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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUS Quem é que, num momento ou noutro, ao olhar um céu nocturno, ao contemplar uma flor ou ao reflectir sobre si próprio e os outros seres humanos, não se interrogou já acerca da razão de ser disto tudo ou não se perguntou por que razão está aqui e como deve viver para que a sua vida tenha sentido? Estas são questões que têm intrigado os homens desde tempos imemoriais e são certamente algumas das perguntas mais importantes que o ser humano pode colocar sobre si próprio

O sentido da existência e deus

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSQuem é que, num momento ou noutro, ao olhar um céu nocturno, ao contemplar uma flor ou ao reflectir sobre si próprio e os outros seres humanos, não se interrogou já acerca da razão de ser disto tudo ou não se perguntou por que razão está aqui e como deve viver para que a sua vida tenha sentido? Estas são questões que têm intrigado os homens desde tempos imemoriais e são certamente algumas das perguntas mais importantes que o ser humano pode colocar sobre si próprio

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUS Parte deste interesse pela questão do sentido da vida

parece ser intelectual e resultar da curiosidade própria do ser humano, do seu desejo natural de saber, como dizia Aristóteles. Mas uma parte substancial do interesse resulta também da sua grande importância para a forma como vivemos a nossa vida. Teriam Hitler ou Estaline mandado matar milhões de pessoas se soubessem que Deus tem um propósito para nós que requer um comportamento moral exemplar? E teria S. Francisco Xavier empreendido a evangelização do Oriente se soubesse que Deus não existe ou, se existe, não tem qualquer propósito para o universo e para homem? É difícil imaginar que a resposta a estas questões fosse em ambos os casos afirmativa. Por conseguinte, a maneira como cada um, de forma mais ou menos consciente, responde a esta questão determina o modo como encara a vida e influencia as decisões que toma.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

Expressão ambígua pela qual se costuma misturar várias questões: porque existe o universo? Porque existe o ser humano? Há um algum propósito para o universo e o ser humano? Como podemos viver uma vida com um objectivo com valor?

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

No livro As Sereias de Titã, Kurt Vonnegut, um escritor americano de ficção científica, narra como a história humana foi manipulada de modo a tornar os seres humanos capazes de fabricar uma pequena peça de metal para uma nave espacial que se dirige do planeta Tralfamadore, na Pequena Nuvem de Magalhães, para uma galáxia distante, com a missão de entregar uma mensagem de saudações, e que se avariou ao passar pelo Sistema Solar

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

Se, tendo a história de Vonnegut por referência, perguntarmos qual o sentido da vida humana, a resposta terá forçosamente de ser «fabricar uma peça para permitir entregar uma mensagem numa galáxia distante». Esta resposta sugere que a palavra «sentido», além de ter o significado que acabámos de ver, também pode, pelo menos em certos contextos, querer dizer propósito, finalidade ou desígnio, como quando, por exemplo, perguntamos «Qual o sentido de fazer sofrer um animal indefeso?». Por conseguinte, a pergunta sobre o sentido da vida pode também significar «Qual o propósito ou a finalidade da vida?».

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

É mesmo com este sentido, com o sentido de «objectivo» ou «finalidade», que a expressão «sentido da existência» é geralmente usada quando se fala do problema do sentido da vida.

A história de Vonnegut contém ainda uma outra implicação. É impossível não ter a impressão de que se a finalidade da vida humana é produzir uma peça insignificante com o objectivo de permitir levar uma mensagem, também ela insignificante, a uma galáxia longínqua, a vida tem pouco que a faça merecer ser vivida. Isto sugere que para que a vida tenha sentido não basta que tenha um propósito ou finalidade. É também necessário que esse propósito tenha valor, que seja de alguma forma importante

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

No filme de João César Monteiro, Recordações da Casa Amarela, o personagem principal, João de Deus, colecciona pêlos púbicos de jovens donzelas. É evidente que a sua vida tem um objectivo, mas é também evidente que não tem qualquer valor, visto que esse objectivo não tem ele próprio qualquer valor. Coleccionar pêlos públicos pode fornecer uma finalidade à vida, mas é difícil imaginar que possa fazer com que mereça a pena vivê-la, mesmo que isso torne a pessoa que o faz imensamente feliz.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

Quando nos interrogamos acerca do sentido da vida não queremos apenas saber que objectivo ela pode ter. Procuramos também uma justificação para a nossa existência, algo que lhe dê valor e que a faça merecer a pena ser vivida. Perguntar, então, qual o sentido da vida implica perguntar como devemos viver para que a nossa vida mereça a pena ser vivida.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSCLARIFICAÇÃO DA EXPRESSÃO “SENTIDO DA VIDA”

Imagine - se no fim da vida, já muito idoso, às portas da morte, olhando para o passado e perguntando a si mesmo se a sua vida teve sentido (ou, se preferir, uma vez que o resultado é o mesmo, imagine - se agora a perguntar a si mesmo como deve viver a sua vida para que ela tenha sentido). Chegará facilmente à conclusão de que há apenas duas coisas que interessam para responder a essa questão: 1) saber se a tua vida teve um ou mais objectivos; e2) saber se esse objectivo ou objectivos têm valor. Se a sua resposta a estas perguntas for em ambos os casos afirmativa, então a sua vida teve sentido. Se, pelo contrário, nenhuma das suas respostas ou se apenas uma foi afirmativa, então a sua vida não teve sentido.

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AS DUAS CONDIÇÕES PARA QUE A VIDA TENHA SENTIDO.Há duas condições que são necessárias e suficientes para que a vida tenha sentido:1. Que a vida tenha um ou mais propósitos, finalidades ou objectivos; 2. Que esse objectivo ou esses objectivos tenham valor.

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As aparências iludem Parece que afinal o problema do sentido da vida é de fácil resolução. Tudo o que precisamos fazer é determinar qual o objectivo ou os objectivos que têm valor e dedicar a nossa vida à sua realização. Ora, o problema está precisamente aqui. Embora os filósofos estejam em geral de acordo em que uma vida para ter sentido tem de ter um ou vários objectivos com valor, estão longe de concordar quanto a qual ou quais os objectivos que têm valor.

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A resposta religiosaA ideia fundamental da resposta religiosa é a de que é Deus que dá sentido à existência. A finalidade da vida humana é a felicidade, mas, devido ao facto de a vida terrena ser limitada e incompleta, essa felicidade não pode ser plenamente alcançada nesta vida. Ela só pode ser alcançada numa vida depois desta vida, em que a alma imortal vive eternamente no reino de Deus. A felicidade é precisamente esta comunhão eterna com Deus. Em princípio, este objectivo está ao alcance de todos os homens, uma vez que Deus os fez à sua imagem e semelhança, mas só aqueles que fizerem da imitação de Jesus Cristo um objectivo da sua vida e a dedicarem à oração e à prática da virtude, poderão aspirar à vida eterna.

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A resposta religiosaA felicidade eterna, portanto, não é algo a que se possa aspirar sem contrapartidas. Para poder alcançá-la, o homem tem de viver neste mundo uma vida moral e religiosa plena, na qual a prática do bem e a adoração a Deus têm um papel essencial. Assim, embora o objectivo último da vida só possa ser encontrado numa vida para além desta, esse objectivo projecta-se nesta vida e dá-lhe significado e valor, pelo que o Cristão, mesmo neste mundo, pode ter uma existência com sentido.

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A resposta religiosaA perspectiva religiosa sobre o sentido da vida pode resumir – se assim:1. A vida com valor é a vida religiosa.2. Se Deus não existir e se não

houver imortalidade, a nossa vida não tem qualquer sentido ou propósito valioso.

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Argumentos da resposta religiosa1. Limitações da forma de vida

alternativa

A felicidade nesta vida não pode consistir apenas na fruição de bens materiais ou externos, sem que a espiritualidade e a moralidade tenham aí qualquer papel.

PORQUÊ?

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1. Porque quem vive para os bens terrenos está prisioneiro dos seus desejos, é dilacerado por muitos impulsos, e, por essa razão, não é livre nem pode ter paz.

2. Porque quem procura a felicidade nos bens externos procura-a em coisas de natureza precária, sobre as quais não tem qualquer domínio, pelo que a sua felicidade pode a qualquer momento transformar-se em infelicidade.

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3. Porque os bens externos não têm valor em si mesmos, não são bens últimos; são, na melhor das hipóteses, bens instrumentais, meios para outros fins, cujo valor depende daquilo para que servem e que podem ser bem ou mal usados.

4. Porque as concepções de felicidade que se baseiam neste tipo de bens pressupõem um estatuto privilegiado para aquele que é feliz, uma vez que dependem de capacidades e de circunstâncias excepcionais, que a maior parte dos seres humanos, por múltiplas razões, não tem nem pode aceder. Se o sentido da vida estivesse nestes tipos de felicidade, então a maior parte dos seres humanos não teria qualquer possibilidade de ser feliz.

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Argumentos da resposta religiosa2. Só Deus e a imortalidade podem dar sentido à existência

humana.

A - Se Deus não existir e não houver imortalidade, nada tem sentido. Se a imortalidade não existe, se as pessoas deixam de existir quando morrem, tudo o que façamos tem apenas um sentido relativo, isto é, é apenas um meio para outras coisas que, elas próprias, têm também somente um sentido relativo e, portanto, nada do que façamos tem um sentido último. E se nada tem sentido último, então nada do que façamos — todas aquelas pequenas coisas com que preenchemos o nosso dia-a-dia e as grandes coisas que podemos eventualmente fazer — tem qualquer sentido.

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Mas não basta que a imortalidade exista para que a vida humana tenha sentido. O mero facto de viver para sempre não dá sentido à existência. Se Deus não existe, a nossa vida, mesmo que seja uma vida imortal, é apenas uma vida infinita sem qualquer sentido. Portanto, é preciso também que Deus exista.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSB - Se Deus não existir e não houver imortalidade, nada tem valor. Por um lado, porque sem imortalidade o que quer que façamos não fará qualquer diferença. Tanto faz que sejamos como Estaline ou a Madre Teresa de Calcutá, o resultado é o mesmo. Se tudo acaba na sepultura, o que devemos fazer é agir exclusivamente de acordo com os nossos interesses, sem olhar a deveres ou a consequências, pois, no fim, é indiferente. Na verdade, muitas pessoas que tiveram fé e que depois a perderam ou que têm apenas uma fé superficial («Eu sou católico não praticante», etc.), agem exactamente deste modo. Além disso, se Deus não existe, não há padrões objectivos de certo e errado. Sem Deus, os valores morais ou são a expressão do gosto pessoal, e são subjectivos, ou subprodutos da evolução socio-biológica e da cultura, e são relativos. E se não existem valores, é impossível condenar mesmo os actos mais hediondos. Num universo sem Deus, o bem e o mal não existem. Existe apenas o facto da existência sem ninguém que diga o que está certo e errado.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUSC - Se Deus não existe e não há imortalidade, nada tem um propósito. Porque, se a vida acaba com a morte, essa vida não tem qualquer objectivo e é inútil e nem o universo nem o homem têm qualquer objectivo ou propósito. Mas mesmo que a vida humana não seja mortal, sem Deus essa vida não tem qualquer propósito, porque nesse caso o universo seria apenas o resultado do acaso, de um acidente cósmico, sem qualquer razão para ter ocorrido. E o mesmo é verdade do homem, um mero produto da matéria, do acaso e do tempo, uma aberração da natureza num universo sem propósito que vive uma vida ela própria sem propósito.

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SÍNTESE DA PERSPECTIVA RELIGIOSAPrimeira premissa: Ou Deus não existe e a vida é fútil ou Deus existe e a vida tem sentido.Segunda premissa: Ora, se a vida tem sentido, podemos ser felizes.Conclusão: Portanto, é racional pensar que Deus existe.

Em resumo, se Deus e a imortalidade não existirem, nada do que fizermos tem sentido, valor ou propósito e tanto o universo como a vida humana são absurdos.

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Críticas e alternativas à resposta religiosa

1. Quem não acreditar na imortalidade e na existência de Deus (numa ou noutra ou em ambas), não terá qualquer razão para aceitar a resposta religiosa e, pelo menos, em relação a Deus não é difícil ter boas razões para duvidar da sua existência.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUS2. É uma posição injusta.Todos aqueles milhões de pessoas que não partilham ou não partilharam a tradição religiosa judaico-cristã e muçulmana estão completamente impedidos de ter uma vida com sentido. Esta ideia, além de imoral, é difícil de aceitar. Imagine-se alguém que, embora ateu, por amor sincero aos homens dedica a sua vida a auxiliar as vítimas da lepra ou da sida. Como, por ser ateu, não acredita na imortalidade da alma e em Deus, a sua vida está inexoravelmente condenada a não ter sentido. Ao mesmo tempo, a vida da Madre Teresa de Calcutá, que se dedicou ao auxílio dos pobres e doentes, não por amor deles, mas como forma de propagar a fé cristã, como acredita em Deus e na imortalidade, tem uma vida com sentido. Admitindo que Deus existe e tenha criado tudo o que existe, não parece plausível que sendo sumamente bom, como os cristãos acreditam que Deus é, possa ter feito as coisas deste modo.

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O SENTIDO DA EXISTÊNCIA E DEUS3. A nossa vida pode ter sentido para Deus e não ter sentido para nós.Outro problema ainda é que se, como os cristãos pretendem, Deus criou-nos e deu sentido às nossas vidas, então as nossas vidas têm sentido para ele e não para nós. Se a razão de ser das nossas vidas for, como resulta da Bíblia, cumprir a vontade divina, ter uma vida com sentido, uma vez que esse é determinado do exterior, é pior do que não ter uma vida com qualquer sentido predeterminado. O que será melhor, ser um escravo com um papel no universo ou uma pessoa livre para criar um papel para si própria? E, no entanto, se o sentido da nossa vida for determinado por Deus, se a única forma de alcançar a felicidade for obedecer-lhe, o papel que nos está reservado é o de escravos. A nossa situação não é diferente do prisioneiro que quer sobreviver a todo o custo e sabe que a única forma de o conseguir é fazer exactamente o que o seu captor lhe manda.

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4. A resposta religiosa assenta em dois falsos dilemas

1.Ou se escolhe uma vida religiosa ou se tem uma vida sem sentido e sem

valor.

2.Ou Deus existe e há imortalidade ou então a vida não tem sentido nem

valor

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4.1. Primeiro falso dilema A vida religiosa é comparada com um outro tipo de vida do qual está excluída toda e qualquer atitude ou actividade moral. A possibilidade que nos é dada é a de escolher entre uma vida religiosa e moral e uma vida dedicada à fruição dos bens materiais e mundanos concebida de modo que a moral não tenha nela qualquer papel.

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REFUTAÇÃO DO PRIMEIRO FALSO DILEMAUma alternativa é, por exemplo, uma vida em que a procura e a fruição de bens exteriores, materiais e mundanos ou não, tenha um papel importante, mas que não exclua a moral e até uma dose importante de espiritualidade. Não há nenhum motivo para pensar que uma vida deste tipo, em que os diferentes tipos de bens (materiais e espirituais) tenham um papel equilibrado, não possa ser uma vida com sentido. É uma vida mais ou menos assim que a muitos seres humanos parecem procurar viver. Se fosse impossível ser feliz desse modo, esse tipo de vida não seria certamente tão popular.

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4.2. Segundo falso dilema.Por que razão a vida não tem sentido se não existir Deus nem imortalidade? Por que razão só temos duas hipóteses possíveis: uma vida com Deus e imortalidade e, portanto, com sentido e uma vida sem nenhuma dessas coisas e inevitavelmente absurda?

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REFUTAÇÃO DO SEGUNDO FALSO DILEMAMas será que se Deus não existir, a vida é necessariamente absurda? Há um sentido em que isto é trivialmente verdade. Se Deus não existir, é impossível que a vida tenha o sentido que se crê que Deus lhe dá. Concluir, no entanto, que a vida é absurda, que não tem qualquer sentido, é ir longe de mais. Quem pensa assim, julga que a vida só pode ter um único sentido — ou, pelo menos, um único realmente com valor — e que se este, por hipótese não existir, então a vida não tem qualquer sentido.

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REFUTAÇÃO DO SEGUNDO FALSO DILEMADeus não é necessário para que haja valores morais objectivos . O critério utilitarista de felicidade constitui um critério moral objectivo e independente da religião. E embora Kant faça em última instância a sua ética depender de postulados religiosos (o livre-arbítrio, a imortalidade da alma e Deus), parece ser possível uma teoria ética deontologista que aceite o essencial da teoria kantiana — e, por conseguinte, funde a ética na razão —, mas recuse os seus pressupostos religiosos.

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REFUTAÇÃO DO SEGUNDO FALSO DILEMAMuitos filósofos que recusam que os valores derivem de Deus recusam também que se a vida acabar com a morte do corpo não tenha qualquer propósito e, por consequência, qualquer sentido. Alguns chamam a atenção para a forma vaga como a vida eterna é com frequência descrita pelos defensores da resposta religiosa; outros para o facto de que a mera eternidade não pode constituir em si mesma um propósito (o que também é reconhecido por alguns crentes), e outros para que a eternidade é mesmo um obstáculo a uma vida com sentido.

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REFUTAÇÃO DO SEGUNDO FALSO DILEMA Alguns, como Peter Singer, um filósofo utilitarista contemporâneo, julgam que a resposta ao problema está numa vida ética, dedicada a projectos éticos com valor, quer se trate de causas humanitárias, ambientais ou animais. Outros, sugerem que o sentido da vida pode estar igualmente em outros projectos com valor. Não lhes parece fazer sentido afirmar que as vidas de Mozart, Einstein e Picasso não tiveram valor. Uma vida dedicada ao conhecimento, à arte e à ética pode ser uma vida com sentido, mesmo que Deus não exista nem haja imortalidade.