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O SISTEMA PRESIDENCIALISTA E O MERCADO COMUM PARA O MERCOSUL THE PRESIDENTIALIST SYSTEM AND THE COMMON MARKET FOR THE MERCOSUL Luis Alexandre Carta Winter Juliana Ferreira Mointenegro RESUMO Busca-se com este artigo demonstrar algum avanço obtido desde a criação do um mercado comum, bem como alguns desafios para a efetivação deste bloco chamado MERCOSUL, sob o ponto de vista integracionista. Portanto, será destacado aqui, a necessidade de superação de alguns obstáculos ainda existentes frente à Constituição dos Estados-Membros, já que não há a previsão da chamada supranacionalidade. Assim, será apresentado uma alternativa, para tornar possível o mercado comum, face a dificuldade da alteração de normas de cunho constitucional. Para viabilizar isso será necessária a utilização da chamada norma comunitária, utilizada a partir das decisões da OMC. Neste caso, em sendo constatado a incompatibilidade de uma prática comercial, o Estado simplesmente teria que alterar esta legislação para se adequar as normas impostas pela organização. E a outra questão a ser debatida neste artigo, diz respeito a implantação do mercado comum frente ao sistema presidencialista, bem como o processo de educação política baseado no modelo europeu. PALAVRAS-CHAVES: MERCOSUL, DIREITO DA INTEGRAÇÃO, PRESIDENCIALISMO, NORMAS COMUNITÁRIAS ABSTRACT In this article we intend to demonstrate some advance gotten since the creation of the one common market, as well as some challenges for the efetivação of this called block MERCOSUL, under the integracionista point of view. Therefore, it will be detached here, the necessity of overcoming of some still existing obstacles front to the Constitution of State-Member, since it does not have the forecast of the call supranationality. Thus, an alternative will be presented, to become possible the common market, face the difficulty of the alteration of norms of constitutional matrix. To make possible this the use of the call will be necessary communitarian norm, used from the decisions of the OMC. In this in case that, in being evidenced the incompatibility of one commercial usage, the State simply would have that to modify this legislation to adjust the norms imposed for the organization. E to another question to be debated this article, says respect the implantation of the common market front to the presidentialist system, as well as the process of education politics based on the European model. 3193

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O SISTEMA PRESIDENCIALISTA E O MERCADO COMUM PARA O MERCOSUL

THE PRESIDENTIALIST SYSTEM AND THE COMMON MARKET FOR THE MERCOSUL

Luis Alexandre Carta Winter Juliana Ferreira Mointenegro

RESUMO

Busca-se com este artigo demonstrar algum avanço obtido desde a criação do um mercado comum, bem como alguns desafios para a efetivação deste bloco chamado MERCOSUL, sob o ponto de vista integracionista. Portanto, será destacado aqui, a necessidade de superação de alguns obstáculos ainda existentes frente à Constituição dos Estados-Membros, já que não há a previsão da chamada supranacionalidade. Assim, será apresentado uma alternativa, para tornar possível o mercado comum, face a dificuldade da alteração de normas de cunho constitucional. Para viabilizar isso será necessária a utilização da chamada norma comunitária, utilizada a partir das decisões da OMC. Neste caso, em sendo constatado a incompatibilidade de uma prática comercial, o Estado simplesmente teria que alterar esta legislação para se adequar as normas impostas pela organização. E a outra questão a ser debatida neste artigo, diz respeito a implantação do mercado comum frente ao sistema presidencialista, bem como o processo de educação política baseado no modelo europeu.

PALAVRAS-CHAVES: MERCOSUL, DIREITO DA INTEGRAÇÃO, PRESIDENCIALISMO, NORMAS COMUNITÁRIAS

ABSTRACT

In this article we intend to demonstrate some advance gotten since the creation of the one common market, as well as some challenges for the efetivação of this called block MERCOSUL, under the integracionista point of view. Therefore, it will be detached here, the necessity of overcoming of some still existing obstacles front to the Constitution of State-Member, since it does not have the forecast of the call supranationality. Thus, an alternative will be presented, to become possible the common market, face the difficulty of the alteration of norms of constitutional matrix. To make possible this the use of the call will be necessary communitarian norm, used from the decisions of the OMC. In this in case that, in being evidenced the incompatibility of one commercial usage, the State simply would have that to modify this legislation to adjust the norms imposed for the organization. E to another question to be debated this article, says respect the implantation of the common market front to the presidentialist system, as well as the process of education politics based on the European model.

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KEYWORDS: MERCOSUL, RIGHT OF THE INTEGRATION, PRESIDENTIALISM, COMMUNITARIAN NORMS

1. Contextualização

Considerando-se que todos os Estados-Membros do MERCOSUL[3] adotam o sistema presidencialista, o desenvolvimento do Bloco se faz pela direta interferência dos Presidentes dos países partícipes.

E é em razão disto, que o Tratado de Assunção teve um caráter extremamente simplista, quando de sua concepção, ao tratar matéria de tamanha relevância, que é a integração entre os povos.

A considerável legislação criada pelos órgãos do MERCOSUL, que criam seu direito derivado, ainda não dá escopo a uma supranacionalidade[4].

Deisy Ventura ressalta que "o direito derivado no MERCOSUL confunde-se com as próprias ordens jurídicas nacionais, naquilo que os Estados entenderem por bem incorporar, entre as decisões dos órgãos comuns[5]".

Era da vontade dos membros do MERCOSUL a criação de uma instituição internacional[6], aplicando-se a regra da unanimidade para exprimir a vontade comum, coincidente com a vontade nacional[7].

O órgão superior do MERCOSUL e de capacidade decisória, é o Conselho do Mercado Comum[8], integrado, de ordinário, pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia, com reuniões marcadas, sempre que necessário e, pelo menos, duas vezes por ano, na presença dos Presidentes da República dos quatro países. Não há supranacionalidade[9] no âmbito do MERCOSUL.

Na Constituição dos países do Bloco[10], os ministros são alçados à condição de auxiliares do Presidente da República, respondendo diretamente por ele. Questão pertinente, se considerarmos que o Presidente[11], em sua atuação perante a esfera internacional, encontra-se investido da condição de Chefe de Estado, e como tal, dotado de irresponsabilidade política[12], já que expressa a nacionalidade. Em outras palavras, o MERCOSUL sempre dependeu da vontade e do poder unipessoal dos presidentes de seus Estados-Membros.

Dividindo-se a história do MERCOSUL em duas fases, verifica-se que houve um comprometimento dos governantes na fase de implantação do bloco (1991-1994), com aumento significativo do comércio intra-Bloco.

Com a criação da Tarifa Externa Comum, dentro de um contexto de uma União Aduaneira, em 1995, uma nova fase se instaura. Consideráveis avanços em direção a União Aduaneira foram realizados, com a criação de um nada desprezível arcabouço jurídico, apesar dos conflitos entre os governos, como é natural, mormente da Argentina e do Brasil se sucederem[13], ao ponto, em um dado momento, de, virtualmente, haver

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uma quase paralisia do Bloco, embora poderosamente influenciada por fatores externos[14].

Sempre considerando ser o MERCOSUL ainda voltado à intergovernabilidade, e com países que adotam o sistema presidencialista, o fato é que, a partir da implantação da TEC[15], em 1995, existiram várias decisões para além de uma União Aduaneira (que, como já visto, compreende a livre circulação de bens, capitais e livre concorrência), isto é, voltadas à implantação de um Mercado Comum (que, reiterando, como já visto, além do que contém uma União Aduaneira, propugna uma livre circulação de pessoas e serviços).

2. Decisões para além de uma união aduaneira

Fazendo-se um levantamento, ao longo do período de 1995-2007, das Decisões do CMC, pensadas para além de uma União Aduaneira, tem-se diversas medidas tomadas, que começam pelo Programa de Ação do MERCOSUL até o ano 2000 (Dec. 9/95 CMC), que propugnava como ação visando um Mercado Comum atuando nas áreas de agricultura, Indústria, minérios, energia, serviços, comunicações, transporte e infra-estrutura, turismo, assuntos financeiros e tributários e políticas macroeconômicas[16]. Ainda em 1995, há a Dec. 4/95 CMC, depois substituída pela Dec. 8/96 CMC, que aprovou o Protocolo de Integração Educativa sobre Reconhecimento de Títulos Universitários para o prosseguimento de Estudos de Pós-Graduação nas Universidades dos Países do MERCOSUL, além da Dec. 7/95 CMC, que aprovou o Protocolo de Integração Educativa e Revalidação de Diplomas, Certificados, Títulos e Reconhecimento de Estudos de Nível Médio Técnico. No ano de 1996, há a Dec. 6/99, sobre a Coordenação de Políticas Macroeconômicas. Em 1997, há a Dec. 3/97 CMC, que aprovou o Protocolo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do MERCOSUL, a Dec. 13/97 CMC, que aprovou o Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços do MERCOSUL, que já contou com seis rodadas importantes (a última em 2006), complementado em 1998, pela Dec. 9/98 CMC que aprovou o Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços do MERCOSUL - Anexos com disposições específicas setoriais e listas de compromissos específicos iniciais. Ainda em 1998, a Dec. 16/98, que aprovou o Protocolo de Harmonização de Normas em Matéria de Desenhos Industriais. Em 1999, é criada a Comissão Sócio-Laboral do MERCOSUL pela Res. 15/99 GMC[17].

Em 2000, na esteira do "Relançamento do MERCOSUL", tem-se a Dec. 30/00, sobre a Coordenação Macroeconômica. Em 2005, há a Dec. 23/05, que aprovou o Protocolo Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL.

Estas ações têm o condão de trabalhar com medidas que, como anteriormente frisado, vão além da União Aduaneira. O efetivo implemento delas facilitarão, por certo, o objetivo de alcançar o mercado comum.

3. O mercado comum e o presidencialismo

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O mercado comum contém as características de uma área de livre comércio, que hoje une livre circulação de mercadorias, circulação de capitais, e livre concorrência, mais as características da união aduaneira, onde há uma tarifa externa comum, e acrescida a isso, uma livre circulação de pessoas e, finalmente, uma livre circulação de serviços, havendo aqui uma uniformização da legislação dos Estados-Membros e uma coordenação de políticas macroeconômicas.

O MERCOSUL, embora almeje ser um mercado comum, encontra dificuldades em implementar a condição de união aduaneira, já que esta, como exposto, significa a adoção de uma tarifa externa comum, ou seja, usando de uma lógica reversa, ela atingirá uma das prerrogativas históricas do Poder Executivo, retirando deste, o poder de alterar, através de uma maior ou menor alíquota do imposto de importação[18], como meio regulador da demanda e a oferta[19].

A rigor, há dificuldades, em termos de MERCOSUL, para se superar a própria área de livre comércio, no que diz respeito à livre circulação de mercadorias[20].

Outro aspecto relevante: quando o MERCOSUL se tornou uma União Aduaneira, foi que os produtos originários de terceiros países aqui passaram a ingressar, não importa em qual porto, com uma mesma tarifa. Isso desnudou um velho problema: a diferença de taxas, mas principalmente de custos, entre os portos.

Com a TEC, o Brasil, temendo que seus portos perdessem, em termos de custos, para os portos da Argentina e do Uruguai, tomaram algumas providências de modo a tornar mais competitivos seus portos brasileiros.

E O NOVO MODELO PORTUÁRIO BRASILEIRO, SOB O PONTO DE VISTA DE UM ELO DE CADEIA LOGÍSTICA DE TRANSPORTE, TEVE COMO BASE JURÍDICA A LEI 8.078/90 (CÓD. DE DEFESA DO CONSUMIDOR). A PARTIR DAÍ, VÁRIAS LEIS FORAM IMPLEMENTADAS, DE MODO QUE OS PORTOS BRASILEIROS SÃO AFETADOS PELO SEGUINTE ORDENAMENTO JURÍDICO:

•• A LEI DOS PORTOS - LEI 8.630/93.

•• LEI DAS LICITAÇÕES - LEI 8.666/93 E 8.883/94.

•• LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA - LEI 8.884/84.

•• LEI DE CONCESSÃO - LEI 8.987/95 E 9.074/95.

•• LEI DE DELEGAÇÃO - LEI 9.277/96.

•• LEI DE DESESTATIZAÇÃO - LEI 9.491/97.

A lei dos portos teve uma vacatio legis de cinco anos para entrar em vigor. Não houve, como se pode supor, na maioria dos portos brasileiros, um adequado preparo para a nova lei. O resultado foi inevitável, com a literal destruição do OGMO[21] de vários portos.

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A resistência aos novos conceitos desta lei também atingiu a alguns dos governos estaduais que se recusaram (e se recusam) em abrir mão de suas prerrogativas, mas que não têm dinheiro para a modernização da infra-estrutura portuária.

A falta de recursos para os portos leva ao seguinte paradoxo: com o volume de exportação/importação existente, se todas as infra-estruturas de transportes rodoviário e ferroviário estivessem em boa ordem, a estrutura portuária entraria em colapso.

Na Argentina, também houve problemas semelhantes[22].

O fato é que, a tradição presidencialista, no âmbito do MERCOSUL, como demonstrado no quarto capítulo, induz a práticas populistas e clientelistas. Abdicar do controle aduaneiro e, conseqüentemente, do imposto de importação com suas funções e efeitos é ceder um espaço que talvez os governantes ainda não estejam em condições de assumir.

Em termos de MERCOSUL, a implementação, tanto da área de livre comércio, como de união aduaneira, ainda encontram dificuldades. Um exemplo simples, porém eficaz, foi a maxidesvalorização da moeda brasileira, sem consulta aos demais sócios, e por vontade única de seu governante, provocando uma séria crise na Argentina e isto foi feito com o amparo Constitucional.

Mas, indo além, já que o MERCOSUL se propõe a ser um mercado comum, na órbita deste, ainda há duas liberdades que merecem uma maior atenção: livre circulação de pessoas, com a criação de um passaporte comum e a livre circulação de serviços.

Pensando-se em termos de MERCOSUL, no que concerne à livre circulação de pessoas não haveria maiores empecilhos, já que, em todas as Constituições dos Estados-Membros, são assegurados aos estrangeiros, nos termos da lei, os mesmos direitos que os nacionais.

O problema se encontra na livre circulação de serviços. Por ela, qualquer cidadão do bloco tem o direito de exercer livremente sua profissão, em qualquer país do bloco, em igualdade de condições com os nacionais; e para tanto, serão necessários uma harmonização das legislações educacionais, com o estabelecimento de uma grade curricular mínima comum. Até aí, nada de conflituoso. A questão se modifica no aspecto de como garantir esse direito de exercício. Como os Estados não admitiriam a ingerência de outros Estados em seus assuntos internos, seria necessário criar um órgão comum que fiscalizasse o cumprimento desse direito. Fatalmente esse órgão encontraria várias legislações nacionais que colidiriam com o princípio da livre circulação de serviços, e o Estado nacional teria que modificar sua lei, muitas vezes, a contragosto. Aqui não vigora mais a regra do consenso, e sim, a da maioria e, nesta condição, as normas não seriam mais intergovernamentais, na órbita do direito internacional público, e, sim, supranacionais, com normas oriundas do direito comunitário. Eventualmente, o Estado nacional iria querer discutir alguns aspectos de sua lei, e ter-se-ia que criar um Tribunal para o exame das questões comunitárias.

E criar um Tribunal para decidir estas questões implicaria em uma mudança profunda em dois aspectos: o primeiro, seria a admissão que a norma comunitária seria superior à norma nacional; o segundo, é admitir a competência desse Tribunal sobre questões que

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ocorram dentro do território nacional. Esses dois aspectos colidiriam com a constituição brasileira e uruguaia.

É bem verdade que a implantação de uma livre circulação de serviços acometeria problemas na constituição brasileira e uruguaia, independentemente do sistema político adotado, ou seja, não seria o sistema presidencialista, a priori, de per si, que iria obstaculizar essa implantação, mas, dado o centralismo político que o sistema possui, dificilmente um Presidente poderia aceitar, no exercício de seu mandato, uma perda da parcela de poder que detém[23].

O sistema personalista retratado pelo presidencialismo, no âmbito do MERCOSUL, acaba gerando distorções importantes. O temperamento de alguém que acumula a chefia de estado e de governo influenciará enormemente nas relações com os outros estados soberanos, tornando sua decisão, a priori, a vontade do País.

É evidente, que, em razão do estilo entre os detentores da Chefia de Estado, houve uma considerável mudança de postura, no que concerne ao MERCOSUL, principalmente entre os dois sócios maiores, em decorrência das relações entre Menem e Collor, posteriormente, aquele com Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e este com Fernando de la Rua, e Duhalde, ou ainda entre Nestor Kirchner e Luis Inácio Lula da Silva e este com Cristina Kirchner. Por outro lado, as queixas dos dois sócios menores, em relação ao comércio inter-regional, não podem ser ignoradas. O arrojo pelo qual se pautara o MERCOSUL, em seus dois primeiros anos, e o ritmo marcado, nos anos subseqüentes, espelham, em maior ou menor grau, a expectativa de seus governantes.

A real implantação de um mercado comum implica em substanciais modificações de paradigmas, tanto da ótica governamental, quanto da população em geral. O modo de concepção dos órgãos do MERCOSUL dá ao Estado-nação[24] e a seus governantes, extraordinário poder discricionário.

Outro aspecto a ser considerado, de cunho histórico, é o temor que sempre esteve presente quando se fala em integração latino-americana[25], frente a uma hegemonia brasileira, em face de sua população e tamanho[26].

Observando a história da América espanhola, verifica-se sua caracterização exatamente por movimentos contrários à integração, inversos aos da história da América portuguesa[27]. Outro fator é o imenso vazio que existe, ao longo de boa parte das fronteiras, à exceção, é claro, da região platina[28].

O somatório destes fatores, acrescidos de crises econômicas endêmicas, acaba formando poderosos obstáculos a uma integração, idéia decorrida muito mais de uma necessidade política dos governos, do que propriamente do apoio popular[29], já que o modelo de integração escolhido privilegia a abertura do mercado para iniciativa privada, a partir de um modelo neoliberal[30], dentro daquilo que foi chamado de "Consenso de Washington[31]". Um exemplo eloqüente disso é a crise entre a Argentina e o Uruguai relativamente às papeleiras[32].

Criar um Mercado Comum diante de um sistema personalista existente na cultura e na estrutura dos países do MERCOSUL, e inseri-lo na concepção moderna de Estado é o

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grande desafio, já que, para além do presidencialismo, convergem outras forças que discutem a própria existência do Estado[33]/[34].

O MERCOSUL, em razão da política dos presidentes que compõem os Estados formadores deste bloco, continua a ser mais um exemplo de cooperação[35] entre os Estados do que, propriamente, uma integração entre eles; posto isto, implicar uma mobilização maior nas áreas comerciais, sociais, culturais, alfandegárias. Não se pode pensar em uma efetiva integração calcada apenas em uma zona de livre comércio.

O presidencialismo, com sua concentração de poderes não permite, por sua própria estrutura, delegação de poderes, sem uma muito próxima fiscalização por parte do Chefe de Estado e de Governo.

4. Obstáculos ainda a serem enfrentados

Outro aspecto pouco estudado, mas de enormes repercussões, é que as implicações dentro de um mercado comum perpassam, no âmbito do direito, por uma reconfiguração deste, em todos os seus ramos. Tome-se, por exemplo, o direito civil. Por definição o direito civil é eminentemente territorial, com conceitos precisos relativamente à aquisição da propriedade, do domicílio, do regime de bens do casamento, no que concerne aos requisitos do testamento etc., ou do processo civil onde o que se terão novos recursos a exemplo do que acontece para o ingresso junto ao tribunal de justiça das comunidades européias. Ou ainda, o próprio direito penal, com o surgimento de novos tipos penais e o desaparecimento de outros. Todos eles sofrerão, necessariamente, alargamento de conceitos.

A maior dificuldade de se implantar um mercado comum em um bloco constituído unicamente por Estados que adotam o sistema presidencialista é o fato

de os Chefes de Estado terem que abdicar de uma parcela de seu poder, no exercício de seu mandato, já que, para haver uma verdadeira integração, é conditio sine qua non a adoção de uma política comum, com objetivos comuns e, para tanto, são necessárias constantes adaptações econômicas dos países partícipes, com medidas nem sempre populares. Mudar um programa econômico ou diretrizes econômicas no transcurso de um mesmo mandato, sem uma consulta popular, já que os mandatários foram eleitos em razão, também, de um programa econômico, é um exercício hercúleo com sistema presidencialista, em que antecipar eleições, prática corriqueira, no sistema parlamentar, torna-se golpismo, no sistema presidencialista.

Superado este obstáculo, há ainda mais um, de natureza formal: da necessidade de se modificar a constituição brasileira e uruguaia com a finalidade de permitir-se a existência de um órgão supranacional. A questão pode ser respondida de duas formas. A primeira, pensando-se na natureza das normas comuns, das normas comunitárias colidirem com a essência, com a individualização, com os princípios maiores dos Estados-Partes. A resposta, no presente caso, é obvia - necessita-se de uma reforma constitucional.

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A segunda, pensar a natureza das normas comunitárias (dentro do contexto da livre circulação de serviços), para não colidirem com os princípios que são a essência dos Estados-Partes. Neste contexto, basta pensá-las como normas de direitos humanos (que na verdade o são, em última análise, já que versam sobre normas comuns ligadas a emprego, saúde etc.), ou ainda, como comparação, que as decisões dentro de um contexto supranacional tenham como resultado (embora de natureza distintos) similar àqueles tomados na esfera de uma OMC, onde, em se verificando a natureza incompatível de uma determinada prática comercial, havendo a condenação, o Estado simplesmente teria que alterar esta legislação. Nesta interpretação, não haveria necessidade de sequer modificar-se a Constituição. As normas seriam aplicadas unicamente dentro do Bloco. Os tratados assinados com terceiros por este Mercado Comum, continuariam a necessitar a internalização[36].

5. Considerações finais.

Para pensar-se em um mercado comum em termos de MERCOSUL há a necessidade de superação dos óbices nas Constituições brasileira e uruguaia, já que nestas não há a previsão da supranacionalidade. Na hipótese disto não ser considerado, a alternativa, para tornar possível o mercado comum, está calcada na contextualização da norma comunitária, qual seja compará-la, em ternos de efeitos e não de natureza, às decisões tomadas na esfera de uma OMC, onde, em se verificando a natureza incompatível de uma determinada prática comercial, havendo a condenação, o Estado simplesmente teria que alterar esta legislação. Nesta interpretação, não haveria necessidade de sequer modificar-se a Constituição. As normas seriam aplicadas unicamente dentro do Bloco. Já os tratados assinados com terceiros por este Mercado Comum continuariam a necessitar a internalização da parte do Estado-Membro.

Resta, portanto, a segunda questão: implantado o mercado comum, como este pode existir dentro de um bloco que adota unicamente o sistema presidencialista? Este aspecto demanda um processo de educação política na qual, o modelo europeu, embora substancialmente diferente, pode servir como uma base, já que lá os Estados Nacionais mantêm consideráveis atributos do poder soberano. A resposta parece centrar-se no aspecto da jurisdição. Haverá normas de natureza comunitária e normas de competência privativa do Estado, que são necessariamente diferentes daquelas. Aspectos ligados à administração pública, forças armadas, reconhecimento de novos governos e novos Estados continuarão a serem atribuições do Estado-Nação, dentro de um mercado comum. O poder unipessoal dos Presidentes continuará a ser um dos fatores decisivos a influenciar as relações dentro do bloco, contudo, a opinião pública e o Parlamento serão novas forças presentes, possibilitando um modelo mais equilibrado dentro das relações de poder.

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[1] Doutor pela USP/PROLAM, Mestre pela UFSM/RS, Coordenador do Curso de Direito da FACINTER, Professor de Direito Internacional na PUC/PR, Unicuritiba, e FACINTER.

[2] Juliana Ferreira Montenegro, Mestranda em Direito Econômico e Socioambiental, especialista em Negócios Internacionais, Professora da PUC-PR e Faculdades Dom Bosco, pesquisadora do CNPq.

[3] Formado em março de 1991 pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

[4]D'ANGELIS, Wagner Rocha. MERCOSUL - Da Intergovernabilidade à Supranacionalidade. Curitiba: Juruá, 2001, p 80) argumenta que tomando-se a "ordem comunitária como resultado do duplo fenômeno da autonomia e da hierarquização, fica patente a inexistência do direito comunitário no MERCOSUL, havendo quando muito um direito de integração. Não há supranacionalidade no modelo platino. Sua estrutura institucional se reveste de caráter intergovernamental, seus órgãos decisórios não passam de extensão do pensamento e dos interesses dos respectivos governos dos Estados-Partes, e as normas que redundam da organização internacional - sejam de fontes originárias ou derivadas -, excetuadas as de natureza administrativa, precisam ser introduzidas no sistema jurídico nacional de cada país-membro por meio de sua homologação pelo Poder Legislativo e posterior ratificação do Executivo".

[5]VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 60.

[6]Não deixa de ser sintomática a declaração de Fernando Henrique Cardoso em 28.06.2001 aos integrantes do Conselho de Empresários da América Latina, de que o MERCOSUL deve começar a organizar instituições supranacionais. Tal declaração aponta para uma convergência com a posição Argentina e da União Européia, ambas

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insistindo na necessidade de maior institucionalização do bloco econômico. Esta declaração de Fernando Henrique marca uma mudança na orientação do Brasil, já que o Itamaraty até então se opunha a idéia.

[7]Ricardo Seitenfus e Deisy Ventura discorrem que "obstáculos de ordem constitucional verificados no Brasil e no Uruguai, impedem a adoção da supranacionalidade no âmbito do MERCOSUL. Não parece, de todo modo, ser esta uma aspiração dos governos dos Estados-Partes, que preferem manter uma grande margem de discricionariedade em suas condutas. Neste sentido, a proposição de uma moeda única no âmbito do MERCOSUL, embora seja proposta de forma séria pelos técnicos que nela acreditam, torna-se patética na fala de governos que não asseguram sequer uma política comercial comum, quanto mais os intensos compromissos de uma política monetária partilhada". (SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 199)

[8]O art. 3º do Protocolo de Ouro Preto define o Conselho do Mercado Comum como o órgão superior do MERCOSUL, ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum.

[9]Odete Maria de Oliveira (União Européia, p. 68) sustenta que "a noção de supranacionalidade reside na acumulação de determinadas características, como de transferência do exercício de soberania, de forma permanente, por parte dos Estados-Membros à organização da Comunidade. Tal instituto implica, por conseqüência, na criação de um poder efetivo, em virtude da força jurídica de suas decisões, incidência material de suas intervenções tanto em relação ao âmbito de atividades como de destinatários das decisões e, finalmente, face às relações diretas entre os órgãos da Comunidade e os particulares. E à p. 70, complemente que os pressupostos definidores da noção de supranacionalidade podem ser reunidos em três pilares fundamentais: a) transferência de competências; b) exercício independente destas competências: c) aplicabilidade direta e imediata do ordenamento comunitário aos seus destinatários públicos ou particulares".

[10]Por exemplo, o art. 84, I, da Constituição brasileira.

[11]Raúl Enrique Rojo ressalta, de modo bem claro que "la institución más importante de la República Argentina es el presidente. Esta situación relevante se manifiesta en dos esferas: por un lado en el avance considerable de los poderes presidenciales a costa de los del Congreso. Por outro, en cierto aspecto que excede largamente la mera ampliación de competencias, a saber: en la conversión del presidente en conductor político del pueblo argentino, pues el significado político de su gestión no será juzgado únicamente en función de las medidas llevadas a cabo do él, sino más bien por el interés y los impulsos que haya sido capaz de despertar en su pueblo". (ROJO, Raúl Enrique. In: TAVARES, José Antônio Giusti; ROJO, Raúl Enrique (Orgs.). Instituições Políticas Comparadas dos Países do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 95). José Luis Simón segue a mesma orientação ao afirmar "el presidencialismo autoritario que predomina en la historia política del Paraguay hace que algunos autores sostengan que, incluso desde su nacimiento, esta República no conoció la democracia al menos hasta el inicio de la transición en 1989. El Poder Ejecutivo,

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tradicionalmente predominó frente a los demás poderes y, dependiendo de quien ejerciera la primera magistratura, de hecho también fue el poder fuerte durante la etapa de la Constitución liberal de 1870". (SIMÓN, José Luis Sistema político, Estado y sociedad en el Paraguay del autoritarismo contemporáneo y en el de la transición y la integración democrática. In: TAVARES, José Antônio Giusti; ROJO, Raúl Enrique (Orgs.). Instituições Políticas Comparadas dos Países do MERCOSUL Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 403)

[12]Já que encarna a unidade do Estado, a nacionalidade. O Presidente, quando no exterior, por exemplo, representa a todos os súditos, independentemente de ideologias e, nesta condição, está acima das responsabilidades das políticas de governo, do programa de governo.

[13]A este respeito ver: ALMEIDA, Paulo Roberto. Trajetória do MERCOSUL em sua primeira década (1991-2001: uma avaliação política a partir do Brasil). In: PIMENTEL, Otávio Luiz (Org.). Direito da Integração - Estudos em homenagem a Werter R. Faria. Curitiba: Juruá, 2001. v. II. Paulo Roberto Almeida (p. 314-315), analisando a TEC sustenta "que a TEC se apresenta como uma estrutura racional em termos econômicos, comportando em seu regime normal um leque de dispersão relativamente reduzido (de 0 a 20%), que esposou características da própria tarifa aduaneira brasileira - compreensivelmente o país de maior relevância para o comércio intera e extra-regional. Sob o impacto da crise financeira asiática e em vista os problemas decorrentes do choque de competitividade externo tanto sobre o Brasil quanto a Argentina, a TEC foi objeto de revisão em dezembro de 1997, procedendo-se, por meio de acordo quadripartite, a um aumento linear de 3 pontos nas alíquotas efetivas, o que representou um aumento de 25% na tarifa média de 14% aplicada geralmente pelos países membros. Durante a reunião do Conselho do Mercado Comum (Florianópolis, 14 e 15.12.2000), os Estados Partes alegaram necessidades fiscais para não procederem à redução integral do aumento transitório da TEC. Nessa ocasião, foi acordada a redução dos níveis tarifários adicionais para 2,5 pontos percentuais, com o compromisso de estabelecer novas reduções de acordo com cronograma a ser definido até 30 de junho de 2001. Em fevereiro de 2001, contudo, o novo ministro da economia da Argentina, Domingo Cavallo, assumiu em atmosfera de crise, prometendo revitalizar a economia de seu país: sua primeira providência foi a de suspender unilateralmente a vigência da TEC para um certo número de produtos, fixando novas tarifas para dois grupos de importações (basicamente 35% para bens de consumo corrente, como forma de proteger temporariamente indústrias argentinas ameaçadas, e zero para bens de capital, de maneira a estimular-lhes a competitividade). Muito embora reunião extraordinária do MERCOSUL, em abril de 2001, tenha ratificado essas mudanças e acolhido as 'exceções temporárias' acordadas à Argentina, essa nova realidade, mais as sucessivas declarações do ministro Cavallo no sentido de fazer o MERCOSUL retroceder a um status de simples zona de livre-comércio, contribuíram para agravar a situação de crise política vivida pelo bloco desde a desvalorização brasileira de janeiro de 1999 e para criar uma impressão internacional de 'inviabilidade' do projeto de mercado comum em face de pressões externas tão relevantes como a criada com as negociações da Alca. A TEC deveria ter sido complementada por uma política comercial conjunta dos países membros em relação a terceiros países, mas diversos elementos dessa política permaneceram carentes de uma definição, como no caso dos incentivos fiscais. Durante a fase de transição, houve consenso de que se deveriam identificar os casos de política industrial ou fiscal suscetíveis de representar subsídios ou vantagens indevidas para

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qualquer dos membros, em vista de sua harmonização ulterior, com vistas a evitar distorções comerciais na região. A despeito de esforços conduzidos na fase subseqüente, não houve contudo acordo nesse sentido, o que aliás gerou polêmicas internas relativas a regimes especiais concedidos ao setor automobilístico no Brasil e na Argentina. O Brasil considera que o desmantelamento de sua política de incentivos fiscais e creditícios, como por exemplo os programas promovidos pelo BNDES, vincula-se estreitamente ao correspondente desmantelamento da aplicação unilateral e abusiva de direitos antidumping e medidas compensatórias no comércio intrazona. A consolidação de uma união aduaneira perde sentido se não forem criados mecanismos e disciplinas comuns nessas duas áreas. No mesmo sentido, o tema da coordenação das paridades cambiais, importante em vista de suas repercussões imediatas nas correntes de comércio e nos fluxos de capitais, foi objeto de estudos aprofundados, a partir de uma análise dos regimes cambiais nacionais existentes e do papel, na definição das paridades recíprocas, do intercâmbio intra e extrazona. Não se logrou, contudo, uma definição tendente à adoção de um sistema de bandas convergentes ou mesmo um sistema monetário baseado em paridades fixas, tendo em vista os grandes descompassos observados nos processos de ajuste e de estabilização macroeconômica, praticamente desde o início do MERCOSUL. A Argentina adotou, como se sabe, a partir de maio de 1991 (Plano Cavallo), uma lei de conversibilidade, sustentada numa paridade absoluta entre o peso e o dólar, enquanto o Brasil tardava até 1994 para iniciar seu processo de estabilização (Plano Real), parcialmente sustentado numa âncora cambial".

[14]"A despeito da vontade política dos governos dos quatro países membros, fatores de política econômica interna na Argentina e no Brasil (recessão, desemprego, sistemas de câmbio diferentes, processos eleitorais), acoplados às conseqüências das crises financeiras internacionais de fins de 1994 no México, de 1997 na Ásia e de 1998 na Rússia e no próprio Brasil em seguida, causaram sérias dificuldades para a continuada evolução positiva do processo negociador regional. A desvalorização do real, em janeiro de 1999, e a introdução subseqüente de um regime de flutuação cambial deflagraram uma grave crise político-comercial e de credibilidade externa. Na esteira da crise da desvalorização, foi criado, em junho de 1999, o Grupo de Trabalho sobre Coordenação de Políticas Macroeconômicas, com vistas a retomar os entendimentos sobre o tema e propor ações tendentes ao aumento da percepção de credibilidade do bloco frente aos investidores internacionais. O exercício quadripartite de coordenação macroeconômica sem dúvida agrega projeção internacional aos programas de estabilidade monetária dos países da região, a despeito das críticas de que foram reduzidos seus resultados concretos e de que os ganhos em termos de credibilidade externa do Brasil se deveram muito mais aos indicadores macroeconômicos alcançados individualmente pelo País do que a qualquer iniciativa ou outro esforço que se possa reputar ao Grupo de Trabalho sobre Coordenação de Políticas Macroeconômicas. É acertado notar, no entanto, que a publicação em outubro de 2000 de indicadores macroeconômicos sobre aspectos fiscais e a antecipação dos prazos previstos para a definição de metas macroeconômicas não foram suficientes, por exemplo, para evitar a atual crise de credibilidade da Argentina nos mercados externos. A desvalorização do real foi igualmente impactante em termos políticos e comerciais, dada a imediata reação do setor privado argentino, logo encampada pelo Governo de Buenos Aires às vésperas da eleição. O receio, que se comprovou infundado, de inundação de produtos brasileiros nos mercados vizinhos ou de fuga de capital para o Brasil reacendeu demandas protecionistas por parte de setores de menor competitividade naquele país. Foi possível perceber-se a magnitude do problema, de toda forma, pela queda inédita no volume do intercâmbio intra-

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MERCOSUL, com a redução do saldo comercial até então acumulado pela Argentina contra o Brasil. No ano seguinte, porém, os fluxos de comércio já tinham retomado os valores anteriores à crise, mas subsistiam os problemas de competitividade argentina vinculados em parte a seu regime cambial rígido". (ALMEIDA, Paulo Roberto. Ob. cit., p. 316)

[15]Ainda sobre esse assunto, lembra Paulo Roberto Almeida (ob. cit. p. 317) que na negociação da Tarifa Externa Comum (TEC) no MERCOSUL, as "diferenças de estrutura e de níveis de desenvolvimento industrial entre o Brasil e os demais parceiros resultam na aceitação, durante uma 'fase de convergência' (até 2001-2006), de listas nacionais de exclusão (para bens informáticos e de capital, por exemplo). Os países-membros também decidem harmonizar os incentivos às exportações, respeitando disposições do GATT".

[16]Os propósitos nestes setores eram: "1. La marcha hacia el Mercado Común. 1.1 Agricultura. Se crearán en el ámbito del MERCOSUR las condiciones adecuadas para incrementar en la región la productividad de la agricultura, desarrollando su progreso tecnológico y asegurando el desarrollo racional de la producción a partir de la libre circulación de los productos agrícolas y agroindustriales y la coordinación de las acciones e instrumentos de las correspondientes políticas nacionales, inclusive en materia de abastecimiento alimentario regional. Se realizará el seguimiento y análisis de las políticas agrícolas y agroindustriales nacionales inclusive en lo que se refiere a la ayuda interna a la agricultura, teniendo como referencia el Acuerdo Agrícola aprobado durante la Ronda Uruguay del GATT. Tomando en cuenta que la agricultura constituye un sector íntimamente ligado al conjunto de la economía de los Estados Partes, será también un objetivo prioritario el potenciamiento de la agricultura del MERCOSUR en su inserción internacional. 1.2 Industria. El objetivo es la creación de un ambiente favorable a la reestructuración y a la consiguiente mejora de la competitividad del conjunto de las industrias de la región. Dicho proceso de reestructuración deberá evolucionar gradualmente hacia el crecimiento de la capacidad de producción y de innovación tecnológica, como factores esenciales para la competitividad y la inserción ventajosa en la economía internacional. Se estimulará la cooperación industrial, la formación de cadenas tecnológicas, la especialización industrial, las alianzas estratégicas que potencien la utilización del mercado ampliado y la promoción de micro, pequeñas y medianas empresas. 1.3 Minería. Se promoverán acciones con vista a la identificación de oportunidades de cooperación e intercambio de tecnología, de modo de promover el desarrollo de la producción minera regional. 1.4 Energía. Los objetivos para el año 2000 en el MERCOSUR serán entre otros: La optimización de la producción y del uso de las fuentes de energía de la región. La promoción del uso racional de energía y su conservación. La promoción de la producción y uso de energías renovables con bases económicas y ambientales sustentables. La armonización de la legislación ambiental y establecimiento de estructuras organizacionales que permitan resultados equivalentes en la mitigación de los impactos sobre el medio ambiente, resultantes de la producción, transporte, almacenamiento y uso de los energéticos. 1.5 Servicios. En la nueva etapa de profundización del proceso de integración, debe progresarse hacia la liberalización del comercio de servicios a nivel del MERCOSUR, teniendo en cuenta el Art. 1º del Tratado de Asunción. El objetivo inicial es lograr un Acuerdo Marco sobre Comercio de Servicios de MERCOSUR de conformidad con el Acuerdo General sobre Comercio de Servicios de la OMC. En el ámbito de las relaciones externas, los Estados Partes del MERCOSUR coordinarán su posición en las negociaciones sobre comercio

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de servicios actuales y futuras que se desarrollen. 1.6 Comunicaciones. Las principales líneas de acción son: - promover acciones conjuntas en temas referidos a las telecomunicaciones y los asuntos postales; - analizar la posibilidad de compatibilizar los planes de implementación de nuevos servicios y nuevas tecnologías; - explorar la posibilidad de realizar programas comunes de proyectos de desarrollo; - crear sistemas y medios que posibiliten el intercambio de información; - examinar la posibilidad de armonizar los procedimientos de prestación de servicios. 1.7 Transporte e Infraestructura. El objetivo en esta área es que el transporte, en todos sus modos, contribuya al desarrollo pleno del libre comercio intrarregional, así como la inserción eficiente del MERCOSUR en el plano internacional, permitiendo que los ciudadanos y los operadores económicos del MERCOSUR participen plenamente de los beneficios derivados de la creación de la Unión Aduanera. Se deberán asimismo, identificar y promover proyectos de infraestructura que contribuyan al mejoramiento del sistema regional de transporte. 1.8 Turismo. Se enfatizará la coordinación de las políticas de turismo de los Estados Partes para promover el intercambio cultural y de conocimientos, los intercambios comerciales y la generación de puestos de trabajo. 1.9 Asuntos Financieros. La agenda del MERCOSUR hacia el año 2000 abarcará dos tipos de temas: Por un lado están los aspectos sobre los que es posible y deseable alcanzar un entendimiento en plazos relativamente breves. Estos abarcan las áreas del sistema financiero, seguros, mercado de valores, promoción y protección de inversiones, indicadores macroeconómicos y seguimiento de los regímenes cambiarios. También se incluyen el intercambio permanente de información y experiencias en materia financiera. El segundo conjunto de aspectos a considerar en el mediano y largo plazo, tiene relación con las negociaciones encaminadas a ampliar el acceso a los mercados financieros. 1.10 Asuntos Tributarios. La consolidación de la Unión Aduanera presupone continuar el examen de las legislaciones tributarias, con el objetivo de identificar asimetrías, a fin de su armonización. 1.11 Políticas Macroeconómicas. Hacia el 2000, el MERCOSUR deberá avanzar en el tratamiento de los problemas económicos coyunturales y de otra índole. Esta estrategia se corresponde con la idea de que la maduración del proceso de integración va a ir acentuando la necesidad de los gobiernos de hacer un examen conjunto de algunas medidas de política económica. Asimismo, un conocimiento más cabal de la coyuntura de los socios va a permitir un mejor diseño de las propias políticas internas. A tales efectos deberá perfeccionarse la elaboración de indicadores macroeconómicos regionales".

[17] Como bem lembra Paulo Roberto Almeida (ob. cit., p. 352), "essa comissão que não tem poder sancionador e funcionará através de recomendações diretas ao GMC, dependerá sobretudo da ação política e da pressão sindical para ampliar o seu papel e transformá-la efetivamente em um espaço de negociação, levando para o GMC as questões sociais". E ressalta um fato significativo que em abril de 1999, "houve a assinatura do primeiro 'Contrato Coletivo de Trabalho no MERCOSUL', entre a Volkswagen do Brasil e da Argentina e os sindicatos dos metalúrgicos destes dois países, estabelecendo os princípios básicos de relacionamento entre capital e trabalho no âmbito do MERCOSUL".

[18]Ressaltando que o imposto de importação, o imposto de exportação e a IOF, são, no Brasil, os impostos no qual o Poder Executivo pode alterar as alíquotas dentro do mesmo exercício financeiro.

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[19]José Lence Carluci bem demonstra a importância estratégica desse controle ao ressaltar as funções e os efeitos do imposto de importação. Funções do imposto de importação: "1. Função financeira - como receita derivada da arrecadação tributária. 2. Função promocional - os direitos aduaneiros exercem função promocional quando visam encarecer de tal forma as mercadorias estrangeiras importadas, que induzem internamente os empresários nacionais a efetuar inversões de capital na produção de tais mercadorias. Diz-se que em tais casos, o Imposto de Importação está agindo no sentido do desenvolvimento industrial. Esta e a função protetora constituem os alicerces básicos do processo conhecido como substituição de importações. 3. Função seletora - em decorrência de dificuldades no balanço de pagamentos do país, surgem direitos excepcionalmente elevados, com o fim deliberado de restringir certas importações consideradas supérfluas e, dessa forma poupar divisas para cobertura de importações essenciais. a função de impedir a importação de certos produtos é que distingue os direitos seletores do de caráter financeiro. 4. Função protetora - visa favorecer a indústria incipiente, impondo uma tributação adequada, ou seja, até o limite necessário a representar uma proteção à indústria nacional, de custos mais elevados sem que, em contrapartida, essa proteção desestimule a melhoria da produtividade. Principais efeitos: 1. Balanço de pagamentos - sendo a balança comercial o componente de maior peso relativo no balanço de pagamentos, são evidentes as repercussões nessa área de um maior ou menor controle das importações. 2. Efeito consumo - a introdução de uma Tarifa, ao aumentar o preço, tenderá a reduzir o consumo total. 3. Efeito de redistribuição - o livre-cambismo favorece os monopólios, ao passo que a Tarifa protege os países de economia pobre relativa. 4. Efeito emprego - pressupõe-se que, ao elevar o preço do produto importado, parte da demanda se deslocará para o similar nacional, ou seja, declínio da importação com o aumento da produção e renda nacional". (CARLUCI, José Lence. Uma Introdução ao Direito Aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 1997. p. 75-77)

[20]A Decisão 49?01 GMC, em um passo ainda tímido, nominou os pontos de fronteira de controle integrado, derrogando a Decisão 43?97 GMC. Alejandro Grimsom salienta que, "por um lado, a alfândega aparece trabalhando em diversas formas de inter-relação, tanto no nível comercial como populacional. No caso do MERCOSUL, o discurso federal de 'integração' envolve e favorece apenas às grandes empresas e não melhora a situação da população da fronteira. O problema em questão - dificuldade de construção de redes de relações e vínculos - abarca diversas esferas, contudo a causa principal que se apresenta em algumas narrações restringe-se à alfândega. Em outras histórias, esta instituição irradia o conflito para outras relações sociais". (GRIMSOM, Alejandro. Vivências do Estado como alteridade. In: FRIGERIO, Alejandro; RIBEIRO, Gustavo Lins (Orgs.). Argentinos e Brasileiros. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 170)

[21]Órgão Gestor de Mão-de-Obra Portuária, que passou a centralizar e substituir os sindicatos como contato junto aos importadores, exportadores e armadores adotando o conceito de multifuncionalidade. Esse conceito racionalizou o uso de portuários, barateando, em tese, alguns dos custos portuários.

[22]A lei que regula os portos argentinos é a Lei 24.093, também de 1993. Sobre ela, ZUIDWIJK, Antonio, disponível em: <http://ahorainfo.com.ar/?p=6265>, acesso em: 08 fev. 2008. O especialista em temas portuários e marítimos assim se manifesta: "Hace quince años, se promulgaba la Ley de Actividades Portuarias Nº 24.093. La norma, de solo 23 artículos, generó un cambio total en el régimen portuario argentino. Se devolvieron en forma gratuita todos los puertos a las provincias, y el Estado Nacional desaparece como propietario, administrador y operador de esas terminales. Se

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crean las figuras de los puertos industriales, particulares de propiedad y uso privado comercial y la posibilidad de su fraccionamiento en unidades especializadas. La competencia que se alentó entre puertos y dentro de ellos produjo una explosión de inversiones y explica el sostenido crecimiento del comercio exterior argentino".

[23] Sobre este aspecto, significativa foi a frase do discurso de Garibaldi Alves Filho, presidente do Congresso Nacional Brasileiro, na abertura do ano legislativo de 2008, publicado na revista Veja ed. 2.047, de 13.02.2008, p. 48, assim proferida: "não é exagero afirmar que, a cada medida provisória editada sem os critérios de relevância e urgência, a Constituição é rasgada com desprezo. Sob tal pano de fundo, o que se distingue é um Congresso transformado em quarto de despejo de um presidencialismo de matiz absolutista".

[24]Odete Maria de Oliveira discorre que "o conceito clássico de soberania como poder absoluto do Estado-Nação, ou como definida por Panayotis Soldatos (Le systéme institucionnel et politique des Comuninautés Europeénne dans un monde en mutation, Bruxelas, Bruylant, 1989, p. 18), em termos operativos: posse plena da plenitude de competências e do poder público e de seu exercício no interior de um território, de tal forma total, exclusiva e isenta de qualquer intervenção exterior e superior a propósito destas mesmas competências". (OLIVEIRA, Odete Maria de. União Européia: Processos de Integração e Mutação. Curitiba: Juruá, 1999. p. 64)

[25]Carlos Alzamora expõe que "não compreendemos ainda que a negociação do poder político e econômico a nível internacional não passa pelo suplício, nem pela invocação ao altruísmo, mas pela organização de um poder de negociação em conjunto e pela execução de uma estratégia que nos permita empregar esse poder conjunto com eficácia. Enquanto os perigos se amontoam no horizonte latino-americano, nós seguimos paralisados pela falta dessa débil estrutura institucional latino americana, indecisos, talvez, para empunhar nas nossas mãos nossos próprios destinos, e o que é mais grave, impotentes para organizar nossa capacidade de decisão". (ALZAMORA, Carlos. La crisis y la capacidad de acción latinoamericana. Revista de la Integración Latino Americana, n. 105, set. 1985. Apud C. SCHAPOSNIK, Eduardo. As Teorias da Integração e o MERCOSUL - Estratégias. Florianópolis: UFSC, 1997. p. 12)

[26]Ou do expansionismo brasileiro. José Alexandre A. Hage argumenta "que estas características são vistas não apenas no tamanho do território e na capacidade de liderança política na região, mas são igualmente vislumbradas na presença brasileira nas sete fronteiras que o País tem além das existentes com os vizinhos que formam o MERCOSUL. Além disso, teria também de se levar em conta os laços coma região da África Austral, os países de língua portuguesa e com a República Sul-Africana, de grande importância regional para o Brasil poder arregimentar capacidades de um global trader, de uma potência ascendente". (HAGE, José Alexandre A. As Relações Diplomáticas entre Argentina e Brasil no MERCOSUL - princípios de hegemonia, dependência e interesse nacional no Tratado de Assunção. Curitiba: Juruá, 2004. p. 118) Paulo Roberto de Almeida, no mesmo sentido, discorre que "contando com tais peculiaridades inerentes ao Brasil, em sua projeção natural na América do Sul, como se o País fosse o detentor da chave estratégica dos negócios da região no século XXI, mesmo considerando que não há, aparentemente, nenhuma ação diplomática ou militar brasileira que venha a se constituir num 'destino manifesto'. Esta nítida feição hegemônica do Brasil, se dará, ainda mais, se não houver um claro projeto de construção de um espaço econômico feito por todos os membros do MERCOSUL".

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(ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o Futuro do MERCOSUL: Dilemas e Opções. In: CASELLA, Paulo et al. (Coords.). MERCOSUL: Integração Regional e Globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 24)

[27]LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. São Paulo: Nacional, 1971. p. 33.

[28]Jacques Lambert (ob. cit., p. 33) ressalta que "as fronteiras européias, apesar das barreiras econômicas, são linhas em que os povos vizinhos se encontram, mesmo que disso se aproveitem para lutar. Na América do Sul as fronteiras são freqüentemente zonas imensas, fracamente povoadas e às vezes apenas exploradas, em que a penetração é tão difícil que isola os povos uns dos outros, não lhes sendo nem mesmo necessário vigiá-las. Nas fronteiras do Brasil com a Bolívia e sobretudo com a Colômbia e o Peru, o centro do continente, livre de qualquer população sedentária, constitui um vazio em que ainda prevalecem os meios de comunicação primitivos, cuja lentidão, pequena capacidade e preço constituem a mais eficaz das barreiras".

[29]Eduardo C. Schaposnik (ob. cit., p. 13) argumenta que "[...] é difícil distinguir quando a falta de apoio se deve a uma diminuição da crença na própria idéia de integração ou quando se trata de um declínio do modelo empregado. O que resulta evidente é que a maior parte das camadas sociais tem julgado pelos efeitos negativos registrados, porque a crise se acentuou, caíram as exportações, também o comércio intra-regional, chegando-se finalmente ao estancamento da economia e ao endividamento vertiginoso, acentuou-se a dependência e se exibiu uma série de fenômenos negativos que fez aflorar um sentimento de ceticismo, afastando até os pensadores sociais e políticos".

[30]As teorias neoliberais podem ser resumidas em cinco metas essenciais: estabilização (de preços e das contas nacionais); privatização (dos meios de produção e das empresas estatais); liberalização (do comércio e dos fluxos de capital); desregulamentação (da atividade privada); austeridade fiscal (restrições aos gastos públicos) (PETRAS, James. No fio da navalha - Os fundamentos do neoliberalismo. 2. ed. São Paulo: Xamã, 1998. p. 18). Perry Anderson sustenta que "se economicamente o neoliberalismo fracassou, socialmente criou sociedades mais desiguais. Mas foi política e ideologicamente onde alcançou os maiores êxitos, disseminando a idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, tem de adaptar-se a suas normas". É o que ele chama de hegemonia. (ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Orgs.). Pós-Neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 23)

[31]Neste particular, é interessante a análise de Otaviano Canuto, em artigo publicado pelo Estado de São Paulo, em 28.07.1998, sobre o assunto, intitulado "O Pós-Consenso de Washington" - Passagem de Stiglitz pelo Brasil". O autor lastima a oportunidade perdida de discussão sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro e discorre que para Joseph Stiglitz, ex-vice-presidente e ex-economista-chefe do Banco Mundial, "o Consenso se deu em torno de se tomar a liberalização comercial, privatização, ataque à inflação e redução de déficits públicos como um conjunto de remédios necessários à América Latina". Stiglitz, citado por Canuto, salienta que o Consenso "nasceu diante do quadro generalizado de inflação alta e instável, de grandes déficits públicos, de elevados níveis de protecionismo e de visível ineficiência governamental que marcou o continente nos anos oitenta. Mas, prossegue Joseph, que

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eliminar tais distorções não levam automaticamente ao desenvolvimento. Estacionar na agenda do Consenso pode vir a garantir apenas uma 'paz de cemitério', de estabilidade com estagnação". E, prossegue Stiglitz, "o Consenso deixou de fora outros instrumentos tão importantes quanto aqueles. Não tratou dos mercados financeiros, da concorrência e sua regulação, da transferência de tecnologia e do desenvolvimento de instituições. Partiu do suposto equivocado de que, nas bastaria tirar o governo do caminho para permitir aos mercados funcionarem e o desenvolvimento simplesmente adviria". E mais, continua Stiglitz, "um ponto central diz respeito à relação entre eqüidade e eficiência. Tem-se hoje em dia crescente consciência de que essas duas qualidades andam juntas, ao contrário do que se pensava na época em que se dizia ser necessário 'esperar o bolo crescer para depois distribuí-lo'". Stiglitz evidenciou, por exemplo, "as enormes ineficiências que aparecem quando há forte desigualdade na riqueza ou na distribuição da propriedade da terra. Grandes desigualdades de renda e riqueza acentuam todos os problemas econômicos derivados das assimetrias de informações". "Mostrou também porque várias experiências de reforma agrária fracassaram por se limitarem à redistribuição de propriedade sem o acompanhamento de políticas de crédito e de assistência técnica que a sustentem. O que é mais importante: apontou para os enormes ganhos quando a experiência de reforma é sustentável." "A 'segunda geração de reformas', pós-Consenso, defendida pelo economista parte da premissa de que existem políticas com a capacidade de ampliar tanto a eqüidade quanto o produto. Como no caso da educação. Na ausência de educação pública, tende a ocorrer um investimento educacional abaixo do ótimo, porque pessoas pobres não podem pagar o custo pleno de sua educação e, certamente, teriam dificuldade de tomar empréstimos com base em seus ganhos futuros." Observou ainda Stiglitz "que um maior apoio público à educação, particularmente quando bem dirigido, pode não apenas aumentar as oportunidades educacionais, melhorando a eqüidade social, como incrementar a eficiência econômica. Assim provou a experiência no Japão, na Coréia do Sul e outros asiáticos onde o investimento pesado em capital humano foi um dos pilares de suas décadas de sucesso". E, finalmente, o terceiro ponto da pauta de reformas abordado foi o da participação dos envolvidos nas políticas públicas como requisito do sucesso destas. "Stiglitz citou pesquisas feitas no Banco Mundial com resultados que mostra ser a questão mais do que discurso retórico ou desejo inocente, tanto no caso de projetos microeconômicos, quanto no nível macro-político."

[32]A questão se refere a uma disputa que a Argentina mantém com o Uruguai relativamente à construção de duas fábricas de celulose. A Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ) em 2006 rejeitou a paralisação cautelar das obras de construção das fábricas.

[33]Kenichi Ohmae apresenta uma questão bastante interessante: "Num mundo onde as fronteiras econômicas estão desaparecendo progressivamente, serão suas fronteiras arbitrárias, historicamente acidentais, realmente significativas em termos econômicos? Em caso negativo, que espécies de fronteira fazem sentido? Em outras palavras, quais são, no fundo, exatamente as unidades de negócios naturais, os agregados de pessoas e de atividades suficientes e de tamanho e escala corretos através das quais deva integrar-se a essa economia?" E, ainda, o mesmo autor, p. XXI, conclui que "os Estados-nações tradicionais tornaram-se unidades de negócios inaturais, até impossíveis, numa economia global. Os Estados-regiões são, de fato, os meios mais eficazes como portas de entrada para a economia global". (OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-nação. Rio de Janeiro: Campus: São Paulo: Publifolha, 1999. p. XVIII). Na mesma linha, embora

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com conclusões finais um pouco diferentes, Jürgen Habermas sustenta que "A economia capitalista, do mesmo modo que a instância estatal burocrática, desenvolveu um sentido sistêmico próprio. Os mercados de bens e de capital e de trabalho obedecem a uma lógica própria, independente das intenções dos sujeitos. E, ao lado do poder administrativo, incorporado nas burocracias estatais, o dinheiro tornou-se um medium anônimo da integração social, cuja eficácia não depende das idéias dos participantes. Essa 'integração sistêmica' entra em concorrência com a 'integração social' mediada pela consciência dos atores, ou seja, com a integração que se dá através de valores, normas e entendimento. A 'integração política', que segue o caminho da cidadania democrática, forma um dos aspectos dessa integração social geral". (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia - Entre a Factividade e Validade. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1994. v. II, p. 290)

[34]Corrobora esse entendimento Norberto Bobbio, quando assevera que "tudo corre bem quando os sujeitos da relação são cidadãos do mesmo Estado e a coisa a que se referem pertence ao território desse Estado. Mas e se um dos dois sujeitos é estrangeiro? Se os dois sujeitos pertencem a um Estado, mas a coisa a que se referem se encontra num outro Estado? Bastam essas duas perguntas para nos fazer entender que são infinitos os casos, sobretudo no mundo contemporâneo em que as relações internacionais se vão intensificando, que podem ser resolvidas, conforme se leve em conta a nacionalidade de um ou de outro sujeito, ou a nacionalidade da coisa em relação à dos sujeitos, com normas pertencentes a dois ordenamentos diferentes". (BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9. ed. Brasília: UnB,1997. p. 179)

[35]A cooperação tem por finalidade vantagens mais imediatas dos Estados, especialmente, mas não exclusivamente, na área econômica, sem que aja um aprofundamento na políticas comuns.

[36]Há discordâncias. Deisy Ventura. Assimetrias entre o MERCOSUL e a União Européia. São Paulo: Manole, 2003, p. 206-207, sustenta "que o poder normativo é partilhado entre o Executivo e o Legislativo no regime presidencialista brasileiro. Assim, a eventual participação do Brasil num órgão supranacional que concentre funções normativas e executivas, não pode ser considerado inconstitucional, tampouco uma inovação, já que a tradição brasileira não corrobora a separação estanque dessas competências. Uma objeção mais sólida reside no equilíbrio entre o Parlamento e a Presidência da República, em relação aos acordos internacionais eventualmente assinados pelo MERCOSUL, quando eles não possuem caráter misto (isto é, quando um acordo é assinado exclusivamente por uma entidade supranacional, sem que os Estados-Membros também sejam signatários da convenção). Tratando-se de acordos internacionais, o art. 49, I da Carta Federal atribui ao Congresso Nacional a competência exclusiva para aprova-los, dado que comportam obrigações para o Estado brasileiro. Além disso, ao outorgar ao Presidente da República competência exclusiva para concluir tratados, convenções e atos internacionais, o art. 84, VIII submete essa competência à aprovação parlamentar. Cabe, então, perguntar se uma futura reforma dos tratados constitutivos, que outorgue verdadeira competência internacional ao MERCOSUL, poderá ser realizada sem que o Brasil proceda a uma reforma constitucional. A resposta parece ser negativa".

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