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O SHIPPING, O AMBIENTE E A POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA
DA COSTA PORTUGUESA.
Jorge M. G. Antunes
(Dr. Eng.º Marine Engineering)
1. Introdução
O Shipping encontra‐se, nos dias que correm, sujeito a um autêntico espartilho de
regulamentos e condicionamentos de mercado, que estão a ditar o fim de muitos
armadores. As razões que originam tais problemas advêm da relação tripartida: custo
dos combustíveis, valor dos fretes, e eficiência energética e seu respetivo impacto
ambiental. A velocidade a que a sociedade moderna tem acelerado as transações
internacionais de mercadorias obriga a que mais e maiores navios sulquem os mares,
com inerentes custos sobre a sustentabilidade de toda a atividade do Shipping, mas
também com forte impacto na sustentabilidade do planeta.
No entanto, e de momento, não existem alternativas ao transporte marítimo, pelo
menos a médio prazo, sendo que aquelas razões apontadas resultam essencialmente da
globalização e do deslocamento dos meios produtivos para os países asiáticos.
Figura 1 ‐ Desafios do Shipping nos dias de hoje
Com vista a responderem às diversas restrições, os principais armadores têm
encomendado muitos e maiores navios, fazendo com que nunca como hoje a carteira
de encomendas de navios novos tenha sido tão grande. Supostamente, maiores navios
têm consumos específicos, por unidade de carga transportada, mais baixos. Por
consequência, originarão menores emissões por unidade de carga transportada
(conforme ilustrados na figura 2); isto não contando com os custos ambientais do
desmantelamento e reciclagem dos navios existentes e da construção de novos.
Figura 2 ‐ Um navio de 80 000 dwt requer 3,5 vezes menos energia por unidade de
carga, para a mesma velocidade, quando comparado com um navio de 10 000 dwt (Fonte Wartsila).
No entanto, como o consumo de bens continua a aumentar, prevê‐se um aumento
significativo do número de navios até 2020.
A necessária redução dos gases com efeito de estufa obriga a uma redução do consumo
de energia e, por arrasto, aquela redução obriga ao necessário aumento da inovação
nas várias vertentes da engenharia naval, em particular na área da propulsão. Essa
inovação deverá tratar sobretudo da integração de processos e conservação da energia,
dado que cerca de 65 % da energia do combustível queimado é desperdiçada, quer para
a atmosfera, quer para o mar.
2. A localização geográfica de Portugal Continental e o Shipping
Prevê‐se que o tráfego na costa portuguesa aumente até 2020, pois ao longo da sua
costa ocidental passam as principais rotas mercantes do mundo, conforme ilustrado na
figura 3.
Figura 3 ‐ Principais rotas de navegação do planeta e localização de Portugal.
Portugal encontra‐se na confluência das principais rotas de e para a Europa, com um tráfego
diário que oscila entre os 350 e os 400 navios. Tais números fazem da costa Portuguesa uma das
costas mais frequentadas e congestionadas do mundo e, por consequência, uma das que maior
poluição atmosférica apresenta. Veja‐se a figura 4, que mostra, a uma determinada data e hora,
a quantidade de navios ao longo da costa sul e ocidental de Portugal.
Figura 4 ‐ Marcação do tráfego de navios mercantes no mundo. Veja‐se na costa ocidental de
Portugal. Pontos vermelhos são navios tanques; os verdes são outros navios de carga. (Fonte Marinetraffic.com)
3. As emissões gasosas originadas pelos navios.
Figura 5 ‐ Emissão de partículas por um navio, provavelmente devida a uma combustão com
falta de oxigénio ou má pulverização do combustível.
O anexo VI é relativamente recente dentro da convenção MARPOL, e tem essencialmente como
objetivo o controlo das emissões atmosféricas produzidas pelos navios, tais como emissões de
CO2 e NOx, entre outras e, por consequência, a preocupação da racionalização da utilização da
energia na atividade marítima. É genericamente aceite que uma má utilização da energia origina
mais emissões de CO2, mas também de outras espécies poluentes, nomeadamente partículas,
NOX e COV’s (compostos orgânicos voláteis). Embora as emissões de poluentes atmosféricos
estejam contempladas na Convenção MARPOL VI, só as emissões de NOX têm valores limite. No
caso do SOx, o limite foi imposto ao teor máximo admissível de enxofre nos combustíveis, que
deverá ser igual 1% até 2015 (dentro das áreas ECA), sendo que depois de 2015 deverá ser
reduzido para 0,1%. A partir de 2020 esse limite passará a ser de 0,5% para as áreas não ECA,
conforme ilustra a figura 6. Quanto ao valor de CO2, pensa‐se implementar um mecanismo do
tipo já existente para a indústria terrestre, ou seja, um mercado de quotas de carbono aplicado
ao Shipping. Quanto às partículas PM10 e PM2.5, nada se adianta em termos de limitação das
mesmas.
Figura 6 ‐ Escala temporal de implementação de acordo com a convenção MARPOL 73/78
Anexo VI para os limites de emissão de SOx e de NOx. (Fonte MAN – IMO MARPOL)
Nos dias de hoje, atendendo à velocidade e quantidades de carga que é necessário
deslocar de um ponto para o outro do planeta, o Shipping não tem opção senão
continuar a dispor de navios equipados com instalações propulsoras de elevadíssimas
potências, resultando por isso em três possíveis opções: combustível líquido, gás natural
ou nuclear. Dado que a última solução, embora sem emissões atmosféricas, não reúne
consenso entre os projetistas, o Shipping encontra‐se, na prática, reduzido às duas
primeiras opções. Assim, continuando a queimar combustível líquido residual,
impreterivelmente ter‐se‐á que proceder à limpeza dos gases de escape dos motores e
geradores de vapor, através de scrubbers, uma vez que o preço dos combustíveis
destilados, tal como o gasóleo, se tornar incomportável1. Como consequência, originará
uma operação economicamente inviável, dado o preço a que hoje o mercado
(fretadores) quer ou pode pagar os fretes. Por outro lado, a implementação de gás
natural como combustível naval ainda está longe de ser uma realidade, pois não se
encontra disponível para abastecimento na vasta maioria dos portos do mundo.
Contudo, a utilização de gás natural também não está isenta de problemas ambientais
devido às inúmeras descargas de gás para atmosfera (o gás natural tem tipicamente
80%, ou mais, de metano), particularmente em manobras. A solução poderá passar pela
obrigatoriedade da instalação de oxidadores catalíticos (vulgarmente conhecidos por
catalisadores), que oxidam aquelas quantidades de gás que passa para o sistema de
1 preços médios actuais US$600/Ton HFO (Heavy Fuel Oil) e US$1000/Ton de GO (Gasoil)
evacuação sem ser queimada, transformando‐as em CO2. Devido ao ciclo de trabalho
dos motores a 4 tempos e à tecnologia de injeção de gás empregue, haverá sempre
passagem (slip) de gás natural durante o tempo de cruzamento de válvulas.
Um outro aspeto da sustentabilidade do Shipping prende‐se com os estaleiros
altamente subsidiados em diversos países da Ásia, impelindo os armadores de todo o
mundo a investir em navios supostamente mais económicos e amigos do ambiente, os
chamados “ecoships”. Tais navios deveriam satisfazer simultaneamente a
competitividade dos mercados, os requisitos legais e as diversas restrições ambientais
que hoje em dia existem ou estão pensadas por quase todo o mundo, nomeadamente
as denominadas áreas de emissões controladas ou ECA’s, e ainda a satisfação da
convenção MARPOL 73/78, anexo VI. Tal facto, no entanto, não garante que os efluentes
gasosos sejam devidamente tratados, uma vez que a legislação atual é omissa em
termos de imposição de limites de emissão para outros compostos presentes nos gases
de evacuação, nomeadamente os óxidos de azoto NOX e os óxidos de enxofre SOX.
4. Como se formam as partículas (cenosferas).
As emissão de partículas é, na sua maior parte, originada pela queima incompleta (por
excesso de combustível e/ou má pulverização) de combustível de elevada viscosidade,
tipicamente o combustível mais utilizado pelos navios e centrais elétricas. Estas
partículas denominadas por cenosferas (figura 7) resultam da oxidação primária do
hidrogénio contido no combustível, seguindo‐se posteriormente a oxidação do carbono
do mesmo, o qual se liga numa estrutura reticulada. Como referido acima, os
combustíveis que normalmente dão origem a maiores formações de partículas são os
residuais, com viscosidades superiores a 80 cSt@50ºC, sendo normal a utilização de
combustíveis até aos 600 cSt@50ºC. A formação de partículas está intimamente ligada
a outras variáveis da combustão e funcionamento dos motores e outros equipamentos
de combustão, tais como geradores de vapor (vulgarmente designados por caldeiras),
sendo de salientar a temperatura, a turbulência, a concentração de O2 disponível para a
combustão e, logo a seguir, a velocidade do motor, a condição do equipamento de
injeção, entre outras. Mesmo com combustíveis líquidos, como sejam os gasóleos, ou
gasosos, como o gás natural, a emissão de partículas também ocorre. A produção de
partículas tem aumentado desde o início da crise financeira, por consequência do
esmagamento dos fretes e do aumento do preço dos combustíveis, devido à prática do
chamado “slow steaming”, dando origem à produção do chamado “black carbon”. Os
navios a navegar em “slow steaming” vêem a potência em serviço das máquinas
propulsoras muitíssimo reduzida, originando um fornecimento de ar insuficiente por os
turbocompressores estarem longe do ponto de funcionamento recomendado para o
qual foram projetados. As limitações impostas às emissões de “black carbon”
encontram‐se atualmente em estudo pela IMO, devido à preocupação do forte impacto
ambiental dessas referidas partículas.
Figura 7 ‐ Cenosfera
As partículas são classificadas geralmente de acordo com o seu diâmetro, sendo
normalmente denominada por PM10 (diâmetro inferior a 10 mícrones) e PM2,5
(diâmetro inferior a 2,5 mícrones), também conhecidas por nano partículas.
As partículas arrastadas pelo vento podem percorrer distâncias superiores a 400 km,
desde a sua fonte de emissão, pelo que têm um forte e importantíssimo impacto na
saúde das populações costeiras.
5. Como se formam os compostos orgânicos voláteis (COV).
As emissões de compostos orgânicos voláteis, ou simplesmente COV’s (VOC’s em Inglês)
têm distintos mecanismos de formação, a que interesses comerciais tentam não se
referir, ou mesmo inverter a perceção da opinião pública. É o caso de muitos fabricantes
de motores, que separam os COV’s metânicos e COV’s não metânicos. A legislação
somente incide sobre os não metânicos, embora os COV’s metânicos sejam em muito
maior escala e não de todo inócuos, quer para a saúde quer para a camada de ozono.
Os COV’s não metânicos são geralmente originados por oxidações parciais dos óleos
lubrificantes e dos combustíveis, entre os quais se encontram substâncias indutoras de
cancro, como sejam formaldeídos e furanos, entre outros, quer sejam combustíveis
líquidos ou gasosos. As suas emissões dependem essencialmente das tecnologias de
injeção e respetivos ciclos de trabalho. Os COV’s metânicos também são originados
pelos motores diesel, pela decomposição dos hidrocarbonetos líquidos e nos motores a
gás (mas não os que utilizam injeção direta) em maior proporção pela passagem de gás
natural (slip) não queimado para o escape dos motores e outros equipamentos de
combustão. É sabido que o gás natural tem tipicamente cerca de 80% de metano, que
por acaso é o gás com pior efeito sobre a camada de ozono, à parte de que também é
nefasto para a saúde.
6. Impacto das emissões gasosas devidas ao Shipping na saúde pública
Um dos principais estudos de referência [2] foi realizado com o objetivo de caracterizar
o impacto das emissões gasosas produzidas pelos navios sobre a saúde pública das
populações costeiras em todo o mundo. Como consequência da intensificação do
transporte marítimo, têm‐se registado impactos na saúde pública das populações
costeiras em diversos países, tendo sido realizados alguns estudos epidemiológicos para
tentar compreender as causas dessas ocorrências. Dos diversos estudos já realizados,
todos mostram de forma consistente as concentrações de partículas (PM Particulate
Matter) aos impactes negativos na saúde pública das populações costeiras,
nomeadamente o aparecimento de cancro, asma, ataques cardíacos, e mortalidade
prematura. O Dr. James Corbett [2], e outros, modelaram matematicamente as
concentrações geo‐espaciais de partículas originadas pela atividade do Shipping.
Utilizaram para o efeito modelos globais de dispersão de aerossóis e dois inventários de
concentrações daqueles poluentes. Estimaram daquela forma a mortalidade regional,
por aplicação de incrementos (inputs do modelo) das partículas PM10 e PM2,5
(originadas pelas emissões dos navios) em funções (modelo) da ocorrência de cancro do
pulmão e doenças cardiopulmonares. O Dr. James Corbett concluiu que as emissões de
partículas emitidas pelos navios a nível mundial foram responsáveis por cerca de 60 000
mortes em 2007, sendo que as populações mais afetadas eram as costeiras, em
particular na Europa e Sul da Ásia. Dado o expectável aumento da atividade do
transporte marítimo, é previsível um correspondente aumento do número de mortes
até 2020, devidas essencialmente às emissões de partículas, em mais de 40%,
relativamente ao número de 2007.
As emissões produzidas pelos navios necessitam de ser reguladas quer a nível local,
regional, e a nível internacional [8], [17], [18]. Contudo, e infelizmente, pouco tem sido
deliberado, dado que a maioria das partes envolvidas não tem conhecimento da
gravidade desse efeito sobre a saúde pública pelas emissões originadas pelos navios. Os
estudos levados a cabo, até à data, geralmente não segregam o efeito do Shipping das
outras fontes de emissões terrestres, embora existam alguns estudos levados a cabo por
alguns países europeus e estados da costa ocidental dos EUA [8], [9]. Poder‐se‐á dizer,
no entanto, que tais estudos tendem a não chegar aos organismos políticos ou a serem
propositadamente minimizados por terem forte impacto na atividade económica.
7. Locais do mundo onde o impacto das emissões gasosas é mais relevante
Como se pode observar pelo cruzamento das figuras 8 e 9, os locais do mundo onde ocorrem
maiores concentrações de partículas coincidem com os locais onde a incidência de cancro do
pulmão e outras doenças cardiorrespiratórias é maior.
Figura 8 ‐ Contribuição anual média para concentração das emissões de partículas PM2,5
devidas ao Shipping (µg/m3).
Figura 9 ‐ Mortalidade devida a doenças cardiopulmonares.
No caso de estudo 2b, que considera as emissões de partículas [2], as mortalidades por cancro
e as doenças cardiopulmonares devidas ao Shipping têm densidades superiores a 100 casos por
célula da grelha de amostragem2 nas regiões da Ásia, variando entre os 100 e os 200 na União
Europeia. Como se pode verificar, o impacto do efeito das partículas é muito maior nas regiões
costeiras que nas regiões interiores.
Todo o território de Portugal continental pode ser considerado costeiro, atendendo à sua forma
e localização geográfica.
8. Contabilização do efeito das emissões gasosas originadas pelo Shipping na saúde pública
Europeia.
O impacto da poluição atmosférica na saúde pública mantém‐se elevado em toda a Europa, mas
está a diminuir em geral, graças à regulamentação europeia para o controlo das emissões
gasosas de fontes de emissão terrestre. No entanto, as emissões gasosas devidas ao aumento
de tráfego marítimo internacional nas costas europeias continua a aumentar, originando
2 dimensões da célula: 1° Latitude x 1° Longitude
despesas importantes com a saúde das populações costeiras, para os estados mais afetados. A
figura 10 ilustra a situação em 2002 [2].
Figura 10 ‐ Mortalidade anual por doença cardiopulmonar atribuída a partículas PM2.5
emitidas por navios na Europa e Mediterrâneo, referente a 2002.
Devido à aplicação de legislação sobre limitação de emissões gasosas mais apertada (incluindo
aerossóis), as despesas com a saúde ligadas diretamente à poluição atmosférica na Europa têm
vindo a decrescer. Tendo sido o seu valor de €803 mil milhões em 2000, deverá situar‐se nos
€573 mil milhões de euros em 2020 [27].
Embora as emissões originadas por fontes terrestres estejam a diminuir, as emissões de
poluentes atmosféricos por parte dos navios deverão aumentar significativamente, em
consequência do aumento de tráfego no hemisfério norte, em mais 5%, até 2020.
Calcula‐se que as despesas de saúde na Europa devidas à contribuição das emissões de
poluentes originadas pelo Shipping apenas, deverão aumentar dos 7% em 2000 (ou seja €58,4
mil milhões) para 12% em 2020, atingindo um valor de cerca de €64,1 mil milhões de euros.
Na Dinamarca, que é um país particularmente afetado pelo tráfego intenso de navios junto da
sua costa, entre o Mar Báltico e o Mar do Norte, a redução do teor de enxofre e seus respetivos
óxidos SOx está a resultar num decréscimo de custos com a saúde de €627 milhões em 2000
para os esperados €375 milhões em 2020.
No âmbito deste pequeno trabalho, foi pedida ao Ministério da Saúde informação sobre
o número de óbitos por mil habitantes devidos às referidas doenças, nos conselhos do
litoral de Portugal e interior. Embora tenham sido disponibilizados alguns dados, os
mesmos não permitiram tirar conclusões seguras com base na comparação entre o
número de óbitos nas regiões do interior e o número de óbitos nas regiões do litoral,
uma vez que os dados fornecidos não referiam a causa da morte e idade.
9. As emissões gasosas originadas pelos navios na costa de Portugal continental
Dada a localização geográfica de Portugal Continental, permanecem em trânsito, ao longo da
sua costa, entre 350 a 400 navios diariamente (não contando com os navios de recreio e de
pesca). Por observação do tipo de navios em trânsito ao longo da costa portuguesa
(www.marinetraffic.com) conclui‐se que, em média, 30% são navios tanque de grande porte,
35% são navios porta contentores e 15% graneleiros, sendo os restantes 20% de diversos tipos.
Assumindo que os 400 navios em permanência na costa portuguesa têm um consumo médio de
2 ton/h de HFO (RMK ou RME) 380 cSt@50ºC, são queimadas diariamente 19 200 ton de
combustível de elevada viscosidade, resultando nas seguintes emissões para atmosfera,
conforme a tabela 1.
Tabela 1 ‐ Principais poluentes e respetivas quantidades
emitidas diariamente na costa de Portugal Continental,
calculados com base em fatores de emissão médios e consumo
médio de 2 ton/h por navio.
Espécie poluente Quantidade diária em kg
Partículas PM10* 128 640
Metano CH4 **/* 5 760
COV’s não metânicos * 46 080
Dióxido de carbono CO2 ** 142 080
Monóxido de carbono CO* 60 096
Óxidos de azoto NOx 22 154 *Referencia CORINAIR, ** IPPC 2006
10. Medidas de mitigação do impacto das emissões gasosas originadas pelos navios que
passam ao longo da costa de Portugal
No sentido de mitigar o mais rápido possível o efeito das emissões gasosas originadas pelos
navios em trânsito ao longo da costa de Portugal continental, enquanto a indústria do Shipping
não tiver respostas tecnológicas cabais, apresentam‐se as seguintes medidas:
a) Exercendo a soberania sobre o seu mar, Portugal deveria declarar imediatamente todas as
suas costas como Áreas de Emissões Controladas (ECA’s), tal como realizado pelos países da
Europa do norte (ver figura 11). Com esta medida, as emissões de partículas PM10 seriam
reduzidas em 83,58%, ou seja, passariam a ser emitidos 21 120 kg/dia em vez de 128 640 kg/dia
atuais. Tal redução traria inquestionavelmente um forte impacto positivo na saúde pública
(redução do número de casos de cancro do pulmão e outras doenças cardiorrespiratórias) e
consequente redução de despesas do Estado com saúde. No entanto, com a declaração de zona
ECA, as emissões de CO2 aumentariam ligeiramente, dado o gasóleo produzir mais CO2 que o
HFO (Heavy Fuel Oil), passando de 60 096 kg/dia para 61 248 kg/dia de CO2, aumento este que
é bem justificado pelos benefícios;
b) Afastamento dos corredores de navegação para uma maior distância, idealmente seria 216
milhas náuticas (correspondentes aos quase 400 km de distância). Tal medida, embora
desejável, não seria certamente possível. No entanto, torna‐se evidente que qualquer
afastamento dos navios da costa, relativamente ao atual, traduzir‐se‐ia em elevados benefícios
na saúde pública;
c) Dever‐se‐ia obrigar a que os navios a navegar ao longo da costa portuguesa, utilizassem
obrigatoriamente scrubbers para os gases de escape, que possibilitassem a adequada remoção
da maior quantidade possível de partículas.
A limitação do teor de enxofre a 0,1% m/m implica que os navios terão que proceder à mudança
de combustível (denominada manobra de “change over” ou troca do combustível) sempre que
entram numa destas áreas. Ora, o único combustível líquido que satisfaz actualmente este
requisito é o gasóleo, situando‐se o seu preço por tonelada na ordem dos US$1000, contra os
US$600 do combustível 380 cSt@50ºC (40% mais barato que o gasóleo). Assim, por via da
limitação do teor de enxofre, limitar‐se‐ia também a emissão das nefastas partículas PM10 e
PM2,5.
Figura 11 ‐ Zonas ECA Europeias ‐ Mar do Norte e Mar Báltico
11. Discussão
Parece evidente que até à data não esteja ainda sequer projetada a declaração de zona de
emissões controladas ECA para as costas de Portugal. Isto mostra que se trata de um eventual
desconhecimento da situação por parte das autoridades nacionais, do seu real impacte na saúde
pública das populações do litoral nacional, com consequente custo humano e financeiro.
Com base no exposto, tudo indica que as populações ribeirinhas, quer da costa sul, quer da costa
ocidental de Portugal continental, estão sujeitas a elevadas doses de emissão de partículas,
originadas essencialmente pelo elevadíssimo tráfego de navios ao longo das suas costas.
Embora o Ministério da Saúde tenha sido inquirido sobre o número de óbitos por mil habitantes
com doenças do foro oncológico e cardiorrespiratório nos conselhos do litoral e até 50
quilómetros da costa, não foi avançado qualquer número, embora tenham sido disponibilizados
dados genéricos a partir do sítio da DGS. Tal dificuldade resultou da falta de indicadores
estatísticos adaptados ao presente estudo, como sejam o número de óbitos relacionados com
as patologias diretamente associadas às emissões de partículas.
A utilização de gás natural (como combustível) ou de scrubbers (no caso do combustível utilizado
ser gasóleo ou HFO) são as únicas formas tecnicamente exequíveis de controlar as emissões de
partículas por parte dos navios, podendo reduzir aquelas emissões em 83,58% para o primeiro
caso, ou em 95% para o segundo.
Dado o elevadíssimo tráfego de navios ao longo das costas nacionais, e com tendência clara
para aumentar ainda mais, pelo menos até 2020, e que tal facto acarreta custos humanos
(óbitos) e financeiros (despesas de saúde com tratamentos) importantíssimos para o Estado
português, torna‐se urgente tomar uma ação que contrarie a atual situação.
Tal ação poderá ser semelhante àquela que outros países do norte da Europa fizeram para
melhorar a qualidade do ar, isto é a implementação de áreas de emissões controladas ECA’s,
onde os navios só podem navegar a gasóleo (com baixo teor de enxofre) ou a combustível
pesado (HFO) desde que com sistemas de tratamento de gases, através de scrubbers (tail end
technologies).
Declarando todas as costas Portuguesas como zona de emissão controlada (ECA), mesmo que
unilateralmente, conseguir‐se‐á uma diminuição significativa da poluição atmosférica costeira e
um abaixamento dos custos humanos para as populações, e financeiros para o Estado.
12. Conclusões
Este estudo permitiu a caracterização real da poluição atmosférica originada pela atividade do
Shipping nas nossas costas e seu impacte na saúde.
O Estado Português deverá implementar urgentemente uma zona ECA ao longo das suas costas,
com o objetivo de proteger a saúde das populações costeiras dos nefastos efeitos das emissões
gasosas dos navios em trânsito perto da costa, pelo que se traduzirá numa redução significativa
dos elevadíssimos custos humanos e na saúde pública em geral.
Tal decisão, eminentemente política e urgente, servirá como forma de afirmar ao mundo que
Portugal está civilizacionalmente atento e administra as suas águas de forma soberana e
responsável.
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(22) Wang, C.; Corbett, J. J.; Firestone, J. Modeling Energy Use and Emissions from North
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(29) Shipping emissions can lead to high local ocean acidification European Commission 18 July
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(31) Individual non‐methane VOCs have large impacts on human health European Commission
10 April 2014 Issue 369;