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BARBARA MARIA MÜLLER O SENTIDO DA ENTREVISTA PARA AMBOS OS ENVOLVIDOS EM UM PROCESSO SELETIVO: um estudo na abordagem Sócio-Histórica. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2007

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BARBARA MARIA MÜLLER

O SENTIDO DA ENTREVISTA PARA AMBOS OS ENVOLVIDOS EM UM PROCESSO SELETIVO: um estudo na abordagem Sócio-Histórica.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2007

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BARBARA MARIA MÜLLER

O SENTIDO DA ENTREVISTA PARA AMBOS OS ENVOLVIDOS EM UM PROCESSO SELETIVO: um estudo na abordagem Sócio-Histórica.

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para a graduação no curso de Psicologia, sob orientação do Prof. Dr. Sergio Ozella.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2007

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente a meus pais, que foram os responsáveis por

guiar e financiar o meu caminho até aqui, e que, além disso, me ajudaram a consolidar meus

valores e objetivos. Agradeço também pelo apoio, amor, carinho e paciência.

Não posso me esquecer de agradecer aos amigos que conquistei nesses cinco anos,

anos esses que passaram muito rapidamente, mas que vão deixar profundas marcas e

lembranças. Muito obrigada meus amigos, pelos trabalhos conjuntos, pelos apoios mútuos,

pelos conhecimentos aprendidos e trocados.

Além destes, e não menos importante, quero agradecer a todos os professores por seu

carinho, dedicação e mais do que isso, por fazer com que aquilo que se propõem a ensinar

não só seja ensinado, mas faça diferença em nossas vidas. Em especial aos professores:

Adrianna Loduca Ribeiro Samuelian, Ana Helena do Amaral, Ana Mercês Bahia Bock,

André Rodrigues Lemos Bruttin, Antônio Carlos Amador Pereira, Brônia Liebesny,

Carmem Lúcia Arruda Rittner, Edna Maria S. Peters Kahhale, Elisa Zaneratto Rosa, Fábio

de Oliveira, Maria Cecília V. Moraes e Silva e Sergio Ozella. Acredito que cada um de

vocês sabe o porque de seu nome estar aqui e de vocês serem especiais para mim.

Mais uma vez muito obrigada a todos...

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Área de Conhecimento: 7.07.05.00-3 - Psicologia Social

Barbara Maria Müller: O SENTIDO DA ENTREVISTA PARA AMBOS OS

ENVOLVIDOS EM UM PROCESSO SELETIVO: um estudo na abordagem Sócio-

Histórica, 2007

Orientador: Prof. Dr. Sergio Ozella

Palavras-chave: Recrutamento e seleção; Psicologia Sócio-Histórica; Psicologia

Organizacional.

Resumo:

O presente trabalho teve como objetivo verificar o sentido e o significado da

entrevista de seleção em um processo seletivo, sob o ponto de vista tanto do selecionado

quanto do selecionador. Para isto foram realizadas entrevistas com uma pessoa que está a

procura de emprego e que havia acabado de passar por uma entrevista de seleção e com uma

pessoa que trabalha no Departamento de Recursos Humanos, especificamente com

Recrutamento e Seleção. As entrevistas foram gravadas e transcritas, a seguir foram

analisadas. A análise foi feita com base na psicologia sócio-histórica, na qual há uma

concepção de que o homem é constituído por uma relação dialética com o social e com a

história, que ao mesmo tempo, é único, singular e histórico. Após analisar ambas as

entrevistas podemos verificar que tanto o selecionado quanto o selecionador atribuem

sentidos e significados a entrevista de seleção muito próximos. Ambos os indivíduos

consideram a redação como um dos principais instrumentos utilizados em um processo

seletivo, bem como acreditam que o nervosismo, a postura do entrevistador, as experiências

anteriores e os relacionamentos interpessoais são elementos que interferem no processo de

seleção de pessoal. Quanto ao significado de trabalho e os fatores mantenedores dos

indivíduos no trabalho, também encontramos semelhanças nos sentidos e significados

atribuídos tanto pelo selecionado quanto pelo selecionador.

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SUMÁRIO:

Introdução ...................................................................................................................... p. 01.

Capítulo 1: A evolução da Gestão de Recursos Humanos ......................................... p. 04.

Capítulo 2: A História da Psicologia Organizacional ................................................ p. 21.

Capítulo 3: Pressupostos Teórico – Metodológicos .................................................... p. 29.

I. Introdução a Psicologia Sócio-Histórica .......................................................... p. 29.

II. Pressupostos Teóricos ..................................................................................... p. 30.

III. Pressupostos Metodológicos ......................................................................... p. 35.

IV. Procedimentos Metodológicos ...................................................................... p. 38.

Capítulo 4: Análise dos sentidos e significados do selecionado e do selecionador ... p. 41.

I. Análise dos sentidos e significados do selecionado ......................................... p. 41.

II. Análise dos sentidos e significados do selecionador ...................................... p. 51.

Considerações Finais ..................................................................................................... p. 59.

Referências Bibliográficas ............................................................................................ p. 62.

Anexos ............................................................................................................................ p. 65.

Anexo I – Transcrição da entrevista com o Selecionado

Anexo II - Transcrição da entrevista com o Selecionador

Anexo III – Termo de Consentimento Livre Esclarecido

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Introdução

A Psicologia surgiu em 1875 a partir de Wundt, que estabeleceu como objeto de

estudo a experiência consciente. A Psicologia Organizacional, ou seja, o ramo da

Psicologia que trata das relações do homem com o mercado de trabalho, porém surgiu no

século XX, embora suas raízes encontrem-se no final do século XIX. Ela teve como marco

de sua emancipação da Psicologia Geral a publicação, na Alemanha, de “Psicologia e

eficiência industrial”, seguido de “Fundamentos básicos da Psicotécnica”, ambos de Hugo

Münsterberg, em 1913 (Spector, 2002). Desde então os psicólogos têm estudado os

fenômenos advindos da relação homem-trabalho.

“O sistema sócio-psicológico formado pela organização e que interessa

diretamente aos profissionais que lidam com os recursos humanos, inclui, (...), os

níveis econômicos, político, ideológico e psicológico. Uma vez que esses níveis

operam em um processo integrado para determinar o fenômeno comportamental

nas organizações, a análise e qualquer tentativa de intervenção não deve se dar

isolando-os. Outra forma de dividir a organização em níveis, amplamente aceita

por autores da Psicologia Organizacional, define os níveis individual, grupal e

organizacional.” (Zanelli, 1994, p.183).

Após a Segunda Guerra Mundial houve grandes mudanças comportamentais em

indivíduos e empresas, e fenômenos, tais como a concorrência desregulada, a

competitividade voraz, o desemprego e a desorganização dos blocos econômicos, passaram

a ter cada vez mais destaque no cenário das relações de trabalho do mundo todo.

Nessa situação se insere o problema desta pesquisa, uma vez que na luta por um

emprego, o nervosismo e a tentativa de parecer o que não se é, levam pessoas, muitas

vezes competentes, a perder oportunidades de emprego devido a falsas crenças criadas

acerca do processo de recrutamento e seleção.

Este trabalho pretende investigar os sentidos e significados atribuídos por

selecionados e selecionadores à entrevista em um processo de seleção de pessoal. Esta

investigação será desenvolvida através de entrevistas semidirigidas com pessoas que estão

passando por algum tipo de processo seletivo profissional e com psicólogos que realizam

esta seleção. Posteriormente será feita a análise das entrevistas visando obter informações

sobre os sentidos e significados destes indivíduos.

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A pesquisa está estruturada em dois capítulos temáticos, um capítulo teórico,

metodologia, análise de resultados e considerações finais. Os capítulos temáticos tratam da

Evolução da Gestão de Recursos Humanos no Brasil e da História da Psicologia

Organizacional, o capítulo teórico introduz os Pressupostos Teórico-Metodológicos da

Psicologia Sócio-Histórica.

No primeiro capítulo, veremos que ao se pensar na evolução da gestão de recursos

humanos no Brasil não podemos pensar em um processo homogêneo, pois encontramos

empresas que utilizam estratégias e técnicas mais modernas até aquelas que utilizam

antigas técnicas estudadas e elaboradas (Tose, 1997). No decorrer deste capítulo são

abordadas as teorias elaboradas para explicar os métodos utilizados na Gestão de Recursos

Humanos ao longo da história, abrangendo a Teoria Clássica, a Escola da Administração

Científica, a Teoria das Relações Humanas, a Teoria Neoclássica, a Teoria Burocrática, a

Teoria da Administração por Objetivos, a Teoria Estruturalista, a Teoria Comportamental,

a Escola Sócio-Técnica, a Teoria do Desenvolvimento Organizacional, a Teoria das

Contingências, o Modelo de Gestão Japonês, o Modelo Instrumental e o Modelo Político,

bem como os contextos nos quais surgiram.

O segundo capítulo trata da História da Psicologia Organizacional e das mudanças

do papel do psicólogo organizacional no decorrer da história. Em alguns momentos, pode-

se perceber que a História da Psicologia cruza com a da Gestão de Recursos Humanos,

influenciando seus métodos e técnicas. Este capítulo, também abrange o contexto em que a

Psicologia Organizacional surgiu, bem como a trajetória profissional de seus fundadores.

“Conhecer a história da psicologia do trabalho, implica em compreender as ‘...

partes e indicadores do grau de desenvolvimento das forças produtivas, da

economia, do subsistema das relações sociais da cultura e das ideologias, das

estruturas políticas e institucionais, e da formação social global. (...) Assim,

entre a ciência e a técnica e outros níveis de sociedade existe uma

interdependência estrutural e funcional tece-se uma rede complexa de

interações.’ Para isso, é indispensável o detalhamento de seus movimentos e a

análise sistemática das forças e relações, condicionadas pelo desenvolvimento

cientifico ao nível da sociedade como um todo.” (Cardoso, 1986, apud Silva

1992, p. 07)

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Já no terceiro capítulo, encontra-se a concepção teórica que embasa a este trabalho,

a Psicologia Sócio-Histórica. Este capítulo está dividido em quatro seções: uma introdução

à Psicologia Sócio-Histórica, Pressupostos Teóricos, Pressupostos Metodológicos e

Procedimentos Metodológicos (ou Metodologia).

A seção que trata de uma introdução à Psicologia Sócio-Histórica contará o

contexto no qual surgiu esta abordagem da psicologia, uma vez que ela representa uma

possibilidade de superação de visões dicotômicas, contradições como interno-externo,

subjetivo-objetivo, entre outros.

A segunda seção aborda os pressupostos teóricos desta abordagem que norteiam a

pesquisa. Já a terceira seção, Pressupostos Metodológicos, aborda o método utilizado pela

Psicologia Sócio-Histórica para compreender o sentido da entrevista para os envolvidos

em um processo seletivo.

A última seção, Procedimentos Metodológicos, aborda a metodologia utilizada para

a realização da pesquisa, tais como: sujeitos, instrumentos, procedimento e plano de

análise.

Em seguida temos o capítulo de análise dos resultados, no qual é detalhado o passo

a passo da análise das entrevistas, e os resultados que encontramos a partir destas análises.

Por último, no capítulo das considerações finais, nas quais une-se a teoria e os

dados obtidos através da analise das entrevistas, e também apresenta uma breve

comparação entre os resultados obtidos da análise das entrevistas.

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Capítulo 1

A evolução da Gestão de Recursos Humanos

Ao se pensar na evolução da gestão de recursos humanos no Brasil não podemos

pensar em um processo homogêneo, pois encontramos empresas que utilizam desde

modelos de Gestão de Recursos Humanos desenvolvidos nos primórdios da história até os

modelos mais modernos, desenvolvidos recentemente (Tose, 1997). No decorrer deste

capítulo sobre a evolução da Gestão de Recursos Humanos ao longo da história, iremos

falar das teorias elaboradas para explicar os métodos utilizados na Gestão de Recursos

Humanos. Serão abordadas então a Teoria Clássica, a Escola da Administração Científica,

a Teoria das Relações Humanas, a Teoria Neoclássica, a Teoria Burocrática, a Teoria da

Administração por Objetivos, a Teoria Estruturalista, a Teoria Comportamental, a Escola

Sócio-Técnica, a Teoria do Desenvolvimento Organizacional, a Teoria das Contingências,

o Modelo de Gestão Japonês, o Modelo Instrumental e o Modelo Político.1

Iniciaremos nossa história revelando como era tratado este tema antes do

surgimento das primeiras teorias administrativas, esta é a chamada fase pré-histórica da

Administração, e foi caracterizada pela preocupação única com os custos. Neste período a

gestão de recursos humanos não demandava conhecimentos específicos das ciências

humanas e era realizada pelo dono da empresa. É neste período que começa a ser esboçado

o que hoje conhecemos por agências de emprego, já que nesta época havia a “Mesa de

Colocação”, onde os interessados compareciam e, se houvesse vagas, eram empregados.

Além disso, não havia nenhuma preocupação em atender as necessidades dos

trabalhadores, isto é, a única forma de satisfação das necessidades humanas era resumida

ao salário (Tose, 1997).

A seguir surge a Abordagem Clássica, que segundo Vieira e Limongi-França

(2004), durou de meados de 1900 até a década de 1930. É nesta época que surgem autores

como Taylor, Fayol e Weber que desenvolvem estudos e pesquisas onde procurava-se

aplicar métodos científicos à Administração. De acordo com Chiavenato (1993), a

Abordagem Clássica caracteriza-se pelo desenvolvimento da Escola da Administração

1 Essas divisões foram encontradas em diversas bibliografias, porém em alguns momentos um período parece conter idéias muito próximas a outro período. Infelizmente não foi encontrada nenhuma bibliografia que contivesse todo o histórico da Gestão de Recursos Humanos sem pular períodos históricos, por isso nos deteremos nesses períodos que foram os encontrados durante a revisão bibliográfica.

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Científica, por Frederick Winslow Taylor, e da Teoria Clássica, por Henri Fayol. Vieira e

Limongi-França (2004), ainda ressaltam que estas teorias contribuíram e muito para a

diminuição dos custos e de desperdícios, o que resultou em um aumento da

competitividade das empresas, porém o fator humano ainda era minimamente considerado.

Oliveira, Muritiba e Albuquerque (2001), consideram que é neste momento que são criados

os sistemas conhecidos por fordismo e taylorismo que contribuíram muito para a

estruturação da linha de produção e garantiram assim o rápido crescimento da indústria.

Porém:

“Nestes sistemas, os recursos humanos eram vistos mais como um

insumo do processo produtivo, e assim, o modo como se lidava com os

Recursos Humanos foi concebido pela lógica da engenharia, que para a

época representou uma maneira mais eficiente de se lidar com os

funcionários: diminuir custos com mão-de-obra e aumentar a rapidez da

produção, contendo os erros. Já que, pela própria estrutura competitiva

da época, não se necessitava de sistemas de gestão complexos, (...)” (p.

02).

A Escola da Administração Científica de Taylor, segundo Chiavenato (1993), tinha

como principal característica achar que a organização e sua administração devem ser

tratadas cientificamente e não empiricamente. Taylor foi o primeiro a analisar de forma

completa o trabalho, estabelecendo padrões precisos de execução, treinando operários,

especializando pessoal, criando e instalando uma sala especifica para fazer planejamento.

Pode-se destacar como princípios da Administração Cientifica de Taylor, os seguintes itens

(Chiavenato, 1993):

A gerência adquiriu novas atribuições e responsabilidades, tais como, o planejamento

de atuação, o preparo dos trabalhadores para produzirem mais e melhor, controlar para que

o trabalho seja executado de forma correta e distribuir as responsabilidades de cada

funcionário de modo que a execução da tarefa seja realizada de forma disciplinada.

Estudo dos trabalhos dos operários, para após uma análise cuidadosa, eliminar ou

reduzir os movimentos inúteis e aperfeiçoar e racionalizar os movimentos úteis.

Fixar o modo como cada trabalho deve ser executado.

Selecionar os trabalhadores de acordo com as tarefas que lhes serão atribuídas.

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Dar instruções técnicas aos trabalhadores.

Dar ao funcionário atribuições precisas e delimitadas.

Especializar e treinar os trabalhadores.

Planejar e estabelecer prêmios e incentivos para que ao atingir padrões estabelecidos

o trabalhador os receba.

Padronizar métodos e processos de trabalho.

Dividir as vantagens que resultarem do aumento da produção.

Controlar a execução do trabalho para mantê-lo nos níveis desejados.

Classificar os processos e materiais a serem empregados ou produzidos.

Já a Teoria Clássica de Fayol diz que o ato de administrar compreende o prever, o

organizar, o comandar, o coordenar e o controlar. Além disso, de acordo com Chiavenato

(1993), Fayol propõe que toda empresa pode ser divida entre seis grupos de funções:

técnicas (relacionadas a produção de bens ou de serviços); comerciais (relacionadas a

compra, venda e permutação); financeiras (relacionadas com a procura e gerência de

capitais); segurança (relacionadas a proteção e preservação dos bens e das pessoas);

contábeis (relacionadas a inventários, registros, balanços, custos e estatísticas);

administrativas (relacionadas a integração de cúpula das outras cinco funções). Esta teoria

caracterizou-se por seu enfoque prescritivo e normativo: tais como as funções do

administrador e os princípios gerais que o administrador deveria seguir na sua atividade.

Chiavenato (1993) também considera que os princípios gerais da Teoria Clássica de

Fayol são:

Divisão do trabalho visando aumentar a eficiência.

Autoridade e responsabilidade em equilíbrio entre si.

Disciplina

Cada empregado deve receber ordens de apenas um superior.

Unidade de direção para cada grupo de atividades que tenham o mesmo objetivo.

Subordinação dos interesses individuais aos interesses gerais.

Remuneração de pessoal justa.

Centralização da autoridade no topo da hierarquia.

Ordem material e humana.

Equidade entre amabilidade e justiça.

Estabilidade e duração do pessoal.

Iniciativa

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Espírito de equipe.

Logo em seguida da Abordagem Clássica, de acordo com Vieira e Limongi-França

(2004) encontramos a Teoria das Relações Humanas, que aparece a partir da década de

1930 com autores tais como Mary Follet, Chester Barnard e Elton Mayo. É a partir destes

autores que iniciam-se as pesquisas relativas às pessoas nas organizações e as interações

humanas. A ênfase, antes colocada na tarefa (Escola de Administração Científica) e na

estrutura organizacional (Teoria Clássica), é transferida para as pessoas que trabalham ou

que participam da organização.

Chiavenato (1993) ressalta ainda que a Teoria das Relações Humanas surgiu como

reação e oposição à Teoria Clássica. Surgiu como conseqüência imediata às conclusões

obtidas na Experiência de Hawthorne, desenvolvida por Elton Mayo e seus colaboradores.

A experiência de Hawthorne foi desenvolvida em uma fábrica de lâmpadas e seu objetivo

era estudar alguns componentes que influenciavam a eficiência dos operários. Na primeira

fase, Elton Mayo e seus colaboradores procuravam verificar a correlação entre a

intensidade da iluminação e a eficiência dos operários, mas descobriram que não havia

relação, mas que existiam outras variáveis, pois eles se sentiam na obrigação de produzir

mais, concluindo que o fator psicológico influi mais que o fisiológico. Como não havia

nesta fase a intenção de se trabalhar o psicológico, estendeu-se a experiência à verificação

da fadiga, troca de horários, intervalos de descanso, aspectos basicamente fisiológicos. Na

segunda fase, foram aplicadas diversas mudanças na execução dos trabalhos, no local, nos

horários de intervalo, na forma de pagamento, no lanche, redução de carga horária. Na

última mudança testada foram retiradas todas as outras alterações, somente ficando o

pagamento por tarefas em grupo, e o resultado foi um espantoso aumento da produção, ao

qual foram relacionadas as seguintes hipóteses:

As operárias gostavam do trabalho num ambiente diferente, sem controle rígido, com

liberdade e menos ansiedade.

Ambiente amistoso e sem pressões, conversa era permitida.

Não havia temor ao supervisor.

Houve um desenvolvimento social do grupo experimental (amizades).

O grupo desenvolveu liderança e objetivos comuns.

Uma terceira fase foi realizada visando as relações humanas no trabalho. Para isto

teve início um programa de entrevistas em todos os setores da fábrica, onde previa-se a

obtenção de dados sobre suas atitudes e sentimentos, suas opiniões quanto ao trabalho e ao

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tratamento que recebiam, sugestões que pudessem ser aproveitadas no treinamento dos

supervisores. Após algum tempo a entrevista passou a ser não diretiva, e por não haver

roteiro específico, o operário é que determinava os assuntos que queria abordar. Este

processo revelou a existência de uma organização informal dos operários a fim de se

protegerem contra aquilo que consideravam ameaças a administração do seu bem-estar. A

organização informal manifestava-se por meio de: padrões de produção; punições aos que

não cumprissem; insatisfação em relação aos ganhos por produtividade; liderança informal;

preocupações fúteis com relação a promoções; contentamentos e descontentamentos

exagerados com relação às atitudes dos superiores imediatos a respeito do comportamento

do comportamento dos operários. Havia na organização informal, também operários que

queriam ser leais a empresa, e com isso eram inevitáveis conflitos, tensões, inquietação e

provável descontentamento. Para estudarem esse fenômeno, houve a 4ª fase da experiência,

no qual escolheu-se um grupo experimental cujo sistema de pagamento era baseado na

produção do grupo. Havia um salário baseado em alguns fatores e um salário mínimo por

hora para o caso de interrupções na produção, só haveria aumento de salário se aumentasse

a produção total.

O próprio grupo julgava qual seria sua produção normal, relatando de maneira

imprópria à produção de maneira que só pudesse ser notada em um dia atípico, solicitavam

também pagamentos por excesso de produção, isso fortalecia o sentido de grupo, e

promovia punições para quem não concordasse com o grupo. As principais conclusões

desta experiência foram:

O nível de produção é resultante da integração social, em função das normas e

expectativas sociais que o envolvem. De nada adianta estar bem física e fisiologicamente,

senão estiver integrado socialmente.

O comportamento social dos empregados está intimamente ligado ao comportamento

do grupo em que está inserido. O indivíduo não se sente livre para determinar seus

padrões, pois seria marginalizado pelo grupo. A empresa não deve tratar o empregado

individualmente. A amizade e o agrupamento social dos trabalhadores devem ser

considerados como aspectos importantes.

Durante a experiência constatou-se que os operários que se destacavam eram

marginalizados pelos demais. Na sala de montagem os operários produziram menos,

ganharam menos para não causarem conflitos com os demais. Eram considerados bons

companheiros aqueles que se adaptam aos padrões estabelecidos pelo grupo e como

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péssimos companheiros aqueles que não agem conforme o grupo determina. Ainda nessa

análise, Taylor achava que a motivação estava baseada em que o homem era movido pelos

estímulos salariais e econômicos. Já Mayo e seus seguidores achavam que a motivação

econômica era secundária na determinação do rendimento do trabalhador, e que as pessoas

são motivadas principalmente pela necessidade de reconhecimento, de aprovação social e

de participação nas atividades dos grupos sociais onde convivem.

Grupos informais constituem a organização humana da empresa. Eles definem as

regras de comportamento dos funcionários, suas formas de recompensa ou sanções sociais,

objetivos, escala de valores sociais, crenças e expectativas, que cada participante vai

assimilando e integrando em suas atitudes e comportamento.

A Teoria das Relações Humanas passou a estudar intensamente a interação social. São

as ações e atitudes desenvolvidas pelos contatos entre pessoas e grupos. Há uma procura

por parte do individuo em ajustar-se aos grupos existentes.

Verificou-se que a extrema especialização defendida pela Teoria Clássica não cria

necessariamente a organização mais eficiente. A partir dessas conjeturas, passou-se a

verificar que o conteúdo e a natureza do trabalho tem enorme influência sobre o moral do

trabalhador. Trabalhos simples e repetitivos tendem a se tornar monótonos e maçantes

afetando negativamente as atitudes do trabalhador e reduzindo sua eficiência.

Os elementos emocionais não-planejados e mesmo irracionais do comportamento

humano passam a merecer um aspecto por parte de quase todos os autores da Teoria das

Relações Humanas.

Além disso, Vieira e Limongi-França (2004) dizem que o panorama

socioeconômico do pós-guerra, contribuiu para a valorização das pessoas nas organizações,

visto que muitos países estavam economicamente sem recursos e que outros países

faturavam vendendo seus produtos e matérias-primas para que os países vencidos

pudessem ser reconstruídos. Com isto começa a ser destacado o Departamento de Recursos

Humanos, visando combater o aumento da concorrência e a variedade de produtos, bem

como a necessidade de trabalhadores mais qualificados e de diminuição de custos. É ainda

nesta época que começam a surgir programas mais estruturados de treinamentos que como

citam Oliveira, Muritiba e Albuquerque (2001) tinham como objetivo ensinar habilidades

de relacionamento interpessoal para melhoria do clima no ambiente de trabalho.

Durante o período de 1930 a 1950, Tose (1997) indica que também começam a ser

desenvolvidas leis trabalhistas e com isso novas funções relacionadas aos direitos dos

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trabalhadores são incorporadas. Assim a preocupação que anteriormente era apenas com os

custos, agora passa a ser também mais cuidadosa para que sejam aplicadas as leis

trabalhistas. Nesta época, também é criado o cargo de “chefe de pessoal”, que neste

momento tem como funções: admitir pessoal, acompanhar o cumprimento das regras

referentes a horário, remuneração, condições de trabalho, punição e demissão. “O maior

desafio do chefe de pessoal era evitar multas e reclamações à Justiça do Trabalho” (Tose,

1997, p. 24.).

Já na década de 1950, de acordo com Chiavenato (1993), surge a Teoria

Neoclássica. Inserida em um contexto de crescimento exacerbado das organizações e

problemas administrativos decorrentes da época, esta teoria enfatiza a preocupação dos

administradores em organizar uma série de modelos e técnicas administrativas. Para isso, a

Teoria Neoclássica, retoma os aspectos discutidos na Teoria Clássica, que são revistos e

atualizados dentro de um conceito moderno de Administração, conciliando esta abordagem

com contribuições importantes da Teoria das Relações Humanas. Suas principais

características são a ênfase na prática da administração e em seus princípios gerais,

ecletismo e ênfase nos objetivos e resultados. De acordo com Chiavenato (1993):

“A Teoria Neoclássica surgiu com o crescimento exagerado das organizações.

Uma das respostas que procurou dar foi a respeito do dilema centralização

versus descentralização. Boa parte do trabalho dos neoclássicos está voltada

para fatores que levam à decisão de descentralização, bem como às vantagens

e desvantagens que a descentralização proporciona.” (p. 267).

Segundo Tose (1997) é a partir de 1950 que começam a atuar no Brasil empresas

multinacionais, trazendo consigo novas técnicas de administração de pessoal, pois seus

países de origem encontravam-se em uma fase mais avançada da gestão de pessoal. A

rotina dos profissionais de recursos humanos passa a incorporar funções, tais como a

aplicação e interpretação de testes psicológicos e entrevistas, a tecnologia de aprendizagem

individual e de mudança organizacional, nutrição e alimentação, medicina e enfermagem,

serviço social, plano de carreiras, desenho de cargos e da organização, satisfação no

trabalho, absenteísmo, salários e encargos sociais, mercado, lazer, incêndios e acidentes,

disciplina e atitudes, interpretação de leis trabalhistas, eficiência e eficácia, estatística e

registros e transporte para o pessoal.

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”A Teoria Neoclássica deslocou progressivamente a atenção antes colocada

nas chamadas ‘atividades-meio’ para os objetivos ou finalidades da

organização. O enfoque baseado no ‘processo’ e a preocupação maior com as

atividades (meios) passaram a ser substituídos por um enfoque nos resultados

e objetivos alcançados (fins). A preocupação de ‘como’ administrar passou à

preocupação de ‘por que’ ou ‘para que’ administrar. A ênfase em fazer

corretamente o trabalho (...) para alcançar eficiência passou à ênfase em fazer

o trabalho mais relevante aos objetivos da organização para alcançar eficácia.

(...)” (Chiavenato, 1993, p. 360).

Chiavenato (1993) diz que por volta da década de 1940, as críticas feitas à Teoria

Clássica e a Teoria das Relações Humanas revelaram a falta de uma teoria da organização

sólida, abrangente e que servisse de orientação para o trabalho com os recursos humanos

da organização. Assim surgiu a Teoria Burocrática de Max Weber, que tinha como

principais características o caráter legal das normas e regulamentos, o caráter formal das

comunicações, o caráter racional e divisão do trabalho, a impessoalidade nas relações, a

hierarquia de autoridade, as rotinas e procedimentos estandardizados, a competência

técnica e meritocracia, a especialização da administração que é separada da propriedade, a

profissionalização dos participantes e a completa previsibilidade do funcionamento.

A partir da década de 1950, Chiavenato (1993) relata que surge a Teoria da

Administração por Objetivos em função de exigências ambientais internas que as

organizações passam a sofrer, tais como a queda das margens de lucros e da necessidade de

reduzir despesas e concentrar-se mais nos resultados. As principais características desta

teoria são o estabelecimento entre o executivo e o seu superior de um conjunto de objetivos

para cada departamento, a interligação dos objetivos departamentais, elaboração de planos

táticos e operacionais com ênfase na mensuração e no controle, sistemas contínuos de

avaliação, revisão e reciclagem dos planos, participação atuante da chefia e apoio intenso

do staff. Os critérios para fixação de objetivos são fundamentais nessa teoria e para isso

devem ser elaborados os Planos Táticos e Planos Operacionais, que em conjunto formam o

Planejamento Estratégico, que a longo prazo orientam todo o sistema.

Ao final da década de 1950, surge a Teoria Estruturalista cujos autores, de acordo

com Chiavenato (1993), estão mais voltados para a Sociologia Organizacional e por isso

procuram inter-relacionar as organizações com seu ambiente externo, o que eles

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denominam de sociedade de organizações, e que é caracterizada pela interdependência

entre as organizações. Surge daí um novo conceito de homem, o homem organizacional,

que desempenha papeis concomitantes em diversas organizações diferentes.

“A análise das organizações sob o ponto de vista estruturalista é feita dentro de

uma abordagem múltipla e globalizante: tanto a organização formal como a

informal devem ser compreendidas (numa alusão à Teoria Clássica e à de

Relações Humanas), bem como as recompensas e sanções materiais e sociais

devem ser consideradas no comportamento das pessoas; todos os diferentes

tipos de organizações devem ser levados em conta (empresas industriais,

comerciais, de serviço, exércitos, igrejas, partidos políticos, universidades,

hospitais etc.), os diferentes níveis hierárquicos devem ser abrangidos pela

análise organizacional, bem como as relações externas da organização com

outras organizações (análise interorganizacional).” (Chiavenato, 1993, p. 525).

Encontramos a Teoria Comportamental, a partir da década de 1950, que, segundo

Chiavenato (1993), teve como maiores contribuintes Herbert A. Simon, Chester Barnard,

Douglas McGregor, Rensis Likert e Chris Argyris. Para muitos, esta teoria representa a

aplicação da Psicologia Organizacional à Administração e, por isso, traz consigo conceitos

desta área tais como os estudos de Abraham H. Maslow e Douglas McGregor. Esta teoria

enfatiza o comportamento organizacional e para explicá-lo fundamenta-se na motivação

humana. Os autores da teoria comportamental verificaram que o administrador precisava

conhecer as necessidades dos homens para melhor compreender o comportamento e

utilizar a motivação humana como poderoso meio para melhorar a qualidade de vida

dentro das organizações e, com isso, conquistar a adesão dos que nela trabalham.

Maslow apresentou a teoria da motivação, que, segundo Chiavenato (1993), diz que

as necessidades humanas estão organizadas e dispostas em níveis, numa hierarquia de

importância e de influenciação. Essa hierarquia de necessidade pode ser visualizada como

uma pirâmide (figura 1), na base da pirâmide estão as necessidades fisiológicas

(relacionadas com sobrevivência e preservação da espécie), acima estão as necessidades de

segurança (relacionadas a busca de proteção contra a ameaça ou privação, a fuga ao

perigo), em seguida estão as necessidades sociais (relacionadas a necessidade de

associação, de participação, de aceitação por parte dos companheiros, de troca de amizade,

de afeto e amor), após encontramos as necessidades de estima (relacionadas a auto-

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apreciação, a auto-confiança, a necessidade de aprovação social e de respeito, de status,

prestígio e consideração) e por último, no topo da pirâmide, as necessidades de auto-

realização (relacionadas as necessidades de cada pessoa realizar o seu próprio potencial e

de autodesenvolver-se continuamente). Esta teoria pressupõe que somente quando um

nível inferior de necessidade é satisfeito adequadamente é que o nível imediatamente mais

elevado surge no comportamento. Assim nem todas as pessoas conseguem chegar ao topo

da pirâmide das necessidades.

Figura 1 – A hierarquia das necessidades por Abraham H. Maslow. http://disciplinas.adm.ufrgs.br/adp014/2001/a/apresentacoes/Teoria%20Comportamental1.ppt

McGregor por sua vez preocupou-se em comparar dois estilos opostos e

antagônicos de administrar, os quais denominou Teoria X e Teoria Y (vide quadro 1)

(Chiavenato, 1993).

Necessidades Fisiológicas

Necessidades de Segurança

Necessidades Sociais

Necessidades de Auto-estima

Necessidades de Auto-realização Necessidades

Secundárias

Necessidades Primárias

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Pressuposições da Teoria X Pressuposições da Teoria Y

- As pessoas são preguiçosas e indolentes;

- As pessoas evitam o trabalho;

- As pessoas evitam a responsabilidade a fim

de se sentirem mais seguras;

- As pessoas precisam ser controladas e

dirigidas;

- As pessoas são ingênuas e sem iniciativa.

- As pessoas são esforçadas e gostam de ter

o que fazer;

- O trabalho é uma atividade tão natural

quanto brincar ou descansar;

- As pessoas procuram e aceitam

responsabilidades e desafios;

- As pessoas podem ser automotivadas e

autodirigidas;

- As pessoas são criativas e competentes.

Quadro 1 – Comparação entre as Teoria X e Teoria Y de McGregor.

http://www.admbrasil.com.br/tex_teoria_comportamental.htm

Oliveira, Muritiba e Albuquerque (2001) afirmam que na década de 1960 foi

criada, na Europa, por psicólogos sociais, a chamada Escola Sócio-técnica, que introduziu

novos conceitos, como por exemplo, a abordagem de grupos semi-autônomos, ou seja,

sistemas de trabalho com espaço para negociação e decisão, capacitados para solucionar

problemas. Santos (2000) informa que a Escola Sócio-Técnica tem sua origem na teoria de

sistemas de Bertalanffy, a partir dos trabalhos desenvolvidos no Instituto Tavistock de

Londres, sob a coordenação de E. Trist e de F. Emery. A Escola Sócio-técnica tendo como

base a teoria geral dos sistemas, classifica as empresas como sistemas abertos sócio-

técnicos. Parte da abordagem de que todo sistema tem entrada, processamento e saída.

Segundo este modelo, a organização é concebida como um sistema sócio-técnico,

estruturado em dois subsistemas:

Social: compreende os trabalhadores com suas características fisiológicas e

psicológicas, o seu nível de qualificação (formação e experiência), as relações sociais

dentro da organização e as condições organizacionais do trabalho.

Técnico: compreende as tarefas a serem realizadas e as condições técnicas para a sua

realização, envolvendo o ambiente de trabalho, as instalações, as máquinas, os

equipamentos, as ferramentas e os procedimentos e normas operacionais.

Ainda de acordo com Santos (2000), a Escola Sócio-técnica fundamenta-se nos

princípios de que a organização é um sistema aberto que interage com o meio ambiente,

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tem uma capacidade de auto-regulação, pode alcançar um mesmo objetivo por diferentes

caminhos e utilizando diferentes recursos. O modelo básico adotado por esta teoria envolve

as seguintes etapas:

avaliação inicial: dos atributos básicos do sistema de produção e determinação das

principais características do meio ambiente;

identificação das unidades de operação: as operações fundamentais que caracterizam e

descrevem as transformações ocorridas no processo produtivo;

análise do sistema social: focando as relações sociais dentro da organização;

análise do sistema técnico: aspectos técnicos do sistema de produção são revisados;

especificação do sistema cliente/fornecedor: para a elaboração de políticas e

estratégias da organização;

avaliação: verificação dos impactos provocados por iniciativas especiais;

recomendações: são elaboradas as propostas de mudança da organização.

A seguir, por volta de 1962, surge a Teoria do Desenvolvimento Organizacional,

que está intimamente ligado aos conceitos de mudança, de capacidade adaptativa à

mudança e em função da inadequação das estruturas convencionais às novas

circunstâncias. Ainda segundo Chiavenato (1993), é com esta teoria que surgem os

conceitos de cultura e clima organizacional que hoje são tão difundidos na área de

Recursos Humanos. Para esta teoria mudar a estrutura organizacional não é suficiente para

modificar uma organização, pois para isto é necessário alterar a cultura da organização,

isto é, os sistemas dentro dos quais as pessoas vivem e trabalham. O processo de

Desenvolvimento Organizacional envolve três etapas: coleta de dados, diagnóstico

organizacional e ação de intervenção. Já o clima organizacional resulta de um completo

envolvimento de componentes relacionados com aspectos formais e informais da

organização, dos sistemas de controle, dos procedimentos de trabalho, das regras e normas

e das relações interpessoais existentes na organização.

O período compreendido entre 1950 e 1965 foi chamado de fase tecnicista ou

tecnológica, e marcado por inúmeras teorias administrativas como visto acima. Tose

(1997) ressalta que neste período o gerenciamento dos recursos humanos se tornou mais

organizado e formalizado, uma vez que seguia o modelo das empresas multinacionais,

principalmente montadoras, trazidas ao Brasil pelo governo de Juscelino Kubitschek.

Surgem especialistas nas áreas de legislação trabalhista, sociologia, psicologia, estatística,

pedagogia e administração, todos com a função de assessorar o administrador de pessoal.

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“De fato, os psicólogos passaram a trabalhar na seleção de pessoal, no

treinamento, na avaliação de desempenho, na área da medicina e segurança

do trabalho.” (Tose, 1997, p. 28.).

Por volta de 1965, inicia-se a chamada fase administrativa ou sindicalista que durou

até meados de 1985, e, para Tose (1997), foi fortemente marcada pela organização

sindical, que:

“... nos anos 60, impedia a mobilização dos trabalhadores, que não podiam

exercer a defesa de seus interesses e, ao mesmo tempo, inibia o

desenvolvimento e a capacitação dos profissionais de recursos humanos, que

se viam presos a uma legislação que não dava espaço a sua atuação.” (p. 32).

Nesta fase, de acordo com Tose (1997), os sindicatos estavam mais desenvolvidos e

fortalecidos, o que desencadeou fortes pressões sobre a gestão de recursos humanos,

passando a questionar suas práticas. Embora, neste momento, os profissionais de recursos

humanos se encontrassem despreparados, eles trabalharam no sentido de buscar técnicas

que não merecessem as críticas das lideranças sindicais. Assim, o chefe de pessoal é

substituído pelo “gerente de relações industriais”, seguindo o modelo das empresas

americanas, nas quais este mesmo cargo se encarrega das relações sindicais. Dentro desta

mesma fase, o gerente de relações industriais é substituído pelo gerente de recursos

humanos. A grande preocupação neste momento passa a ser a evolução e o aumento da

complexidade das relações sindicais, porém pode-se dizer que o movimento sindical

valorizou o profissional de recursos humanos, uma vez que ampliou seu campo de visão,

levando-o a uma visão estratégica da empresa e diminuindo o enfoque tecnicista da seleção

e da administração de salários.

Na segunda metade da década de 1970 surge a Teoria das Contingências que,

segundo Chiavenato (1993), teve como origens as pesquisas de Chandler, Burns e Stalker,

Woodward e Lawrence e Lorsch a respeito da organização e seus ambientes.

“Verificou-se que muita coisa existente dentro das organizações era decorrente

do que existia fora delas, nos seus ambientes. Passou-se a estudar os ambientes e

a interdependência entre a organização e o meio ambiente. As organizações

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escolhem seus ambientes e depois passam a ser condicionados por eles,

necessitando adaptar-se a eles para poderem sobreviver e crescer. O

conhecimento do ambiente passou a ser vital para a compreensão dos

mecanismos organizacionais. Todavia, a análise ambiental ainda é bastante

precária, requerendo muita pesquisa pela frente. (...) Para defrontar-se com o

ambiente, a organização utiliza tecnologias que condicionarão a sua estrutura

organizacional e seu funcionamento. A partir da Teoria da Contingência, a

variável tecnologia passou a assumir um importante papel na teoria

administrativa.” (Chiavenato, 1993, p. 843).

Já na década de 1980, de acordo com Oliveira, Muritiba e Albuquerque (2001), o

sucesso das empresas japonesas, fez com que o Modelo de Gestão Japonês fosse

valorizado trazendo consigo o conceito de gerenciamento estratégico dos recursos

humanos que alinhava a estratégia de pessoas à estratégia empresarial. Este modelo de

gestão enfocava:

a importância dada ao desenvolvimento dos empregados, como recurso para

desenvolver as estratégias empresariais;

o trabalho em equipes;

a gestão da cultura para o sucesso organizacional.

Além disso, segundo Monteiro e Gomes (1998), o Modelo Japonês pressupõe o

envolvimento dos trabalhadores com o trabalho por meio de diferentes formas. Esta

característica, de procurar aumentar a cooperação dos trabalhadores mediante a

participação no trabalho, tem sido bastante estudada, discutida e também implementada.

Vasconcelos e Vasconcelos (2002), apontam que os dois principais modelos de

gestão de Recursos Humanos utilizados nas décadas de 1980 a 1990 eram: Modelo

Instrumental e Modelo Político. O Modelo Instrumental tem como principal característica

o fato de que a mudança organizacional é fruto de decisões estruturadas por uma diretoria

central, ou seja, é imposta. Já no Modelo Político, a mudança organizacional é percebida

como uma resposta ao meio ambiente negociado e estruturado pelas organizações do setor,

as quais influenciam ativamente o rumo dos acontecimentos.

O Modelo Instrumental, de acordo com Vasconcelos e Vasconcelos (2002),

também propõe que:

O mercado impõe-se à empresa, que é considerada um organismo adaptativo;

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A gestão de recursos humanos tem a função de implantar estratégias, buscando a

maximização do resultado econômico e melhor performance dos empregados;

O pagamento seja feito por produtividade, baseado no conceito de eficiência

econômica e no argumento de que a eficiência social gera a eficiência econômica e vice-

versa.

Os indivíduos devem ter mais autonomia, mas somente na medida em que esse

desenvolvimento seja útil à empresa.

A gestão de recursos humanos tem o papel de avaliar as necessidades e os recursos

dos grupos organizacionais; descrever os cargos e provê-los segundo um recenseamento

sistemático dos candidatos, por meio de procedimentos de seleção “objetivos”; avaliar os

cargos e as performances dos empregados, remunerando-os eqüitativamente a fim de

motivá-los; treinar os indivíduos, melhorar as condições de trabalho, informar, comunicar e

assegurar relações sociais satisfatórias.

A participação dos grupos organizacionais é considerada importante a fim de obter

a sua adesão à estratégia da empresa.

As principais características do Modelo Político, segundo Vasconcelos e

Vasconcelos (2002), compreendem:

eficiência econômica negociada, não correspondendo, necessariamente, à eficiência

social em curto prazo (aceitação de conflitos, buscando-se, no entanto, absorvê-los

mediante negociação política);

meio ambiente negociado e construído;

avaliação dos resultados feita pelos grupos organizacionais envolvidos no processo de

decisão;

empresa construída socialmente por meio da ação política dos diversos grupos

organizacionais;

decisões racionais e éticas referindo-se à resolução de conflitos, à obtenção do

consenso e às questões de poder;

indivíduos vistos como atores políticos válidos com potencial de desenvolvimento

positivo buscando concretizar ativamente seus próprios interesses (“cidadania nas

organizações”);

modelo ético aplicado à organização.

As atividades do profissional de recursos humanos neste período são exercidas de

forma diferentes porque começam a aumentar o número de empresas que terceirizam

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funções e serviços com a finalidade de operacionalizar a sua área de Recursos Humanos, e

com isso as empresas passam a liberar os seus profissionais de recursos humanos para o

planejamento a longo prazo. As decisões de recursos humanos são tomadas à luz do o

impacto das mudanças ambientais nas políticas de recursos humanos e horizontes de tempo

mais longos. O gerente de recursos humanos deste período deve ter conhecimento

multidisciplinar das áreas de psicologia, sociologia, economia, entre outras áreas.

O período a partir de 1985 é chamado de fase estratégica, pois, segundo Tose

(1997), a grande quantidade de pressões sobre a organização exige uma perspectiva mais

abrangente e estratégica em relação aos recursos humanos, dando origem, assim, ao

Planejamento Estratégico de Recursos Humanos. A partir de então, as decisões de recursos

humanos são tomadas sabendo-se do impacto que as mudanças irão trazer a organização

futuramente.

Para Vieira e Limongi-França (2004) a década de 1990 foi marcada por uma

imensa diversidade cultural que proporcionou reformas nos modos de produção e

reestruturações administrativas nas organizações, o que culminou em novos modelos de

gestão de recursos humanos.

“Hoje, a gestão de pessoas é uma função que exige muito mais das empresas

do que exigia há tempos atrás. O mercado em que as empresas atuam e a

tecnologia de que se utilizam foram se modificando e evoluindo, e, como

conseqüência, a atividade de gerir pessoas vem ganhando muito mais

importância. Novas estratégias e políticas foram surgindo em decorrência das

mudanças no ambiente nas quais as organizações estão inseridas.

Internamente, também, as empresas foram se modificando, inclusive seus

modelos de gestão, visando se adaptar às novas condições impostas pelo

ambiente.” (Oliveira, Muritiba e Albuquerque,2001, p. 03).

Embora estas fases sejam bem demarcadas em teoria, na prática a evolução de

recursos humanos não se processou de uma forma tão homogênea e a transição entre as

fases nem sempre era bem definida, sendo que cada empresa decidia a cada momento qual

era o melhor modelo de gestão a ser utilizado independente do período histórico em que

estávamos localizados.

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Cabe ressaltar que os saltos entre os períodos históricos contidos no texto acima,

não se deram propositalmente, mas sim, devido a dificuldade de encontrar na literatura

uma história da evolução da Gestão de Recursos Humanos detalhada e atualizada.

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Capítulo 2

A História da Psicologia Organizacional

No capítulo anterior identificamos as modificações ocorridas na Gestão de

Recursos Humanos ao longo da história. Em alguns momentos, pode-se perceber que a

História da Psicologia cruza com a da Gestão de Recursos Humanos, influenciando seus

métodos e técnicas. A área da Psicologia que trata das organizações e das pessoas que

nelas trabalham, nos seus primórdios, era conhecida como Psicologia Industrial, porém

como este termo tratava apenas das questões que ocorriam dentro da organização, a partir

da década de 1970 adota-se a denominação Psicologia Organizacional, por ser um termo

mais abrangente, e que envolvia também as relações entre o contexto imediato de trabalho,

ou seja, a interação das características do trabalhador, a natureza do trabalho, a estrutura

organizacional e o ambiente externo2. Além disso, ao longo da história outras

denominações também foram dadas a esta área, tais como: Psicologia de Pessoal,

Psicologia do Trabalho, Psicologia do Trabalhador, Psicologia do Comportamento no

Trabalho, Psicologia Aplicada ao Trabalho, Psicologia Aplicada à Administração,

Psicologia Aplicada aos Negócios, Psicologia Ocupacional, Psicologia Social das

Organizações, entre outros. Neste capítulo será abordada a história da Psicologia

Organizacional e de seus principais expoentes (Zanelli, 1992).

A Psicologia Organizacional surgiu no século XX, porém suas raízes encontram-se

no final do século XIX e teve como marco de sua emancipação da Psicologia Geral a

publicação, na Alemanha, de “Psicologia e eficiência industrial”, seguido de

“Fundamentos básicos da Psicotécnica”, ambos de Hugo Münsterberg, em 1913. Embora

em 1903, Walter Dill Scott tenha publicado, nos Estados Unidos, “The Theory and

Pratice of Advertising” (Spector, 2002).

É importante determo-nos um pouco nestes psicólogos para entender o contexto em

que surgiu a Psicologia Organizacional e começo de sua história.

Segundo Schultz e Schultz (1992), tanto Walter Dill Scott quanto Hugo

Münstenberg foram alunos de Wundt, criador da Psicologia Moderna, porém com o passar

do tempo ambos revelaram uma preocupação especial com a psicologia funcional e o lado

prático das coisas. 2 Nesta obra será adotada a denominação Psicologia Organizacional.

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Walter Dill Scott nasceu em 1869, nos Estados Unidos e começou a se dedicar à

idéia do aumento da eficiência aos doze anos de idade, pois como seu pai ficava

freqüentemente doente, o garoto praticamente dirigia a fazenda em que vivia. Ele teve sua

chance de tornar a psicologia mais aplicável a preocupações do mundo real, quando em

1902 foi procurado por um líder na área de publicidade que lhe pediu para empregar

princípios psicológicos à publicidade, com o objetivo de torná-la mais eficaz. Scott foi

ampliando sua experiência, reputação e contatos com a comunidade empresarial e, com

isso, voltou sua atenção para os problemas de seleção e administração de pessoal (Schultz

e Schultz, 1992).

De acordo com estes autores, quando os Estados Unidos entraram na Primeira

Guerra Mundial, em 1917, Scott ofereceu-se ao exército para ajudar na seleção de pessoal

militar. Já em 1919, fundou a sua própria empresa, a “The Scott Company”, que oferecia

serviços de consultoria nas áreas de seleção de pessoal e métodos de aumento da eficiência

do trabalhador para inúmeras empresas importantes.

Scott desenvolveu escalas de avaliação e testes de grupo para medir o seu trabalho

em seleção de pessoal, com base nas características de pessoas já bem sucedidas nessas

ocupações. Em seus testes Scott não procurava avaliar a natureza da inteligência geral da

pessoa como um conteúdo ou faculdade, mas medir o funcionamento da inteligência em

um ambiente real, ou seja, ele definia a inteligência em termos práticos tais como,

julgamento, rapidez e precisão. Seus testes eram aplicados em grupo e não individualmente

devido a pressão para que fosse avaliado rapidamente um grande numero de candidatos

(Schultz e Schultz, 1992).

Segundo os mesmos autores, Hugo Münsterberg, que nasceu em 1863, na

Alemanha, conquistou reputação de pesquisador respeitado na Europa por suas inúmeras

publicações em pesquisa experimental em psicofísica, mas mudou-se para os Estados

Unidos em 1892 para ser diretor do laboratório de psicologia da Universidade de Harvard.

Com isso, aos poucos, foi afastando-se da psicofísica e aproximando-se de temas tais

como, julgamentos nas cortes e do sistema de justiça criminal, propaganda de produtos de

consumo, aconselhamento vocacional, saúde mental, psicoterapia, psicologia educacional,

psicologia industrial e psicologia do cinema. Alem disso, atuou como consultor em

diversas empresas. Münsterberg sistematizou, desenvolveu e promoveu a Psicologia

Industrial, em 1909. Publicou um artigo onde falava sobre as várias áreas que acreditava

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que a psicologia poderia contribuir, tais como: orientação vocacional, publicidade,

administração de pessoal, testes mentais, motivação dos empregados, efeitos da fadiga e da

monotonia no desempenho da função. Para isto, fez pesquisas sobre ocupações diversas,

como por exemplo, capitães de navio, condutores de bondes, telefonistas, e vendedores.

“Ele afirmava que a melhor maneira de aumentar a eficiência no trabalho e

assegurar a harmonia no local de trabalho consistia em selecionar

trabalhadores para funções adequadas às suas capacidades mentais e

emocionais, E como os empregadores fariam isso da melhor forma? Mediante o

desenvolvimento de técnicas psicológicas de seleção como testes mentais e

simulações em que se podiam avaliar as várias aptidões e capacidades dos

candidatos.” (Schultz e Schultz, 1992, p. 200).

Retomando a história da Psicologia Organizacional, Walther (1963) ressalta que

antes da Psicologia Organizacional, a preocupação geral nas industrias era com os

instrumentos (as máquinas e as ferramentas) e com as instalações (para que fossem o mais

econômicas possíveis). Não havia o cuidado de verificar se as máquinas ou matérias-

primas estavam adaptadas ao operário, ou se o operário possuía todas as qualidades

requeridas para o pleno desenvolvimento de seu trabalho.

Também encontramos influência de diversos engenheiros no campo da psicologia

organizacional, tais como Taylor e Frank Gilbreth. Frank e sua esposa Lillian (que era

psicóloga), estudaram a forma pela qual as pessoas executam tarefas. Sua principal

contribuição foi o estudo do tempo e movimento, cujo objetivo era desenvolver uma

maneira mais eficiente de trabalho. Alguns historiadores dizem que Lillian foi a primeira a

receber o título de Ph.D. em psicologia organizacional, em 1915, porém a maioria dos

historiadores apontam Bruce V. Moore como o primeiro a receber esta distinção em 1921

(Spector, 2002).

Segundo este autor, o que impulsionou o desenvolvimento do campo da psicologia

organizacional, foi o uso da mesma pelas Forças Armadas dos Estados Unidos durante a

Primeira Guerra Mundial.

“Um dos maiores problemas para o exército era saber como colocar os novos

soldados em funções para as quais eles apresentavam maior adequação. Os

testes recém-inventados pareciam ser para os psicólogos uma maneira eficiente

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de resolver este problema. Assim, esta foi a primeira aplicação em larga escala

de testes psicológicos para colocação profissional de indivíduos” (Spector,

2002, p. 10).

De acordo com Zanelli, (1992), destacaram-se como líderes na aplicação da

Psicologia Organizacional durante a Primeira Guerra Mundial: Robert S. Yerkes, Walter

Van Dyke Bingham, Walter Dill Scott, Arthur S. Otis e Donald G. Paterson.

Depois da Guerra, os negócios, a indústria e o governo solicitaram os serviços dos

psicólogos para reformular suas políticas de pessoal (Schultz e Schultz, 1992). Neste

período, a Psicologia Organizacional expandiu-se para a maioria das áreas nas quais atua

até hoje. As organizações foram expandindo-se e começaram a contratar psicólogos

organizacionais para amenizar seus problemas funcionais, principalmente os relacionados a

produtividade. Foram fundadas consultorias na área, onde mediante remuneração os

psicólogos organizacionais prestavam seus serviços as empresas. Um dos maiores

exemplos de consultoria criada na época é a Psychological Corporation, fundada por James

McKeen Cattell, que mantém atividades até hoje (Spector, 2002). Zanelli (1992) destaca

como principais nomes da Psicologia Organizacional deste período: Morris Viteles, E. K.

Strong Jr., J. B. Miner, Bruce V. Moore, Elton Mayo e Fritz J. Roethilsberger.

Ainda neste período entre as duas Guerras Mundiais, ocorreram os estudos de

Hawthorne, na Western Electric Company, cujo objetivo era determinar que nível de

iluminação poderia produzir um desempenho otimizado de uma tarefa na fábrica, e cujo

resultado alcançado foi a descoberta de que os fatores sociais podem ser mais importantes

do que os fatores físicos no desempenho dos funcionários. Este estudo foi visto em seus

detalhes no capítulo anterior.

A Segunda Guerra Mundial levou inúmeros psicólogos a se envolverem diretamente

com o esforço de guerra. Eles lidaram com problemas diversos como seleção de soldados, a

colocação deles em diferentes trabalhos, treinamento, aspecto moral, avaliação de

desempenho, desenvolvimento de equipes e projetos de equipamentos para torná-los mais

compatíveis com as características e aptidões das pessoas que iriam usá-los (Spector,

2002). Destacam-se durante este período os psicólogos: Walter Van Dyke Bingham,

Marion Richardson, Dewey Stuitt, John Flanagan e Jack Dunlap (Zanelli, 1994).

O trabalho desenvolvido por Elton Mayo foi descrito com maiores detalhes no capítulo anterior.

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De acordo com Spector (2002), como resultado da guerra, a Associação Americana

de Psicologia (APA), abriu suas portas à psicologia aplicada e em 1944, foi criada a

Divisão 14 de Psicologia Comercial e Industrial, que atualmente é chamada de Sociedade

de Psicologia Industrial e Organizacional (SIOP).

A aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964, nos Estados Unidos, segundo

Spector (2002), causou um grande impacto na maneira como as organizações contratavam

e lidavam com seus funcionários, e mais uma vez os psicólogos foram chamados para

ajudar a criar procedimentos que pudessem eliminar as discriminações contra deficientes

físicos no ambiente de trabalho. Em 19913, uma nova lei que favorece os americanos com

invalidez teve grande impacto nas empresas e, novamente os psicólogos foram chamados

para ajudar as empresas a lidar com a situação.

Zanelli (1992) ressalta que a Psicologia Organizacional, sobretudo a partir de

década de 1930, sofreu grande influência de autores americanos. Este predomínio perdura

até os dias de hoje, embora a partir da década de 1980, em alguns aspectos, a área tenha

assumido características mais parecidas com as defendidas por autores europeus.

No Brasil, de acordo com Zanelli (1992), a Psicologia Organizacional passou a ser

conhecida na década de 1930 e estava vinculada ao IDORT (Instituto de Organização

Racional do Trabalho), porém o trabalho pioneiro da área no país ocorreu em 1925, no

Recife, com a criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional de Pernambuco, por

Ulisses Pernambuco, que era neurologista e psiquiatra.

O autor ressalta que neste período (década de 30), as atividades exercidas pelos

psicólogos organizacionais estavam relacionadas principalmente com recrutamento e

seleção mas também com treinamentos, uma vez que ainda havia grande influência dos

estudos da racionalização do trabalho, de Taylor e Fayol.

Zanelli (1992), também indica que sob circunstâncias da política imposta pelo

Estado Novo, o IDORT foi enfraquecido, porém foram criados outros serviços com a

mesma função, tais como o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em

1938, o Serviço de Seleção Profissional da Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1939, e o

Laboratório de Psicotécnica do SENAI, em 1942. Já em 1947 é estabelecido aquele que se

torna o mais importante centro de Psicologia aplicada ao trabalho no país, o Instituto de

Seleção e Orientação Profissional (ISOP). A criação destes institutos fortaleceu a 3 Mais uma vez cabe ressaltar que os saltos entre os períodos históricos contidos no texto acima, não se deram propositalmente, mas sim, devido a dificuldade de encontrar na literatura a História da Psicologia Organizacional.

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Psicologia Organizacional e teve fundamental significado para a profissionalização do

psicólogo no Brasil.

Durante a década de 1950 houve uma intensa luta por parte dos psicólogos em

busca da regulamentação da profissão e do processo formativo. Cabe ressaltar que, neste

período as atividades do psicólogo no Brasil eram dominadas pela Psicometria. Quando a

profissão de psicólogo é regulamentada, na primeira metade da década de 1960, é definido

o currículo mínimo para o ensino da psicologia. Embora a Psicologia Organizacional já

tivesse uma história de 30 anos de trabalho no país, este campo de atuação é deixado de

lado pelos alunos e professores que demonstram mais interesse pela Psicologia Clínica

(Zanelli, 1992).

O autor salienta que as atividades do psicólogo, no que tange às organizações,

estabelecidas na Lei 4.119, Art. 13, § 1º, de 27 de agosto de 1962, são: realização de

diagnóstico psicológico, orientação e mensuração psicológica para processos de seleção

profissional, orientação psicopedagógica e solução de problemas de ajustamento. Já na

época da regulamentação da profissão tais atividades estavam defasadas, pois não

comportam a gama de atividades que o psicólogo pode desenvolver na organização.

“... Não se tem a intenção de passar uma idéia de prática rigidamente

conformada pela lei. É comum ouvir-se que o que é regulamentado decorre das

novas configurações das atividades reais de trabalho. Ou seja, regulamentar

significa formalizar o que já vem sendo praticado ou o que tem amplo potencial

de ser desenvolvido. Assim, também as alterações no âmbito do exercício não

são precedidas por regulamentos. No entanto, é preciso notar, os parâmetros

legais da atuação dos psicólogos nas organizações transmitem uma idéia

bastante acanhada das possibilidades do exercício – reflexo da prática que vem

ocorrendo efetivamente.” (Zanelli, 1992, p. 16).

Segundo Zanelli (1992), o Conselho Federal de Psicologia, em 1988,

realizou levantamento das atividades desenvolvidas pelos psicólogos, e de acordo

com esta pesquisa atribui-se ao psicólogo organizacional as seguintes atividades:

seleção, aplicação de testes, recrutamento, acompanhamento de pessoal,

treinamento, avaliação de desempenho, análise de função / ocupação,

planejamento / execução de projetos, desenvolvimento organizacional, triagem,

cargo administrativo, assessoria, análise de cargos / salários, aconselhamento

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psicológico, diagnóstico situacional, supervisão de estágios acadêmicos,

orientação / treinamento paraprofissionais, psicodiagnóstico e consultoria.

O autor conta que em 1990, dois autores (Muchinsky e Howard) dividem a

Psicologia Organizacional em subsistemas, porém estes autores não concordam totalmente

quanto as características destes subsistemas. Muchinsky divide a área em seis subsistemas:

Psicologia de Pessoal: ramo mais tradicional da área. Concentra-se nos aspectos das

diferenças individuais, determinando os requisitos do trabalho, realizando seleção,

avaliando o desempenho e treinando o pessoal.

Comportamento Organizacional: estuda a formação e o funcionamento dos grupos, os

estilos de liderança, o comprometimento com os objetivos da organização, os padrões de

comunicação, entre outros assuntos.

Ergonomia: busca compreender o desempenho humano no trabalho associado às

relações estabelecidas pelos sistemas homem-máquina.

Aconselhamento de Carreira e Vocacional: preocupa-se com a integração da pessoa e

o trabalho, visando à satisfação do trabalhador, ajuda a pessoa a escolher atividades

compatíveis com suas habilidades e interesses.

Desenvolvimento Organizacional: busca-se a eficiência da organização através do

diagnóstico de seus problemas e o planejamento de mudanças.

Relações Industriais: diz respeito aos problemas das relações entre empregados e

empregadores. Interação com sindicatos e intermediação de negociações entre os segmentos

da força de trabalho também fazem parte deste subsistema.

Já Howard, baseado em pesquisa realizada com cerca de dois mil afiliados da SIOP

(Sociedade de Psicologia Industrial e Organizacional) e da APA (Associação Americana de

Psicologia), divide a Psicologia Organizacional em cinco grupos:

Avaliação Individual: seleção, testagem, análise do trabalho, emprego eqüitativo,

questões legais, desempenho no trabalho, avaliação de desempenho, estatística, métodos de

pesquisa, diferenças individuais.

Treinamento: o treinamento em si e avaliação do programa.

Comportamento Organizacional: atitudes, surveys, satisfação no trabalho, turnover,

relações trabalhistas, qualidade de vida no trabalho, planejamento no trabalho,

comportamento organizacional, motivação no trabalho, produtividade, sistema de

recompensa.

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Desenvolvimento Organizacional: cultura / clima, desenvolvimento organizacional,

liderança, administração, tomada de decisão, solução de problemas, processos grupais,

relações intergrupais, resolução de conflitos, poder, comunicação.

Desenvolvimento do empregado: desenvolvimento de carreira, aconselhamento do

empregado, questões de gênero sexual, trabalho e família, estresse, ética.

“Durante o século XXI, a psicologia organizacional certamente continuará a se

desenvolver e progredir em todo o mundo. A prática vem se espalhando rapidamente, à medida

que as técnicas ganham aceitação em muitos lugares. O interesse internacional pelo campo da

psicologia organizacional é claramente indicado pela rápida disseminação dos programas de

Mestrado e de Doutorado em psicologia organizacional fora dos Estados Unidos. Embora o foco

dos psicólogos organizacionais possa diferir de um país para o outro, como foi o visto nos tópicos

de pesquisa, o campo dispõe de uma enorme variedade de métodos e técnicas que podem ser úteis

no tratamento das questões do trabalho nas organizações.” (Spector, 2002, p. 13).

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Capítulo 3

Pressupostos Teórico – Metodológicos

I. Introdução a Psicologia Sócio-Histórica:

A Psicologia surgiu em 1875 a partir de Wundt, que estabeleceu como objeto de

estudo a experiência consciente trazendo características valorizadas pelos grandes

pensadores deste período, tais como o caráter experimental, empírico e quantitativo. De

acordo com Bock (2001), a psicologia teve grande influência do positivismo e buscava

compreender o homem como dotado de capacidades naturais a priori e regulado por leis,

mas não considerava como parte do mesmo fenômeno contradições como interno-externo,

subjetivo-objetivo, entre outros.

Ainda de acordo com Bock (2001), como Wundt não tinha os instrumentos

metodológicos para solucionar essas contradições, ele propunha duas psicologias, uma

Psicologia Experimental e uma Psicologia Social. Mantinha uma perspectiva mecanicista,

pois pressupunha que o homem fosse uma máquina dotada de funcionamento próprio, que

portanto pode ser conhecido, e uma perspectiva determinista, por pressupor causa para os

comportamentos que observamos. Cabe ressaltar que ambas as visões trazem uma

compreensão incompleta do fenômeno psicológico por considerar apenas um dos pólos da

dicotomia interno e externo.

Os cientistas que se propuseram a estudar Psicologia depois de Wundt optaram por

um dos lados da dicotomia para aprofundar seus estudos, sem se preocupar em resolver as

dicotomias.

Uma possibilidade de superação dessas visões dicotômicas e, além disso, uma nova

proposta teórica, filosófica e metodológica, surge com a Psicologia Sócio-Histórica ,

baseada na Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski, que por sua vez também se baseou

nas concepções marxistas (Bock, 2001).

“A Psicologia Sócio-Histórica carrega consigo a possibilidade de crítica. Não

apenas por uma intencionalidade de quem a produz, mas por seus fundamentos

epistemológicos e teóricos.” (Bock, 2001, p.17).

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O pensamento marxista, por sua vez, é reflexo do momento histórico no qual

aparece, período em que ocorrem crises no sistema capitalista e indagações sobre

hegemonia burguesa. Surgiu como contraposição ao pensamento liberal, considerado

produção ideológica da burguesia (Gonçalves, 2001).

“E, metodologicamente, representa uma alternativa à visão dominante objetivista,

que reduzia ou excluía a subjetividade do processo social ou a apresentava como

uma essência do sujeito individual.” (Gonçalves, 2001, p. 50).

De acordo com Bock (2001), a filosofia, a teoria e o método da Psicologia Sócio-

Histórica estão baseados no materialismo histórico e dialético. Na perspectiva materialista,

as idéias existem independente da razão, e suas leis podem ser apreendidas. Já na

perspectiva dialética, a transformação é conseqüência do movimento de contradição e sua

superação, as antinomias não podem ser separadas, pois fazem parte do mesmo fenômeno.

Segundo a autora, a concepção histórica reúne o materialismo e a dialética, ou seja,

a história só pode ser compreendida como uma construção material humana, em constante

contradição, superação e transformação. As leis que regem a sociedade no decorrer dos

tempos não são naturais, mas historicamente criadas pela atividade produtiva e pelas

relações sociais.

“Assim, a Psicologia Sócio-Histórica produzirá conhecimentos com outros

pressupostos, abandonando a pretensa neutralidade do positivismo, a enganosa

objetividade do cientista, a positividade dos fenômenos e o idealismo, colando sua

produção à materialidade do mundo e criando a possibilidade de uma ciência

crítica à ideologia até então produzida e uma profissão posicionada a favor das

melhores condições de vida, necessários à saúde psicológica dos homens de nossa

sociedade.” (Bock, 2001, p.35.)

II. Pressupostos Teóricos:

Segundo Aguiar e Ozella (2006), Vigotski ao apresentar como princípio o método

materialista histórico e dialético, faz uma crítica ao reducionismo e à visão dicotomizada

da objetividade e subjetividade.

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“Desde 1927, quando escreve O Significado Histórico da Crise da Psicologia –

Uma investigação metodológica, Vigotski destaca a importância de um método que

desse conta da complexidade do que entendia como objeto da psicologia, ou seja, o

Homem e suas funções psicológicas. Fica evidente, que a psicologia seria

impotente para superar as tarefas práticas que se lhe apresentavam se não

contasse com uma infra estrutura lógico metodológica própria. Revela-se desta

forma, nas reflexões do autor, a necessidade de uma teoria que fizesse a mediação

entre o método materialista histórico e os fenômenos psíquicos.” (Aguiar e Ozella,

2006, p. 224).

Os autores descrevem o homem como síntese de múltiplas determinações, ou seja,

histórico, singular e social, que constitui a sua singularidade através das mediações sociais.

“A categoria mediação não tem, portanto a função de apenas ligar a

singularidade e a universalidade, mas de ser o centro organizador objetivo dessa

relação. Ao utilizarmos a categoria mediação possibilitamos a utilização, a

intervenção de um elemento/um processo, em uma relação que antes era vista

como direta, permitindo-nos pensar em objetos/processos, ausentes até então.

Assim, ..., subjetividade e objetividade, externo e interno, nesta perspectiva, não

podem ser vistos numa relação dicotômica e imediata, mas como elementos que,

apesar de diferentes, se constituem mutuamente, possibilitando um a existência

do outro numa relação de mediação.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 225).

Segundo os mesmos autores, a Psicologia Sócio-Histórica estabelece como objeto

da psicologia este homem e suas funções psicológicas superiores: pensamento, linguagem,

entre outros.

O pensamento e a linguagem se desenvolvem de acordo com a internalização

simbólica da realidade material em decorrência da mediação proporcionada pelo signo. A

linguagem é o instrumento fundamental no processo de constituição do homem, pois é

através de linguagem que o indivíduo modifica e transforma o social em psicológico,

criando a possibilidade do novo. (Aguiar e Ozella, 2006).

Para Vigotski (2000), a linguagem é constituída de forma evolutiva, pois não é

somente o conteúdo de uma palavra que se altera com o passar do tempo, mas também é

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alterado o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida em uma palavra. A palavra

e o pensamento formam um ao outro, se relacionam e se alteram mutuamente, no entanto,

permanecem distintos. Além disso, nem todo pensamento se torna fala e a palavra não

contém toda a riqueza de elementos do pensamento. Ou seja, para entendermos o

movimento do pensamento, temos que analisar seu processo. O pensamento é expresso em

palavras e as palavras têm significados. Ao apreendermos o significado da palavra,

compreendemos o pensamento.

“Temos assim que a relação pensamento - linguagem não pode ser outra que não

de uma relação de mediação, na qual ao mesmo tempo que um elemento não se

confunde com o outro, não pode ser compreendido sem o outro, onde um constitui

o outro.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 226).

O pensamento e a linguagem possuem grande complexidade. Aguiar e Ozella

(2006) descrevem a impossibilidade de conhecer os inumeráveis sentidos, sendo possível à

aproximação de apenas algumas “zonas de sentido”, pois para compreender o pensamento

além das categorias significado e sentido, é importante ressaltar a inseparabilidade entre

pensamento e emoção, simbólico e afetivo, uma vez que o pensamento é um movimento

em que motivações, necessidades e interesses estão implicados.

“As necessidades estão sendo entendidas como um estado de carência do indivíduo

que leva a sua ativação com vistas a sua satisfação, dependendo das suas

condições de existência. Temos assim, que as necessidades se constituem e se

revelam a partir de um processo de configuração das relações sociais, processo

este que é único, singular, subjetivo e histórico ao mesmo tempo. Além disso, é

fundamental ressaltar que, pelas características do processo de configuração, o

sujeito não necessariamente tem o controle e muitas vezes a consciência do

movimento de constituição das suas necessidades. Assim, tal processo só pode ser

entendido como fruto de um tipo específico de registro cognitivo e emocional, ou

seja, a constituição das necessidades se dá de forma não intencional, tendo nas

emoções um componente fundamental. Pode-se dizer que tais registros

constitutivos das necessidades não necessariamente são provenientes das

significações, podendo se constituir em afecções que ainda não foram

significadas.”(Aguiar e Ozella, 2006, p. 227).

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As necessidades porém, não dão uma direção ao comportamento, o significar algo

no mundo social (que o individuo reconheça como possível de satisfazer suas

necessidades) é que impulsiona o individuo para a ação de satisfazer as suas necessidades.

E este movimento de significar algo para que possa realizar uma atividade que leve a

satisfação de uma necessidade, modifica o sujeito, cria novas necessidades e novas formas

de atividade.

“Afirmamos, assim, que a necessidade não conhece seu objeto de satisfação, ela

completa sua função quando o “descobre” na realidade social. Entendemos que este

movimento se define como a configuração das necessidades em motivos. Com isto

estamos dizendo que os motivos se constituirão como tal somente no encontro com

o sujeito, no momento que o sujeito o configurar como possível de satisfazer as

suas necessidades.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 228).

A união entre o pensamento (atividade simbólica) e o trabalho (atividade prática)

formam o psiquismo. Até então, entendemos o funcionamento do pensamento, mas

também precisamos conhecer outras duas categorias de análise: Consciência e Atividade,

pois elas, de acordo com Aguiar (2001), nos permitem nomear a relação do homem com o

mundo, que expressam e contêm o processo de construção do fenômeno psicológico.

Segundo a autora, as formas de agir, pensar e sentir constituem a condição humana

e conseqüentemente a consciência, visto que o homem é um ser ativo, social e histórico.

Ela também afirma que a consciência se constitui a partir dos signos, ou seja, de

instrumentos construídos pela cultura e pelos outros que, quando internalizados, se tornam

instrumentos internos e subjetivos.

“... a consciência deve ser vista como um sistema integrado, numa

processualidade permanente, determinada pelas condições sociais e históricas,

que num processo de conversão se transformam em produções simbólicas, em

construções singulares.” (Aguiar, 2001, p. 98).

O movimento de apropriação envolve a atividade do sujeito, pois ao transformar a

natureza com sua atividade por meio dos instrumentos, o homem também está

transformando a si próprio (Aguiar, 2001).

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É importante ressaltar que a atividade de cada indivíduo é determinada pela forma

como a sociedade se organiza para o trabalho, sendo que trabalho é a transformação da

natureza para a produção da existência humana (Aguiar, 2001).

Para entendermos melhor as funções psicológicas superiores, propostas por

Vigotski, devemos compreender as categorias signo, significado e sentido.

O signo, segundo Vigotski (2000), está na base do significado, é ele quem media a relação do homem com o mundo, ele age como um instrumento da atividade psicológica com papel semelhante ao de um instrumento no trabalho. Embora não existam muitas semelhanças entre os instrumentos e os signos, de acordo com Vigostski (1994):

“... A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana

sobre o objeto da atividade, ele é orientado externamente; deve necessariamente

levar a mudança nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana

externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado,

não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio de

atividade interno dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é

orientado internamente.” (p.72.).

As operações com signos são a base da internalização, ou seja, da reconstrução

interna de uma operação externa. Este processo consiste em uma série de transformações,

uma vez que é necessário que seja reconstruído e comece a ocorrer internamente uma

operação que inicialmente represente uma atividade externa, e a seguir um processo

interpessoal precisa ser transformado em um processo intrapessoal.

Significado, segundo Vigotski (2000), é um fenômeno da linguagem e do

pensamento. De acordo com Aguiar e Ozella (2006), é definido, no campo psicológico,

como uma generalização dos conteúdos que formam um conceito e é compartilhado pelo

grupo social.

Vigotski (1994) ressalta que o significado é conseqüência do processo evolutivo

humano e social. São construções históricas provenientes da conversão da atividade

concreta em atividade simbólica, transmitidos culturalmente. São mais estáveis que os

sentidos, mas se alteram com o tempo, assim como a realidade que os produz.

“Os significados referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos,

compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas

próprias subjetividades.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 226).

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Sentido, por sua vez, para Vigotski (2000):

“... é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa

consciência.” (p. 181).

O sentido não é puramente cognitivo como o significado, pois é mediado pela

emoção, ele quebra a cristalização do significado uma vez que mostra que o significado

pode mudar ao longo da história. Portanto, os sentidos se referem à relação mediada entre

indivíduo e sociedade, mas se aproxima mais da história subjetiva do sujeito, desta maneira

se torna mais abrangente e mais flexível que o significado.

III. Pressupostos Metodológicos:

O método da Psicologia Sócio-Histórica procura através da palavra, alcançar

significados e sentidos, o simbólico e afetivo, em síntese, compreender os mediadores da

constituição social e histórica do sujeito (Aguiar e Ozella, 2006). Seu desenvolvimento foi

conseqüência da superação de pressupostos positivistas, que compunham um método

objetivo para compreender a subjetividade, dicotomizando o sujeito da realidade concreta,

descrevendo-o como estático. O positivismo buscava a neutralidade no método de

pesquisa, a predição, controle e replicação dos eventos psicológicos, promovendo uma

visão naturalista do homem (Ozella, 2003).

Segundo Ozella (2003), Vigotski a partir do método materialista histórico e

dialético, iniciou questionamentos acerca da adequação do método quantitativo para a

compreensão das funções superiores, propondo que a psicologia desenvolvesse um método

qualitativo como resposta aos limites da ciência natural para complexidade de seu objeto.

De acordo com o autor (2003), Vigotski percebe que a metodologia da ciência positivista,

utilizada até então, não dá conta do objeto de estudo a que se propõe, isto é, o homem e

suas funções psicológicas superiores.

O problema do método positivista se encontra na concepção de homem e mundo

adotada: o homem deveria ser neutro para produzir um conhecimento válido, deveria

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observar, anotar e mensurar todas as informações disponíveis, sem envolver-se com o

objeto de estudo, isto é, a concepção de relação pesquisador X objeto pressupõe uma

concepção de homem determinado pelos eventos que podem ser controlados. Vigotski nota

que um método não pode ser alheio à realidade, e Aguiar (2001) relata sobre isso: “falamos

de um homem que se constitui numa relação dialética, com o social e a história, um

homem que, ao mesmo tempo, é único, singular e histórico” (p. 129).

Gonzalez Rey (1999) apresenta reflexões coerentes e complementares à Vigotski ao

afirmar que além de um método, a pesquisa da subjetividade e da singularidade necessita

de um embasamento epistemológico.

González Rey acredita que a construção teórica é produzida no processo de

pesquisa, juntamente com a construção de conhecimento. Por isso, a pesquisa não é neutra,

como propõe a ciência positivista, pois tanto o pesquisador quanto seu objeto de estudo

interagem, entre si e com o mundo, para que haja a construção de conhecimento. Seu

desenvolvimento foi conseqüência da superação de pressupostos positivistas, que

compunham um método objetivo para compreender a subjetividade, dicotomizando o

sujeito da realidade concreta, descrevendo-o como estático. O positivismo buscava a

neutralidade no método de pesquisa, a predição, controle e replicação dos eventos

psicológicos, promovendo uma visão naturalista do homem (Ozella, 2003).

A pesquisa qualitativa não se definiria apenas nos aspectos instrumentais, mas

fundamentalmente nos teóricos e epistemológicos. De acordo com Gonzalez Rey (1999):

“La investigación cualitativa no responde a una definición instrumental, es una

definición epistemologíca y teórica apoyada em procesos diferentes de

construcción del conocimiento, los cuales se orientan hacia el estudio de un

objeto distinto de aquel planteado por la investigación cuantitativa tradicional

em psicología. La investigación cualitativa se orienta al conocimiento de un

objeto complejo: la subjetividad, cuyas unidades están implicadas de forma

simultánea en diferentes procesos constitutivos del todo, los cuales cambian

frente al contexto en se expresa del sujeto concreto. La historia y el contexto que

caracterizan el desarollo del sujeto, marcan su profunda singularidad, la cual no

es más que una expresión de la riqueza y plasticidad del fenómeno subjetivo.”

(p. 55).

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Segundo Ozella (2003), o método qualitativo para Vigotski permitiria compreender

o mundo interno humano como um processo, não estático, mas dinâmico em constante

transformação, inseparável do mundo externo. Neste sentido, Gonzalez Rey acrescenta que

a própria pesquisa não pode ser neutra, pois pesquisador e pesquisado interagem na

construção de conhecimento.

O autor relata que tanto para Gonzalez Rey, como para Vigotski a análise científica

não pode ser restrita a descrição dos dados, é necessária sua interpretação. No entanto para

o primeiro, a descrição é uma etapa da produção construtivo-interpretativa, e se caracteriza

por ser “... uma construção teórica que vai sendo elaborada durante o processo mesmo de

investigação e que vai se ampliando à medida que vão aparecendo indicadores que

permitam compreender de forma mais ampla o fenômeno estudado.” (p. 120).

Além disso, de acordo com Ozella (2003), Gonzalez-Rey aponta o caráter

integrativo do processo de produção do conhecimento e o significado da singularidade

como um nível legitimo da produção do conhecimento como princípios da epistemologia

qualitativa. Assim:

“Ao invés de ter como objetivos a predição, a descrição (apesar desta fazer

parte como uma etapa da investigação) e o controle, a abordagem qualitativa

pretende conhecer, esclarecer, entender e interpretar os processos que

constituem os fenômenos, objetos de investigação.” (p. 122)

O mesmo autor destaca que para a pesquisa qualitativa, a quantidade de sujeitos na

amostra não define sua representatividade, mas a riqueza de seu conteúdo, seus

significados e sentidos. O autor acrescenta que a generalização não pode ser considerada

apenas no âmbito estatístico, mas como possibilidade de construção de conhecimento e

ampliação de produções teóricas.

Portanto, a Psicologia Sócio-Histórica ao procurar compreender a atividade

científica num processo mediado por relações sociais, históricas e dialéticas, ao considerar

a produção de conhecimento como construída pelo homem, que interage com seu objeto de

estudo; encontra na epistemologia qualitativa o método e a teoria que abarcam a

complexidade de sua proposta de pesquisa.

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IV. Procedimentos Metodológicos:

A posição adotada nesta pesquisa em relação à investigação ou à produção de

conhecimento é norteada pela epistemologia qualitativa, que procura atingir uma

compreensão dos processos pessoais e sociais presentes e, quando possível, superar a mera

descrição em direção à interpretação do fenômeno em seus níveis particulares.

Para a realização da pesquisa foram contatadas empresas que atuam na área de

Recursos Humanos, mais especificamente no departamento de Recrutamento e Seleção da

cidade de São Paulo. Ao final, foram realizadas entrevistas com indivíduos de empresas

diferentes, ao contrário do que estava proposto no princípio da pesquisa.

Sujeitos:

Participam deste estudo psicólogos (selecionadores) e pessoas comuns que se

encontravam na empresa para uma entrevista de emprego (selecionados).

O selecionador que participou desta pesquisa será chamado do R., é do sexo

feminino e trabalha em uma empresa que atua na área de saúde há mais ou menos 5 anos,

sendo que há pouco mais de um anos está trabalhando no departamento da Recursos

Humanos.

Já o selecionado, será chamado de G., também é do sexo feminino, tem 18 anos e

acabara de passar por uma entrevista de seleção para atendente em uma empresa do ramo

de materiais de construção.

Instrumentos:

O instrumento utilizado para esta pesquisa foi uma entrevista semidirigida. Não

existiram questões pré-definidas, mas sim temas que foram abordados: “significado de

emprego”, “empregabilidade”, “crenças em relação à entrevista”, “expectativas em relação

à entrevista” e “expectativas em relação àquela vaga”, caracterizando um roteiro e não um

questionário (série de perguntas).

Procedimentos:

As entrevistas foram realizadas nas empresas que se dispuseram a colaborar com a

pesquisa, no caso da selecionada logo após a entrevista de emprego, e no caso da

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selecionadora, em um dia em que não houve entrevistas. Posteriormente as entrevistas

foram transcritas e analisadas (Anexos I e II).

Aspectos Éticos:

A pesquisa foi realizada tendo como base atender os deveres institucionais básicos

da honestidade, sinceridade, competência e da descrição; pesquisar adequada e

independentemente, além de buscar aprimorar e promover o respeito à sua profissão; não

fazer pesquisas que possam causar riscos não justificados às pessoas envolvidas; não violar

as normas do consentimento informado; não converter recursos públicos em benefícios

pessoais; não prejudicar seriamente o meio ambiente ou conter erros previsíveis ou

evitáveis; comunicar ao possível sujeito todas as informações necessárias para um

adequado consentimento informado; propiciar ao possível sujeito plena oportunidade e

encorajamento para fazer perguntas; excluir a possibilidade de engano injustificado,

influência indevida e intimidação; solicitar o consentimento apenas quando o possível

sujeito tenha conhecimento adequado dos fatos relevantes e das conseqüências de sua

participação e tenha tido oportunidade suficiente para considerar se quer participar.

Os sujeitos que participaram desta pesquisa assinaram um Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (Anexo III).

Plano de análise:

A análise das entrevistas se deu após a sua transcrição, buscando identificar, através

de leituras flutuantes, padrões semelhantes ou destoantes de respostas dos indivíduos

(Aguiar e Ozella, 2006). Assim, de acordo com os autores, primeiramente foram

encontrados pré-indicadores, após nova leitura flutuante foram encontrados indicadores e

por último, após nova leitura flutuante os conteúdos das entrevistas foram reunidos em

núcleos de significação. A seguir, estes núcleos de significação foram analisados com

relação ao contexto sócio-econômico atual, buscando-se compreender conhecimento do

papel da entrevista em um processo seletivo e suas repercussões nos sentidos e significados

do selecionado e do selecionador.

A seguir temos o capítulo da análise das entrevistas e o das Considerações Finais.

No capítulo de análise das entrevistas encontramos o passa a passo indicado acima no

plano de análise, primeiro teremos os pré-indicadores, após os indicadores e por ultimo, os

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núcleos de significação de cada individuo que participou desta pesquisa, bem como a

análise propriamente dita. Já no capítulo das Considerações finais teremos um breve

comparativo entre os resultados encontrados nas análises de ambas as entrevistas.

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Capítulo 4

Análise dos sentidos e significados dos selecionado e do selecionador

I. Análise dos sentidos e significados dos selecionado

A partir da entrevista gravada e transcrita foi realizada uma leitura flutuante e em seguida um levantamento de temas/ conteúdos que se destacaram na fala de G., estes temas são expressos em palavras, que por serem sempre significadas em seu contexto, ajudam a enxergar os pré-indicadores, constituintes da realidade do sujeito. Abaixo segue a lista dos pré-indicadores encontrados na fala de G.:

1) Procurar emprego; 2) Término dos estudos; 3) Estudar X Trabalhar; 4) Trabalho como

necessidade; 5) Trabalho e responsabilidades; 6) Busca por outras oportunidades; 7)

Estabelecimento de prioridades; 8) Hábito de trabalhar; 9) Possibilidade de realização; 10)

Objetivo de vida; 11) Sacrifícios; 12) Oportunidades / alta empregabilidade; 13) Escolhas;

14) Falta de oportunidades; 15) Esperança X Desesperança; 16) Encaminhamentos; 17)

Incertezas / Dúvidas; 18) Experiência; 19) Competências; 20) Baixa empregabilidade; 21)

Motivação; 22) Cultura e experiências; 23) Obstáculos; 24) Aprendizado contínuo; 25)

“Vocação” / Habilidades; 26) Troca de Conhecimentos; 27) Necessidade de emprego; 28)

Remuneração; 29) Incentivos; 30) Carga Horária; 31) Responsabilidade; 32) Busca por

autonomia; 33) Colaboração; 34) Fazer o que gosta; 35) Trabalhar com público; 36)

Reconhecimento público; 37) Reconhecimento; 38) Necessidade X Vontade; 39) Futuro;

40) Ética; 41) Psicólogo = mágico; 42) Desenho; 43) Discurso; 44) Dinâmica; 45)

Redação; 46) Etapas de Seleção; 47) Ansiedade; 48) Auto-confiança; 49) Postura do

entrevistador; 50) Religiosidade (Fé); 51) Nervosismo como dificultador; 52) Nervosismo

frente à entrevista; 53) Versatilidade; 54) Necessidade de aperfeiçoamento; 55) História

pessoal; 56) Aparência; 57) Comunicação; 58) Adaptação; 59) Esforço; 60) Autoritarismo

e clima organizacional ruim; 61) Chefe superior imediato; 62) Restrição à Liberdade; 63)

Habilidade; 64) Critérios de procura de emprego; 65) Meios de obtenção de emprego.

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Após a definição dos pré-indicadores foi realizada uma nova leitura permite o

processo de aglutinação dos pré-indicadores. De acordo com Aguiar e Ozella (2006), este

processo de aglutinação se dá por similaridade, complementaridade ou contraposição.

“Estes critérios para aglutinação não são necessariamente isolados entre si.

Por exemplo, alguns indicadores podem ser complementares pela

semelhança do mesmo modo que pela contraposição: um fato identificado

como pré-indicador, ao ser aglutinado pode indicar o caráter

impulsionador/motivador para ação em uma determinada condição.

Inversamente, o mesmo fato, pode funcionar como paralisador da ação em

outro momento, mas ambos podem ser indicadores importantes no processo

de análise.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 231).

Este processo de aglutinação permitiu a inferência e sistematização dos seguintes indicadores:

PRÉ-INDICADORES INDICADORES

24) Aprendizado contínuo

26) Troca de Conhecimentos

33) Colaboração

54) Necessidade de aperfeiçoamento

1) Troca de Experiências

4) Trabalho como necessidade

5) Trabalho e responsabilidades

8) Hábito de trabalhar

21) Motivação

27) Necessidade de emprego

38) Necessidade X Vontade

40) Ética

60) Esforço

2) Valores que o trabalho agrega ao

indivíduo

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1) Procurar emprego

3) Estudar X Trabalhar

6) Busca por outras oportunidades

7) Estabelecimento de prioridades

12) Oportunidades / alta empregabilidade

13) Escolhas

14) Falta de oportunidades

17) Incertezas / Dúvidas

20) Baixa empregabilidade

38) Necessidade X Vontade

51) Nervosismo como dificultador

52) Nervosismo frente à entrevista

53) Versatilidade

64) Critérios de procura de emprego

65) Meios de obtenção de emprego

3) A realidade multifacetada da procura por

um emprego

11) Sacrifícios

15) Esperança X Desesperança

23) Obstáculos

29) Incentivos

31) Responsabilidade

40) Ética

59) Esforço

60) Autoritarismo e clima organizacional

ruim

62) Restrição à Liberdade

4) Estratégias utilizadas para enfrentar e

superar as dificuldades

28) Remuneração

30) Carga Horária

40) Ética

61) Chefe superior imediato

5) Fatores que influenciam no trabalhar

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9) Possibilidade de realização

10) Objetivo de vida

18) Experiência

19) Competências

21) Motivação

22) Cultura e experiências

25) “Vocação” / Habilidades

32) Busca por autonomia

34) Fazer o que gosta

35) Trabalhar com público

36) Reconhecimento público

37) Reconhecimento

39) Futuro

48) Auto-confiança

50) Religiosidade (Fé)

55) História pessoal

63) Habilidade

6) Características importantes no processo

seletivo

41) Psicólogo = mágico

49) Postura do entrevistador 7) Crenças sobre o selecionador

16) Encaminhamentos

42) Desenho

43) Discurso

44) Dinâmica

45) Redação

46) Etapas de Seleção

47) Ansiedade

56) Aparência

57) Comunicação

8) Fatores que influenciam no processo

seletivo

Ao finalizar este processo, parte-se para a terceira fase do processo de análise da entrevista, que consiste na inferência e sistematização de núcleos de significação. Nesta

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fase articulamos conteúdos semelhantes, complementares ou opostos dos indicadores e que, além disso, revelem pontos que tragam implicações para o sujeito. São eles:

INDICADORES NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO

6) Características importantes no processo

seletivo

7) Crenças sobre o selecionador

8) Fatores que influenciam no processo

seletivo

1) A redação enquanto principal método de

avaliação em um processo seletivo

1) Troca de experiências

2) Valores que o trabalho agrega ao

indivíduo

3) A realidade multifacetada da procura por

um emprego

4) Estratégias utilizadas para enfrentar e

superar as dificuldades

5) Fatores que influenciam no trabalhar

2) O trabalho enquanto forma de aprendizado contínuo dos indivíduos.

NÚCLEO 1: A redação enquanto principal método de avaliação em um processo seletivo

Nos dias de hoje, percebe-se cada vez mais uma flutuação do mercado de trabalho,

onde, as vezes, existem inúmeras vagas para pouca mão-de-obra disponível e, as vezes, há

muita mão-de-obra disponível e os empregadores exigem cada vez mais qualificações do

candidato.

“Sabe, teve... quando eu comecei a procurar emprego, no comecinho eu achei

que, nossa, nunca vi tantas oportunidades vindo de uma vez só, aí eu fiquei até

confusa, tanto que eu saí de um emprego pro outro. Agora não, agora não sei

o que aconteceu que desabo assim, sabe? Tá super difícil de arrumar...”

No discurso de G., percebe-se que a entrevista de emprego passa a ter inúmeros

significados e/ ou sentidos.

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“Eu acho que ela avaliou mais as minhas experiências e o meu modo de falar,

né? Eu acho que isso ela avaliou bastante.”

Para G. o sentido da entrevista de seleção é constituído por formas de avaliação do

modo de falar, de se expressar, de se comunicar, principalmente a redação. Assim, para G.

a redação seria um signo, pois, de acordo com Vigotski (2000), o signo é quem media a

relação do homem com o mundo, ele age como um instrumento da atividade psicológica

com papel semelhante ao de um instrumento no trabalho.

“Não... Acho que eu também vou ter que fazer redação, né? Que redação eu

adoro fazer... gosto de fazer redação, então acho que vai ter com certeza...

sempre tem uma redação...”

Além disso, a experiência também ajuda a construir o sentido da entrevista de

seleção.

“... eu procuro em qualquer coisa, mas sempre vem mais vendas por causa da

minha experiência, né?”

O profissional que faz a seleção (selecionador) também têm um significado para G.

Para ela dependendo de como este profissional conduz a entrevista pode ajudar ou

atrapalhar o candidato, pois pode dificultar a expressão do candidato, que como vimos

acima é um dos principais elementos constituintes do sentido de entrevista de seleção.

“É eu fico pensando assim... na verdade eu fico pensando no jeito da pessoa

ser, que tem gente que são super sérias, bravas... e eu, as vezes, tenho medo

de gente assim... por ser entrevistas, né? Dá medo de gente assim, dá um

medinho... mas eu... eu sempre penso que eu tenho que me dar bem, e isso

que eu sempre penso, mas infelizmente nem sempre é assim, né? E eu fico na

expectativa de saber, né? Como que é lá, como que ela é, essas coisas...”

Quando este profissional selecionador é um (a) psicólogo (a), inúmeros outros

significados são atribuídos. Este profissional é o que mais intriga os selecionados pois, eles

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não conhecem o modo como este profissional trabalha, suas ferramentas para avaliação.

Com relação ao trabalho do psicólogo, ela não tem a menor noção de como seus

comportamentos e falas são significados. Embora ela nunca tenha participado por um

processo seletivo com um psicólogo, demonstra insegurança com relação ao que acontecerá

com ela ao passar por um.

“Bom, ela falou assim que eu vou passar por uma prova na psicóloga lá...

esses negócios... acho que vou fazer... minha irmã sempre falou que em

provas assim, fico imaginando, que eles mostram um desenho, assim... e

mandam você falar o que é que é aquilo, e eu vou falar o que eu penso, né?

Fico imaginando assim... essas provas assim, dinâmicas, essas coisas...”

De acordo com o discurso de G., percebe-se que o psicólogo adquire um sentido mágico, misterioso, que tem o poder de adivinhar tudo.

“É isso que eu queria saber, como ela descobre pelo desenho e o que eu

falar... eu... é isso que eu queria saber, mas eu não faço a menor idéia...”

“É... E eu acho incrível que do jeito que você falar eles sabem como você é...

eu acho legal isso.”

Após realizar a entrevista o sujeito (selecionado) analisa as características que

formam o sentido de entrevista e atribui a entrevista pela qual acabou de passar um

significado positivo ou negativo, inferindo os motivos pelos quais o selecionador a

contratou ou não.

“É assim, eu não sei porque, mas desde quando eu fui... todas as entrevistas que eu fiz, sempre eu

saia desanimada assim, eu falava assim “acho que hoje não vai dar certo”, quando eu fiz a

entrevista pra trabalhar no shopping da Lapa, eu não sei porque alguma coisa me falou “ah, eu

acho que é esse sim”, e foi, realmente foi... e hoje, eu saí com uma disposição assim, com uma

vontade de ir fazer a entrevista logo. Eu acho que agora vai depender de lá, deles né?”

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NÚCLEO 2: O trabalho enquanto forma de aprendizado contínuo dos indivíduos

A manutenção do trabalho mesmo em condições adversas pode ser explicada pela

teoria da motivação de Maslow, que afirma que as necessidades humanas estão organizadas

e dispostas em níveis, numa hierarquia de importância e de influenciação (Chiavenato,

1993). Na frase acima, podemos verificar que a manutenção no trabalho se dava pela

necessidade de garantir a subsistência da família (necessidades fisiológicas, que estão na

base da pirâmide), do que na necessidade de cada pessoa realizar o seu próprio potencial e

de autodesenvolver-se continuamente (necessidade de auto-realização, no topo da

pirâmide). De acordo com esta teoria, somente quando um nível inferior de necessidade é

satisfeito adequadamente é que o nível imediatamente mais elevado surge no

comportamento.

“... eu acho assim que se você conseguir se adaptar com aquilo... se você

tivesse realmente precisando, você ia se adaptar mesmo não gostando, mas

você ia se acostumar com aquilo...”

A mesma teoria pode também explicar o que faz com que os indivíduos se

mantenham no emprego e até mesmo gostarem ainda mais do que fazem.

“Tanto que eu tenho um cliente que hoje eu tava vindo pra cá, encontrei um

cliente que sempre quando ele ia na loja, ele me procurava, seu eu não

estava, ele não comprava, e isso eu achava demais, né?”

No caso acima, vemos um exemplo de como o trabalho pode satisfazer a

Necessidade de Estima de um indivíduo motivando-o a continuar no trabalho. Porém ao

não conseguir realizar a Necessidade de Auto-realização, neste mesmo trabalho, o

individuo acaba preferindo sair deste emprego.

“Por causa da gerente, ela era gerente, mas se achava a dona, e isso

atrapalhava muito, ela fazia a gente faltar na escola pra cobrir falta de

outras e eu... a gente batia o pé e falava não, isso não tá escrito no contrato,

e eu não vou fazer isso. Aí eu acho que isso atrapalhou também bastante, por

isso que eu acabei saindo de lá. Por causa do domínio que ela queria ter

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com a vendedora, sabe? Ela queria controlar nosso horário de almoço e se

ela falava hoje nós vamos almoçar aqui nesse restaurante, nós tínhamos que

almoçar naquele restaurante. E eu acho que isso não tem nada a ver, no

nosso horário de almoço você é livre 1 hora de lanche pra fazer o que

quiser. E ela não gostava que tinha amizade com outras vendedoras de

outras lojas, outras... é, são 22 lojas no total, né? E tinha 2 no shopping da

Lapa e 2 na Doze de Outubro e não, você não podia conversar com nenhuma

delas, e eu acho isso um absurdo. Você conversa com quem você quiser,

você almoça com quem você quiser. E agente brigava por causa disso

direto.”

A fala de G. corrobora com o pensamento de Mayo e seus seguidores que

acreditavam que as pessoas são motivadas principalmente pela necessidade de

reconhecimento, de aprovação social e de participação nas atividades dos grupos sociais

onde convivem, e que a motivação econômica era secundária na determinação do

rendimento do trabalhador.

Isto também nos ajuda a entender porque diferentes pessoas têm diferentes visões

sobre o emprego, como por exemplo, pessoas que vêem o trabalho como meio de

subsistência, e pessoas que se utilizam dos empregos como meios de obter experiência e/ou

de aprendizagem prática, essas pessoas vêem no trabalho meios de satisfazer diferentes

necessidades.

Como vimos anteriormente, a atividade é uma das categorias de análise da

Psicologia Sócio-Histórica, e é através da atividade que o sujeito se envolve no movimento

de apropriação, pois, segundo Aguiar (2001), ao transformar a natureza com sua atividade

por meio dos instrumentos, o homem também está transformando a si próprio. Assim, de

acordo com a autora, o trabalho é a transformação da natureza para a produção da

existência humana.

Percebemos no discurso de G. que o trabalho e a manutenção no trabalho estão

relacionadas a necessidades, as quais nem sempre ela tem consciência e controle do

movimento que este processo único, singular, subjetivo e histórico ao mesmo tempo,

configura (Aguiar e Ozella, 2006).

“Ai, eu acho que quando você tem... acho que a necessidade. A necessidade e

a vontade de alcançar alguma coisa, acho que aí você tem que fazer esforço,

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independente do que for, acho que isso daí é... ó, o meu pai, ele começou a

trabalhar, quando ele veio embora pra São Paulo, numa padaria, e ele não

gostava. E ele foi ficando, e hoje ele trabalha num restaurante, ele é

subgerente de um restaurante aqui, na Freguesia mesmo, e ele tá

trabalhando lá... e ele não gostava, mas ele ficou 5 anos trabalhando lá,

porque foi se acostumando... e ele se acostumou por necessidade, né? Por ele

ter vindo embora, ele tinha dois filhos e precisava, né? Trabalhar, a minha

mãe também, e ficou nisso.”

De acordo com o discurso acima de G., percebe-se que o sentido do trabalho para

ela é o de satisfazer suas necessidades. O que a impulsiona para a ação de satisfazer as suas

necessidades é o trabalho, ou seja, ela significa o trabalho como algo no mundo social

possível de satisfazer suas necessidades.

Este movimento de significar algo para que conseqüentemente uma necessidade

seja satisfeita modifica o sujeito, cria novas necessidades e novas formas de atividade.

“Bom, agora estou procurando porque acho que você acostuma a trabalhar,

sabe? E agora que eu terminei os estudos eu procuro, eu tenho vontade de

fazer o curso de enfermagem. E o curso de enfermagem querendo ou ele é um

pouco caro, né? E essa vai ser a minha meta daqui pra frente, fazer o curso

de enfermagem. E eu preciso trabalhar para conseguir pagar meu curso.”

Além disso, percebemos que através de sua atividade (trabalho), G. está se

transformando, uma vez que o movimento de apropriação envolve a atividade do sujeito,

pois ao transformar a natureza com sua atividade por meio dos instrumentos, o homem

também está transformando a si próprio (Aguiar, 2001).

“Mas eu acho que com... tudo a gente aprende um pouco, né? Que nem

loja, eu nunca tinha vendido na minha vida, e no primeiro dia a gerente

achou que eu já tinha experiência em vendas, e eu falei “não, nunca tive”,

porque acho que isso vai de acordo com o que você conversa com o cliente,

né?”

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“Você vai deixando ele a vontade e até ele vai te ensinando, porque eles

que me ensinavam lá. Ah, e eu acho que... que com um pouco de ajuda

deles lá eu vou me adaptar rapidinho.”.

II. Análise dos sentidos e significados do selecionador

A partir da entrevista gravada e transcrita foi realizada uma leitura flutuante e em

seguida um levantamento de temas/ conteúdos que se destacaram na fala de R., estes temas

são expressos em palavras, que por serem sempre significadas em seu contexto, ajudam a

enxergar os pré-indicadores, constituintes da realidade do sujeito.

Abaixo segue a lista dos pré-indicadores encontrados na fala de R.:

1) Recrutamento; 2) Triagem de currículos; 3) Compatibilidade de horários; 4) Entrevista;

5) Provas; 6) Laudo; 7) Experiência; 8) Cultura; 9) Objetivos do candidato; 10)

Disponibilidade; 11) Pretensão salarial (Remuneração); 12) Facilidade de acesso; 13)

Minimizar chances de “erro”; 14) Padronização; 15) Personalização do processo seletivo;

16) Testes e inventários; 17) Grafologia; 18) Instrumentos autorizados X não autorizados

pelo CRP; 19) Redação; 20) Linguagem; 21) Conteúdo; 22) Organização de raciocínio; 23)

Postura; 24) Ansiedade; 25) Família; 26) Relacionamentos Interpessoais; 27) Postura do

entrevistador; 28) Carisma; 29) Vínculo; 30) Vínculo como facilitador; 31) Ideais; 32)

Fluência; 33) Espontaneidade; 34) Mostrar o que não é; 35) Exacerbação de qualidades;

36) Dificuldades; 37) Espaço para o outro; 38) Importância do teste; 39) Competência;

40) Vagas diferentes, seleções diferentes; 41) Trabalho X Emprego; 42) Motivação; 43)

Empenho; 44) Satisfação; 45) Agregar valor; 46) Adaptação; 47) Adequação; 48) Sentido;

49) Obstáculo; 50) Buscar espaço/ oportunidades; 51) Reconhecimento; 52) Valorização.

Após a definição dos pré-indicadores foi realizada uma nova leitura permite o

processo de aglutinação dos pré-indicadores. De acordo com Aguiar e Ozella (2006), este

processo se dá por similaridade, complementaridade ou contraposição.

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“Estes critérios para aglutinação não são necessariamente isolados entre si.

Por exemplo, alguns indicadores podem ser complementares pela

semelhança do mesmo modo que pela contraposição: um fato identificado

como pré-indicador, ao ser aglutinado pode indicar o caráter

impulsionador/motivador para ação em uma determinada condição.

Inversamente, o mesmo fato, pode funcionar como paralisador da ação em

outro momento, mas ambos podem ser indicadores importantes no processo

de análise.” (Aguiar e Ozella, 2006, p. 231).

O processo de aglutinação permitiu a inferência e sistematização dos seguintes

indicadores:

PRÉ-INDICADORES INDICADORES

1) Recrutamento

2) Triagem de currículos

3) Compatibilidade de horários

4) Entrevista

5) Provas

6) Laudo

16) Testes e inventários

17) Grafologia

19) Redação

21) Conteúdo

1) Características do processo seletivo

36) Dificuldades

46) Adaptação

47) Adequação

48) Sentido

49) Obstáculo

50) Buscar espaço/ oportunidades

2) Estratégias que os selecionados utilizam

para enfrentar e superar as dificuldades

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41) Trabalho X Emprego

42) Motivação

43) Empenho

44) Satisfação

45) Agregar valor

50) Buscar espaço/ oportunidades

51) Reconhecimento

52) Valorização

3) Fatores mantenedores dos indivíduos no

trabalho

7) Experiência

8) Cultura

9) Objetivos do candidato

10) Disponibilidade

11) Pretensão salarial (Remuneração)

12) Facilidade de acesso

20) Linguagem

22) Organização de raciocínio

23) Postura

24) Ansiedade

25) Família

26) Relacionamentos Interpessoais

31) Ideais

32) Fluência

33) Espontaneidade

34) Mostrar o que não é

35) Exacerbação de qualidades

37) Espaço para o outro

39) Competência

4) Características para avaliar em um

candidato

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13) Minimizar chances de “erro”

14) Padronização

15) Personalização do processo seletivo

18) Instrumentos autorizados X não

autorizados pelo CRP

27) Postura do entrevistador

28) Carisma

29) Vínculo

30) Vínculo como facilitador

38) Importância do teste

40) Vagas diferentes, seleções diferentes

5) Ferramentas utilizadas para facilitar sua

atuação

Ao finalizar este processo, parte-se para a terceira fase do processo de análise da entrevista, que consiste na inferência e sistematização de núcleos de significação. Nesta fase articulamos conteúdos semelhantes, complementares ou opostos dos indicadores e que, além disso, revelem pontos que tragam implicações para o sujeito. São eles:

INDICADORES NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO

1) Características do processo seletivo

4) Características para avaliar em um

candidato

5) Ferramentas utilizadas para facilitar sua

atuação

1) A entrevista enquanto signo em um

processo seletivo

2) Estratégias que os selecionados utilizam

para enfrentar e superar as dificuldades

3) Fatores mantenedores dos indivíduos no

trabalho

2) O trabalho enquanto meio de satisfazer as

necessidades do selecionado

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NÚCLEO 1: A entrevista enquanto signo em um processo seletivo

Antes da entrevista de seleção, os candidatos passam por um processo seletivo

composto por inúmeras etapas, sendo que a entrevista é só um dos instrumentos de seleção.

No discurso de R. isto é exemplificado:

“... é preciso anunciar a vaga, desse anúncio vão vir muitos currículos, desses

currículos eu tenho que triá-los, eu falei triar, depois que triar, eu tenho que

ligar pra essas pessoas pra ver a disponibilidade de horário pra eu atendê-las,

eu tenho que ver a minha disponibilidade e a disponibilidade de salas aqui pra

eu entrevistá-los, aí depois que eu entrevistá-los, ele ainda vai um teste, eu vou

entrevistá-lo, ele vai fazer, é... o teste prático que você vai me mandar de

computação, né? de informática, pra saber se ele tem mesmo o conhecimento

que você quer, depois disso, eu vou analisar tudo isso, aí vou fazer o laudo

dele, e aí eu vou te encaminhar.”

Pode-se dizer que a entrevista, além de um instrumento de trabalho, age como signo

em um processo seletivo, ou seja, é o instrumento da atividade psicológica com papel

semelhante ao de um instrumento no trabalho. Através do discurso de R. também

percebemos um outro signo, a redação.

“Eu, particularmente, não uso nenhum teste, o que eu peço é simplesmente uma

redação de 20 a 25 linhas e de tema livre, através dessa redação eu já observo

linguagem, eu já observo é... conteúdo, né? Da redação, e eu pego organização

de raciocínio, né? Tudo através da redação.”

O modo de se expressar, a fluência verbal e escrita, a criatividade são elementos

que ajudam a construir o sentido da entrevista para R.

“Olha, é... eu já começo o processo desde o recrutamento, que é a análise do

currículo, né? Então, eu, eu sou exigente... com relação ao português, a

escrita e a linguagem porque isso determina o nível do candidato também,

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então os currículos que vêm, né? Profissional com “c”, ou: “Objetivo:

trabalhar em qual... aonde tiver precisando”, né?” Segundo R., a postura do entrevistador também influência no processo seletivo, e é

outro fator constituinte do sentido da entrevista de seleção.

“... eu procuro deixar um ambiente muito descontraído, e eu até... assim, é

muito engraçado, que aqui dá pra ouvir, se você falar muito mais alto dá pra

ouvir, as risadas pelo menos, e aí as meninas falam, você tava com quem, né?

E eu falo que tava fazendo entrevista, “com aquele monte de gargalhadas?” e

eu falei é com aquele monte de gargalhada.”

Além da postura do entrevistador, a ansiedade e o nervosismo também

podem influenciar negativamente no desempenho de um candidato em uma

entrevista de seleção. Assim, de acordo com R., a ansiedade do entrevistado

também contribui na construção do sentido da entrevista.

“No momento da entrevista, então, eu avalio muito, a linguagem verbal,

postura, é... a ansiedade, porque até é compreensível que a pessoa esteja

ansiosa, e eu relevo isso numa boa, ... eu observei a linguagem corporal

também que é importante, né? ... Então isso eu relevo, a ansiedade eu relevo,

mas tem situações que são extremas, onde a gente pode observar que é um

distúrbio mesmo, de ansiedade, então ela não tem um acompanhamento clínico

mais assertivo, mas tem coisas que pela nossa profissão a gente observa de

imediato, né?”

Outros fatores também devem ser observados e influenciam na construção do

sentido da entrevista, tais como as experiências anteriores e o relacionamento interpessoal.

“... eu já questiono sobre o tipo de trabalho, se a pessoa já teve experiência naquela área, ou se a vaga não precisa de experiência, se ela tem interesse em executar aquela função, né?” “Então assim, pra buscar até o relacionamento interpessoal, que é muito

importante.”

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O selecionador acaba adquirindo e incorporando alguns significados a algumas

posturas dos entrevistados, R., por exemplo, significa como sinais de que o candidato não é

bom quando ele exacerba alguma qualidade ou quando ao fazer uma redação escreve sobre

si mesmo. “Então a pessoa muuuuito, extremamente educada e simpática, aí você já pega e fala que essa já tá tentando mostrar algo que... que é exacerbado, né?” “... assim, ela não tem idéia do que ela vai falar, ou ela não tem um é... uma boa fluência em desenvolver um assunto, ela fala dela mesma...”

NÚCLEO 2: O trabalho enquanto meio de satisfazer as suas necessidades

O trabalho, ou seja, a atividade que o homem exerce sobre o mundo, é constituído

da relação dialética deste homem com o mundo e a cultura no qual está inserido.

“... quando eu cheguei no setor de treinamento era uma coisa totalmente

diferente do meu modo de trabalhar, e aí você pega e pensa e agora, né? eu

vou fazer assim do jeito que já é ou eu vou botar a minha asinha pra fora e vou

adequar o trabalho ao meu modo de trabalhar, né? Então, eu tive que olhar

como é o campo e implantei todas as idéias que eu tive vontade.”

Em seu discurso R. afirma que a grande maioria das pessoas trabalha, se mantém no

trabalho e supera as dificuldades que encontra no mesmo pois o sentido do trabalho para

essas pessoas é o de satisfazer suas necessidades. O que a impulsiona para a ação de

satisfazer as suas necessidades é o trabalho, ou seja, ela significa o trabalho como algo no

mundo social possível de satisfazer suas necessidades. E isto modifica o sujeito, criando

novas necessidades e novas formas de atividade.

“Porque as pessoas aceitam qualquer coisa, elas estão sem trabalhar, estão

sempre sem ter o salário pra manter as suas despesas, e aí a primeira

proposta que recebe, aceita, né? E aí, o que que acontece? Ela vai pra um

setor, vai trabalhar com pessoas que ela não conhece, não tem a menor

vontade de ter aquilo pro futuro dela e ela faz de qualquer forma, né?”

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De acordo com Chiavenato (1993), na Teoria da Motivação de Maslow, as

necessidades humanas estão organizadas e dispostas em níveis, numa hierarquia de

importância e de influenciação. Esta teoria pressupõe que somente quando um nível

inferior de necessidade é satisfeito adequadamente é que o nível imediatamente mais

elevado surge no comportamento. Na fala de R., pode-se verificar que o trabalho ajuda na

satisfação das necessidades fisiológicas (relacionadas com sobrevivência e preservação da

espécie), que representam o primeiro nível de necessidades; e não estão relacionadas as

necessidades de auto-realização (relacionadas as necessidades de cada pessoa realizar o seu

próprio potencial e de autodesenvolver-se continuamente).

Já Mayo e seus seguidores, ao contrário de R., achavam que a motivação

econômica era secundária na determinação do rendimento do trabalhador, e que as pessoas

são motivadas principalmente pela necessidade de reconhecimento, de aprovação social e

de participação nas atividades dos grupos sociais onde convivem (Chiavenato, 1993).

Discordando da visão da grande maioria das pessoas, R. em seu discurso corrobora

com a visão de Aguiar (2001) de que o trabalho é a transformação da natureza para a

produção da existência humana.

“Porque aquilo tinha que fazer sentido pra mim e o meu emprego ser da maneira que me

satisfaça, e aí hoje em dia, o emprego de modo geral chega a ser até triste, de certa forma, por

que?”

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Considerações Finais

Inicialmente a proposta deste trabalho era de entrevistar pessoas que estavam

participando de um mesmo processo seletivo, porém em posições diferentes (selecionado e

selecionador), entretanto isto não foi possível. Ao entrar em contato com psicólogos de

diversas empresas estes se mostraram reticentes em falar de seu trabalho. Quando a

questão era entrevistar alguém que estivesse passando por um processo seletivo daquela

empresa, a situação piorava, pois sempre havia um superior que não autorizava a realização

da pesquisa. Portanto foram feitas entrevistas com uma pessoa que procurava emprego em

um centro de intermediação de mão-de-obra da prefeitura e com uma pessoa que trabalha

no Departamento de Recursos Humanos de uma empresa do ramo da saúde na cidade de

São Paulo.

Acredito que esta variável não teve grande influencia nos resultados desta pesquisa,

uma vez que de acordo com Monti (2005), também deve ser considerado que:

“De um lado, estaria o entrevistador e, de outro lado, o entrevistado, ambos

sujeitos à influencia de variáveis externas. Essas variáveis incluem desde o

local da entrevista, passando pelas eventuais interrupções, até o lado

emocional da entrevista (Lodi 1986), no qual estariam inseridos os eventos

encobertos (não-expressos), como as expectativas, os pensamentos ou

emoções, enfim, os comportamentos de cada uma dos sujeitos, que

configurariam uma comunicação não-verbal dessa situação denominada

entrevista.” (p. 108).

Com relação a construção do sentido da entrevista de seleção, percebemos que tanto

o selecionado quanto o selecionador compartilham de alguns significados comuns. Como

formas de avaliação, ambas acreditam ser importante o modo de falar, de se expressar, de

se comunicar, a fluência verbal e escrita e a criatividade, além disso, acreditam que

experiências anteriores contam positivamente na seleção, que a postura do entrevistador

pode ajudar e ou atrapalhar na hora da entrevista, principalmente atenuando ou aumentando

a ansiedade.

Ambas também acreditam que a redação seja um bom instrumento de trabalho e que

seja signo em um processo seletivo.

A selecionadora acredita que a grande maioria das pessoas atribui ao trabalho o

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sentido de meio para satisfação de suas necessidades, assim como a selecionada, tem esta

visão de sentido de trabalho.

O trabalho do psicólogo ainda gera muitas dúvidas, não só aos selecionados que os

vêem como mágicos, mas também para as pessoas que trabalham com o próprio psicólogo,

tanto que a selecionadora (e psicóloga) que participou desta pesquisa acredita que é

essencial que as pessoas saibam o que faz um Departamento de Recursos Humanos e seus

funcionários para poder usufruir das facilidades que ele pode lhes proporcionar.

Na opinião de R., o departamento de Recursos Humanos é visto pelo restante da

empresa como um instrumento de resolução imediata de problemas.

“O que a empresa, e não só essa empresa, mas qualquer outra empresa, quer fazer da seleção, do departamento de recrutamento e seleção uma pastelaria, como se fosse muito fácil falar, né? “dá um pastel de carne, um pastel de queijo, um pastel de presunto...”, né?”

Para R. a empresa precisa ter uma visão total do trabalho do Departamento de Recursos Humanos, para que eles entendam o sentido do trabalho realizado pelos profissionais deste departamento.

“Primeiro, o relacionamento entre o gestor e a área de seleção tem que ser excelente, porque, né? Os departamentos da empresa não têm visão do que é a área de recrutamento e seleção.”

O sentido de trabalhar em Recursos Humanos para R. é colocar a sua identidade,

significar todas as atividades de acordo com a conversão da atividade concreta em atividade simbólica, transmitidos culturalmente.

“... quando eu cheguei no setor de treinamento era uma coisa totalmente diferente do meu modo de trabalhar, e aí você pega e pensa e agora, né? Eu vou fazer assim do jeito que já é ou eu vou botar a minha asinha pra fora e vou adequar o trabalho ao meu modo de trabalhar, né? Então, eu tive que olhar como é o campo e implantei todas as idéias que eu tive vontade. Na seleção a mesma coisa, em questionar pro técnico: “mas por que a gente tem que fazer assim?”, primeiro eu deixei todo mundo de cabelo em pé, “mas por que que tem que entregar isso aqui?”, “por que que tem fazer aquilo?”, “por que que tem que fazer aquilo outro?”, “por que...?”, né? Pra que? Porque aquilo tinha que fazer sentido pra mim e o meu emprego ser da maneira que me satisfaça...”

Além de todos os setores da empresa conhecerem o trabalho do Departamento de Recursos Humanos, para R., é importante na construção do sentido do trabalho, também que os profissionais do Departamento de Recursos Humanos conheçam os outros departamentos e seus profissionais.

“Porque a maioria das áreas que eu contrato eu conheço as chefias, conheço

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as pessoas que trabalham no setor, então entra naquela questão de colocar a

pessoa certa no lugar certo, as vezes o candidato que vem ele é perfeito, e eu

já cheguei a falar pra candidato assim: “Olha, eu não vou te contratar porque

você é muito bom pra essa vaga...”...”.

Desta forma, talvez outras pessoas, como G., também passem a entender o papel

deste profissional dentro do departamento, pois embora os selecionados e os selecionadores

atribuam sentidos e significados parecidos a entrevista, os selecionados ainda acreditam

que haja algo de misterioso envolvendo esta profissão.

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ANEXOS

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Anexo I

Transcrição da entrevista com o Selecionado

Pesquisadora: Para começar, me conte um pouco sobre você.

Entrevistada: Me chamo G., tenho 18 anos e estou à procura de um emprego. Eu já

terminei meus estudos, no meio desse ano. Eu repeti o ano passado por causa do serviço,

porque assim ou eu estudava ou eu trabalhava. Então eu tive que escolher trabalhar, né? Aí

eu comecei a estudar de novo esse ano, e terminei no meio do ano. Eu moro com meus tios

e com a minha prima. Meus pais são separados, minha mãe mora em outro estado e meu

pai na Freguesia do Ó. Eu tenho dois irmãos, uma é casada e o outro mora com a minha

mãe. E eu acho que é só, não sei mais o que falar. ... e eu sou uma pessoa extrovertida,

gosto de sair, demais, adoro... e acho que só.

Pesquisadora: Solteira?

Entrevistada: Solteira, sem filhos.

Pesquisadora: Você falou que você teve que parar os estudos ano passado por causa do

trabalho, porque você estava precisando do dinheiro?

Entrevistada: É porque eu morava com minha irmã ano passado. Eu, minha irmã, meu

cunhado e os dois filhos dela, os dois estavam desempregados e a gente morava de aluguel,

então eu acho que alguém tinha que trabalhar. Aí eu saí da administração do shopping da

Lapa para trabalhar na loja no shopping da Lapa mesmo. E lá eu entrava 13h e na escola eu

saia 12:20hs e não dava pra eu chegar nos dois ao mesmo tempo. Aí eu ia às vezes pra

escola, mas não dava às vezes eu faltava duas semanas seguidas, e logo em agosto,

finalzinho do ano, aí não teve como aí eu repeti. Ficava mais difícil, mas eu tinha que

trabalhar.

Pesquisadora: E agora, você está trabalhando porque quer, porque você precisa?

Entrevistada: Bom, agora estou procurando porque acho que você acostuma a trabalhar,

sabe? E agora que eu terminei os estudos eu procuro, eu tenho vontade de fazer o curso de

enfermagem. E o curso de enfermagem querendo ou ele é um pouco caro, né? E essa vai

ser a minha meta daqui pra frente, fazer o curso de enfermagem. E eu preciso trabalhar

para conseguir pagar meu curso.

Pesquisadora: Aí você quer juntar o dinheiro para fazer o curso ou você quer conciliar os

dois?

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Entrevistada: Bom, eu acho que dá pra conciliar os dois, tem que ver o serviço e o horário

de cada trabalho que eu arrumar, porque, por exemplo, agora eu tô aberta, entendeu?

Pesquisadora: E como você acha que é arrumar emprego para você, é fácil ou é difícil?

Entrevistada: Sabe, teve... quando eu comecei a procurar emprego, no comecinho eu

achei que, nossa, nunca vi tantas oportunidades vindo de uma vez só, aí eu fiquei até

confusa, tanto que eu saí de um emprego pro outro. Agora não, agora não sei o que

aconteceu que desabo assim, sabe? Tá super difícil de arrumar...

Pesquisadora: E você está procurando há quanto tempo?

Entrevistada: Desde quando eu saí da loja, desde março. Aí até agora nada. E tô aí, né?

Pesquisadora: E você participou agora de uma entrevista?

Entrevistada: isso, eu fui encaminhada pra uma loja de material de construção, segunda-

feira eu vou lá fazer uma entrevista, aí quem sabe dá certo, né? Tomara...

Pesquisadora: E o que você acha que acontecia antes, que você ficou até confusa, tinha

esse monte de vagas e que agora tá mais difícil?

Entrevistada: Eu não sei, às vezes eu me pergunto, nossa, “como pode?”. Agora que eu

tenho mais experiência, né? Porque eu tenho mais experiência em vendas e é uma boa

coisa, e eu tenho experiência com público, que eu tenho... quer dizer, eu acho que eu tenho

facilidade de lidar com o público, né? E, agora eu não sei o que aconteceu que parece que

ninguém me quer mais pra trabalhar. Tá muito difícil.

Pesquisadora: E como é que você ficou com relação a essa entrevista, você ficou

animada...?

Entrevistada: É assim, eu não sei porque, mas desde quando eu fui... todas as entrevistas

que eu fiz, sempre eu saia desanimada assim, eu falava assim “acho que hoje não vai dar

certo”, quando eu fiz a entrevista pra trabalhar no shopping da Lapa, eu não sei porque

alguma coisa me falou “ah, eu acho que é esse sim”, e foi, realmente foi... e hoje, eu saí

com uma disposição assim, com uma vontade de ir fazer a entrevista logo. Eu acho que

agora vai depender de lá, deles né?

Pesquisadora: E aí esse emprego vai ser o começo do seu sonho?

Entrevistada: Com certeza. Eu de repente assim... é que eu tinha uma amiga, que ela tá

fazendo o curso de enfermagem... eu tenho uma amiga. E ela começou a me falar assim, e

eu fui começando a me interessar, e eu... ela começa a me falar as histórias de lá e eu achei

incrível, e agora virou um sonho fazer enfermagem.

Pesquisadora: E o que você acha que ela avaliou em você hoje?

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Entrevistada: Eu acho que ela avaliou mais as minhas experiências e o meu modo de

falar, né? Eu acho que isso ela avaliou bastante.

Pesquisadora: E você acha que ela gostou, o que você achou?

Entrevistada: Eu acho que sim, pelo menos o que ela explicou foi assim, positivo.

Pesquisadora: E como é que foi essa seleção?

Entrevistada: Bom, eu fui em Santana, né? Eu fui encaminhada de Santana pra cá. Eu fui

com o meu primo lá, aí ela pegou e falou pra mim que tinha uma vaga aqui, e que era pra

mim vir aqui. Aí eu vim, vi uma fila enorme lá descendo tudo, falei “nossa, será que é aí

mesmo?”, aí... só que eu não precisei ficar na fila porque é alguma coisa, algum concurso

que tá tendo. Aí ela me encaminhou lá pra loja. E eu vim de Santana na verdade, lá do

CAT de Santana.

Pesquisadora: E essa selecionadora, ela é o que na empresa? Você sabe?

Entrevistada: Não, não sei.

Pesquisadora: E você tem alguma expectativa com relação a esse emprego? Como você

acha que vai ser?

Entrevistada: Bom, material de construção eu não entendo muito, né? Mas eu acho que

com... tudo a gente aprende um pouco, né? Que nem loja, eu nunca tinha vendido na minha

vida, e no primeiro dia a gerente achou que eu já tinha experiência em vendas, e eu falei

“não, nunca tive”, porque acho que isso vai de acordo com o que você conversa com o

cliente, né? Você vai deixando ele a vontade e até ele vai te ensinando, porque eles que me

ensinavam lá. Ah, e eu acho que... que com um pouco de ajuda deles lá eu vou me adaptar

rapidinho.

Pesquisadora: E você está animada para trabalhar lá?

Entrevistada: Sim, acho que eu tô animada pra qualquer serviço agora, sendo honesto e

tando na minha tabela, qualquer um eu tô animada...

Pesquisadora: E você acha que com relação ao salário tá bom? Você queria mais?

Entrevistada: Bom, esse salário tá bom, é o salário que eu ganhava antes como

vendedora, e eu acho que tá bom pra mim que sou solteira, porque minha única expectativa

pra mim agora é só pagar meu curso, então pra mim não vai faltar mais nada...

Pesquisadora: E você acha que com esse salário que ela ofereceu daria...

Entrevistada: Daria.

Pesquisadora: E o horário também?

Entrevistada: O horário também... ia ser um pouco puxado, mas eu faço qualquer coisa...

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Pesquisadora: Você acha que se você tivesse filho para criar, que nem você falou “ai, sou

solteira não tenho filho”, você acha que mudaria...

Entrevistada: Ai é muito difícil... porque que nem, eu pego o exemplo da minha irmã. A

minha irmã, ela tem 22 anos e dois filhos, né? E é muito difícil pra ela até arrumar

emprego, até pra procurar... que nem, quando eu fui em Santana, eu chamei ela, só que não

dava porque tinha que levar um filho no médico, aí complica muito a vida, um filho...

Pesquisadora: E você acha que a responsabilidade com o emprego também muda?

Entrevistada: Com certeza... muda a responsabilidade em tudo, né? Tanto que eu...

sempre eu olho pra trás assim e vem muitos primos, né? Muitas primas e todos têm filhos,

a única que não tem sou eu... então eu falo “nossa, eu vou ficar assim, pra...” eu tenho que

ficar pra titia, porque de tanto primos e sobrinhos que eu tenho eu tenho que ficar pra titia

mesmo, assim... Mas, eu não pretendo ter filho não, eu acho que atrapalha muito...

Pesquisadora: Ano passado você morava com sua irmã e alguém precisava trabalhar na

casa. E agora, você não tem mais essa responsabilidade?

Entrevistada: Não porque aí... aí ela se separou do marido dela...então... aí eu fui morar

com o meu pai. Antes dela se separar do marido dela eu fui morar com meu pai lá na

Freguesia do Ó. Aí ela se separou do marido dela e foi morar com outra tia minha. Aí eu

não me dou muito bem com a namorada do meu pai, por causa de uns problemas aí que ela

já teve com a minha mãe, né? Aí eu preferi sair de lá e fui morar com a minha outra tia. Aí

a minha irmã ficou morando com a... com essa minha tia, e voltou com o marido dela, só

que eles ainda não tão morando junto ainda porque ela ainda tá desempregada, ele já tá

trabalhando... aí acho que agora não, acho que agora eles são cada um por si, entendeu?

Pesquisadora: E aí você na casa da sua tia, você precisa ajudar com alguma coisa? Como

funciona?

Entrevistada: Bom, eu ajudo dentro de casa, porque a minha tia, a minha prima e o

marido dela trabalham, então eu fico dentro de casa o dia inteiro, então eu limpo, cozinho,

lavo, faço tudo, né? Dentro de casa. Acho que é por isso por enquanto, né? Mas quando eu

tiver trabalhando, né? A gente ajuda em tudo...

Pesquisadora: Se você tivesse que definir, o que é emprego pra você?

Entrevistada: Eu acho que emprego é você estar bem com o emprego, é você ter um

salário bom, aquilo que você gosta de fazer... eu gosto de trabalhar com público, eu acho

que pra mim independente do que for, trabalhando com público... pra mim é o emprego e

tá muito bom, independente do que for...

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Pesquisadora: Pra você trabalhar com público é emprego...

Entrevistada: É, o emprego pelo menos pra mim, no meu conhecimento é isso...

Pesquisadora: E você quando era pequena já pensava isso?

Entrevistada: Quando eu era pequena eu pensava em ser famosa, né? Era meu sonho,

acho que toda menina, né? Sonha em ser famosa e tal... eu pegava naquele jornalzinho,

recortava todos aqueles negócios de agência de modelo, colava na minha agenda e ficava

ligando, aí depois as agências ligavam de volta e aí minha mãe queria me matar, né? Aí

depois eu fui tirando isso do pensamento... aí depois eu quis ser fotógrafa, porque eu amo

ficar tirando foto das pessoas e minhas, fico viajando dentro de casa com isso... eu gosto de

tirar foto de paisagem e tudo... mas aí não é uma área tão boa assim, sabe? Acho que vai

me ajudar mais... aí depois eu comecei a falar com essa minha amiga, falando pra ela de

fotografia e ela me falou de enfermagem, e eu comecei a me interessar por enfermagem...

Pesquisadora: A fotografia você achou que não ia te dar um futuro...

Entrevistada: Não, acho que não... É legal assim... eu adoro ficar tirando foto, mas acho

que não...

Pesquisadora: Então agora você tá procurando alguma coisa que te dê um futuro?

Entrevistada: Ah, com certeza... a gente vai crescendo, né? Vai vendo o que é melhor. E

eu acho que enfermagem pra mim é o melhor...

Pesquisadora: E aí depois que você fizer o curso de enfermagem, o que você pretende...

Entrevistada: Aí eu vou procurar alguma coisa nessa área, talvez uma faculdade e, seguir

pra frente...

Pesquisadora: Então você acredita que hoje deu tudo certo...

Entrevistada: É eu acho que sim, eu acho que pelo menos com ela aqui foi tudo certinho,

agora falta lá com eles...

Pesquisadora: E o que você está esperando dessa entrevista com eles? Como você acha

que vai ser?

Entrevistada: Eu acho que ele... pelo jeito que ela falou da empresa, que a empresa é um

pouco grande assim, né? É uma micro-empresa, eles... acho que eles são super sérios,

gostam de coisas responsáveis, né? Eu acho que pra qualquer serviço tudo tem que ser

responsável e sério, né? E eu acho que... que vai ser tudo bem.

Pesquisadora: E você tem idéia, você imagina o que ele vai te perguntar?

Entrevistada: Bom, ela falou assim que eu vou passar por uma prova na psicóloga lá...

esses negócios... acho que vou fazer... minha irmã sempre falou que em provas assim, fico

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imaginando, que eles mostram um desenho, assim... e mandam você falar o que é que é

aquilo, e eu vou falar o que eu penso, né? Fico imaginando assim... essas provas assim,

dinâmicas, essas coisas...

Pesquisadora: Você não pensa assim, ela vai perguntar do desenho e eu tenho que

responder e falar tal coisa...

Entrevistada: É...

Pesquisadora: Você fica pensando assim?

Entrevistada: É eu fico pensando isso mesmo... pelo menos foi o que eu fiquei pensando

dessas provas assim, porque eu nunca fiz uma prova assim... então passa isso pela minha

cabeça, né?

Pesquisadora: E aí, o que você que pelo desenho ela vai descobrir de você?

Entrevistada: É isso que eu queria saber, como ela descobre pelo desenho e o que eu

falar... eu... é isso que eu queria saber, mas eu não faço a menor idéia...

Pesquisadora: Então, mesmo se você quisesse falar alguma coisa pra ela ouvir e falar

“nossa, essa é boa...”, você não faz a menor idéia do que dizer?

Entrevistada: É... E eu acho incrível que do jeito que você falar eles sabem como você,

e... eu acho legal isso.

Pesquisadora: Então lá, vai ter essa prova que você não sabe como é que é, e o que mais

vai ter lá?

Entrevistada: Ela falou que são três etapas lá, que se eu for passando, né? Até chegar a

última aí... aí resolve com ele... e se eu for eliminada na primeira, aí já vou abrir a vaga pra

outro...

Pesquisadora: E ela não falou das outras etapas, como é que vão ser...

Entrevistada: Não... Acho que eu também vou ter que fazer redação, né? Que redação eu

adoro fazer... gosto de fazer redação, então acho que vai ter com certeza... sempre tem uma

redação...

Pesquisadora: Quando você tem uma entrevista de emprego, você faz alguma coisa pra se

preparar antes? Você pensa em alguma coisa?

Entrevistada: Eu não... na verdade, eu não consigo dormir, fico rolando, acordo bem

cedo. Se a entrevista for 9hs, 6hs eu já tô de pé já... aí fico pensando no que eu vou falar,

né? No que que eu vou fazer... sempre na hora, eu fico nervosa... eu não sei porque eu fico

nervosa... mas dependendo da pessoa, se me deixar a vontade, eu fico a vontade na hora e

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fico de acordo, como tem que ser... que eu fico nervosa, eu começo a misturar as palavras

assim... fico muito nervosa... mas eu acho que sempre me dei bem em entrevistas.

Pesquisadora: Você falou que não dorme, acorda cedo e pensando...

Entrevistada: Eu não consigo comer, não consigo fazer nada...

Pesquisadora: E o que você pensa, que vai perguntar isso, vai falar aquilo, ou o que?

Entrevistada: É eu fico pensando assim... na verdade eu fico pensando no jeito da pessoa

ser, que tem gente que são super sérias, bravas... e eu, as vezes, tenho medo de gente

assim... por ser entrevistas, né? Dá medo de gente assim, dá um medinho... mas eu... eu

sempre penso que eu tenho que me dar bem, e isso que eu sempre penso, mas infelizmente

nem sempre é assim, né? E eu fico na expectativa de saber, né? Como que é lá, como que

ela é, essas coisas...

Pesquisadora: E tem alguma coisa, sei lá... você pensa na roupa?

Entrevistada: Quando é entrevista você precisa ver, eu saio que em uma boneca, não

gosto que ninguém toca... faço tudo quando é entrevista...

Pesquisadora: E tem mais alguma coisa que você faça, que você lembre, para se preparar

para a entrevista?

Entrevistada: Não... faço uma oração...

Pesquisadora: E depois, tem alguma coisa que você faça?

Entrevistada: Não, acho que não. Acho que é só isso mesmo.

Pesquisadora: Teve alguma entrevista em que você fez alguma coisa que você acha que o

selecionador pensou “nossa, vou mandar ela embora agora por isso...”?

Entrevistada: Teve uma palavra que eu falei “nossa, ele não vai me chamar...”, eu

misturei, eu tava muito nervosa, só que eu não consigo lembrar agora... eu falei uma

palavra misturando com a outra, aí ficou mó estranho e eu pensei “nossa, ele não vai me

querer mesmo...”, e ele não quis mesmo...

Pesquisadora: E você acha que foi por causa dessa palavra?

Entrevistada: Eu acho que foi... é que eu não lembro a mistura, eu tava muito nervosa

naquele dia... muito... eu sei que eu ficava assim na mesa, olha? E antes eu não era assim...

Teve um dia também que eu fui fazer... no shopping da Lapa, só que sorte que eles me

chamaram, né? Eu fui preencher lá, e eu coloquei o nome da escola com o meu nome,

coloquei E.E. Geisa, aí eu risquei, eu tava muito nervosa no dia... aí eu falei “ah, eu

coloquei o nome da escola errado...”, daí a mulher, muito legal, ela aí que não tem

problema, que não sei o que... falou que podia escrever embaixo e riscar aquele...

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Pesquisadora: E você acha que esse seu nervosismo te atrapalha?

Entrevistada: Ah sim... aí depois que ela falou, que ela começou a conversar comigo,

acho que foi isso, né? Ela me deixou a vontade, aí fico tudo bem, tanto que eu fui chamada,

né? Acho que depende muito do entrevistador, pra deixar a pessoa mais calma, porque eu

pra ficar nervosa é dois minutos... mas só com o entrevistador, porque eu sou uma pessoa

super calma...

Pesquisadora: Você falou que gosta de lidar com o público...

Entrevistada: É... eu sou calma, sou extrovertida, e assim quando as vezes ia um cliente lá

na loja que são sérios, você tinha que ser séria junto com eles, aí tinha uns que eram uns

palhaços, aí você tinha que ser palhaça , mas se tinha um que era muito sem vergonha, aí

você tem que ser autoritária, né? Tem cliente de tudo que é tipo, né? E eu acho que eu sei

lidar com todos... Aí tem uns que são muito ignorantes que eu já perdi vendas por causa

disso... que aí o cliente entra na loja e eu “oi, tudo bem? Você precisa de alguma coisa?”,

“se eu precisar de alguma coisa eu te chamo, tá? Não vem encher meu saco...”, eles

falavam bem assim e eu “ah, tudo bem, se precisar de qualquer coisa...”, aí tinha que ser

simpática, né? Eu falava “ai seu mal-educado...”, as vezes quando eu tava atendendo eu

pensava, né? Porque eu acho que não precisa também ser tão grosso, né? “Não, qualquer

coisa eu te chamo” e pronto. E aí acho que ficava tudo bem... Eu nunca tive briga com

nenhum cliente, eu nunca tive discussão, nem nada... porque eu acho que também queima,

né? Fica feio... Tanto que eu tenho um cliente que hoje eu tava vindo pra cá, encontrei um

cliente que sempre quando ele ia na loja, ele me procurava, seu eu não estava, ele não

comprava, e isso eu achava demais, né? Porque ele gostava do meu atendimento. Encontrei

ele hoje, ele trabalha aqui perto, e ele “nossa, nunca mais te vi lá na loja? Você ta

trabalhando em outra loja? Porque se tiver você me fala porque eu vou comprar lá...”. Eu

falei “ah, ta bom...” e eu acho legal isso, ver seus clientes assim, né? Que você atendeu, e

eles te procurarem, e não comprarem quando você não estiver... eu gosto disso.

Pesquisadora: E você saiu dessa loja porque?

Entrevistada: Foi por motivos pessoais, minha mãe, ela tava um pouco doente e eu

precisava visitar ela e a dona não aceitou, né? Ela falou não, que não ia me dar, aí eu fui lá

e fiz acordo, aí eu fui lá, rapidinho que eu fiquei lá uma semana... e tipo assim, que ela não

quis fazer acordo, queria me mandar embora... não... ela queria que eu pedisse as contas e

eu falei que não e aí eu fiz acordo com ela.

Pesquisadora: E tem alguma coisa que agora te faria desistir?

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Entrevistada: Nada. Nada mesmo. Acho que nada, é um sonho que tá na minha cabeça e

que eu preciso... nem que eu trabalhe... deixe de sair, trabalhe fim de semana seguido...

mas eu tenho que trabalhar, eu quero trabalhar só pra pagar o meu curso... porque eu sei

que se eu acabar esse curso, eu vou avançar mais, né? Eu vou querer fazer uma faculdade...

e com o curso eu vou ter mais... o meu currículo vai estar melhor, e eu acho que vai ser

bem melhor pra mim... e área de enfermagem é uma área boa, também porque eu já vi o

conhecimento dela, e eu gostei. Antes eu tinha medo, com negócio de sangue, nunca que

eu ia... mas ela vai contando e você vai se empolgando querendo ver os casos, e hoje em

dia eu adoro.

Pesquisadora: Você falou que nunca passou por provas psicológicas, mas o que a sua

irmã conta pra você?

Entrevistada: Bom, foi a única empresa que ela trabalhou, que ela ficou 4 anos lá... Ela

falou... bom, na verdade, eu tinha uma tia que trabalhava lá, então já explicou tudo pra ela,

né? Como minha tia já trabalhava na mesma empresa e passou pelo mesmo procedimento

que ela, e via as pessoas sendo entrevistas e falou tudo pra ela, como ela tinha que fazer

certinho... aí ela falava que ela chegou lá e a mulher começou, pediu pra falar um pouco

sobre a vida dela, que eles sempre pedem, né? Aí ela falou, aí ela mostrou um desenho

estranho, minha irmã falou que tinha um quadrado assim, e tinha tipo uma ilha atrás, e ela

mandou falar o que ela achava. Ela falou “eu acho que isso é um quadrado e atrás parece

uma ilha”, só isso que ela falou... aí ela perguntou “por que você acha isso?”, né? E ela

falou “porque é o que eu estou vendo aqui, parece...” e só... depois minha irmã foi

chamada... eu acho que... isso que eu fico imaginando, como é que eles conseguem avaliar

a pessoa através daquilo que a pessoa ta falando ali, isso que eu acho incrível...

Pesquisadora: Mas isso ela falou porque ela estava vendo, não porque a sua tia falou

alguma coisa?

Entrevistada: Não, porque sempre muda os desenhos que eles usam... aí ela viu aquilo, e

ela falou é aquilo.

Pesquisadora: E o que a sua tia tinha falado? O que ela tinha que fazer?

Entrevistada: Ah, ela falou... como a minha irmã era novinha, tinha 17 anos, minha tia

falou “olha, você vai assim nesse estilo, porque lá tem que ir de social, que não sei o que...

você se comunica super bem com ela, porque ela é super legal”, porque minha tia conhecia

a entrevistadora e ela gosta de pessoas que conversem. Aí a minha irmã fez o que a minha

tia falou...

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Pesquisadora: E você acha que se a sua tia tivesse falado pra ela, por exemplo, que ela

tinha que dizer que gostava de animais, e vamos supor que a sua irmã deteste animais, mas

ela ia falar que gostava de animais porque ela sabia que a selecionadora ia gostar e ia

chamá-la, você acha que ela ia ficar muito tempo nesse emprego? Que ela ia gostar do

trabalho, se ela fosse chamada?

Entrevistada: Bom, assim... eu não consigo imaginar direito isso, porque lá é uma

empresa de segurança, né? Mas, acho que como foi básico o que ela perguntou se gosta,

acho que sim e acho que ela gostava sim.

Pesquisadora: E você acha que se fosse uma coisa que você não gostasse, você

conseguiria ficar no emprego? Ou ia pedir as contas?

Entrevistada: Ó... eu acho assim que se você conseguir se adaptar com aquilo... se você

tivesse realmente precisando, você ia se adaptar mesmo não gostando, mas você ia se

acostumar com aquilo... que nem eu trabalhei no acabamento gráfico, eu não gostava, eu

fiquei lá, a gente virava a noite pra terminar o serviço, eu ficava super cansada, acabada,

não conseguia sair pra lugar nenhum e... mas, eu fiquei lá... eu saí de lá porque eu fiquei

sabendo dessa vaga no shopping da Lapa, demorou um pouquinho assim pra mim ser

chamada, mas eu tive... mas eu pedi pra ele deixar eu ir fazer... eu pedi pra ele deixar eu ir

no médico... e lá você não podia nem ir no banheiro direito e aquilo tava me sufocando,

mas mesmo assim eu fiquei lá.

Pesquisadora: Por que você precisava?

Entrevistada: Porque eu precisava... e, você vai se acostumando também. Apesar que

trabalhar em acabamento gráfico eu não recomendo pra ninguém. É o fim da vida, isso...

Pesquisadora: E o que você acha que é esse PRECISO? O que você acha que te motiva a

ficar nesse emprego que é chato, que você não gosta?

Entrevistada: Ai, eu acho que quando você tem... acho que a necessidade. A necessidade

e a vontade de alcançar alguma coisa, acho que aí você tem que fazer esforço,

independente do que for, acho que isso daí é... ó, o meu pai, ele começou a trabalhar,

quando ele veio embora pra São Paulo, numa padaria, e ele não gostava. E ele foi ficando,

e hoje ele trabalha num restaurante, ele é subgerente de um restaurante aqui, na Freguesia

mesmo, e ele tá trabalhando lá... e ele não gostava, mas ele ficou 5 anos trabalhando lá,

porque foi se acostumando... e ele se acostumou por necessidade, né? Por ele ter vindo

embora, ele tinha dois filhos e precisava, né? Trabalhar, a minha mãe também, e ficou

nisso.

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Pesquisadora: Você acha que tem alguma coisa que te faria pedir as contas?

Entrevistada: Eu acho que gerente... e o ambiente, porque isso conta muito. Na loja, eu

resolvi mesmo sair também, por causa disso também. Tanto que todas as meninas que

trabalhavam lá comigo, que são minhas amigas, assim, que a gente sai junto, nenhuma

estão mais lá. Por causa da gerente, ela era gerente, mas se achava a dona, e isso

atrapalhava muito, ela fazia a gente faltar na escola pra cobrir falta de outras e eu... a gente

batia o pé e falava não, isso não tá escrito no contrato, e eu não vou fazer isso. Aí eu acho

que isso atrapalhou também bastante, por isso que eu acabei saindo de lá. Por causa do

domínio que ela queria ter com a vendedora, sabe? Ela queria controlar nosso horário de

almoço e se ela falava hoje nós vamos almoçar aqui nesse restaurante, nós tínhamos que

almoçar naquele restaurante. E eu acho que isso não tem nada a ver, no nosso horário de

almoço você é livre 1 hora de lanche pra fazer o que quiser. E ela não gostava que tinha

amizade com outras vendedoras de outras lojas, outras... é, são 22 lojas no total, né? E

tinha 2 no shopping da Lapa e 2 na Doze de Outubro e não, você não podia conversar com

nenhuma delas, e eu acho isso um absurdo. Você conversa com quem você quiser, você

almoça com quem você quiser. E agente brigava por causa disso direto. Porque eu acho

assim, que se eu soubesse que minha mãe tava doente, tudo bem, porque a minha irmã foi,

e eu acho que não havia assim tanta necessidade pra mim ir, minha mãe não tava super

mal, né? Eu também arrumei essa desculpa já pra sair da loja, essa foi a desculpa que eu

arrumei, porque eu também não tava... eu amava trabalhar lá, mas eu não tava mais

suportando a gerente, aí saiu uma, na outra semana saiu a outra, e depois na outra semana

saiu a outra... as vendedora tudo, aí a loja começou a cair, né? As vendas, porque chegou

vendedoras novas, e até se acostumar... conseguir vender... Porque vender também tem

aquilo, você tem que convencer, entrar na mente do cliente, né? Que ele tem que levar, e aí

ela teve que... perdeu o cargo. Aí hoje em dia eu falo “tá vendo, queria ser tão dona, e saiu

da loja”.

Pesquisadora: E nesse outro lugar que você falou que trabalhava e que não podia nem ir

no banheiro direito... esse não era tão ruim, quanto essa gerente?

Entrevistada: Não, eu acho que esse aí era pior, por causa do dono. O dono ele... ele é

assim... ele é uma pessoa que ele não sabe reconhecer o serviço das pessoas, sabe? E ele

não compreende... faz de conta, a gente as vezes entrava as 6hs da manhã e saia as 11hs da

noite, só com 1hora de almoço e meia hora de janta. E isso era horrível, porque você fica

acabada, imagina entrar as 6hs da manhã e sair 11hs da noite. E a gráfica é embaixo da

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casa dele, então ele sentava na casa dele, ele dormia e comia a hora que ele queira, e a

gente não. A gente tinha que tá trabalhando ali, trabalhando, trabalhando... e gente... cheio

de cola no corpo, era horrível. Os dedo tudo cortado, por causa do estilete, acabada, parecia

um menino, sabe? Toda suja, maloqueira. E ele não sabia compreender, ele gritava com as

pessoas e xingava, e você ficava ouvindo, sabe? Era uma humilhação. Ainda bem que ele

nunca gritou comigo, mas eu não admitia que ele gritava assim com as pessoas, era

humilhação mesmo. E ele só pegava pessoas novinhas, porque sabe, meni... criança assim

não sabe direito, tal e meio que não discute e aí... aí ele, ele tinha uma esposa, que a mulher

dele era super legal, mas ele tinha um jeito de falar com ela que eu achava horrível, ele

gritava com ela, fazia ela chorar na frente de todos os funcionários, e ela, querendo ou não,

ela é patroa também, ele não tinha que falar assim com ela... eu acho que ele ´pe uma

pessoa sem caráter. Eu não gosto de gente assim. Aí eu fui pegando um... aí que eu fui

procurando outro emprego, fui entrando em internet, né? No CAT, fui mandando currículo

assim, toda vez que uma amiga ia numa agencia levava meu currículo. Aí eu fiquei

sabendo da vaga do shopping da Lapa e fui lá. E eu acho que ele... ele não tem escrúpulos,

ele é uma pessoa sem caráter.

Pesquisadora: E você costuma procurar emprego onde? E como?

Entrevistada: Jornal e geralmente a gente também sempre houve falar, “ah, tem uma

agência ali”. Na Lapa inteira, em todo lugar que você passa tem currículo meu, né? Pela

Lapa inteira. E eu procuro mais por jornal e internet também.

Pesquisadora: E você está procurando mais nessa área de vendas?

Entrevistada: Não, eu procuro em qualquer coisa, mas sempre vem mais vendas por causa

da minha experiência, né? E eu topo, porque eu gosto. Então tá feito, né?

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Anexo II

Transcrição da entrevista com o Selecionador

Pesquisadora: Para começar, você poderia me falar um pouco sobre você.

Entrevistada: Então... eu já trabalhava na XXX (nome da empresa)... ai, agora falei...

bom, eu já trabalhava na XXX (nome da empresa), na área de Medicina Preventiva, fiquei

por três ano e meio lá, estagiando. Depois me formei, e aí fiquei seis meses como

terceirizada, né? Fiquei seis meses trabalhando como terceirizada e aí recebi essa proposta

de vir trabalhar aqui no RH na área de treinamento. Então eu entrei no ano passado, em

julho do ano passado e tô lá até agora. E agora eu fui transferida para a área de seleção,

então nós tivemos uma fusão e uma “disfusão”... Bom, eu entrei em julho e era só

treinamento, eu trabalhava só com treinamento, trabalhei só com treinamento até dezembro

e a partir de janeiro eu comecei a trabalhar com seleção, e agora esse mês... é, eu

trabalhava com seleção e treinamento... e, agora esse mês, eu passei a trabalhar só com

seleção... é... quando eu iniciei o trabalho com seleção eu fazia somente na parte de

atendimento, então, eu trabalhava com vagas de recepção, de escriturário e algumas vagas

administrativas, né... depois eu passei a fazer um pouco as vagas de enfermagem, mas só

pra ajudar no fluxo, como a gente abriu novas unidades, então precisamos fazer uma força

maior de contratação e aí agora foi me dado o programa de gestão de estagiários. Então

toda a parte de seleção e implantação de estagiários na área, avaliação de desempenho, e aí

eu vou começar a fazer, né? E gestão de contrato e tudo mais... E, assim, tá sendo diferente

pra mim porque na época da faculdade eu dizia assim que Deus me livre que eu ia

trabalhar na área de RH, porque eu odiava trabalhar, eu falo que eu odiava RH, e eu não

queria, e eu brigava com o professor porque eu não queria assistir a aula, e aí depois eu me

apaixonei pela área, né? E engraçado é isso, que a gente tem uma visão na faculdade

totalmente diferente do que é a área de Recursos Humanos... então, quando eu aprendi que

em Recursos Humanos a gente cuida de pessoas, assim como no consultório, como em

outras áreas da Psicologia, aí eu passei a gostar do RH, né? Então agora eu tô só na

seleção, né? E vou começar esse trabalho de acompanhamento, que é um trabalho de

cuidar das pessoas, né? Também trabalho, também tenho meu consultório, atendo a noite e

aos sábados, que é uma parte que me traz muita satisfação também, tenho lá meus

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pacientes que eu não abro mão de atendê-los de jeito nenhum também. E assim vou indo,

né? Vou caminhando...

Pesquisadora: Como é que é o processo seletivo? Como você gosta que ele seja feito?

Entrevistada: Primeiro, o relacionamento entre o gestor e a área de seleção tem que ser

excelente, porque, né? Os departamentos da empresa não têm visão do que é a área de

recrutamento e seleção. Então, assim, num exemplo, ontem me liga uma pessoa, um gestor

de departamento me dizendo assim: “R. eu quero... eu quero que você me mande

amanhã...”, amanhã!!!! é ... “... pelo menos uns quatro candidatos para área de... para

estagiários nessa área, na minha área...”, eu falei tá, mas pra colocar, pra que vaga, né? Que

eu não tenho nenhuma vaga aqui... não, ainda vai sair, a pessoa vai sair semana que vem,

mas eu já quero que você me mande amanhã essas vagas. Eu falei tá, então agora me conta

o que faz o seu estagiário, o que que ele precisa saber, que programas ele precisa saber de

informática, o que... qual é o perfil, tem que estar em qual ano da faculdade, tem que... aí

comecei a encher ela de perguntas, né? E ela foi me falando e eu fui traçando o perfil da

vaga. E assim, um perfil super complexo, né? Então eu falei assim, tá e você quer esses

candidatos pra amanhã? Ela falou: “É, amanhã, no máximo amanhã, se você puder me

mandar hoje...”. Eu falei peraí, calma... aí, como eu tenho um bom contato com essa pessoa

eu comecei a brincar com ela dizendo: “Olha aqui eu não tenho uma cartola mágica que eu

tiro, né? Coelhos daqui e te mando pra entrevistar, então você vai ter que esperar, vai ter

esperar eu recrutar” e aí eu expliquei pra ela qual era o processo seletivo, como funciona o

processo de seleção e recrutamento. Eu falei olha, é preciso anunciar a vaga, desse anúncio

vão vir muitos currículos, desses currículos eu tenho que tria-los, eu falei triar, depois que

triar, eu tenho que ligar pra essas pessoas pra ver a disponibilidade de horário pra eu

atendê-las, eu tenho que ver a minha disponibilidade e a disponibilidade de salas aqui pra

eu entrevistá-los, aí depois que eu entrevistá-los, ele ainda vai um teste, eu vou entrevistá-

lo, ele vai fazer, é... o teste prático que você vai me mandar de computação, né? De

informática, pra saber se ele tem mesmo o conhecimento que você quer, depois disso, eu

vou analisar tudo isso, aí vou fazer o laudo dele, e aí eu vou te encaminhar. “Que????”. Eu

falei: “É...”, eu falei assim não é, não é pastelaria, né? O que a empresa, e não só essa

empresa, mas qualquer outra empresa, quer fazer doa seleção, do departamento de

recrutamento e seleção uma pastelaria, como se fosse muito fácil falar, né? “Dá um pastel

de carne, um pastel de queijo, um pastel de presunto...”, né? Eles acham que candidato

vem assim, e não é assim, e até pras vagas fáceis de serem trabalhadas, por exemplo, uma

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vaga de é... recepção, não é uma vaga difícil de trabalhar, né? Porque você pode pegar

qualquer pessoa, mesmo sem experiência, e ver se ela tem o perfil que você espera e tá,

aí... só que você tem que avaliar o perfil, pra ver, né? Só que, então... às vezes de dez que

vêm, duas você consegue aproveitar, com aquele perfil, né? E eu acho que o mais

importante do processo seletivo é você colocar a pessoa certa no lugar certo, né? Que é o

mais difícil de fazer, né? Então assim, o processo de seleção e recrutamento é muito legal

desde que você tenha um, um espaço pra trabalhar, senão você enlouquece junto com o

gestor que tá precisando da pessoa lá, né? E até pra mim é o relacionamento entre os dois e

os líderes da empresa conhecerem como funciona o processo seletivo é fundamental, na

minha opinião.

Pesquisadora: E a maioria não conhece e nem quer saber...

Entrevistada: Não, de jeito nenhum...

Pesquisadora: E você falou da entrevista, como é que é esta entrevista? O que você

normalmente procura nos candidatos? Você utiliza testes projetivos ou não?

Entrevistada: Olha, é... eu já começo o processo desde o recrutamento, que é a análise do

currículo, né? Então, eu, eu sou exigente... com relação ao português, a escrita e a

linguagem porque isso determina o nível do candidato também, então os currículos que

vêm, né? Profissional com “c”, ou: “Objetivo: trabalhar em qual... aonde tiver precisando”,

né?

Pesquisadora: Nenhum objetivo, né?

Entrevistada: Ou então, aquele que liga e fala: “aí tá pegando?”, Tá pegando o que? Eu

penso, né? Pegando quem? O que e quem, né? Então é... isso já, pra mim, é difícil, embora

eu, eu, as vezes, mesmo assim eu ainda falo, não eu vou conhecer. Porque as vezes não

foi...né? Um erro que todo mundo pode cometer, mas aí mesmo assim eu já fico mais

cautelosa com aquela pessoa, em avaliar com mais intensidade. Então, eu avalio o

currículo, vejo se tem o perfil pra aquela... ligo e faço uma pré-seleção já, nessa ligação eu

já, já... pergunto se a pessoa está disponível pra iniciar quando solicitarem, eu, eu

questiono sempre o lugar onde ela reside como é o acesso para o lugar, local da vaga, é...

eu pergunto a pretensão salarial, né? Porque eu não quero que a pessoa venha até aqui e me

diga: “Ah, não... minha pretensão salarial é R$ 1.200,00, e eu não vou aceitar a sua vaga de

R$ 800,00...”, né? Então olha o tempo que essa pessoa teve de vir até aqui e o tempo que

eu gastei com ela, né? Então pretensão salarial é uma coisa que eu já pergunto no telefone

quando eu tô convocando pra fazer a entrevista, eu já questiono sobre o tipo de trabalho, se

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a pessoa já teve experiência naquela área, ou se a vaga não precisa de experiência, se ela

tem interesse em executar aquela função, né? Então eu já faço essa seleção. E... e quando a

pessoa vem, nós não temos, aqui, ainda padronizado, um teste de seleção, né? Um teste,

um teste pra seleção, então cada selecionadora trabalha com, da forma que é... que acha

que é mais adequada ao perfil. Por exemplo, aqui nós temos uma pessoa que ela é formada

em grafologia, que fez curso de grafologia. Eu, particularmente, é... faço opção por... é...

por instrumentos que sejam autorizados pelo CRP, né? Então, tem uma outra selecionadora

que usa o IAT, né? que... é um teste bem legal, mas que também não está autorizado, então

ela usa só como base, e ela não... isso... no... a seleção dela não depende do IAT, é mais

pela entrevista e tudo mais, mas ela usa também... Eu, particularmente, não uso nenhum

teste, o que eu peço é simplesmente uma redação de 20 a 25 linhas e de tema livre, através

dessa redação eu já observo linguagem, eu já observo é... conteúdo, né? Da redação, e eu

pego organização de raciocínio, né? Tudo através da redação. Então como a gente

entrevista no mesmo momento é... que a pessoa termina, né? Então ela termina, eu peço

pra aguardar, aí eu já leio a redação, já faço uma avaliação, já olho o que a gente chama

aqui de SOE, que é a Solicitação de Emprego, é uma ficha que eles preenchem, e aí ali, eu

já olho, é... se a pessoa estuda, por exemplo, qual é o horário da vaga e qual é o horário que

ela estuda, será que bate? Ai não, é no mesmo horário, será que ela tem disponibilidade pra

trocar horário, né? Então, já faço avaliação porque a gente precisa estudar o currículo desse

ser que veio pra entrevista, então eu olho tudo antes e aí eu entrevisto. No momento da

entrevista, então, eu avalio muito, a linguagem verbal, postura, é... a ansiedade, porque até

é compreensível que a pessoa esteja ansiosa, e eu relevo isso numa boa, essa semana

mesmo eu fui fazer a entrevista com um estagiário na área de odontologia e era pra

trabalhar na área de odontologia preventiva, então eu dei um texto pra ele é... expor, né?

Pra ele apresentar pra mim, e ele tremia, tremia, tremia, mas isso era de menos nele, então

ele se desenvolveu bem, eu observei a linguagem corporal também que é importante, né?

É... pra... pra função que ele ia exercer. Então isso eu relevo, a ansiedade eu relevo, mas

tem situações que são extremas, onde a gente pode observar que é um distúrbio mesmo, de

ansiedade, então ela não tem um acompanhamento clínico mais assertivo, mas tem coisas

que pela nossa profissão a gente observa de imediato, né? E assim, eu costumo puxar

muito da família, “Ah você mora com quem?”, né? As minhas... eu procuro deixar um

ambiente muito descontraído, e eu até... assim, é muito engraçado, que aqui dá pra ouvir,

se você falar muito mais alto dá pra ouvir, as risadas pelo menos, e aí as meninas falam,

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você tava com quem, né? E eu falo que tava fazendo entrevista, “com aquele monte de

gargalhadas?” e eu falei é com aquele monte de gargalhada. Então se eu sou educada, se eu

sou é... é carismática com o candidato, é... ele vai com certeza se sentir mais a vontade, e

assim, ele vai me falar muito mais, muita coisa mais do que ele me diria se eu tivesse numa

postura mais, num questionário mais diretivo, mais objetivo. Então eu pergunto da família,

se é... normalmente a pessoa fala que namora e eu comento: “Quando que vai se o

casamento?”, né? Pra buscar como que é o relacionamento dessa pessoa com amigos, se foi

alguém que indicou ela pra... pra vaga, né? “Ah, como ela é? Você conhece da onde essa

pessoa? Ah, me conta como que você conheceu ela?” Então assim, pra buscar até o

relacionamento interpessoal, que é muito importante. Por que que pra mim é importante?

Porque a maioria das áreas que eu contrato eu conheço as chefias, conheço as pessoas que

trabalham no setor, então entra naquela questão de colocar a pessoa certa no lugar certo, as

vezes o candidato que vem ele é perfeito, e eu já cheguei a falar pra candidato assim:

“Olha, eu não vou te contratar porque você é muito bom pra essa vaga...”, “Não, por favor

R., eu preciso trabalhar...”, “Não. Espera. Confia?” Tá, então tá, então espera, e aí a partir

do momento que aparece uma vaga com aquele perfil eu chamo essa pessoa. Então, eu

tenho muito isso... não adianta tem coisa... eu contratar uma pessoa que tem... é... assim, é

super espontânea, pró-ativa e tal, pra uma liderança que é mais conservadora, que é mais

é... dominadora, né? Então, eu pré... não adianta, por mais que o profissional seja bom.

Então isso...

Pesquisadora: Vai bater de frente com a chefia.

Entrevistada: Exatamente. Então, o que acontece, né? O que eu acho, é... assim,

interessante. Esse meu jeito de selecionar, é tão engraçado que às vezes, é... eu, eu, a gente

cria um vinculo com esse sele... esse candidato, que é muito engraçado, as vezes o cara não

passa na entrevista, mas as vezes ele te liga pra perguntar como você está, né? é... pra te

contar que tá trabalhando em um outro lugar, já aconteceu, “Ah, oi R., só tô te contando

que é... eu tô trabalhando, tá. Mas muito obrigado por ter me recebido, tá”, então é... é

bacana isso, né? Você ter esse retorno, que... que é o vínculo. Então, esse vínculo, também

é importante, porque você... é... a seção é a porta de entrada, e aqui a gente trabalha, faz o

processo admissional dele, então pede as documentações, até a semana passada nós

recebíamos a documentação do candidato, tudo, carteira profissional, foto, tudo, tudo, tudo,

e aí indicava a data que ele ia começar, já avisava o gestor, e aí ele vinha pra integração, e

depois é... ele te liga: “Oi R., ó, tô te ligando pra te avisar que tá tudo bem aqui, que eu tô

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adorando, que tá muito bom...”, então é... cria esse vínculo, né? E aí é... isso é você ver que

você fez um bom trabalho, né? Que você deixou a pessoa a vontade, tudo... até pra ir

melhor, até pra ela mostrar quem ela é, e a gente vê se ela é boa ou não, se ela tem ou não o

perfil pra nossa vaga, né? Então aqui a gente não usa nenhum teste projetivo, mas eu... na

redação me ajuda muito a ver quais são os ideais, o nome de título da redação, “Ah, você

colocou aqui...” é... sobre... ai assim é por época, né? Quando teve o acidente do menino...

quando teve o assassinato daquele menino que... que levaram ele, arrastando pelo carro, lá,

nossa... aquela semana foi só aquele assunto, aí começou a falar de aquecimento global,

todas as redações de aquecimento global, aí agora é... é... fala de uma CPI, toda... a semana

inteira é a mesma coisa, então por mais que a gente não leia o jornal, a gente vai ficar bem

informado porque as redações são do momento. Eu acho que é um... engraçado, é pegar

num ponto muito engraçado das redações, onde a gente pede tema livre, que quando a

pessoa não tem o perfil... assim, ela não tem idéia do que ela vai falar, ou ela não tem um

é... uma boa fluência em desenvolver um assunto, ela fala dela mesma, “Vou falar nessa

redação sobre mim...”, então ela blá, blá, blá, blá, blá, me conta ela, dela toda. Então,

principalmente essas eu aproveito na entrevista, ah, as vezes eu peço pra pessoa mesma ler

pra mim a redação, e aí eu já acompanho leitura, então eu acho que é bem bacana é... a

redação, porque é muito espontânea.

Pesquisadora: Você lembra de alguma situação em que você tenha achado que o

candidato tava querendo muito mostrar alguma coisa, que você ficou desconfiada que

pudesse não ser...

Entrevistada: Ah, nossa, isso acontece sempre, sempre, sempre... é... e... a pessoa muito

educada, extremamente educada, aí você já para e fica, né? Tá, tudo bem, ela é assim, será?

Então você começa, né? Faz um contato, faz outro, né? Pede uma coisa, pede outra, aí você

vai vendo qual é o limite daquela pessoa, né? Então a pessoa muuuuito, extremamente

educada e simpática, aí você já pega e fala que essa já tá tentando mostrar algo que... que é

exacerbado, né? Que ninguém é assim o tempo inteiro... ninguém é extremamente gentil e

extremamente educado o tempo inteiro...

Pesquisadora: todo mundo tem o seu momento de explodir...

Entrevistada: Aí assim, uma vez aconteceu uma coisa muito engraçada, muito engraçada.

É... eu pego o ônibus e vou... que é o Vila Madalena, que sai do metrô Barra Funda e vem

pra cá. E esse é um ônibus super complicado, quando ele para no metrô Barra Funda, é...

não tem uma fila, as pessoas se aglomeram na porta, e é um matando o outro na hora de

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entrar no ônibus, né? E aí, eu vi uma moça, que ela foi extremamente mal-educada

empurrando uma senhora, e aí a senhora falou: “ô moça, tenha cuidado...”, e ela ainda

falou que mal-educada era a mulher e ainda sabe... ainda ficou debatendo, eu falei tá... e eu

só olhando, nossa, como que consegue ser assim, né? Tá, aí ela brigou com o cobrador

porque ela falou que o cartão dela tinha crédito, foi extremamente mal-educada com a

cobradora e tal, sentou e eu vim numa boa. Aí, eu desci no ponto de cima e eu vi que ela

desceu no ponto anterior ao meu, quando eu cheguei aqui, ela estava sentada na recepção, e

por acaso ela era a minha candidata, só que eu não comentei nada, e eu comecei... eu

comecei a questionar, né? “Como é o seu relacionamento com as pessoas?”, né? “Aí, eu

adoro...”, não sei o que, não sei o que, “... adoro gente, adoro cuidar de gente, adoro

atender pessoas...”, e ela era... nossa, era a vida dela isso, né? E eu: “Mas assim, como é

quando uma coisa sai contra a sua vontade, né? Por exemplo, você tava esperando que

acontecesse uma coisa e não acontece, como é que você reage?”, “Ah, não... pra mim

numa boa... nossa, numa boa...”, e aí ficou no numa boa, e não sei o que numa boa, ela só

numa boa, e eu fali: “Ah, tá...”, né? E eu falei: “E pra você como é trabalhar com pessoas

idosas, né? Porque você sabe, elas são meio limitadas, tem dificuldade de se expressar, tal?

”, “Ai, eu adoro velhinhas, aí é tão bonitinho tratar velhinhas, ai é tão bonitinho, ...”, e eu:

“Ah, tá...certo...”. Então é por isso que eu confirmo a minha situação, né? Se a pessoa é

exacerbada em falar a qualidade dela, calma, alguma coisa tem, provavelmente isso é uma

dificuldade que ela tem. E aí claro que eu não aprovei ela, e ela me ligou questionando,

falando por que que eu não tinha aprovado ela, e aí eu disse que ela não tinha o perfil

adequado é... condizente com o tipo de trabalho e ela me questionando, me questionando,

foi grossa até comigo, e a única resposta que eu dei ao final da ligação é... pra ela, foi que

é... talvez o jeito de tratar as pessoas tivesse sido o ponto que eu tivesse a reprovado, né?

Então, ela agradeceu: “Muito obrigada, me desculpe qualquer coisa... Tenha um bom dia.”.

Fazer o que? Não tem jeito né...

Pesquisadora: E teve algum assim que chegou a escapar e começou a trabalhar, e aí...

Entrevistada: Teve, teve, teve sim. Alguém que... assim, aquela pessoa que você fala

nossa, mas eu gostei tanto dessa pessoa, ela foi tão bem, ela é se expôs tão bem, ela foi tão

bem na dinâmica de grupo e agora tá fazendo essa papagaiada, né? Um recepcionista, um

rapaz, fala muito bem, é... participa muito bem em dinâmica de grupo, ele fez a dinâmica

de grupo, participou muito bem, deu espaço pro outro, falou também, é... tinha uma ótima

linguagem verbal. E o bonito, não tenho nada contra as religiões, mas ele é evangélico, e

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aí, ele é extremamente assim... ele invade o espaço dos outros, tanto é... e isso é tão

verdade, que ele veio num treinamento aqui, que eu mesma dei, e eu coloquei uma música

enquanto as pessoas faziam um trabalho manual, né? era um recorte de revista, era pra

montar o marketing pessoal, e aí eu pus uma musiquinha pra não ficar aquele silêncio, né?

Saí da sala, quando eu voltei, ele tinha trocado a música, tinha colocado um hino da igreja

e tava cantando em alto e bom som, né? E assim, as pessoas que tavam no treinamento,

super assim... né? Que que é isso, né? Quem mandou, quem deixou? Aquela coisa, né? E

eu falava: “Ai meu Deus do céu...”. Aí eu liguei pra chefia, né? “Como que tá o fulano

aí?”, “Ai R., tá difícil viu...”, e assim, te dá aquela dor no coração mesmo, porque... puxa,

da onde que escapou, né? Então, aí é que eu falo sobre a importância de um teste, né? Na

hora da seleção, e assim né? Eu gosto muito de um teste, e ele, ele não é muito viável pela

demanda de vagas que nós temos, né? Que é o PMK, e eu penso que ali revela muitas

coisas, só que você precisa de uma mesa adequada pra... pra aplicar, as folhas do teste são

pagas, e isso gera um custo grande, e ele é um teste trabalhoso no início, né? no princípio...

porque tem que mensurar, tem que fazer laudo, né? Então, ele dá um pouco de trabalho, e

pelo tanto de vagas que nós temos, nós acabamos fechando 160 vagas no mês, pra... três

selecionadoras... quatro... quatro selecionadoras, como que faz? Então não há tempo hábil

para o PMK, nem autorização da... da Diretoria, né? Pra esse gasto. Então eu... é um teste

que eu ficaria interessada.

Pesquisadora: Tem uns testes também que são usados por administradores... que eles

falam que avalia também a personalidade, enfim alguns testes que o próprio selecionado

responde no computador e o computador mesmo dá o laudo depois, você já ouviu falar?

Entrevistada: É... a YYY (empresa de intermediação de mão-de-obra on-line) é uma

empresa que aplica o teste on-line... é... a gente não usa esse recurso da YYY... é... eu acho

assim que o teste ele é muito legal, só que você tem que saber usá-lo, então assim, de que

me vale eu aplicar um teste voltado pra, por exemplo, liderança, avaliar a liderança da

pessoa se ela vai trabalhar na área de recepção, nem vai ser líder, né? Então, não dá... então

tem... a gente deveria ter é... na seleção, vários testes, cada teste adequado ao cargo, e isso

é a avaliação por competências, né? Que é uma coisa que eu acho bacana, acho que tem

que avaliar por competências e ter o teste adequado pra função. Então hoje em dia, pelo...

no CRP a gente encontra vários testes, teste de atenção concentrada, que seria um teste pra

área de contabilidade, por exemplo, que seria bacana de usar. É... um teste que é o IAT,

trabalha muito a... tem vários aspectos, né? Liderança, trabalha a organização, trabalha

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relacionamento em equipe, então é um teste que eu acho bacana embora, não esteja

aprovado, né? que é um inventário, mas tem muito inventário que eu não... não faço o

teste, que é o QUATI, por exemplo, eu não gosto... ele é muito usado, mas eu não, de jeito

nenhum, porque eu fui selecionada pelo, com o QUATI, e eu lia aquilo e eu falava

imagina..., o que é isso, né? Eu não... e não é nem resistência, é que como eu sou u ma

profissional da área, né? De avaliação psicológica, então eu falo, não é assim que se avalia.

Então eu, eu não gosto do QUATI.

Pesquisadora: E o que que é emprego pra você?

Entrevistada: Emprego... o meu emprego ou o empregar de forma geral?

Pesquisadora: Os dois. Você acha que tem diferença, ou não tem?

Entrevistada: É... eu acho que emprego é melhor do que... espera um pouquinho deixa eu

voltar... colocar que eu sou empregada ao invés de eu sou trabalhadora, é muito melhor,

porque o trabalhador, se você separar, olha só o que que dá trabalha a dor, parece aquela

coisa sofrida, aquela coisa, né? Trabalhosa, e aí é ruim porque isso acaba com a motivação

pessoal pro trabalho. É... o emprego pra mim é... vem junto com empenho, vem

acompanhado. Quando você se emprega em fazer algo, você está se empenhando em fazer

algo. Então, eu acho que pecam as pessoas que empurram um cargo com a barriga, “ai eu

não to contente aqui, mas eu não vou pedir as contas porque eu estou há muito tempo...”,

né? Então, isso pra mim é abominável... abominável. Esta semana me ligou uma pessoa da

empresa per... me pedindo que se eu soubesse de alguma oportunidade em outra área que

eu indicasse e que eu não levasse a mal o pedido dela, e eu falei: “Não, eu não levo a mal,

na verdade eu apóio”, né? E eu incentivo... porque você tem que estar satisfeito ali, né?

Nem sempre a gente gosta... a gente faz o que gosta, mas se você estiver gostando do que

tá fazendo, sai lindo, tudo sai lindo, né? tudo sai perfeito, tudo sai do jeito que você

gostaria que saísse porque é o nosso empenho, é o nosso empenho na função, né? As vezes

você chega num setor, como eu passei em várias unidades eu tenho muito isso claro pra

mim já, embora a minha trajetória profissional seja recente, né? Eu tenho um ano e meio de

formada. É... trabalhei com seleção, com... com treinamento, só treinamento, quando eu

cheguei no setor de treinamento era uma coisa totalmente diferente do meu modo de

trabalhar, e aí você pega e pensa e agora, né? Eu vou fazer assim do jeito que já é ou eu

vou botar a minha asinha pra fora e vou adequar o trabalho ao meu modo de trabalhar, né?

Então, eu tive que olhar como é o campo e implantei todas as idéias que eu tive vontade.

Na seleção a mesma coisa, em questionar pro técnico: “mas por que a gente tem que fazer

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assim?”, primeiro eu deixei todo mundo de cabelo em pé, “mas por que que tem que

entregar isso aqui?”, “por que que tem fazer aquilo?”, “por que que tem que fazer aquilo

outro?”, “por que...?”, né? Pra que? Porque aquilo tinha que fazer sentido pra mim e o meu

emprego ser da maneira que me satisfaça, e aí hoje em dia, o emprego de modo geral chega

a ser até triste, de certa forma, por que? Porque as pessoas aceitam qualquer coisa, elas

estão sem trabalhar, estão sempre sem ter o salário pra manter as suas despesas, e aí a

primeira proposta que recebe, aceita, né? E aí, o que que acontece? Ela vai pra um setor,

vai trabalhar com pessoas que ela não conhece, não tem a menor vontade de ter aquilo pro

futuro dela e ela faz de qualquer forma, né? Então, o funcionário pra mim, ele... não... não

deve bater o cartão, entrar, fazer o trabalho, bater o cartão e ir embora, ele deve

acrescentar, a passagem dele ali naquela empresa, naquele departamento tem que ficar

marcada, né? Com o carimbinho dele, né? Não dá pra você só exercer sua função e ir

embora, tem que ser inovador, tem que trazer uma nova proposta também, essa é a minha

visão de emprego, é fazer acontecer, aonde você está, não importa se aquela função pode

até não ser o sonho da sua vida, mas você tem que fazer... deixar sua marquinha lá, se

empenhar e inovar sempre...

Pesquisadora: Mas tem lugares também que não dão essa abertura, que ao primeiro sinal

de você tentar mudar alguma coisa...

Entrevistada: Será?

Pesquisadora: Não sei, eu ouço muito falar...

Entrevistada: Será? Eu tenho minhas dúvidas...

Pesquisadora: Eu acredito que quando você prova o valor daquilo, o quanto acrescenta,

você sempre consegue o que você quer, né? Mas eu ouço muito falar de chefias muito

autoritárias, que não, é assim e vai ter que ser sempre assim...

Entrevistada: É porque as vezes não é batendo de frente que você consegue implantar

inovação, é... você vê que engraçado... tem um livro que chama “Peixe”, é “Motivação

para a vida toda”, tem até um vídeo..., e ele fala da motivação. Então, o que você vê nesse

livro, ela fala assim que ela trabalhava numa empresa, não, num departamento, que era

maravilhoso, né? A autora fala, que era maravilhoso, que todo mundo gostava, que era

elogiado pela empresa toda e tal, e aí o que que acon... tinha um outro departamento que

era conhecido como depósito de lixo tóxico, olha que horror, né? E ela foi designada a

trabalhar como líder naquele departamento, ela disse que entrou em pânico, porque como

que ela podia estar saindo de um departamento onde a equipe era maravilhosa, onde todos

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se davam bem, onde a produtividade era alta e ir pra um lugar que se chamava depósito de

lixo tóxico. Então, o que é que ela foi fazer? Ela foi andar pelo, no mercado municipal, e aí

ela encontrou, ela pode observar essa peixaria, uma peixaria que eles são muito

bagunceiros, é assim... vêm pessoas do mundo inteiro pra conhecer essa peixaria, e eu não

lembro agora que lugar do mundo que é, mas vai gente do mundo inteiro conhecer. E eles

trabalham com a motivação, joga o peixe, “peixe viajando pra não sei aonde...”, joga o

peixe, o peixe voando, né? De um lado pro outro da peixaria, e as pessoas vêm olhar e

vende muito mais a peixaria pelo modo que os... os funcionários, trabalham. E ela foi

tentar entender como é que eles conseguiram chegar nesse nível pra que ela pudesse usar

isso no trabalho dela. Então, é... você vê as vezes não é o líder que é difícil, também as

pessoas do setor que são difíceis, o líder pode dar espaço, mas as pessoas não vão em

busca do espaço, então, eu acho que não existe nenhum lugar que é impossível um trabalho

diferente, né? Quem imaginava que uma peixaria pudesse ter esse trabalho...

Pesquisadora: Mas falam principalmente do serviço público que é tudo muito estagnado,

e é muito difícil trabalhar porque a grande maioria das pessoas já é de carreira e não pode

ser demitida porque passou no concurso público, e se acomoda e sabe que não vai ser

demitida mesmo...

Entrevistada: É, isso é um fato... mas e aí? Até aí você pode fazer a diferença. Acho que é

muito a motivação, o motivo da sua ação, pra que que você tá trabalhando ali, é de

profissional pra profissional, se o cara não quer saber mesmo, aí você não vai conseguir

nada mesmo, nunca, nunca, nunca, né? Mas agora se ele quer, ele é, em algum momento

alguém vai ver o interesse dele em inovar e em crescer, e se der certo, a idéia dele vai ser

comprada, senão não... que é a grande diferença, é o que eu digo é bater o cartão, trabalhar,

bater o cartão e ir embora, esse vai continuar nessa vidinha mesmo de sempre. Então, eu

acho que em qualquer empresa, qualquer setor, qualquer profissão, a questão é sempre

mostrar o que tem de melhor de forma também não a querer se sobressair perante os

outros, né? Mas mostrar o seu trabalho, né? Se empenhar, e mostrar ainda a noção que não

pode ser aberta e em alto e bom som porque senão você realmente assusta as pessoas que

já estão, mas com o teu trabalho e você mostrando resultado isso com certeza é enxergado.

Pesquisadora: Então acho que é isso, muito obrigada.

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Anexo III

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ______________________________________, R.G.: _____________, declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado (a) na pesquisa de campo referente ao projeto intitulado _________________________________ ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________, desenvolvido na Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Fui informado (a), ainda, de que a pesquisa é orientada pelo Prof. Sergio Ozella,, a quem poderei contatar a qualquer momento que julgar necessário através do telefone número (11) 3670-8320 ou e-mail [email protected]. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado (a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é ____________________. Fui também esclarecido (a) de que os usos das informações por mim fornecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde. Minha colaboração se fa´ra de forma anônima, por meio de entrevista semi-estruturada [a ser gravada a partir da assinatura desta autorização]. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo (a) pesquisador (a) e/ou seu (s) orientador (es)/coordenador (es). Estou ciente de que caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado (a), poderei contatar o (a) pesquisador (a) responsável [ou seus orientadores], ou ainda o Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CEP - PUC/SP), situado na Rua Ministro de Godoy, 969 – Térreo, Perdizes, São Paulo (SP), CEP: 05015-000, Telefone: (11) 3670-8466. O (a) pesquisador (a) principal da pesquisa me ofertou uma cópia assinada deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Fui ainda informado (a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos.

São Paulo, ____ de ______________ de ________.

Assinatura do (a) participante: ______________________________

Assinatura da pesquisadora: _______________________________

Assinatura do orientador: __________________________________