiva de processos que chegam ao Poder Judiciário todos os

dias, muitos passíveis até de nulidades. Também não se pode olvidar que, desde o

século XIX, os sistemas jurídicos enfrentam problemas com a morosidade, a falta de

eficácia na tutela de direitos e a excessiva formalidade.

Dissertando sobre o tema, Galeno Lacerda414 comenta que o sistema inglês

criou formas próprias de solução:

Enquanto nos sistemas alemão e austríaco a reação contra o formalismo estéril e anacrônico operou-se mediante a volta científica à oralidade, na Inglaterra a adequação instrumental do processo a seus fins fez-se empiricamente, não pelo retorno à oralidade, lá sempre existente, mas pela criação consuetudinária de meios mais racionais e expeditos de solução da controvérsia. Os dados fornecidos pela estatística são impressionantes. Apenas quatro a cinco por cento das ações propostas perante os tribunais ingleses chegam à audiência de julgamento. A imensa maioria resolve-se perante o máster, na fase preliminar, na audiência da summons for directions.

A Inglaterra, país que adota o sistema common law, durante muito tempo

procedeu, por meio de “audiências prévias”, à análise de eventuais nulidades,

impedimentos e primeiras considerações sobre os processos civis. Esse modo de

proceder permitiu que fossem encontrados não só os meios mais hábeis para a

definição de uma solução célere, mas também possibilitou que os litígios

encontrassem uma solução não contenciosa – ou ao menos não exageradamente

contenciosa – entre as partes. Tratava-se, assim, de uma resolução prévia à própria

instauração do processo civil, uma vez que só após o transcurso de uma análise

prévia, quando se debatiam as possibilidades de solução de nulidades, é que o

processo poderia ser instaurado.

414

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 48.

159

Mais uma vez, Galeno Lacerda415 esclarece esse procedimento:

Esta fase, impropriamente dita preliminar, tem por fim, na realidade, não tanto a delimitação do material de conhecimento e a preparação do debate perante o Judge in Chambers, mas principalmente a solução da lide sempre que possível. Acontece que a escolha dos meios para resolução da controvérsia – objeto imediato da summons for directions – só pode operar-se a posteriori, depois do conhecimento dos pedidos e das provas, o que habilita o master, na maior parte dos casos, a proferir a sentença.

Por um longo tempo o sistema inglês mostrou-se eficaz nesse sentido, mas

foi só na contemporaneidade que se percebeu a necessidade de revisão e de

alteração, motivadas sobretudo por duas vertentes: a) a análise prévia realizada por

um master e não por um Judge in Chambers era muitas vezes considerada

controversa, pois não se realizava uma verdadeira análise nem a ponderação dos

direitos envolvidos, levando as partes a, não raro, considerarem-se injustiçadas pelo

sistema britânico; b) o número de processos aumentou exponencialmente à medida

que a população britânica crescia, tanto que após a década de 1970 o número de

processos apresentados ao Poder Judiciário britânico acabou tornando inviáveis as

antigas regras sustentadas apenas pela forma consuetudinária, demonstrando que a

common law era ineficaz na tarefa de gerir o montante de processos sub judice416.

Com o propósito de se sintonizar com as tendências do direito processual

civil contemporâneo, de acesso à justiça e efetividade processual, a Inglaterra

realizou então uma reforma sensível em seu sistema jurídico.

Stephen Gerlis e Paula Loughlin relatam que, em 28 de março de 1994, Lord

Woolf foi indicado para elaborar uma revisão no sistema de litigância civil, com vistas

a, especialmente: “[...] melhorar o acesso à justiça e reduzir os custos de litigância;

reduzir a complexidade das regras e modernizar a tecnologia; e, remover distinções

desnecessárias de prática e procedimento”417. O resultado da revisão solicitada

culminou na criação e publicação da Civil Procedure Rule (CPR) de 1998, que

entrou em vigor em 26 de abril de 1999. Ainda, segundo os autores, trata-se de “um

só código de procedimento aplicado tanto para a Corte Suprema quanto para as

415

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 48-49. 416

Destaca-se, pontualmente, que embora os EUA também possuam um sistema de Common Law, essa dinâmica não se apresentou no lado norte-americano, pois a estrutura judiciária lá concebida é separada em divisões federais, de modo que a sobrecarga não compete ao país, mas aos estados-membros da federação norte-americana, o que produz uma grande diferença no resultado final. 417

GERLIS, Stephen; LOUGHLIN, Paula. Civil procedure. London: Cavendish Publishing Limited, 2001. p. 1.

160

cortes inferiores e que substitui as Regras da Suprema Corte e as Regras das

Cortes Inferiores”418.

A CPR britânica representou uma verdadeira revolução no sistema jurídico

inglês e o saneamento foi um dos mais importantes. A orientação de Lord Woolf foi

estabelecer parâmetros para que os litígios fossem evitados pela aplicação de uma

série de pre-actions protocols (protocolos de pré-ações) que visavam selecionar os

casos importantes daqueles que poderiam ser solucionados por meios

alternativos419.

Inicialmente, a divisão dos pre-actions protocols ocorre com base nos

valores das causas e nas competências jurisdicionais. As Small Claims Track

caracterizam os litígios de valor inferior a dez mil libras. As Fast Track comportam

causas de valor situado entre dez mil e vinte e cinco mil libras. As Multi Track

abarcam causas com valores superiores a vinte e cinco mil libras.

O processo privilegia a oralidade, muito embora os pre-actions protocols

sejam analisados de forma regular; quer dizer, o que se alega de forma oral precisa

ser provado documentalmente.

Na prática, os pre-actions protocols são muito específicos e versam sobre

questões pontuais como por exemplo litígios que envolvem danos pessoais, danos

materiais e outros. No sistema de litigância civil inglês, o saneamento não é apenas

um momento do percurso da marcha processual, tampouco a materialização de uma

decisão prolatada instrumentalmente ou de forma interlocutória enquanto um só

processo é conhecido pelo Poder Judiciário; trata-se, antes disso, de determinar a

existência de um litígio judicial apenas após a ponderação e a análise de todas as

possíveis soluções e nulidades em uma fase pré-processual.

Por derradeiro, é importante ressalvar que muito embora os pre-actions

protocols visem sanar os problemas e as nulidades porventura existentes, se um

litígio alcança a esfera propriamente processual, ainda assim, podem ser apontadas

nulidades e impedimentos perante o Poder Judiciário, sem prejuízo para as partes.

418

GERLIS, Stephen; LOUGHLIN, Paula. Civil procedure, p. 9. 419

Em um posicionamento pessoal, Lord Woolf assim declara: “[...] minha abordagem à justiça civil é que as disputas devem, sempre que possível, ser resolvidas sem litígio” (WOOLF, Lord. Access to justice. Final Report. Disponível em: <http://www.legco.gov.hk/yr06-07/english/bc/bc57/papers/bc570611cb2-1960-e.pdf >. Acesso em: 15 jun. 2016).

161

2.9 O MODELO DE STUTTGART

Neste ponto do estudo a análise se volta não propriamente para todo o

sistema processual civil alemão, mas especificamente para o modelo de Stuttgart420,

como ficou conhecida a reforma promovida no Código de Processo Civil alemão

(Zivilprozessordnung ou ZPO). A opção por abordar este modelo se deve à

complexidade histórica, que pode envolver o longo período de vigência do ZPO

alemão, cuja vigência data de 1877421.

A reforma promovida no ZPO, na década de 1970, teve como principal

motivação a necessidade de se postular uma estrutura jurisdicional em que o juiz

deixasse de se orientar pelo pressuposto da nulidade e passasse a agir de forma

mais ativa na condução do processo422.

420

Sobre o modelo de Stuttgart, Fritz Baur ressalta: “Um movimento reformista tentou eliminar o inconveniente dessa longa duração. Foi conhecido sob a denominação ‘Stuttgarter modell’. Atualmente, esse modelo é imitado por uma série de Tribunais na Alemanha, e tem sido obtidos ótimos resultados. A ideia de base é muito simples: quer-se realizar seriamente o que a lei prescreve, quer dizer, concentrar o processo em uma audiência de instrução e julgamento, seguindo-se este àquela. Depois do recebimento dos arrazoados, as partes e o Tribunal esclarecem e examinam a matéria do processo numa espécie de procedimento preliminar, de molde a que todos os pontos importantes para a decisão se apresentam claramente. O Tribunal toma, em seguida, as providências, de que já se falou, para preparar a audiência. Esse ‘stuttgarter modell’ supõe que haja juízes ativos e, no que concerne a este ponto, se deve atentar para o fato de que todas as medidas legislativas para acelerar o processo, são, via de regra, medidas tomadas ao vento, se não se acha um juiz pronto a realizá-las. O legislador é capaz de dar liberdade ao juiz no que concerne às suas atividades, mas não pode garantir a respectiva efetivação por meio de ordens. Para evitar mal entendidos, se deve ressaltar que o alargamento do campo das atividades do juiz não significa querer-se transformar o processo em um todo de atos carentes de forma, entregue total e completamente à apreciação do juiz. Se cada juiz montasse o processo de acordo com a sua vontade, isto significaria ter-se posto em perigo a paridade de tratamento e a igualdade jurídica. Garantidas pelo direito material, então, o papel do juiz realmente precisa de nítidos contornos legislativos.” (O papel ativo do Juiz. Conferências – Processo civil. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 27, ano VII. 1982. p. 191). 421

De forma escolástica, Marcus Vinicius Kiyoshi Onodera elenca esse caráter histórico em tese doutoral que muito contribuiu para a elucidação do assunto: “O Código de Processo Civil (ZPO) vigente, na Alemanha, é de 1877, época de formação do Estado alemão. Fruto de modelo liberal, seguiu os princípios da livre disposição das partes, oralidade e imediatidade, ensina Peter Gottwald. Tal modelo, porém, teve que ser reformulado, em vista do longo tempo de duração do processo, pois as partes não possuíam qualquer interesse no acordo. Assim, ainda que com certa resistência, por influência do Código de Processo Civil austríaco de 1898, o país passou por uma série de reformas legislativas que, gradativamente, concederam maior poder ao juiz no gerenciamento do processo que começaram em 1909. Em 1924, o tribunal passou a ter poder para fixar audiências e recusar defesas intempestivas e protelatórias. Em 1933, nova emenda ao ZPO dispôs sobre o dever de as partes dizerem a verdade.” (Gerenciamento do processo (case management) no direito processual civil brasileiro. 2016. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. p. 58). 422

A análise de Guilherme Guimarães Feliciano sobre as condições do processo civil alemão anteriores à reforma da década de 1970 são pertinentes para entender a necessidade de uma reforma sistemática: “Em finais dos anos sessenta do século XX, na República Federal da Alemanha,

162

Guilherme Guimarães Feliciano reforça:

Nos anos setenta do século passado, na Alemanha, valorizando uma presumida ‘função assistencial’ dos magistrados, alguns tribunais alemães construíram, com base na interpretação flexível da ZPO, um modelo de direção processual proativa a que se denominou ‘modelo de Stuttgart’, como antípoda do modelo liberal do juiz ‘inerte’. O modelo em testilha não pensava estanquemente as posições processuais do juiz, do autor, do réu, dos terceiros intervenientes e dos auxiliares do juízo; antes, concebia-as em unidade funcional, como comunidade de trabalho (‘Arbeitsgemeinschaft’), preservando-se um mínimo de ‘imparcialidade’ (conteúdo essencial do ‘procedural due process’). Conquanto tenha depois encontrado forte resistência junto às cortes superiores, o ‘modelo de Stuttgart’ legou à Alemanha e à teoria do processo uma série de conceitos, princípios e conteúdos ressignificados, como p. ex., no contexto alemão, o ‘Frage- und Aufklärungspflicht’ (dever de perguntar, investigar e esclarecer), cujo não exercício pode mesmo desafiar recurso de revisão. O elenco de poderes e deveres assim identificados reúne-se no conceito mais largo de ‘dever de cooperação judicial’, a que corresponde um específico princípio processual (‘Prinzip der Kooperation’).423

A ânsia da reforma alemã não era apenas um processo menos burocrático e

maior participação dos magistrados, mas sim criação e atuação mais proativa na

condução do processo, de modo a produzir um resultado eficaz e justo para as

partes envolvidas.

O “modelo de Stuttgart” focava a realização de atos que aproximassem as

partes envolvidas no processo (autor, réu e juiz); quer dizer, prestigiava a

cooperação de todos os atores sobretudo na construção de audiências que

tornassem viável a solução sem o prolongamento desnecessário do processo.

as audiências em processos cíveis no primeiro grau de jurisdição haviam se transformado em intercorrências procedimentais puramente formais: não se prestavam à discussão do caso, mas apenas à apresentação burocrática de requerimentos formulares, com o arrastamento da lide de audiência em audiência, sem qualquer debate substancial das questões de fato e de direito. Todo o trabalho preparatório dos juízes amiúde era inútil, porque os advogados os surpreendiam com novos pedidos ou incidentes. A fim de reverter os quadros de entropia processual, docentes universitários e profissionais forenses das regiões de Tübingen e Stuttgart, inspirados em célebre preleção de Fritz Baur, passaram a renovar os procedimentos judiciais, para atender a uma série de desideratos de índole substantiva e pragmática, sem todavia arrostar a literalidade da ZPO. A essa nova ‘visão’ deu-se o nome de ‘modelo de Stuttgart’, sobretudo pela localização das primeiras experiências judiciais bem-sucedidas com o modelo.” (O modelo de Stuttgart e os poderes assistenciais do juiz: origens históricas do “processo social” e as intervenções intuitivas no processo do trabalho. Disponível em: < http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2014/04/2014_04_02717_02752.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2016). 423

FELICIANO, Guilherme Guimarães. O modelo de Stuttgart e os poderes assistenciais do juiz: origens históricas do “processo social” e as intervenções intuitivas no processo do trabalho. Disponível em: < http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2014/04/2014_04_02717_02752.pdf >. Acesso em 15 jun. 2016.

163

Segundo Fritz Baur424, todo o encaminhamento do processo ocorria de

forma a permitir não apenas o diálogo entre as partes, mas também a efetiva

cooperação dos envolvidos.

A estrutura processual civil alemã já vinha passando por reformas desde o

início do século XX e a ocorrida na década de 1970 era uma consequência das

teorias que há algum tempo foram desenvolvidas. As mudanças processuais de

1924 e de 1933 buscaram inserir a prática da oralidade e do ativismo judicial em um

âmbito processual. Não obstante a sua importância, as mudanças não foram

suficientes para solucionar o problema da demora processual

(Prozessverschleppung).425

Na avaliação de José Rogério Cruz e Tucci426, a audiência preliminar,

defendida por Fritz Baur como imprescindível à reforma processual, colaborou para

a celeridade processual (Beschleunigungsprinzip) pensada no fim do século XIX por

Franz Klein.

424

O jurista, didaticamente, apresenta os passos dados pelo “modelo de Stuttgart”: “A ideia básica é bastante simples: após a propositura da ação, realiza-se uma troca de peças escritas entre as partes, sob a direção do tribunal; ela se destina à exposição das questões de fato e à indicação dos meios de prova. O tribunal influi na exposição escrita das partes, na medida em que indica pontos que lhe parecem importantes para o completo esclarecimento da matéria de fato. Depois dessa troca de escritos, o tribunal marca a audiência, ordena sempre o comparecimento pessoal das partes e provê no sentido de que todos os meios de prova estejam presentes à audiência. Nessa única audiência (comparável à ‘audiência principal’ do processo penal), o tribunal discute primeiro as questões de fato com as partes, pessoalmente presentes; nessa ocasião apontam-se obscuridades e equívocos nas exposições das partes, que devem ser logo esclarecidos. Muitas vezes, já nesse primeiro estágio, surge a possibilidade de encerrar-se o processo mediante transação. Se não se chega a tanto, realiza-se de imediato – na presença das partes – a colheita das provas. Também os peritos estão pessoalmente presentes, mesmo quando já tenham antes apresentado laudo escrito. Após a conclusão da atividade instrutória, têm as partes e os advogados oportunidade de arrazoar. O tribunal discute abertamente a situação de fato e de direito com as partes, de maneira que estas não fiquem em dúvida sobre a opinião do órgão. Isso conduz em muitos casos a uma transação. Quando não, o tribunal, depois de conferenciar, profere a sentença.” (BAUR, Fritz. Transformações do processo civil em nosso tempo. Revista Brasileira de Direito Processual, Uberaba, v. 7, 3º trim. 1976. p. 61-62). 425

Para Fritz Baur, em verdade, tratava-se não tanto de encontrar um elemento ou agente como culpado pela demora processual, mas, antes, era necessária encontrar um modo de viabilizar a celeridade por meio de uma reforma processual. Conforme escreve o jurista: “Jogar a culpa por essa realidade unicamente nos juízes e nos advogados seria desconhecer as dificuldades objetivas e subjetivas. Quanto às objetivas, podemos referir especialmente à cada vez mais forte complicação da questão material e de direito sobre a qual cabe decidir. A questão, a meu ver, está na resposta à pergunta: Existe uma possibilidade, no âmbito do Direito Processual, de se forçar decisões mais rápidas sem levar a um rompimento com a qualidade da sentença do juiz tanto em sua materialidade quanto em sua juridicidade?” (Transformações do processo civil em nosso tempo. Revista Brasileira de Direito Processual, Uberaba, v. 7, 3º trim. 1976. p. 61-62). 426

TUCCI, José Rogério Cruz e. Lineamentos da nova reforma do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 55.

164

A inovação teórica de Fritz Baur não foi apenas para prestigiar a celeridade,

mas para torná-la efetiva pela força de uma concentração processual, resultado

então obtido por meio do § 282 do ordenamento processual civil alemão427.

No ponto, é surpreendente não apenas o fato de o modelo de Stuttgart

privilegiar a oralidade e a imediatidade no transcurso processual, mas também a

dinâmica do saneamento de influir no movimento processual. Essa era a maneira de

tornar efetivo, como alertou Marcus Onodera428, o “método de conferência”, que se

estendia ao longo da marcha processual.

O movimento de reforma do ordenamento processual civil germânico

alcançou, em tempo mais recente, um estágio legislativo de grande importância. Em

2001, nova mudança inseriu uma forma de audiência Güteverhandlung (literalmente,

significa “boa negociação”), inaugurando a tendência de saneamento composto por

participação ativa das partes envolvidas no processo.

Segundo o § 278 da ZPO, a Güteverhandlung tem natureza jurídica de

audiência extrajudicial, o que significa não ser considerada como preparatória para a

audiência de instrução. Uma novidade importante é a audiência ser conduzida por

um juiz togado, muito embora tenha ela um caráter extrajudicial. Esse fato, per se,

denota a reforma sensível ocorrida no sistema processual civil alemão, em que o

comprometimento do Poder Judiciário ocorre mesmo nos casos em que,

teoricamente, manter-se-ia certa distância.

Em termos práticos, a audiência “preliminar” não impede a realização e o

prolongamento do processo, ele mesmo, apenas concentra toda a preparação em

ato único, quando transcorrerá não apenas o saneamento inicial com ativa

participação das partes envolvidas, mas também se poderá na maioria dos casos

resolver a lide sem que isso implique um processo judicial com todas as

consequências dele decorrentes.

Em suma, como pontua Sidnei Beneti429, o juiz não atua de forma

engessada; nos casos que julgar necessário poderá determinar a realização de uma

audiência preliminar, uma audiência de discussão (o que reforça a importância da

427

TUCCI, José Rogério Cruz e. Lineamentos da nova reforma do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 56. 428

ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi. Gerenciamento do processo (case management) no direito processual civil brasileiro, p. 59. 429

BENETI, Sidnei. A reforma processual alemã de 1976 e a interpretação da reforma do CPC brasileiro. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 872.

165

oralidade e da participação), ou, ainda, levar o processo adiante, fixando uma fase

processual instrumental e escrita.

O processo civil germânico, por força de suas reformas, recebe uma forte

carga valorativa de atuação social e de preocupação com a efetividade da justiça.

Marcus Onodera430, dissertando sobre o tema, afirma haver pontos

relevantes sobre o processo civil alemão por influência do modelo de Stuttgart e eles

refletem o caráter positivo que pode servir como fórmula para outros sistemas

jurídicos como o brasileiro. Os aspectos relevantes apontados pelo autor são os

seguintes:

a) pressupõe o caráter público do processo; é expressão de uma ‘tensão social’ e, por isso, precisa ser eliminada com rapidez e eficiência; b) a audiência (principal) é momento adequado e oportuno para a incidência da concentração e da imediatidade; c) nesse momento, assim, as alegações podem ser esclarecidas e, eventualmente corrigidas; as provas podem ser apresentadas e outras, relevantes, podem ser determinadas; o acordo poderá ser facilitado pelo diálogo sério e ponderado das partes e juiz; d) a condução do processo deve ser feita pelo juiz de forma corretiva e supletiva; e) as partes devem agir de boa-fé e, assim, expor a base fática do processo e falar a verdade.431

O processo civil alemão influenciado pelo modelo de Stuttgart em comento

revela, portanto, uma estrutura processual em que o envolvimento ativo do

magistrado produz um alargamento das considerações saneadoras, a ponto de uma

audiência extrajudicial e prévia poder resultar na solução do litígio pela via de um

saneamento. O modelo de Stuttgart, prenhe de preocupação social e política, revela

o caráter essencial que apregoa qualquer teoria processual civil contemporânea:

necessidade de uma composição crítica e vinculada à criação de uma

instrumentação e de uma institucionalização saneadora no processo civil432.

430

ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi. Gerenciamento do processo (case management) no direito processual civil brasileiro, p. 61-62. 431

ONODERA, Marcus Vinicius Kiyoshi. Gerenciamento do processo (case management) no direito processual civil brasileiro, p. 61-62. 432

De forma elogiosa, Mauro Cappelletti assim analisa o “modelo de Stuttgart”: “Outro tipo de reforma que poderia ser mencionado nesse contexto é o chamado ‘modelo de Stuttgart’, do processo civil germânico, cada vez mais difundido. Esse método de procedimento envolve as partes, advogados e juízes, num diálogo oral e ativo sobre os fatos e sobre o direito. Ele não apenas acelera o procedimento, mas também tende a resultar em decisões que as partes compreendem e frequentemente aceitam sem recorrer. Algumas características desse modelo, até então opcionais, tornaram-se obrigatórias para todos os Landgerichte alemães através da reforma do Código de Processo Civil, em vigor desde 1º de julho de 1977.” (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça, p. 78).

166

CAPÍTULO 3

O SANEAMENTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

3.1 O SANEAMENTO SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

O projeto que deu ensejo ao CPC de 2015 prestigiou sobretudo a plena

integração do processo ao plano constitucional, fazendo com que o ordenamento

processual respeitasse e principalmente representasse em seus dispositivos legais

os anseios do legislador constituinte de 1988.

Nas várias demonstrações de alinhamento entre a norma processual e o

plano constitucional, o princípio da colaboração, esculpido recentemente no artigo 6o

do CPC de 2015, sugere que a marcha processual deva seguir o seu ritmo com o

apoio e a colaboração de todos os sujeitos do processo, com vistas a garantir,

especialmente e em tempo razoável, uma decisão justa, efetiva e democrática. Este

é um pressuposto que deriva, como mencionado antes, do próprio regime

democrático e do modelo político brasileiro, em que todos, sem exceção, devem agir

de forma proativa para garantir a melhor outorga de prestação jurisdicional.

Segundo Daniel Mitidiero433:

A colaboração é um modelo que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo, estruturando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft), em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes (prozessualen Zusammenarbeit). Em outras palavras: visa a dar feição ao formalismo do processo, dividindo de forma equilibrada o trabalho entre todos os seus participantes. Como modelo, a colaboração rejeita a jurisdição como polo metodológico do processo civil, ângulo de visão evidentemente unilateral do fenômeno processual, privilegiando em seu lugar a própria ideia de processo como centro da sua teoria, concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática ínsita ao Estado Constitucional. [...] A colaboração no processo é um princípio jurídico. Ela impõe um estado de coisas que tem de ser promovido. O fim da colaboração está em servir de elemento para organização de um processo justo idôneo a alcançar uma decisão justa (art. 6º, CPC). Para que o processo seja organizado de forma justa os seus participantes têm de ter posições jurídicas equilibradas ao longo do procedimento.

433

MITIDIERO, Daniel. A colaboração como modelo e como princípio no processo civil. Revista de Processo Comparado, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 2, p. 83-97, jul./dez. 2015. p. 84-85.

167

Portanto, é preciso perceber que a organização do processo cooperativo envolve - antes de qualquer coisa - a necessidade de um novo dimensionamento de poderes no processo, o que implica necessidade de revisão da cota de participação que se defere a cada um de seus participantes ao longo do arco processual. A colaboração implica revisão das fronteiras concernentes à responsabilidade das partes e do juiz no processo. Em outras palavras: a colaboração visa a organizar a participação do juiz e das partes no processo de forma equilibrada.

O princípio da colaboração deve, portanto, permear e influenciar todos os

atos do processo e especialmente contaminar de maneira positiva as atividades que

dão ensejo ao saneamento do processo de forma compartilhada.

O saneamento cooperativo foi uma das principais inovações do CPC de

2015 ao permitir, diferentemente do CPC de 1973, que o magistrado deixasse de ser

o único protagonista na função de organizar os pontos controvertidos (relevantes

para o julgamento da lide) e as matérias de direito que devem ser objeto de

enfrentamento do juiz no momento de prolatação da sentença.

O legislador, sabiamente, teve muito cuidado ao inserir no artigo 357 do

CPC de 2015 as diretrizes, o escopo e as regras que compõem a construção da

decisão saneadora, utilizando-se de termos e conceitos vagos434 para permitir ao

434

Luiz Rodrigues Wambier, sobre a utilização de conceitos vagos ou indeterminados pelo legislador, ensina que se trata “de uma técnica que vem sendo cada vez mais freqüentemente utilizada pelos legisladores da nossa época, na medida em que possibilita a geração de textos legais adaptados à realidade dos nossos dias e à velocidade vertiginosa com que ocorrem as transformações sociais. Sem dúvida essa é uma técnica legislativa primorosa, que indubitavelmente proporciona muito maior flexibilidade à norma propiciando um espaço também maior de ‘liberdade’ ao aplicador da lei. Diante de um texto que contém um conceito vago o papel do Juiz como aplicador da lei se torna evidentemente muito mais importante e significativo, o que responde ao anseio de uma sociedade que se vê mais descrente da idéia de que o direito posto por si só é capaz de realizar as aspirações sociais predominantes. [...] O perigo de que a circunstância de haver um conceito vago na lei gere uma decisão arbitrária, fruto exclusivamente da subjetividade do Juiz, evidentemente existe. Considera-se, todavia, que é um risco com o qual o sistema tem que conviver, risco esse contrabalançado com as exigências constitucionais e processuais no sentido de que as decisões judiciais tenham que ser motivadas (motivação racional), o que possibilita indubitavelmente que os jurisdicionados tenham controle sobre a racionalidade das decisões dos magistrados e a correlata possibilidade de sua impugnação através de recurso ou ação autônoma, conforme o caso. A utilização pelo legislador de conceitos vagos pode ser vista, sob certo aspecto, como algo de bastante positivo, na medida em que proporciona ao Juiz possibilidade de incluir sob o alcance da norma situações que talvez não tivessem sido lembradas pelo legislador, se se tivesse optado pela técnica da enumeração taxativa, se se resolvesse, por exemplo, dizer quais os danos que a lei considera graves, como se o legislador pudesse realizar a priori um juízo de valor sobre toda a realidade, dizendo quais situações seriam graves. Certamente, se colocariam para o Juiz situações que ele consideraria graves e que seriam efetivamente graves e de que a lei, todavia, não tivesse tratado especificamente. Por isso o Magistrado ficaria impedido de aplicar a lei àquela situação.” (Considerações sobre a liquidação de sentença coletiva na proposta de código-modelo de processos coletivos para ibero-américa. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 121, p. 149-158, mar. 2005. p. 155-156).

168

magistrado uma interpretação435 pessoal e mais direcionada/personalizada ao

processo que será julgado.

Portanto, interpretar a nova legislação com o mesmo espírito com a qual foi

criada é um dever-poder436 do juiz, possibilitando ao processo civil evoluir não

somente com mais organização e celeridade, mas também com mais pessoalidade e

maior credibilidade na forma como o processo decisório é conduzido.

Acrescente-se que todas as decisões tomadas com base no artigo 357 do

CPC de 2015 que dispõe sobre o saneamento e a organização do processo

merecem ser construídas com grande atenção e cuidado porque este foi o momento

escolhido para que o processo se torne um instrumento legítimo, efetivo e

respeitado. Assim, ao delimitar as “questões de fato e de direito” para a decisão de

mérito, o magistrado deve reunir em sua decisão as mais relevantes, em especial

aquelas relevantes sob o ponto de vista dos sujeitos do processo.

A chamada “relevância” posta de forma inédita no artigo 357 deve ser

entendida não pelo ângulo pessoal, mas sim coletivo, e que sirva a todos os sujeitos

do processo e à sua função pública. Significa dizer que as questões relevantes

devem ser consideradas por uma visão coletiva dos sujeitos do processo e não

somente pelo prisma do juiz. Portanto, se determinada questão de fato é muito

relevante para uma das partes e na concepção do juiz pouco relevante para o 435

Nas palavras de Mauro Cappelletti: “Especialmente no fim do século passado e no curso do nosso, vem se formando no mundo ocidental enorme literatura, em muitas lingues, sobre o conceito de interpretação. O intento ou o resultado principal desta amplíssima discussão foi o de demonstrar que, com ou sem consciência do intérprete, certo grau de discricionariedade, e, pois de criatividade, mostra-se inerente a toda interpretação, não só a interpretação do direito, mas também no concernente a todos outros produtos da civilização humana, como a literatura, a música, as artes visuais, a filosofia etc. Em realidade, interpretação significa penetrar os pensamentos, inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreendê-los e - no caso do juiz, não menos que no do musicista, por exemplo - reproduzi-los, ‘aplicá-los’ e ‘realizá-los’ em novo e diverso contexto, de tempo e lugar. É obvio que toda reprodução e execução varia profundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do intelecto e o estado de alma do intérprete.” (Juízes Legisladores? Rio de Janeiro: Eletrônica, 1992. p. 21). 436

Sobre a utilização da expressão “dever/poder”, Eros Roberto Grau ensina: “[...] a autoridade pública, enquanto tal, não é titular de direitos que se possa individualmente arrogar. Cumpre-lhe o exercício de função pública. Ou seja, incumbe-lhe o dever de prover a realização de interesses alheios. Para tanto, confere-lhe o ordenamento jurídico determinados poderes. A função pública, assim, é antes expressão de um dever-poder do que de um poder-dever. À entidade administrativa, pois, incumbe o dever-poder de gerir a res publica, assim como ao membro do Poder Judiciário incumbe o dever-poder de aplicar o direito e ao membro do Poder Legislativo incumbe o dever-poder de integrar o ordenamento jurídico, inovando-o. A concepção de que esta ou aquela autoridade pública, enquanto autoridade pública, seja titular de um direito integrado em sua esfera de interesses individuais é incompatível com os princípios do Estado de Direito. Tal sentir só é compatível com a tirania; apenas pode prosperar no clima das ditaduras, nas quais os cidadãos são retransformados em súditos” (Validade, licitude e legalidade; operação box: penalidade imposta pela comissão de valores mobiliários. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 8, p. 535-549, dez. 2010. p. 545).

169

julgamento da lide e construção da sentença, essa análise não desonera de forma

alguma o magistrado da necessidade de enfrentar e tratar o tema em sua sentença.

O mesmo ocorre em relação a todos argumentos e questões de direito trazidos

pelas partes que, segundo a construção do nosso modelo constitucional de

processo, precisam ser abordados de forma fundamentada pelo magistrado.

Há, portanto, vários conceitos vagos postos, que para o bem da nova lei

processual, precisam ser interpretados de forma mais abrangente. O juiz, apesar de

ser, em conjunto com as partes, o destinatário final das provas e das questões

trazidas em cada processo, não pode esquecer que a sociedade é a destinatária

final da função exercida pelo Poder Judiciário brasileiro e, assim, merece saber e ter

a certeza de que o processo civil é um bom instrumento, permitindo que as decisões

judiciais sejam construídas com colaboração de todos e não de forma discricionária,

individual e arbitrária pelo magistrado.

O engajamento das partes no curso do processo e nas atividades que dão

ensejo ao saneamento possibilita que o processo se torne um instrumento mais

efetivo, célere e qualitativo. Se, de um lado, o modelo de despacho saneador no

CPC de 1973 considerava o magistrado o protagonista quase único das decisões e

das considerações a respeito dos fatos controvertidos, de outro, o CPC de 2015,

mais moderno e adequado, considera todos os sujeitos processuais como peças

fundamentais na construção de um roteiro de julgamento que contenha as reais

expectativas da parte e que possa, também, viabilizar a realização de um julgamento

fundamentado e estruturado em todas as provas efetivamente necessárias à

formação do convencimento do magistrado.

Paulo Hoffman437, que já previa essa nova tendência e necessidade, em

relevante obra sobre o tema, reforça:

[...] a importância e as consequências práticas de uma decisão de saneamento do processo realizada mediante direta e pessoal interferência das partes, de modo a atender aos princípios da razoável duração do processo e da efetividade, resultado numa prova mais adequada e coerente aos modernos princípios constitucionais do processo civil.

O legislador, bem sabemos, procurou corrigir as falhas e as incoerências do

sistema processual civilista anterior, dando ao despacho saneador uma nova

dinâmica que tem no engajamento pessoal dos sujeitos do processo uma

437

HOFFMAN, Paulo. Saneamento compartilhado. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2011. p. 23.

170

oportunidade de melhoria das atividades saneadoras e, por conseguinte, mais

qualidade e mais consistência a todo o processo decisório.

O modelo de saneamento proposto no CPC de 2015 trouxe muitas outras

novidades se comparado ao CPC de 1973, quando o saneamento servia

basicamente para o juiz fixar os pontos controvertidos da lide, decidir questões

processuais pendentes e determinar as provas a serem produzidas, designando, se

fosse o caso, audiência de instrução e julgamento.

Nesse sentido, o legislador do CPC de 2015, além de manter os termos

presentes no CPC de 1973, entendeu que também deve ser função do juiz, por

ocasião da decisão de saneamento, definir a distribuição do ônus da prova e

delimitar questões de direito e de fato relevantes para a decisão de mérito.

De todo modo, o modelo de saneamento compartilhado, agora consagrado

pelo CPC de 2015, somente surtirá os efeitos desejados se houver o mais absoluto

comprometimento das partes e do juiz em extrair da legislação processual todos os

benefícios que oferece.

Nesse diapasão, não é demais registrar que o CPC de 1973, não obstante a

propriedade e a atualidade de sua disciplina, foi muitas vezes deixado de lado em

sua essência e utilizado pelas partes como mera estratégia.

Tão importante quanto ter o discernimento sobre a construção de uma boa

lei é a garantia de que todos possam cumpri-la. Esse é um dever de todos os

jurisdicionados que figurem como parte em determinada demanda e sobretudo dos

magistrados a quem a própria lei confere o dever de condução do processo.

O saneamento é o momento processual mais importante do processo,

momento em que as partes, com a orientação e a colaboração do magistrado,

podem indicar precisamente quais os pontos relevantes (de fato e agora de direito) –

não necessariamente controvertidos – que entendem devam ser enfrentados na

sentença. O juiz, por seu lado, indicará quais os elementos e as provas que

considera essenciais para oferecer uma decisão fundamentada, técnica, qualitativa,

firme e justa.

171

3.2 SANEAMENTO DO PROCESSO E DEMOCRACIA: A RELAÇÃO ENTRE OS

SUJEITOS DO PROCESSO NA CONSTRUÇÃO DA DECISÃO SANEADORA

A integração do processo ao plano constitucional trouxe algumas

importantes vantagens ao sistema na medida em que as partes, durante todo o

processo, deverão pautar a sua conduta pelos princípios constitucionais elencados

no CPC de 2015. Essa constatação permite, no entanto, questionar: o legislador não

operou com demasiada cautela ao repetir438 vários princípios constitucionais na

legislação processual civil?

Apesar de o CPC de 1973 ser anterior à atual Constituição Federal, em tese,

não haveria necessidade de integração expressa do ordenamento processual à

Carta Magna. Isso porque, é natural que a interpretação das regras processuais

deva ser feita conforme o ordenamento constitucional, que é, na prática, a norma

fundamental do Estado Democrático de Direito. Por outro lado, como no Brasil há

uma injustificada cultura da positivação legal, quando é necessária a expressa

construção do ordenamento jurídico de forma escrita para o pleno respeito de todos,

talvez a inclusão de princípios constitucionais no atual CPC seja uma estratégia de

índole preventiva do legislador para exigir que na tarefa de interpretar e aplicar a

disciplina do ordenamento processual civil os operadores do direito façam,

obrigatoriamente, a conexão com os princípios e as normas constitucionais.

A conclusão de Humberto Theodoro Júnior439 aponta no sentido de que:

O novo CPC evidencia essa tendência ao conferir grande importância aos princípios fundamentais do processo, característica visível não apenas nos primeiros artigos, mas, na verdade, em todo o texto, especialmente, quando se percebe que o conteúdo destes princípios servirá de premissa interpretativa de todas as técnicas trazidas na nova legislação. Assim, a nova lei institui um verdadeiro sistema de princípios que se soma às regras instituídas e, mais do que isso, lhe determina uma certa leitura, qual seja, uma leitura constitucional do processo (ou embasada no processo constitucional democrático), tendo como grande vetor o modelo constitucional do processo e seus corolários [...].

438

Os artigos 1º a 12 do CPC tratam das normas processuais fundamentais e indicam vários princípios de origem constitucional que devem ser aplicados no curso do processo. 439

THEODORO JUNIOR, Humberto. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 46.

172

O CPC de 2015, em vários dos seus dispositivos, procura prestigiar a

configuração de um sistema processual mais “participativo”, revelando o interesse e

a necessidade de se formatar um modelo de legislação processual civil sintonizado

com o modelo político adotado pelo Estado brasileiro: o Estado Democrático de

Direito.

Na instituição do CPC de 1973, vale lembrar, a sociedade brasileira

vivenciava o período da ditatura militar. Apesar de uma aparente independência do

Poder Judiciário em relação ao Poder Executivo, os juízes, como mandatários de

atos executivos, revelavam em suas funções inspirações do modelo golpista e militar

que assolava o país. Os processos judiciais eram conduzidos com grande distância

e frieza pela magistratura, que se apegava ao falso argumento de que precisava ser

imparcial para poder julgar as causas da forma supostamente correta440.

A despeito do que ocorria na época da ditadura militar, há grande diferença

entre ser imparcial e ser indiferente ao resultado da atividade exercida. Na prática,

os assuntos submetidos ao Poder Judiciário à época não raro eram conduzidos com

demasiada indiferença e frieza, em desfavor da qualidade das decisões e

principalmente da quebra de confiança nas instituições judiciárias.

Com o advento da Constituição Federal e a consequente configuração do

Brasil em um Estado Democrático de Direito, todas instituições e poderes

precisaram aproximar-se aos poucos e, também, representar o novo modelo político

que se firmava.

O modelo de democracia participativa441 passou, então, a contaminar de

440

Sobre a aplicação do direito em um regime de exceção, assim resume Marcelo Paiva dos Santos: “Nesta concepção estadualista do direito pode se apresentar como um fator pernicioso à sociedade, que passou a se ver submetida a um conjunto de regras baixadas pelo Estado-legislador. Isto, sobretudo, em momentos de regimes políticos de exceção - sejam os autoritários, sejam os totalitários -, pois os responsáveis pela criação do direito utilizam-se do mesmo como forma de institucionalização do sistema opressor. O mesmo se diga quando do momento da aplicação do direito, aqui sim, verificando-se os reflexos mais negativos do direito perante a sociedade, pois se inverte a ordem jurídica, normalmente com a aquiescência dos responsáveis pela aplicação do direito, os juízes.” (A história não contada do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Fabris, 2009. p. 53). 441

Paulo Bonavides explica o significado de um Estado democrático-participativo: “Em suma, a democracia participativa configura uma nova forma de Estado: o Estado democrático-participativo que, na essência, para os países da periferia é a versão mais acabada e insubstituível do Estado social, este que a globalização e o neoliberalismo tanto detestam e combatem, argumentando contra todos os elementos conceituais de sua teorização. O Estado democrático-participativo organizará, porém, a resistência constitucional dos países da periferia arvorando a bandeira da soberania, da igualdade e da justiça social. Com o Estado democrático-participativo o povo organizado e soberano é o próprio Estado, é a democracia no poder, é a legitimidade na lei, a cidadania no governo, a Constituição aberta no espaço das instituições concretizando os princípios superiores da ordem normativa e da obediência fundada no contrato social e no legitimo exercício da autoridade. Ao

173

forma positiva o Poder Judiciário e a legislação processual, fazendo com que o

nosso Código de Processo Civil fosse interpretado e aplicado conforme a

Constituição da República.

Apesar do inegável interesse e esforço de todos em dar ao novo código

processual civil uma interpretação constitucional e uma roupagem mais próxima do

regime de democracia participativa, durante todos os anos de vigência da atual

Constituição Federal constatou-se que ainda havia espaço e oportunidade para

melhorar a forma como as decisões eram divididas, construídas e prolatadas.

O legislador originário de 1988 não retirou dos magistrados o protagonismo

solitário que fora idealizado pelo CPC de 1973. De igual forma, os magistrados, até

então, também não despiam a toga na tentativa de se aproximar das partes nos

momentos cruciais do processo. Essa apatia fez com que se repensasse o modelo

como ultrapassado na expectativa de construção de um formato que pudesse fazer

mais sentido para a sociedade contemporânea, influenciada e acostumada a

relacionamentos institucionais mais democráticos442.

Esse foi o espírito do novo CPC. No corpo do regramento processual, não

houve tão só a inclusão de princípios que estão em sintonia com a Constituição da

República. O legislador foi muito além ao definir mecanismos e procedimentos que

se coadunam com o nosso próprio regime político de democracia participativa,

quando todos os entes envolvidos em determinada questão se unem, apesar das

diferenças e dos pontos conflitantes, em busca de soluções que suscitem mais

fundamentação e consequentemente credibilidade e respeito.

Em um regime democrático como o nosso, tão importante quanto o resultado

final a que as partes são submetidas é a legitimidade de todo o processo que

culminará na prolatação da decisão. E para que o resultado seja legítimo, é

necessário que haja uma efetiva participação das partes.

Estado liberal sucedeu o Estado social; ao Estado social há de suceder, porém, o Estado democrático-participativo que recolhe das duas formas antecedentes de ordenamento o lastro positivo da liberdade e da igualdade. E o faz numa escala de aperfeiçoamento qualitativo da democracia jamais antes alcançadas em termos de concretização.” (Teoria constitucional da democracia participativa. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 15-16). 442

Conforme reflexão de Hugo Filardi: “A atividade jurisdicional deve ser compatível ao dinamismo e velocidade da sociedade contemporânea e as relações processuais devem ser compostas e solucionadas atendendo às reais necessidades dos jurisdicionados. Os jurisdicionados devem ter no Poder Judiciário um instrumento facilitador para obtenção de seus direitos e não um órgão inatingível e incompreensível de burocratização ilegítima e de empecilhos às suas atividades cotidianas.” (Cumprimento de sentença: Comentários sobre a Lei nº 11.232. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Eletrônica, v. 1, n. 49, p. 64, 2007. p. 67).

174

O CPC de 1973 permitia, por exemplo, que algumas das questões

chamadas “de ordem pública”443 pudessem ser suscitadas e decididas pelo

magistrado sem necessidade de observância plena do contraditório. O CPC de

2015, em dois de seus artigos iniciais, dá um recado muito claro a respeito da

necessidade de o magistrado compartilhar previamente com as partes a sua visão

sobre determinado tema, facultando-lhes uma manifestação a respeito.

Nos termos do artigo 7o do CPC: “É assegurado às partes paridade de

tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios

de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competido

ao juiz selar pelo efetivo contraditório”. E o artigo 9o é claro ao afirmar que “não se

proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”, uma

evidência de que este dispositivo não se aplica a três situações: (i) à tutela provisória

de urgência; (ii) às hipóteses de tutela de evidência previstas no art. 311, incisos II e

III; e (iii) à decisão prevista no artigo 701, ou seja, decisão executória de mandado

monitório.

A observância do princípio do contraditório444 é apenas uma de várias

garantias preservadas pelo CPC de 2015, que também traz em seu bojo outros

instrumentos que sugerem e estimulam uma maior integração dos sujeitos do

processo. É exatamente nesse contexto, de processo participativo e democrático,

que o artigo 357 foi criado, detalhando de forma clara quais atividades devem ser

plenamente desenvolvidas pelo magistrado nos momentos que antecedem a

443

As decisões que avaliavam a existência ou não de pressupostos processuais, condições de ação ou prescrição podiam ser proferidas de plano pelos magistrados, sem a menor necessidade de abertura do contraditório. 444

Daniel Francisco Mitidiero, em suas considerações sobre o princípio do contraditório, ensina: “Tido como elemento de legitimação do poder jurisdicional e mesmo como nota distintiva do conceito de processo contemporâneo, a garantia do contraditório, gravada entre nós no art. 5º, LV, CRFB, representa uma autêntica abertura para participação direta do ambiente de inspiração democrática. Afeiçoado, no direito moderno, à simples bilateralidade da instância, de nítida inspiração liberal, como anota Andrea Proto Pisani, hoje ganha feições ativas, significando direito a conhecer e a participar, ‘participar conhecendo e participar agindo’, consoante ensina Mauro Cappelletti, mais consentâneas ao Estado Democrático Social de Direito erigido pela nossa Constituição. A sua observância era uma marca comum a todo processo civil romano, em todos os seus períodos (legis actiones, per formulas e cognitio extra ordinem), e já na Lei n. VIII, Título II da Terceira Partida de Las Siete Paridas achava assento. Nosso direito reinol, a propósito, fora estruturalmente pensando em função da dialética judiciária, da atuação em contraditório dos sujeitos do processo (judicium est actum trium personarum, conforme gravado nas Ordenações Afonsinas, Livro II, Título XX, § 1º). O direito comum medieval, aliás, tinha a garantia do contraditório como um momento central do juízo, o qual polarizava toda a atuação dos sujeitos do processo, sendo infenso, inclusive, à atuação do Príncipe, porque componente essencial do ordo substantialis, do iustum iudicium, na terminologia de Antônio Manuel Botelho Hespanha.” (Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro, p. 53- 54).

175

prolatação da decisão de saneamento. Também, permite às partes um pleno

envolvimento no processo decisório, inclusive com direito de pedir esclarecimentos,

solicitar ajustes e, inédito e mais importante, oferecer ao juiz, de comum acordo,

uma proposta a respeito das condições de fato e de direito que deverão ser

enfrentadas no momento da decisão.

De todo modo, é evidente que o oferecimento de uma proposta que

contenha, na visão das partes, os fatos relevantes e a matéria de direito que deve

ser enfrentada pelo juiz, pressupõe uma análise e posterior homologação pelo

magistrado do competente termo consensual. Uma vez recebidas e aceitas as

considerações das partes, o juiz a elas se vincula e precisará, a qualquer custo,

comentá-las de forma fundamentada em sua decisão.

Essas inovações trazem a certeza de que o novo processo civil brasileiro,

em especial o momento dedicado ao saneamento e à organização do processo (art.

357), está totalmente influenciado pela configuração política instituída pelo Estado

Democrático de Direito, quando as partes e a sociedade têm o direito de colaborar

de forma construtiva para as atividades que vão desencadear a tomada de decisão.

3.3 A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO NA CONSTRUÇÃO DO DESPACHO

SANEADOR E A FIXAÇÃO DAS QUESTÕES RELEVANTES NA VISÃO DAS

PARTES

O novo formato de processo constitucional (democrático) trazido pelo CPC

de 2015 indica que todos os sujeitos do processo devem contribuir nas atividades

destinadas à outorga da prestação jurisdicional. Para que esse modelo funcione é

preciso que o magistrado se renove e se liberte culturalmente do modelo anterior,

quando não havia a obrigatoriedade nem o costume de se estabelecer o diálogo

participativo em relação às partes.

Paulo Hoffman445, a respeito, ressalta que:

Encaramos, assim, o dever de veracidade das partes e de cooperação como sendo faces de uma mesma moeda, caracterizada pela exigência de uma nova forma de atuação delas – e também do

445

HOFFMAN, Paulo. Saneamento compartilhado, p. 46.

176

juiz – dentro do processo. Apesar de expressamente previstos em diversos artigos do atual CPC446, desde sua promulgação em 1973, os deveres de veracidade e de cooperação ganham destaque sob perspectivas mais profundas e vinculadas aos princípios constitucionais do processo civil. Não somente se pode exigir das partes tal comportamento, mas, sem dúvida alguma, também o juiz tem o dever de veracidade e colaboração com elas. Talvez isso, sim, possa ser encarado como ‘real novidade’, como forma de ‘enterrar’ a visão do ‘juiz de pedra’, do ‘juiz Pilatos’, distante e desinteressado

como se o processo fosse exclusivamente ‘coisa das partes’.

O processo não é “coisa das partes”. O magistrado, na qualidade de

mandatário do Estado – e, por consequência, das próprias partes que por ele são

representadas –, tem o dever moral e institucional de se engajar amplamente no

processo, mantendo-se imparcial mas nunca indiferente aos métodos utilizados para

a execução das atividades indispensáveis à outorga da prestação jurisdicional.

Afinal, com ou sem o envolvimento participativo das partes, é do juiz o dever

de conduzir a demanda até a prolatação de decisão final no feito. É o que também

defende José Roberto dos Santos Bedaque447:

A necessidade de o juiz assumir a efetiva posição de condutor do processo, com ampla participação no contraditório desenvolvido pelas partes, corresponde à tendência quase unânime da moderna ciência processual. Amplia-se, dessa forma, a noção de contraditório, para incluir também a efetiva atuação do juiz no desenvolvimento da

relação processual.

O juiz deve, portanto, agir de forma proativa e em prol da outorga da

prestação jurisdicional e, nesse caminho, ser o grande orientador e condutor da

demanda. É dele o dever de agir com total transparência acerca das expectativas

das partes e principalmente das provas que pretende produzir, tudo para que seja

possível a construção de uma linha de raciocínio capaz de viabilizar a formatação da

sentença. Nesse ponto, o juiz deve ser transparente e direto ao demonstrar às

partes quais são, na sua concepção, as questões de fato e de direito que devem ser

446

Paulo Hoffman fazia referência ao Código de Processo Civil de 1973 vigente à época. 447

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 61. O autor, em outra obra, reforça esta posição: “[...] as partes veem no processo um instrumento para a satisfação de seus interesses; o juiz o considera um instrumento de atuação do direito objetivo material. Podem-se encontrar no processo, portanto, dois ânimos diferentes: uma das partes, que vêm à procura de proteção de seus interesses; o outro do juiz, que, como órgão do Estado, visa a atingir uma das finalidades básicas deste, qual seja a efetivação do ordenamento jurídico. Embora se reconheça a possibilidade de análise dos institutos processuais por estes dois ângulos, não se pode aceitar que o primeiro prevaleça sobre o segundo. A consequência seria, sem dúvida, a privatização da ciência processual.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 34).

177

trabalhadas no bojo do processo. Mais do que isso, cabe ao magistrado indicar com

precisão quem deve trazer aos autos determinada prova e qual parte precisa

complementar ou esclarecer alguma questão para que haja a definição harmônica

do direito a ser aplicado.

No artigo 370448 do CPC, o sistema processual permite ao juiz a produção

de provas de ofício, mas, como em qualquer relação jurídica processual, não pode

haver surpresas na forma como os elementos probatórios são inseridos nos autos.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart449, em relevante obra sobre

o tema, sustentam que:

[...] a prova de ofício, além de ter de ser adequadamente justificada pelo juiz, deve abrir às partes a devida oportunidade: i) de considerar sobre a sua oportunidade; ii) de participar da sua produção; iii) de falar sobre o seu resultado. Portanto, a possibilidade de participação do juiz na produção da prova não retira das partes a possibilidade de participar da formação (produção) e da interpretação da prova (consideração dos seus resultados). Isso quer dizer que a oportunização à participação das partes continua a ser a fonte de legitimação do processo. Não só porque são as partes que influem sobre a formação e resultado da prova, mas especialmente porque a prova de ofício, além de ter os mesmos limites de qualquer outro meio de prova, jamais poderá suprir a participação das partes em relação ao próprio requerimento de produção de prova, já que essas – e não o juiz – têm as melhores condições de saber quais provas devem ser produzidas.

É possível discordar das considerações dos autores quando concluem que

as partes “têm as melhores condições de saber quais as provas devem ser

produzidas” e, neste sentido, necessárias à construção de um julgamento justo.

Como o principal destinatário da prova é o juiz da causa, será ele o sujeito mais

hábil a definir e credenciar as provas que devem ser trazidas aos autos para a

formação de seu convencimento450. Por outro lado, não há como não concordar com

a assertiva de que:

448

“Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.” 449

ARENHART, Sergio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Prova. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 87. 450

Conforme explicita José Carlos Barbosa Moreira: “Quando o juiz determina a realização de prova para melhor esclarecimento dos fatos relevantes, não está, em absoluto, usurpando a função da parte; não está agindo no lugar dela, fazendo algo que a ela, e só a ela, incumbia fazer. Sua iniciativa não é, a rigor, um sucedâneo da iniciativa da parte: é qualquer coisa de inerente à sua missão de julgador. Ele não atua como substituto da parte, atua como juiz – como juiz empenhado em julgar bem.” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2007. (Nona série). p. 96).

178

A participação das partes é imprescindível para a formação do convencimento judicial, ainda que, em alguns casos, o juiz possa atuar de ofício. Ou melhor: a consciência de que a atuação do juiz, em tais casos, é supletiva evidencia que a oportunidade de participação é fundamental à legitimação do processo.451

A busca de um processo mais legítimo poderia ser, por si só, um bom

fundamento para justificar a participação dos litigantes na tomada de decisões

importantes no curso do processo. Mas há outro argumento sólido que caminha no

mesmo sentido e demonstra que um processo judicial que respeita e absorve as

várias contribuições trazidas pelos seus sujeitos é um processo mais democrático e

por consequência tende a ser mais respeitado e aceito por todos.

Quando uma decisão judicial enfrenta diretamente e de forma fundamentada

os argumentos e os elementos trazidos pelas partes passa a ser mais legítima,

democrática e consistente. Até mesmo quando uma das partes perde a causa, pode-

se dizer que há, de certa forma, algum conforto material e espiritual se a decisão for

abrangente e consistente, de acordo com o enfrentamento direto de todas as

questões que foram trazidas aos autos.

Por certo, ninguém gosta de perder um processo judicial, mas tudo pode

ficar pior e mais incrédulo quando a parte percebe que suas provas e seus

argumentos não foram devidamente analisados no corpo da sentença. Em situações

como essa, quando o magistrado simplesmente julga apenas de acordo com os

elementos e os argumentos que lhe parecem oportunos, o Judiciário perde a

credibilidade452.

451

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2007. (Nona série). p. 96. 452

Renê Francisco Hellman, sobre a omissão do juiz quanto aos argumentos e provas constantes nos autos, assevera que: “Muito embora o Brasil já conte desde 1988 com a exigência constitucional de fundamentação da decisão judicial, o que se viu nesse ínterim foi uma série de desrespeitos ao comando. O grande número de demandas em tramitação e a ineficiente estrutura do Poder Judiciário fez com que se criasse o entendimento de que mais vale uma decisão mal construída, mas proferida em tempo mais curto, do que uma decisão bem elaborada, que analise todos os argumentos das partes e as provas produzidas no processo e que demande mais tempo para sua confecção. Essa nefasta conformação com a baixa qualidade das decisões judiciais apenas contribuiu para o aumento da problemática da litigiosidade excessiva. Conferiu-se, com isso, de certa forma, autorização para que os magistrados julgassem de acordo com o que pensavam, sem que se discutisse muito a fundo a necessidade de conformação da decisão proferida em um caso específico com o contexto geral das decisões do poder Judiciário e com a própria Lei. Tudo isso gerou um estado de completa insegurança jurídica, de baixa constitucionalidade dos atos judiciais e certamente contribuiu para o aumento das ações judiciais, já que o Judiciário tornou-se praticamente uma casa lotérica, em que o resultado da demanda depende muito mais da sorte do que do Direito.” (Os desafios do ensino jurídico brasileiro com o novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 242, p. 553-566 abr. 2015. p. 560-561).

179

Uma resposta negativa sobre determinada pretensão judicial pode ser mais

prejudicial à parte quando tal resposta não é dada de forma completa e

fundamentada. E, logicamente, os fundamentos da decisão devem acompanhar não

somente aquilo que parece oportuno ao magistrado, como também o que as partes

consideram importante para trazer credibilidade à decisão e, consequentemente,

conforto a todos. Por essa razão, quando as partes indicam ao magistrado quais são

os pontos relevantes que merecem tratamento, não se pode dizer que há uma

estratégia técnica nesse sentido, mas um “desabafo emocional” sobre aquilo que na

visão dela (a parte) deve ser considerado no ato da prolatação da decisão.

De fato, muitos dos “pontos controvertidos” explicitados pelas partes podem

não ser importantes para a configuração técnica de uma decisão completa, mas o

magistrado não pode esquecer que o seu papel é muito maior do que simplesmente

prolatar uma sentença técnica e conceitualmente adequada à sua íntima e única

convicção.

O juiz de direito possui a importante missão constitucional de promover a

pacificação social453 na resolução dos conflitos e, especialmente, engajar as suas

decisões com argumentos e elementos que sejam comuns e próprios das partes.

Bem por isso, na visão das partes serão relevantes todos os pontos e fatos

que elas, para se sentirem plenamente satisfeitas e em paz, desejarem uma

resposta judicial a respeito, mesmo que a suposta “resposta” não tenha o condão de

influenciar diretamente o resultado final e prático do processo.

Nesse sentido, doutrinam Eduardo Cambi e Renê Francisco Hellman454:

Quando o magistrado ignora argumentos que são relevantes para as partes, deixa os litigantes sem entender os motivos do julgamento e retira a possibilidade deles serem convencidos do acerto da decisão, o que impede que a jurisdição concretize o seu mais importante escopo que é promover a pacificação social. Vale destacar que o

453

Neste sentido, conclui Elival da Silva Ramos conclui: “A função jurisdicional consubstancia, por conseguinte, um instrumento para a atuação do direito objetivo, visto que ‘ao criar a jurisdição no quadro de suas instituições, visou o Estado a garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico efetivamente conduzam aos resultados enunciados, ou seja: que se obtenham, na experiência concreta, aqueles precisos resultados práticos que o direito material preconiza’. Todavia, ao escopo jurídico do processo jurisdicional se devem adicionar os seus objetivos sociais, consistentes na resolução de conflitos intersubjetivos ou pendências jurídicas cujas persistências pode comprometer a paz e a ordem na sociedade. Não discrepa desse delineamento o escólio de Jorge Miranda, tendo como norte um texto constitucional que arrola os principais objetivos da jurisdição.” (Ativismo judicial. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 117). 454

CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Precedentes e dever de motivação das decisões judiciais no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 241, p. 413-438, mar. 2015. p. 428.

180

escopo da paz social não passa pelo consenso em torno das decisões estatais, mas pelo que Cândido Rangel Dinamarco denomina de imunização contra os ataques dos contrariados, de modo que os jurisdicionados satisfaçam-se com a resposta dada, após o exaurimento de todas as instâncias, mesmo quando a decisão seja contrária aos seus interesses. E isso somente é possível na medida em que cada litigante, tendo oportunidade de participar da preparação da decisão e de influir no seu teor, pelo exercício pleno do contraditório e pela observância do procedimento adequado, possa confiar na idoneidade do sistema processual.

O saneamento compartilhado foi uma ideia do legislador do CPC de 2015,

que prevê, de forma clara e prática, a construção de uma decisão saneadora com a

participação efetiva de todos e ampla oportunidade de exercício do contraditório. O

contraditório participativo que decorre do princípio da colaboração nessa fase do

processo é de fundamental importância para que haja um perfeito alinhamento de

expectativas a respeito dos pontos que devem ser enfrentados na sentença (na

visão das partes e do juiz), evitando-se surpresas, omissões, contradições ou

obscuridades na futura decisão. Para as partes, portanto, é necessária a criação de

um ambiente favorável e não hostil para viabilizar a sua manifestação nos autos, em

apoio não somente ao magistrado, mas na conformação de um novo modelo de

processo civil.

3.4 HIPÓTESES DE REALIZAÇÃO DO SANEAMENTO DO PROCESSO

O caput do artigo 357 do CPC dispõe que o juiz deve proferir decisão de

saneamento do processo desde que não ocorra nenhuma hipótese indicada naquele

capítulo do Código.

Antes, porém, de adentrar as hipóteses trazidas pelo CPC de 2015 como

exceção à não realização da atividade saneadora, é necessário reforçar que o

legislador claramente optou por indicar no caput do retrocitado artigo a regra e a

obrigatoriedade de o juiz proferir a decisão de saneamento.

Com inspiração nas demais premissas que nortearam a criação do novo

CPC, o juiz não pode inovar nem deixar de respeitar a diretriz imposta pelo artigo

357, muito menos agir de forma indiferente e superficial na maneira como o

saneamento cooperativo deverá ser realizado. O mencionado dispositivo processual

181

trata o saneamento cooperativo de maneira imperativa e consigna que o juiz

“deverá” construir sua decisão de saneamento do processo, tampouco se lhe faculta

a transposição dessa importante fase processual.

Portanto, o legislador acertou ao estabelecer o caráter obrigatório do

saneamento do processo, uma vez que essa decisão ultrapassa os interesses das

partes e configura, na verdade, um grande interesse público que trará ao processo e

consequentemente às atividades do Poder Judiciário uma importante contribuição

para o “destravamento” das engrenagens que levarão à outorga da prestação

jurisdicional.

A regra imposta pelo antigo artigo 331 do CPC de 1973, é importante

lembrar, dava margem a interpretações diversas sobre como deveria ser realizada a

audiência de conciliação e saneamento, o que na prática acabou por culminar quase

no abandono da boa técnica sugerida pelo regramento processual.

A bem da verdade, poucos eram os juízes que utilizavam a audiência do

artigo 331 do CPC de 1973 para fixar os pontos controvertidos da lide e deferir as

provas necessárias à formação do seu convencimento. Em muitas situações, as

audiências de conciliação eram protagonizadas por conciliadores despreparados,

desmotivados e sem compromisso com o resultado final do processo. Essa

realidade jogava por terra uma grande oportunidade de definição qualitativa dos

temas e das provas mais importantes para o futuro julgamento da lide.

No mesmo sentido, Luiz Eduardo Simardi Fernandes455 lembra que no CPC

de 1973, caso fosse frustrado o acordo proposto na audiência preliminar:

[...] não deveria o juiz dar por encerrada a audiência e chamar os autos à conclusão, embora atitude muito corriqueira. Ao contrário, para o completo comando do artigo 331 do CPC/1973, era necessário passar, com a elaboração das partes, à fixação dos pontos controvertidos e, com base nestes, deferir as provas que deveriam ser produzidas, proferindo decisão de saneamento. Aliás, essa decisão comumente chamada de despacho saneador não é mero despacho, mas verdadeira decisão interlocutória, conforme feliz comentário de Barbosa Moreira (O novo processo Civil Brasileiro, 18. Ed., Forense, p. 61). Aliás, trata-se, por certo, de uma das mais relevantes decisões interlocutórias proferidas ao longo do feito. Tampouco é saneadora, uma vez que o juiz vem saneando o feito desde o seu início, reservando o momento dessa decisão apenas pera declará-lo saneado, isto é, em condições de seguir validamente na direção da decisão de mérito.

455

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 969.

182

Para entender quão importante para o processo é o momento indicado no

artigo 357 do CPC de 2015, é oportuno interpretar as palavras utilizadas pelo

legislador na configuração das atividades exercidas pelas partes e pelo juiz.

A palavra “saneamento” significa recuperar, tornar limpo, retornar ao estado

original, sanar, higienizar, tornar saudável. Nada mais adequado do que utilizar o

“saneamento do processo” como aliado de um dos principais princípios que

nortearam a criação do novo código, que é exatamente o princípio da efetividade.

O magistrado, assim, passa a ter uma função mais intensa quanto a

trabalhar firme para direcionar suas atividades e suas decisões no sentido da

prestação jurisdicional célere e efetiva. Para isso, cabe-lhe eliminar todas as

“impurezas” do processo, fazendo o que estiver ao seu alcance para o

aproveitamento dos atos praticados pelas partes, principalmente eliminando do

universo dos autos todos os obstáculos formais “saneáveis” que possam ser

prejudiciais à obtenção do resultado adequado, rápido e justo da demanda.

No momento atual não se admitem decisões formalistas e restritivas e

circunstanciais sobre o que é necessário para a própria defesa do direito material456.

É o que diz, também, o artigo 139 do CPC, que trata exatamente dos poderes, dos

deveres e da responsabilidade do juiz. O inciso IX deste artigo estabelece que é

dever do juiz “determinar o suprimento de pressupostos processuais457 e o

saneamento de outros vícios processuais”.

Embora o artigo 357 do CPC trate de um momento específico para o

saneamento, não se pode olvidar que ao magistrado cabe a fiscalização do

processo e a adoção de medidas de saneamento durante todo o trâmite da causa, e

não somente em um único momento. É dele – do magistrado – a missão de manter

o devido curso e ritmo da demanda, impedindo que se torne improdutiva e confusa,

456

Conforme ensinamento de Cassio Scarpinella Bueno: “Não pode mais haver dúvidas de que o processo civil nada mais é do que um instrumento destinado ao atingimento de determinadas finalidades. Para ser mais sintético: o processo é meio, não fim. Quando este ‘fim’ relaciona-se a lides regidas pelo direito público ou hipótese regida pelo direito material público, o ‘meio’ precisa, necessariamente, ser calibrado e preparado para atingir aquele desiderato. A mesma observação é válida também para as situações em que o próprio direito privado material apresenta-se substancialmente diverso, donde a importância da menção exemplificativa às relações de consumo de início. Em suma: o processo civil, como meio de aplicação do direito material, tem, necessariamente, que se adequar e se adaptar para atender às expectativas de novos fins, dessas alterações que vêm sendo sofridas pelo direito material.” (Processo civil e interesse público - o processo como instrumento de defesa social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 25). 457

De acordo com Humberto Theodoro Júnior, pressupostos processuais são "aquelas exigências legais, sem cujo atendimento, o processo, como relação jurídica, não se estabelece ou não se desenvolve validamente" (Processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 1978. t. I. p. 77).

183

o que certamente colocará em risco a nobre função do Poder Judiciário e

principalmente o direito das partes.

O dever de saneamento ocorre, assim, desde o início da demanda com o

seu recebimento pelo magistrado e até os seus termos finais; não se trata de um

único ato praticado no meio do processo, mas sim de uma série de atos dedicados à

eliminação e ao ajuste de tudo o que puder prejudicar o desfecho final da demanda.

É por isso que o momento dedicado ao saneamento do processo, embora não seja

único e exclusivo durante todo o curso da demanda, deve ser aproveitado de forma

intensa por todos, pois se trata de uma grande oportunidade e um convite do

legislador à reflexão conjunta sobre os caminhos que o processo deverá seguir. O

saneamento é, de fato, uma atividade geradora de grande economia processual,

trazendo clareza e rito mais acelerado aos atos seguintes.

O artigo 357 do CPC não trata apenas dos atos relativos ao competente

“saneamento” do processo. O dispositivo legal menciona que o ato que dá origem à

decisão prevista no próprio CPC é também um ato destinado à organização do

processo.

Conforme será abordado mais adiante, o ato de “organização do processo”

possui tanta importância quanto o ato de “saneamento”. Deveras, para que um

processo tenha um desfecho satisfatório e tempestivo é preciso que os sujeitos

processuais saibam exatamente quais atividades precisam ser exercidas, a que

custo e em quanto tempo.

A organização do processo é um ato de responsabilidade do juiz, mas

também conta com a devida participação das partes, que sempre oferecem

informações e pleitos acessórios ao julgamento da demanda. Daí se infere que a

organização do processo é uma estratégia necessária à prática ordenada dos atos

que se seguem, viabilizando o direcionamento adequado e transparente dos ônus

processuais a cada uma das partes. Além disso, um processo devidamente

organizado, com a delimitação clara das questões de fato e de direito que deverão

ser enfrentadas, é um processo mais limpo e focado em seu resultado final.

A organização eficiente do processo, após o competente saneamento das

questões prejudiciais, serve especialmente para que o magistrado possa criar uma

espécie de roteiro de julgamento com o qual será mais fácil executar as medidas

instrutivas e informativas necessárias à formação do seu convencimento.

184

Neste ponto do estudo, depois de abordar as motivações e a visão macro da

decisão que levará ao saneamento do processo, é relevante identificar as situações

que o legislador optou por excepcionar e ao mesmo tempo indicar não ser

necessária referida atividade.

Nas hipóteses previstas no Capítulo X (Do julgamento conforme o estado do

processo) não seria necessário o proferimento de decisão de saneamento, ou seja,

nas situações em que o juiz entender ser caso de extinção do processo (artigos 354,

485 e 487, incisos II e III) ou de julgamento antecipado de mérito458 (artigo 355).

Esse, porém, não é o caso da hipótese prevista no artigo 356 do CPC, que trata do

julgamento antecipado parcial de mérito. As situações ali elencadas são exaustivas

e o fato de haver uma decisão parcial de mérito por qualquer motivo não retira do

juiz o seu dever de realizar o competente saneamento do processo com a finalidade

de resolução da outra “parte” da demanda que ainda não foi solucionada.

Embora a técnica recomende que a extinção do processo (artigos 485 e 487)

ou que o julgamento antecipado da lide deva ocorrer antes da decisão de

saneamento, poderão ocorrer situações nas quais o magistrado, durante a decisão

de saneamento, entenda que o caso comporta o julgamento antecipado ou, ainda,

mesmo após a decisão de saneamento, perceba que está diante de uma das

hipóteses que recomendam a extinção do processo. É quando, por exemplo, ao

realizar as atividades indicadas no artigo 357 do CPC de 2015, o magistrado

constata uma inequívoca ilegitimidade de parte. Embora tal irregularidade deva ser

verificada pelo juiz o quanto antes, mas o vício só foi apurado no curso do

saneamento, o juiz não terá outro caminho a seguir a não ser suspender os atos de

saneamento e prolatar sentença de extinção do processo.

Apresentadas brevemente as circunstâncias mais abrangentes sobre o

saneamento cooperativo, na seção seguinte, passa-se a detalhar as atividades que

colaboram para a construção da decisão organizadora e saneadora do processo.

458

No tocante ao julgamento antecipado de mérito, Cândido Rangel Dinamarco aduz: “[...] só será lícito privar as partes de provar quando as provas não forem necessárias ao julgamento. Não se antecipa a decisão do mérito quando ainda faltarem esclarecimentos sobre algum ponto relevante da demanda ou da defesa. Só se antecipa quando nenhuma prova seja necessária – nem pericial, nem oral, nem documental.” (Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. v. III. p. 581).

185

3.5 APROVEITAMENTO DO PROCESSO: RESOLUÇÃO DAS QUESTÕES

PROCESSUAIS PENDENTES (Art. 357, inc. I459, do CPC de 2015)

Ao juiz compete conduzir o processo de forma proativa, com vistas a garantir

o enfrentamento das questões para o qual foi criado, ou seja, no final da lide definir a

quem e em que medida deve ser garantida a fruição de determinado direito.

Apesar de a prestação jurisdicional esgotar-se com o ato da prolatação da

sentença, ao juiz cabe o dever de ajustar o processo às necessidades da demanda

e do direito em debate, “aparando as arestas” que forem identificadas e que por

qualquer motivo podem atrapalhar o magistrado na construção de um provimento

final e bem fundamentado do mérito da causa. Esse é, na verdade, um dos poderes,

deveres e responsabilidade do juiz, conforme indica o artigo 139, inciso IX, do CPC,

ou seja, “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de

outros vícios processuais”.

É bem verdade que o legislador do novo CPC indicou o momento traduzido

no artigo 357 como sendo a fase mais adequada para que o magistrado possa, em

uma análise profunda e detalhista dos autos, verificar e resolver as questões

processuais pendentes com foco exclusivo na manutenção da regularidade do

processo e também na sua efetividade. Por outro lado, é bom lembrar que o

momento indicado para resolução das questões processuais pendentes não é único

nem exclusivo, cabendo ao juiz o dever de manter a atenção durante todo o curso

do processo a respeito de eventuais questões que possam eventualmente

influenciar de forma negativa a demanda.

O CPC de 2015 consignou, com mais vigor do que o CPC de 1973, o

princípio da sanabilidade dos vícios do processo e, de igual forma, a teoria do

aproveitamento dos atos processuais460. Por esse prisma, pode-se dizer que não há

459

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; [...].” 460

“Outra das facetas do princípio da sanabilidade dos vícios do processo, não disciplinada pelo artigo 277 do CPC, é a que prevê o dever do juiz corrigir ou determinar sejam corrigidos vícios ligados aos requisitos de admissibilidade da apreciação do mérito, sempre que isto for possível, com o objetivo de dar à parte autora o que esta pediu: a apreciação da lide (art. 317). Em boa hora, deixa claro o artigo 938, parágrafo 1o que diz dever o relator determinar a realização ou renovação do ato processual se houver vício sanável, mesmo se se tratar de vício que deva ser conhecido de ofício e, sempre que possível, prosseguirá no julgamento do recurso. Este dispositivo deixa inequívoco que vícios cognoscíveis de ofício são sanáveis; e que o NCPC segue a diretriz geral no sentido de que o

186

mais espaço para a atuação formalista do Judiciário nem para a prolação de

decisões exclusivamente técnicas dos juízes. O papel do processo é ser

protagonista nesse grande cenário, junto com as partes e o juiz. O protagonismo

precisa ser do direito material, nunca da ciência processual461.

Portanto, na qualidade de fiscalizador e condutor da demanda, o juiz deve

zelar desde o início para que todas as questões incoerentes e imprecisas no

processo sejam tratadas de forma quase imediata, tão logo descobertas. Tal fato

ocorre por exemplo no início da propositura da ação, quando se exige, conforme

indica o artigo 321462, que o juiz determine ao autor a emenda da petição inicial que

apresentar algum tipo de vício, sendo necessária e indispensável a indicação

precisa daquilo que deve ser corrigido463.

O artigo 338 do CPC de 2015 também comporta um exemplo de

aproveitamento do processo: “alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou

não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15

(quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu”.

processo nasce para realizar sua vocação, que é a de gerar sentença de mérito. Decisões de inadmissibilidade, de ações e de recursos, devem ser, realmente, exceções. Quer-se, com isso, dar-se mais efetividade ao processo fazendo com que este cumpra sua verdadeira e única função.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil, p. 736). 461

Segundo Pedro Miranda de Oliveira: “No novo Código de Processo Civil prevalece o entendimento de que a regularidade formal não pode ser colocada ‘além da matéria’, por não possuir valor próprio, devendo a essência sobrepujar a forma, confirmando que a função do direito é servir à finalidade pragmática que lhe é própria: a realização da justiça material” (Apontamentos sobre o novíssimo sistema recursal. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 250, p. 265-286, dez. 2015. p. 275). 462

“Art. 321. O Juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos artigos. 319 e 320 ou que apresenta defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.” 463

Em análise do direito à emenda da petição inicial, Igor Raatz dos Santos sustenta que o juiz não deve “[...] somente determinar que o autor emende a inicial, mas deve preveni-lo das falhas que a referida peça apresenta. O indeferimento da petição inicial somente é permitido se for oportunizada a correção do defeito. Assim, estará o juiz, inclusive, evitando que a parte seja prejudicada por falhas técnicas do profissional escolhido e, em última análise, proporcionando a paridade de condições entre as partes, uma vez que a parte não poderá ser prejudicada por uma posição passiva do órgão julgador, pois as deficiências e insuficiências apresentadas poderão ser sanadas na oportunidade concedida. [...] seu foco principal é evitar que o direito material acabe soçobrando frente a exigências formais ou a eventuais falhas na condução do processo pelas partes” (Processo, igualdade e colaboração os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como meio de redução das desigualdades no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 192, p. 47-80, fev. 2011. p. 55). Fredie Didier Jr. conclui que, em situações como a preceituada no artigo 321 do Código de Processo Civil, o magistrado tem “[...] o dever de apontar as deficiências das postulações das partes, para que possam ser supridas. Trata-se do chamado dever de prevenção, variante do dever de proteção” (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, p. 130).

187

De igual forma, se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no artigo

337, o juiz determinará a oitiva do autor, no prazo de quinze dias, permitindo-lhe a

produção da prova.

O artigo 352 dispõe que, “verificando a existência de irregularidades ou de

vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30

(trinta) dias”. A situação apontada neste dispositivo ocorre por exemplo quando o

juiz se vê diante de uma demanda que comporta a existência de litisconsorte

passivo necessário e que, por alguma razão, o autor não requereu na petição inicial

a citação do outro réu. Quando tal acontece, cabe ao juiz, em atitude de total

preservação do processo, determinar ao autor a adoção das providências

necessárias à citação do réu ignorado. Ao atuar dessa forma o juiz estará realizando

o competente saneamento do processo fora do momento indicado no artigo 357 do

CPC de 2015 e, consequentemente, resolverá uma questão processual pendente e

prejudicial à eficácia da sentença.

A mesma previsão atualmente encontrada no artigo 357, inciso I, constava

no artigo 331, § 2º, do CPC de 1973. Assim, muito embora seja dever do magistrado

apurar logo no início da demanda se estão presentes as condições da ação464 e os

pressupostos processuais, abre-se uma nova oportunidade para que o juiz, em

caráter mais direcionado e preciso, possa declarar saneado o processo, iniciando-se

a fase instrutória.

464

No tocante às condições da ação, cujo atendimento deve ser avaliado pelo magistrado, assim leciona Luiz Fernando Bellinetti: “No caso de nosso ordenamento jurídico, a opção foi pela adoção dos requisitos condicionantes para o conhecimento do mérito do pedido, criando um juízo de admissibilidade da ação, com o escopo de verificar a existência de uma pretensão válida (que satisfaz os requisitos - condições da ação), para somente após admitido estarem presentes, passar-se ao conhecimento do pedido em sua perspectiva material, dizendo então o Estado se o autor tem o direito subjetivo material invocado ou se sofreu uma lesão que enseje a reconstituição desse direito. Constata-se, pois, que nesta sistemática só tem o direito de ação aquele que preenche os requisitos de admissibilidade, ou seja, as denominadas condições da ação.” (Ação e condições da ação. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 96, p. 260-266, out./dez. 1999. p. 262). Sobre o tema, José Roberto dos Santos Bedaque destaca: “As condições da ação constituem, sem dúvida – e desde que compreendidas dentro de seus devidos limites -, noção extremamente útil à visão instrumentalista do direito processual e à relativização do binômio direito-processo. Veja-se, por exemplo, a ideia de interesse, concebida como utilidade da prestação jurisdicional em função de seus escopos, todos ligados ao direito material. O Estado prevê medidas processuais adequadas para cada situação de direito material. Para verificar a presença do interesse, indaga-se, à luz dos fatos narrados pelo autor e com dados da relação substancial, se o provimento judicial pleiteado será útil para o fim do processo; se a medida requerida é necessária e adequada aos objetivos jurídicos, políticos e sociais do processo, estes também exteriores à relação processual. Todo este exame, portanto, é feito com os olhos voltados para fora do processo, para a situação da vida trazida à apreciação do juiz. Verifica-se se o instrumento escolhido é útil, necessário, adequado ao seu objeto.” (Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 114).

188

Como mencionado linhas atrás, essa regra já existia no CPC de 1973, mas

não foi seguida de forma adequada pelos magistrados na medida em que muitos

não utilizavam o chamado “despacho saneador” para enfrentar as questões

processuais pendentes no momento adequado. Sob o argumento de que os

supostos vícios existentes no processo relativos às condições da ação devem ser

avaliados com o mérito, muitos magistrados declaravam o processo saneado e

adiavam a solução do problema para o momento da prolatação da sentença.

Esse modo de proceder dos magistrados tem por base a aplicação da

chamada teoria da asserção465, que nada mais é do que a afirmação de que as

“condições da ação” em geral (e em especial a legitimidade ad causam) são

matérias que se misturam com o verdadeiro mérito da demanda e, por isso, devem

ser tratadas e decididas junto com ele466.

Em oposição à teoria da asserção encontra-se a teoria eclética, ou

concretista, desenvolvida por Liebman, em que a presença das condições da ação é

aferida conforme a verdadeira situação trazida a julgamento.

De acordo com teoria eclética, se o magistrado após a dilação probatória

constatar que a parte não é legítima deverá pronunciar a carência de ação e não

julgar o pedido improcedente.

Nesse sentido, importantes são os ensinamentos de Alexandre Freitas

Câmara467:

Parece-nos que a razão está com a teoria da asserção. As condições da ação são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em

465

Por exemplo: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 278-293. 466

Kazuo Watanabe, ao considerar a teoria da asserção, explica: “O juízo preliminar de admissibilidade do exame do mérito se faz mediante o simples confronto entre a afirmativa feita na inicial pelo autor, considerada in statu assertionis, e as condições da ação, que são a possibilidade jurídica, interesse de agir e a legitimidade para agir. Positivo que seja o resultado dessa aferição, a ação estará em condições de prosseguir e receber o julgamento de mérito. Ser verdadeira, ou não, a asserção do autor não é indagação que entre na cognição do juiz no momento dessa avaliação." (Da cognição no processo cível. 3. ed. São Paulo: Perfil, 2005. p. 97-98). Ainda, segundo esta teoria, assinala Marcelo José Magalhães Bonicio: “As condições da ação devem ser analisadas in status assertionis, isto é, segundo aquilo que foi afirmado na inicial. Vencida a fase inicial do processo, todas as questões a serem decididas pelo juiz seriam questões de mérito, mesmo que relacionadas com a falta de legitimidade de uma das partes, por exemplo.” (Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 72-73). 467

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998. v. 1. p. 124-125.

189

sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das condições da ação significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tem do direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo carecedor de ação? Ao afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores desta teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade, em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as condições da ação quem fizer jus a um pronunciamento jurisdicional favorável. Parece-nos, assim, que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como fazemos. As condições da ação, portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquerir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.

Ainda, sobre o tema, é relevante a contribuição de João Batista Lopes468:

Uma das vertentes defende a teoria da asserção segundo a qual as condições da ação devem ser analisadas à luz das alegações e fatos constantes da inicial, ou seja, in statu assertionis; de outro lado, os partidários da teoria materialista entendem indispensável a análise da relação jurídica no plano do direito material. Sem embargo da polêmica que lavra acerca da matéria, é mais convincente a tese de que as condições da ação devem ser examinadas no plano hipotético (in statu assertionis) isto é, a partir da pretensão deduzida na inicial, sem incursão na esfera do mérito. Por outras palavras, é como se o juiz perguntasse a si mesmo: admitindo-se, por hipótese, a procedência do alegado na inicial, é o autor o sujeito ativo e o réu o sujeito passivo da relação jurídica, e estão presentes a exigibilidade do direito e a adequação do provimento pretendido? Conquanto seja objeto de larga polêmica em sede doutrinária – é recorrente, entre os doutrinadores, a reserva à qualificação das condições da ação como verdadeiras condições (em razão disso os autores italianos a elas se referem como condizioni dell’azione, isto é, as assim ditas condições da ação) – o certo é que, de lege lata, elas se situam fora do âmbito do mérito.

Independente da corrente doutrinária adotada, não apenas as condições da

ação mas também os pressupostos processuais – e sua existência – precisam ser

identificados e abordados logo no início do processo. O saneamento compartilhado

é o último momento, antes do início da fase instrutória, dedicado à confirmação da

existência e da validade ou não dos pressupostos processuais necessários à

468

LOPES, João Batista. Pareceres, p. 20- 21.

190

prolatação de uma decisão de mérito469.

Ao corrigir os vícios do processo antes da prolatação da sentença o

magistrado estará dando uma excelente contribuição para a afirmação dos princípios

da efetividade470 e da duração razoável do processo. É por isso que a identificação e

o saneamento prematuros das questões processuais pendentes reforçam o conceito

daquilo que se deseja firmar, ou seja, a necessidade de construção de um formato

de saneamento contínuo do processo471.

469

Sobre os pressupostos processuais, assim disserta Leonardo Greco: “A doutrina processual procurou tratar da matéria através do instituto dos pressupostos processuais, por meio do qual pretende definir o conteúdo dessas normas, compreender a sua função e o seu alcance e disciplinar o seu exame pelo juiz, já que, antes de qualquer apreciação sobre o direito material das partes ou sobre o seu direito a um pronunciamento judicial sobre esse direito material, deve o juiz zelar pela legalidade e validade da sua própria atuação e pelo respeito às garantias democráticas mínimas de um processo justo. Esse exercício da jurisdição para verificar os pressupostos de validade dele próprio levou parte da doutrina a condenar o conceito de pressupostos processuais, pois seria uma contradição que essa validade fosse objeto do processo, da discussão processual e de decisões jurisdicionais válidas, e que essa validade fosse pressuposto do próprio processo. A falta dos pressupostos processuais não seriam pressupostos de validade do processo, mas requisitos de um pronunciamento sobre o mérito da causa. Além disso, o conceito estaria ligado à noção proveniente de Bülow, de que o processo teria a natureza de uma relação jurídica, concepção que teria entrado em crise, por não atender ao caráter dinâmico do processo.” (Instituições de processo civil. Introdução ao direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. I. p. 325-326). 470

De acordo com Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier, na aplicação do princípio da efetividade do processo, "[...] os mecanismos processuais (isto é, os procedimentos, os meios instrutórios, as eficácias das decisões, os meios executivos) devem ser aptos a propiciar decisões justas, tempestivas e úteis aos jurisdicionados - assegurando-se concretamente os bens jurídicos devidos àquele que têm razão." (Curso avançado de processo civil - Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. I. p. 71). 471

Neste sentido, Trícia Navarro Xavier Cabral expõe: “O processo contemporâneo utiliza as formas e formalidades a seu favor, e o controle precoce dos atos deve servir para tentar salvar o processo e não para invalidá-lo. Como se vê, à ideologia do processo foram agregados os valores da efetividade e da duração razoável. Com efeito, é consequência lógica da jurisdição proporcionar uma resposta de mérito aos jurisdicionados e não virar refém das regras de processo, de modo que eventuais defeitos processuais devem ser corrigidos sempre que possível, e o quanto antes, a fim de que o processo possa ter seu regular e tempestivo desfecho. Para tanto, o juiz deve se valer do saneamento do processo, feito por meio do juízo de admissibilidade dos atos processuais e também do procedimento como um todo, eliminando vícios, irregularidades ou nulidades processuais e preparar o processo para receber a sentença. Em outros termos, a ideia de que o saneamento do processo só se inicia após o contraditório e subsiste somente até a fase instrutória não se confirma, uma vez que a referida providência do juiz ocorre em diversos momentos do processo, desde a inicial, e independe da citação do réu. Destarte, o juízo de admissibilidade é ato cognitivo e tem como conteúdo a análise da regularidade formal e material do processo. Trata-se de provimento jurisdicional de cunho decisório, que visa: (a) declarar a regularidade do processo; (b) determinar a correção de defeitos sanáveis; ou (c) desconstituir a relação jurídica processual diante da existência de vícios insanáveis ou questões prejudiciais. Por sua vez, a cognição do juiz pode se dar em relação à admissibilidade do processo ou então ao seu mérito. Assim, compete ao juiz da causa o exercício do juízo de admissibilidade das questões que surgem durante o procedimento, resolvendo-as tempestivamente para que se possa alcançar o provimento de mérito. Dessa forma, em regra, o juízo de admissibilidade se inicia com os pressupostos processuais, passando pelas condições da ação, prosseguindo pelas prejudiciais de mérito, até se chegar ao exame do mérito propriamente dito. Não obstante, ele pode envolver questões de fato ou de direito, prévias ou de fundo, processuais ou materiais, capazes de comprometer ou impedir o alcance de um pronunciamento judicial meritório. Além disso, o sistema processual brasileiro estabelece técnicas quanto à ordem cronológica de enfrentamento das questões previas, como forma de superar gradativamente as etapas, de acordo com a prejudicialidade da

191

A decisão saneadora prevista no artigo 357 do CPC de 2015 não é

exatamente o momento para corrigir as questões que devem ser corrigidas, mas,

quando o processo é conduzido por um juiz colaborativo, é a fase em que se deve

declarar saneado o processo, ou seja, está livre e desimpedido para que cumprir a

sua finalidade.

3.6 DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES DE FATO SOBRE AS QUAIS RECAIRÁ A

ATIVIDADE PROBATÓRIA: ESPECIFICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA (Art. 357,

inc. II472, do CPC de 2015)

Uma das grandes novidades trazidas pelo artigo 357 do CPC de 2015 se

refere ao detalhamento das providências que devem ser realizadas no momento do

saneamento do processo. Se o CPC de 1973 tratava de forma genérica sobre a

necessidade de fixação dos pontos controvertidos, agiu bem o legislador do novo

diploma processual civil ao estabelecer a necessidade de delimitação das questões

de fato que influenciam a lide em debate.

A delimitação das questões de fato pelo magistrado473, em conjunto e com o

questão para o processo, garantindo que seja feito um saneamento progressivo, de acordo com a finalidade da matéria para a cadeia procedimental. Com isso tem-se a ordem pública processual, entendida como técnica de controle adequado e tempestivo das irregularidades e do desenvolvimento do processo, que tem o juiz como seu principal protagonista. Assim, com base no dever de direção do processo, o magistrado tem de atentar para a existência de obstáculos que possam macular o ato ou o procedimento, para afastá-los o quanto antes do processo, permitindo a entrega integral da tutela jurisdicional.” (A improcedência liminar do pedido e o saneamento do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 252, p. 147-163, fev. 2016. p. 150-151). 472

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; [...].” 473

Conforme argumentam William Soares Pugliese e Marilia Pedroso Xavier, em relação às partes, o juiz “tem o dever de alertá-las para as questões de fato e de direito relevantes para o julgamento da causa, pois deve fazer com que as partes aproveitem ao máximo o processo em curso. Especificamente com relação aos fatos, o magistrado deve pedir esclarecimentos de fatos alegados, mas não explorados ou propor de ofício a produção de provas de tais alegações” (Decisões surpresa e inversão do ônus da prova. Revista de Processo Comparado, . São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, p. 181-196, jul./dez. 2015. p. 186). Seguindo este ponto de vista, Roberto Del Claro também anota: "O juiz que dirige materialmente o processo não permite que alegações de fato feitas pelas partes fiquem sem prova; não permite que provas relevantes juntadas ao processo fiquem sem discussão; não permite que as partes deixem de lado importantes aspectos jurídicos da controvérsia; não permite que matérias que podem ser conhecidas de ofício fiquem sem discussão" (Direção material do processo. 2011. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2011. p. 176).

192

apoio das partes, é de fundamental importância e vários são os motivos. Primeiro,

quando os fatos que devem ser objeto de verificação pelo juiz estão bem definidos

no processo, as partes (e o próprio juiz) terão mais clareza sobre a atenção que

precisarão dar na apresentação dos seus argumentos e principalmente na

demonstração da dinâmica das circunstâncias que ensejaram a propositura da ação.

Segundo, ao colocar de forma clara os fatos debatidos ficará mais claro para todos

qual o nível de participação de cada parte nos fatos controversos; isso ajudará o juiz

na construção do nexo causal e principalmente na atribuição de responsabilidades.

Por último, uma vez definidos os fatos controversos, o juiz terá plena condição de

orientar as partes a respeito das provas que serão necessárias à formação do seu

convencimento.

Vale lembrar que o legislador, ao inserir o inciso II no artigo 357 em

comento, deixou de lado a exigência de que os fatos escolhidos como objeto do

saneamento do processo sejam fatos controvertidos. Ao tratar no CPC de 1973

apenas sobre a necessidade de definir as “questões controvertidas”474, o legislador

fomentou de forma indireta o litígio pois as partes utilizavam esse expediente para

poder atribuir eventuais responsabilidades. Diferentemente, o CPC de 2015 inovou

ao relatar, de maneira suave e inteligente, a necessidade de delimitação das

questões de fato, não importando se são ou não controversas.

Ora, a definição sobre a controvérsia ou não de um determinado fato cabe

exclusivamente ao juiz e não às partes. Ao avaliar os argumentos das partes é o juiz

quem deve concluir se existem ou não divergências a respeito da situação fática sub

judice. Nesse sentido, fez bem o legislador ao retirar da lei a expressão “questões

controvertidas” porque este é um conceito vago e indeterminado e nunca será

interpretado de forma igual pelos sujeitos do processo.

Ao delimitar os fatos o magistrado deverá ficar atento a todas as situações e

a todos os eventos que traduzem a causa de pedir da demanda. Em uma audiência

de saneamento compartilhado, por exemplo, quando questões complexas são

debatidas poderão surgir novos fatos que, decorrentes de fatos já expostos na lide,

precisam ser mais bem esclarecidos e enfrentados pelo juiz. De forma alguma,

474

Na opinião de Darci Guimarães Ribeiro: “A expressão ‘pontos controvertidos’ [...] é equivalente à expressão ‘questões controvertidas’ ou, como querem os portugueses, ao questionário, e tem por finalidade delimitar as questões sobre as quais recairá a prova. É o chamado thema probandum que se refere à necessidade concreta de se fazer prova sobre algo que se encontra duvidoso na cabeça do juiz, mais especificamente, as questões de fato.” (Audiência preliminar e oralidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 759, p. 767-791, jan. 1999. p. 783).

193

significa que a delimitação das questões de fato da lide devam recair somente sobre

os fatos postos na petição inicial do autor ou na defesa do réu, mas também sobre

qualquer outro fato que, na visão do juiz, seja importante para o enfrentamento

saudável e fundamentado da lide.

Os fatos pertencem ao mundo e não às partes. Da mesma forma que o juiz

julga conforme o direito que está presente no mundo – e não conforme o direito que

é trazido aos autos pelas partes –, caberá ao magistrado, na qualidade de

destinatário final da prova, ao lado dos demais sujeitos do processo, verificar as

circunstâncias completas do processo e definir com cautela quais são as situações

fáticas influenciadoras da demanda. Essas situações, sem exceção, deverão tornar-

se objeto e parte da sentença.

Outro ponto importante sobre esse artigo inovador diz respeito ao tipo e à

profundidade da interpretação que se deve fazer na leitura do dispositivo legal. Muito

embora o inciso II do artigo 357 disponha que o juiz, em decisão de saneamento do

processo, deverá delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade

probatória, o saneamento do processo deve ser concebido em uma perspectiva mais

ampla. Significa dizer que o legislador do CPC de 2015 procurou dar ao processo

um rótulo mais democrático e efetivo, transformando o antigo “despacho saneador”

em uma atividade mais abrangente destinada também à organização do processo. É

o momento, portanto, que precisa ser utilizado com uma finalidade maior do que

simplesmente fixar os pontos controvertidos (como previa a lei processual anterior) e

para tanto é essencial definir meios e oportunidades para tornar o processo mais

organizado e estruturado. Com esse propósito, é dever do juiz utilizar as

prerrogativas e as premissas do artigo 357 do CPC de 2015 com a finalidade de

construir, com o saneamento, um verdadeiro roteiro de julgamento onde fiquem

postas de forma clara todas as questões e todos os temas que deverão ser

enfrentados na sentença e, bem por isso, precisam ser focados e tratados com

prioridade pelos sujeitos do processo.

Não há, portanto, uma orientação para que somente os fatos sobre os quais

recairão as atividades probatórias devam ser delimitados e expostos na decisão

saneadora. Ao contrário, na tarefa de organizar o processo caberá ao juiz elencar na

decisão saneadora todos os fatos importantes (ainda que incontroversos e que não

dependam de prova) e que deverão, por consequência, ser objeto de avaliação no

momento de prolatação da sentença. Acrescente-se que os fatos inseridos e

194

mencionados na decisão saneadora vincularão o juiz no sentido de que deverão ser

analisados na decisão final do processo.

Ao elencarem na decisão saneadora todos os fatos considerados

importantes para o julgamento da lide, não importa se controversos ou se devam ser

objeto de atividade probatória, as partes e o juiz prestigiam a transparência e

legitimam o processo; quer dizer: a “regra do jogo” ficará clara para os sujeitos do

processo e não haverá decisão-surpresa, com elementos, abordagens e

informações inéditos e desconhecidos.

Nesse sentido, percebe-se que a função do juiz no processo vai muito além

da prolatação da sentença. O dever do magistrado é cumprir a sua função

constitucionalmente atribuída de forma transparente e leal475 para com as partes e

isso significa atentar para todas as circunstâncias que gravitam sobre o processo e,

em respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório,

conferir às partes a oportunidade de argumentar e trazer aos autos informações e

provas a respeito das controvérsias e demais fatos considerados importantes pelo

magistrado.

A lição de William dos Santos Ferreira476 sobre o princípio da máxima

eficiência dos meios de prova como alicerce do sistema processual concorre para

corroborar o protagonismo do juiz nesse sentido:

A máxima eficiência dos meios de prova assume um papel de extrema relevância. Em razão do momento histórico de ruptura com uma rigidez exagerada dos atos processuais relativos à prova no processo civil, provocada, normalmente, pela quantidade excessiva de regramento, que, ao contrário de assegurar a eficiência dos serviços judiciários, tem sido fonte de inflexibilidades incompatíveis com as necessidades do nosso tempo. Os obstáculos à eficiência instrutória não são tão homogêneos como anteriormente, em que os problemas se repetiam praticamente sem variação. Atualmente, seguir conduta-padrão, sem questionar o real

475

“No sentido léxico o termo leal pode ser entendido como ‘1 Conforme as leis da probidade e da honra. 2 Digno, honesto. 3 Franco, sincero. 4 Fiel.’; enquanto o termo probo pode ser entendido como ‘De caráter integro; honesto, justo, reto.’ Daí a razão pela qual o escopo do princípio é exigir de todos que participam do processo transparência e retidão de conduta, penalizando aqueles que agem de maneira contrária. Não é qualquer conduta, todavia, que está apta a caracterizar atitude contrária ao ideal da lealdade no processo, mas apenas situações consideradas fora de padrões da normalidade e da urbanidade necessária à convivência no processo. Assim, como os valores de cada indivíduo e de cada comunidade variam, é diante do caso concreto que se deve fixar o intérprete para reconhecer se houve ou não ofensa ao princípio, deixando de lado suas convicções pessoais e levando em conta os valores da comunidade na qual tramita o processo [Grifo dos autores].” Cf. OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil. Parte Geral. São Paulo: Verbatim, 2006. v. 1. p. 131). 476

FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível, p 185.

195

objetivo do comando normativo, não se coaduna com o que se espera (e se cobra) do processo civil, que é o esclarecimento efetivo, não apenas formal, das questões fáticas, sobretudo porque o Estado estará decidindo com premissas (fáticas) que, dentro do possível, devem corresponder aos anseios de um processo justo, não apenas no seu plano formal, repete-se, mais principalmente relativo à solução da matéria de fundo, sendo para isto que o Estado detém a jurisdictio. Em relação às partes, o princípio da máxima eficiência dos meios de prova tem duplo sentido: no primeiro, positivo, as partes têm assegurados meios instrutórios dotados de potência suficiente (qualidade) para que, se razão possuírem, demonstrarem o fato que lhes beneficia, sendo indisfarçavelmente um instrumento de atendimento dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A sutil incidência do princípio está não no aspecto quantitativo (meios à disposição), mas sim na sua qualidade técnica, aptidão e na forma de potencialização.

As partes, de fato, têm o direito constitucional de ver todos os seus

argumentos enfrentados na sentença de forma coerente e clara. Mais do que isso, é

para elas que o Estado se mobiliza e precisa agir como instrumento de pacificação

social, portanto, não poderá haver displicência do julgador no momento de

relacionar, de forma detalhada, as questões de fato.

Uma vez escolhidas as questões de fato que deverão ser objeto de

avaliação na sentença, cabe ao magistrado dar prosseguimento às providências

elencadas no artigo 357 do CPC de 2015, especificando os meios de prova

admitidos.

A especificação dos meios de prova de que trata a atividade saneadora deve

ser realizada de forma compartilhada e, principalmente, levando em consideração os

elementos constantes nos autos trazidos pelas partes tanto na petição inicial do

autor como na defesa do réu.

A propósito, a praxe forense e os próprios magistrados adotaram uma etapa

totalmente incoerente com o sistema que se pretende renovar. Como na petição

inicial o autor tem a obrigação de instruir a sua peça com todas as provas e todos os

documentos que considera essenciais para a compreensão da lide, inclusive

especificando as provas suplementares que pretende produzir, não há necessidade

de os juízes manterem, na vigência do CPC 2015, o despacho “em provas” com a

mesma configuração do pretérito CPC de 1973.

Conforme se demonstrará adiante, a petição em que as partes, na vigência

do CPC de 1973, usualmente especificavam as provas que pretendiam produzir

perdeu completamente a finalidade, devendo ser reconfigurada como manifestação

196

antecedente e preparatória às decisões que deverão surgir no ato do saneamento

do processo. Ademais, tal situação também se mostra incoerente quando se verifica

que a posição do réu na apresentação de sua defesa já sabe quais provas gostaria

de produzir, sendo por isso mesmo desnecessária a abertura de uma nova

oportunidade para a prática de ato já realizado.

Portanto, compete ao juiz avaliar os requerimentos anteriormente feitos

pelas partes (autor na petição inicial e réu na defesa) a fim de decidir como a

atividade probatória será realizada e definir quais meios de prova serão

considerados e utilizados pelas partes para reforçar e comprovar a consistência dos

seus direitos, conforme preceitua o artigo 369 do CPC de 2015: “as partes têm

direito de empregar todos os meios legais, bem como moralmente legítimos, ainda

que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se

funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.

A intenção do legislador com o dispositivo citado é defender e preservar o

princípio da máxima eficiência dos meios de prova, ou seja, nada adiantaria para as

partes a existência e a certeza de um bom direito e elementos capazes de lhes

garantir a sua fruição se o sistema fosse rígido, formal e ineficaz com relação à

maneira como as provas podem ser trazidas aos autos.

Leonardo Greco477, nesse sentido, advoga que:

Respeitado o núcleo duro e intransponível do respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais, todas as provas são admissíveis, numa concepção naturalista de prova, ou seja, de que tudo aquilo que serve para demonstrar a verdade dos fatos em qualquer outra área do conhecimento humano também serve para o Direito.

De fato, é do interesse das partes participar e colaborar na escolha dos

meios de prova que serão utilizados no encaminhamento da solução da lide, pois

deles dependerá a formação do convencimento do juiz e consequentemente o

resultado do processo. Como se trata de momento único e central para todos os

envolvidos no litígio, a lei optou por tratar o assunto de forma bem abrangente e

clara com o intuito de preservar o princípio da atipicidade, ou seja, aceitam-se nos

autos do processo não somente os meios de prova previstos em lei, mas também

outros não previstos, respeitados os postulados da licitude e da moralidade.

477

GRECO, Leonardo. Instituições de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. II. p. 123-124.

197

Muito embora o CPC de 1973 não tenha previsto a possibilidade de

produção de provas eletrônicas (e-mail, páginas da internet e fotos digitais, por

exemplo), a jurisprudência sempre se firmou no sentido de aceitá-las478, não como

novo meio de prova, mas como procedimento atípico.

Apesar de a realização de um procedimento decisório compartilhado com os

sujeitos do processo ser muito útil, a opinião das partes não é exclusivamente

suficiente para determinar o teor da decisão do juiz. As partes, com legitimidade,

farão os requerimentos necessários à defesa de seus direitos, mas compete ao juiz,

e somente a ele, definir e escolher quais provas deverão ser produzidas, aí incluída

a pertinência ou não dos meios de provas sugeridos pelas partes.

Além disso, à guisa do que previa o artigo 130 do CPC de 1973, substituído

pelo artigo 370 do CPC de 2015, caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento das

partes, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

A produção de provas de ofício figura, portanto, no rol de deveres do juiz,

sempre que entender necessário buscar novos elementos capazes de auxiliá-lo na

formação do seu convencimento. Reforça essa afirmação o fato de que:

Vivemos em um Estado ativo, no qual, os entes envolvidos, também devem ter comportamento ativo. Dessa forma, resta evidente que os magistrados, em vista do nosso modelo constitucional de processo civil, não poderão deixar de realizar a atividade probatória, ainda que de ofício, caso esta seja de relevância para a obtenção de um julgamento justo e qualitativo. Por tal razão, exige-se o amplo reconhecimento dos poderes instrutórios dos magistrados e, até mesmo, investigatórios, para que haja o atingimento da missão estatal e constitucional delegada ao Poder Judiciário. Por outro lado, uma vez legitimados esses poderes, é preciso que o poder-dever dos magistrados seja executado com genialidade e criatividade, e que não falte disposição aos juízes na condução do processo.

479

478

Neste sentido: “AÇAO ORDINÁRIA DE CANCELAMENTO DE PROTESTO PRESTAÇAO DE SERVIÇOS VENDA DE CRÉDITOS DE CELULAR DUPLICATAS PROTESTO - RECONVENÇAO PLEITEANDO A CONDENAÇAO DA AUTORA AO PAGAMENTO DA DÍVIDA VALOR CERTO - JUNTADA DE DOCUMENTOS ELETRÔNICOS VALIDADE [...] Inicialmente, há que se observar que a prova eletrônica é hábil a comprovar a ocorrência de um fato e, se colhida corretamente, faz prova mais eficaz do que aquela colhida por outro meio. Para o correto uso e admissibilidade da prova eletrônica em juízo, devem ser observados os padrões técnicos de manuseio, coleta e guarda. As provas eletrônicas somente estarão a salvo de serem declaradas inválidas, caso sejam mantidas suas integridade e autenticidade no procedimento de captura de evidências [...]. [Grifo nosso]” PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 771386-4 - Relator: José Cichocki Neto - Órgão Julgador: 12ª Câmara Cível. Curitiba, PR; Julgamento: 11/04/2012. Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21548844/7713864-pr-771386-4-acordao-tjpr/inteiro-teor-21548845>. Acesso em: 18 set. 2016. 479

GOMES, Gustavo Gonçalves. Juiz participativo – meio democrático de condução do processo, p. 84.

198

Por outro lado, é ainda dever do magistrado apreciar com muita atenção

todos os requerimentos feitos pelas partes para que os meios de prova sejam

avaliados em consonância com o direito debatido nos autos, tudo com o propósito

de garantir a manutenção de um processo com pleno respeito às garantias

fundamentais.

O legislador do CPC de 2015 acertou ao considerar no artigo 370 que a

decisão que indeferir atos inúteis e protelatórios480 deve ser plenamente

fundamentada, o que trará legitimidade ao comando judicial.

Apesar de a fundamentação das decisões ser uma exigência

reconhecidamente constitucional, este princípio deve estar presente em todo o curso

do processo, para evitar atitudes arbitrárias e mácula ao devido processo legal.

Gomes Canotilho481, sobre a exigência de fundamentação das decisões

judiciais, assevera que ela atende a três razões fundamentais:

(1) controlo da administração da justiça; (2) exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes; (3) melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.

Essa lição serve para alertar sobre os indeferimentos sem qualquer

fundamentação a respeito de pleitos realizados no curso da fase instrutória. Para

além da simples exigência de construção de decisões fundamentadas, é imperioso

que o juiz cumpra de forma coerente e adequada o seu papel, evitando nulidades no

curso do processo e, especialmente, o cerceamento de defesa.

Na trilha da participação democrática no processo, entende-se que o juiz

deva deferir a produção da prova requerida pelas partes mesmo que a aceitação de

480

“Por sua vez, devido ao peso que atos inúteis e protelatórios representam na duração do processo, nota-se que tal incumbência do juiz – velar pela duração razoável do processo – encontra-se intimamente ligada ao disposto no inciso seguinte, concernente ao dever que tem o magistrado de indeferir postulações meramente protelatórias. Aliás, especialmente no que concerne à fase instrutória, onde se abre uma larga via para a protelação, o legislador torna-se até mesmo redundante quando, no parágrafo único do artigo 367, ao reproduzir o conteúdo do artigo 130 do CPC/1973, determina que o juiz indefira, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Nesse mesmo sentido e em outros tantos casos expressos no novo Código que dão instrumentos ao juiz para zelar pela duração razoável do processo, merece ser mencionada a prerrogativa, atribuída ao juiz pelo artigo 461, de indeferir a perícia quando: a prova do fato não depender de conhecimento especial técnico; for desnecessária em vista de outras provas produzidas; e a verificação objeto da perícia for impraticável.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil, p. 450. 481

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 621.

199

um determinado meio de prova não seja relevante para a formação do seu

convencimento. Além disso, é salutar que a parte se sinta confortável com a

oportunidade que lhe foi dada. Ademais, a negativa de produção de determinada

prova é ato extremamente delicado porque pode configurar violação às garantias

fundamentais do processo482.

3.7 DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA: A LIBERDADE DO JUIZ NA

INSTRUÇÃO DO PROCESSO (Arts. 357, inc. III483, e 373484 do CPC de 2015)

A seção anterior versou sobre dois importantes aspectos da condução do

processo: (i) os meios de prova escolhidos pelo juiz e os sugeridos pelas partes para

482

Segundo os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “[...] ainda que o magistrado esteja convencido da existência de um fato, não pode dispensar a prova se o fato for controvertido, não existir nos autos prova do referido fato e, ainda, a parte insistir na prova. Caso indefira a prova, nessas circunstâncias, haverá cerceamento de defesa e o destinatário da prova é o processo” (. Código de processo civil comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 606). Neste diapasão encontra-se entendimento jurisprudencial, ainda que não unânime: “APELAÇÃO CÍVEL. Prestação de Serviços. Ação de Cobrança. Sentença de Improcedência. Falta de comprovação das alegações contidas na Inicial. Inconformismo. Acolhimento. Cerceamento de Defesa configurado. Ausência de realização de prova testemunhal requerida pela Parte e capaz de dirimir a controvérsia instaurada na Lide. Inteligência do artigo 402 do Novo Código de Processo Civil. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO para anular a r. Sentença de Primeiro Grau, determinando-se o retorno dos Autos à Vara de Origem para a realização da prova oral pretendida [Grifo nosso].”. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação n. 0004548-82.2012.8.26.0120 - Relator: Penna Machado - Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado. São Paulo, SP. Julgamento: 18/05/2016. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/342015295/andamento-do-processo-n-0004548-8220128260120-apelacao-25-05-2016-do-tjsp>. Acesso em: 18 set.2016. 483

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; [...].” 484

“Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1

o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade

ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2

o A decisão prevista no § 1

o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do

encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3

o A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo

quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4

o A convenção de que trata o § 3

o pode ser celebrada antes ou durante o processo.”

200

a construção democrática, saudável e fundamentada da decisão judicial, e (ii) a

indicação dos meios de prova como ato de grande relevância para a fase instrutória

e consequentemente para o deslinde da causa em si.

A escolha do meio de prova a ser empregado nos autos do processo e no

curso da fase instrutória, contudo, é uma medida apenas inicial no que tange às

providências que deverão ser adotadas para a configuração de uma cognição

exauriente da lide. Nesse sentido, o novo diploma processual civil trouxe em seu

bojo uma grande e importante inovação para todo o sistema na medida em que

estabeleceu uma maior flexibilidade na forma como o ônus da prova485 deve ser

distribuído entre as partes.

Apenas para relembrar, o CPC de 1973 tratava sobre o tema em seu antigo

artigo 333 que, de forma muito rígida, estabelecia com clareza como deveria ser

realizada a distribuição do ônus da prova486. Assim, ao autor caberia o ônus de

485

Suzana Santi Cremasco ressalta o aspecto subjetivo do ônus a ser distribuído entre as partes: “Com efeito, ‘o maior interessado em que o juiz se convença da veracidade de um fato é o próprio litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro. É esse interesse que estimula a parte a atuar no sentido de persuadir o julgador mediante as provas de que o fato é o próprio litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro. É esse interesse que estimula a parte a atuar no sentido de persuadir o julgador mediante as provas de que o fato realmente ocorreu. Assim, o desejo de vencer o litígio cria, no litigante, a necessidade de pesar os meios de que se pode valer em seu trabalho de persuasão e de esforçar-se para que esses meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa’. O ônus subjetivo é, nesse contexto, o aspecto do ônus da prova que distribui entre demandante e demandado o encargo de produzir as provas dos fatos necessários ao julgamento da ação, apontando – a partir de critérios determinados e que serão discutidos mais adiantes – quais os fatos que devem ser provados por cada qual, com vistas a obter uma decisão favorável. Ou, nos dizeres de Leo Resenberg é: ‘O ônus que incumbe a uma parte de subministrar a prova de um fato controvertido, mediante a sua própria atividade, se quer evitar a perda do processo’. O ônus subjetivo estabelece, pois com quais dos litigantes se relacionam os fatos a serem provados e, a partir daí, a quem compete provar determinado fato, quem deve promovê-lo, ou ainda, a quem interessa que se produza certa prova, indicando, com isso e por consequência, aquele que será afetado na sentença pela falta da prova respectiva. Assim, a função do ônus subjetivo é determinar uma regra de conduta que deverá ser adotada pelos litigantes se almejarem obter êxito na ação, regra essa que presidirá e norteará a atividade das partes, no curso da instrução.” (A distribuição dinâmica do ônus da prova. Rio de Janeiro: Gz Editora, 2009. p. 29-30). 486

Cândido Rangel Dinamarco comenta sobre a relevância e aspectos do ônus probatório: “É de suma importância o ônus da prova, que também varia de intensidade conforme a natureza do litígio e consequente maior ou menor disponibilidade das faculdades e chances processuais. Onde mais se sente o princípio dispositivo, mais presente está o peso desse ônus e as consequências praticamente causativas da omissão da prova, no sentido de que, para o juiz ‘fato não provado é fato inexistente’ (regra de julgamento) e, uma vez finda a instrução, as afirmações, omissões e negativas referentes aos fatos de relevância para o julgamento serão da experiência probatória. O Direito à prova é de primeira importância para a efetividade da garantia constitucional da ação e da defesa e, correlativamente, o seu não-exercício, nos casos de maior disponibilidade e na medida da disponibilidade do direito substancial em cada caso. Conduz a consequências mais graves quanto ao resultado substancial do processo.” (A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 189-190). Ainda sobre o assunto, importantes são os ensinamentos de Luiz Eduardo Boaventura Pacífico: “Incialmente, é bem de ver que o ônus da prova encontra fundamento sob dois prismas diversos e complementares. De um lado, mesmo na hipótese de não restarem suficientemente provados os

201

provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu cumpriria o dever de provar os

fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito.

Muitas críticas eram feitas ao sistema processual civil anterior por conta da

falta de liberdade do juiz em avaliar os casos concretos. Afinal, a regra nem sempre

se encaixava de forma adequada em algumas situações e isso acabou trazendo

muitos prejuízos dentro e fora do processo. Como o magistrado não podia avaliar as

situações concretas nem distribuir o ônus de forma dinâmica, isso acabava por gerar

um engessamento da sua função487.

Ao juiz competia apenas ditar a regra imposta pela lei e, de igual forma,

fiscalizar a sua aplicação. O juiz se transformou, portanto, em um mero burocrata e

fiscal da regra, não lhe sendo permitido ter visão crítica a respeito da sua

efetividade. Essa situação, que não era mais ponderada e razoável, demandou uma

atenção especial do legislador.

É certo, porém, que em um passado recente o sistema conseguiu

modernizar-se em parte, especialmente com as demandas de natureza

consumerista e a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em

circunstâncias específicas, especialmente quando preenchidos os requisitos legais e

fatos relevantes da lide, é imperioso que o juiz profira uma decisão: ele não pode se abster de julgar, proferido non liquet. De outro – já que a decisão é inafastável e constitui precioso elemento para a eliminação da insegurança jurídica, contribuindo dessa forma para a paz social -, cumpre verificar qual o conteúdo que a decisão deve assumir em tal hipótese. Em outras palavras: diante da inevitabilidade do julgamento, quem deve sofrer as consequências do fato não provado? Ao permitir a prolação de uma decisão mesmo diante da incerteza sobre os fatos, Echandía realça a extraordinária importância da noção do ônus da prova para o direito e, em especial para o processo: ‘a segurança jurídica, a harmonia social, o interesse geral em que se realizem os fins próprios do processo e a jurisdição exigem suas existências’. Sob este aspecto, o ônus da prova está intimamente ligado ao exercício da jurisdição, sendo encarado como regra de julgamento. Mesmo nas hipóteses em que a fase probatória não tenha permitido ao juiz alcançar suficiente convicção sobre os fatos relevantes e contravertidos, como o juiz não pode deixar de julgar, a regra viabiliza a prolação de sua indeclinável sentença em cada caso concreto” (O ônus da prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 80- 81). 487

Sandra Aparecida Sá dos Santos lembra que, na vigência do Código de 1973, existiam três teorias acerca do momento próprio para o ato judicial que determina a inversão: “No despacho inicial; no despacho saneador; na sentença. Os autores do anteprojeto, de que resultou o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, além do jurista CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, são os defensores da teoria de que o momento oportuno para a inversão é o da sentença, tendo como fundamentação o seguinte argumento: os dispositivos sobre o ônus da prova constituem regras de julgamento. Esse posicionamento é, data vênia, decorrente de equivoco por dois motivos: a) ofende, de maneira absoluta, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa; b) as regras de distribuição do ônus da prova são de procedimento. A finalidade do instituto da inversão é de facilitar a defesa dos diretos do consumidor. É preciso destacar que tudo dependerá do procedimento adotado, isto é, cada rito, necessariamente, deve ter um tratamento diferenciado, em respeito às características estabelecidas pela lei. Exemplificando, o momento da inversão no procedimento ordinário não pode ser o mesmo das ações processadas sob o manto do rito sumário.” (A inversão do ônus da prova como garantia constitucional do devido processo legal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 81).

202

demonstrada a hipossuficiência do consumidor, o juiz poderia inverter o ônus da

prova. O tema é tão importante e sério que foi inserido no CDC, no capítulo

indicativo dos direitos básicos (fundamentais) do consumidor488.

A defesa e a proteção dos direitos fundamentais do consumidor traduzem

um primeiro e importante avanço, mas o Judiciário, bem sabemos, enfrenta

diariamente um sem-número de demandas que, apesar de não terem como objeto o

direito do consumidor, precisam de um regramento mais flexível sobre a distribuição

do ônus da prova. De olho nessa lacuna, o legislador optou por desenvolver um

sistema mais acolhedor, com base na aplicação da teoria das cargas dinâmicas das

provas.

A distribuição mais dinâmica do ônus da prova estimula as partes a atuarem

no processo de forma mais intensa e com boa-fé. Como no sistema do CPC de 1973

era aplicada uma premissa fixa a respeito do tema, em muitas situações as partes

simplesmente atuavam no processo de acordo com a regra que lhes era imposta,

sem a menor preocupação em preservar o princípio da transparência. Assim, em

muitas situações as partes deixavam de se manifestar ou de trazer aos autos

elementos importantes para a formação da convicção do magistrado porque

determinadas provas poderiam prejudicar o seu direito.

Portanto, como a legislação processual não obrigava as partes a carrearem

aos autos todas as provas que possuíssem e o juiz, de certa forma, também não

poderia violar a regra489, a fase instrutória se tornava não raro um grande jogo de

488

Ainda, na vigência do Código de 1973, Eduardo Cambi disserta acerca do ônus probatório nas ações judiciais envolvendo relação de consumo: “Dentro da categoria do onus probandi, como o fato de interesse coletivo não suficientemente provado seria considerado inexistente, impedindo a concretização dos direitos transindividuais, com prejuízo para grande parcela da população, o Código de Defesa do Consumidor criou o mecanismo da inversão do ônus da prova, com escopo de facilitar a defesa desses direitos em juízo e, também, melhor promover o princípio da isonomia processual. Afinal, se é mais fácil para o demandado demonstrar a licitude ou a não lesividade de seu comportamento, não há razão para se manter a situação como está (status quo), quando o demandante, embora possa vir a ter razão, não pode - em razão da maior dificuldade na produção da prova - obter a tutela jurisdicional. O art. 333 do CPC aplicado, sem restrições, ao processo coletivo seria uma grande fonte de injustiças, porque não permitiria a tutela de direitos transindividuais importantes para a sociedade em decorrência das maiores dificuldades que o autor da ação teria para demonstrar os fatos juridicamente relevantes.” (Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais: alcance exegético do art. 6.º, VIII, do CDC. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 31, p. 291-295, jul./set, 2003. p. 292). 489

Nos dizeres de João Batista Lopes: “[...] embora as tendências modernas no sentido do fortalecimento dos poderes do juiz, não devemos superestimar o comando do art. 130 do CPC para converter o magistrado em investigador de fatos ou juiz de instrução. Não se afigura adequado, pois permitir que o juiz substitua as partes na tarefa que lhes é atribuída, premiando sua omissão e descaso. Mas também não se deve subestimar a força do preconceito, que se insere nas modernas tendências do processo civil, presentes a função social do processo e os ideais de justiça.

Em suma,

203

estratégia e interesses. Nesse jogo, as partes apresentavam apenas as provas e os

elementos que entendessem pertinentes e mesmo que o juiz soubesse da existência

desses elementos, não poderia violar a regra do jogo imposta pelo artigo 333 do

CPC de 1973490.

A convivência com um processo civil utilizado pelas partes como estratégia

nunca fez bem ao sistema e causou grandes injustiças ao longo do tempo. Na

prática, ganhava o processo não aquele que tivesse o direito e as melhores provas,

mas a parte que soubesse manipular de forma mais inteligente e cruel as regras do

jogo. O que era bom aparecia; o que era ruim e prejudicial à parte era escondido de

forma inviolável e maliciosa491.

O ônus da prova nesse sentido surge como garantia da realização do

julgamento, mesmo que não haja convicção judicial acerca da ocorrência ou

inocorrência dos fatos necessários ao julgamento. Na eventual hipótese de o juiz se

deparar com um conjunto probatório que não permite a solução completa de o princípio dispositivo não foi abandonado, mas possui, agora, nova configuração (cf. p. 78, in fine). Há que ressaltar, ainda, que a regra geral do art. 130 do CPC está reforçada por disposições particulares que oferecem ao juiz instrumentos importantes na busca da verdade (cf. especialmente os arts. 418 e 440, CPC etc.). Cabe advertir, por último, que as iniciativas probatórias do juiz devem limitar-se aos fatos controvertidos do processo, não lhes sendo lícito alterar a causa petendi, introduzindo fatos ou fundamentos novos.” (A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 76-77). 490

Robson Renault Godinho bem define esse cenário: “Por mais que se acredite que o processo seja inspirado pela boa-fé objetiva, pela cooperação e solidariedade entre os sujeitos que o compõem e mesmo admitindo que o juiz use efetiva e corretamente de seus amplos poderes instrutórios, o certo é que a regra estática da distribuição do ônus da prova estimula a acomodação da parte ré, quando se sabe que a prova dos fatos constitutivos pelo autor é extremamente difícil, incentivando sua inércia, passando a ser mera espectadora processual. A fixação prévia e rígida das regras de distribuição pode provocar comportamentos estratégicos dos litigantes, o que, em última análise, pode afetar a tutela dos direitos. As regras de distribuição do ônus da prova podem de antemão traçar a sorte dos litigantes e, nessa medida, estão umbilicalmente ligadas ao acesso à justiça.” (A distribuição do ônus da prova na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, De Jure, v.

8, p. 384-407, nov. 2007. p. 398).

491 Antonio do Passo Cabral, sobre a apresentação de informações e fatos nos autos do processo,

anota: “Reflexo desta compreensão foi a consagrada impossibilidade da parte ‘guardar trunfos’ no processo, devendo expor seus argumentos e requerimentos logo na primeira oportunidade de falar nos autos. Com a sonegação de intenções ou por meio de ‘fintas’ maliciosas, é impossível que as condutas sejam adequadamente compreendidas. Se as condutas se colocam diante das opções e alternativas que o sujeito sabe que se lhe estão abertas, é claro que num quadro de ignorância e incertezas os comportamentos não são reveladores de qualquer preferência ou escolha racional. Como a influência se exerce a partir da prognose das atuações dos demais, o déficit informacional pode causar distorções ao debate, fazendo com que certos sujeitos deixem de lançar mão de argumentos, requerer meios de prova, ou tomar qualquer outra conduta que, caso soubessem da tendência dos demais sujeitos a adotar um comportamento, talvez estivessem propensos a utilizar. Em suma, a influência regrada pelo procedimento institucionalizado deve evitar a assimetria de poder, que se reflete também na sonegação de informações, prejudicando a avaliação dos demais para sua tomada de conduta. As informações relevantes no processo devem ser acessíveis simultaneamente por todos, num formato aproximado de um ‘banco de dados’ comum. Assim, proibido o monopólio da informação e do saber, a lei procura assegurar uma troca regulada de informação.” (Nulidade no processo moderno, p. 225-226).

204

julgamento a respeito dos fatos, a lei contribuía e previamente estipulava qual das

partes deveria arcar com as consequências da não demonstração do direito em

questão. Essa conjuntura é o que a doutrina denomina de aspecto objetivo da prova

e que acaba considerando a distribuição do ônus da prova como regra de

julgamento, ou seja, é utilizada pelo magistrado, com base na aplicação fria da lei,

para justificar a procedência ou a improcedência da ação, conforme o caso

concreto492.

Ao conceder maiores poderes ao magistrado, o CPC de 2015 suplantou um

importante paradigma existente na fase cognitiva do processo. O juiz, até então visto

como mero aplicador da lei, deve assumir uma posição participativa e proativa em

todo o processo, verificando caso a caso como e quem deverá produzir determinada

prova. Para atingir esse propósito, criou-se a regra do artigo 373 do CPC de 2015,

em substituição ao disposto no artigo 333 do CPC de 1973.

Cassio Scarpinella Bueno493 destaca que a definição acerca da distribuição

do ônus da prova deverá ocorrer na fase de saneamento do processo. Nas palavras

do doutrinador:

A regra tradicional do ônus da prova entre autor e réu é assegurada nos dois incisos do art. 373, caput, que, no particular, conserva a regra constante do art. 333 do CPC atual. Os §§ 1º e 2º, por sua vez, inovam ao admitir e disciplinar expressamente os casos em que pode haver modificação (legal ou judicial) das regras constantes dos incisos do caput. O § 1º deixa claro que deve haver decisão judicial prévia que assim determine e que crie condições para que a parte efetivamente se desincumba do ônus respectivo, com as condicionantes do § 2º. O instante procedimental adequado para o proferimento decisão é por ocasião do ‘saneamento e organização do processo’, como se verifica do art. 357, III. A decisão que determina a inversão do ônus da prova é recorrível imediatamente,

492

De acordo com José Roberto Neves Amorim: “Como o ônus da prova é regra de julgamento, ou seja, somente no momento de julgar o processo é que o juiz vai se preocupar em determinar quem deveria provar o quê, mormente quando aquelas produzidas não forem suficientes (non liquet), resta-nos concluir que o ônus probatório deve ser exercido pelas partes no decorrer da lide, observada sua distribuição legalmente estabelecida.” (Indenização acidentária fundada no direito comum - a prova e o ônus de produzi-la. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 136, p. 104-110, jun. 2006. p. 109). Eduardo Cambi, por seu turno, revela uma dupla função do ônus da prova: “(i) servir de regra de conduta para as partes, predeterminando quais são os fatos que devem ser provados por cada uma delas e, assim, estimulando suas atividades; (ii) servir de regra de julgamento, distribuindo entre as partes, as consequências jurídicas e os riscos decorrentes da suficiência ou da ausência da produção da prova, bem como permitindo que, em caso de dúvida quanto à existência do fato, o juiz possa decidir, já que não se admite que o processo se encerre com uma decisão non liquet. A partir dessa compreensão, pode-se falar, no primeiro caso, em ônus da prova em sentido subjetivo, e, no segundo caso, em ônus da prova em sentido objetivo.” (Direito constitucional à prova no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 40). 493

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 273.

205

por agravo de instrumento, como se verifica do inciso XI do art. 1.015. O § 3º trata da distribuição convencional do ônus da prova, reproduzindo o parágrafo único do art. 333 do CPC atual, com a novidade do § 4º, que admite a realização da convenção antes ou durante do processo.

O ponto considerado mais importante no artigo 373 do CPC de 2015 está

previsto no seu parágrafo primeiro, que assim dispõe:

[...] nos casos previstos em lei ou diante da peculiaridade da causa, relacionada à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada.

Nesse caso, é necessário registrar, o juiz deverá dar à parte a oportunidade

de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

No exercício de interpretação do parágrafo colacionado linhas atrás, Luciano

Picoli Gagno494 deduz que a distribuição do ônus da prova deverá ser precedida da

identificação, pelo magistrado, do fato a ser provado, da fonte de prova a ser

apresentada no processo e, ainda, do meio de prova necessário para tanto, e só

depois concluir sobre a probabilidade de a parte – a ser onerada – possuir a fonte de

prova detentora de toda a carga de informação necessária. E continua a lecionar:

[...] para se realizar a inversão do ônus da prova deve restar caracterizada a probabilidade de o novo onerado possuir a referida fonte de prova, que detém toda a carga de informação necessária, o que conduz à conclusão de que a inversão deverá ser precedida pela identificação do fato a ser provado, da fonte de prova que se almeja trazer para o processo e, por conseguinte, do meio de prova apto a tanto, para que, somente em seguida, se possa inverter o ônus com segurança, anteriormente à decisão final, oportunizando à parte a apresentação do respectivo material probante, para que se profira a melhor decisão possível em seguida. Tal conduta respeita a todos os cânones fundamentais previstos no novel Processo Civil, tais como contraditório, ampla defesa, boa-fé e cooperação processual, encontrando-se expressa no texto dos §§ 1.º e 2.º do art. 373, que regulamente o ônus tradicional da prova e sua possibilidade de inversão ou distribuição dinâmica. Destaca-se, no ensejo, a importância que os conceitos de fonte de prova e meio de prova terão novamente, agora para a precisão e transparência do referido raciocínio, concernente à inversão ou distribuição dinâmica do ônus da prova, em consonância com o dever de fundamentação do juiz, sensivelmente aprofundado pelos incisos do § 1.º do art. 489 do CPC/2015.

494

GAGNO, Luciano Picoli. O novo Código de Processo Civil e a inversão, ou distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 249, p. 117-139, nov. 2015. p. 127.

206

Por outro lado, parte da regra imposta pelo sistema processual foi mantida

no sentido de indicar que deve ser declarada nula qualquer convenção que distribui

de modo diverso o ônus da prova, especialmente quando recair sobre direito

indisponível da parte ou, ainda, quando se tornar excessivamente difícil para uma

parte o exercício do direito.

A construção de um cenário onde o juiz tenha mais liberdade na fase

instrutória trará muitos ganhos ao Poder Judiciário porque o ônus da prova deixará

de ser tratado como encargo previsível e inflexível. As partes, que no sistema

processual anterior atuavam com cautela no momento de oferecer aos autos

qualquer contribuição probatória, deverão, agora, ter maior preocupação e

precaução na forma como atuam dentro do processo.

Nesse sentido, se o juiz em determinado momento decidir que uma parte

tem melhores condições de produzir determinada prova, deverá ela assim proceder

sem grandes chances de se desincumbir do ônus, o que somente pode ocorrer em

situações muito bem definidas. E não é demais registrar que essa metodologia fará

muito bem ao processo na medida em que estimulará a plena participação das

partes, desde o início, na reunião de elementos e de provas que estejam em seu

poder e possam ser úteis ao julgamento da causa. Essa participação na produção

de provas repercutirá no fortalecimento dos princípios da boa-fé processual e da

transparência.

3.8 DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES DE DIREITO RELEVANTES PARA A

DECISÃO DE MÉRITO (Art. 357, inc. IV495, do CPC de 2015)

Iura novit curia. Essa é a máxima em latim que significa que o juiz tem o

dever de conhecer o direito a ser aplicado em cada caso concreto496. Por outro lado,

495

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; [...].” 496

“Motivar ou fundamentar, em suma, é explicitar o conjunto de considerações racionais que movem o juiz a se inclinar por uma determinada solução da causa. É a exteriorização pelo órgão judicante do raciocínio que justifica a decisão, incluindo a invocação da norma ou do microssistema normativo aplicável e o raciocínio que legitime o enquadramento dos fatos em uma ou outro. A motivação ganha especial colorido quando expressa o uso do iura novit curia, isto é, quando o julgador dita para o episódio fático trazido à discussão uma adequação normativa diferente das sustentadas pelas partes

207

como sabemos, às partes cabe a obrigação processual de oferecer ao processo os

fatos, na amplitude e na real dimensão que ocorreram497. Trata-se de uma clássica

divisão de responsabilidades do processo embora o legislador processual brasileiro

já tenha optado pela mitigação dessa regra quando escolheu adotar um modelo de

processo participativo, cujo saneamento compartilhado estimula as partes a

opinarem sobre as questões relevantes ao processo, sejam elas de fato ou de

direito.

Na verdade, o dever do juiz não é propriamente conhecer sozinho o direito,

mas sim a letra fria da lei, que com o seu apoio deverá ser interpretada e

transformar-se no direito em si, aplicado ao caso concreto.

A gestão dos elementos do processo não é tarefa fácil; requer do magistrado

sensibilidade e habilidade no momento de avaliar e fundamentar a sua decisão. Bem

por isso, o saneamento do processo se revela um grande aliado do Estado

(‘terceira via’). Com efeito, em tal hipótese ele deverá declinar claros e convincentes fundamentos aptos a justificarem racionalmente a prevalência do seu ponto de vista jurídico sobre a situação controvertida, em detrimento dos pontos de vista divergentes dos litigantes. Deverá, pois, fazer preponderar, no ambiente dialético, dialógico e discursivo que caracteriza o processo, a autoridade do seu argumento, e não só o seu argumento de autoridade.” Cf. LIMA, Thadeu Augimeri de Goes. Iura novit curia no processo civil brasileiro: dos primórdios ao novo CPC. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 251, p. 127-158, jan. 2016. p. 139. Ainda, sobre o tema, Victor Roberto Obando Blanco leciona: “Com arreglo al principio Iuta Novit Curia, es el Juez como titular de la potestade jurisdicional, quien tiene el poder-deber de proporcionar el derecho que corresponda al processo, com prescindecia de la respectiva invocación de las partes, conforme a la pretensión procesal planteada, objeto del processo. Se funda em la presunción lógica sobre el conocimiento del derecho por parte del Juez, y em consecuencia no se encuentra vinculado por las calificaciones jurídicas de las partes, existiendo el limite de respetar el principio de congruência. El principio Iura Novit Curia no solamente permite suplir o subsanar la omision em la calificacíon jurídica, sino corregir el derecho mal invocado por las partes. Se realiza a traves de dos funciones: a. Supletoria:cuando las partes han omitido de plano, los fundamentos jurídicos en que sustentan su demanda y, eventualmente, los demás actos postulatórios del proceso: contestación de la demanda, reconvención y excepciones; y, b. correctora: el Juez aplica la noema jurídica pertinente cuando las partes han invocado mal los fundamentos jurídicos de su demanda y, eventualmente, los demás actos postulatórios del processo.” (Proceso Civil y el derecho fundamental a la tutela jurisdicional efectiva. Perú: Ara, 2011. p. 187-188). 497

Leonardo Greco se posiciona de forma restritiva ao Iura novit curia: “Penso que esta segunda orientação, restritiva da aplicação do iura novit cúria, é mais coerente com o princípio da demanda, que confere ao autor o poder de fixar os limites objetivos da demanda e consequentemente com a própria liberdade das partes [...]. Os fatos podem ainda ser o objeto da jurisdição penal, na qual a acusação não tem nenhum poder de escolher o direito que deflui desses fatos (v. o artigo 383 do nosso Código de Processo Penal), mas não da jurisdição civil, em que os fatos constituem apenas em dos elementos individualizadores de demanda, não constituindo o objeto da jurisdição. Ao autor deve ser reservado o poder de limitar a demanda fática e juridicamente. Mas, sem dúvida, quando houver falta de clareza ou de precisão na qualificação jurídica, o juiz deve ir em busca da essência da manifestação de vontade do autor, e não da aparência (código Civil, artigo 85). Esse entendimento encontra reforço também no faro de que em nosso Direito não existe nenhuma regra expressa que corresponda ao artigo 664º do Código português ou ao artigo 12 do Código Francês. Assim parece que o disposto nos artigos 282-III e 264 é suficiente para exigir que a demanda se estabilize em torno dos fatos e dos direitos alegados pelo autor.” (A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003. p. 62).

208

Democrático de Direito, pois é uma fase fundamental na escolha das questões que

devem integrar a sentença.

O legislador do CPC de 1973 utilizou a expressão “questões controvertidas”

para delimitar os pontos que seriam detalhados pelo magistrado na sentença. Como

se tratava de um modelo pouco dinâmico e muito rígido, as questões controvertidas

eram escolhidas pelo próprio juiz da causa, sem a participação direta das partes,

que não indicavam de forma clara e precisa quais seriam essas “questões”. Ao juiz

caberia, após estudo detalhado do processo, caberia então construir o arcabouço

informativo que auxiliaria na construção da sentença.

O CPC de 2015, como mencionado antes, viabilizou às partes a indicação

pontual e detalhada das “questões controvertidas” que influenciam a lide. Optou-se,

então, por um maior detalhamento de todos os elementos capazes de instruir o

magistrado na formação do seu convencimento.

O inciso IV do artigo 357 do CPC de 2015 disciplina que o juiz, na decisão

saneadora, deverá delimitar as questões de direito relevantes para a decisão de

mérito. A expressão genérica “questões controvertidas” sabiamente foi substituída

por “questões relevantes de direito” e “questões relevantes de fato”. Essa inovação

prestigia o princípio da transparência e, principalmente, preserva com muito mais

força os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Ademais, ao

criar um roteiro de julgamento transparente e com a indicação das questões de

direito relevantes para o julgamento da lide, o juiz estará possibilitando que as

partes, logo após a decisão saneadora, dediquem-se à demonstração e ao

enquadramento do direito escolhido ao caso concreto. Contudo, a forma como esse

processo de escolha ou de “delimitação” do direito deve ser realizado é uma dúvida

que se levanta: é ato discricionário do magistrado, ou no processo de escolha as

partes terão a oportunidade de se manifestar e oferecer ao magistrado as

informações a respeito do direito que entendam deva ser enfrentado?

Em se tratando de modelo de processo civil participativo, cujo princípio da

colaboração é um dos principais aliados do novo sistema, não há como conceber

que o magistrado deverá, por si só, construir a decisão saneadora.

A toda evidência, caberá ao magistrado realizar profunda análise das peças

processuais até então apresentadas pelas partes, com vistas a analisar a substância

de seus argumentos e então decidir a quem cabe o direito suscitado.

209

É bom lembrar que especialmente na petição inicial e na defesa do réu

estarão presentes os elementos de direito mais ricos que servirão de apoio ao juiz

da causa, mas escolher um argumento em detrimento de outro isso não significa

discricionariedade.

Para evitar qualquer suspeita de discricionariedade, é recomendável que o

magistrado não aja sozinho, mas sim procure envolver as partes e, ao que tudo

indica, leve em consideração as argumentações relativas ao direito que deverá ser

relevante para o julgamento da lide. O magistrado precisa ainda ter muito cuidado

com a técnica empregada para arrolar todas as questões de fato e de direito, de

modo que não haja entre as partes um sentimento de “pré-julgamento”. O juiz,

portanto, na decisão saneadora, deve ater-se de forma indireta aos fatos e ao direito

supostamente aplicado ao caso, impedindo que sua manifestação venha a dar pistas

a respeito do seu futuro posicionamento.

É bem verdade que o juiz julga conforme suas próprias convicções e o

conjunto probatório dos autos, e não está vinculado a todos os argumentos

oferecidos pelas partes. Porém, em um modelo de processo participativo, o

magistrado precisa saber filtrar e reunir com muita competência as questões trazidas

pelas partes, mesmo considerando que todos os temas (de fato ou de direito) sejam

essenciais ao julgamento da lide.

Tão importante quanto proferir uma decisão fundamentada no direito

aplicado e nos fatos do processo é a construção de uma decisão legítima, bem

estruturada, e capaz de enfrentar todos os argumentos, fatos e direitos suscitados

pelas partes. A consequência desse cuidado será uma sentença com maior

credibilidade e, por consequência, respeitada.

No que tange ao inciso IV do artigo 357 do CPC, o despacho saneador deve

conter um resumo bem definido sobre os temas de direito trazidos pelas partes e

também sobre outras questões de direito que na visão do juiz possam ser úteis ou

essenciais ao julgamento da lide. Afinal, considera-se “direito” não somente a

legislação material aplicável ao caso, mas também todas as fontes disponíveis ao

magistrado498.

498

De acordo com Mantovanni Colares Cavalcante: “[...] quando se fala em fontes do Direito, a referência pode ser a de elementos que determinaram a construção do próprio Direito (sentido histórico), bem como às diversas influências do meio social que moldam o ordenamento jurídico (sentido real), ou ainda às formas de expressão ou manifestação do direito (sentido formal). No Direito Processual Civil, a incidência dessas três vertentes de fontes nos dá a exata delimitação

210

A criação de um roteiro de julgamento cujo conteúdo contenha, de forma

organizada e clara, os temas que serão avaliados no momento da prolatação da

sentença é um importante pressuposto de um processo civil constitucional, mais

objetivo e construído com a participação e colaboração de todos os seus sujeitos.

De todas as fontes do direito tradicionalmente colocadas à disposição do

magistrado no momento da prolatação da sua decisão, sobressai a jurisprudência,

cuja relevância foi muito bem destacada no projeto que introduziu os debates no

âmbito do CPC de 2015499. A jurisprudência, portanto, coloca-se hoje como uma das

principais fontes do direito no Brasil500.

desse ramo da ciência jurídica, e ajuda o profissional do Direito a manejar todos os mecanismos necessários ao alcance do objeto do Direito Processual Civil, mas é natural que as fontes formais possuam maior prestígio, uma vez que o nosso sistema jurídico é positivado, vale dizer, o Direito em nosso país é expresso através de normas ou prescrições jurídicas impostas pela autoridade do Estado. Reside aí a diferença básica entre o chamado Direito positivo e o Direito natural. O Direito natural seria uma concepção da existência de princípios supremos e universais ligados à natureza do homem, ao passo que o Direito positivo seria um direito declarado, já que materializado em normas ou preceitos emanados do Estado. As fontes formais do Direito Processual Civil são a Constituição Federal, o Código de Processo Civil, as leis processuais e a analogia; as fontes históricas estão identificadas pelos costumes, ao passo que as fontes reais podem ser encontradas tanto nos princípios gerais de Direito como na doutrina. A jurisprudência seria um misto de fonte real (quanto ao seu surgimento e influência) e de fonte formal (quanto à sua aplicação).” (CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Estudo sistemático do objeto e das fontes do direito processual civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo Revista dos Tribunais, v. 131, p. 11-35, jan. 2006. p. 17). 499

De acordo com o exposto no anteprojeto: “[...] posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se estabilize. Essa é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao sistema. Por isso é que esses princípios foram expressamente formulados. Veja-se, por exemplo, o que diz o novo Código, no Livro IV: ‘A jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores deve nortear as decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia’. [Grifo nosso]”. BRASIL. Congresso Nacional. Comissão de juristas responsável pela elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 16 set. 2016. 500

Humberto Theodoro Junior assim a analisa a jurisprudência como fonte de direito perante a nova lei processual civil: “O novo Código de Processo Civil, na linha evolutiva do direito ocidental, encaminhou-se para a aproximação entre o civil law e o common law, em matéria de reconhecer força de fonte de direito ao precedente jurisprudencial. Nesse plano figuram os regimes de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos e os incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas. Essa política legislativa processual respalda-se nos direitos fundamentais que garantem a igualdade e a segurança jurídica, como cláusulas pétreas no Estado Democrático de Direito. O sistema inspira-se nas tradições do common law, mas não se limita a uma simples versão do instituto anglo-saxônico. Respeita as peculiaridades da construção histórica de nosso ordenamento jurídico, dos movimentos doutrinários, bem como da experiência que, em torno da matéria, a lei e os tribunais têm vivido. Para que o avanço programado possa se dar com

211

No que tange às providências destinadas a definir as questões de direito

relevantes para o julgamento, também é importante que as partes provoquem o juiz

com a indicação de súmulas, enunciados e acórdãos eventualmente aplicáveis ao

caso em análise.

Com essas premissas, o legislador do novo diploma processual civil

detalhou o que o antigo CPC chamava de “questões controvertidas”, substituindo-as

por questões de fato e de direito “relevantes” ao julgamento da lide. Essa

“relevância”, como mencionado antes, não é apenas um conceito a ser considerado

no interior do processo, mas também para fora dele, dando ao novo sistema uma

conotação mais firme e democrática.

O inciso IV do artigo 357 do CPC de 2015 disciplina que o juiz deve realizar

a delimitação das questões de direito “relevantes” para a decisão de mérito. A

relevância pensada pelo legislador não contribui apenas para a construção da

decisão de mérito em si – a qual poderá ser delineada, para sua validade técnica e

eficácia, com apenas poucos fundamentos e temas de direito –, mas também para

que seja bem aceita e respeitada por todos. E, para que isso aconteça, é

indispensável que as partes tenham a certeza de que o juiz tratou e enfrentou todos

os temas por elas apontados como relevantes.

3.9 DESIGNAÇÃO, SE NECESSÁRIO, DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E

JULGAMENTO (Art. 357, inc. V501, do CPC de 2015)

O saneamento é a atividade pela qual o juiz e as partes definem uma nova

etapa para o processo e o principal foco é a reunião dos elementos necessários à

prolatação da sentença. No modelo do CPC de 1973, o parágrafo 2o do artigo 331 já

segurança e adequação, o novo Código reformula, com rigor, a técnica e as exigências de formulação dos acórdãos dos tribunais, compatibilizando-as com a prática da função de atuar como fonte de direito. É da boa compreensão desse papel institucional, assim como da fiel observância dos preceitos que a regem, que depende o êxito dessa inovadora e relevantíssima programação normativa processual.” (Jurisprudência e precedentes vinculantes no novo código de processo civil – demandas repetitivas. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 359-372, maio 2016. p. 368). 501

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.”

212

previa a obrigação legal do juiz de designar a realização de audiência de instrução e

julgamento, quando necessário. Portanto, não é nenhuma novidade tal previsão

constar no inciso V do artigo 357 do CPC de 2015.

A designação da audiência de instrução e julgamento depende basicamente

de um fator: especificação dos meios de prova que serão admitidos para o

julgamento do processo. Conforme indicação do inciso II do artigo 357 do CPC de

2015, essa especificação deve ser feita pelo juiz em análise profunda dos fatos

relevantes e ensejadores da demanda. Assim, às partes caberá a narrativa e o

detalhamento dos fatos que estejam relacionados à causa de pedir. O juiz, em

avaliação cognitiva, definirá quais tipos de prova deverão ser produzidos e

autorizados para que as informações fiquem mais claras e principalmente

fundamentadas.

Portanto, constatada a necessidade de produção de prova oral502 para a

afirmação de determinada circunstância ou fato, nada mais adequado do que o juiz

autorizar a realização de audiência de instrução e julgamento, único momento

oportuno para a colheita da prova oral503.

502

Leonardo Greco faz um comparativo entre a oralidade e a prova escrita: “A Oralidade não significa mais, como no tempo de Chiovenda, a predominância da palavra oral sobre a escrita, porque os costumes mudaram e, hoje, a maior parte dos negócios se documenta por escrito, especialmente nos países da tradição romano-germânica. Nos países da civil law, a prova escrita sempre foi mais valiosa do que a prova oral. O significado moderno da oralidade é de que, em qualquer processo, o juiz tem de estar sempre aberto à instauração de um diálogo humano, que se dá pela palavra oral, porque esta é o modo mais perfeito de comunicação, e, portanto, aquele que pode efetivamente assegurar o contraditório participativo, assegurar o direito das partes de influir eficazmente nas decisões. Isso não quer dizer que as partes não possam abrir mão da oralidade. Em inúmeros litígios, as partes aceitam que eles se processem sem nenhum contato do juiz com as partes. Não obstante, em qualquer processo, mesmo naqueles em que o procedimento é todo escrito, deve ser assegurado às partes o direito de exigir do juiz uma audiência para um contato oral, um contato humano” (Instituições de processo civil. Introdução ao direito processual civil, p. 566-567). 503

Na doutrina de Giuseppe Chiovenda: "A audiência relaciona-se estreitamente com os princípios da oralidade e publicidade; é de suma importância no processo oral, exatamente porque destinada, nele, à discussão integral da causa (debate), o que compreende todas as atividades processuais, que por sua natureza, por especial dispositivo de lei ou por especial provisão, não se devam realizar fora da audiência.” (Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 3. p. 11). José Roberto dos Santos Bedaque, Samuel Meira Brasil Junior e Bruno Silveira de Oliveira vinculam a prova oral à necessária realização de Audiência de Instrução e Julgamento: “Pela imediação da prova, exige-se que o juiz tenha contato direto (e não meramente documental ou mediato) com as fontes probatórias. Deve pessoalmente ouvir as partes, as testemunhas e formular ao perito os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da controvérsia. A função da regra – claro está – é permitir que o magistrado se aproxime o máximo possível dos fatos essenciais ao bom julgamento, obtendo o maior e mais acurado acervo de informações, sobre as quais deverá formar livremente seu convencimento. Essa relação direta entre o juiz e a fonte da prova evita distorções, pois nem sempre a representação escrita revela com exatidão a realidade fática a ser retratada. Além disso, a reação das testemunhas e das partes muitas vezes contribui de forma decisiva para o julgador formar juízo de valor adequado sobre a credibilidade do resultado proporcionado pela prova.” A oralidade no processo civil brasileiro. In: JAYME, Fernando Gonzaga;

213

A nova lei processual, pelo que se observa, não deveria ter sido tão exigente

nem tão detalhista ao elencar a providência de designação de audiência de

instrução e julgamento como atividade isolada no inciso V do CPC de 2015. Nessa

lógica, o agendamento da audiência de instrução e julgamento decorre diretamente

das providências elencadas no inciso II do artigo 357 do mesmo código, ou seja,

uma vez deferida a produção de prova oral como meio de prova indispensável ao

julgamento da lide, deve-se automaticamente designar dia e hora para a realização

da audiência de instrução e julgamento.

A fase instrutória do processo só terá início a partir da decisão de que trata o

artigo 357 do CPC de 2015. Como o novo sistema processual permite ao juiz uma

maior flexibilidade na gestão da fase instrutória, nada impede que possa inverter a

ordem de produção das provas, conforme se extrai do artigo 139, inciso VI –

incumbe ao juiz dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos

meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior

efetividade à tutela do direito504.

Assim, o exercício de conjugação das atribuições direcionadas ao juiz

constantes no artigo 139 do CPC de 2015 com as atividades previstas no artigo 357

do mesmo diploma legal, relacionadas à construção do saneamento em regime de

colaboração, permite concluir que o magistrado poderá inclusive antecipar a

realização de audiência de instrução e julgamento para um momento anterior ao

início da fase instrutória, caso entenda que essa prova precisa ser produzida com a

devida antecedência.

FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (Coord.). Processo civil: novas tendências - Homenagem ao Professor Humberto Theodoro. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 412). 504

Na visão de Eduardo Cambi e de Aline Regina das Neves: “[...] nem sempre, o procedimento legalmente previsto e rigidamente engendrado revela-se o mais adequado à solução do litígio. Tampouco, a prévia estipulação do procedimento se revela sensível às particularidades da demanda e às necessidades dos sujeitos processuais. O art. 5.º, XXXV, da CF/1988 assegura o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, célere e efetiva, o que pressupõe a adoção de procedimento que satisfaça as especificidades do caso sub judice para que não se prejudique a proteção do direito material violado. A adaptação do procedimento à causa revela o caráter democrático e plural da tutela jurisdicional, uma vez que os conflitos são de natureza variada e a prestação jurisdicional deve acompanhar esta diferenciação. [...] Com efeito, não faz sentindo nem colabora com a concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada submeter todas as causas a um procedimento único, que ignore suas especificidades. A partir da exegese do art. 5.º, XXXV, da CF/1988, o rigor procedimentalista e o apego demasiado e incondicional aos procedimentos legalmente fixados têm de ceder lugar à perspectiva instrumentalista, que considera o processo e o procedimento como meios viabilizadores da prestação de tutela jurisdicional adequada.” (Flexibilização procedimental no novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 64, p. 219-259, out./dez. 2015. p. 220-221).

214

A audiência prevista no inciso V do artigo 357 pode ser designada a

qualquer momento do processo, desde que justificada tal providência pelo juiz e

pelas partes. Se no CPC de 1973 a audiência de instrução e julgamento era

praticamente o último ato processual dedicado à fase instrutória, no CPC de 2015

nada impede que possa ser o primeiro ato, tampouco que se realize mais de uma

audiência, se necessário.

Com o novo CPC, os debates orais ganharam força, tanto que há várias

indicações no curso deste diploma legal justamente para conferir ao juiz e às partes

a possibilidade de diálogo franco a respeito dos temas que compõem a causa de

pedir. Por exemplo, nos termos do artigo 139, inciso VIII, incumbe ao juiz

“determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-

las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso”.

A convocação das partes a qualquer tempo para tratar do processo é

providência e prerrogativa do magistrado e sua finalidade está intimamente

relacionada com o objetivo de transparência e com o comprometimento de

construção de uma decisão qualitativa para o processo. Embora ainda tenha no

atual modelo processual uma importante função na fase cognitiva, a audiência de

instrução ganhou fortes aliados na missão de fortalecimento da produção da prova

oral e, por consequência, na valorização do princípio da oralidade505, de grande

relevância para a construção de uma metodologia de julgamento com mais

pessoalidade.

505

“É por meio do princípio da oralidade e, mais precisamente, nas suas composições da identidade física do juiz e da imediação do juiz na colheita da prova oral, que o juiz toma intimidade com o processo e tem condição de valorar, de acordo com sua livre convicção, as provas produzidas, não só pelo que delas se documentou, mas, especialmente, pelas impressões e nuances ocorridas na audiência de instrução e julgamento que, via de regra, restam não documentadas.” NERY JUNIOR., Nelson. Teoria da causa madura e incorreta valoração da prova oral. Soluções Práticas de Direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 8, p. 711-743, set. 2014. p. 723.

215

3.10 AVALIAÇÃO, PELAS PARTES, DO DESPACHO SANEADOR E DE

EVENTUAL PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS E AJUSTES NO PRAZO DE CINCO

DIAS (Art. 357, § 1º506, do CPC de 2015)

O contraditório foi um dos princípios mais valorizados pelo CPC de 1973 e

demandou ajustes pontuais e relevantes ao longo de todo o Código.

A valorização do princípio do contraditório, na verdade, não foi propriamente

um objetivo do CPC de 2015, mas sim um meio para atingir outras finalidades, como

por exemplo dar mais legitimidade ao processo judicial.

O artigo 6o do CPC de 2015 deixa claro que a adequação da legislação

processual à Constituição Federal era um paradigma a ser quebrado, tanto que se

optou pela criação de vias de acesso destinadas à democratização do processo,

dando ao princípio da colaboração uma posição de destaque.

Muito embora o princípio da colaboração tenha a missão de aproximar os

sujeitos do processo, certamente não cumpriria a sua finalidade sem o apoio do

princípio constitucional do contraditório. Esses dois princípios precisam muito um do

outro, pois se não há colaboração sem contraditório, também não será possível o

contraditório sem colaboração.

Com esse espírito, o legislador trouxe para todo o processo uma regra

constitucional absoluta presente na Constituição Federal de que os sujeitos do

processo devem atuar na mais absoluta convivência e colaboração, sendo-lhes

garantido o exercício do contraditório sempre que alguma decisão importante estiver

na iminência de ser tomada, conforme disciplinam os artigos 7o e 9o do CPC de

2015.

A etapa de construção da decisão saneadora, um dos momentos mais

importantes do processo, não poderia ser considerada ato arbitrário ou discricionário

do magistrado. Uma vez facultada às partes a colaboração na reunião dos

elementos que farão parte da decisão saneadora, caberá ao juiz lhes permitir

também plena manifestação e colaboração a respeito do conteúdo gerado por todos

os envolvidos no caso sub judice. É o que fixou o legislador no artigo 357, § 1º, ao

506

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] § 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.”

216

afirmar que “realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir

esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 05 dias, findo o qual a

decisão se torna estável”.

O exercício do contraditório está garantido de forma inovadora e atípica no

mencionado dispositivo legal (artigo 357, § 1º, do CPC de 2015). Enquanto no

contraditório clássico as partes, regra geral, manifestam-se em momento anterior à

decisão judicial, o contraditório previsto e relativo à decisão saneadora traz com si

uma metodologia diferente, uma vez que autoriza as partes a se manifestarem após

a decisão já prolatada, revelando uma clara tentativa de acomodação de interesses

e, por consequência, o fortalecimento do processo decisório.

Há quem considere que a manifestação conferida às partes do processo

pelo retromencionado artigo do CPC de 2015 – direito de pedir esclarecimentos ou

solicitar ajustes – não expressa propriamente a garantia constitucional do

contraditório, mas sim um pedido de reconsideração/recurso destinado à própria

entidade responsável pela decisão judicial, ou seja, o juiz da causa. Essa

oportunidade de manifestação tem natureza mista: visa garantir um contraditório

pleno e ao mesmo tempo sensibilizar o juiz quanto à necessidade de algum ajuste

em sua decisão. Portanto, o direito de pedir esclarecimentos ou ajustes ao juiz é um

direito legítimo e que está em sintonia com o modelo de processo civil

contemporâneo, participativo.

Enquanto o CPC de 1973 não autorizava esse tipo de providência ante a

concepção de que o gerenciamento do processo é tarefa exclusiva do juiz, o

legislador do CPC de 2015 evoluiu o pensamento a respeito, garantindo às partes

toda e qualquer intervenção que seja saudável e ajude o juiz na construção de uma

decisão judicial sólida e justa.

A prerrogativa de solicitar esclarecimentos ou ajustes ao despacho saneador

poderá ser utilizada em inúmeras situações. Por exemplo, se o juiz da causa não

arrolar entre os fatos relevantes para o julgamento da lide algum fato que na visão

das partes seja importante, poderão elas solicitar a complementação da decisão

saneadora para posteriormente o juiz analisar e comentar o fato em sua decisão

judicial. Situação similar pode ocorrer quando o juiz não menciona na decisão

saneadora eventual “direito” que na visão de uma das partes deve ser considerado

para o julgamento da lide. Caso isso ocorra, as partes poderão solicitar

esclarecimentos e principalmente nova integração da decisão.

217

Quadra salientar que a oportunidade para solicitar esclarecimentos e ajustes

na decisão saneadora não envolve somente os fatos e o direito relevantes para o

processo. Na prolatação da decisão saneadora o juiz pode por exemplo distribuir o

ônus da prova de maneira desproporcional na visão das partes ou, ainda, indeferir a

produção de determinada prova por entender que é irrelevante ou possa

eventualmente retardar o julgamento. Em todas essas hipóteses e, pela letra da lei,

cabe requerer esclarecimentos e ajustes na decisão saneadora.

Se, por um lado, as partes poderão dar a sua opinião a respeito da decisão

proferida, para um perfeito aproveitamento da regra processual criada é de suma

importância que o juiz avalie com muita cautela as ponderações e os requerimentos

feitos para evitar que no futuro haja qualquer tipo de alegação de cerceamento de

defesa.

O juiz não pode ser inflexível ao receber críticas sobre o conteúdo da sua

decisão, ao contrário, deve saber ceder aos argumentos das partes para que a

análise da decisão não fique restrita aos fatos e ao direito “escolhidos” por ele como

relevantes, mas sim ao conjunto de fatos e ao direito definidos de comum acordo

com as partes. E quando não houver acordo sobre todas as questões, o melhor

caminho a seguir certamente será o da inclusão do tema proposto para que possa

ser avaliado com mais cuidado na prolatação da sentença.

Para o bem do sistema processual civil e do Estado Democrático de Direito

será melhor pecar por suposto excesso e ter uma decisão ampla que fundamente e

enfrente todas as questões que as partes consideram importantes do que insistir em

um processo no qual o juiz, destinatário de todas as informações e provas, é o único

ser com legitimidade para dizer o que deve e o que não deve ser tratado na

sentença. Assim, uma decisão saneadora ideal deve comportar, dentro do possível,

os interesses de todos os sujeitos do processo.

Nessa trilha, quando aberta a oportunidade para as partes se manifestarem

a respeito da decisão saneadora, muito embora o artigo 357 assim não mencione

expressamente, é necessário que o juiz também permita o contraditório das partes a

respeito das suas mútuas manifestações. É o momento em que o magistrado deve

abrir vistas à parte autora para que conheça a manifestação elaborada pelo réu e

conceder ao réu o direito de se manifestar a respeito dos requerimentos feitos pelo

autor da demanda.

218

Nos termos dos poderes atribuídos ao juiz, as partes poderão encaminhar

requerimento ao magistrado pleiteando a concessão de prazo adicional e superior a

cinco (5) dias para a elaboração das respectivas manifestações, desde que

devidamente fundamentado e justificado.

Além de garantir a preservação de um importante princípio constitucional – o

contraditório –, o juiz poderá refletir a respeito dos requerimentos recebidos e decidir

não somente com base em sua convicção, mas também levar em consideração

aquilo que as partes alegaram a respeito da decisão saneadora inicial. O resultado

final dessa troca de informações e de experiências será a formatação de um

despacho (decisão) saneador, salienta-se, muito mais rico e verossímil.

No que tange aos pedidos de esclarecimentos realizados no prazo de cinco

dias, embora a lei não trate expressamente sobre o tema, entende-se que esta

também é uma oportunidade para que as partes façam uma petição conjunta com

todos os pontos que na visão delas devem ser tratados pelo juiz da causa em seu

despacho saneador. Essa estratégia precisa ser muito bem definida e organizada

pelas partes envolvidas no processo para que a petição não emita nenhum juízo de

valor a respeito dos fatos, do direito ou das provas que precisam ser examinados. A

melhor técnica para esse tipo de providência é a elaboração de um petitório em

forma de quesitos, escrito de maneira clara, concisa e objetiva. Esse não é o

momento, portanto, para argumentações a respeito de pontos de vistas relativos aos

fatos e ao direito material em si. É, sim, a oportunidade de os interessados

solicitarem que os seus argumentos (questões) sejam devidamente apreciados e

que independentemente da decisão prolatada sejam lembrados e façam parte do

comando judicial. O interesse comum das partes nesse cenário é garantir a

prolatação de uma sentença abrangente e bem fundamentada.

Por fim, uma vez proferido o despacho saneador inicial, concedida às partes

a oportunidade de manifestação a respeito do despacho objeto do requerimento e

exercido o contraditório sobre as manifestações das partes adversas, a decisão se

torna “estável”, nos termos do parágrafo 1º do artigo 357 do CPC de 2015.

219

3.11 ESTABILIDADE DO DESPACHO SANEADOR E SUA IRRECORRIBILIDADE

APÓS A MANIFESTAÇÃO DAS PARTES

O momento dedicado à construção da decisão saneadora requer um grande

engajamento dos sujeitos do processo e principalmente maturidade para perceber

que a atividade depende de uma cooperação plena de todos os envolvidos na lide:

as partes e o juiz.

Não é demais salientar que a existência de uma cooperação plena entre

todos não significa dizer que o réu vai colaborar com o autor para que este saia

vencedor no processo e vice-versa. A cooperação deve orientar-se pela manutenção

de interesses comuns, ou seja, preservação do princípio da boa-fé e principalmente

fornecimento de informações e elementos relevantes à formação do convencimento

do magistrado.

Ao criar uma fase extremamente densa e com amplo respeito às garantias

fundamentais do processo o legislador vislumbrou a possibilidade de os resultados

advindos do saneamento processual serem úteis à atividade exercida pelo Poder

Judiciário. Evitou, portanto, cometer os mesmos erros que emergiram da utilização

artificial do artigo 331 do CPC de 1973, quando o chamado “despacho saneador”

muitas vezes não foi manobrado de forma adequada. Sem técnica apurada e sem

compromisso com a qualidade, os juízes raramente realizavam o detalhamento

completo das questões controversas e como não havia a colaboração das partes na

indicação das questões de fato e de direito relevantes para o julgamento da lide

(entre outros temas) o chamado “despacho saneador”, em verdade, era considerado

uma decisão antipática, antidemocrática e principalmente discricionária507.

Discricionária porque muitas vezes sequer era devidamente fundamentado e os

juízes colacionavam na decisão argumentos que faziam sentido para eles, sem

507

No tocante à discricionariedade na atuação judicial, Rosemiro Pereira Leal sustenta que: “[…] atualmente, com as conquistas histórico-teóricas de direitos fundamentais incorporadas ao processo, como instrumentalizador e legitimador da Jurisdição, a atividade jurisdicional não é mais um comportamento pessoal do juiz, mas uma estrutura procedimentalizadora de atos jurídicos sequenciais a que se obriga o órgão judicial pelo controle que lhe impõe a norma processual legitimando-o ao processo. Portanto, não há para o órgão judicial qualquer folga de conduta subjetiva ou flexibilização de vontade, pelo arbítrio ou discricionariedade, no exercício da função jurisdicional, porque, a existirem tais hipóteses, se quebraria a garantia de simétrica paridade do processo.” (Teoria geral do processo: primeiros estudos. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 28).

220

nenhuma preocupação em detalhar para as partes as premissas utilizadas na

construção do despacho saneador.

Diante das inúmeras características próprias do despacho saneador na

vigência do modelo do CPC de 1973, havia uma predisposição das partes para

interpor recursos contra o teor daquilo que fora decidido. Com agravo de instrumento

ou agravo retido, as decisões eram quase sempre atacadas pelas partes que se

sentiam prejudicadas pelo magistrado, o qual, cotando apenas com o seu próprio

convencimento, formatava o conteúdo decisório da maneira que lhe parecia mais

adequada, sem qualquer preocupação com o compartilhamento prévio do tema com

as partes.

A recorribilidade do despacho saneador no modelo do CPC de 1973 era

quase um direito fundamental do processo, pois às partes sempre era concedida

uma segunda chance para que os temas decididos pelo magistrado de forma

unilateral fossem revisitados pelo tribunal. A interposição de recurso era sobretudo

uma questão de índole cultural e retratava a atitude de uma sociedade viciada e

impregnada de litigiosidade. Mais do que isso, a interposição de recurso contra

“despacho saneador” sempre era considerada por todos como ato de aguerrimento e

de estratégia das partes na medida em que evitava contaminar o processo com o

manto da preclusão508.

Ao recorrer para evitar a preclusão do que fora decidido, as partes

mantinham sub judice todos os temas acessórios ao direito material em si, o que

tornava o processo um grande arsenal de guerra que nunca se esgotava. A

estratégia, portanto, só era bem executada se a parte, representada por seus

advogados, apresentasse todos os recursos necessários à defesa dos seus direitos,

mesmo sabendo que algumas das questões recorridas seriam totalmente

impertinentes e sem chances de reversão no tribunal.

508

Alfredo Buzaid, sobre o instituto da preclusão, esclarece: “O fundamento jurídico em que se funda esta solução deriva da própria natureza do processo civil. A medida que o processo avança, vai-se operando a superação das questões que, depois de decididas, ou são impugnadas por meio de recurso, ou se tornam inatacáveis pela aquiescência da parte. É a preclusão o expediente de que se serve o legislador para assegurar o desenvolvimento do processo e a obtenção do seu resultado. Se, por um lado, a preclusão maior é a autoridade da coisa julgada, que ocorre no momento final da instância, por outro lado ela produz seus efeitos também durante o processo, na medida que, em seu curso, determinadas questões são decididas e eliminadas.” (Despacho saneador - coisa julgada e preclusão - venda judicial. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 3, p. 103-122, out. 2011. p. 107).

221

A disciplina do artigo 331 do CPC de 1973 era pouco efetiva e, frise-se,

totalmente viciada por uma cultura de litigiosidade que emergia da sociedade, não

raro fomentada pelo Poder Judiciário. Por outro lado, a proposta trazida pelo CPC de

2015 foi construída em um ambiente muito mais conciliador e de base constitucional,

o que dificulta o uso do processo como arma letal destinada a ofender o direito do ex

adverso, mas sim a defesa do direito próprio em um clima de lealdade e de boa-fé.

Muitos conceitos e atividades inseridos na legislação processual brasileira

de 1973 foram mantidos no sistema de 2015 e foi exatamente isso que ocorreu no

capítulo dedicado à construção colaborativa do saneamento compartilhado. De todo

modo, por ser uma atividade teoricamente desenvolvida de forma conjunta entre as

partes, o modelo do CPC de 2015, acertadamente, não comete o mesmo erro do

CPC de 1973, justo por não permitir a recorribilidade desenfreada do que é decidido

no saneamento compartilhado.

Com esse espírito, o legislador garantiu a ampla participação e o

envolvimento de todos os sujeitos do processo na tomada da decisão, inclusive com

a permissão de exercício do contraditório logo após o proferimento da primeira carga

decisória, quando as partes podem pedir esclarecimentos ao magistrado e solicitar

ajustes (inclusive com integração) à decisão de saneamento. Os ajustes solicitados,

que podem ser de qualquer natureza, não precisam ser relevantes para o

julgamento da causa (na visão exclusiva do juiz), mas, sim, têm de ser relevantes

para as partes no sentido de tornar a sentença mais robusta, fundamentada e

legítima. Por todas essas razões, ultrapassada a oportunidade destinada às partes

para que façam as suas considerações a respeito da decisão saneadora já proferida,

caberá ao juiz decidir se acolhe ou não as considerações feitas. Na solução

definitiva do processo, a decisão final de saneamento será considerada estável509,

ou seja, pronta para cumprir a finalidade para qual foi criada, sem a possibilidade de

interposição de recursos pelas partes no que tange ao conteúdo relativo ao

delineamento das questões de fato e de direito relevantes.

509

Importa ressaltar que a estabilidade da decisão final de saneamento não guarda relação com a estabilização da tutela antecipada antecedente prevista no artigo 304 do Código de 2015. O saneador estável pressupõe o exaurimento da participação do autor e do réu para a construção de um roteiro de organização e de julgamento do processo, podendo, ao final, ser acolhidas ou não as suas considerações pelo juiz. Já a estabilização prevista no artigo 304 da lei processual exige a inércia do réu para impugnar a decisão de concessão da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e acarreta a extinção do processo, podendo apenas ser modificada por meio de ação autônoma.

222

É importante esclarecer, porém, que a irrecorribilidade da decisão fica

restrita à parte que o juiz decide a respeito do objeto (questões de fato e de direito)

como relevante ao julgamento da lide, não abrangendo em nenhuma hipótese por

exemplo eventual conteúdo decisório que trate sobre a forma e a distribuição

dinâmica do ônus da prova, consoante previsão expressa de recorribilidade no

próprio inciso XI do artigo 1.015 do CPC de 2015510.

Para que o novo modelo funcione é de extrema importância que as

considerações ofertadas pelas partes a respeito da decisão saneadora sejam

avaliadas atenciosamente pelo juiz e enfrentadas com firmeza e de forma

fundamentada.

O compartilhamento decisório só se materializa com a existência de um

diálogo igualitário e franco entre os sujeitos do processo, não sendo saudável que o

magistrado venha a acolher ou rejeitar as ponderações das partes, sem que estas

tenham a oportunidade de se manifestar.

Há, nesse sentido, uma consequência que emana do fenômeno da

preclusão na fase inicial do processo (pré-sentença), pois o que foi decidido pelos

sujeitos do processo no saneamento compartilhado vincula as partes e o juiz, não

sendo possível a interposição de recurso contra a decisão construída511. Esta

510

Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Jr. dissertam sobre o cabimento de agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 2015: “O Código de Processo Civil de 2015 eliminou a figura do agravo retido e estabeleceu um rol de decisões sujeitas a agravo de instrumento. Somente são agraváveis as decisões nos casos previstos em lei. As decisões não agraváveis devem ser atacadas na apelação. As hipóteses de agravo estão previstas no art. 1.015 do CPC/2015; nele, há um rol de decisões agraváveis. Não são todas as decisões que podem ser atacadas por agravo de instrumento. Esse regime, porém, restringe-se à fase de conhecimento, não se aplicando às fases de liquidação e de cumprimento da sentença, nem ao processo de execução de título extrajudicial. Nestes casos, toda e qualquer decisão interlocutória é passível de agravo de instrumento. Também cabe agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória proferida em processo de inventário (art. 1.015, parágrafo único, CPC/2015, para todas essas ressalvas). Na fase de conhecimento, as decisões agraváveis são sujeitas à preclusão, caso não se interponha o recurso. Aquelas não agraváveis, por sua vez, não se sujeitam à imediata preclusão. Não é, todavia, correto dizer que elas não precluem. Elas são impugnadas na apelação (ou nas contrarrazões de apelação), sob pena de preclusão. Enfim, há, na fase de conhecimento, decisões agraváveis e decisões não agraváveis. Apenas são agraváveis aquelas que estão relacionadas no mencionado art. 1.015 do CPC/2015.” (Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 242, p. 275-284, abr. 2015. p. 276). 511

Sobre a eficácia preclusiva do despacho saneador, José Rogério Cruz e Tucci reforçam: “Todavia, alguns ilustres processualistas continuam afirmando que a decisão declaratória de saneamento, desde que irrecorrida, fica coberta pela preclusão, impedindo o reexame da matéria relativa ao âmbito decisório, independentemente de sua natureza, Pontes de Miranda assevera que, ‘se houve algum ponto de direito ou de fato e para que se chegasse a esse ponto houve prazo, a preclusão afasta qualquer reexame e julgamento pelo juiz’: se o juiz disse sim ou não, não poderá passar ele a dizer não ou sim. Barbosa Moreira, a seu turno, é peremptório ao afirmar que ‘o despacho saneador produz a preclusão: a) de todas as questões decididas, ex officio ou mediante provocação da parte, pelo juiz

223

decisão, frisa-se, alude a um roteiro de julgamento fundamentado e detalhado, o

qual deverá ser utilizado por todos para que a sentença não deixe de abordar

nenhuma questão de fato ou de direito na decisão saneadora.

A respeito da preclusão do despacho saneador, Heitor Sica512 comenta as

duas dúvidas básicas que se colocaram no mundo jurídico com a vigência do novo

ordenamento processual civil:

A primeira: se as matérias processuais não alegadas e não apreciadas restariam insuscetíveis de discussão posterior pelo fato de o juiz ter decretado ‘saneado’ o processo. Prevaleceu, desde o início, e com folga, a tese de que as matérias poderiam, sim, ser alegadas e decididas posteriormente. Ponderou-se, inicialmente, ser inviável reconhecer ‘decisões implícitas’ (mormente porque seriam nulas, por falta de fundamentação), ademais de se reconhecer que a possibilidade de conhecimento de questões atinentes a condições da ação e pressupostos processuais, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (a teor dos arts. 267, § 3.º, e o art. 301, § 4.º do CPC/1973, que enunciam regra presente nos arts. 337, § 5.º e 485, § 3.º, do CPC/2015). Penso que essa diretriz fruto de consenso ao longo dos 40 anos de vigência do Código de Processo Civil não fica prejudicada pelo art. 357, § 1.º, do CPC/2015. A segunda: se as matérias listadas nesses artigos seriam passíveis também de redecisão a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Nesse caso, a doutrina se mostra um pouco mais dividida, basicamente em três correntes: (a) a de que não há preclusão (sob o fundamento de que as questões são de ‘ordem pública’ e, portanto, não se poderia extrair qualquer consequência da omissão da parte interessada em recorrer da primeira decisão que a examinou);43 (b) a de que haveria preclusão apenas para o órgão que prolatou a decisão, mas não para os grau superior de jurisdição; (c) que os dispositivos que atribuem ao julgador o poder de conhecer uma matéria ex officio não implicariam reconhecer a possibilidade de a matéria ser novamente decidida. O art. 357, § 1.º, parece dar mais munição aos partidários dessa terceira corrente, de modo a considerar que as questões resolvidas nos termos do inc. I do mesmo dispositivo não poderiam mais ser

[...]; e também b) das questões não decididas – desde que antes suscitadas ou simplesmente suscitáveis, ou apreciáveis de oficio – cuja solução cabia no despacho saneador. A preclusão não significa, no caso da letra ‘b’, que as questões devam considerar-se, por inútil ficção jurídica, ‘ implicitamente decididas’, como às vezes se afirma: significa, sempre e apenas, que daí em diante já não é possível aprecia-las’. Nessa mesma ordem de ideias, Calmon de Passos aduz que a eficácia preclusiva não opera unicamente quando o magistrado decide de modo expresso, uma questão. Opera, igualmente, mediante decisão implícita, ‘quando p. ex., o despacho interlocutório tem, de acordo com a lei, uma função especifica que não pode ser realizada sem decidir previamente alguma questão processual’. E, hoje – complemente – o nosso sistema processual impõe expressamente ao juiz o exame do objeto formal do processo, de sorte que na decisão declaratória de saneamento haverá, sempre, um julgamento acerca de regularidade do processo e das condições de admissibilidade da ação.” (TUCCI, José Rogério Cruz e. Sobre a eficácia preclusiva da decisão declaratória de saneamento. Revista do Tribunal. São Paulo, v. 640, 1989. p. 22). 512

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Evolução legislativa da fase de saneamento e organização do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 435-460, maio 2016. p. 35.

224

alteradas se não houvesse subsequente interposição do recurso cabível. De fato, à luz desse novo dispositivo, é difícil recusar o aumento da carga preclusiva do sistema, de modo que se torna mais difícil continuar a sustentar que as matérias passíveis de serem conhecidas ex officio pela primeira vez poderiam ser redecididas livremente mesmo à falta de recurso da parte interessada.

Além disso, o magistrado não só utilizará a referida decisão saneadora para

sopesar as consequências advindas da distribuição dinâmica do ônus da prova

como também os elementos probatórios concretos trazidos aos autos e que servirão,

como ocorre na prática, para esclarecer e provar as questões de fato.

A estabilidade da decisão judicial relativa ao saneamento é a coroação

daquilo que se espera do novo processo civil brasileiro, pois a sentença será

fundamentada exatamente com as preocupações trazidas pelas partes e com as

premissas delineadas pelo juiz para a construção de uma sentença firme e legítima.

Registre-se, mais uma vez, que essa novidade trazida pelo CPC de 2015 somente

possui coerência e sustentabilidade porque o antigo despacho saneador foi

transformado em decisão saneadora compartilhada entre todos. O princípio do

contraditório nesse contexto é um garantidor da manutenção dos preceitos

fundamentais do processo.

Dessa forma, como há (ao menos em tese) uma construção conjunta do

roteiro de julgamento contido na decisão saneadora, o legislador acertou ao impedir

que as partes que participaram ativamente do processo de definição das questões

de fato e de direito relevantes à lide tenham a oportunidade de se insurgir sobre

esse tema antes da prolatação da sentença, o que certamente retardaria (como de

fato sempre retardou) o provimento final de primeiro grau.

225

3.12 APRESENTAÇÃO CONJUNTA, PELAS PARTES, DAS QUESTÕES DE FATO

E DE DIREITO RELEVANTES PARA O JULGAMENTO DA LIDE E VINCULAÇÃO

DO JUIZ AOS TERMOS HOMOLOGADOS (Art. 357, § 2º513, do CPC de 2015)

O CPC de 1973 esboçava uma metodologia muito própria a respeito da

configuração do despacho saneador ao considerar o juiz como único sujeito do

processo responsável pela prática de referido ato. Assim, cabia ao juiz identificar

dentro do processo os elementos (fatos e direitos) relevantes para o julgamento da

causa, tendo como premissa a sua função de julgador e a posição de destinatário

final das provas. Dessa forma, era do juiz – e somente dele – a função de fixar os

pontos controvertidos, decidir as questões processuais pendentes e determinar as

provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se

necessário.

Com a adequação do processo civil ao modelo constitucional promulgado

em 1988, o CPC de 2015 definiu uma maneira diferente para reunir na decisão

saneadora não somente os elementos que o juiz entendesse extremamente

relevantes ao julgamento da causa, mas também os elementos e as questões de

fato e de direito que, na visão das partes, tenham íntima relação com o direito

material que será decidido na lide.

O parágrafo 2o do artigo 357 muito bem dispõe que: “as partes podem

apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato

e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as

partes e o juiz”. Trata-se, em verdade, de desdobramento de outra grande novidade

trazida pelo CPC de 2015 relativa à possibilidade de as partes pactuarem “negócios

jurídicos processuais”, tudo de acordo com o comando do artigo 190 do mesmo

código processual.

A regra do parágrafo 2o do artigo 357 em comento, que é um típico negócio

processual, justamente por ser novidade no sistema processual civil brasileiro,

precisa ser dividida em duas partes. A primeira trata da possibilidade de as partes

513

“Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: [...] § 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.”

226

apresentarem ao juiz para fins de homologação uma delimitação consensual das

questões de fato e de direito referentes à lide. Essa prerrogativa prevista no CPC de

2015 é um dos exemplos a serem citados em sede de princípio da colaboração no

novo processo civil brasileiro, uma valiosa oportunidade para que as partes possam

interagir e, de forma amistosa, inteligente e colaborativa, reunir em uma única

petição todas as questões que desejam ver apreciadas pelo juiz na sentença.

Uma vez homologada a petição, o juiz ficará obrigado a apreciar

oportunamente e de forma fundamentada os seus termos, sem se sentir vinculado

àquilo que foi oferecido como colaboração pelas partes. Significa dizer que muito

embora o juiz deva apreciar e se manifestar de forma fundamentada sobre as

questões de fato e de direito trazidas ao processo pelas partes, poderá indicar na

sentença que proferir, como fundamento, outras questões de fato e de direito que

embora não tenham sido expressamente mencionadas na decisão saneadora

podem eventualmente contribuir para a construção de um julgamento justo e de

qualidade. Saliente-se que não há aqui nenhum compromisso ou determinação legal

para que as partes possam colaborar entre si no sentido de prover auxílio mútuo nas

suas estratégias individuais. O que se evidencia é o interesse de se estabelecer um

diálogo entre os interessados sobre as questões (controversas ou não) consideradas

relevantes para o julgamento da lide.

A contribuição das partes, que regra geral se materializa com o

encaminhamento de petição conjunta ao juízo, é de grande utilidade para o Poder

Judiciário na medida em que o juiz ao receber as questões indicadas pelas partes

certamente terá a chance de sopesar os fundamentos e a estrutura da sua sentença.

Como consequência, ao homologar as considerações trazidas pelas partes, o juiz

será obrigado a prolatar uma decisão que contenha e enfrente todos os temas por

elas indicados, o que tornará sua decisão muito mais legítima. Se assim não

proceder, haverá nulidade insanável na sentença, a qual não comportará uma

fundamentação adequada514 por demonstrar contrariedade com o roteiro de

julgamento definido de comum acordo com as partes. A concretização dessa 514

Teresa Arruda Alvim Wambier assim conclui sobre a fundamentação inadequada de sentença: “Pode-se dizer que há, grosso modo, três espécies de vícios intrínsecos das sentenças, que se reduzem a um só, em última análise: 1. ausência de fundamentação; 2. deficiência de fundamentação; e 3. ausência de correlação entre fundamentação e decisório. Todas são redutíveis à ausência de fundamentação e geram nulidade da sentença. Isto porque ‘fundamentação’ deficiente, em rigor, não é fundamentação, e, por outro lado, ‘fundamentação’ que não tem relação com o decisório não é fundamentação: pelo menos não o é daquele decisório.” (Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 249).

227

hipótese indesejada denota, ademais, grave violação do princípio do devido

processo legal515 na medida em que o roteiro de julgamento cooperativo foi um

formato escolhido pelo legislador para democratizar o processo de tomada de

decisões judiciais.

Por outro lado, se para o juiz é muito importante construir uma sentença

mais legítima e mais democrática, para o jurisdicionado também é válida a

possibilidade de colaborar com a construção dos elementos que servirão de base

para a solução da lide. Afinal, uma sentença que aborde detalhadamente todas as

questões trazidas de forma conjunta pelas partes certamente será uma sentença

mais bem fundamentada e capaz de causar nos litigantes uma sensação de maior

conforto, independentemente do resultado.

A característica de novidade atribuída ao sistema processual em vigor e a

cultura enraizada da litigiosidade que permeia a sociedade brasileira não permitem

prever se o artigo 357 do CPC de 2015 trará a efetividade esperada. Porém, uma

coisa é certa: a proposta somente será exitosa se as partes dedicarem um pouco

mais do seu tempo à construção de um diálogo franco sobre as questões que devem

ser tratadas no processo, independentemente de quem seja o vencedor da

demanda.

O diálogo com vistas à construção de uma petição que contenha as

questões relevantes para o julgamento da lide é bem-vindo, mas sua eficácia está

distante da nossa realidade, uma vez que as partes ainda encaram o processo como

estratégia516 e provavelmente não atuarão com a boa-fé e o desprendimento

515

“Decisões que meramente indicam, reproduzem ou parafraseiam textos legais e não explicitam porque eles incidem (ou não) no caso sob julgamento não são decisões, por ausente um elemento essencial: o fundamento. A moderna processualística repudia pronunciamentos decisórios deste jaez. Não por puro apego à técnica processual, mas por colidirem frontalmente com algum outro direito constitucional (além do da devida fundamentação, art. 93, IX): o do devido processo legal (art. 5.º, LIV, CF/1988). Uma decisão conformadora dessa cláusula constitucional, que servirá a resolver o litígio trazido a juízo, deve claramente enfrentar, qualificadamente, os argumentos das partes e analisar os fatos invocados (tendo-os ou não como provados), sem o quê o conflito de interesses não restará suficientemente dirimido.” ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Fundamentação judicial no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 253, p. 57-108, mar. 2016. p. 74. 516

Márcio Mello Casado ilustra a realidade da cultura da litigiosidade: “O embate entre as partes no processo civil é corrosivo. A premissa inicial é a de que as partes, se estão em juízo, em procedimento contencioso, é porque não conseguiram alcançar um termo ideal na relação fática. Há discordância de interesses. Quando levam a juízo suas pretensões, fazem-no com as cores necessárias para vencer a demanda. Ninguém ingressa com uma ação informando ao juízo que, eventualmente, a outra parte possa ter razão. E o réu, igualmente, em raras ocasiões, irá reconhecer que o autor da contenda está correto. As partes e seus advogados ‘editam’ os fatos, colocando em suas manifestações aquilo que lhes interessa para a obtenção da vitória no processo.” (A cláusula

228

necessários à tarefa conjunta de indicação das questões relevantes para o

julgamento da lide.

A realidade assim desenhada alimenta a crença de que as partes até

poderão tentar reunir-se para detalhar em conjunto os pontos que devem ser

tratados pelo juiz na sentença, mas como ainda há uma perspectiva de pouca

transparência na forma como os processos são conduzidos, provavelmente as

partes vão querer indicar ao juiz somente as questões (de fato e de direito) que

sejam relevantes à sua estratégia de defesa e não propriamente ao julgamento

adequado e fundamentado da lide.

A lei que rege o processo civil pátrio não deixa dúvida de que a atuação

conjunta das partes deve ter um só objetivo: a indicação das questões relevantes

para a decisão de mérito, não importando, porém, quem será o favorecido. Por essa

razão, a construção de uma petição conjunta pode ser algo extremamente complexo

e difícil de ser concretizado, pois cada lado tenderá a indicar somente os temas que

lhe sejam processualmente favoráveis. Aqui, entende-se haver um excesso de

otimismo do legislador e tudo indica que serão raros os casos em que as partes

conseguirão dialogar de forma franca a fim de delinear imparcialmente as questões

que devem ser submetidas ao juiz com vistas a apoiá-lo na prolatação da sentença.

Esse propósito, no entanto, poderia ser alcançado se o legislador tivesse previsto a

manutenção de uma audiência de saneamento obrigatória, uma vez que a condução

dos trabalhos pelo juiz em audiência própria poderia ser benéfica e agregadora das

partes ao processo. De fato, a presença de um juiz “mediador” nessa fase

processual inibiria as partes de apresentarem somente os temas considerados de

seus interesses, mas todos os relevantes para o julgamento adequado da lide.

Outro ponto que é importante mencionar alude ao fato de a lei dispor que “as

partes” podem apresentar ao juiz para homologação a delimitação consensual das

questões de fato e de direito, mas não indica de forma clara quais seriam essas

hipóteses. Afinal, qual foi a intenção do legislador ao utilizar o termo “partes”?

Suspeita-se que o termo “partes” faz referência a um processo simples, no qual

figuram apenas um autor e um réu.

Avaliando o dispositivo em comento por essa perspectiva, não há dificuldade

de compreender a expectativa do legislador do CPC de 2015, mas o mesmo não

geral da vedação ao abuso de direito e sua aplicação ao processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 209, p. 293-321, jul. 2012. p. 295).

229

ocorre se a lide tiver pluralidade de réus, o que torna a regra mais difícil de ser

aplicada e entendida. Por exemplo, em uma demanda que conta com a participação

de dois autores e dois réus, como seria, afinal, a apresentação conjunta ao juiz das

questões de direito e de fato? A resposta a esse questionamento sugere que a

apresentação conjunta não precisa envolver todos os sujeitos do processo (dois

autores e dois réus) e isso explica que ao utilizar o termo “partes” o legislador não

pretendeu exigir que exatamente todas as partes colaborassem para a construção

de um consenso, o que dificultaria sobremaneira a possibilidade de colaboração no

processo. Não obstante uma situação como essa ser a ideal, em uma demanda que

tenha a participação de quatro partes, apenas duas ou três se dispõem a construir

uma petição conjunta, o juiz deverá considerar o pleito caso concorde com as

considerações apresentadas e não as repute como prejudiciais ao processo. De

igual forma, não há a necessidade de uma demanda com quatro partes realizar um

diálogo entre todos os autores e réus em uma única peça processual. Nessa mesma

demanda, pode haver duas petições conjuntas, uma elaborada consensualmente

pelos autores e outra pelos réus. Ou, ainda, pode-se ter uma única petição

envolvendo um autor e um réu, especialmente quando o outro autor e o outro réu

não tiverem interesse em colaborar nem participar da construção da decisão

saneadora. A mesma situação pode ocorrer quando as partes se depararem com

situações de conflitos de interesses extremos, quando certamente não desejarão

atuar em conjunto. Essa interpretação é importante para a garantia do direito das

partes de colaborarem com o juiz e com o processo, mesmo quando uma delas não

queira atuar conjuntamente no bojo do saneamento.

No ponto, cabe lembrar que o princípio da colaboração abrange a atuação

de todas as partes, que se relacionam entre si e com o juiz, sozinhas ou em

conjunto. Também é necessário ter em mente que além das “partes convencionais”

o processo poderá contar com a presença e com a colaboração de terceiros não

convencionais, como é o caso do amicus curiae. Nessa hipótese, não se aplica ao

amicus curiae o parágrafo 2o do artigo 357 porque sua condição no processo é

peculiar e a apresentação de questões de fato e de direito relevantes para o

julgamento da causa, em conjunto com uma das partes (autor ou réu) poderá viciar a

sua imparcialidade e consequentemente colocar em dúvida a sua colaboração no

âmbito do processo. Nada impede, porém, que o amicus curiae faça a sua

manifestação de forma individualizada, a título de colaboração, e traga aos autos e

230

ao juiz todas as questões que em sua visão precisam ser enfrentadas no momento

de prolatação da sentença.

Essa interpretação mais contemporânea a respeito do propósito do novo

regramento processual, que será objeto do último capítulo deste estudo, denota a

possibilidade de as partes ofertarem ao juiz, ainda que individualmente, uma petição

que contenha os temas de fato e de direito que entendem devam ser enfrentados

pelo magistrado na sentença. Essa situação ocorrerá quando não for possível a

delimitação consensual entre todos os entes envolvidos. As questões elencadas, por

sua vez, deverão servir de subsídio ao juiz como verdadeiro roteiro de julgamento.

Muito embora a lei consigne que essa oportunidade está restrita à existência

de uma relação consensual entre as partes no que tange às questões de fato e de

direito a serem abordadas, verifica-se que a previsão legal é meramente

exemplificativa e não pode restringir em nenhum aspecto o direito de petição,

especialmente quando uma das partes deseja colaborar com o juiz na escolha dos

temas a serem tratados na sentença.

O momento em que a petição com as questões de fato e de direito

elencadas pelas partes deve ser apresentada ao juiz é outro ponto relevante a ser

abordado. Embora a lei processual não trate do tema, é necessário definir um

momento processual dedicado ao exercício da colaboração das partes e do

saneamento compartilhado do processo, antes daquele explicitado no artigo 357 do

CPC de 2015. E esse momento não pode ser outro senão um despacho que venha

a substituir o tradicional e atípico despacho “em provas”, especialmente se a lide não

for complexa e se o juiz entender não haver necessidade de autorizar audiência

especial de saneamento.

A manifestação por escrito e em forma de petição precisará ser feita pelas

partes antes do início formal da fase instrutória, especialmente para possibilitar que

ambas tenham a oportunidade de se desonerar da produção de uma ou de outra

prova, que com a aplicação da teoria da carga dinâmica permite ao juiz equilibrar

com muito mais flexibilidade os deveres probatórios das partes.

Os elementos apresentados pelas partes deverão ser objeto de apreciação

do juiz no momento do saneamento do processo e isso gerará uma decisão judicial

que conterá as seguintes definições, principalmente: (i) a forma de distribuição do

ônus da prova, (ii) os meios de prova necessários à instrução do processo e, em

especial, (iii) as questões de fato e de direito relevantes para o julgamento da lide.

231

Com referência às questões de fato e de direito relevantes para o julgamento

da lide, caberá ao magistrado discorrer sobre os temas sugeridos pelas partes e,

caso homologue as questões, fica a elas vinculado no momento de prolatação da

sentença. Significa dizer que o juiz pode complementar as questões de fato e de

direito sugeridas pelas partes como relevantes para o julgamento da lide, mas uma

vez homologadas essas questões no despacho saneador o magistrado se obriga a

enfrentá-las de forma fundamentada, sob pena de nulidade da sentença.

Nos termos do artigo 357 do CPC de 2015, vale lembrar, nada impede que

as próprias partes possam definir uma sugestão de roteiro probatório e suscitar ao

juiz a respectiva homologação517, onde deverá constar, de forma clara, qual será a

contribuição a ser dada. O juiz, por outro lado, poderá ou não concordar com a

estratégia proposta e precisará avaliar no caso concreto se a forma sugerida pelas

partes atende ou não à necessidade de obter outros elementos concretos e robustos

capazes de auxiliar na formação do seu convencimento.

Seja como for, cabe registrar que o objetivo do CPC de 2015 foi criar

oportunidades de diálogo entre as partes e com o próprio juiz, visando à definição de

conceitos consensuais a respeito de temas importantes, entre os quais o que

envolve o curso da fase instrutória.

Em suma, percebe-se que o objetivo do legislador foi estabelecer um clima

de convivência e de colaboração entre todos os envolvidos no processo, mas isso

dificilmente ocorrerá enquanto não se consiga vislumbrar a existência de um

ambiente cordato e colaborativo, no caso concreto, quando o direito posto em

discussão evidentemente abriga interesses opostos.

517

A nova lei processual prevê expressamente a possibilidade de realização de negócios jurídicos processuais entre as partes, conforme expõe Marco Paulo Denucci Di Spirito: “O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu uma cláusula geral (art. 190) que autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos aptos a surtir efeitos processuais. Como sempre ocorre em períodos de transição, estudos e detida análise são necessários para adaptação às novas realidades. Percebe-se, pois, a necessidade de compreender como é possível adequar o recente instituto ao processo civil. Os negócios jurídicos processuais podem ser brevemente definidos como pactos firmados com o escopo de regular aspectos ou módulos procedimentais que deverão ser observados no processo pelas partes e pelo julgador, tais como disposições legais. Significa dizer que por meio da cláusula geral em foco as partes são dotadas de ‘poderes para promover adaptações no procedimento’, de sorte a normatizar parcela do exercício da jurisdição.” (Controle de formação e controle de conteúdo do negócio jurídico processual. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 63, p. 125-193, jun./set. 2015. p. 126).

232

3.13 DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA ESPECIAL DE SANEAMENTO PARA

TRATAMENTO DE CASOS COMPLEXOS: DEVER DE COOPERAÇÃO E

VALORIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ORALIDADE (Art. 357, § 3º518, do CPC de

2015)

O CPC de 2015, no artigo 139, inciso VIII, prevê que ao juiz incumbe

“determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-

las sobre os fatos da causa, hipóteses em que não incidirá a pena de confesso”.

O comando do citado dispositivo legal atribui ao juiz um dever-poder de

explorar melhor a sua capacidade de instrução e, principalmente, de contar com a

participação das partes como apoio para a obtenção das respostas necessárias ao

entendimento da causa. Diferentemente, no CPC de 1973 o magistrado

demonstrava ser um sujeito solitário no exercício da sua importante função de reunir

todos os esclarecimentos e todas provas importantes para o processo.

O poder concedido ao juiz para a qualquer tempo convocar as partes a fim

de esclarecer fatos da causa demonstra a intenção de permitir uma nova postura do

magistrado no bojo do processo civil contemporâneo. Sem dúvida, o juiz que

convoca as partes para colaborar com a formação do seu convencimento é um

sujeito participativo e preocupado com a construção de um processo compartilhado

com todos os interessados e com a solução acertada da lide. Essa possibilidade, de

fato, vem ao encontro da natural necessidade de o magistrado sentir-se mais

próximo das partes e dos fatos narrados para que possa tirar as suas próprias

conclusões a respeito do direito pleiteado.

Há, dessa forma, uma contaminação positiva do princípio da colaboração em

todo o processo e, ademais, uma clara tendência de garantir que todas as fases do

processo sejam tratadas com pessoalidade e com o comprometimento de todos.

Esse é um interesse comum e traduz o próprio espírito do Estado Democrático de

Direito.

No que tange ao saneamento do processo, completa esse raciocínio o

comando do artigo 357, § 3º, que conferiu ao juiz a possibilidade convocar audiência

518

“§ 3o Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar

audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.”

233

para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, para integrar ou

esclarecer as alegações especialmente se a causa apresentar complexidade em

matéria de fato ou de direito.

O legislador vislumbrou na importante atividade saneadora e organizadora

do processo uma oportunidade de o magistrado realizá-la com a clareza, a

serenidade e a qualidade desejadas.

Nesse sentido, é oportuno lembrar que o CPC de 1973 já previa, no seu

artigo 331, a chamada audiência preliminar, um momento processual dedicado não

apenas à tentativa de conciliação, mas especialmente ao saneamento do processo.

Na audiência preliminar, competia ao juiz fixar os pontos controvertidos, decidir

sobre as questões processuais pendentes e determinar as provas a serem

produzidas, designando, quando necessário, audiência de instrução e julgamento.

Embora a legislação processual fosse clara, bem sabemos que em raras situações e

casos os magistrados se ocupavam de proferir o chamado “despacho saneador” na

audiência preliminar.

O CPC de 2015 reforçou o conceito de saneamento do processo e deu ao

magistrado a chance relevante de repaginar esse importantíssimo momento

processual. A convocação de uma audiência especial de saneamento é uma medida

que embora possa parecer atrasar o curso do processo trará uma nova dinâmica ao

roteiro de julgamento da causa.

De fato, o tempo gasto na designação de uma audiência especial de

saneamento é desprezível quando se considera o tempo economizado no

andamento do processo após a realização do detalhamento das questões de fato e

de direito relevantes para o julgamento da lide. Haverá, ao mesmo tempo, economia

de tempo na organização das ideias pelo magistrado e, além disso, a decisão terá

grande chance de ser construída com mais clareza, uma vez que comportará todas

as contribuições pertinentes a cada sujeito do processo519.

519

Andre Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte analisam a duração razoável do processo pela perspectiva qualitativa do tempo: “[...] planejar o fluxo do tempo no processo sob uma perspectiva qualitativa, adotando variadas técnicas de gerenciamento de processos, que consistem, basicamente, no planejamento da condução de demandas judiciais em direção à solução mais adequada do conflito, com o menor dispêndio de tempo e de custos. Trata-se de procedimento já consolidado nos países do common law, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, lá conhecido como case management.” (As dimensões do tempo no processo civil: tempo quantitativo, qualitativo e a duração razoável do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 218, p. 329-364, abr. 2013. p. 340). Em complemento, Alexandre Freitas Câmara ensina: “Não há processo civil que seja, ao mesmo tempo, moroso e eficiente. Mas não há, tampouco, processo civil que seja eficiente, mas não produza resultados justos. Afinal, como visto, não há eficiência que

234

Apesar de o legislador ter esboçado a melhor intenção ao prever a

realização de uma audiência especial de saneamento, pode-se afirmar que na

prática este tipo de audiência só será convocada em demandas de grande

complexidade, quando houver necessidade de um momento dedicado a debates

sobre os pontos relevantes para o julgamento da lide. Todavia, a mesma

oportunidade poderia ter sido dada aos juízes nos casos de demandas de média e

de baixa complexidades, a depender da dinâmica a ser aplicada ao caso sub judice.

O raciocínio de um magistrado, se consultado, será afirmativo no sentido de

que é mais saudável e coerente convocar as partes em uma audiência especial de

saneamento para que todos possam dar a sua contribuição àquilo que deverá ser

objeto da sentença, em vez de simplesmente ignorar a oportunidade de condução

do tema com pessoalidade e construir sozinho a sua convicção e decisão. Ao

envolver as partes em uma única audiência, mesmo nas causas de média

complexidade, o magistrado saberá com mais clareza qual a estratégia a seguir e

quais as questões apreciará em sua sentença para que atenda de forma robusta aos

anseios das partes.

De igual forma, a participação compartilhada na lide proporciona às partes

um momento de maior pessoalidade e convivência, ao magistrado colabora com o

necessário equilíbrio na prolação da sua sentença, permitindo-lhe “calibrar” de forma

adequada as “cargas” de fundamentação em cada um dos pontos tratados. Além

disso, minimiza a possibilidade de o magistrado cometer algum erro ou omissão a

respeito de algum tema que deveria tratar. É também o momento mais adequado

para as partes, com total liberdade, indicarem ao juiz os pontos de relevância e

apresentarem os fundamentos das questões de fato e de direito que precisam

compor o roteiro de julgamento da lide. Afinal, o magistrado prolata a sentença para

as partes e este ato não pode ser considerado um ato de vaidade ou egoísmo no

qual é construído segundo a sua própria vontade.

conduza a resultados qualitativamente ruins. Significa isso dizer, portanto, que a garantia de duração razoável do processo deve ser vista como um dos elementos formadores de um modelo constitucional de processo civil que busca a produção dos resultados – qualitativamente bons, perdoe-se a insistência – a que o processo civil se dirige. Não se pode, portanto, aceitar a ideia – manifestamente equivocada – de que a garantia de duração razoável do processo seja um valor superior aos demais, ou que exista uma espécie de ‘direito ao processo rápido’. O que existe é o direito ao devido processo legal, ao processo justo, direito este que será violado se o processo for excessivamente moroso, pois estará assim comprometida sua eficiência.” (O direito à duração razoável do processo: entre eficiência e garantias. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 223, p. 39-53, set. 2013. p. 42).

235

A audiência especial de saneamento também não se confunde com a

audiência de instrução e julgamento e as partes deverão ater-se a apresentar ao juiz

apenas os itens de fato ou de direito relevantes para o julgamento da lide. Portanto,

não será permitida a produção de nenhuma prova ou oitiva de quem quer que seja

nesse ato.

O juiz, por seu turno, deve portar-se com tranquilidade e demonstrar

organização para que o ato processual cumpra a finalidade para o qual foi criado.

Para esse propósito, a melhor forma de conduzir uma audiência de saneamento do

processo é facultar a palavra ao autor para que apresente as questões que entende

pertinentes ao julgamento da lide e, ato contínuo, dar ao réu a mesma oportunidade

para que possa contribuir para o esclarecimento dos fatos.

Após a manifestação pacífica de todas as partes, é tarefa do juiz cruzar as

informações, sopesar as considerações apresentadas pelas partes e relacionar em

uma só pauta os fatos/temas que deverão ser tratados.

No decorrer da audiência especial de saneamento não há qualquer

obrigação legal de uma das partes concordar com as questões de fato apresentadas

pela parte adversa. A pretensão do legislador com este ato foi justamente auxiliar o

juiz a encontrar algum grau de relevância nos temas que forem individualizados

pelas partes, não sendo necessária a existência de situação incontroversa para que

as questões componham o roteiro fático de julgamento.

Conforme mencionado, o magistrado não deve manter uma postura rigorosa,

seja ignorando ou afastando algum tema trazido pelas partes porque, ao menos em

tese, há nele alguma relevância subjetiva para a causa e importância para quem o

sugere.

Uma vez tratadas as questões de fato, o juiz deverá finalmente oferecer a

palavra ao autor para que indique as questões de direito que sejam relevantes e em

seguida dará sequência ao procedimento facultando ao réu a mesma manifestação.

Ao término das colaborações de todas as partes o juiz precisará usar a mesma

técnica que fora empregada na definição das questões de fato e, cruzando as

informações e as questões oferecidas pelas partes, definirá com clareza e

flexibilidade quais questões de direito comporão o roteiro de julgamento do

processo.

Após definir e reunir todas as questões de fato e de direito relevantes para o

julgamento da lide, em respeito aos princípios da colaboração e do contraditório, o

236

magistrado deve apresentar às partes a conclusão do trabalho realizado, que

também conterá outras definições complementares, de acordo com as premissas

estabelecidas no próprio artigo 357 do CPC 2015.

Assim, no mesmo ato destinado à delimitação das questões de fato e de

direito, são atribuições do magistrado: (i) resolver as questões processuais

pendentes; (ii) definir a respeito das provas que deverão ser produzidas na lide; (iii)

esclarecer as definições a respeito da distribuição do ônus da prova e (iv) designar,

se necessário, a audiência de instrução e julgamento.

Sem receio, pode-se afirmar que a audiência especial de saneamento não

deve servir apenas para que as partes colaborem com o oferecimento de questões

de fato e de direito relevantes para o julgamento da lide, mas também para que o

juiz, na presença das partes, conclua e dê publicidade aos termos da decisão

saneadora e organizadora do processo. Nessa mesma oportunidade, as partes

poderão realizar pedidos de esclarecimentos e de integração da decisão, tudo de

forma similar ao que preceitua o artigo 357, § 1º, do CPC de 2015.

Apesar de o retrocitado dispositivo estabelecer que as partes têm prazo de

cinco dias para se manifestar quanto ao que fora decidido, no caso de designação

especial de audiência saneadora e em respeito ao princípio do contraditório melhor

seria proporcionar a manifestação oral das partes logo após o proferimento da

decisão saneadora, ainda no curso da audiência520.

O princípio da oralidade deve ser prestigiado no momento da audiência

especial de saneamento, justamente por sua sintonia com os princípios da

efetividade e da colaboração. Por tal razão, uma vez concluída a audiência, o juiz

não deve, de forma alguma, chamar os autos à conclusão, pois todos possuem o

pleno interesse em concluir este ato processual de forma completa, dando total

publicidade ao conteúdo da decisão saneadora. Marcar uma audiência saneadora e

chamar os autos à conclusão para depois decidir seria na verdade um contrassenso,

inadequado, considerando-se o espírito inovador do legislador do CPC de 2015.

520

De acordo com Justino Magno Araújo: “O sistema oral é característico do processo civil brasileiro, encontrando nos princípios da concentração, imediação e identidade física do juiz a sua mais autêntica expressão.” (Os poderes do juiz no processo civil moderno (visão crítica). Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 32, p. 94-106, out./dez. 1983. p. 106).

237

3.14 OUTRAS PROVIDÊNCIAS PREVISTAS NO ARTIGO 357 DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL: NOVAS REGRAS A RESPEITO DA AUDIÊNCIA DE

INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

O artigo 357 está inserido no Capítulo X, Seção IV, do Título I do CPC 2015,

relativo ao procedimento comum. Muito embora esta seção tenha como título “Do

saneamento e da organização do processo”, na prática, o texto processual se

ocupou de outros temas correlatos, especialmente o que se refere à audiência de

instrução e julgamento.

O inciso V do citado artigo 357 consigna que as atividades saneadora e

organizadora do processo pressupõem também a avaliação do juiz sobre a

necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento.

Assim, uma vez deferida a produção de prova oral, seja a requerimento da

parte ou de ofício, compete ao magistrado, no bojo da decisão saneadora, definir o

momento processual para a colheita da prova, ou seja, a audiência de instrução e

julgamento. Ato contínuo, no mesmo momento em que for deferida a produção de

prova testemunhal, o magistrado deverá determinar que as partes apresentem o rol

de testemunhas, no prazo comum e não superior a quinze dias, tal como preceitua o

artigo 357, § 4º.

Na hipótese de designação de audiência especial de saneamento do

processo, conforme artigo 357, § 5º, as partes que pretenderem a produção de

prova oral deverão antecipar as providências relativas à apresentação do respectivo

rol de testemunhas. Nesse dispositivo específico, o legislador faculta às partes a

oportunidade de oferecer ao juiz o máximo de informações pertinentes e relativas à

prova oral que pretendem produzir. Assim, definidas pelas partes as testemunhas

que pretendem ser ouvidas, o juiz terá muito mais subsídios para decidir a respeito

da pertinência ou não da respectiva prova oral.

Uma vez designada a realização de audiência especial de saneamento, se

as partes não oferecerem no ato informações detalhadas sobre as testemunhas que

pretendem ser ouvidas, restará preclusa a oportunidade para que seja apresentado

novo rol de testemunhas. Em situações extremas e justificadas, caberá ao

magistrado deferir eventual dilação de prazo requerida pelas partes para indicação

das testemunhas que serão ouvidas em audiência de instrução e julgamento.

238

As situações excepcionais que justificam a dilação de prazo pelo magistrado

na verdade traduzem o respeito e a observância de princípios constitucionais como

ampla defesa e contraditório. A escolha da testemunha como prerrogativa da parte é

fundamental que ela possa definir melhor a sua estratégia de prova oral após a

definição, pelo juiz, das questões (de fato e de direito) relevantes para o julgamento

da lide. Com efeito, não é crível, nem lógico, exigir que a parte demonstre como

pretende provar o que ainda não sabe que deve ser provado.

Além de o saneamento do processo ser o momento de definição das

questões de fato e de direito relevantes para o julgamento da lide, vale lembrar que

também é a oportunidade para o juiz flexibilizar e distribuir o ônus da prova entre as

partes, com fulcro na teoria da carga dinâmica das provas. Assim, também não faz

sentido exigir da parte que leve para a audiência eventual indicação de testemunhas

se ainda não sabe ao certo qual o ônus processual que lhe será devido.

A exigência inserida no artigo 357, § 5o, remete a algumas decisões judiciais

que consideravam a inversão do ônus da prova regra de julgamento, o que fazia

com que alguns juízes decidissem pela inversão no bojo da sentença. Essa técnica

viola os postulados da ampla defesa e do contraditório, uma vez que a regra é

imposta e divulgada às partes só após o término do “jogo”, no caso, do processo.

Outra novidade trazida pelo CPC de 2015 se refere à limitação numérica de

testemunhas a serem ouvidas no curso da audiência de instrução e julgamento.

Reza o artigo 357, § 6o, que o número de testemunhas arroladas não pode ser

superior a dez, sendo três, no máximo, para a prova de cada fato521. Esse conceito,

como pode ser extraído do próprio termo de lei, pretende prestigiar os princípios da

celeridade e da eficiência, impedindo que as partes utilizem a audiência como

estratégia para tumultuar o processo. Muito embora essa regra pareça ser taxativa e

clara com relação ao número máximo de testemunhas oferecido pela parte, cabe

lembrar que tal limitação se refere exclusivamente às partes, não abrangendo, nesse

sentido, qualquer imposição ao juiz. Isso porque, estando no rol dos destinatários

finais da prova, cabe ao juiz, na formação do seu convencimento, deferir ou indeferir

qualquer prova trazida aos autos. Bem por isso, não pode vincular-se a uma regra

formal rígida, a qual também traria rigidez a um sistema flexível, que permite que o

521

Esse dispositivo legal tem semelhança com o disposto no CPC 1973, na medida em que o parágrafo único do artigo 407 informava, de forma clara, ser lícito a cada parte oferecer no máximo dez testemunhas. Na hipótese de serem arroladas por qualquer das partes mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o juiz poderia dispensar as restantes.

239

magistrado defira a produção de provas de ofício sempre que entender pertinente.

O artigo 357, § 7o, reforça a máxima de que o juiz “poderá limitar o número

de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos

individualmente considerados”. A reiteração dessa premissa é desnecessária porque

está consignada no parágrafo anterior do artigo em comento retratada como regra

básica de condução do processo e que se coaduna com a própria tarefa

desempenhada pelo magistrado no que tange ao dever-poder de indeferir

providências e diligências consideradas inúteis ou desnecessárias ao julgamento da

lide.

A limitação do número de testemunhas pelo juiz não se justifica apenas pelo

excesso numérico e a complexidade da causa, mas sim pela avaliação do juiz sobre

a pertinência/relevância ou não de realização da oitiva sugerida.

Ainda, sobre a audiência de instrução e julgamento, o CPC de 2015 inovou

na indicação dos intervalos entre as audiências, quando determina que não poderão

ser designadas com menos de uma hora entre um ato e outro. Essa premissa,

contida artigo 357, § 9º, traduz uma grande preocupação do legislador em garantir a

manutenção de uma atividade cada vez mais qualitativa e abrangente, e capaz de

eliminar do ordenamento jurídico a prática de atos processuais superficiais e

incongruentes com o dever de qualidade e com a celeridade que se espera da

atividade jurisdicional.

Acrescente-se que a exigência de realização de audiências de instrução e

julgamento com intervalo mínimo de uma hora é um importante indicativo de

mudança cultural no bojo do processo na medida em que permitirá que o juiz possa

atuar de forma mais incisiva na produção da prova e mais participativa na condução

dos processos ao convidar e provocar as partes a realizarem uma audiência em

colaboração.

Antes do início da instrução propriamente dita, o juiz terá mais tempo para

tratar a demanda de maneira mais racional, demonstrando às partes quais foram as

questões de fato e de direito indicadas para serem abordadas na sentença e,

principalmente, atingir o escopo da fase instrutória.

Ao fazer esse breve relato introdutório, o juiz terá plena capacidade de

envolver as partes em uma tentativa sóbria de conciliação, demonstrando a cada

uma delas as vantagens da celebração de um acordo. Portanto, é dever do juiz

fomentar a conciliação a qualquer tempo no curso do processo. Ademais, a

240

audiência de instrução prolongada é um momento propício para o encerramento

amigável da demanda.

Apesar de a previsão do CPC de 2015 relativa ao intervalo entre as

audiências ser de no mínimo uma hora, não se pode olvidar que os juízes, na

qualidade de gestores dos seus cartórios, terão um grande desafio administrativo-

organizacional pela frente522, uma vez que são centenas e centenas de processos

para pouca estrutura e pouco tempo, o que requer muita estratégia administrativa do

cartório na definição das prioridades e especialmente na construção das pautas de

audiências que deverão ser presididas pelo magistrado.

Por fim, o artigo 357, § 8º, do CPC estabelece que “caso tenha sido

determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no artigo

465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para a sua realização.” O

comando se refere, em verdade, à tentativa de impor ao processo um ritmo mais

célere e maior organização quanto ao modo como a prova pericial deve ser

produzida, especialmente para evitar que a perícia se perpetue por tempo maior que

o necessário.

Muito embora o dispositivo em comento assinale que a incumbência de

fixação do cronograma é do juiz, essa definição precisa ser compartilhada com as

partes, os assistentes técnicos e especialmente com o perito, a quem deverá ser

dada a oportunidade de se manifestar sobre a proposta do juiz logo após a

aceitação do encargo. Nesse contexto, cabe ao juiz o papel de conciliador prudente

quando permitir determinados “ajustes” no calendário, desde que devidamente

fundamentado e justificado pelas partes ou pelo próprio perito. No caso, o dever do

juiz não se restringe à mera fixação do calendário, mas especialmente à fiscalização

522

Neste sentido, asseveram Andre Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte: “Se o processo passasse por uma triagem eficiente no cartório, seu procedimento poderia ser bastante abreviado em muitos casos. Além disso, mais uma vez, a carga de trabalho do órgão jurisdicional poderia ser reduzida. Idealmente, todos os processos na fase de julgamento conforme o estado do processo deveriam ser encaminhados para um ou mais funcionários do cartório que estivessem qualificados a fazer essa triagem. Se o réu tiver suscitado alguma questão preliminar ou se a questão discutida no processo não demandar dilação probatória, os autos deveriam ser desde logo remetidos ao juiz para que, caso assim se entendesse, fosse o processo extinto sem resolução do mérito ou se conhecesse diretamente do pedido [...]. Além disso, essa triagem poderia também já indicar se a hipótese é propensa à resolução consensual e, de uma forma geral, se o processo foi instaurado de forma regular e se estão presentes as condições da ação. O gerenciamento de processos judiciais, para que possa realizar todas as suas potencialidades, impõe uma maior aproximação do juiz com as rotinas dos serventuários no cartório.” (As dimensões do tempo no processo civil: tempo quantitativo, qualitativo e a duração razoável do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 218, p. 329-364, abr. 2013. p. 342).

241

posterior do cronograma que fora definido. Como fiscal do processo, deve atuar de

forma rigorosa para que o processo possa render de forma positiva os resultados

esperados, no menor tempo possível e com a melhor qualidade decisória.

Apesar de o artigo 357 ter colacionado instruções e regras relativas à

produção da prova pericial e também à produção da prova oral em audiência de

instrução e julgamento, o legislador deveria ter sido fiel ao título da Seção IV – “Do

Saneamento e da Organização do Processo”. É que os parágrafos 4o, 5o, 6o, 7o, 8o e

9o deste artigo foram inseridos de forma heterotópica no novo CPC, mas poderiam

ter sido tratados junto com os temas que lhes são afetos, ou seja, nos artigos

destinados especificamente à prova pericial e à audiência de instrução e julgamento.

De todo modo, não há qualquer prejuízo técnico decorrente do descompasso

do legislador e, ao contrário, o artigo 357 do CPC traz muito mais benefícios do que

malefícios ao sistema. Novidades e inovações são bem-vindas e se utilizadas para o

bem da prestação jurisdicional trarão maior consistência e mais legitimidade à

atividade instrutória desenvolvida pelo juiz, permitindo que a sentença seja

constituída de forma mais fundamentada e estruturalmente mais democrática.

Por outro lado, como a legislação processual ainda é muito nova e foi

elaborada de forma não muito rígida, caberá aos sujeitos do processo e aos

advogados fazerem a melhor interpretação do que fora construído pelo legislador.

Essa assertiva abre espaço para a abordagem do capítulo seguinte, que se

dedicará a aspectos do saneamento do processo, com uma intepretação nova e

mais adequada aos princípios e aos anseios do novo processo civil brasileiro.

242

CAPÍTULO 4

O SANEAMENTO COMO ROTEIRO VINCULATIVO DE JULGAMENTO E

DE ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO

4.1 A COOPERAÇÃO ENTRE OS SUJEITOS DO PROCESSO COMO EVOLUÇÃO,

REFORÇO E NOVA FACETA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

A cooperação dentro da relação jurídica processual523 composta por autor,

réu, terceiros e Estado, este representado pela figura do juiz, viabiliza-se em um

cenário processual onde o magistrado é participativo524 e as partes demonstram

523

“Desde que o processo deixou de ser visto como mero instrumento de realização da vontade concreta da lei em favor de um dos litigantes e começou a ser entendido como mecanismo de composição do litígio, apto à realização da justiça e à obtenção da paz social, não só o juiz adquiriu um papel especial, com a outorga de poderes especiais que garantem uma atuação mais ativa no processo. Autor e réu tiveram a sua posição alterada: de meros litigantes imersos num conflito entre si passaram a ser reputados como agentes colaboradores do Poder Judiciário para a descoberta da verdade e o alcance de resultados justos. Isto ocorreu porque, no ‘processo moderno, o interesse em jogo é tanto das partes como do juiz, e da sociedade em cujo nome atua. Todos agem, assim, em direção ao escopo de cumprir os desígnios máximos da pacificação social. A eliminação de litígios, de maneira legal e justa, é do interesse tanto dos litigantes como de toda a comunidade. O juiz, operando pela sociedade como um todo, tem até mesmo interesse público maior na boa atuação jurisdicional e na justiça e efetividade do provimento com que se compõe o litígio’. O processo passou a ser visto como produto da atividade cooperativa das partes e do juiz. Dentro dele, a cada qual é designada uma função específica, que deve ser cumprida da melhor forma possível, a fim de que, ao final, todos alcancem aquele que é o objetivo comum, qual seja, o provimento jurisdicional adequado. Por força do princípio da cooperação, ‘as partes têm o dever de se conduzir no processo com lealdade, probidade e boa-fé, o dever de colaborar entre si para desentranhar a verdade dos fatos e o dever de cooperação com o órgão jurisdicional para averiguar como ocorreram os fatos para este posso ditar uma sentença justa’. Devem dialogar entre si e com o julgador, de forma a possibilitar o esclarecimento e a prova das suas alegações, pressuposto de uma decisão final que atenda aos ditames da efetividade e do processo justo.” CREMASCO, Suzana Santi. A distribuição dinâmica do ônus da prova, p. 84-85. 524

Luiz Guilherme Marinoni correlaciona atuação participativa do juiz com decisão justa: “De nada adianta um juiz participativo, mas sem sensibilidade para decidir com justiça. O juiz deve pauta-se pelo critério de justiça (a) ao apreciar a prova, (b) ao enquadrar os fatos em normas e categorias jurídicas e (c) ao interpretar o direto positivo. No que tange à questão da valoração da prova, é necessário que o juiz tenha em mente, lembrando-se de Voltaire que as verdades histórias nunca passam de mera verossimilhança. Calamandrei, referindo-se a uma assertiva de Wach, advertiu que, quando se diz que um fato é verdadeiro, afirma-se, em substância, que ele atingiu, na consciência de quem assim o julga, aquele grau máximo de verossimilhança que, em relação aos meios limitados de conhecimento de que o julgador dispõe, é suficiente para lhe dar a certeza subjetiva de que aquele fato se verificou. Como diz Calamandrei, mesmo para o juiz mais atento e escrupuloso vale o limite fatal de aquilo que parece estarmos vendo. É por isso que todo o sistema probatório civil é preordenado não somente a permitir, mas, verdadeiramente, a impor ao juiz de contentar-se, no apreciar os fatos, com a verossimilhança. [...] O que importa, efetivamente, é que o juiz procure descobrir a sua verdade, até mesmo determinando provas de ofício, mas sem exigir um grau de probabilidade que torne impossível a demonstração da existência do direito. Nós vivemos em uma

243

uma conduta pautada na lealdade e na boa-fé525, comportamentos necessários para

se garantir plenamente o direito constitucional de acesso à justiça.

O princípio da cooperação está positivado no novo Código de Processo Civil,

no artigo 6º526. A sua efetiva aplicação por meio do exercício proativo dos poderes

instrutórios do juiz e a contínua colaboração das partes527 mediante o oferecimento

dos subsídios necessários permite a obtenção da verdade real e, assim, em tempo

razoável, uma justa decisão de mérito528.

O modelo processual cooperativo, como define o autor português529 Antônio

sociedade formalizada, em que o princípio da aparência preside todas as relações sociais, e a complexidade da vida de certa forma transformou o processo em um instrumento de orientação na escolha de alternativas. O cidadão, desorientado frente aos seus valores e à complexidade da sociedade de massa, acaba por pedir uma orientação ao juiz, que não pode deixar de lado a sua responsabilidade social para querer aplicar regras matemáticas sobre valoração probatória.” (Novas Linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 107-108). 525

Segundo Humberto Theodoro Júnior, a boa-fé processual é fator precípuo para a colaboração no processo: "É a boa-fé objetiva que dá o sentido, na relação obrigacional, capaz de 'nortear o teor geral dessa colaboração intersubjetiva'.” (Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. I. p. 200-201). 526

“Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo

razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” 527

Na opinião de Guilherme Rizzo Amaral, é difícil, na prática, conceber uma postura colaborativa das partes entre si, considerando os interesses distintos. Para o autor, a cooperação disposta no artigo 6º limita-se tão somente às partes para com o juiz e este com as partes: "É importante ressaltar, contudo, que diferentemente do que se poderia supor da interpretação literal do dispositivo em comento, quando se fala em colaboração ou cooperação, não se está a exigir a colaboração entre as partes. É ilusório imaginar que num processo de corte eminentemente adversarial as partes venham a contribuir uma com a outra para o alcance da solução mais justa para o litígio. O princípio da cooperação impõe, isto sim, que o juiz colabore para com as partes e que as partes colaborem para com o juízo." (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 55). 528

Quanto aos benefícios da cooperação no processo civil, Ada Pellegrini Grinover afirma que: “A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente.” (O processo constitucional em marcha: contraditório e ampla defesa em cem julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. São Paulo: Max Limonad, 1985. p. 8). 529

A adoção do princípio da cooperação no novo Código de Processo Civil nrasileiro teve por inspiração o sistema processual português, especificamente os artigos 266 e 519 do Código Processual lusitano: “Art. 266.º (Princípio da cooperação) 1. Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2. O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. [...].” “Art. 519.º (Dever de cooperação para a descoberta da verdade) 1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitados e praticando os actos que forem determinados. […].”

244

Santos Abrantes Geraldes530, consiste em: “[...] uma nova cultura judiciária, que

potencie o diálogo franco entre todos os sujeitos processuais, com vistas a alcançar

a solução mais ajustada aos casos concretos submetidos à apreciação jurisdicional”.

O princípio processual da cooperação é a evolução de uma das garantias

fundamentais previstas na Constituição Federal: o direito ao contraditório. Este

princípio, em sua acepção original, permite às partes participação em todos os atos

do processo – “direito ao conhecimento e à participação, participar conhecendo,

participar agindo”531 –, cabendo ao juiz a função de garantidor desta premissa.

A cooperação na verdade supera esse conceito; além de propiciar a efetiva

atuação das partes, o próprio magistrado passa a ser partícipe da instrução da

causa, exercendo, igualmente, o contraditório. O juiz, assim, retira-se de uma

posição assimétrica em relação às partes para equipará-las no desenvolvimento de

um diálogo em uma comunidade de trabalho532.

Cassio Scarpinella Bueno533, ao discorrer sobre o princípio da cooperação

como nova faceta do princípio do contraditório, assim expõe:

A doutrina brasileira mais recente, fortemente influenciada pela estrangeira, já começa a falar em ‘princípio da cooperação’, uma específica faceta – quiçá uma (necessária) ‘atualização’ – do princípio do contraditório, entendendo tal princípio como um necessário e constante diálogo entre o juiz e as partes, preocupados, todos, com o proferimento de uma melhor decisão para a lide. Neste sentido, o princípio da ‘cooperação’ pode ser entendido como o princípio do contraditório, inserido no ambiente dos direitos fundamentais, que hipertrofia a tradicional concepção dos princípios jurídicos como meras garantias dos particulares contra eventuais abusos do Estado da sua concepção concreta. E, por isso mesmo é que ele convida a uma renovada reflexão do princípio do contraditório. De uma visão que relacionava o princípio somente às partes, à possibilidade de atuação das partes, é correto o entendimento que vincula também o juiz. Assim, o princípio do contraditório tem abrangência dupla. A lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo, e o juiz deve franquear-lhes esses meios. Mas significa também que o próprio juiz deve participar da preparação e do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia resolve-se, portanto, num direito das partes e dos deveres do juiz.

530

GERALDES, António Santos Abrantes. Temas da reforma do processo civil. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2006. v. 1. p. 88-89. 531

CAPPELLETTI, Mauro. Appunti in tema di contraddittorio. Studi in memoria di Salvatore Satta. Padova: Cedam, 1982. v. 1. p. 221. 532

“A decisão, então, deixa de ser um produto solitário do juiz, sendo construída mediante o diálogo entre os sujeitos do processo.” CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 301. 533

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, p. 109.

245

A redefinição do conceito de contraditório, a partir do princípio da

cooperação, é reforçada por Humberto Theodoro Júnior534:

No Estado Democrático de Direito, todavia, procedeu-se a uma releitura do contraditório, que viria a culminar na melhoria da relação juiz-litigantes. Implantou-se, então, a partir da experiência europeia, aquilo que se qualificou como a garantia de um efetivo diálogo e uma real comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft) entre todos os sujeitos processuais, desde a fase preparatória do procedimento (audiência preliminar para fixação dos pontos controvertidos), até a fase de instrução, debate e julgamento. Com isso, implantou-se, como princípio processual, o reconhecimento da relevância da participação de todos os sujeitos do processo (juiz, autor, réu e intervenientes) na estrutura procedimental.

Ada Pellegrini Grinover535 complementa o raciocínio, explicando a transição

de concepção do princípio do contraditório:

Segundo a concepção tradicional, o princípio do contraditório exprimia estaticamente, em correspondência com a igualdade formal das partes, a exigência de equilíbrio das forças, traduzindo-se na necessidade de lhes garantir a possibilidade de desenvolverem plenamente a defesa de suas próprias razões. Mas a concepção menos individualista e mais dinâmica do contraditório postula a necessidade de a equidistância do juiz ser adequadamente temperada, mercê da atribuição ao magistrado de poderes mais amplos, a fim de estimular a efetiva participação das partes no contraditório e, consequentemente, sua colaboração e cooperação no justo processo.

A atual definição de contraditório está em conformidade com o previsto nos

artigos 9º536 e 10537 do CPC de 2015, como explicitado por Marcelo Veiga Franco538,

revelando o aspecto tridimensional do princípio:

Ao atribuir ao magistrado a função de atuar como ‘incentivador do aspecto dialógico do procedimento’, a garantia do contraditório evita

534

THEODORO JUNIOR, Humberto. [Prefácio] SANTOS, Marina França. A garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 15. 535

GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa, contraditório, igualdade e par condicio na ótica do processo de estrutura cooperatória. Novas tendências do direito processual. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 7. 536

“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I - à tutela provisória de urgência; II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III - à decisão prevista no art. 701.” 537

“Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.” 538

FRANCO, Marcelo Veiga. Dimensão dinâmica do contraditório, fundamentação decisória e conotação ética do processo justo: breve reflexão sobre o art. 489, § 1º, IV, do novo CPC. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 247, p. 105-136, set. 2015. p. 114.

246

as chamadas decisões-surpresa, isto é, provimentos jurisdicionais baseados em alegações e provas que não foram dialeticamente discutidas nos autos. É por essa razão que o art. 10 do novo CPC [...] está em consonância com a atual definição do contraditório. Em seu aspecto tridimensional, o contraditório é integrado pelos seguintes elementos: (a) direito das partes à ciência, informação e participação no processo em simétrica paridade (dimensão estática ou formal); (b) prerrogativa de influência das partes na construção do conteúdo da decisão judicial (dimensão dinâmica ou material); (c) direito das partes a terem analisados e considerados pelo juiz os seus argumentos e provas pertinentes à solução da causa, de maneira que o caso concreto seja resolvido unicamente com base nos resultados decorrentes da atividade dos interessados ao provimento (dimensão coparticipativa, na qual a motivação decisória é atrelada ao contraditório).

Da leitura e da análise do artigo 10 do CPC de 2015, extrai-se que questões

conhecidas pelo juiz de ofício devem igualmente ser submetidas a debate pelas

partes, de modo a evitar as “decisões-surpresa”, como defende Dierle José Coelho

Nunes539:

O contraditório constitui uma verdadeira garantia de não surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso. [...] decisão de surpresa deve ser declarada nula, por desatender ao princípio do contraditório.

Saliente-se que o animus de cooperar deve fazer-se presente em momento

anterior à instrução processual, qual seja, na audiência de conciliação ou mediação

prevista no artigo 334 do CPC de 2015540. As partes precisam, para tanto, ter boa

vontade e em colaboração recíproca chegar a um consenso.

A composição amigável é vantajosa para todos os sujeitos envolvidos no

processo, em especial para o juiz porque é capaz de reduzir o estoque de processos

sob sua competência. Por este motivo, é imprescindível que o magistrado estimule a

conciliação em todas as fases do processo, nos termos dos §§ 2º e 3º do artigo 3º

do novo código processual civil541. As partes, por seu lado, devem responder de

forma receptiva a este estímulo.

539

NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2011. p. 229. 540

“Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.” 541

“Art. 3º [...] § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”

247

Na hipótese de não se alcançar a solução consensual, a cooperação entre

as partes e o juiz tem de ser iniciada já na relevante fase de saneamento do

processo, de modo a ser constituído um seguro e fidedigno roteiro para a instrução

do processo e, no fim, ser entregue uma efetiva e adequada prestação jurisdicional.

A lide saneada de forma cooperativa permite: (i) a correção de eventuais

vícios ou irregularidades que possam prejudicar o bom andamento do processo; (ii)

os esclarecimentos necessários para a delimitação das questões de fato relevantes

para o julgamento; (iii) o deferimento de produção das indispensáveis provas para

atingir a verdade; (iv) a adequada distribuição do ônus da prova diante da postura

transparente das partes quanto às facilidades ou dificuldades para o cumprimento

deste encargo; e (v) a especificação das fundamentais questões de direito para a

prolação da decisão de mérito.

O saneamento cooperativo está previsto no artigo 357 do CPC de 2015 e

permite que as partes apresentem, para a homologação do juiz, a delimitação

consensual das questões de fato e de direito542, ou, ainda, a designação de

audiência específica para o saneamento processual em cooperação543. Esta

audiência na verdade deveria ser obrigatória em todas as causas, não somente nas

consideradas mais complexas.

O clamor pela celeridade da tutela jurisdicional não deve prejudicar a

instrução processual qualitativa, realizada com a cooperação efetiva entre as partes

e o juiz para, finalmente, chegar à verdade no desfecho da lide.

Porém, uma inovação processual permite que a cooperação, específica

entre as partes, seja iniciada antes mesmo do ajuizamento da ação. Trata-se do

negócio jurídico processual, tema abordado a seguir.

542

“Art. 357. [...] § 2o As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual

das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz. § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.” 543

“Art. 357. [...] § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.”

248

4.2 NEGÓCIO PROCESSUAL E INTERVENÇÃO DAS PARTES NO CURSO DO

PROCESSO

Nos termos do artigo 190 do novo Código de Processo Civil:

Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Com essa disposição o CPC de 2015 passa a permitir expressamente a

realização de negócio jurídico processual, antes ou no curso de processo, cujo

objeto litigioso verse sobre direitos que admitem autocomposição544. Significa que é

lícito às partes ajustar os procedimentos545, de acordo com as peculiaridades da

causa, podendo dispor sobre questões546 como regras de distribuição do ônus da

prova, espécies de provas admitidas, recursos cabíveis e prazos processuais

diferenciados. A declaração de vontade neste sentido produzirá efeitos imediatos547,

desde que os termos sejam devidamente homologados pelo juiz da causa.

544

De acordo com o artigo 841 do Código Civil, os direitos que admitem a autocomposição são os patrimoniais de caráter privado: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.” 545

A flexibilização procedimental é elencada como um dos deveres do juiz: “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe [...] VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;[...].” 546

O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) aprovou enunciados de interpretação do Código Processual de 2015. Alguns, pertinentes aos negócios processuais, são estabelecendo como possíveis em nosso ordenamento: “19. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si. 15-16.” “20. (art. 190) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância.” “21. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.” 547

“Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.”

249

Na vigência do CPC de 1973, Leonardo Greco548 já dissertava sobre a

convenção das partes no âmbito do processo:

Não obstante esse poder das partes se contraponha aos poderes do juiz, não deve ser interpretado, de forma alguma, como uma tendência de privatização da relação processual, mas representa simplesmente a aceitação de que aquelas, como destinatárias da prestação jurisdicional, têm também interesse em influir na atividade-meio e, em certas circunstâncias, estão mais habilitadas do que o próprio julgador a adotar decisões sobre os seus rumos e a ditar providências em harmonia com os objetivos publicísticos do processo, consistentes em assegurar a paz social e a própria manutenção da ordem pública.

Rosa Maria de Andrade Nery549 denomina como “autogerência parcial do

processo” o poder negocial conferido às partes. Nas palavras da autora:

O novo sistema processual inaugurado com a Lei 13.105/2015 dá um passo adiante: cuida com mais vigor de temas que permitem às partes se conduzirem de forma mais livre durante o iter procedimental, por decorrência de algo a que se pode denominar de autogerência parcial do processo. Também põe em relevo práticas que ensejam a denominada autocomposição, antes ou durante o curso da demanda judicial. Ou seja: o novo sistema processual brasileiro permite que as partes ‘negociem’ comandos procedimentais, dentro do processo, que também vinculam o Juiz e lhes abre um espectro maior e melhor de regulação privada de litígios, favorecendo a autocomposição total ou parcial da lide.

Leonardo Carneiro da Cunha550 classifica os negócios processuais

em típicos, os expressamente previstos em lei, e atípicos aqueles não enquadrados

nos tipos legais mas construídos pelas partes de acordo com suas necessidades e

conveniências, conforme disposição do artigo 190 do CPC de 2015.

Com base nessa classificação é possível constatar no novo sistema

processual diversos negócios processuais típicos facultativos, como a convenção:

para eleição de foro (artigo 63551); para escolha de conciliador, mediador ou câmara

548

GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual - primeiras reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, UERJ, v. 1, p. 7-28, out./dez. 2007. p. 7. 549

NERY, Rosa Maria de Andrade. Fatos processuais. Atos jurídicos processuais simples. Negócio jurídico processual (unilateral e bilateral). Transação. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 64, p. 261-274, out./dez. 2015. p. 264. 550

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Grandes temas do novo CPC. Coord. geral Fredie Didier Jr. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 1. p. 42-44. 551

“Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.”

250

privada de conciliação e de mediação (artigo 168552); sobre o calendário processual

(artigo 191553); sobre a distribuição do ônus da prova554 (artigo 373, §§ 3º e 4º555); e

sobre a escolha do perito (artigo 471556).

A doutrina de Taimi Haensel e de Maria Augusta da Matta Rivitti 557 divide os

negócios jurídicos em três tipos: unilaterais558, bilaterais e plurilaterais.

Os negócios jurídicos processuais firmados no novo CPC também podem ser unilaterais (decorrendo da manifestação de uma só vontade, tal como a desistência, a renúncia), bilaterais (com manifestação de duas vontades, como suspensão do processo, eleição do foro), plurilaterais (sucessão do alienante ou cedente pelo adquirente ou cessionário da coisa litigiosa, art. 109, § 1.º, audiência

552

“Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação.” 553

“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. § 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. § 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.” 554

O Código de 1973 já previa a possibilidade de as partes convencionarem a forma de distribuição do ônus probatório, por meio do parágrafo único do artigo 333: “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.” 555

“Art. 373. [...] § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.” 556

“Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que: I - sejam plenamente capazes; II - a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1º As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados. § 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz. § 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz.” 557

HAENSEL, Taimi; RIVITTI, Maria Augusta da Matta. Apontamentos sobre o negócio processual e os valores mobiliários. Revista de Direito Empresarial, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 12, p. 207-236, nov./dez. 2015. p. 212-213. 558

Rosa Maria de Andrade Nery atenta para a existência, já no sistema processual anterior, de negócios jurídicos unilaterais: “Os negócios jurídicos unilaterais não são contratos, mas revelam também a força normativa da autonomia privada, porque neles se manifesta vontade dirigida para a consecução de fins que a parte delineia quais sejam. No processo eles também têm lugar. Dessa qualidade é a renúncia do direito sobre o qual se funda a demanda. [...] Da mesma natureza jurídica é o reconhecimento jurídico do pedido.” (Fatos processuais. Atos jurídicos processuais simples. Negócio jurídico processual (unilateral e bilateral). Transação. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 64, p. 261-274, out./dez. 2015. p. 263).

251

de saneamento e organização, art. 357, § 3.º e, o calendário

processual, que tem a participação do juiz e das partes, art. 191).

Para que o preceito legal do art. 190 funcione adequadamente deverá

prevalecer a boa-fé e a lealdade entre os partícipes do negócio processual, já que

ambos os postulados dão suporte ao princípio processual da cooperação. Com a

boa-fé e a lealdade, evita-se que o objeto pactuado implique alguma nulidade

absoluta, inserção abusiva em contrato de adesão ou que alguma das partes

assuma uma posição de vulnerabilidade559. Caberá ao juiz a avaliação dos ajustes

concertados pelas partes, declarando ou não a sua validade560, segundo a forma

prevista no parágrafo único do citado artigo 190561.

De acordo com Eduardo Cambi e Aline Regina das Neves562, três são os

limites que devem ser fixados em um negócio jurídico processual: (i) disponibilidade

do direito objeto do litígio; (ii) respeito ao equilíbrio das partes e à igualdade

processual, em sentido não apenas formal, mas substancial; e (iii) observância de

regras, princípios, direitos e garantias fundamentais do processo.

O texto do referido dispositivo legal, ao que tudo indica, é conciso e não traz

maiores detalhes de como seria aplicada concretamente esta inovação legislativa.

Na prática, as disposições contidas em um negócio processual poderão causar

confusão e equívocos no exercício do ofício jurisdicional e dos serventuários,

materialmente incapazes de gerenciar todas as situações processuais que poderão

advir de acordos realizados entre as partes.

Durante a vigência do CPC de 1973, grande parte dos serventuários judiciais

desempenhava o seu trabalho de forma mecânica, não sendo raras as certificações

559

Garantindo o disposto no artigo 139, inciso I, do Código de 2015: “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; [...].” 560

O negócio jurídico processual deverá atender primordialmente aos requisitos previstos no artigo 104 do Código Civil: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.” Outrossim, os direitos fundamentais e garantias constitucionais não podem ser objeto de transação entras partes como, por exemplo, fixação de prazo para a apresentação de documento sem oportunizar à outra parte o exercício do contraditório. 561

“Art. 190. [...] Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.” 562

CAMBI, Eduardo; NEVES, Aline Regina das. Flexibilização procedimental no novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 64, p. 219-259, out./dez. 2015. p. 234.

252

incompatíveis com o rito ou procedimento da causa.

Considerado válido o negócio processual pelo magistrado, o serventuário

precisará ser zeloso e diligente para não certificar de forma incorreta o atendimento

ou não de determinado dever processual, como por exemplo o cumprimento de um

prazo. Depois de ajustado um prazo processual, reduzido ou prolongado pelas

partes, deverá o serventuário ter o cuidado de conferir a convenção para não

incorrer em erros, o que não é difícil de acontecer na rotina forense, considerando-

se o número de processos sob a responsabilidade das varas. O juiz, da mesma

forma, a todo momento deverá checar o que fora convencionado pelas partes antes

de proferir uma decisão e não pode confiar em certificações dos serventuários de

sua vara judicial. É praxe no Judiciário os atos cartorários induzirem os magistrados

em erro. Por essa razão, a atenção do magistrado deverá ser redobrada e exercer

com a cautela necessária o papel de fiscal para a efetiva aplicação da nova

disposição processual563.

Outro ponto importante alude ao fato de o artigo 190 do CPC de 2015 não

ter definido o momento limite em que as partes poderiam propor ajustes no

procedimento. Na verdade, a fase de saneamento, momento de organização do

processo, deveria corresponder ao termo final para apresentação de eventual termo

de convenção pelas partes, especificamente até o fim do prazo disposto no § 1º do

artigo 357564 do mesmo código, ou, se designada, até a audiência de saneamento

do processo (§ 3º do artigo 357565).

No novo modelo processual civil, a fase de saneamento, por sinal, possui

características próprias que a compatibiliza com os ajustes e as convenções de um

negócio processual. A disposição do § 2º do artigo 357566 corrobora esta afirmação

ao permitir que as partes delimitem consensualmente questões de fato e de direito

563

Uma sugestão que poderá facilitar o controle é destacar de alguma forma os processos regulamentados por negócios processuais, seja fixando avisos ou cores distintas nas capas de autos físicos, seja criando, em processos eletrônicos, mecanismos que identifiquem o procedimento diferenciado e permitam ao juiz e aos serventuários a fácil visualização das regras ajustadas pelas partes. 564

“Art. 357. [...] § 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.” 565

“Art. 357. [...] § 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.” 566

“Art. 357. [...] § 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.”

253

relevantes para o julgamento da causa.

O negócio processual tem traços semelhantes à convenção de arbitragem,

fase em que as partes ajustam o procedimento com vistas a obter, em tempo

razoável, uma decisão mais justa. No entanto, é só a prática que poderá dirimir as

dúvidas e as incertezas sobre essa inovação, quando então será possível avaliar

com segurança a sua contribuição para o alcance de uma tutela jurisdicional efetiva,

especialmente quando se trata de atos relativos à fase de saneamento do processo.

4.3 O SANEAMENTO COMO INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO E DE

DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO: POR QUE DEVEMOS GARANTIR A SUA

REALIZAÇÃO?

No capítulo anterior, dedicado às novidades trazidas pelo CPC de 2015,

verificou-se que a nova configuração do saneamento do processo, em substituição

ao ultrapassado “despacho saneador”, pressupõe não somente a tomada de

decisões importantes a respeito da fase instrutória, mas também uma nova

metodologia de organização do processo para que este atinja os objetivos

esperados com mais qualidade e em menor tempo567.

Fiel ao escopo deste estudo, de demonstrar sobretudo que o saneamento do

processo realizado de forma colaborativa entre as partes e o juiz é um grande

gerador de efetividade processual, pode-se afirmar que este é também um dos

principais princípios e objetivos do processo. Afinal, tudo o que se busca no

processo é a efetividade necessária para que este cumpra a sua finalidade.

567

Segundo Daniel Mitidiero, deve-se "[...] organizar um processo justo - de formalismo cooperativo - e muito especialmente idôneo para a prestação de tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva aos direitos" (Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 43). Ao lado disso, Nestor Eduardo Araruna Santiago e Jair Pereira Coitinho concluem que “[...] coordenar, ordenar e organizar o processo são elementos destinados a um fim: a solução justa do litígio” (Reconfigurações do processo à luz do constitucionalismo contemporâneo: a boa-fé objetiva como condição funcional do modelo processual do Estado democrático de direito e sua incidência sobre o novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 254, p. 45-71, abr. 2016. p. 50).

254

José Roberto dos Santos Bedaque568 trata o tema efetividade do processo

com maestria, indicando de forma precisa que a construção de um processo efetivo

passa pela utilização da melhor técnica processual, principalmente. É a técnica

processual a melhor aliada da efetividade e, por tal razão, deve-se buscar dentro do

processo os mecanismos de otimização da demanda.

Efetividade não se confunde com celeridade. Conforme alerta João Batista

Lopes569: “A superestimação do valor celeridade certamente compromete a

qualidade do julgamento e, por isso, deve falar-se, de preferência, em razoável

duração do processo como uma das garantias a ser preservada.".

Augusto Tavares Rosa Marcacini570, em extenso trabalho acadêmico,

delimita bem as análises que precisam ser feitas quando o assunto é efetividade do

processo:

O problema central, do qual decorrem as demais questões a serem tratadas, é a ineficiência do processo como instrumento de realização de direito e da justiça. A primeira questão a ser colocada é uma crítica pragmática acerca das deficiências do processo. Em que medida o processo é satisfatório e atinge as suas finalidades? Mas, por outro lado, quais os limites do possível? Sendo a perfeição inatingível, que paradigma pode ser estabelecido para aferir a eficiência do sistema processual?

Esses questionamentos, muito bem delimitados, traduzem a árdua função do

processo em busca da realização do seu objetivo. Se, por um lado, novos

mecanismos aceleradores da atividade processual estão à disposição dos

operadores do direito, não é demais registrar que o antigo “despacho saneador”

previsto no CPC de 1973 também tinha potencial aptidão para realizar mudanças

significativas para que o processo pudesse atingir os seus objetivos.

Na prática, porém, a legislação processual não foi respeitada

adequadamente e a atividade saneadora, salvo exceções, não era executada de

forma técnica e qualitativa. Assim, uma vez realizada a audiência prevista no artigo

331 do CPC de 1973571, poucos magistrados se dedicavam à realização de uma

568

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006. 569

LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 5. ed. São Paulo: Castro Lopes, 2016. p. 75. 570

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Estudo sobre a efetividade do processo civil. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, 1999. 571

Apesar de subaproveitada, Luiz Guilherme Marinoni discursava sobre a importância da audiência preliminar do artigo 331 do Código de 1973: “Quando o direito não admitir transação ou as circunstâncias da causa tiverem evidenciado ser improvável e sua obtenção, o juiz, ainda que não na

255

reanálise dos autos com vistas a apurar e individualizar as questões controvertidas

que inevitavelmente deveriam ser objeto de apreciação na sentença572.

audiência preliminar, não pode deixar de fixar os pontos controvertidos. A diferença é que, nesta hipótese, a definição da matéria incontroversa será feita por escrito e sem a contribuição do contato imediato e do diálogo entre o juiz e as partes. A audiência preliminar é o local adequado para a delimitação da matéria incontroversa, uma vez que nela o juiz se encontra em diálogo com as partes, podendo obter esclarecimentos sobre os fatos e as provas através da confrontação entre os argumentos de cada uma delas. De modo que o juiz, na audiência preliminar, diante de requerimento do autor, deve necessariamente conceder a tutela antecipatória da parte da demanda que reconhecer incontroversa, aplicando o §6º do art. 273. Isto para não falar que a possibilidade da tutela antecipatória da parte incontroversa desestimula o réu a alongar o tempo de duração do processo e, assim, colaborar para colocar as partes em equilíbrio no momento de conciliação – a ser tentada no início da audiência preliminar.” (Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 204). Nesta toada, Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr e Marcelo Abelha Rodrigues esclarecem as funções e o escopo da audiência preliminar prevista no antigo artigo 331 da lei processual civil: “A audiência de conciliação obrigatória – prevista no art. 331 do CPC, e uma das grandes novidades da ‘dezembrada’ de 1994 – sofreu sua primeira reforma com a edição da Lei Federal n. 10.444/2002. Quatro foram as mudanças: a) de nome: passou a se chamar ’Audiência Preliminar’; b) trocou-se a expressão ‘direitos disponíveis’ por ‘direitos que admitam transação’; c) franqueou-se a possibilidade de nomeação de preposto para comparecer à audiência; d) expressamente se previram hipóteses em que a audiência preliminar não precisa ser realizada. A mudança do nome do instituto para ‘audiência preliminar’ justifica-se plenamente. É que a doutrina, de modo geral, já reconhecia nessa audiência funções outras, aliás da simples tentativa de conciliação. Como bem afirma Dinamarco, possuía essa audiência um tríplice escopo: conciliação, saneamento do processo e delimitação da instrução. A audiência, por não ser simplesmente de conciliação, não merecia o nome que tinha. Muda-se com isso também o nome da ‘Seção III’, que passa a chamar-se ‘Da audiência preliminar’, conforme o art. 3º da Lei Federal n 10.444/2002.” (A nova reforma processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 101). 572

Sobre o saneamento do processo na vigência do Código de 1973, assim analisou Heitor Vitor Mendonça Sica: “Os tribunais costumam fazer ‘vista grossa’ ao reiterado descumprimento do dever imposto aos juízes no tocante à fixação dos pontos controvertidos. Mais uma vez a prática destoa da teoria (e, mais do que isso, do texto expresso de lei), de modo que a importância da fase de saneamento e organização resta apequenada. Perde-se a oportunidade de uma gestão mais racional da colheita da prova, mediante seleção dos meios a serem empregados à luz de uma análise minuciosa do thema probandum.” (Evolução legislativa da fase de saneamento e organização do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 255, p. 435-460, maio 2016. p. 438). Especificamente sobre a deficiente fixação dos pontos controvertidos, comenta Athos Gusmão Carneiro: “Na prática, os magistrados muitas vezes se têm omitido, com a táctica anuência das partes, no cumprir a determinação legal. Ou então fixam os pontos controvertidos com tanta amplitude (às vezes, aliás, impostas pelas circunstancias da causa) que tal fixação constitui mera formalidade. Com frequência, outrossim, os pontos controvertidos, pela singeleza da causa, ostentam-se de tal evidência que sua declaração constituirá ato processual irrelevante. De qualquer forma, na ausência de protesto da parte, e ainda na ausência de efetivo prejuízo, nulidade alguma resulta na infringência à norma aqui apreciada, a qual se apresenta com as características de atividades de colaboração entre juiz e advogados.” (Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 67). José Carlos Barbosa Moreira também tecia críticas sobre a fase saneadora no Código processual anterior, fazendo um comparativo com o saneador do Código de 1939. Nas suas palavras: “No Brasil, desde a vigência do Código de 1939, sempre foi sensível a inclinação de muitos juízes a relegar para a sentença final o exame de questões que, de acordo com o sistema da lei, não devem sobreviver, pelo menos em princípio, ao despacho saneador. Semelhante retraimento, as mais das vezes injustificável, respondeu pela desnecessária e nociva dilatação de grande número de processo, fadados à frustração peja existência de óbice irremovível à apreciação do mérito. O fenômeno subsiste no regime atual, em desarmonia com o teor do art. 331, princípio, do Código de 1973, à luz da qual o juiz só declarará saneado o feito e o impelirá em direção à audiência de instrução e julgamento ‘se não se verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções precedentes’, isto é, se não ocorrer qualquer dos fatos conducentes à respectiva extinção nos termos do art. 329, nem concorrerem os pressupostos da emissão imediata da sentença de mérito, conforme o art. 330 – o

256

Com a vigência do CPC de 2015, inaugura-se uma oportunidade de operar

de maneira diferente. Com esse objetivo, pretende-se demonstrar os benefícios e as

vantagens da realização de um saneamento que tenha a capacidade de reunir os

sujeitos do processo de forma harmoniosa e cooperativa. Ademais, a nova

metodologia para apoio à tomada de decisões relativas à fase instrutória do

processo só superará os resultados do CPC de 1973 se o juiz desenvolver uma boa

capacidade de organização dos atos processuais.

Antes de demonstrar as vantagens do saneamento, é necessário

desmistificar um conhecido paradigma: cessar o reiterado discurso dos magistrados

de falta de estrutura e de tempo para realizar suas atividades no rigor da lei

processual.

No Brasil, um país com pouca tradição de administração da justiça, a

questão da entrega de tutela jurisdicional mais efetiva veio à tona recentemente,

após a promulgação da Constituição Federal e a grande campanha de acesso à

justiça especialmente fomentada pela implementação de um Estado Democrático de

Direito. Mas isso não é justificativa para a inércia diante do problema da

incapacidade de absorção do Poder Judiciário de todas as demandas que lhe são

encaminhadas, tampouco se pode esquecer que a ordem constitucional em vigor há

aproximadamente trinta anos já tem a maturidade necessária para permitir que todo

o ordenamento processual possa adequar-se aos conceitos impostos pelo Estado

Democrático de Direito573.

que implica para o órgão judicial, logicamente, o dever de investigar previamente todas essas possibilidades, e portanto de examinar todas as questões relevantes. O vezo de protelar a decisão acerca de matérias que o ordenamento quer rapidamente liquidadas transmuda o ato em formalidade oca.” (Saneamento do processo e audiência preliminar. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 40, p. 109-135, out. 1985. p. 123). 573

José Roberto dos Santos Bedaque e José Rogério Cruz e Tucci discorrem sobre a importância da aplicação das garantias constitucionais no âmbito do processo civil para se alcançar uma decisão final justa: “[...] o instrumento com que a jurisdição opera, o meio estatal de solução de controvérsias, tem características e especificidades estabelecidas na própria Carta. Isto é, além de assegurar o acesso ao Poder Judiciário, a Constituição brasileira de 1988 regulamentou minuciosamente o instrumento de atuação da jurisdição, cercando-o de inúmeras garantias. Todas destinadas, em última análise, à proteção de quem necessita valer-se desse mecanismo para postular a satisfação de um interesse. É o que se pode chamar de devido processo constitucional. Nessa medida, pode-se dizer que a garantia de acesso ao Poder Judiciário, direito constitucional de ação ou regra da inafastabilidade, representa a possibilidade, conferida a todos, de provocar a atividade jurisdicional do Estado e instaurar o devido processo constitucional, com as garantias a ele inerentes, como contraditório, ampla defesa, juiz natural, motivação das decisões, publicidade dos atos etc. Ao ver do legislador constitucional, o processo, com suas características essências, é mecanismo adequado a proporcionar não apenas acesso à Justiça, mas à ordem jurídica justa. Daí falar-se no processo équo e justo, ou seja, aquele instrumento apto a assegurar efetivamente os direitos estabelecidos no ordenamento jurídico material. O processo deve ser não só assegurado a todos, mas representar

257

A estrutura burocrática do Judiciário que atropela a necessária celeridade da

entrega da prestação jurisdicional e a falta de modernização tecnológica podem ser

inscritas como grandes inibidores do acesso à justiça adequada, célere e justa. Mas

há outros problemas igualmente críticos, e muitos deles têm origem na atuação dos

magistrados: decisões sem fundamentação, jurisprudência defensiva, instrução

processual superficial, audiências presididas por conciliadores sem vocação e sem

treinamento adequado, recursos protelatórios, relacionamentos impessoais entre os

sujeitos do processo e “despachos saneadores” inconclusivos são situações

vivenciadas no âmbito do Poder Judiciário.574

A técnica sugerida no CPC de 2015 para realização do saneamento do

processo pode muito bem otimizar a prestação jurisdicional e assim transformar o

processo decisório em um roteiro mais consistente, garantista e colaborativo.

instrumento apto a conferir tutela a quem realmente fizer jus a ela.” (Causa de pedir e pedido no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 14). 574

Os juízes também possuem uma parcela de responsabilidade pelo não atendimento pleno da garantia constitucional de acesso à justiça, de modo a permitir uma tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e justa. Ada Pellegrini Grinover analisa a postura comodista dos magistrados brasileiros, em parte decorrente da estrutura burocratizada do nosso Judiciário: “O esquema burocrático e verticalizado da magistratura brasileira, a inexistência de controles externos, o próprio método de recrutamento dos juízes, a inocorrência, até pouco tempo atrás, de cursos de aperfeiçoamento e especialização para os membros do judiciário, o distanciamento dos julgadores, que tem reflexos até mesmo na linguagem, tudo isto tem levado, no curso dos tempos, ao excessivo corporativismo dos juízes, encastelados em posição de gabinete que pouco ou nada tem a ver com a realidade de uma sociedade em transformação. Eis a razão pela qual nem todos os magistrados tem se demostrado sensíveis aos desafios criados pelos novos tempos e nem todos têm sabido dar as necessárias respostas a conflitos diversos dos tradicionais, a serem solucionados por instrumentos processuais antes inexistentes, esboçados pela Constituição de 1988, e em alguns casos, por leis ainda recentes.” (O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 25). Como possível solução desta realidade, Giovanni Ettore Nanni tece os seguintes comentários: “De observar-se ainda que as causas de responsabilização dos juízes, certas vezes, podem passar pela falta de preparo de alguns, que não estudam ou não se dedicam de forma suficiente tal como a nobre função exige. Reclama-se do juiz um volumoso empenho em sua função de judicar, aprimorando seus conhecimentos, seja com relação às contínuas alterações nas legislações, aos avanços doutrinários e às novas posturas da jurisprudência. Assim, imperioso é o constante processo de aprimoramento dos juízes, no sentido de que possam sazonalmente aperfeiçoar seus conhecimentos, mediante forma específica a ser apreciada no seio da própria Magistratura. O aperfeiçoamento dos juízes decorre de mandamento constitucional (art. 93, inciso IV), para que sejam ministrados cursos oficiais de preparação e aperfeiçoamento, como requisitos para ingresso e promoção na carreira; consistindo em critério de aferição do merecimento para promoção, pela frequência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento (art. 93, inciso II, alínea ‘c’. CF). Não se pretende com essa proposta submeter os magistrados a situações embaraçosas ou vexatórias, mas apenas alertá-los desse importante passo, mormente porque, conforme se sustentou, pode ser o juiz responsabilizado por uma decisão absolutamente contrária à lei ou baseada em ordenamento jurídico sepultado, em que o constante aperfeiçoamento certamente inibiria esse erro profissional grave. É de conhecimento geral que as Escolas e Associações de Magistratura frequentemente realizam cursos, palestras e seminários, mas o que se reclama é uma ampla participação dos juízes. Essa postura deve ser utilizada em todo o território nacional e não fica limitada a alguns centros ou Estados. O aperfeiçoamento deve ser de qualidade, para que se consubstancie num norte a ser trilhado no engrandecimento da Magistratura.” (A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 323-324).

258

Com o CPC de 2015, a expectativa é a de que todos se esforcem para

aplicar na prática os princípios e os conceitos nele inscritos. Pelo prisma do

jurisdicionado brasileiro, a esperança é de que as regras trazidas pelo novo sistema

processual civil não sejam ignoradas por quem deveria observá-las e aplicá-las.

Sobre o saneamento do processo, as premissas esculpidas no artigo 357 do

CPC de 2015 são de grande valia para o sistema e trarão muitos benefícios quanto

ao exercício da missão constitucional do Poder Judiciário.

O primeiro benefício que se pode destacar alude ao saneamento porque

estimula de maneira inédita a participação e a colaboração de todos os sujeitos do

processo575. Um processo participativo fortalece o princípio da boa-fé, prestigia o

princípio constitucional do contraditório e suaviza a carga de litigiosidade que

naturalmente acompanha uma demanda judicial.

O segundo benefício se refere à dinâmica do julgamento do processo. Ao

definir em conjunto com as partes quais as questões de fato e de direito relevantes

para a lide o juiz tem a possibilidade de estabelecer um verdadeiro roteiro de

julgamento, construindo em ordem racional e lógica a sua argumentação com base

nas questões que foram devidamente individualizadas no saneador. Assim, para a

prolatação da sua sentença, o magistrado não precisa reavaliar todo o processo

desde o início, pois buscará nos autos apenas os elementos que julgar importantes

para o enfrentamento das questões anteriormente separadas. É, portanto, uma

forma de o magistrado economizar tempo e prolatar uma decisão de maior

qualidade576.

575

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, sobre a colaboração entre os sujeitos do processo, ensina: “O processo, cada vez mais, afasta-se de sua concepção liberal, na qual era entendido como coisa das partes, e aproxima-se da noção mais atual, em que é visto como de natureza pública, representando verdadeira garantia de cidadania, devidamente protegido por disposição de natureza constitucional. Nesta nova visão, o processo realiza-se sob forma de colaboração entre seus participantes, haja vista a finalidade complexa, que a todos interessa e atinge constituída pelo escopo de alcançar a justiça, a atuação do direito objetivo e a pacificação social. A colaboração de cada participante do processo, portanto, realiza-se de formas diferenciadas. Contudo, em todos os momentos, pode ser identificado o esforço comum de humanização, de democratização e de eficiência do processo. No desempenho de suas atividades, as partes, através dos respectivos advogados; o Juiz de Direito e o Ministério Público (quando atua), influenciam – em maior ou menor medida – para que seja prolatada a sentença final. Nossa interpretação de tal fenômeno é a de que, com sua ação, os participantes do processo acabam restringindo a prova, seja na sua produção, seja no seu exame.” (Prova cível, p. 15-16). 576

William Santos Ferreira traça um paralelo entre o fator tempo e a qualidade da prestação jurisdicional: “Inquestionavelmente a racionalização dos procedimentos e a agilização da prestação Jurisdicional foram e continuam sendo o centro de preocupação dos estudiosos. O fator tempo é hoje presença constante e angustiante em qualquer debate sobre o processo, isto não só no Brasil, mas no mundo. O processo sem dúvida é um instrumento, o meio de se obter o que no direito material é assegurado. Razão pela qual é do Estado e, por fim, do Poder Judiciário a grande responsabilidade

259

Quanto ao terceiro benefício: decorre diretamente dos anteriores. Ao

estimular a participação das partes na escolha dos temas que serão avaliados na

sentença e especialmente ao prestigiar o princípio da colaboração o saneamento do

processo cria uma oportunidade peculiar para que a lide possa ser resolvida por

conciliação ou mediação. Afinal, fica muito mais fácil conciliar quando é possível

avaliar com clareza a profundidade do seu direito e quando não há entre as partes

interessadas um alto nível de litigiosidade. A participação e a colaboração das partes

no processo, viabilizadas pelo novo CPC na fase de saneamento, materializa a

busca da pacificação social e a consequente mitigação da carga de litigiosidade que

acontece na celebração de um acordo judicial.

O quarto benefício tem que ver como os princípios da oralidade e da

pessoalidade prestigiados pelo legislador do CPC de 2015. A observância desses

princípios no âmbito do processo dá oportunidade para que nas audiências577

possam ser fixadas as questões relevantes ao julgamento da lide. De igual forma,

levando em conta a distribuição dinâmica do ônus da prova, é importante e justo

de concretizar o que na lei está previsto. Chocam-se sempre a qualidade do julgamento e o tempo necessário para concretizar este ideal. Já se concluiu que se o tempo for exagerado, na grande maioria dos casos, de pouco ou de nada adiantará a qualidade do julgamento, já que o tempo provavelmente terá aniquilado qualquer pretensão de concretização do direito, consequência e objetivo do julgamento e da própria razão de existir o processo. Por outro lado, muitos sustentam que um julgamento rápido pode ser tão ou mais prejudicial em razão do pouco tempo de maturação do processo, que pode impedir um julgamento com razoável probabilidade de correção.” (Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 6). 577

João Batista Lopes, de forma muito sóbria, destaca a importância da audiência prevista no antigo artigo 331 do CPC de 1973. Para elencar as providências que deveriam ser realizadas na referida audiência, o doutrinador faz distinção entre indicação, especificação e produção das provas, afirmando que: “A indicação consiste na menção genérica dos meios de prova que a parte pretende produzir: o autor, na petição inicial, geralmente protesta pela produção de todas as provas em direto admitidas; por igual, o réu, na contestação, indica os meios de prova com os quais pretende demonstrar as alegações de defesa. A especificação consiste na individualização ou particularização dos meios de prova pretendidos. O juiz, por despacho, poderá determinar que as partes especifiquem as provas que efetivamente pretendem produzir, mas a lei processual estabelece momento próprio para que ocorra tal especificação: a audiência preliminar do art. 331 do CPC. Ao revés do que resulta de mera interpretação literal, a audiência de que trata esse artigo não é de simples tentativa de conciliação, fixação dos pontos controvertidos, especificação de provas etc. Nessa oportunidade, o juiz em contato direto com as partes e seus procuradores, procura resolver amigavelmente a causa, mas se tal não for possível, resume os pontos controvertidos e ouve as partes sobre as provas que efetivamente pretendem produzir (especificação das provas). É verdade que, em muitos casos, a especificação se mostra desnecessária, seja porque se trata de julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC). Seja porque a matéria discutida evidencia a impertinência de determinadas provas (por exemplo, será demonstrar a insinceridade do pedido de retomada, matéria que, à evidência, não se reveste de carácter técnico). De outro lado, alegações genéricas não ensejam provas e, assim, nesse caso, fica facilitada a tarefa do julgador nessa audiência preliminar. Entretanto, é inquestionável a importância dessa audiência preliminar, que, bem conduzida pelo juiz, permitirá a conciliação das partes ou aclaramento das questões discutidas nos autos. É certo, porém, que, nas comarcas com grande volume de serviço, sobredita audiência poderá agravar o quadro de morosidade da injustiça e frustrar os objetivos perseguidos pelo legislador.” (A prova no direito processual civil, p. 76-77).

260

permitir às partes a respectiva manifestação na tentativa de se desonerarem de

possíveis ônus processuais eventualmente impostos pelo juiz. Um processo com

mais pessoalidade e participação oral impõe um ritmo diferente para a demanda e

especialmente desburocratiza o rito, tornando-o mais efetivo578.

O saneamento previsto no artigo 357 do CPC 2015 gera ainda um quinto

benefício, que é a possibilidade de construção de decisões judiciais mais bem

motivadas e, portanto, sólidas579. Uma sentença que enfrenta todas as questões

trazidas pelas partes certamente será mais fundamentada, legítima, no que

concerne ao cumprimento de sua finalidade. Com as mudanças do novo código

578

Aclibes Burgarelli comenta sobre o princípio da oralidade no processo civil: “Oralidade, entendida a grosso modo, conduz o menos avisado, na técnica jurídica, à conclusão de que se contrapões à escrituração. No que tange ao direito processual, oralidade conota sentido relativo. Traduz-se na informação de que tudo que é verbalizado, no âmbito das partes do processo, necessariamente deve resumir-se sob forma escrita, de modo a se cumprir o subprincípio da concentração dos atos processuais e recorribilidade as decisões interlocutórias; da publicidade desses mesmos atos e da identidade física do juiz. Conforme aponta CHIOVENDA, oralidade, processualmente, conota sentido de manifestação verbal relativa, porque se cuida de oralidade escrita. No direito processual, a oralidade resultou do progresso nos estudos realizados pelos processualistas alemães e foi defendido do CHIOVENDA para o qual o processo medieval ‘lentamente se transformou de oral em escrito, por influência, principalmente, do caráter formal da prova germânica e do sistema da prova legal que dela se originou’. ARRUDA ALVIM esclarece com a clareza que lhe é peculiar: ‘A oralidade é, por excelência, princípio fundamental do direito processual civil, dado que a ela se opões o princípio antagônico da escritura. Por oralidade, num sentido absoluto, entende-se que somente tem validade, para o processo, aquilo que for deduzido oralmente, frente ao juiz ou juízes. Por outro lado, por processo escrito, também num sentido absoluto, ao reverso, somente teriam validade judicial aqueles atos praticados originalmente por escrito. Dizemos originalmente porquanto, mesmo as alegações orais são sucessivamente às respectivas deduções em audiência, reduzidas a escrito, isto é, são documentadas. Todavia, tais conceitos radicais somente idealmente podem ser concebidos, porque historicamente, não há, ao que parece, exemplo algum de adoção, em qualquer sistema, de um ou outro princípio, na sua pureza absoluta, excluída todo e qualquer traço do princípio antagônico’.” (Tratado das provas cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 441). 579

Acerca do dever de fundamentação, Enrico Tullio Liebman anota: “Em um estado-de-direito, tem-se como exigência fundamental que os casos submetidos ajuízo sejam julgados com base em fatos provados e com aplicação imparcial do direito vigente; e, para que se possa controlar se as coisas caminharam efetivamente dessa forma, é necessário que o juiz exponha qual o caminho lógico que percorreu para chegar à decisão a que chegou. Só assim a motivação poderá ser uma garantia contra o arbítrio. Seria de todo desprovida de interesse a circunstância de o juiz sair à busca de outras explicações que não essa, ainda que eventualmente convincente.” (Do arbítrio à razão reflexões sobre a motivação da sentença. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 29, p. 79-81, jan./mar. 1985. p. 80). Especificamente, em relação ao dever de fundamentação no Código de 2015, Sabrina Nasser de Carvalho explana: “[...] o novo Código de Processo Civil traz um novo status para a garantia constitucional de fundamentação. Trata-se de um dever argumentativo maior a ser exigido para a validade das decisões judiciais, em primeiro lugar quanto à necessidade de valorizar os fatos que subjazem à determinada decisão, de modo a afastar-se de uma generalização irracional e despida de uma orientação do sentido único da norma. Ainda, a imprescindibilidade de se elevar a importância do próprio precedente, incumbindo ao órgão julgador fundamentar a razão pela qual se afasta das decisões vinculantes, seja em razão da distinção entre o caso a ser julgado e a decisão paradigma, seja em razão da necessidade de superá-la, em virtude de alteração jurídica, cultural, social e política, mas, em todos os casos, exigindo uma sólida fundamentação por parte do magistrado.” (Decisões paradigmáticas e dever de fundamentação: técnica para a formação e aplicação dos precedentes judiciais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 249, p. 421-448, nov. 2015. p. 435-436).

261

processual, a sociedade e o Poder Judiciário poderão contar com decisões bem

fundamentadas, maior credibilidade e respeito de todos os jurisdicionados, um

motivo a mais para a pacificação social.

O sexto benefício decorre do benefício anterior, ou seja, uma sentença mais

bem fundamentada será menos atacada por remédios recursais como apelação e

embargos de declaração. O que motiva as partes a interporem recursos não é

somente a perda do processo, mas especialmente o inconformismo com os

fundamentos apresentados na sentença. Uma sentença mal fundamentada e

superficial estimula as partes a interporem infindáveis recursos; o resultado é mais

litigiosidade e a abominosa sobrecarga do sistema580.

O sétimo benefício se extrai do inciso I do artigo 357, que considera o

saneador um momento hábil à resolução das questões processuais pendentes. É

fato que nada mudou nesse dispositivo em comparação com a disciplina do artigo

331 do CPC de 1973. De todo modo, é necessário conjugar a regra antiga com as

premissas reforçadas no CPC de 2015 no sentido de garantir ao processo o

desempenho da sua finalidade sem a necessidade de formalismos desnecessários.

Para tanto, compete ao juiz atuar no processo para evitar que atos disformes e

vícios não sejam obstáculos intransponíveis. Esse dispositivo, portanto, tem fulcro

na teoria do aproveitamento dos atos processuais e no princípio da liberdade das

formas581, sendo vedado ao magistrado a decretação de nulidades absolutas

580

É o pensamento de Ovídio Araújo Baptista da Silva, para quem “[...] o aumento exagerado do número de recursos é sintoma de sentenças inconvincentes, sentenças carentes de fundamentação.” (Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 157). 581

Sobre o princípio da instrumentalidade, na vigência do código processual anterior, assim discorreu Sálvio de Figueiredo Teixeira: “[...] largamente invocado nos dias atuais, coloca o processo na sua verdadeira trilha, não como fim em si mesmo mas como meio, repudiando o apego ao fetichismo das formas sacramentais, prestigiando o aproveitamento dos atos processuais, quando ausente o prejuízo (pas de nullité sans grief), ou praticados por quem deu causa ao vício, quando sanável, este, quando possível decidir do mérito a favor da parte a quem a declaração de nulidade aproveita ou, quando realizado de outro modo, alcançar-lhe a finalidade. Como, aliás, autoriza o art. 244 do nosso Código, apontado no último ‘Congresso Mundial de Direito Processual’, sob a influência de notável trabalho de Mestre Galeno Lacerda, sobre normas de sobredireito, como a mais bela regra, no plano internacional, do atual Direito Processual legislado. Dinamarco, em obra superlativamente esplêndida no tema, com aguda acuidade anotou que o princípio da instrumental idade se põe sob o duplo sentido, um negativo e um positivo. Sob o primeiro, importa evitar-se os males do ‘exagerado processualismo’. Sob o prisma positivo, por sua vez, o processo deve ser visto como instrumento eficaz de acesso à ordem jurídica justa, apto a realizar os seus verdadeiros escopos, jurídicos, políticos e sociais. Para isso, diz a melhor doutrina, necessário estabelecer-se um novo ‘método de pensamento’, do cientista e do profissional do foro, deixando posturas tradicionais puramente técnicas e dogmáticas, típicas da fase sincretista, que já cumpriu o seu importante ciclo de vida, abandonando-se a visão exclusivamente interna para situar o processo em seu verdadeiro patamar, a exemplo dos processual-constitucionalistas, que vêem a Constituição como matriz das normas e princípios que informam o processo e este como instrumento de realização da ordem constitucional,

262

quando sanáveis e também a prolatação incoerente de decisões que não tenham o

condão de solucionar o mérito da causa.

O novo modelo de saneamento do processo, portanto, traz uma série de

vantagens para todos os sujeitos do processo – partes e juiz – e, última forma, para

a própria sociedade. É verdade que a técnica a ser utilizada na construção da

decisão saneadora requer paciência e tempo para que todos os pontos propostos

pelo artigo 357 do CPC de 2015 sejam devidamente tratados e enfrentados. De todo

modo, embora haja necessidade de se investir tempo na fase saneadora do

processo, os benefícios podem ser traduzidos especialmente na qualidade da

fundamentação e na celeridade de prolatação da sentença.

A realização de um saneamento cooperativo com qualidade é uma das

funções do juiz que qualificam a melhor direção material do processo e um ato

indispensável para a manutenção de princípios constitucionais básicos como a

ampla defesa e o contraditório. Vale dizer que o saneamento do processo é o

momento mais adequado para que o juiz coloque de forma clara “as regras do jogo”

e as suas expectativas a respeito de como as partes deverão agir na fase final do

processo, instruindo-o com os elementos necessários ao seu julgamento. Portanto, a

prolatação de uma decisão saneadora despreocupada e superficial poderá trazer

graves prejuízos à correta direção material do processo e colocar as partes em uma

posição processual frágil e impossível de ser defendida de forma justa e adequada,

gerando ao processo vício de natureza absoluta e cerceamento de defesa em

desfavor das partes. A ocorrência de nulidade absoluta ao processo advinda de um

saneamento incompleto e inadequado deve ser evitada pelo magistrado, cuja

atuação precisa ser focada na construção de uma decisão robusta e que coloque de

forma clara qual o roteiro de julgamento que deverá seguir.

seja sob o ângulo da jurisdição constitucional, seja quanto à jurisdição ordinária, que se sustenta em valores constitucionalmente amparados.” (A efetividade do processo e a reforma processual. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 78, p. 85-96, abr./jun. 1995. p. 86-87).

263

4.4 O SANEAMENTO PRELIMINAR: UMA IDEIA PARA OBJETIVAR A DEMANDA E

ORGANIZAR AS QUESTÕES RELEVANTES (DE FATO E DE DIREITO) DA

CAUSA DESDE O SEU INÍCIO

O artigo 357 do CPC de 2015 está inserido na seção intitulada “Do

Saneamento e da Organização do Processo.” Por ser uma técnica de extrema

importância para o desfecho da lide, o comando do referido dispositivo legal deve

ser executado com atenção e calma, pois o tempo gasto na prática desse importante

ato processual será recompensado com benefícios temporais e qualitativos, como

mencionado linhas atrás.

Apesar de o referido dispositivo legal ser dedicado exclusivamente à fase de

saneamento do processo esta é uma atividade que deve ser executada desde o

início da demanda. Bem por isso, o juiz precisa ter grande atenção e muito cuidado

na condução dos autos, especialmente no seu conteúdo: quanto mais cedo os vícios

nele contidos forem sanados, melhor e mais rápida será a outorga da prestação

jurisdicional.

O legislador do código processual civil, no artigo 139, inciso IX, deixou claro

que o juiz tem o dever de “determinar o suprimento de pressupostos processuais582

e o saneamento de outros vícios processuais”. Por tal razão, não seria razoável

admitir que o juiz, diante de quaisquer irregularidades no universo dos autos, fosse

reagir e atuar apenas no momento indicado pelo artigo 357. De fato, não foi essa a

intenção do legislador porque a fiscalização e o controle devem ocorrer desde o

582

Ainda na vigência do Código anterior, Araken de Assis realizou uma análise reflexiva sobre os “pressupostos processuais”. De acordo com sua doutrina: “A locução ‘pressupostos processuais’ não goza de geral aceitação e propugna-se substituí-la por outras, de maior conteúdo significante, por exemplo, ‘condições de atividade jurisdicional’. De notar-se, aliás, que o Código designa-os de ‘pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo’, art. 267, IV. Uma coisa, porém, parece certa neste tema: os requisitos respeitam à relação processual, e a sua presença permite ao juiz prover sobre o mérito da demanda; apurada sua falta, ao invés, o magistrado extinguirá o processo sem exame do mérito art. 267, IV. Tampouco reina harmonia acerca da introdução do plano da existência nos pressupostos processuais. Este aspecto justifica a denominação do rol de questões inserido nesta rubrica e apresenta consequências interessantes sobre a cognição do juiz. Os exemplos colecionados para enquadrar a existência se ostentam, às vezes, infelizes. Por exemplo, o ajuizamento da demanda em nome de quem já faleceu, embora a aparência de tetralogia e de inexistência, oferece hipótese em que o processo existe, porque se torna impossível vedar ao juiz a extinção – válida! – da relação processual face àquele defeito constitutivo.” (Cumulação de ações, p. 44).

264

início, com a propositura da demanda583.

Dessa forma, uma vez proposta a ação, se o magistrado identificar algum

vício na petição inicial poderá determinar que o autor a emende, sob pena de

indeferimento. O mesmo deverá ocorrer caso constate ausência ou deficiência de

um pressuposto processual de existência, ou seja, algum vício relativo à capacidade

postulatória (do autor ou do réu) ou eventual inexistência de citação do réu, ou de

um dos réus. Nesses casos, a atitude correta é corrigir de imediato o vício, em

prestígio dos princípios da eficiência e da celeridade.

Portanto, o “saneamento macro” do processo deve ser feito desde o seu

início, já que é concebido como “ajuste”, “adequação” e “conserto” 584, além de

retratar uma providência natural a ser exercida pelo magistrado visando ao

aproveitamento dos atos processuais praticados e ao deslinde saudável da lide.

Deixar essa avaliação para o meio do processo é uma perda de tempo que não se

alinha com os objetivos do novo processo civil e do Estado Democrático de Direito.

Tanto é assim que o próprio CPC de 2015 trata do assunto de forma não muito

concentrada ao dispor no artigo 352 que após a apresentação da defesa pelo réu e

“verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará

sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias”.

A propósito, da necessidade de os vícios serem saneados desde o início do

processo surge uma dúvida: saber se além do que disciplina a nossa lei processual

civil seria possível a realização de outras providências preliminares relativas ao

saneamento do processo, como as previstas no artigo 357. Em breve resposta, há

583

Nas palavras de José Wellington Bezerra da Costa Neto: “[...] desde a petição inicial incumbe ao juiz sanear o processo, extirpando os vícios e irregularidades desde então verificados. O que a lei estabelece é uma fase voltada predominantemente a este tipo de mister. A fase saneatória em questão ostenta dupla direção: retrospectiva e prospectiva. Na primeira, visa-se apreciar as questões processuais pendentes, óbices processuais capazes de impedir a apreciação do mérito, buscando-se o justo equilíbrio entre a forma e a instrumentalidade. Já na segunda perspectiva, o que se visa é preparar o processo para instrução e julgamento.” (O novo código de processo civil e o fortalecimento dos poderes judiciais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 249, p. 81-116, nov. 2015. p. 99). 584

José Roberto dos Santos Bedaque assim traduz o entendimento de adaptabilidade procedimental: “Nessa visão do direito processual, em que a preocupação fundamental é com os resultados a serem produzidos de maneira eficaz e efetiva no plano material, assumo enorme importância o princípio da adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa, também denominado de princípio da elasticidade processual. Trata-se da concepção de um modelo procedimental flexível, passível de adaptação às circunstâncias apresentadas pela relação substancial. Não se admite mais o procedimento único, rígido, sem possibilidade de adequação às exigências do caso concreto. Muitas vezes a maior ou menor complexidade do litígio exige sejam tomadas providências diferentes, a fim de se obter o resultado do processo.” (Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo, p. 74).

265

muito espaço para alterar a forma como as partes e o juiz atuam na demanda desde

o seu início e assim construir uma metodologia que permita dar uma melhor

dinâmica aos atos processuais.

Embora a “bandeira” de organização do processo somente tenha sido

levantada expressamente no artigo 357, o processo precisa ser projetado de acordo

com os objetivos para o qual foi criado. E essa organização, para o bem da estrutura

e da função do Poder Judiciário, deve ser realizada com critérios que permitam um

verdadeiro “afunilamento” dos elementos e das atividades que compõem a lide e que

inevitavelmente vão desembocar na prolatação da sentença.

Assim, uma vez proposta a ação e apresentada a petição inicial, o réu

apresentará a sua defesa e dali em diante as questões de fato e de direito precisam

relacionar-se de forma organizada e clara, de maneira que o objeto da fase

instrutória esteja plenamente visível para o magistrado.

O Poder Judiciário enfrenta dificuldades no exercício de sua importante

função constitucional como a falta de estrutura técnica (e de recursos humanos),

falta de vontade política na realização de mudanças, crise jurisprudencial e outras.

Por outro lado, muitos problemas também têm origem na conduta confusa dos

sujeitos do próprio processo e impedem, pela falta de organização e de metodologia,

um processo mais efetivo e focado em resultados585. Bom exemplo nesse sentido

são as petições extremamente longas e confusas que não permitem que o juiz tenha

plena clareza das questões e dos argumentos trazidos aos autos. Muitas vezes as

decisões – inclusive as saneadoras – ou sentenças dos magistrados são combatidas

por embargos de declaração, não propriamente por comportarem alguma espécie de

vício de obscuridade, contradição ou omissão, mas sim porque o juiz não conseguiu

captar nos elementos processuais o substrato necessário para o enfrentamento de

585

Segundo Erik Navarro Wolkart, a preocupação do legislador na redação do novo Código de Processo Civil foi a de objetivação do processo: “O escopo do legislador pátrio, então, parece claro: tornar a justiça mais eficiente e previsível, melhorando sua relação de custo benefício. Quanto às técnicas, parecem prevalecer aquelas que tendem a uma dessubjetivação da lide ou, como já tivemos oportunidade de afirmar, a uma objetivação do processo, pela adoção de mecanismos de aceleração do procedimento, tendo por norte, principalmente, a valorização dos precedentes. O novo CPC, parece ser, como já afirmamos – a radicalização desse movimento. Graças a uma sincera exposição de motivos do Anteprojeto original, os escopos do novo Código aparecem bem claros. Já no início da exposição, encontra-se a preocupação com a eficiência do sistema processual. A celeridade é também preocupação constante. Mais à frente, forte no objetivo de aproximar o Código de Processo das normas constitucionais e dos direitos fundamentais, aparece a preocupação com dispersão da jurisprudência como grande ameaça à igualdade e à segurança jurídica. O objetivo de diminuir a carga de trabalho da justiça foi honestamente abordado de modo expresso.” (Precedentes no Brasil e cultura - um caminho tortuoso mas, ainda assim, um caminho. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 243, p. 409-433, maio 2015. p. 417).

266

todos os temas. As partes, portanto, não são claras e objetivas nos seus pleitos e

atribuem ao juiz a responsabilidade pela prolatação de uma decisão interlocutória ou

sentença superficial ou supostamente incompleta.

A mesma observação sobre a falta de organização e de planejamento das

partes também se projeta para o juiz. Ao receber a petição inicial ele nem sempre lê

o seu inteiro teor e assim deixa de solicitar à parte autora os ajustes necessários, o

que acaba gerando mais confusão e torna o processo uma verdadeira “torre de

babel” 586. Na mesma seara, ao receber o processo com a defesa do réu, o

magistrado também não avalia com precisão todos os argumentos ali propostos e

em um despacho quase que ordinatório proferido para a mera manutenção da

garantia do contraditório autoriza o autor a se manifestar em “réplica”587, sem indicar

de forma detalhada os aspectos que deseja ver esclarecidos pelo autor.

O respeito ao princípio do contraditório é fundamental para a legitimidade do

processo judicial, mas tão importante quanto garantir o contraditório é dar o

direcionamento correto e preciso para o despacho do magistrado. Na defesa

586

“De fato, quanto menos modificações houver na tramitação de determinado processo, quanto mais o juiz e as partes se ativerem a uma tramitação prévia e claramente estabelecida, menor deverá ser a duração e maior a efetividade que se deverá extrair do processo. Deve-se admitir que esse parâmetro dificilmente se estabelecerá na prática do processo civil brasileiro, o que não impede sua proposição teórica. Com efeito, o comum em nossa prática forense é o trâmite mais burocrático e automatizado, quanto mais o processo esteja próximo de seu início. De regra, o despacho determinando a citação é proferido de forma totalmente automatizada, pelo próprio cartório judicial, não raro por meio de etiqueta ou carimbo. Não se realiza a admissibilidade da petição inicial, que poderia fulminar demanda sem a mínima condição de prosseguir, economizando tempo e recursos do Poder Judiciário, e evitando o desgaste e os custos de defender-se por parte do réu. Igualmente comuns são os despachos iniciais, que já determinam diversos atos sucessivos, a serem praticados unicamente pela secretaria: citação, intimação para réplica e, em seguida, para especificação de provas pelas partes. O processo só seguirá novamente à conclusão para designação de audiência de instrução e julgamento ou, se não for o caso, para o julgamento antecipado da lide. Tampouco é rara, infelizmente, a extinção do processo sem resolução do mérito motivada, por exemplo, pela ilegitimidade ativa, após o processo ter percorrido todas as fases, inclusive a instrutória (talvez a mais custosa de todas), e estar maduro para o julgamento de mérito. Essa questão, que não deveria ter sobrevivido às fases postulatória e de saneamento, remanesce por conta dessa mesma cultura de impulsionar o procedimento de forma meramente burocrática em seu início. Por isso, sabemos que o respeito ao parâmetro ora proposto pressupões profunda e difícil mudança cultural por parte dos juízes brasileiros. Não obstante, estamos convictos de que a prestação jurisdicional ganharia bastante em efetividade com sua observância.” OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Adaptabilidade judicial. A modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 122-123. 587

A respeito, doutrina Bruno Garcia Redondo: “A réplica é instituto processual que não recebe essa denominação, nem qualquer outra, no Código de Processo Civil de 1973, sendo um ato processual atualmente inominado. Entretanto, seu equivalente era assim denominado tanto nas Ordenações do Reino Português (e, nos dias atuais, igualmente no art. 502 do CPC de Portugal), quanto no Dec. 737/1850 (primeira lei processual comercial e civil brasileira), razão pela qual a prática forense brasileira consagrou a denominação réplica para o ato processual [...].” (Réplica, tréplica e quadrúplica no direito processual civil: esmiuçando o estudo de relevantes institutos desprestigiados. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 215, p. 87-98, jan. 2013. p. 94).

267

apresentada pelo réu podem surgir questões importantes e prejudiciais à lide

(prescrição, vícios de pressupostos processuais, preliminares etc.), razão pela qual o

juiz precisa ficar atento a argumentos e temas trazidos na contestação para, se for o

caso, solicitar novos esclarecimentos que se não enfrentados rapidamente e com

firmeza poderão desorganizar o processo, com prejuízo para o desfecho rápido da

demanda.

Esses problemas podem muito bem ser extirpados se o magistrado atuar de

forma mais abrangente e detalhista desde o recebimento da petição inicial, evitando

a condução do processo de forma automática. Precisa, ademais, ter consciência de

que um “defeito” processual no início do processo causará outros no futuro, tornando

a demanda extremamente complexa e lenta588. Quanto mais técnico e efetivo for o

juiz, mais fácil, equilibrada e previsível será a demanda. Um juiz que organiza bem

as suas ideias e tem a coragem de decidir a qualquer tempo é um profissional

preparado para a função que lhe é atribuída pelo modelo constitucional brasileiro e

suas garantias fundamentais. Como condutor do processo e um dos destinatários da

prova, é o juiz quem deve estimular e garantir esse modelo de “afunilamento” da

causa, direcionando-a para um só fim, que é a prolatação de uma sentença rápida e

fundamentada de acordo com a sua própria convicção e logicamente com os

elementos trazidos pelas partes em regime de colaboração.

A organização do processo é pressuposto de eficiência da causa, mas não

se pode olvidar que o saneamento também está inserido dentro desta premissa.

Ambos os conceitos – saneamento e organização – caminham juntos vislumbrando

a maior eficiência e adequação do processo. Essa assertiva leva a refletir se o

momento escolhido pelo legislador para a realização das providências descritas no 588

José Roberto dos Santos Bedaque já alertava sobre essa necessidade na vigência do Código de 1973: “Em princípio, as questões processuais devem ser examinadas e solucionadas até o saneador. Ao menos, essa é a vontade do legislador ao determinar o controle dos requisitos da petição inicial, que deve ser indeferida se ausente um deles (CPC, arts. 283,284, e 295). Se o juiz não realizar o exame dos requisitos de admissibilidade do julgamento de mérito antes da citação, surgirá outra oportunidade após a contestação, em razão de preliminar suscitada pelo réu (CPC arts. 301 e 329). Caso fique pendente alguma matéria processual, a solução deverá ocorrer na audiência preliminar (CPC, art. 331). Aqui, em princípio, encerram-se as preocupações com os requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito. O processo, em tese, apresenta condições de cumprir sua função de instrumento de solução de litígios, restabelecendo a ordem jurídica violada e a paz social. A partir dessa fase, portanto, o processo só deve prosseguir se apto ao julgamento do mérito. Pretende o legislador evitar desperdício de tempo, energia e dinheiro, o que ocorre se não obstado o desenvolvimento de processo ao qual faltem requisitos essenciais. O instrumento defeituoso muito provavelmente não irá proporcional a solução da crise de direito material. Por isso, o juiz á alertado pelo Código, em várias oportunidades, para a necessidade de eliminar os óbices ao exame do mérito e só permitir que a relação processual continue evoluindo se tal ocorrer.” (Efetividade do processo e técnica processual, p.173-174).

268

artigo 357 do CPC de 2015 não poderia, dentro do possível, ser antecipado589.

A existência de uma espécie de saneamento preliminar que eventualmente

comporte atos de organização do processo é medida necessária para dar mais

celeridade e maior qualidade à atividade jurisdicional. Aqui, surge novo

questionamento: quais atividades deveriam ser inseridas nessa proposta e como

seria construído esse novo modelo?

Em primeiro lugar, a construção de um modelo de saneamento preliminar

tem relação com a técnica adotada pelas partes na elaboração das suas petições,

especialmente a petição inicial e a contestação. Essas peças processuais são as

mais importantes manifestações no curso do processo e por tal razão precisam ser

elaboradas de forma clara e precisa, tudo no intuito de demonstrar ao magistrado os

reais argumentos e os elementos pertinentes ao julgamento da lide. Por essa razão,

as partes trabalham arduamente na construção de um raciocínio completo e lógico a

ser apresentado nas respectivas petições iniciais e defesas, o que não impede que a

linguagem e a forma utilizadas para expor as ideias acabem confundindo o

magistrado, cujo trabalho também é demasiadamente prejudicado pelo excesso de

tarefas a desempenhar.

A confusão causada pelo excesso de preciosismo e pela falta de

objetividade que os principais temas são submetidos ao Judiciário é um dos

principais “gargalos” do processo civil contemporâneo.

O desenvolvimento de mecanismos técnicos para uma melhor organização e

fragmentação da demanda é um caminho para mitigar esses problemas. Do lado do

autor, a objetivação da demanda viria, de forma preliminar e organizada no

processo, logo na petição inicial, quando ao expor os detalhes da lide e os

fundamentos do pedido a parte já indicasse objetivamente e um capítulo específico

as questões de fato e de direito que na sua visão são relevantes para o julgamento

da lide. É claro que a indicação dessas questões em um capítulo específico não

589

A antecipação de providências da fase de saneamento é uma necessidade que se verifica desde o Código de 1939, conforme se depreende dos ensinamentos de Athos Gusmão Carneiro: “Pelo regime processual de 1939 era após encerrada a fase probatória que o juiz fixava o objeto da demanda e os pontos em que se manifestou a divergência, assim orientando as partes com vista ao debate oral. Tal orientação suscitou críticas, inclusive do Instituto dos Advogados, que concluiu (parecer de 18.09.41, sendo relator Oto Gil) pela conveniência de antecipar-se, para o momento de designação da audiência, a fixação das teses controvertidas (apud Pedro Batista Martins, ob. Cit., os 147/150), evitando-se a possibilidade de o advogado ser surpreendido e obrigado a abandonar o esquema já preconcebido de defesa do constituinte. A alteração trazida pela reforma do CPC veio, pois, ao encontro de velha aspiração da autorizada entidade de classe.” (Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares, p. 67).

269

retira do magistrado o dever de avaliar os autos em sua totalidade, mas certamente

um capítulo onde as questões de fato e de direito sejam expostas de forma clara

pelo autor auxiliará o magistrado a construir a sua linha de argumentação e o roteiro

de julgamento do processo de acordo com a expectativa da parte autora e os pontos

que ela considera importantes para uma conclusão adequada da lide. Ao réu caberia

também a utilização da mesma técnica na elaboração da sua defesa. Da mesma

forma, na contestação, os argumentos de defesa deveriam ser apresentados em

capítulo distinto, contendo o detalhamento das questões de fato e de direito que a

parte ré considera relevantes para o julgamento da causa.

As mencionadas providências preliminares de saneamento e de organização

do processo teriam alguns benefícios imediatos.

O primeiro benefício é o alinhamento de expectativa da definição conjunta

entre as partes e o juiz a respeito dos temas que este último precisará enfrentar no

curso do processo. Com a objetivação das questões de fato e de direito trazidas

pelas partes desde o início, o magistrado saberá de forma clara e precisa quais

temas são importantes para as partes e assim terá uma grande oportunidade de

organizar a sua atividade instrutória com base naquilo que o autor e o réu indicaram

na petição inicial e na defesa, respectivamente.

O segundo benefício diz respeito à oportunidade de criação de um roteiro

prévio de julgamento com base nas informações iniciais trazidas pelas partes. Uma

vez postos na lide de forma objetiva os fatos e as questões de direito relevantes, o

juiz já poderá sinalizar às partes com quem ficará a responsabilidade pela

distribuição do ônus probatório. Antes mesmo de proferir a decisão final saneadora,

tal como prevista no artigo 357 do CPC de 2015, o juiz, após a apresentação de

réplica pelo autor, terá condições de delinear melhor o conteúdo do tradicional

despacho “em provas”, detalhando preliminarmente – caso já tenha essa condição –

como ficará a distribuição do ônus da prova, ainda que de forma não definitiva e

completa. Essa decisão será fundamentada com base nos temas indicados pelas

partes na petição inicial e na defesa.

A terceira vantagem decorrente da construção de um modelo de

saneamento preliminar é a possibilidade de o juiz conduzir o processo de forma mais

dinâmica porque a existência de capítulos objetivos (na petição inicial e na

contestação) que traduzam ao magistrado a expectativa de tratamento das questões

de fato e de direito relevantes ao julgamento da lide permitirá que a demanda seja

270

entendida mais completa, objetiva e rapidamente, sempre que precisar compulsar o

universo dos autos. O conceito é similar ao de um livro ou de um código legislativo,

cujo conteúdo é regulado e organizado por um índice objetivo e detalhado; sua

ausência tornaria a vida do leitor confusa e demorada.

Como quarta vantagem, pode-se dizer que o saneamento prévio estimula o

princípio da boa-fé processual590. Uma vez delineados pelo autor quais os temas

que o réu deseja ver analisados na sentença, certamente atuará de forma mais

proativa na construção de novos argumentos que possam enfrentar as questões

trazidas pela parte adversa. Mesmo assim, não há como desconsiderar o risco

envolvido, o que demandará das partes muito empenho na reunião de novos

elementos para a prova do seu direito e o convencimento do magistrado.

A quinta vantagem decorre da anterior. Com os temas postos às claras por

todos no bojo do processo fica muito mais fácil para os sujeitos identificarem e

preverem o desfecho da lide, o que gera um cenário muito favorável para a

celebração de um acordo judicial. De igual forma, o detalhamento das questões na

petição inicial representará um ganho de qualidade no que tange à condução da

audiência de conciliação/mediação (art. 334 do CPC), pois apesar de o réu ainda

não ter contestado a demanda, a objetivação pelo autor das questões de fato e de

direito na petição inicial permitirá que conciliadores e mediadores tenham um bom

ponto de partida para a sua atuação591.

590

Fredie Didier Jr. analisa o princípio da boa-fé processual, suscitando ser tal postulado “[...] a fonte normativa da proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica do ‘abuso do direito’ processual (desrespeito à boa-fé objetiva). Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais animadas pela má-fé (sem boa-fé subjetiva). Ou seja, a cláusula geral da boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático de alguns ilícitos processuais. Eis a relação que se estabelece entre boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas ressalte-se: o princípio é o da boa-fé objetiva processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má-fé.” (Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio: aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 171, p. 35-48, maio 2009. p. 38). 591

De acordo com Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Guilherme Kronemberg Hartmann, mediante a realização desta audiência inicial: “[...] estabelece-se um filtro de litigiosidade, contando-se com os préstimos de conciliadores e mediadores judiciais (art. 139, V, do CPC/2015). Com efeito, o ato do art. 334 do CPC/2015 deve ser reputado como a audiência ‘preambular’ de conciliação ou de mediação, justamente por não ser necessariamente o único nesse aspecto. Não se tem na novel audiência um momento propício para a fixação de pontos controvertidos e organização da instrução (diverso do art. 331, caput e § 2º, do CPC/1973), porque ausente, até então, defesa e confrontação especificada e expressa de fatos - exceto a troca de argumentações que naturalmente irá se desenvolver no cotejo da audiência, algo que poderá nem constar na ata da audiência, tendo em vista tal ato ser escorado no princípio da confidencialidade (art. 166 do CPC/2015 c/c art. 2.º, VII, da Lei 13.140/2015), justamente em auxílio à construção do deslinde amigável.” (A audiência de conciliação

271

A sexta vantagem tem que ver com o detalhamento das questões de fato e

de direito realizado pelas partes na petição inicial e na contestação. Essa

providência tornará a audiência de saneamento (ou o próprio saneamento do

processo fora da audiência) mais rápido e completo, uma vez que as partes apenas

reiterarão ou complementarão parcialmente as suas manifestações anteriores.

Outra vantagem do saneamento prévio é a possibilidade de o magistrado

prolatar uma sentença mais firme e fundamentada contanto que conheceu de forma

objetiva e clara todos os elementos do processo e as expectativas das partes desde

o início. Com mais tempo e maior precisão para trabalhar, o juiz certamente

conseguirá construir um raciocínio decisório ideal sobre o direito material sub judice,

o que fará muito bem ao processo.

Ainda, sobre a fundamentação, cabe lembrar que o CPC de 2015, no artigo

489, § 1º, inciso IV, estabeleceu que não se considera fundamentado qualquer tipo

de decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo

capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Significa dizer, em

breves linhas, que todos os argumentos relevantes ao julgamento da lide precisam,

sob pena de nulidade, ser parte integrante da sentença. Esse comando reforça a

necessidade de os argumentos serem separados e individualizados de forma clara

no início do processo (petição inicial) e na defesa do réu (contestação), tudo para

permitir ao magistrado uma atuação mais precisa sobre os elementos que integram

a causa e precisam ser por ele avaliados.

A ideia envolta nas vantagens aqui apresentadas se assemelha à técnica

empregada pelo legislador do CPC de 2015 na produção da prova pericial, quando

as partes (e seus assistentes técnicos) oferecem ao juiz, objetiva e detalhadamente,

os quesitos provocativos que obrigatoriamente devem ser analisados e respondidos

pelo perito para uma melhor elucidação das dúvidas de todos e consequentemente

para uma melhor fundamentação da sentença.

Tal como ocorre no curso da produção da prova pericial, quando as partes

têm o direito de elaborar quesitos complementares, caso percebam que alguma

questão não foi pontualmente indicada para o devido tratamento na elaboração dos

quesitos iniciais, o fato de relacionarem na petição inicial e na defesa as questões de

fato e de direito relevantes para o julgamento da lide não impedirá que possam

ou de mediação no novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 253, p. 163-184, mar. 2016. p. 165).

272

complementá-las no momento oportuno, ou seja, na audiência de saneamento, ou

no cumprimento do despacho “em provas”. Não se operará, portanto, o fenômeno

da preclusão.

Há, ainda, outra grande oportunidade que o legislador concedeu às partes e

ao processo para organização preliminar da demanda: a inovadora audiência de

conciliação prevista no artigo 334. Esse ato processual, que em tese serve para a

obtenção de um acordo no feito, também pode e deve ser utilizado pelas partes e

pelos conciliadores para, em forma de diálogo, discutirem as questões de fato e de

direito que inicialmente se apresentam como as relevantes para o julgamento da

lide.

Ao dialogar em regime de colaboração, e antes mesmo da apresentação da

defesa pelo réu, as partes terão a possibilidade de alinhar as suas expectativas em

relação ao conteúdo da causa de pedir, o que fará com que a demanda se torne

mais objetiva e direcionada para os elementos considerados cruciais para sua

solução da lide.

É importante registrar que o conciliador não deve fazer qualquer juízo de

valor ou ressalva em ata a respeito do mérito daquilo que está sendo debatido, mas

certamente pode utilizar as questões para analisar os pontos de maior relevância

para uma ou outra parte, o que acabará canalizando a demanda para um acordo,

uma conciliação.

A proposta aqui apresentada é, na verdade, um modelo de organização e de

racionalização da demanda, cujas providências são autorizadas pelo ordenamento

processual civil em vigor, não sendo necessária nenhuma modificação legislativa.

Trata-se de uma metodologia pautada no correto direcionamento da causa e se

aplica tanto ao magistrado como às partes. O propósito é antecipar ao máximo as

orientações e as determinações a respeito daquilo que precisará ser decidido para o

desfecho da lide.

273

4.5 RECONFIGURAÇÃO NECESSÁRIA DO DESPACHO “EM PROVAS”: A

INDIVIDUALIZAÇÃO, PELAS PARTES, DAS QUESTÕES RELEVANTES PARA O

JULGAMENTO DA LIDE

A função do Poder Judiciário é de fundamental importância para o

fortalecimento do Estado Democrático de Direito brasileiro; é dele o dever de

garantir a manutenção da paz social592. Se o jurisdicionado não tivesse a garantia da

intervenção estatal nas relações privadas, sempre que necessário, viver-se-ia em

um verdadeiro Estado de exceção, onde nenhuma premissa razoável prosperaria e

sempre venceria (apesar do direito) aquele que potencialmente fosse mais forte593.

Para o Estado poder atuar e exercer o seu poder de fiscalização é preciso

viabilizar a criação de uma metodologia que possa estabelecer uma ordem lógica

para a condução das partes interessadas. Na hipótese de as partes não chegarem a

592

Cândido Rangel Dinamarco, com a maestria que lhe é peculiar, explicita as consequências da defesa e garantia da paz social pelo Estado no âmbito do Poder Judiciário: “O Estado está, com isso, positivando o seu poder, no sentido de evitar as condutas desagregadoras, estimular as agregadoras, distribuir os bens entre as pessoas – e, por essas formas criar o clima favorável à paz entre os homens, eliminando as insatisfações. Mas eis que o Estado positiva também o seu poder ao definir situações concretas, decidindo e realizando praticamente os resultados que entende devido em cada caso. Legislação e jurisdição englobam-se, assim, em uma unidade teleológica – ambas engajadas em uma tarefa só, de cunho social, que estaria a meio caminho se fosse confiada só à legislação e não teria significado algum se se cogitasse da jurisdição sem existirem normas de direito substancial. E essa missão pacificadora não tem os resultados comprometidos pelo fato de ordinariamente trazerem situação desvantajosa a pelo menos uma pessoa. Não se buscar o consenso em torno das decisões estatais, mas a imunização delas contra os ataques dos contrariados; e indispensável, para cumprimento da função pacificadora exercida pelo Estado legislando ou sub specie jurisdictionis, é a eliminação do conflito como tal, por meios que sejam reconhecidamente idôneos. O que importa, afinal, é ‘tornar inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas: apesar de descontentes, as partes aceitam a decisão’. Elas sabem que exauridos os escalões de julgamento, esperança alguma de solução melhor seria humanamente realizável; além disso, ainda que inconscientemente, sabem também que necessitam da proteção do Estado e não convém à tranquilidade de ninguém a destruição dos mecanismos estatais de proteção mediante a sistemática desobediência.” (A instrumentalidade do processo, p. 189-190). 593

Marcelo Paulo Maggio faz uma interessante análise sobre a relação entre força e Direito: “Sobre o ‘direito e a força’ existem três teorias. A primeira delas entende que o direito nada tem a ver com a força; por ser nobre como a Moral, a utilização da força seria dispensável. Por idealizar o mundo jurídico, não é aplicável. A segunda, de forma oposta, vê o direito como expressão de força. Essa posição é definida por Jhering e assevera que o direito se reduz a ‘norma + coação’. No Brasil, foi adepto dessa concepção Tobias Barreto, Na obra intitulada A Luta pelo Direito, Jhering assinala que a atividade jurídica é simbolizada por uma espada e uma balança, sendo que ‘o Direito não seria o equilíbrio da balança se não fosse garantido pela força da espada’. A referida posição sofreu críticas no sentido de que a coação já é um conceito jurídico, e haveria interferência da força em virtude da norma que a prevê, ‘a qual, por sua vez, pressupõe outra manifestação de força, e assim por diante’. Uma terceira teoria, adotada atualmente, afirma que há uma compatibilidade do Direito com a força, ou seja, o Direito precisa da força para se manter, mas que a força nem sempre é necessária e somente será utilizada quando não houver o cumprimento espontâneo.” (Condições da ação com ênfase à ação civil pública para a tutela dos interesses difusos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 29-30).

274

um consenso sobre o direito em debate, a lide deve dar ensejo a uma intervenção

estatal para garantir a preservação e a entrega do direito a quem for o seu titular.

Essa metodologia, criada para que as partes e o Estado possam interagir

com a exclusiva finalidade de resolução do litígio, nada mais é do que o nosso

processo judicial594, cujas regras servem exatamente para a estruturação e a

realização de atos para uma solução que deve ser aplicada a todos os sujeitos do

processo.

O processo somente faz sentido e poderá ser efetivo se houver o perfeito

alinhamento de regras procedimentais que o façam cumprir a sua finalidade. Aliás,

no campo do processo civil, talvez uma das distinções mais difíceis seja estabelecer

a clara diferença entre processo e procedimento595, pois o processo muitas vezes se

594

Nas palavras de Glauco Gumerato Ramos: “O processo é uma atividade (=ou método) regida pelo contraditório e pela ampla defesa, iniciado pela ação e voltado a garantir, no seu curso (=tutela de urgência) ou ao final (=tutela definitiva), o exercício republicano e democrático da jurisdição. Antes de tudo, portanto, o processo é uma garantia que nos é dada pela Constituição para que suas regras sejam observadas antes de o Estado exercer o seu poder sobre a esfera jurídica de liberdade do indivíduo e da sociedade, liberdade esta, aliás, garantida pela própria Constituição. É o desencadeamento racional e jurídico do processo, portanto, que legitimará o exercício do poder republicano representado pela jurisdição.” (Processo jurisdicional, república e os institutos fundamentais do direito processual. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 241, p. 27-48, mar. 2015. p. 40). 595

Marcos José Porto Soares e Glaziele Zanardi distinguem “processo” de “procedimento” da seguinte forma: “Do mesmo modo que o artesão constrói uma jarra para que seja utilizada como depósito de água ou mesmo para o aformoseamento de um ambiente, e uma empresa têxtil produz camisetas para que venham a servir de vestuário das pessoas, o processo enquanto método tem como fim a criação de algo que surtirá algum efeito. Desse modo, a meta existente num processo é a formação de algo que venha produzir efeitos, podendo-se dizer que o processo está relacionado diretamente com a eficácia. No entanto, existem técnicas de organização dos atos na cadeia produtiva que ensejam a constituição de algo com menos esforços e dispêndio de energia. Esse arranjo que busca a eficiência na produção de alguma coisa pelo homem se chama procedimento. O procedimento está diametralmente relacionado a eficiência com a qual algo será produzido. Corrobora a argumentação supra a distinção entre processo (método) e procedimento (técnica) apresentada por Guilherme Galliano. Diz ele: ‘Existem métodos e técnicas, todos nós sabemos que é assim. Mas, considerando as definições de método já conhecidas, método e técnica não se confundem, não são a mesma coisa? Sim, quando tomamos de um modo bastante amplo, os dois termos – método e técnica – podem realmente confundir-se entre si. No entanto, raciocinando com maior rigor sobre o significado de cada um deles pode-se notar a existência de uma diferença fundamental entre ambos. Técnica é o modo de fazer de forma mais hábil, mais segura, mais perfeita algum tipo de atividade, arte ou ofício. […] A técnica é a tática da ação. Ela resolve o como fazer a atividade, soluciona o modo específico e mais adequado pelo qual a ação se desenvolve em cada etapa. […] A técnica, portanto, assegura a instrumentação específica da ação em cada etapa do método. Este, por seu turno, estabelece o caminho correto para chegar ao fim-por isso é mais amplo, mais geral’. Embora muito estreita a relação havida entre processo e procedimento, a distinção deles é suscetível de percepção em atividades comuns dos nossos dias. Imagine um paciente com problema cardíaco cuja melhora necessita de uma cirurgia. O médico analisará o caso e então seguirá o procedimento técnico estabelecido (muitas vezes até mesmo regulamentados por associações médicas) para o tratamento da enfermidade do paciente. O médico não abrirá o tórax deste para na hora adivinhar o que será feito, e sim seguirá um padrão técnico com a organização sequencial de atos já comprovados cientificamente como hábeis para enfrentar aquele especifico problema coronário. Veja-se que no exemplo dado o processo é o método cirurgia que tem como fim

275

confunde com as próprias regras de procedimento.

Um exemplo de regra procedimental que quase se tornou uma unanimidade

entre todos os sujeitos do processo decorre do tradicional despacho “em provas”. No

bojo do CPC de 1973 havia uma ordenação muito natural dos atos processuais no

curso da fase instrutória: após a citação do réu e a apresentação da respectiva

defesa, o magistrado deveria permitir o exercício do contraditório e facultar a

manifestação do autor em réplica. Ato contínuo, a praxe forense conduzia o juiz,

após a manifestação do autor em réplica, a proferir outro despacho de conteúdo

ordinatório para determinar que as partes especificassem as provas que

pretendessem produzir, indicando os motivos de sua pertinência.

No CPC de 1973 não se vislumbra nenhuma regra que determine ao

magistrado a criação de um momento dedicado à especificação das provas após a

réplica, o que leva a crer que essa é uma regra de procedimento não escrita, que

perdurou em nosso sistema por mais de quarenta anos. Na verdade, como ao autor

já é atribuído o ônus de especificar as provas que pretende produzir logo na petição

inicial, cabendo ao réu fazer o mesmo em sua defesa, em tese, não deveria haver

outro momento dedicado a esse detalhamento probatório.

Em virtude da grande preocupação dos juízes no estabelecimento de um

processo civil claro, efetivo e justo, criou-se uma praxe de, após apresentada a

réplica pela parte autora, facultar às partes uma nova manifestação sobre as provas

que deveriam ser produzidas nos autos. Essa regra retrata sobretudo um estímulo e

um grande prestígio do princípio do contraditório, uma vez que as partes têm a

oportunidade de renovar e alterar as suas manifestações anteriores de acordo com o

status e a realidade do processo naquele momento. Saliente-se que a manifestação

“em provas” não era providência supérflua, mas sim uma necessidade de

restabelecer a ordem e a racionalidade do processo, uma vez que as partes nem

sempre têm condições de detalhar e de enfrentar os elementos probatórios sem

antes ouvir a versão do seu ex adverso.

a cura do paciente (eficácia) ao passo que o procedimento envolve a técnica para atingir aquele fim, com menos risco, sequelas e dor (eficiência). Nessa toada, o núcleo da distinção conceitual entre processo e procedimento reside no fato que o processo está voltado para eficácia enquanto o procedimento para a eficiência, o que se aplica à consecução do valor justiça nos processos e nos procedimentos judiciais.” (Distinção entre processo e procedimento. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 246, p. 199-217, ago. 2015. p. 204-205).

276

Paulo Hoffman596, em sua doutrina, considerava a petição de provas um ato

desnecessário e sem efetividade, uma vez que as partes muitas vezes faziam

requerimentos genéricos e pouco detalhados a respeito das suas pretensões

instrutórias.

Assim, nada melhor e mais adequado do que aguardar a apresentação da

defesa do réu para que o autor pudesse definitivamente ser mais preciso sobre as

provas que pretendia produzir. Pelo prisma do réu, era necessário aguardar a

manifestação do autor em réplica sobre os elementos e as considerações mais

atualizadas do processo para que pudesse, então, detalhar a sua estratégia

probatória em forma de requerimento específico ao juiz.

Na vigência do CPC de 1973 havia ainda um detalhe que tornava muito

importante a manifestação das partes sobre as provas a serem produzidas: o

sistema processual continha uma regra inflexível sobre distribuição do ônus da

prova, no sentido de que ao autor cabia provar597 os fatos constitutivos do seu direito

e ao réu os fatos negativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor598. Essa

regra tornava o processo um instrumento muito previsível e estratégico para as

partes, o que fazia com que pugnassem somente pela produção de provas e que,

pela simples leitura do artigo 333 do CPC de 1973, fossem a elas atribuídas em

forma de ônus.

596

HOFFMAN, Paulo. Saneamento compartilhado, p. 124-132. 597

Conforme ensinamento de Francesco Carnelutti: “Provar significa de fato, comumente, demostrar a verdade de uma proposição afirmada. Ora, no campo jurídico, o controle dos fatos controvertidos por parte do juiz, pode não seguir, mediante a pesquisa de sua verdade, mas mediante aqueles processos de fixação formal, cujo conceito essencial procurei ilustrar mais acima e cujas formas principais procurarei ilustrar em seguida. Se tais processos a lei inclui sob o nome da prova, isto significa que o conteúdo próprio do vocábulo na linguagem jurídica se altera e se deforma. Com efeito, provar não quer dizer mais demonstrar a verdade dos fatos contestados, mas determinar ou fixar formalmente os mesmos fatos mediante processos dados.” (A prova civil. Parte geral – O conceito jurídico da prova. São Paulo: Universitária de Direito, 2002. p. 71-72). 598

Luiz Guilherme Marinoni, à época, narrava sobre a regra e a inflexibilidade de distribuição do ônus probatório: “A necessidade de distribuir o ônus da prova decorre do princípio de que o juiz, mesmo em caso de dúvida resultante de carência de prova, não pode deixar de dar solução à causa. Se o juiz tem o dever de sentenciar, solucionando o mérito, alguém tem que pagar pela carência da prova que o impede de ter um juízo perfeito sobre o conflito de interesses. O Código de Processo Civil fixou a regra de que o autor deve provar o que alega, criando um processo que não toma em consideração as particularidades do direito material para a distribuição do ônus da prova. O processo de conhecimento é um procedimento neutro (e assim injusto), insensível às necessidades do direito material, também porque não permite ao juiz inverter o ônus da prova de acordo com a situação concreta que lhe é trazida. Não se nega que ônus da prova é uma consequência do ônus de afirmar, mas há casos em que é muito difícil, ou quase impossível, o autor provar a sua alegação, sendo mais fácil o réu demostrar que o fato alegado pelo autor não é verdadeiro. Nestas hipóteses, o juiz deveria estar autorizado – à semelhança do que ocorre no Código de Defesa do Consumidor – a inverter o ônus da prova.” (Tutela antecipatória e julgamento antecipado, p. 32).

277

Portanto, as partes não tinham um pleno compromisso com a boa-fé e com o

princípio da verdade real. Como a regra processual de distribuição do ônus da prova

era muito previsível e pouco flexível, optava-se pela organização de uma estratégia

técnica na fase instrutória. As partes somente se dispunham a colaborar e a atuar de

forma proativa para a produção daquela prova que eventualmente fosse

extremamente importante ou necessária em virtude do ônus imposto pelo artigo 333

do CPC de 1973.

Como se tratava de uma prática muito utilizada durante a vigência do

pretérito diploma processual civil e que certamente dava muito conforto às partes e

ao juiz, suspeita-se que o legislador errou ao não inserir essa etapa dedicada à

especificação de provas (ainda que com outro objetivo) como verdadeiro ato

processual a ser praticado no bojo do CPC de 2015. Como se sabe, o novo CPC

nada disciplinou a respeito do tema e não há nenhum comando na nova legislação

processual civil que imponha o dever de manutenção da regra de especificação de

provas.

De todo modo, apesar de não constar de forma expressa no CPC de 2015,

mantém-se a praxe de os magistrados determinarem às partes a especificação de

provas após a apresentação de réplica pelo autor (quando não for necessária a

tréplica), uma vez que os fundamentos que justificam a sua criação (princípios do

contraditório e da ampla defesa) permaneceram no novo ordenamento processual e,

além disso, foram reconfigurados e ganharam mais importância.

Apesar de se considerar adequada e necessária a fixação de uma

oportunidade para que as partes possam se manifestar sobre sua intenção

probatória, ela deve ocorrer em momento anterior às providências de saneamento e

de organização do processo, conforme bem detalhado pelo artigo 357 do CPC de

2015, e não mais se destinará à exclusiva especificação de provas como estabelecia

o código anterior.

Na vigência do CPC de 1973 havia uma incongruência que não pode ser

repetida no atual ordenamento processual. As partes, apesar de serem influenciadas

pela distribuição estática do ônus da prova, eram instadas a especificar as provas

que pretendiam produzir antes mesmo de o magistrado indicar na decisão

saneadora quais seriam as questões controversas objeto de prova. Porém, diferente

do que define o CPC de 2015, na vigência do CPC anterior, as partes tinham plenas

condições técnicas de organizar e de interpretar, de acordo com a lei processual

278

(artigo 333 do CPC de 1973), quais deveriam ser os seus ônus probatórios, o que

permitia uma especificação dos meios de prova, de acordo com a estratégia

previsível seguida pelo processo.

A realidade trazida pelo CPC de 2015 é outra. De acordo com o novo

sistema processual, haverá maior flexibilidade e poder do juiz na distribuição do

ônus da prova, o que inviabiliza para as partes requerimentos e especificações de

meios de prova desacompanhados dos respectivos argumentos e fundamentos que

possam influenciar a decisão do juiz sobre a maneira como o ônus será distribuído.

Assim, diante das novidades trazidas no novo sistema, os advogados não

terão mais espaço para apresentar uma simples petição genérica indicativa de

provas. Essa é uma grande oportunidade a ser aproveitada e, se assim for, poderá

posicionar as partes de forma muito favorável no processo. Essa oportunidade

também se oferece para o juiz, uma vez que em seu despacho poderá direcionar a

manifestação das partes de acordo com a sua expectativa a respeito das

providências preliminares que antecedem o início da fase instrutória.

Na verdade, embora caiba ao juiz indicar em seu despacho precisamente

quais informações e providências precisam ser ofertadas ao juízo naquele momento

atípico, deve-se ressaltar que as partes em pleno exercício pleno do seu direito de

petição podem aproveitar esse momento para ofertar ao juízo outras contribuições, o

que certamente trará benefícios à defesa do seu direito. Essas contribuições devem

estar em sintonia com os demais atos processuais que se realizarão em seguida,

especialmente na fase de saneamento do processo e, adiante, na fase instrutória.

Como primeira providência que poderá ser adotada em cumprimento ao

despacho “em provas”, na petição, as partes deverão indicar ao juiz os temas e as

eventuais questões processuais pendentes que eventualmente possam ser tratados

pelo magistrado no saneamento do processo, em audiência ou não.

A segunda providência que se espera das partes é a utilização dessa

manifestação para se desincumbir do ônus probatório do processo, usando como

argumentos premissas e fundamentos que sejam capazes de impedir uma

desproporcional e inadequada flexibilização e distribuição dinâmica do ônus da

prova, fato que pode colocá-las em posição processual desfavorável no processo.

A terceira providência que pode ser adotada pelas partes em cumprimento

ao despacho que antecede o saneamento do processo é a indicação, de forma clara

e precisa, das questões de fato que são relevantes para o julgamento da lide e que

279

deverão ser objeto da atividade probatória. É ideal, nesse sentido, que os temas

sejam individualizados em tópicos para que o juiz possa visualizar e apreciar o

conteúdo com mais rapidez e eficiência.

A quarta providência decorre da terceira, ou seja, uma vez indicados os fatos

que deverão ser objeto de prova, as partes especificarão com clareza os meios de

prova que em sua visão devem ser utilizados e deferidos pelo magistrado para que

não restem dúvidas ou contradições fáticas no processo. Não basta, porém,

especificar somente os meios de prova que serão utilizados, mas também indicar

objetivamente o que se pretende provar com cada um dos meios de prova

sugeridos. Apesar de o magistrado ser o destinatário da prova e o condutor da fase

instrutória, a preocupação com a correta escolha dos meios de provas mais

adequados ao caso deve também ser das partes, igualmente destinatárias, e não

somente do juiz.

A quinta providência que a ser adotada pelas partes é a correta indicação

das questões de direito que em sua visão são relevantes para o julgamento da lide e

deverão, por esta razão, ser apreciadas pelo juiz no momento de prolatação da

sentença. Essa indicação é uma providência necessária ao cumprimento do artigo

357, § 2º, do CPC de 2015, pois no processo não há momento mais adequado para

essa colaboração das partes do que o destinado à “especificação de provas”.

Seja qual for a técnica adotada, a praxe de especificação de provas, que

apesar de não prevista no CPC de 1973 era plenamente utilizada na sua vigência,

precisa ser reconfigurada para o atingimento dos cinco principais objetivos

elencados linhas atrás. Trata-se, portanto, não mais de mera especificação de

provas, mas sim de cumprimento, pelas partes, de “considerações preliminares ao

saneamento do processo”.599

599

Na visão de Willian Santos Ferreira: “Observado o contraditório inicial, caberá o juiz, na condução do processo, definir qual rumo tomará, se um julgamento imediato ou se determinará a produção de provas. Neste momento, como se trata de uma praxe forense sem determinação normativa, deve o magistrado apresentar o seguinte pronunciamento judicial: apresentem as partes a indicação de pontos controvertidos e as respectivas provas que pretendem produzir. Dessa maneira, é colocada uma ordem mais racional e cooperativa, porque, como é feito atualmente, o juiz determina a especificação, as partes falam das provas e, no dia da audiência preliminar, o juiz é obrigado a ficar reunindo os pontos controvertidos, isto quando assim procede. As partes e seus respectivos advogados são os especialistas do processo especifico, portanto podem apresentar maiores subsídios ao magistrado que no dia da audiência preliminar ou mesmo em decisão a ser proferida, poderá fixar os pontos controvertidos. No final, com a melhoria da fixação dos pontos controvertidos, o mapa do iter introdutório será muito mais objetivo. Ganham as partes e o juiz, assegurando um procedimento mais racional e seguro, no qual os pontos do debate são traçados e não haverá

280

Cabe reforçar que essa petição remodelada não ensejará o ônus da

preclusão relativa ao seu conteúdo, pois não se pode considerar que as partes

fiquem sujeitas à preclusão se não fizerem todos os requerimentos probatórios,

particularmente em um momento em que as regras do jogo relativas à distribuição

do ônus probatório ainda não estão definidas, tampouco as questões de fato e de

direito relevantes para o julgamento da lide. O legislador, justamente pensando

nisso, estabeleceu a disciplina prevista no artigo 357, § 1º, do CPC de 2015, onde

consignou que as partes poderão, após a prolação da decisão saneadora, requerer

eventuais pedidos de esclarecimentos, inclusive com a integração do conteúdo

decisório.

As providências preliminares ao saneamento são, na verdade,

manifestações que visam ao estabelecimento de um processo mais justo no que

respeita à forma como o ônus da prova é distribuído e como os argumentos e as

questões serão futuramente tratados. Ao indicarem os temas de fato e de direito que

julgam relevantes ao julgamento da lide com antecedência, as partes terão exercido

um direito de atuar em colaboração ao processo e em prol da defesa dos seus

argumentos.

A existência de uma petição com detalhamento preliminar dos temas que

serão enfrentados na fase de saneamento do processo é uma novidade que agrega

valor ao próprio sistema processual civil brasileiro, uma demonstração de que

comunga com a tendência de objetivação e de racionalização da demanda, segundo

a qual os temas importantes e fundamentais do processo são “pinçados” pelos seus

sujeitos e analisados de forma individualizada.

A petição com considerações preliminares a respeito do saneamento do

processo somente deverá ser realizada se o juiz não designar audiência especial de

saneamento. Nesse sentido, não é demais repetir que a designação de audiência de

saneamento não somente para os casos de maior complexidade, como também

para os casos de média complexidade, é oportunidade singular para a criação de um

cenário processual mais efetivo, célere e humanizado600. Humanizado, sim, porque,

desvios, usualmente, prejudiciais à qualidade do acervo probatório e a própria celeridade processual que fica comprometida.” (Princípios fundamentais da prova cível, p 199-200). 600

É o que defende Cassio Scarpinella Bueno: "O que parece ser de maior relevo é entender que a regra merece ser aplicada em prol do próprio serviço judiciário, viabilizando, é essa a grande verdade, ao próprio magistrado uma mais adequada e concreta perspectiva do problema em suas diversas facetas, fáticas ou jurídicas, coisas que, por vezes, do exame dos autos, pura e simplesmente, sobretudo quando complexas as questões, pode não se mostrar tarefa tão simples. É

281

em respeito ao princípio da oralidade, o juiz poderá dispensar a manifestação

preliminar das partes antes do saneamento e, assim, trazer para a audiência um

debate completo, substancioso, de todos os temas que devem tratados no

saneamento do processo.

Os debates orais permitem reconectar o diálogo das partes, pacificar a lide e

ao mesmo tempo tornar mais eficiente o do processo601.

Assim, após apresentada a réplica pelo autor e não sendo necessária mais

uma manifestação do réu (tréplica), o juiz deve avaliar se a demanda comporta ou

não a designação de audiência especial de saneamento e caso a opção seja não

realizá-la a providência a ser adotada é a prolatação de um despacho que tenha um

objetivo preparatório ao saneamento e que comporte, como mencionado antes, a

determinação para que as partes se manifestem sobre os seguintes temas: (i)

eventuais questões prejudiciais ou nulidades pendentes de decisão; (ii)

posicionamento a respeito da forma de distribuição do ônus da prova no processo;

(iii) consequente especificação dos meios de prova adequados à lide; (iv) questões

de fato relevantes para o julgamento da lide; e (v) questões de direito igualmente

relevantes para o julgamento da lide.

Portanto, o caminho a seguir é o da plena e completa reconfiguração da

forma como as partes se manifestam no cumprimento do despacho, que na vigência

do CPC de 1973 determinava às partes a especificação das provas que pretendiam

produzir. A abordagem correspondente no CPC de 2015 é muito mais inteligente e

completa, retratando um comando que visa prestigiar a boa técnica, o bom

andamento dos trabalhos no curso do saneamento e na fase instrutória e

principalmente o resultado prático do processo no futuro.

pensar, destarte, na utilidade que esta ‘audiência de saneamento’ terá para o próprio magistrado na compreensão do problema em litígio. Tanto assim que o texto do parágrafo 30 do art. 357, ao fazer referência expressa sobre a complexidade das questões fáticas ou de direito não tem o condão de afastar a realização de ‘audiência de saneamento’ para as questões menos complexas. Essa aproximação do magistrado à causa e aos demais sujeitos do processo é desejável no modelo de processo cooperativo de que trata o art. 6º. Trata-se de (re) construir um modelo de processo que, inequivocamente, mostrar-se-á eficiente." (Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 302-303). 601

Em complemento ao raciocínio, Elias Farah afirma que, “[...] na oralidade processual, exige-se de magistrados e advogados um nível técnico-profissional mais aprimorado. Essa condição, em verdade, invés de obstáculo, constitui uma virtude e um fator estimuláveis, porque eleva o padrão crítico do debate e contribui para que a sentença seja proferida com base em subsídios mais amplos, idôneos, e juridicamente mais bem enquadrada” (A advocacia e a crise da oralidade. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 4, p. 167-173, jul./dez. 1999. p. 168).

282

4.6 A NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO JUIZ ÀS QUESTÕES DE FATO E DE

DIREITO APRESENTADAS PELAS PARTES: PARIDADE DE ARMAS E DEVER DE

ENFRENTAMENTO, PELO JUIZ, DE TODOS OS FUNDAMENTOS CONTIDOS NA

AÇÃO

O envolvimento das partes na definição dos pontos relevantes para o

julgamento da lide é um grande avanço do nosso sistema processual civil porque

retira do juiz o rótulo de sujeito soberano do processo. Enquanto no CPC de 1973 o

magistrado não tinha nenhum compromisso formal ou moral de ouvir tudo o que as

partes tinham a dizer, o CPC de 2015 deixa claro que a nova sistemática pressupõe

o estabelecimento de um diálogo cuja finalidade é realizar um trabalho conjunto com

todos os sujeitos do processo.

Ainda que haja poderes instrutórios de ofício e capacidade cognitiva

individual, o magistrado não poderá agir de forma discricionária na construção do

plano instrutório da lide, devendo compartilhar com as partes as suas iniciativas e os

entendimentos que adotar sobre a melhor forma de construir o seu convencimento

quanto à solução do direito material em jogo.

Bem por isso, uma vez indicadas pelas partes as questões de fato e de

direito relevantes para o julgamento da lide, o juiz tem o dever de analisar em

detalhes a contribuição oferecida. A contribuição das partes, se possível, deve ser

feita, regra geral, de forma conjunta e em uma única petição, mas isso não impede

que na impossibilidade de composição conjunta as partes possam manifestar-se

separadamente nos autos.

Embora no processo judicial litigioso haja interesses conflitantes entre as

partes, é importante lembrar que todos os sujeitos do processo possuem o mesmo

interesse quando defendem a existência de um devido processo legal e

principalmente a imperiosidade de decisões bem fundamentadas e pautadas em

provas concretas602.

602

Francisco Campos, a propósito, dissertou sobre o interesse das partes e da própria sociedade por decisões bem fundamentadas: “As limitações ao poder de decisão do juiz pressupõem a necessidade e a possibilidade do exame da sentença no sentido da verificação de se foram observadas as exigências de ordem política que constituem pressupostos indeclináveis da legitimidade do exercício do poder jurisdicional. A necessidade e a possibilidade daquele controle interessam não somente às partes, sobre as quais a sentença incide de modo direito, mas também à ordem jurídica na sua totalidade, por constituir a sentença um dos meios pelos quais se concretiza entre indivíduos

283

O princípio da verdade formal vem, cada vez mais, distanciando-se da nossa

realidade para que o princípio da verdade real ganhe mais espaço603. Afinal, o

jurisdicionado não tolera mais a verdade apenas dentro do processo, mas, sim,

deseja ver o Poder Judiciário atuante e inteiramente dedicado à construção de

decisões que espelham a verdade real e por isso mesmo mais justas.

A propósito, não há que se falar em duas verdades com conotações

distintas: a verdade deve ser única para todas as situações. A única verdade que

deve prevalecer é aquela que foi construída com o máximo esforço de todos em

busca da solução ideal para o caso e para o processo tratado no Poder Judiciário.

Se os sujeitos do processo colaborarem nesse sentido, a verdade real emergirá,

sem adjetivações.

Existem distintas formas e técnicas que podem ser utilizadas na construção

de um processo legítimo e sustentável, mas todas passam inevitavelmente pela

configuração de um modelo adequado de condução da causa pelo juiz. Em um

regime político autoritário ou rígido é natural que os magistrados mantenham certo

distanciamento das partes e que atuem com mais discricionariedade.

O processo civil democrático, contemporâneo, precisa de um juiz mais

participativo, obstinado por um processo célere, de qualidade, e que tenha

disposição para utilizar todas as armas necessárias em busca da única verdade: a

verdade real604. Juiz atuante não significa, porém, um ser parcial. Com efeito:

determinados a regra de direito, ou seja, aquela medida em conformidade com a qual devem ser avaliadas as pretensões das partes e os fatos em que elas se fundam. A motivação da sentença é, assim, uma exigência de ordem pública; esta exigência se funda não somente no interesse das partes, como no interesse da ordem jurídica, nas apenas da ordem jurídica processual, como da ordem jurídica na sua expressão mais latitudinária.” (Direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. p. 335). 603

Luiz Fernando Coelho distingue os conceitos de verdade formal e real: “[...] o conceito tradicional de verdade, de cunho positivista, estabelece uma relação semântica entre o discurso e os fatos, a concordância entre um fato ocorrido na realidade sensível e a idéia que fazemos dele ou, nas palavras de Reale, a expressão rigorosa do real. No conceito de verdade real a ênfase está no fato, sendo a verdade o fato refletido, e na verdade formal a ênfase está na idéia ou na representação discursiva; assim, considera-se a verdade formal como aquela refletida no processo e juridicamente apta a sustentar a decisão judicial” (Dogmática e crítica da prova no processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 154, p. 22-36, dez. 2007. p. 30). 604

Eduardo Lamy Pedro Manoel Abreu e Pedro Miranda de Oliveira fazem uma reflexão sobre a atividade jurisdicional durante a instrução probatória: “De acordo com nosso direito positivo, cabe primeiramente às partes o ônus de provar os fatos que alegam. Com especial prevalência ao autor, para demonstrar a consistência do direito que postula e, em seguida, subsidiariamente ao réu, na tentativa de desconstituir esse mesmo direito. Como vimos ao longo do texto, a atividade probatória, porém, não se encerra por aí. Não fica restrita às partes. O juiz não assiste indiferentemente a esse embate. Mas nem por isso se coloca à frente de autor e réu. Sua atividade, dessa perspectiva, continua sendo, sim, complementar. Ou seja, tem planos poderes para atuar de oficio, mas sempre depois da iniciativa das partes (ou, pelo menos, do autor, no caso de revelia). O órgão judicial

284

[...] somente poderíamos considerar violação do princípio da imparcialidade caso o magistrado, ao substituir e adotar eventual iniciativa de uma das partes, soubesse exatamente qual o resultado prático que adviria daquele seu comportamento. Se não há a intenção de se favorecer uma ou outra parte, mas somente uma vontade insuperável de se buscar a verdade sobre os fatos e de se prolatar a melhor decisão para o caso concreto, não há que se falar em parcialidade do magistrado. Aliás, essa é a postura que o nosso Estado Democrático de Direito espera atualmente do juiz, ou seja, dos profissionais comprometidos com a cultura da qualidade e com a

sua própria convicção, custe o que custar. 605

Diante do exposto, uma pergunta ainda suscita resposta: o juiz seria capaz

de construir e de conduzir sozinho um processo legítimo, pautado no respeito pleno

aos princípios constitucionais? A resposta é não. O processo precisa ser

compartilhado com todos os sujeitos. Ao juiz cabe dividir com as partes as suas

impressões e as suas decisões sobre a causa. É seu dever, portanto, ouvir o que as

partes têm a dizer e estabelecer o contraditório sempre que estiver diante de algum

fato ou circunstância relevante para a lide.

Nesse sentido, vale consignar que o legislador do CPC de 2015 andou muito

bem ao vedar de forma imperiosa qualquer decisão-surpresa606 relativa a tema que

as partes não tenham tido oportunidade de manifestação. depende dessa iniciativa e, por isso, atuará sempre suplementando tal atividade, naquilo que lhe parecer necessário para, por meio dessa suplementação, obter o retrato consistente e verossímil dos fatos indispensáveis ao julgamento. Mas a nossa trajetória ainda continua circular: depois de afirmados os fatos, sob alguma circunstância o juiz teria o dever de atuar de ofício? Cometeria alguma ilegalidade se assim não o fizesse?” (ABREU, Pedro Manoel; LAMY, Eduardo; OLIVEIRA, Pedro Miranda. Processo civil em movimento. Diretrizes para o novo CPC. Florianópolis: Conceito, 1998. p. 112). E Luiz Guilherme Marinoni é incisivo: “Alguém poderia afirmar que o juiz, ao determinar uma prova de ofício, pode estar comprometido, psicologicamente, com a demanda, e, assim, que não seria conveniente dar ao juiz tal poder. Acontece que se, esse poder não for conferido ao juiz, muitos casos concretos poderão ficar sem a devida solução. Não deve haver diferença, para o juiz, entre querer que o processo conduza a resultado justo e querer que vença a parte, seja autora ou ré, que tenha razão. De qualquer forma, essa é mais uma das questões em que se confia no benefício do risco. Há quem entenda, ainda, que, embora o juiz não deva limitar-se a assistir inerte à produção das provas, pois, em princípio, pode e deve assumir a iniciativa destas, na maioria dos casos, ou seja, nos casos de direito disponíveis, pode satisfazer-se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levaram ao processo e eventualmente rejeitar a demanda ou a defesa por falta de elementos probatórios. A atuação do juiz na instrução da causa, contudo, não deve ser associada à natureza do direito material em litígio. A instrução da causa é aspecto inerente ao processo, instrumento através do qual é realizado o poder do Estado, e onde os seus interesses predominam independentemente de ser disponível, ou seja, não a relação jurídica de direito material. Entender que nos casos de direitos disponíveis o juiz pode se limitar a acolher o que as partes levaram ao processo é o mesmo que concluir ao Estado não está muito preocupado com o que se passa com os direitos disponíveis, ou que o processo que trata de direitos disponíveis não é o mesmo processo que é instrumento público destinado a cumprir os fins do Estado.” (Novas Linhas do processo civil, p. 103). 605

GOMES, Gustavo Gonçalves. Juiz participativo – meio democrático de condução do processo. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 72. 606

Exceção à regra são as decisões que tratam das tutelas de urgência, uma vez que podem ser proferidas sem o estabelecimento do contraditório formal.

285

O contraditório é um princípio constitucional de importância singular para a

consecução dos propósitos do CPC de 2015, mas além de ser dada a oportunidade

para as partes constantemente se manifestarem a respeito das questões relevantes

tratadas na lide a nova legislação processual estimulou o compartilhamento de

ideias e de posicionamentos607 no âmbito do processo.

Dentro do contexto do princípio da colaboração, as partes são

constantemente convidadas a ouvir o que os outros sujeitos do processo têm a

dizer. A ideia é que todos façam um grande esforço para conviver e aceitar as

ponderações e os apontamentos individuais de cada um dentro do processo. Para

tanto, será necessário aguçar a capacidade de tolerância a respeito dos diversos

pontos de vista e principalmente demonstrar maior respeito ao comportamento das

partes dentro do processo e no relacionamento umas com as outras. Essa mudança

de postura não deve acontecer somente entre as partes, mas também em relação

ao juiz que ao exercer a sua função de condutor democrático do processo deve ficar

cada vez mais atento às expectativas trazidas pela parte autora e pela parte ré. Essa

expectativa, que extrapola o desejo de vencer a lide, na verdade traduz o grande

interesse na construção de um modelo de processo civil compartilhado e com foco

na formatação de decisões cada vez mais bem fundamentadas e legítimas. Afinal,

em um regime democrático como o do Brasil, todos querem e devem ser ouvidos

independentemente do resultado final do processo.

No que tange à construção da decisão saneadora, essa premissa também

deverá prevalecer. O juiz não poderá deixar de ouvir as partes, igualmente

destinatárias da lide, a respeito das questões de fato e de direito que consideram

relevantes para o respectivo julgamento.

607

Como ensina Luiz Guilherme Marinoni: “Em razão da influência das lições dos processualistas italianos ligados à filosofia liberal do século XIX, os estudiosos brasileiros remanesceram, por muito tempo, ao longe do verdadeiro significado do princípio do contraditório. Apenas recentemente é que a doutrina acordou para o fato de que o princípio do contraditório de igualdade em tudo diferente do da igualdade formal da época da Revolução Francesa. Realmente, na atualidade o princípio do contraditório é permeado pelo princípio da igualdade substancial, o qual reflete os valores desenhados pela Constituição da República de 1988. Por tal razão, atualmente, pode ser encampada a afirmação de ROBERT WYNESS MILLAR, no sentido de que o princípio do contraditório é o mais importante de todos os princípios e é ‘inseparable em absoluto de la administracion de justicia organizada’. Se democracia quer significar, basicamente, participação, e se o poder deve ser legitimado pela participação dos cidadãos, o processo, instrumento através do qual o poder jurisdicional é exercido, deve estar aberto à participação das partes. Ora, a técnica que garante a participação das partes no processo é a do contraditório (informação + reação), mas é o princípio constitucional do contraditório que determina que esta técnica não fique alheia à necessidade de uma participação efetiva (e não meramente ilusória) da parte na formação do judicium.” (Questões do novo direito processual civil brasileiro. Curitiba: Juruá, 2003. p. 334-335).

286

Com esse propósito, às partes também deverá ser facultada a oportunidade

de se manifestarem sobre atribuição probatória que lhes serão direcionadas pelo juiz

ao aplicar a teoria da carga dinâmica das provas. Afinal, é preciso colaborar com o

juiz a respeito da carga probatória, que deve ser direcionada a cada uma das partes

no processo, e que a distribuição do ônus não se torne demasiadamente excessiva

ou impossível de ser cumprida, o que ensejaria um processo civil arbitrário e

desleal608.

Ao juiz cabe não só julgar e decidir, mas também ouvir e permitir ser

influenciado por argumentos e elementos importantes para a construção da decisão

final.

No ato do saneamento, o CPC de 2015 prevê uma ampla participação das

partes na reunião dos elementos importantes para a lide. A colaboração que pode

acontecer de forma conjunta (conforme prevê a legislação processual civil) ou

individual (conforme se sustenta aqui) retrata o pleno exercício do modelo

democrático que a sociedade brasileira escolheu e ao mesmo tempo é um indício de

exteriorização do nosso Estado Democrático de Direito.

Pelo regramento imposto no artigo 357 do CPC 2015, uma vez

apresentada(s) a(s) petição(ões) pelas partes, caberá ao juiz avaliar os elementos

(questões) oferecidos e homologá-los. Essas “questões” de que tratam o dispositivo

legal são na verdade os fundamentos das partes, indicados de forma mais objetiva e

condensada.

A lei processual civil, contudo, não deixa claro e não indica exatamente em

que circunstâncias deverá ser realizada a homologação das questões

(fundamentos), tampouco estabelece se o juiz possui o arbítrio (discricionariedade)

de homologar somente aqueles itens que na sua visão sejam importantes para o

deslinde do direito material em jogo.

608

Neste ponto, Francisco de Barros e Silva Neto alerta sobre a possibilidade de arbitrariedades a exemplo do que ocorre com o provimento antecipatório: “O novo Código proíbe a dinamização quando ao novo titular do encargo também for ‘impossível ou excessivamente difícil’ dele se desincumbir, o que parece indicar a impossibilidade de fazê-lo nesse exemplo. De qualquer modo, embora redigido o texto em termos peremptórios, é bem provável que siga o mesmo destino do art. 273, § 2.º, do Código em vigor: ali também se proíbe (em termos rígidos) a concessão de provimentos antecipatórios quando houver risco de irreversibilidade dos seus efeitos, mas é lugar-comum a aplicação desse dispositivo com o famoso ‘grão de sal’, ou seja, ponderam-se as consequências da concessão do provimento e aquelas advindas de sua ausência, substituindo-se o critério do ‘tudo ou nada’, previsto no texto, por um juízo acerca do ‘mal menor’ e do mal ‘mais importante’ para o sistema” (Dinamização do ônus da prova no novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 239, p. 407-418, jan. 2015. p. 412).

287

Não há que se falar aqui em decisão discricionária, mas sim em avaliação

técnica das questões e dos elementos trazidos pelas partes para o julgamento da

lide. Com toda certeza, o dever de fundamentação das decisões judiciais é um

preceito constitucional e dele deriva que ao juiz é vedado prolatar qualquer decisão,

ainda que acessória e interlocutória, sem farta e convincente fundamentação609.

Portanto, após as partes oferecerem as questões de fato e de direito que

consideram relevantes para o julgamento da lide, o magistrado, depois de analisar

crítica e profundamente todas as informações, decidirá de forma responsável e

fundamentada como relacionará em sua decisão saneadora os itens que deverão

ser enfrentados na sentença.

Apesar de ser uma decisão técnica e processual, o juiz não pode deixar de

considerar o efeito psicológico causado pela decisão saneadora, uma vez que as

partes possuem a natural expectativa de verem todos os seus argumentos

(fundamentos) analisados na sentença610, sendo muito penoso e difícil abdicarem

daquilo que entendem ser fundamental ao julgamento do caso. O dever do juiz, de

609

Nas palavras de Sabrina Nasser de Carvalho, em análise do dever de fundamentação na nova lei processual: “O novo Código de Processo Civil traz um novo status para a garantia constitucional de fundamentação. Trata-se de um dever argumentativo maior a ser exigido para a validade das decisões judiciais, em primeiro lugar quanto à necessidade de valorizar os fatos que subjazem à determinada decisão, de modo a afastar-se de uma generalização irracional e despida de uma orientação do sentido único da norma. Ainda, a imprescindibilidade de se elevar a importância do próprio precedente, incumbindo ao órgão julgador fundamentar a razão pela qual se afasta das decisões vinculantes, seja em razão da distinção entre o caso a ser julgado e a decisão paradigma, seja em razão da necessidade de superá-la, em virtude de alteração jurídica, cultural, social e política, mas, em todos os casos, exigindo uma sólida fundamentação por parte do magistrado.” (Decisões paradigmáticas e dever de fundamentação: técnica para a formação e aplicação dos precedentes judiciais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 249, p. 421-448, nov. 2015. p. 435-436). 610

Cândido Rangel Dinamarco faz interessante comparação entre os fundamentos da demanda e os fundamentos da sentença: “Os fundamentos da demanda (causa de pedir, evento da vida, segmento da História) são o apoio invocado pelo demandante em sua busca da tutela postulada. Fundamento é alicerce, é base. Em direito, são as razões trazidas em prol de uma conclusão, com vista a demonstrar que esta é correta perante a ordem jurídica. Assim como o pedido repercute no decisum sentencial, o qual é uma resposta afirmativa ou negativa a ele, análogo eixo funcional interliga a causa de pedir e os fundamentos da sentença. Assim como os fundamentos da demanda são a demonstração da conclusão do demandante (pedido), simetricamente os fundamentos da sentença são a demonstração do acerto da conclusão do juiz (decisum). Entre uns e outros intercalam-se, sempre que o réu não seja revel, os fundamentos da defesa, colidentes com os da demanda. Ao sentenciar, o juiz acolhe aqueles ou estes e também, em alguma medida, é autorizado a acrescer-lhes outros. Por isso é que como geralmente se diz, os fundamentos da demanda constituem uma tese à qual se opõe a antítese representada pelos fundamentos da defesa, sobrevindo a síntese contida nos motivos da sentença. Ora, resolver as questões que na dinâmica do processo surgem das controvérsias em torno de fatos e do direito não é o mesmo que julgar a pretensão posta na demanda do autor (ou seja, o mérito). As questões de fato e de direito referentes à pretensão do autor são apreciadas e dirimidas, na motivação da sentença, incidenter tantum (art. 458, inc II), - ou seja, a solução dada a elas é um meio técnico indispensável à preparação do julgamento da pretensão (Const., art 93, inc IX), mas não se confunde com esse julgamento.” (Capítulos de sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 61-62).

288

atuar de forma técnica e decidir de acordo com o seu convencimento motivado (e

fundamentado), precisa exercer essa função com a sensibilidade de alguém que

conhece e se preocupa com a expectativa das partes, razão porque não é

recomendável afastar-se arbitrariamente das questões sugeridas pelas partes como

relevantes para o julgamento da lide. Para esse propósito, o juiz precisa exercer o

seu ofício não somente com a técnica processual que lhe é peculiar, mas

principalmente com a sensibilidade de alguém que aceita a colaboração trazida

pelos outros sujeitos do processo por serem premissas importantes para as partes,

mesmo que na sua visão não sejam altamente relevantes para a construção da

sentença.

A configuração de um processo participativo requer, sobretudo, a

capacidade de cada ente de entender o seu interlocutor e também de

voluntariamente aceitar as ponderações feitas, mesmo não concordando

completamente com elas.

Não há a menor possibilidade de convivência e de sobrevivência do princípio

da colaboração na fase de saneamento do processo se não houver um alto grau de

tolerância do magistrado ao avaliar as ponderações trazidas pelas partes. Afinal, a

colaboração tem mão dupla, inclusive do juiz para com as partes. Por exemplo,

quando, por hipótese, discute-se uma falha na prestação de serviços causada por

um hospital em desfavor de um consumidor/paciente, além das questões de fato e

de direito necessárias à prova do nexo causal, do dano e da sua extensão, a parte

autora (paciente prejudicada) indica ao juiz como questão de fato relevante o

argumento de que o médico, ao atendê-la, informou que estava há mais de quarenta

e oito horas acordado, de plantão, e que por tal razão se sentia extremamente

cansado e debilitado no atendimento dos pacientes.

Na análise desse caso, o magistrado terá dois caminhos a seguir na

construção da sua razão de decidir: O primeiro será recusar e não homologar essa

questão de fato trazida pela parte por entender que ao caso se aplica a

responsabilidade objetiva (Código de Defesa do Consumidor) do hospital fornecedor,

não sendo necessária a comprovação de culpa para a configuração do dever de

indenizar. Assim, com base na premissa de que, no caso, somente deve ser

avaliada a existência ou não de ato ilício, nexo causal e dano, o juiz considera

irrelevante a informação trazida pela parte de que o médico atendente, e preposto

do hospital, agiu com culpa e negligência no atendimento. Nessa hipótese, o juiz

289

estaria dando uma decisão extremamente técnica e de acordo com as premissas

legais contidas na legislação civil e processual. De todo modo, mesmo que saia

vencedora, a parte certamente não ficará totalmente satisfeita, pois perceberá que a

verdadeira razão ensejadora e causadora do dano, ou seja, o fato de que o hospital

está submetendo os seus funcionários médicos a cargas extremamente excessivas

de trabalho, deixou de ser enfrentada pelo juiz na fase instrutória e na sentença.

Portanto, apesar de ser suficiente o argumento técnico do juiz de que o

“fundamento” utilizado pela parte autora, ao afirmar que o médico (preposto do

hospital) agiu com culpa no atendimento, não é especialmente indispensável para o

julgamento da lide, não poderá tal fundamento ser esquecido ou ignorado na

prolatação da sentença. Aliás, todos os argumentos/fundamentos trazidos pelas

partes precisam ser apreciados pelo juiz, ainda que considere algum (alguns) não

pertinente(s) à causa. Esse é o segundo caminho mais adequado a seguir.

Diferente do que hoje acontece no Poder Judiciário, no qual os juízes não

raro monopolizam e centralizam os elementos, os argumentos e as provas que na

sua visão são necessários para constituir o julgamento da lide; no procedimento

arbitral há uma nítida preocupação do árbitro com a construção de uma decisão

mais legítima, participativa, e que seja realizada de acordo com o procedimento e as

premissas divididas e oferecidas pelas partes.

Na arbitragem, o árbitro é mais sensível aos argumentos e às preocupações

procedimentais, o que lhe faculta conduzir o processo com a participação de todos.

Tanto é assim que é praxe do procedimento arbitral o árbitro facultar às partes a

indicação das questões de fato e de direito relevantes para o julgamento, em regra

realizada em separado e de forma individualizada. Após a manifestação das partes a

respeito dos temas que entendem importantes para o julgamento do caso, o árbitro

faz um simples “cruzamento” das petições e relaciona todas as questões em um só

documento, inclusive separando os temas que são ou não controversos. Nesse

procedimento, cabe ao árbitro complementar as contribuições trazidas pelas partes

com os elementos e os demais temas que reputar relevantes para a configuração do

provimento final.

Na vigência do CPC de 1973, o processo judicial não atingiu o nível de

maturidade suficiente para que houvesse um completo compartilhamento de

opiniões a respeito dos temas que devam ser enfrentados na lide. Se, por um lado, o

juiz inevitavelmente é influenciado por um ou outro argumento trazido pelas partes,

290

era natural que tivesse compromisso apenas com o seu próprio convencimento, o

que o levava a ignorar algumas das manifestações das partes na condução do

processo. Não havia, portanto, qualquer tipo de compromisso do magistrado em

atuar de forma mais flexível ao analisar a participação das partes no processo.

Essa falta de participação dos sujeitos – autor e réu – deu ao processo, na

vigência do CPC de 1973, um rótulo de pouco democrático e pouco colaborativo. O

CPC de 2015 preencheu esta lacuna quando deixou claro em vários dispositivos que

o princípio da colaboração deverá prevalecer e atuar de forma “esférica” entre os

sujeitos do processo, ou seja, uma colaboração mútua. Portanto, presume-se que

todos deverão atuar com muito mais sensibilidade no curso do processo,

especialmente para a garantia de que os argumentos e as ponderações, todos,

sejam devidamente tratados e de alguma forma considerados, não sendo permitido

que cada parte ou juiz atente exclusivamente para as percepções e as estratégias

individualizadas da causa.

No âmbito do CPC de 2015, a fase saneadora foi constituída justamente

com esse novo conceito. Enquanto no CPC de 1973 o juiz podia, ou não, sem

qualquer dever de fundamentação, considerar todos os pontos trazidos pelas partes,

no novo diploma processual civil não há espaço para esse tipo de comportamento

discricionário. Assim, uma vez oferecidas pelas partes de forma conjunta ou

separada as questões de fato e de direito relevantes para o julgamento da lide, o juiz

deverá ser flexível e atencioso na construção da decisão saneadora e, junto com as

questões que entende indispensáveis ao julgamento da causa, considerar aquelas

trazidas pelas partes, mesmo que na sua opinião não digam respeito ao centro do

problema. Evidentemente, há um limite para esse comportamento. O juiz precisa

avaliar se haverá algum tipo de prejuízo ao processo ou à prestação jurisdicional ao

enfrentar temas que não são, na sua visão, indispensáveis ao julgamento da lide.

Afinal, o que se busca é reunir os requisitos necessários à construção de uma

decisão completa, democrática e de maior qualidade, sem olvidar, reforça-se, que o

juiz, no seu mister de dizer o direito, não poderá atuar à margem dos fundamentos

legais impostos e no caso de entender que não são relevantes para a solução da

lide, deverá, de forma fundamentada, afastá-los na decisão saneadora.

O processo e os respectivos fundamentos devem colaborar para a perfeita

compreensão das questões que precisam ser enfrentadas, sem a qual não há

garantia de uma decisão abrangente, completa. Assim, ao atuar de forma

291

colaborativa e flexível na reunião e na aceitação das questões de fato e de direito

indicadas pelas partes é dever do juiz proferir uma decisão saneadora bem

organizada, didática, e dar publicidade da metodologia que será aplicada no

julgamento da lide, incluindo a forma de distribuição do ônus da prova, os meios de

prova que serão utilizados e principalmente as questões de fato e de direito que

deverão ser enfrentadas no processo.

A decisão saneadora possui, portanto, uma função essencial para o

processo, pois ao definir objetivamente quais questões de fato e de direito serão

enfrentadas na fase instrutória o juiz estará colaborando para cumprir a garantia

constitucional estampada no princípio da fundamentação das decisões judiciais. A

fundamentação da decisão, desta feita, de considerar as questões indicadas na

decisão saneadora, sob pena de nulidade da sentença611. Afinal, o artigo 489, § 1º,

inc. IV, do CPC de 2015 estabelece que não se considera fundamentada qualquer

decisão judicial que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo

capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

Havendo violação a essa regra, ou seja, caso o magistrado de primeiro grau

deixe de enfrentar algum fundamento trazido pelas partes, a sentença poderá ser

reformada de plano pelo tribunal, em respeito ao comando do artigo 1.013, § 3o,

inciso IV, do CPC em vigor: “se um processo estiver em condições de imediato

julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: [...] IV - decretar a

nulidade da sentença por falta de fundamentação”.

611

Rogerio Licastro Torres de Mello, na vigência do Código de 1973, fez a seguinte reflexão sobre os efeitos de uma sentença não fundamentada: “Consoante entendimento de Teresa Arruda Alvim Wambier, pode-se dizer, grosso modo, que há três tipos de vícios das sentenças relacionados à fundamentação: (i) ausência de fundamentação; (ii) deficiência de fundamentação e (iii) ausência de correlação entre fundamentação e decisório. Os três vícios são redutíveis, segundo a ilustre jurista, à ausência de fundamentação, o que, conforme o entendimento com maior difusão entre a doutrina, acarreta a nulidade da sentença, dando azo à interposição do competente recurso de apelação e, se for o caso, da propositura da competente ação rescisória por literal infração a disposição de lei (disposição esta que seria o art. 458 do CPC). Michele Taruffo nem sequer considera nula a sentença sem um conteúdo mínimo de fundamentação; a considera inexistente, porquanto não estaria sujeita sequer ao prazo bienal da rescisória - estaria a parte prejudicada apta a reptar tal sentença dita inexistente por via da querela nullitatis. Cerra fileira com Taruffo nesse entendimento a professora Teresa Alvim Wambier. A importância da distinção relaciona-se à existência apenas de tratamento legal dos casos de nulidade das sentenças, que desafiariam apelação ou rescisória. Inexiste trato legal tangente à inexistência de sentença. Aliás, é pertinente a indagação: se a fundamentação é requisito essencial da sentença, sua ausência descaracteriza a sentença como tal, o que significaria sua inexistência no mundo jurídico como sentença. Assim, torna-se razoabilíssimo aceitar que, esgotadas as vias recursais e da rescisória, ainda assim a parte prejudicada por uma sentença sem fundamentação poderia valer-se da querela nullitatis. A existência ou não da fundamentação diz respeito à própria existência ou inexistência da sentença.” (Ponderações sobre a motivação das decisões judiciais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 111, p. 273-289, jul./set. 2003. p. 283-284).

292

A mesma disciplina vale para o julgamento dos incidentes de resolução de

demandas repetitivas, consoante o que dispõe o artigo 984, § 2º, do CPC de 2015;

“o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados

concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários”. Esse

dispositivo, por sua objetividade e exatidão, deveria nortear o próprio artigo 489 do

CPC de 2015, que dispõe sobre a regra geral dos elementos essenciais da

sentença.

Proferida a decisão saneadora, o magistrado estará automaticamente

vinculado aos seus termos; quer dizer, não poderá deixar de se manifestar sobre as

questões relacionadas em conjunto com as partes, consideradas relevantes para o

julgamento da lide. É seu dever, portanto, enfrentar com afinco todos os temas e na

fundamentação do decisum balizar o valor de cada um612. Para as partes, esse

procedimento certamente dará maior conforto a respeito do conteúdo decisório,

independentemente de o resultado ser ou não favorável613.

612

“Esse novo papel atribuído ao magistrado, que cada vez mais se afasta do ser inanimado que pronuncia as palavras da lei, implica a ampliação da importância da justificação que dá às suas decisões, ou seja, num aumento de importância da fundamentação da decisão judicial. Se antes bastava justificar a razão pela qual aplicava ou não uma determinada norma no plano meramente jurídico; agora a operação tornou-se mais trabalhosa, na medida em que há de acrescentar, à sua antiga tarefa, a tarefa de justificar a opção por um ou outro valor utilizado no preenchimento das normas de conceitos não determinados. Pense-se, por exemplo, que ao julgar um conflito entre vizinhos bastaria ao magistrado aplicar as normas civis pertinentes à espécie e que agora, em sua nova tarefa, deverá fazê-lo segundo a função social da propriedade, o que implica justificar quais são os limites desta norma de conteúdo fluído.” (Curso de direito processual civil. Parte Geral, p. 101-102). 613

Neste sentido se posiciona Rogerio Licastro Torres de Mello: “A nosso ver, o processo decisório do magistrado deve ser permeado pela análise de todas as questões ventiladas pelas partes litigantes, independentemente de o magistrado adotá-las ou não no dispositivo. A apreciação das questões postas pelos sujeitos processuais ao órgão jurisdicional não consiste em faculdade do magistrado; é verdadeiro dever do magistrado lavrar juízo a respeito de todos os temas a ele submetidos. Se, entretanto, o juízo haurido será ou não influente na decisão final, então está-se diante de outra questão; o que definitivamente não pode estar ausente no pronunciamento judicial é a análise das questões, todas elas, suscitadas pelas partes, sob pena de negativa de prestação jurisdicional,” (Ponderações sobre a motivação das decisões judiciais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 111, p. 273-289, jul./set. 2003. p. 284). Este também é o entendimento de Teresa Arruda Alvim Wambier, a qual cita o próprio Rogério Licastro Torres de Mello e outros autores: “Esta indagação também incomodou Rogério Licastro Torres de Mello, que assim a formulou: ‘efetivamente, todas as questões sucintas devem ser objetos de avaliação do juiz na fundamentação ou apenas devem sê-lo as que efetivamente influam no deslinde da questão?’ Conclui no sentido de que deve o magistrado analisar todas as questões mencionadas pelos litigantes, independentemente de as ter levado em conta como base de sua decisão, ‘sob pena de negativa de prestação jurisdicional’. Em interessante texto, José Emilio Medauar Ommati analisa os embargos de declaração sob a perspectiva de serem uma contribuição da parte para que seja completa a prestação jurisdicional, exigência do Estado Democrático de Direito. Conclui, mencionando autor, com veemência digna de nota, no sentido de que não teria sentido atribuir ‘ao magistrado o controle completo da situação, ficando ao bel-prazer do órgão judicante dizer se houve, ou não, omissão no julgado. É a completa liberdade do juiz, que se torna o ‘ guardião’ da sociedade, sabendo o que é melhor para essa sociedade’. Com extrema lucidez, formula

293

A vinculação do juiz aos pontos homologados no despacho saneador é

indispensável à manutenção do sentimento de previsibilidade que deve frutificar nas

partes, cuja colaboração e alegações não podem ser deixadas de lado sem a devida

apreciação, sob pena de o sistema regredir614. A mudança da regra violaria,

o autor a indagação central: ‘Como saber se a apreciação da questão não resolvida era necessária ou não?’ Sim, porque quando os autores, de um modo geral, afirmam que há omissão quando o juiz deixa de se manifestar a respeito do que não poderia ter deixado de se manifestar dão por sabido o que, na verdade, ainda está por se saber: afinal, sobre o que o juiz precisa se manifestar? Não há como responder a esta questão, senão tendo como critério a atividade das partes, à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito. A se entender que o critério é do próprio juiz, há ‘engodo, encenação, teatro’. Diz mencionado autor, com razão que, ‘nessa concepção, não há fundamentação de decisão judicial, não há contraditório, não há participação das partes em simétrica paridade. Há engodo, encenação, teatro. As partes participam do processo em simétrica paridade, produzem provas, apresentam seus fundamentos, para que? Para posteriormente o juiz, tal qual um mágico, desconsiderar as alegações produzidas e responder apenas que ele acha que deve responder. É o auge do decisionismo judicial. Não se trata nem mesmo mais de discricionariedade, mas de puro arbítrio’. Por essas razões, entendemos que a corrente, hoje minoritária, no STJ sobre o assunto deve prevalecer, pois consistente com o paradigma processuais insculpidos em nossa Constituição da República. Vejamos um exemplo. Dado pelo Ministro Humberto Tomes de Barros nos autos dos Embargos de Divergência em Recurso Especial 95.441/SP: ‘I – É direito da parte obter comentário sobre todos os pontos levantados nos embargos declaratórios. II- é nulo, por ofensa ao art. 535 do CPC, o acórdão que silencia sobre questão formulada nos embargos declaratórios. III – Em sendo parte, o recorrido não pode ser constrangido a suportar, em silêncio, omissões, contradições ou imperfeições do acórdão. Tanto quanto o recorrente, ele tem acesso aos embargos declaratórios. IV- As questões sucintas em contra-razões de recurso especial – quando pertinentes – devem ser resolvidas no respectivo julgamento’. Egas Moniz de Aragão observa com acuidade que é comum dizer-se que na fundamentação da sentença o juiz não precisa examinar todas as questões do processo. Isto está absolutamente equivocado, ensina Egas Moniz de Aragão. Neste ponto a redação e o significado do art. 280 do CPC de 1939, que se limitava a exigir que o juiz analisasse os ‘fundamentos de fato e de direito’ (art, 280, caput, II, CPC/39). Hoje, diz a lei, a fundamentação é analítica: o juiz analisa as questões discutidas pelas partes.” (Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 329-331). Por fim, Vallisney de Souza Oliveira posiciona-se da mesma maneira: “Para não incorrer em nulidade por incorrer em nulidade por incongruência, a fundamentação do juiz precisa ser exposta com objetividade e clareza, sem omissão de questões suscitadas no processo ou das que o órgão jurisdicional tem também o dever de apreciar de ofício. Ao fundamentar, o órgão judicante não pode deixar de analisar os fatos e os motivos jurídicos do autor e ainda a defesa processual (questões prévias) e de mérito (fatos e fundamentos jurídicos) do réu. Sem desprezar os pontos de fato e de direito contrários à pretensão, suscitados pela defesa, os motivos decisórios devem ligar-se às causas de pedir remota (fatos) e próxima (direito que sustenta o pedido) introduzidas pelo demandante. Ao expor as razões de seu convencimento decisório de mérito, o magistrado deve ter a atenção voltada para todos esses pontos arguidos e controvertidos, apreciando-os e apresentando a correspondente solução, para assim poder iniciar o dispositivo da sentença, no qual irá concluir pelo acolhimento ou pela rejeição do pedido, de acordo com os fundamentos antes assentados. Ainda quanto à análise do mérito, o juiz deve respeitar não somente a vontade da parte, mas também, como aponta Arruda Alvim, os fatos jurídicos (a própria ciência dos fatos que o autor traz ao órgão judicial), pois ‘ao juiz não é dado decidir a controvérsia, tendo em vista elementos de fato que o autor não desejou aportar como embasamento do seu pedido’.” (Nulidade da sentença e o princípio da congruência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 244-245). 614

Rosa Maria de Andrade Nery comenta sobre a vinculação do juiz após a homologação do negócio processual: “Embora os negócios processuais devam se submeter à homologação judicial [...], a figura do Juiz, quando, por exemplo, participa e concorda com a negociação de prazos, é de interveniente a quem alcança o comando normativo da avença, pois, conforme dispõe o art. 191 do CPC/2015, a essa disposição se vincula, inclusive com relação aos prazos de sua atuação, se assim se dispôs e se ficou ajustado na transação devidamente celebrada.” (Fatos processuais. Atos

294

portanto, o devido processo legal.

Se, por um lado, o juiz fica obrigado a enfrentar na sua sentença todas as

questões que foram individualizadas na decisão saneadora, por outro, não pode

restringir a sua atuação à analise exclusiva daquilo que fora considerado na fase de

saneamento. Como é motivadamente livre para decidir, nada impede que agregue

novos fundamentos e novas questões em sua sentença que por algum lapso não

tenham sido indicados na decisão saneadora. Vinculação não é o mesmo que

adstrição.

Dessa forma, o fato de o juiz estar vinculado e de ter de considerar todo o

conteúdo da decisão saneadora não quer dizer que deverá ficar adstrito ao conteúdo

da decisão saneadora. O magistrado é obrigado, sim, a apreciar todos aqueles

argumentos, fundamentos e provas que no curso do saneamento foram

considerados por todos como relevantes para a solução da causa.

Uma vez homologado o conteúdo da decisão saneadora, o juiz que se

vincula aos termos nela explicitados, deve utilizar a sua decisão como roteiro de

julgamento, sendo-lhe vedado ultrapassar qualquer etapa ali prevista. Esse é um

aspecto de grande importância ao próprio sentido de organização do processo, pois

um processo civil sem roteiro é um processo civil cheio de surpresas e inimigo da

democracia.

Não é demais registrar que a criação de um roteiro de julgamento que tem

como base a decisão saneadora é providência necessária não somente para a

obtenção de um processo participativo, qualitativo, mas também eficiente, objetivo e

rápido. Ao estruturar todas as questões necessárias à composição da sentença, o

magistrado tem a oportunidade de construir um raciocínio lógico e bem organizado

do processo, o que lhe permitirá proferir a sua sentença em menos tempo.

jurídicos processuais simples. Negócio jurídico processual (unilateral e bilateral). Transação. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 64, p. 261-274, out./dez. 2015. p. 265). Especificamente sobre a homologação de saneamento consensual, Murilo Teixeira Avelino assevera que: “As partes não podem a respeito disso dispor sem que o juiz participe ativamente do negócio processual. Assim, para que o negócio seja plenamente válido, é necessário o encontro de vontades das partes e do magistrado, em típico ato negocial plurilateral, mormente porque, para que o juiz seja legitimamente ‘vinculado’ ao saneamento consensual, é necessário que participe do saneamento consensual como sujeito do negócio. Perceba-se, ainda, que o legislador utilizou a partícula ‘se’ antes de ‘homologado’, o que denota, claramente, a hipótese do juiz não homologar o saneamento consensual, que depende de emissão volitiva sua para que haja eventual vinculação ao seu espectro de atuação no processo, na medida em que será possível, pelo saneamento consensual, retirar do magistrado ou restringir a apreciação elementos essenciais ao seu convencimento.” (A posição do magistrado em face dos negócios jurídicos processuais. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 246, p. 219-238, ago. 2015. p. 229).

295

Diante do exposto, pode-se afirmar que o juiz deve ser receptivo a todas as

questões de fato e de direito apresentadas pelas partes e após a homologação dos

termos contidos na decisão saneadora precisa ter a consciência de que estará

vinculado ao que fora individualizado e decidido. Essa vinculação nada mais é do

que o seu compromisso pessoal de atacar as questões relevantes apresentadas

pelas partes, as quais deverão ser tratadas e fazer parte de um roteiro de

julgamento impulsionado e alimentado sobretudo pela decisão saneadora.

296

CONCLUSÃO

É hora de concluir. A escolha do tema deste estudo tem íntima relação com

o que a sociedade deseja para o nosso Poder Judiciário. Atualmente, no Brasil,

convive-se com um modelo jurisdicional atípico e sem precedentes no mundo devido

ao seu alto grau de litigiosidade. Constata-se uma verdadeira anomalia social

impactada por um conjunto de fatores que fazem com que as deficiências do nosso

modelo jurídico gerem consequências que se espraiam para a economia nacional,

proporcionando um déficit de qualidade de vida dos brasileiros.

O caminho para encontrar a solução do problema consiste em primeiro

saber identificar as suas causas, mapeando todas as possíveis variáveis que de

forma negativa acabam impactando o exercício e a fruição do direito constitucional

de acesso à justiça, o qual é pautado não somente na garantia de acesso, mas

principalmente na construção de um resultado final com muita qualidade, em um

prazo razoável, a ponto de não permitir que o direito do jurisdicionado venha a

perecer.

Muito embora os custos investidos para dar ao Poder Judiciário as melhores

condições de exercer a sua função constitucional sejam percentualmente

significantes em relação ao produto interno bruto (PIB), tem-se a nítida impressão de

que os investimentos feitos ainda são insuficientes para a dimensão do grande

desafio da entrega de uma tutela jurisdicional efetiva. Pior; muitas vezes o dinheiro

não é investido de forma adequada, o que ao longo dos anos fez gerar uma grave

crise do Poder Judiciário e de todas as instituições que o cercam. Essa crise é

agravada, sobretudo, por uma enraizada cultura da litigiosidade que insiste em

influenciar a nossa sociedade e acaba por estremecer as relações sociais e

comerciais existentes no nosso meio.

A cultura de litígio, seguida atualmente por grande parte da sociedade, foi de

certa forma motivada pelo próprio Poder Público, cuja estrutura institucionalizada é

atualmente a maior “cliente” do Poder Judiciário, responsável pelo tratamento de

milhões de processos judiciais que certamente poderiam ter sido evitados se

houvesse motivação política para tanto. Esse é o nosso maior e mais desgastante

problema, que não será solucionado pela implementação de um novo Código de

Processo Civil. É imperioso ir além e ter muita obstinação para destituir toda uma

297

estrutura viciada e reconstruí-la com conceitos que estejam vinculados àquilo que

fora definido pela Constituição Federal há quase trinta anos. Mais investimentos em

gestão e maior coesão de toda a estrutura judiciária são fundamentos que ajudarão

a vencer essa grande guerra e demonstrarão ao jurisdicionado que o preceito

constitucional de acesso à justiça estará protegido.

Se, por um lado, há um inequívoco déficit de estrutura e de inteligência no

gerenciamento das demandas, é claro que esse fator, embora seja o maior, não é o

único gerador de todos os problemas. Conceitualmente, o modelo jurisdicional do

CPC de 1973, até mesmo por ser um instrumento muito técnico e bem estruturado,

acabou por incentivar de forma desastrosa o demandismo e a litigiosidade, dando

oportunidades às partes para exercerem uma combatividade extrema no curso do

processo. Esse aguerrimento gerou uma cultura de litígio e acabou enrijecendo todo

o sistema, impedindo que o processo civil cumprisse a sua nobre função: proteger e

salvaguardar o direito material ameaçado.

A constituição de um novo modelo processual, que passou a vigorar em

março de 2016, é um excelente instrumento para ajudar a vencer alguns importantes

obstáculos. O CPC de 2015 não resolverá todos os nossos problemas, mas

certamente possui alguns conceitos e inovações que no decorrer do tempo

impactarão de forma positiva os resultados. Além disso, corrigiu-se uma grande

anomalia existente na legislação processual civil de 1973 que, por ser muito antiga,

não estava em plena sintonia com a Constituição Federal.

De todas as inovações operadas, escolheu-se investigar um dos mais

importantes temas do processo que é o momento dedicado ao saneamento da

demanda, em substituição ao antigo despacho saneador. Com esse foco, resgatou-

se o histórico do instituto para, relembrando os motivos da sua falta de rendimento

no passado, projetar aquilo que fora construído pelo legislador do CPC de 2015, de

acordo com os objetivos que precisarão ser alcançados.

Nesse sentido, em alguns momentos do presente trabalho a preocupação foi

detalhar o artigo 357 do CPC de 2015 e, sempre em sintonia com os princípios que

nortearam a nova legislação processual, fazer uma interpretação extensiva e mais

abrangente das disciplinas correspondentes inseridas de forma fria na lei. A

intenção, nesse sentido, não foi desvirtuar nem tirar o foco dos objetivos do

legislador, mas sim aprofundar e contextualizar o novo regramento processual para,

jogando luz sobre o tema, contribuir no sentido de que atinja o melhor e o maior

298

rendimento possível, em apoio à difícil missão constitucional do Poder Judiciário.

Adicionalmente, procurou-se trazer algumas ideias inovadoras a respeito da forma

como o saneamento do processo é feito; tudo, igualmente, com o propósito de

colaborar com a construção de um modelo mais adequado às nossas necessidades.

Assim, foi possível separar algumas premissas e conclusões obtidas com a

pesquisa realizada.

1) Sobre o juiz: o novo modelo processual não comporta mais uma postura

inflexível e distante na forma como os magistrados conduzem os processos. Tão

importante quanto saber julgar é compreender a importância do compartilhamento

das suas ideias e a metodologia utilizada no diálogo com as partes, não só ouvindo

atentamente os anseios, as angustias e as expectativas em todo o processo, mas

sobretudo na fase de saneamento. O propósito é viabilizar a construção de uma

decisão mais fundamentada, legítima e democrática. Cabe ao juiz, também,

fiscalizar e orientar as partes para que o processo seja desenvolvido com grande

equilíbrio no que tange à igualdade de direitos, balizado pela boa-fé e pela garantia

da paridade de armas dos litigantes, especialmente em relação à adequada

distribuição do ônus probatório. O magistrado precisa dividir com as partes o

protagonismo na forma como o processo se desenvolve.

2) Despacho saneador no CPC de 1973 versus saneamento do processo no

CPC de 2015: o modelo de saneamento do processo oferecido pelo CPC de 1973

não se adequava mais às necessidades impostas pelo nosso modelo de processo

constitucional. Não havia, portanto, uma profunda participação dos juízes na

definição dos pontos controvertidos da lide, tampouco um cuidado especial no

compartilhamento da estratégia decisória com as partes. A decisão saneadora,

portanto, transformou-se quase que em um “ato ordinatório” do processo, o que

denotou a necessidade de uma completa reconfiguração do saneamento de modo a

dar mais legitimidade ao processo e a proporcionar uma maior participação de todos

os sujeitos envolvidos. O saneamento, antes destinado praticamente à eliminação

de vícios e nulidades do processo, no CPC de 2015 se transformou em um

verdadeiro roteiro de julgamento e de organização do processo, o qual deverá contar

com metodologia, premissas e definições claras acerca do escopo sobre o qual

deverá recair a atuação do juiz, especialmente no que tange à individualização dos

fundamentos da causa presentes nas questões de fato e de direito relevantes para o

julgamento da lide.

299

3) Reconfiguração do papel das partes no CPC de 2015: o processo não

pode mais ser usado pelas partes como estratégia e artifício legal para ganhar

destaque na demanda. É preciso que as partes absorvam o conceito esculpido no

princípio da boa-fé e renovem a forma como atuam em juízo, prezando pelo fim da

litigiosidade excessiva, em prestígio da conciliação, além de tornar suas

manifestações cada vez menos longas e mais bem direcionadas, objetivas.

4) Princípio da colaboração e modelo de Stuttgart: todos os sujeitos do

processo (partes e juiz), como é evidente, possuem um objetivo comum no curso da

demanda, independentemente de quem saia vencedor na ação. O CPC de 2015

reposicionou a relação de todos os sujeitos do processo – litigantes e magistrado –,

determinando a existência de uma convivência pacífica e colaborativa. Esse

conceito trazido ao nosso sistema pelo modelo de Stuttgart também deve ser

aplicado no curso das providências de saneamento e de organização do processo,

de forma que todos se ajudem na adoção das medidas comuns que viabilizarão a

construção de uma sentença mais legítima, democrática e bem fundamentada. O

processo civil brasileiro finalmente abarcou as premissas e os conceitos do modelo

de Stuttgart, o que certamente trará bons resultados ao sistema.

5) Saneamento preliminar do processo: o momento indicado pelo artigo 357

do CPC de 2015 não se presta para o início da fase de saneamento do processo,

mas sim para a sua conclusão e para o direcionamento do início da fase instrutória e

das medidas necessárias ao futuro julgamento da causa. É preciso ter a consciência

de que o processo deve ser saneado desde o seu início, ou seja, desde o momento

em que a petição inicial é proposta, para que o Poder Judiciário e as partes não

percam tempo com a atuação em uma demanda viciada, que não possui condições

de prosperar. Por outro lado, o conceito de organização de processo,

inteligentemente inserido no CPC de 2015, também precisa ser considerado pelo

juiz e pelas partes desde o seu início, sendo imperiosa a adoção de uma técnica

processual preocupada com a desburocratização e com a ordenação de todos os

atos que serão praticados até o julgamento final da lide.

6) Objetivação/racionalização da demanda: o juiz e as partes precisam

compartilhar as suas expectativas sobre a demanda. Para tanto, é recomendável

que desde o início do processo o autor (na petição inicial) e o réu (na defesa) já

indiquem de forma bem objetiva e detalhada as questões de fato e de direito que

entendem ser relevantes para o julgamento da lide. O juiz, por seu turno, deve ser

300

preciso e didático em todos os seus despachos de acordo com o teor das questões

apontadas e outras que julgar relevantes, vedado o proferimento de

decisões/ordenações genéricas e pouco objetivas. Outro momento muito importante

para a adoção da técnica de objetivação da demanda é a audiência de que trata o

artigo 334 do CPC de 2015, que disciplina que a atuação das partes e do

conciliador/mediador pode ser utilizada e que o problema contido na demanda seja

devidamente individualizado e tratado por todos os sujeitos do processo. Essa é

uma oportunidade crucial para que todos equilibrem as suas expectativas a respeito

dos temas que precisam ser enfrentados para a celebração de um acordo judicial.

De fato, o diálogo travado entre as partes e com o apoio do conciliador/mediador

nessa audiência tem o condão de dar a todos uma maior visibilidade do processo, o

que os ajudará a convergir para o enfrentamento dos temas que são realmente

necessários à elucidação da lide.

7) Questões (de fato e de direito) relevantes para o julgamento da lide

versus fatos controvertidos: mudança significativa de conceito foi a que sucedeu no

modelo do “despacho saneador” do CPC de 1973 e no saneamento do processo no

CPC de 2015. Enquanto no modelo anterior o legislador se preocupava em

identificar na causa as “questões de fato” controvertidas que de acordo com o

despacho saneador deveriam ser objeto da fase instrutória, o CPC de 2015 vai além

e indica que na decisão de saneamento deverá haver uma completa individualização

de todas as questões de fato e de direito relevantes para o julgamento da lide. O

legislador, bem se vê, preocupou-se em garantir a reunião dos elementos e dos

fundamentos adequados ao julgamento da demanda e não somente com o

detalhamento dos fatos controvertidos.

8) Interpretação e extensão do termo “relevância” a que se refere o artigo

357 do CPC: diz o artigo 357 do CPC que a decisão de saneamento do processo

deve conter de forma relacionada as questões de fato e de direito relevantes para o

julgamento da lide. Uma interpretação desse dispositivo com o olhar estático e

conservador do CPC de 1973, chega-se à inadequada conclusão de que cabe ao

juiz, um dos destinatários da prova e condutor da demanda, determinar exatamente

o que é e o que não é relevante ao julgamento da lide. De todo modo, partindo-se de

uma perspectiva evoluída, colaborativa e constitucional do novo modelo de processo

civil, a melhor conclusão a é de que as questões consideradas relevantes para o

julgamento da lide devem ser também indicadas pelas partes e por consequência

301

respeitadas pelo juiz. Assim, uma vez indicada por uma das partes uma questão (de

fato ou de direito) como relevante para o julgamento da lide, cabe ao juiz aceitar a

oferta e enfrentar o tema na sentença, nem que em sua decisão preliminarmente

venha a afastar, de forma fundamentada, a mencionada relevância oferecida pelas

partes.

9) Humanização do processo: valorização dos princípios da oralidade e da

audiência especial de saneamento: o CPC de 2015 demonstra significativa

preocupação com a qualidade da prestação jurisdicional, indicando em vários

dispositivos o respeito obrigatório a princípios constitucionais como o contraditório, o

devido processo legal e a fundamentação das decisões judiciais. Há, também, um

grande direcionamento dos atos processuais para que sejam praticados com

pessoalidade e efetividade, eliminando-se do processo toda carga impessoal e

burocrática que de certa forma contaminava as relações entre as partes e o

resultado final da demanda. Com o princípio da colaboração, devidamente lembrado

em vários dispositivos do CPC, ensejou-se uma nova configuração ao princípio da

oralidade, cuja importância havia sido esvaziada no CPC de 1973. O maior exemplo

do resgate do princípio da oralidade é a previsão da audiência especial de

saneamento, quando o juiz, com o apoio oral das partes, dispõe-se a decidir e a

negociar temas de ultra importância para o desenrolar do processo. Essa audiência,

porém, não deve ser realizada apenas nos casos mais complexos, mas em todas as

demandas que na percepção do juiz a realização do saneamento de forma oral e

pessoal em audiência possa trazer um ganho de tempo e de qualidade no resultado

final do processo.

10) Negócio processual no saneador: o legislador inovou ao incluir no artigo

357, § 2º, do CPC a previsão de que as partes podem submeter ao juiz de forma

conjunta algumas considerações sobre as questões de fato e de direito que

entendam relevantes para o julgamento da lide. É uma mudança radical de conceito

quanto à atuação das partes no processo: a alteração sugere que as partes devem

colaborar na indicação dos temas que o juiz precisará enfrentar no curso do

processo. Apesar de ser louvável e inspiradora essa novidade, acredita-se que a

prerrogativa indicada no dispositivo legal em comento não será utilizada em larga

escala em um primeiro momento, uma vez que o nosso sistema processual e os

sujeitos do processo ainda não estão culturalmente preparados para dialogar de

forma sincera, transparente, sobre os fundamentos e as questões que compõem a

302

lide. O processo, portanto, ainda será utilizado como pano de fundo para a

estruturação de estratégias individuais com foco exclusivo no resultado final

favorável às partes. Por outro lado, espera-se que com o passar do tempo os

litigantes criem consciência de que independente de quem saia vencedor na ação

sempre haverá interesses comuns e conciliáveis na forma como o processo deve

seguir o seu curso e cumprir a sua finalidade.

11) Reconfiguração do despacho “em provas”: o antigo despacho destinado

à especificação de provas pelas partes definitivamente não tem mais razão de existir

no modelo atual instituído pelo CPC de 2015. Na eventual impossibilidade ou

desnecessidade de designação de audiência especial de saneamento, deverá o juiz,

após apresentada a réplica (ou tréplica, se for o caso) abrir uma nova oportunidade

para que as partes apresentem as suas “questões pertinentes ao saneamento do

processo”, a qual servirá como breve resumo para: (i) indicação de questões

processuais pendentes de resolução, se houver; (ii) desoneração dos ônus que

poderão ser impostos pelo juiz na eventual distribuição dinâmica do ônus da prova;

(iii) com base na argumentação do item, indicação das provas (e seus meios) que

pretendem produzir ou que eventualmente devam ser produzidas pela outra parte; e

(iv) indicação detalhada e objetiva das questões de fato e de direito que entendem

relevantes como fundamentos a serem enfrentados pelo juiz no curso do processo e

em especial na sentença.

12) Estabilidade da decisão saneadora e vinculação obrigatória do

magistrado aos fundamentos apresentados pelas partes: uma vez proferida a

decisão saneadora, seus termos, com exceção da decisão que trata da distribuição

dinâmica do ônus da prova, não poderão ser objeto de recurso pelas partes,

tornando-se estável e produzindo os efeitos desejados. Assim, na decisão

saneadora e após confirmar e relacionar as questões de fato e de direito relevantes

para o julgamento da lide, o magistrado estará vinculado aos seus termos, o que o

obrigará a enfrentar todos os temas que individualmente foram detalhados na

decisão. Importante lembrar, porém, que o magistrado poderá citar e incluir na sua

sentença outros fundamentos que não estavam relacionados na decisão saneadora,

mas de forma alguma poderá deixar de mencionar questão de fato ou de direito que

constou na decisão saneadora como relevante para o julgamento da lide. O juiz,

portanto, tem a faculdade de agregar mais fundamentos àqueles que outrora foram

identificados pelos sujeitos do processo, também poderá deixar de mencioná-los em

303

sua sentença, pois fica vinculado apenas aos termos da decisão saneadora.

13) Saneamento e nulidade absoluta: o processo de construção da decisão

saneadora possui alguns requisitos básicos e indispensáveis para que venha a

atingir a sua finalidade. Em primeiro lugar, o juiz precisa dar às partes o direito de

manifestação a respeito dos temas específicos que serão objeto do despacho

saneador (reconfiguração do despacho “em provas”). Em segundo, e por fim, a

decisão final de saneamento deverá comportar de forma clara qual será o roteiro de

julgamento do processo dali por diante. A ausência de colaboração das partes (por

falta de oportunidade do juiz) antes e durante o saneamento, bem como a condução

material do processo aquém do roteiro de julgamento criado pela decisão saneadora

são situações que podem ensejar nulidades absolutas ao processo porque

configuram violações claras aos princípios constitucionais do devido processo legal,

do contraditório e da ampla defesa.

Por derradeiro, é importante ressaltar que de acordo com o novo modelo de

saneamento do processo não só os operadores jurídicos mas também a sociedade

brasileira têm em mãos um poderoso instrumento para a concretização de princípios

jurídicos fundamentais, como o devido processo legal, a efetividade, a

fundamentação das decisões judiciais, a duração razoável do processo e a

conciliação. Mas essas garantias não são suficientes, é necessário aprender sem

tirar os olhos dos erros e das omissões do passado para então construir uma nova

oportunidade de tornar o processo civil um verdadeiro instrumento da democracia.

Afinal, como bem disse Mahatma Gandhi: “Se queremos progredir, não devemos

repetir a história, mas fazer uma história nova.”.

304

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