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O sonho de Vesta (sample)

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Amostra com 26 páginas do livro "O sonho de Vesta", da autora Ittala Nandi.

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O sonho de Vestaittala nandi

romance

jaguatirica

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EDITORA JAGUATIRICA DIGITAL

EDITORA Paula Cajaty

DIAGRAMAÇÃO E CAPA M. F. Machado Lopes

REVISÃO Anna Beatriz Mattos

IMAGEM DE CAPA

O sonho (1910), Henri Rousseau, Museum of Modern Art, Nova York

AUTORA [email protected]

Copyright © 2014

Editora Jaguatirica DigitalNenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou armazenada, por quaisquer meios, sem a autorização prévia e por escrito da editora e do autor.

CONTATO Rua da Quitanda, 86, 2o andar – CentroRio de Janeiro – RJ – CEP 20.091-902Tel. (21) 4141-5145 | (21) 3747-1887email: [email protected]

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

N168s Nandi, Ittala, 1942- O sonho de Vesta / Ittala Nandi. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Jaguati- rica, 2014. 274 p. ; 23 cm.

ISBN 978-85-66605-14-3 1. Ficção brasileira. I. Título.

14-10174 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

07/03/2014 11/03/2014

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ÀGanesha

às Serpentese ao Arco-Íris

Para Oswald de Andrade

Joaquim Pedro de AndradeFernando Peixoto

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Inscrição no Templo de Delfos – Grécia“O sono, o sonho e o êxtase são as três portas abertas

sobre o Invisível, donde nos vem a Ciência daAlma e a Arte da Adivinhação!”

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Ittala, ou da revolução permanente

O Sonho de Vesta, estreia de Ittala Nandi na ficção fantástica, acrescenta mais um tijolo à “revolução permanente” que ela está construindo aos poucos, mas com determinação e vontade extraordinárias: desde a adolescência - quando atrás das portas, curiosa da vida e das coisas da vida, ficava escutando (e aprendendo) as conversas dos amigos do pai, Massimo, em Caxias do Sul – até hoje, depois de ter passado por várias experiências e de ter marcado momentos e épocas indeléveis da evolução do pensamento e do costume da sociedade e da mulher brasileira: o Teatro Oficina, o Cinema Novo, a defesa e o direito à liberdade feminina, as polêmicas, a militância, a aventura cubana na Sierra Maestra, a descoberta das filosofias orientais contra o “desbunde” seguido aos anos de morte da ditadura militar, não são episódios – entre muitos outros que caracterizaram e caracterizam a vida de Ittala – sem lógica e sem consequencialidade, mas elementos focados e centrados nos direitos do ser humano: sua dignidade, educação, sensibilidade, respeito, valores morais e concretos, do dia a dia, etc.

Tudo isso se reflete neste extraordinário cenário que é Talkad, microcosmo matriarcal de uma idade de ouro fora do tempo e do espaço, em que tudo é lindo, perfeito e organizado em uma sociedade que mistura harmoniosamente humanos e animais, mitos e realidades: sociedade dirigida por Vesta, charmosa mulher sem idade, que lida com seu povo e, principalmente, com as ameaças inelutáveis que chegam do futuro patriarcado.

Quem sabe quanto essa “mágica” Vesta, com sua cabeleira preta, é Vesta ou a mesma Ittala? A pergunta é mais do que legítima, considerando o interesse de Ittala pela humanidade: é só pensar, por exemplo, na sua “maiêutica” que a transforma em uma grande professora (da UniverCidade do Rio de Janeiro à Escola Superior de Cine TV do Paraná, do Notório Saber à Comenda da Ordem do Mérito Cultural da República

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Federativa do Brasil). Muitas vezes, Ittala já foi comparada à Fênix, o bicho misterioso e mitológico que renasce das próprias cinzas: e que dizer, então, da nossa Vesta, que se recupera e se recria nas águas mágicas de Pacha? Nessa moderna fábula inteligente, tudo vale e tudo faz, tudo se recompõe através de um deus ex machina que se chama sonho: todo mundo sonha, tudo se sonha, e voltam e se misturam em um maravilhoso tourbillon Shiva e Ganesha, Gandhi, o bispo Sardinha e Oswald de Andrade, Sherazade e as Mil e uma Noite, os Sumérios e os anunakis, e muitos outros capítulos da grande história da humanidade.

Por que o sonho como momento chave? Porque o sonho mantém sua inocência, é mais limpo e não se deixa corromper pela hipocrisia e pelo materialismo vulgar que domina a nossa atual sociedade: como um som puro e límpido de uma orquestra celestial em um grande anfiteatro construído – quem sabe? – por alienígenas...

E, na orquestra, quem o regente? É fácil: cabeleira preta, rosto de Madonna rinascimentale, olhar de aço e de determinação, duas mãos desenhando no ar o “corpo” dos sonhos... Vesta ou Ittala? Ittala ou Vesta? Pouco importa. O fato é que o leitor fica raptado como em uma viagem no Unicórnio Azul e começa a pensar, a refletir, a duvidar se um mundo como Talkad, transformando o ferro em ouro, não poderia acontecer de novo?... A verdade e a imaginação se misturam, como sempre. No livro, ganha a Utopia. Não poderia acontecer a mesma coisa na vida? Seria tão bom...

Claudio M. Valentinetti

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PRÓLOGO

A história do matriarcado de Talkad, liderado por uma sábia e corajosa mulher conhecida como Vesta, acontece na Era do Neolítico, quando o Capitão Ramish, oriundo da Suméria, em uma de suas navegações conhece esse característico clã fixado à beira do Rio Loni. No momento em que pousou seus olhos sobre a líder, Capitão Ramish não conseguiu mais ter paz em sua vida.

Vesta é uma mulher de vivacidade quase felina, alta, como suas ancestrais, corpo forte, imponente, espáduas largas, magra, pele azeitonada, rosto oval, olhos negros fendidos de cílios longos, maçãs do rosto salientes, boca espessa e sorridente, dentes alvos, longos cabelos negros, soltos ou presos no alto da cabeça alongada com orelhas delicadas. Uma figura de estátua. Ramish ao conhecer Vesta prometeu a si mesmo: “Ela será Minha Rainha!”.

Neste período da humanidade, os matriarcados deixavam facilmente de ser nômades porque a gestação das mulheres obrigava a permanência em algum sítio. Esses grupos, de maioria feminina, se aquietavam próximos a lagos ou rios. Logo desenvolviam a agricultura doméstica e com o bom resultado da lavoura passavam a armazenar os grãos, consequentemente se fixavam ao local. Foi o que ocorreu com o clã talkadense. Do Rio Loni retiram peixes, algas, cultivam trigo, cevada, tubérculos, uma vez que as aves ou qualquer outro animal, por serem amigos, não são comidos.

Todas as líderes sempre se chamaram Vesta e segundo a tradição deste matriarcado a primeira Vesta foi proveniente da Lua que apelidam de PE. Desde pequenos os membros do clã viam cair do céu pedras gigantescas que estremeciam a terra, e ao se chocarem no solo, se rompiam e dentro delas encontravam pedras coloridas, brilhantes, que eram armazenadas para uso na vestimenta, ou decoração. Muitas vezes viam sair alguns seres

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estranhos que corriam e desapareciam na floresta. “Nós viemos pelos ares, através dos aparelhos celestes, os Vimanas.” é a crença comum dentre o clã.

Ramish ficou impressionado com os conhecimentos avançados desse matriarcado e soube que os aprendizados sobre agricultura, pecuária, higiene, construção, escrita pictográfica, medicina, entre dezenas de outros, foram adquiridos através dos sonhos visionários. O que seriam esses sonhos? O dom de penetrar em egrégoras do tempo que contêm nelas fatos, vidas futuras ou do passado. Por exemplo: as moradias de Talkad foram construídas em forma de pirâmide, seguindo instruções dos sonhos visionários, por serem mais resistentes às monções, período de chuvas, conforme instruções recebidas através dos tais sonhos.

A Casa Grande é o nome da maior pirâmide construída pelo clã. Foi edificada na parte mais alta de Talkad, de onde se tem a visão do porto. Nela vivem Vesta e sua irmã mais velha Rumic. Há outras pirâmides menores construídas em torno, onde moram Zink, Conselheira do Porto, Etep, Conselheira da Terra, Tit, Conselheira da Saúde, Lal, Conselheira da Ciência, Lia, Conselheira do Alimento, Tri, Conselheira do Berço e um único Conselheiro homem, Dio, o mais jovem, Conselheiro das Artes. Vesta e seus Conselheiros dividem a responsabilidade da administração do clã. Nesse matriarcado o dever de criar, educar as crianças e cuidar dos idosos é da liderança administrativa do clã que se reúne na Casa Grande, onde deliberam os interesses da comunidade. Esse formato administrativo deixou o Capitão Ramish intrigado, pois achou mais eficiente daquele existente em sua avançada Suméria patriarcal.

É comum no clã a nudez de mulheres e homens. A roupa se fez necessária a partir da criação do pequeno e próspero Porto de Talkad, devido à chegada de pessoas de outros povos. Certo dia, a tataravó Vesta, num sonho visionário, se viu entre criaturas da civilização romana e ficou sabendo que o homem tinha importância básica no ato da procriação. Desde então,

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em Talkad, esta boa gente aprendeu que o sexo não serve só para o prazer, mas também para gerar. Este conhecimento não mudou o comportamento do clã. Nos tempos de matriarcado, saber quem é o pai da criança não tinha e não tem qualquer importância. Nenhum homem se importava com isso. As mulheres menos ainda.

Ao tomar conhecimento desses princípios Ramish ficou indignado, considerou mesmo uma heresia: como ignorar quem é o pai? O que interessava e continua interessando aos talkadenses, é que haja muitas crianças nascendo, seja filho de quem for, para garantir a sobrevivência do clã. Assim a comunidade se desenvolve unida e irmanada pelo ideal comum: sobreviver, crescer e aprender. Não se sabe a razão de nascerem mais mulheres em Talkad, no entanto a minoria masculina está bem adaptada aos costumes do matriarcado talkadense, sem antagonismos. Pelo contrário: são protetores, fervorosos amigos das fêmeas e de suas crias. Ramish em todo tempo que permaneceu entre o clã, para sua frustração, não conseguiu mudar em nada esse conceito social.

No centro de Talkad, na parte baixa, ao nível do Rio Loni, há um grande lago que foi formado por uma imensa “pedra vinda dos céus”, como se conta: essa tombou sem se romper, originando enorme cratera, profunda e extensa, permitindo ao rio, que passava naquele ponto, dar origem a um grande lago, de característica particular: suas águas são sempre mornas e mansas em qualquer estação do ano, e produz um agradável efeito calmante sobre as pessoas. Ao redor do Lago do Céu, nome que lhe deram os talkadenses, vivem em outras pequenas casas-pirâmides as seiscentas almas que compõem esta comunidade especial. Pode-se dizer que nesta época de matriarcados, tudo é sim e ócio e o conhecimento oriundo da “contemplação” ou do “sonho”. O “não” será introduzido pelo patriarcado quando o homem legitimar as leis naturais. Nesses dias do matriarcado primitivo, felizmente o “neg-ócio” como o próprio nome diz, negação do ócio, ainda está distante, para a glória, a saúde física,

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mental e espiritual dessa gente de predestinados talkadenses.

Na tradição Vesta, a mulher é a encarregada de não deixar que se apague o Fogo do Lar, construído tradicionalmente no centro da casa pirâmide. Na filosofia daquela comunidade, a alegria é a única perfeição. Por essa e muitas outras razões, em Talkad, vive gente feliz, no paraíso, em harmonia com a natureza e os animais. Dormem muito para aprender sonhando, uma vez que sonhar não custa nada, só é preciso tempo!

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I - ERA UMA VEZ

Sempre vestida de branco com túnica de algodão, às vezes curta, acima dos joelhos, para facilitar a subida no dorso do seu unicórnio azul de pelo e de nome. Os unicórnios se assemelham aos cavalos, mas possuem entre os olhos, no centro da testa, um delicado corno em espiral que aponta para o céu. Azul também possui belíssimas asas semelhantes as do Pégaso, o belo cavalo alado. É um espécime raro, misto de Unicórnio e Pégaso. Vesta tem por ele um carinho especial. Ela ajudou no parto da mamãe unicórnio que partiu para o Além do Além após o nascimento do filhote.

Num belo amanhecer, Vesta de Talkad, surge diante do portal da Casa Grande, com seus longos cabelos negros presos no alto da cabeça, para sobrevoar Talkad em seu unicórnio Azul. A líder tem outros amigos fieis como o leão Runo, seu defensor e protetor. Fazem parte da família afetiva de Vesta dois gaviões, Gav e Giv que se domesticaram por livre e espontânea vontade. Dia ensolarado de verão, os seus protetores estão à espera defronte ao portal da casa em seu belíssimo jardim.

– Salve Vesta. – exclama Gav, do galho da macieira próxima ao portal da casa, a seu lado, Giv quer saber:

– Bons sonhos?

– Sonhou comigo, minha bela? – é Runo o leão sedutor.

– Dormiu bem Vesta? – indaga Azul.

– Bom dia, meus filhos! Dormi bem. Vamos ao trabalho.

Vesta monta em Azul que rapidamente ganha altura com suas poderosas asas e seguem na direção das plantações ao norte, até a Cordilheira Maissore. Retornam em direção ao porto no sul, depois sobrevoam o Lago do Céu que se localiza no centro da pequena vila. A seguir vão ao leste aonde vivem suas amigas, as sereias. Geralmente Vesta e Azul tomam o primeiro banho do

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dia com elas. Depois retornam à Casa Grande para a Lavagem de Boca, que é como chamam o café da manhã. A limpeza dos dentes é conhecida e cultivada com seriedade. A higiene é uma das razões da boa saúde do clã. Um cacto que algumas crianças brincavam de mastigar chamou a atenção das líderes. Perceberam que além de serem deliciosos, branqueavam os dentes e evitavam os buracos doloridos que faziam o dente cair. A partir daí, mastigar o cacto passou a ser costume geral.

Depois de ver tantas boas inovações em Talkad, Ramish pensou imediatamente em raptar Vesta para agregar a líder aos administradores sumérios. Esse era um dos seus interesses, não o principal, o que o Capital Ramish queria realmente era fazer Vesta sua mulher.

Depois da inspeção Vesta e Azul retornam a Casa Grande. Ela desmonta e afaga a cabeça do unicórnio com muito afeto.

– Descansa meu querido amigo!

Antes de entrar, a líder se detém para falar com os Lírios. Dizem as lendas do clã que a primeira vida que apareceu na Terra foi um híbrido de planta e animal.

A parte superior do corpo é como um Lírio e na metade inferior há duas pernas que parecem de cabrito, embora mais altas. O sexo não é visto, talvez esteja entre a grande quantidade de folhas que crescem a partir das coxas desses seres estranhos que só os talkadenses conhecem. Alimentam-se de fotossíntese. Quando seus Lírios começam a florir, deixa no ar um perfume inebriante. Os filhos nascem depois que a flor seca e a mãe-Lírio joga a semente ao chão, como se cuspisse algo fora. Nascem as folhagens e por fim as perninhas. Quando ficam bem fortes, a mãe os retira da terra. Pela rapidez que correm, eles são muito úteis. Todos em Talkad têm um Lírio em sua porta, como um cão de guarda atento e confiável que avisa a população sobre qualquer perigo de invasão dos nômades bárbaros.

Rumic, irmã mais velha de Vesta vem ao seu encontro. Cuida da irmã mais nova como se fosse sua filha.

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– Vesta, você está com um aspecto horrível, o cabelo desgrenhado... Também, voando por todo lado... Francamente!

– Estou feliz Rumic, calma.

– Estou calma.

Mas ela continua emendando um assunto no outro. É do seu feitio:

– Runo desapareceu assim que você partiu, a Conselheira Tit procurou por você, as crianças também queriam saber onde você estava, Set quer pedir...

– Pare de falar como uma gralha no meu ouvido, Rumic!

– Desculpe!

– Me Perdoa. – arrependida abraça a irmã e lhe dá um beijo na testa.

Vesta apesar de ser a mais nova das duas é bem mais alta do que Rumic, que perdeu a liderança do clã por sua incapacidade de fazer sonhos visionários, um requisito de status e poder na comunidade, coisa em que Vesta se destaca de todos.

– Eu que peço desculpas Vesta. Fico aqui esperando que você volte e... Isso me deixa ansiosa. Perdão. Não vi você sair pela manhã. Tomou banho com as sereias?

– Dormi pouco. Não, não me banhei na cachoeira. Abanei do alto para elas. Estou com sono.

– Então é bom que você se banhe, antes de descansar. Trago alguma coisa para mastigar.

Vesta tem 360 anos e Rumic 50 a mais, e ainda era menina quando viu Vesta nascer. A longevidade do clã talkadense é outro mistério que intriga os habitantes de outras comunidades e ao próprio Capitão Ramish.

A Vesta-Mãe foi para o Além do Além, e Rumic passou a cuidar da irmã menor. As duas nunca procriaram, mas são afetuosas protetoras das crianças que nascem em Talkad. As

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mães depois de amamentar levam a criança para a Casa Grande. Ali elas serão alimentadas e educadas sob a responsabilidade das Conselheiras do clã. Entre os nove e treze anos serão iniciados na Caverna Pacha, como é costume entre eles, ao retornarem as meninas irão para junto de suas mães e os meninos para as casas comunitárias dos homens.

Vesta afasta os véus de seda que separam o seu quarto do corredor principal, retira sua túnica e se joga na fonte existente em seu quarto.

Se as águas do Lago do Céu são calmantes, as da Fonte da Vida, que passam pelo seu cômodo, têm o poder de regenerar o corpo e por isso são rejuvenescedoras. Elas expandem cor violeta iluminando o quarto com adoráveis nuances de luz. Depois de mergulhar na fonte, enrolada num pano de algodão, Vesta se acomoda na rede e adormece.

– Mãe, é você?

– Sim querida, sou eu.

– Linda como sempre, mãe!

– Feliz em te rever, filha do meu coração!

– Eu também. Esperei tanto por este momento! – depois de olhar em volta. – Que lugar curioso!

– Vem, vou mostrar onde vivo.

Vesta-Mãe conduz a filha até uma larga porta existente no grande salão, aonde uma leve cortina de seda balança, pela aragem tépida vinda de fora.

Levantando os dois braços num gesto harmonioso, ela afasta a cortina para a filha passar. Diante delas um cenário paradisíaco. A líder matriarca vê um jardim primoroso com alamedas artisticamente plantadas com flores coloridas de todas as espécies. Pequenos e grandes chafarizes se espalham aqui e ali por todo jardim.

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– Que belo jardim!

– Este é um jardim inspirado nos jardins persas. Vem, vamos dar um passeio.

– E você quem é agora neste mundo que desconheço?

– Aqui sou Nefertiti esposa do faraó Akhenaton e mãe de seis filhas.

– Seis filhas?

– Sim, apenas filhas, herança talkadense. – ambas riem da brincadeira. – O pai delas é Akhenaton, meu senhor e meu rei, filho do Deus Áton. Este é o Egito, filha. Vieste até mim, em teu sonho, porque era profundo o meu desejo de rever você e mostrar o que será Talkad no futuro. – Nefertiti olha para a filha. – Compreendeu?

– Compreendi. Isso que vejo será Talkad no futuro?

– Sim filha!

– Então que tempo é este, agora?

– Um tempo de glória, de grandes conhecimentos e descobertas. Estamos hoje no ano de mil e seiscentos antes de, Yeshua Ben Yozeph, ou o Cristo, que nascerá em Beth Lechem, na futura Judeia, quando outra religião iniciará um calendário próprio, marcando o tempo historicamente como antes e depois de Cristo.

– Então que tempo é o de Talkad, em que eu vivo e que você viveu?

– Anos muito anteriores a este. Talkad, filha minha, está há três mil e setecentos anos antes de Cristo. Mas o lugar é o mesmo. Vê lá ao fundo as montanhas? Reconhece? A casa em que vivo hoje ao lado do meu Rei, foi construída no mesmo local da Casa Grande. A fonte que jorra aqui no jardim a tua frente é a Fonte da Vida que passa em teu quarto, que já foi meu um dia! Do lado de cá, olha, está o Rio Loni, que agora se chama Rio Nilo.

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Vesta ouve atentamente. Permanece em silêncio e começa a andar de um lado para o outro, é um costume quando pensa.

– Se entendi bem, hoje você vive com o Rei Akhenaton, o filho do Deus Áton, que fundou uma religião criada por ele para o povo de agora. E se também entendi bem, daqui a mil e seiscentos anos, viverá na Judeia um homem que também vai se dizer Filho de Deus e vai criar uma outra religião? Ele se chamará Cristo e os tempos serão marcados historicamente: antes de Cristo e depois de Cristo. É assim?

– É, filha!

– Imagino, então, que deverão surgir outros que se dirão filhos de Deus e irão fundar suas religiões?

– Provavelmente será como dizes!

– Se entendi bem, Deus é sempre o mesmo, mas o que muda são os seus nomes, à medida que o tempo passa, que outras civilizações surgem, desaparecem e ressurgem?

– Simplificando, é assim mesmo, filha!

Vesta-Nefertiti caminha com a filha de mãos dadas por alamedas floridas, caminhos de tijolos vermelhos, lisos. Ouvem vozes e risadas de crianças.

– Vem, você vai conhecer suas irmãs, Vesta.

– Mãe, você fala que o Rei Akhenaton é o pai das suas filhas. Nunca nos preocupamos em saber quem é o pai! Isto é importante nestes dias?

– A mãe ensina a falar, o pai transmite o seu nome. Será assim no futuro, filha. E o futuro é onde estou agora.

– A humanidade é uma invenção das mulheres, não importa o que você diga. Na natureza, as espécies animais fazem do homem um genitor, o que é inevitável sem dúvida.

– O pai é uma função biológica, um tanto simbólica e a função da mãe é humanamente indispensável? É o que estás

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afirmando, filha? Dizer isto nos dias em que vivo, é perigoso, sabe?

Vesta fica perturbada sentindo que aquelas ideias podem acabar em pesadelo. Deseja do fundo do coração que sua mãe conduza a conversa para outro rumo.

Nefertiti parece ter percebido o desejo da filha:

– “O mistério do nascimento é mais rico para a meditação do que o mistério da morte”. O que achas, querida filha? Este será o tema do nosso próximo encontro de filosofia. Estamos estudando também a metempsicose e a reencarnação.

– Morrer é inevitável! Nascer é uma sorte! Não é mãe?

– Agora falas com sabedoria. Nascer é a principal chance da vida. Não desperdiçá-la é o nosso primeiro dever.

Nefertiti passa o braço pelos ombros da filha e chegam à fonte onde dezenas de crianças brincam no chafariz que jorra água em muitas direções.

Quando as veem, seis meninas de diversos tamanhos correm felizes até elas, rodeando a mãe, que se inclina para beijar uma a uma.

– Brincando, filhas?

A maior delas, aparentando 14 anos, olha curiosa para Vesta. Observa a simples túnica branca de algodão que destoa das roupas de seda ricas e coloridas delas.

– Queridas, quero que conheçam a irmã de vocês!

– Nunca a tínhamos visto antes, por quê? – indaga uma das irmãs.

– Porque ela vem do passado, filha.

– Qual passado?

Vesta-Nefertiti olha para Vesta como quem diz, “responda você mesmo”.

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– Venho de um passado onde existem gigantes, somos poucos, a natureza é selvagem. Quem dirige a comunidade são as mulheres, eu e as Conselheiras...

– Mamãe, ela vem dos tempos que tu nos falaste? Quando ainda havia sereias?

– Sim, é verdade... Elas existem e são minhas amigas.

– Como você se chama? – pergunta outra.

– Me chamo Vesta.

– Vesta? Como eu... – as duas se abraçam.

– Também quero ir a esse mundo, mãe. Posso ir lá?

– Quando você aprender a fazer sonhos poderá ir! – responde Nefertiti. – Sua irmã Vesta está aqui porque sabe, através do sonho, viajar no tempo. Ela veio do passado para o futuro!

Nefertiti vê que Vesta observa o monumento majestoso, erguido ao fundo do grande jardim onde estão.

– Não é lindo, filha? Este é o símbolo do Deus Áton. O grande Disco Solar, enviando para a humanidade raios benfazejos.

– Sim... É belo! – responde Vesta, friamente.

Perspicaz Nefertiti percebe a frieza da resposta.

– Sinto filha, que continuas sem apreciar a religião!

– É. Não posso negar!

Vesta procura mudar o rumo da conversa.

– Aqui você comanda como comandava em Talkad, mãe?

– Sim filha, aqui sou a grande esposa real. Tenho tanto poder quanto o faraó e conduzo os rituais ofertados ao Deus Áton.

– Nós nunca reverenciamos um Deus. Você, mãe, era contra isso, lembra? Respeitamos a Floresta, o Sol, PE...

– Mudanças fazem parte do ciclo dos tempos, uma hora paz, mais a frente guerra.

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– Queria entender por que os homens fazem a guerra! Não sei se vou me adaptar aos tempos futuros. Não aceito a guerra, detesto a violência e ninguém vai me convencer do contrário.

– Admiro tua forte personalidade, Vesta querida. Mas, já imaginou que você poderá vir a ser um homem em outra existência? Um grande guerreiro, talvez? Quem sabe Leônidas, o matador da Pérsia?

A visão provoca forte angústia em Vesta, seguida de uma grande sede. Nefertiti conhece esses sintomas. É sinal de que o sonho está para acabar.

– Filha, traz água da fonte, rápido. – pede Nefertiti a uma de suas filhas ao perceber Vesta enfraquecida e senta-se colocando a cabeça da líder em seu colo.

A jovem retorna com a água. Nefertiti aproxima o copo dos lábios de Vesta.

– Enquanto estiver bebendo, olhe para todas nós, uma por uma, porque você vai retornar ao seu tempo e quero que leve a nossa imagem em sua memória.

– Não me esqueça, mãe! – diz Vesta que enquanto bebe, olha para elas, fechando os olhos lentamente.

A líder desperta no colo de Rumic, que acaricia seus cabelos.

– Não gosto quando minha irmã fica com seu espírito longe durante muito tempo. Não gosto mesmo. – diz Rumic, preocupada e com um olhar de profundo amor.

– Gosto muito de você, Rumic! – Vesta respira fundo e se espreguiça sorrindo. – Gosto de Talkad e dos dias de hoje.

– E por que isso agora?

– Sabe por quê? Porque aqui ninguém impõe religião, e porque aqui e agora o nosso corpo é o nosso templo. Vamos aproveitar bem o período dourado em que vivemos. – depois de uma pequena pausa. – Querida Rumic, sonhei com nossa mãe Vesta, ela será a Rainha Nefertiti, quando Talkad for o Egito.

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– Sonhou com nossa mãe? Conta mais, Vesta!

– Depois. Agora chama Azul. Preciso voar!

Vesta sai correndo da Casa Grande.

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Impresso no outono de 2014 pela Singular Digital