15
O STATUS TEMPORÁRIO DA MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA NO JAPÃO E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS TEMPORARY STATUS OF THE BRAZILIAN IMMIGRANT WOMEN IN JAPAN AND THE EDUCATION OF THEIR CHILDREN Cláudio da Silva , , Ana Maria Bortz², Marcelo Fuidio Hiriart², Márcia Atsumi Ikeda² 12 Resumo: Este artigo procura investigar se as mulheres imigrantes brasileiras no Japão, consideram o processo educacional de seus filhos uma experiência que pode ser adiada e as possíveis conseqüências referentes às suas escolhas. A coleta de dados e diagnostico dos aspectos sócio- econômico de 20 famílias de brasileiros residentes no conjunto habitacional Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi no Japão, foram conduzidos, através de questionários, durante o período de outubro/novembro de 2010. A análise dos dados coletados sugere que a maioria das famílias entrevistadas não se identifica como verdadeiro imigrante no Japão, pois mantém o sonho de um dia retornar ao Brasil, atrelando de forma direta ou indireta este processo de visitante temporário na situação educacional de seus filhos. A mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e pelos afazeres domésticos, porém permanece mais de 9 horas longe de casa, dividindo com o companheiro a responsabilidade financeira da família, trabalhando longas jornadas em empresas do setor industrial secundário japonês. O pouco tempo dispensado na educação dos filhos somado a identidade “temporária” forjada pela própria recusa dos imigrantes em estabelecer raízes, acarretam em problemas no aprendizado e na identidade cultural das crianças. Os diretores das escolas japonesas e da escola brasileira entrevistados nesta pesquisa acreditam que os pais deveriam dar mais atenção na educação dos filhos e participarem mais das atividades das escolas. Abstract. This article investigates both the issue of whether Brazilian immigrant women in Japan consider the educational process of their children an experience that can be postponed and the possible consequences with respect to their choices. Data collection and diagnosis of the socio- economic aspects of 20 Brazilian families living in the Homigaoka Public Housing Estate in Toyota City, Aichi Prefecture, Japan, were conducted through questionnaires between October and November 2010. Analysis of the data collected suggests that the majority of these families do not identify themselves as true immigrant in Japan because they hold onto the dream of one day returning to Brazil, linking this status as temporary visitors in Japan, directly or indirectly to their children’s education. Women are inside their families and primarily responsible for the education of children and the housework, but remain more than nine hours away from home, sharing the financial responsibility of the family with their partners and working long hours in Japanese factories. The little time spent in childcare plus the identity of being "temporary" created by the very refusal of immigrants to establish roots in Japan, results in learning problems and the cultural identity of children. School principals from Japanese and Brazilian schools responding to this survey believe that parents should pay more attention to their children’s education and participate more in school activities. Trabalho desenvolvido e apresentado em 2010, durante o Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT, Acordo Brasil/Japão, como parte dos requisitos para conclusão da disciplina de Antropologia. Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela PUC/São Paulo. Professor da Escola Brasileira Professor 1 Kawase Hiro Gakuen - Ogaki, Gifu, Japão. E-mail: [email protected]. Aluno(a) do Curso de Pedagogia Brasil/Japão – Universidade Federal do Mato Grosso, UFMT. 2

O status temporário da mulher imigrante brasileira no Japão

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Este artigo procura investigar se as mulheres imigrantes brasileiras no Japão, consideram o processo educacional de seus filhos uma experiência que pode ser adiada e as possíveis conseqüências referentes às suas escolhas. A coleta de dados e diagnostico dos aspectos sócio-econômico de 20 famílias de brasileiros residentes no Japão, foram conduzidos, através de questionários. A análise dos dados coletados sugere que a mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e pelos afazeres domésticos, porém permanece mais de 9 horas longe de casa, dividindo com o companheiro a responsabilidade financeira da família, trabalhando longas jornadas em empresas do setor industrial secundário japonês.

Citation preview

O STATUS TEMPORÁRIO DA MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA

NO JAPÃO E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS

TEMPORARY STATUS OF THE BRAZILIAN IMMIGRANT WOMEN

IN JAPAN AND THE EDUCATION OF THEIR CHILDREN

Cláudio da Silva  ,   , Ana Maria Bortz², Marcelo Fuidio Hiriart², Márcia Atsumi Ikeda² 1 2

Resumo: Este artigo procura investigar se as mulheres imigrantes brasileiras no Japão, consideram o processo educacional de seus filhos uma experiência que pode ser adiada e as possíveis conseqüências referentes às suas escolhas. A coleta de dados e diagnostico dos aspectos sócio-econômico de 20 famílias de brasileiros residentes no conjunto habitacional Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi no Japão, foram conduzidos, através de questionários, durante o período de outubro/novembro de 2010. A análise dos dados coletados sugere que a maioria das famílias entrevistadas não se identifica como verdadeiro imigrante no Japão, pois mantém o sonho de um dia retornar ao Brasil, atrelando de forma direta ou indireta este processo de visitante temporário na situação educacional de seus filhos. A mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e pelos afazeres domésticos, porém permanece mais de 9 horas longe de casa, dividindo com o companheiro a responsabilidade financeira da família, trabalhando longas jornadas em empresas do setor industrial secundário japonês. O pouco tempo dispensado na educação dos filhos somado a identidade “temporária” forjada pela própria recusa dos imigrantes em estabelecer raízes, acarretam em problemas no aprendizado e na identidade cultural das crianças. Os diretores das escolas japonesas e da escola brasileira entrevistados nesta pesquisa acreditam que os pais deveriam dar mais atenção na educação dos filhos e participarem mais das atividades das escolas.

Abstract. This article investigates both the issue of whether Brazilian immigrant women in Japan consider the educational process of their children an experience that can be postponed and the possible consequences with respect to their choices. Data collection and diagnosis of the socio-economic aspects of 20 Brazilian families living in the Homigaoka Public Housing Estate in Toyota City, Aichi Prefecture, Japan, were conducted through questionnaires between October and November 2010. Analysis of the data collected suggests that the majority of these families do not identify themselves as true immigrant in Japan because they hold onto the dream of one day returning to Brazil, linking this status as temporary visitors in Japan, directly or indirectly to their children’s education. Women are inside their families and primarily responsible for the education of children and the housework, but remain more than nine hours away from home, sharing the financial responsibility of the family with their partners and working long hours in Japanese factories. The little time spent in childcare plus the identity of being "temporary" created by the very refusal of immigrants to establish roots in Japan, results in learning problems and the cultural identity of children. School principals from Japanese and Brazilian schools responding to this survey believe that parents should pay more attention to their children’s education and participate more in school activities."

Trabalho desenvolvido e apresentado em 2010, durante o Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT, Acordo Brasil/Japão, como parte dos requisitos para conclusão da disciplina de Antropologia.

" Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela PUC/São Paulo. Professor da Escola Brasileira Professor 1

Kawase Hiro Gakuen - Ogaki, Gifu, Japão. E-mail: [email protected].

" Aluno(a) do Curso de Pedagogia Brasil/Japão – Universidade Federal do Mato Grosso, UFMT.2

INTRODUÇÃO

O avanço do status da mulher até século XXI é resultado de inúmeras lutas por ideais

imaginados por grupos que desafiaram as tradições sociais existentes há poucas décadas. Hoje

ela está mais presente no mercado de trabalho, em muitos casos ocupando postos de

comando; se faz ver e ouvir e tem renda própria para conduzir sua vida. Além da conquista

profissional, ela também tem participado ativamente nas mudanças ocorridas na sociedade

moderna. Aos poucos suas habilidades femininas são valorizadas redesenhando novos papéis,

de ser apenas coadjuvante para assumir posições estratégicas na sociedade (Nascimento,

2009). Mesmo com tantos avanços a mulher ainda é, na maioria das vezes, responsável pelo

trabalho doméstico e acumula as funções de mãe, dona de casa, esposa e profissional. Ela é a

principal gestora do ambiente doméstico e desempenha papel decisivo no processo

educacional de seus filhos (Bruschini et. al., 2007).

O trabalho masculino, valorizado e remunerado segundo critérios econômicos, afastou

os homens da convivência na comunidade local, dos cuidados com a família e do

acompanhamento da educação dos filhos (Mansur, 2003). No Japão o papel tradicional da

mulher na família é centrado no cuidado do lar e na participação da educação dos filhos,

estando pouco inseridas no mercado de trabalho. Segundo Hirata (1986), a mulher japonesa é

pouco valorizada nas empresas onde trabalham, recebem salários mais baixos em relação ao

homem, tem raras perspectivas de carreira. Este aspecto da cultura japonesa difere muito de

outros países industrializados em que a posição social da mulher vem sofrendo

transformações e ela tende a buscar satisfação profissional enquanto divide com o homem as

responsabilidades pela gestão do trabalho doméstico e da família.

A reforma na Lei de Controle de Imigração e Refugiados de 1990, permitiu que filhos,

netos e esposas de japoneses e seus familiares viessem ao país por tempo limitado e sem

restrição ao tipo de trabalho (Costa, 2007).

Segundo dados da Embaixada do Brasil em Tóquio citados por Higuchi (2003), 320

mil brasileiros residiam no Japão naquele ano, a terceira maior comunidade brasileira no

exterior. Ao contrário das famílias tradicionais japonesas, a maioria das mulheres brasileiras

residentes no país, geralmente dividem com o marido a responsabilidade financeira,

trabalham longas jornadas e estão empregadas no setor secundário do mercado de trabalho,

em pequenas e médias empresas que sofrem crônica falta de mão-de-obra e em trabalhos que

geralmente são recusados pelos japoneses.

Estes imigrantes são chamados de “Dekasegi”, que em japonês significa “trabalhar

fora de casa”. Esta classificação foi historicamente utilizada de forma pejorativa, referindo-se

aos trabalhadores pobres japoneses que saíam temporariamente de suas regiões rurais e

migravam para os centros urbanos. Assim, os japoneses que no final do século 19 cruzaram o

oceano e formaram colônias acreditando que a imigração seria temporária, também foram

classificados de “dekasegis”. A recente e intensa imigração de brasileiros, a maioria

descendentes de japoneses, (nikkeis) para o Japão, iniciada no final da década de 1980,

também recebeu o mesmo rótulo. Seguindo o caminho inverso de seus ancestrais, eles foram

atraídos por salários em moeda forte, bem mais valorizada em relação a moeda do Brasil nas

duas últimas décadas, foram recrutados e financiados por agentes, muitos dos quais atuando

de forma ilegal, com respaldo e apoio do governo e das grandes corporações, para suprir o

mercado de mão-de-obra barata e semi-qualificada, regulado pelo controle de produção “just-

in-time”, tão caro ao desenvolvimento industrial do Japão (Higuchi & Tanno, 2003). Os

imigrantes brasileiros que viajaram nestas condições desempenham no arquipélago o

chamado trabalho de 5 ‘Ks’ – Kitanai (sujo), Kiken (perigoso), Kitsui (penoso), Kibishii

(exigente) e Kirai (detestável) (Sasaki, 2002).

Políticas públicas adequadas ainda não foram implantadas para incorporar a mão-de-

obra destes estrangeiros e em especial a mulher, no mercado de trabalho japonês. Essa

lentidão do governo em reconhecer integralmente a permanência destas famílias no país,

resistindo a tratá-los como imigrantes e não como “dekasegis”, ou seja migrantes sazonais,

provoca um sentimento generalizado de “não pertencimento” e de “adiamento” das

responsabilidades sociais que englobam a educação dos filhos, o comprometimento com o

espaço e com a comunidade por parte dos imigrantes.

Segundo Miyasaka et. al. (2007), essa exclusão destas famílias do processo

participativo na construção da sociedade japonesa acarreta consequências sérias como a

evasão escolar, envolvimento de jovens estrangeiros em crimes e danos psicológicos sofridos

por essas famílias. Segundo dados do Ministério da Educação, Esporte, Ciência e Tecnologia

do Japão mencionados por Ninomiya (2004), existem cerca de 40 mil crianças brasileiras no

país, dos quais por volta de 5 mil estariam matriculadas numa das 60 escolas brasileiras em

funcionamento no território japonês. Diferentemente das crianças japonesas, as crianças

estrangeiras não são obrigadas a estar matriculadas na escola. (Ninomiya, 2004).

Outras consequências trazidas por esta falta de políticas públicas para a inserção do

cidadão estrangeiro na sociedade japonesa de forma igualitária e recíproca incluem o

distanciamento por parte das famílias da vida coletiva, o estabelecimento do consumo

individual e fútil como prioridade, o descrédito pelas instituições, que incluem a família e a

escola, e o descompromisso com o desenvolvimento do país como uma reação ao tratamento

descartável dado aos trabalhadores estrangeiros.

O surgimento de escolas brasileiras particulares, que com a crise econômica correm o

risco de serem extintas, foi por muito tempo a única opção para as famílias brasileiras

resistirem culturalmente. Como resultado, tais iniciativas, assim como o trabalho de

organizações sem fins lucrativos e organizações não governamentais atuam como sujeitos

substitutos de ações do governo japonês e não como agentes parceiros.

Este artigo tem como objetivo investigar se as mulheres imigrantes brasileiras que

moram no conjunto habitacional Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi no Japão,

consideram o processo educacional de seus filhos uma experiência que pode ser adiada,

relatando as possíveis conseqüências referentes às suas escolhas. Também procura relacionar

se a inserção em uma nova cultura, de um outro país, pode afetar no planejamento da

educação das crianças.

"METODOLOGIA

A presente pesquisa foi desenvolvida no Conjunto Habitacional Homigaoka,

localizado no bairro Homigaoka, cidade de Toyota, província de Aichi-ken no Japão. O objeto

de estudo, foi aquele compreendido pelas mães de alunos matriculados na Escola Comunitária

Paulo Freire – ECOPAF. Utilizamos também dados fornecidos por duas escolas públicas

japonesas, localizadas adjacentes ao Conjunto Homigaoka e que possuem um número

bastante representativo de brasileiros. Alguns dos alunos destas escolas, frequentam a

ECOPAF, no período da tarde, no projeto Cantinho do Saber onde terminam as tarefas de

japonês e aprendem o português.

" Área de Estudo e público alvo:

Homi Danchi - O Homi Danchi, ou simplesmente Homi como é chamado pela

maioria dos seus moradores é um dos conjuntos habitacionais, com maior concentração de

brasileiros no Japão. Localizado na cidade de Toyota, província de Aichi-ken, os prédios do

Homi abrigam cerca de 9.000 moradores, dos quais cerca de 4.000 são brasileiros (Tobace,

2008). Além dos brasileiros, podemos ainda encontrar uma representativa comunidade

peruana além de algumas famílias de chineses e filipinos.

Devido a grande concentração de brasileiros, a língua portuguesa é um dos idiomas

mais falados na região, havendo placas de sinalização, faixas, cartazes, além de informativos

e revistas, devidamente traduzidos nesta língua. A população ainda dispõe de dois

supermercados que comercializam produtos brasileiros além do complexo comercial

FOXTOWN que contém padaria, cabeleireiro, academia, locadora de vídeo, perfumaria e loja

de eletrônicos que oferecem serviços e comercializam produtos do Brasil.

A região do Homi Danchi possui também uma escola brasileira, a Escola Comunitária

Paulo Freire – ECOPAF e duas escolas públicas japonesas: Nishi-Homi Shougakkou e

Higashi-Homi Shougakkou. Estas duas instituições japonesas recebem alunos da região do

Homi, possuindo grande número de estrangeiros entre os quais se destacam os brasileiros.

Escola Comunitária Paulo Freire – A ECOPAF, é uma instituição de ensino mantida

pelo Centro Latino Americano Homigaoka – CELAHO, uma organização não governamental

que presta auxílio a comunidade Latina no Japão. Localizada no coração do Homi Danchi, no

primeiro andar do complexo FOXTOWN, a ECOPAF oferece ensino na língua portuguesa,

para filhos de brasileiros da cidade de Toyota, recebendo também alunos de cidades vizinhas

como Miyoshi e Seto.

Criada em 2004, a Escola Paulo Freire é uma escola bilingüe (ensino de português e

japonês), atendendo alunos do Ensino Infantil ao Ensino Médio, oferecendo ainda aulas de

português para os alunos que estudam nas escolas japonesas (Projeto Cantinho do Saber) e um

curso preparatório para realização do Supletivo oferecido pelo Ministério da Educação e

Cultura do Brasil – MEC.

O horário de funcionamento da ECOPAF com suas respectivas atividades são

apresentados na TABELA I.

"TABELA I. Estrutura de Ensino e atividades oferecidas pela Escola Comunitária Paulo Freire a comunidade do

Homi Danchi no Japão em outubro de 2009.

"

""" Toyota Shiritsu Nishi-Homi Shougakkou - Localizado ao oeste do conjunto

habitacional Homi Danchi, a escola Nishi Homi é uma instituição pública japonesa que recebe

alunos dos bairros de Kitaryokuen e Minami Ryokuen, que rodeiam respectivamente o lado

noroeste e sudoeste do conjunto habitacional Homigaoka.

Toyota Shiritsu Higashi-Homi Shougakkou - Localizado ao leste do conjunto

habitacional Homidanchi a escola Higashi-Homi é uma instituição pública japonesa que

recebe alunos do bairro Otobegaoka que ocupa a área contígua do lado nordeste do conjunto

habitacional Homigaokka .

A Tabela II apresenta o número de alunos em cada uma das escolas pesquisadas,

relacionando o número de brasileiros e estrangeiros em cada uma delas.

""

Horário Atividade de Ensino desenvolvida

Das 9 às 14:45h - Educação Infantil

- Ensino Fundamental

- Ensino Médio

Das 15 às 17:40h Cantinho do Saber (ensino de português para alunos da escola japonesa e

auxílio nas tarefas de japonês)

Das 19 às 21h Curso Preparatório para o Supletivo

TABELA 2. Número de Alunos nas escolas estudadas.

"

""

*Dados fornecidos pelas próprias instituições em novembro de 2009.

Coleta de dados e métodos de avaliação

Os dados desta pesquisa foram coletados e avaliados considerando-se três

metodologias: Questionários, Entrevistas e Análise Documental .

Os questionários foram aplicados, durante os meses de outubro/novembro de 2010, a

todas as mães que possuem filhos matriculados na ECOPAF, do Ensino Infantil ao Médio,

além daqueles que estudam nas escolas públicas japonesas e participam do Projeto Cantinho

do Saber.

Os questionários elaborados eram constituídos de 35 perguntas fechadas, de múltipla

escolha, contendo questões que pudessem auxiliar na elaboração de um perfil sócio-

econômico para o público alvo estudado, além de oferecer dados para compreender melhor

como as mães brasileiras participam da educação de seus filhos no Japão.

As diretoras das três escolas escolhidas para esta pesquisa foram entrevistadas, com

perguntas semi-estruturadas. Esta metodologia foi adotada como forma de obter mais

informações sobre o comportamento do público alvo visto que, estas profissionais participam

do dia-a-dia do ambiente escolar, possuindo grande conhecimento sobre os educandos e seus

pais.

Para análise documental, foram utilizados os textos produzidos pelos alunos para a

construção do livro: “Viver, aprender... escrever – muitas histórias para contar”  , realizado 3

pela Escola Paulo Freire (Figura 1). Este livro é parte integrante do projeto “EDITORA

Escola Número de alunos*

Japoneses Estrangeiros Brasileiros TOTAL

Nishi-Homi Shougakkou 78 104 96 182

Higashi-Homi Shougakkou 369 116 105 485

Escola Comunitária Paulo Freire - - 60 60

" . Quarta edição do Projeto Editora Ecopaf, realizado em outubro de 2009.3

ECOPAF” desenvolvido anualmente pela instituição, onde toda a escola participa na produção

de textos individuais versando sobre um tema pré definido. A análise prévia do material

demonstrou ser este uma ferramenta interessante para o desenvolvimento deste projeto visto

que, nesta edição, a temática desenvolvida valorizou os depoimentos e autobiografias dos

alunos onde eles discorrem, entre outras coisas, sobre suas memórias de estudante.

"RESULTADOS

Dos 29 questionários entregues, 23 retornaram preenchidos e os 20 primeiros foram

utilizados para análise neste trabalho.

Os dados coletados permitiu-nos traçar um perfil do público alvo desta pesquisa, ou

seja, da mulher brasileira, mãe, com filho(os) em idade escolar no Japão; o qual apresentamos

abaixo:

Estrutura familiar - A maioria (85%) das mulheres entrevistadas vivem com marido/

companheiro, sendo que em 75% dos casos, o pai/companheiro é o principal responsável

pelos ganhos financeiros da família. Nenhuma delas cuida de idosos e 55% possuem 1 filho

em idade escolar.

Situação laboral - Na atualidade, 65% delas estão empregadas, mas 55% não possuem

benefícios sociais como seguro desemprego/saúde/aposentadoria/folgas remuneradas. Além

disso, 65% não trabalham nos fins de semana e feriados, mas permanecem mais de 9 horas

por dia longe de casa.

Disponibilidade de tempo - Em 100% dos casos a mulher é a principal responsável

pelo trabalho doméstico, sendo que em 33% o marido/companheiro raramente ajuda e 33%

dos casos não houve resposta sobre a participação masculina.

Escolaridade - Quanto ao nível escolar, 40% das mães completaram Ensino Médio.

""

ANÁLISE DOS DADOS

Uma das questões a serem analisadas referentes às crianças brasileiras residentes no

Japão e que reflete no desempenho escolar é a em grande parte a identidade cultural. Muitas

delas nasceram no país, falam português mas nunca foram ao Brasil, outras já cruzaram o

oceano várias vezes de um país ao outro, sempre trocando de casas e mudando de escolas.

Quando indagadas sobre sua nacionalidade, muitas se confundem afirmam ser japonesas e

mesmo não conhecendo a língua do país. É compreensível que estas crianças não separem os

conceitos de nacionalidade e identidade nacional, uma vez que se sentem japonesas porque

compartilham muitos aspectos da sociedade e a cultura japonesa ao mesmo tempo que se

distanciam da identidade brasileira. A diretora da Escola Comunitária Paulo Freire, Josélia

Eliete Longato Fuidio, afirma que várias crianças brasileiras no Japão perderam o vínculo

com o Brasil enquanto outras não se identificam mais com o país de origem.

A condição vivida pelas famílias, de trabalhadores estrangeiros temporários, com o

objetivo de retorno a curto prazo para o Brasil, como sugere Ishikawa (2009), somado ao fato

de que o tipo de trabalho desenvolvido, em fábricas com longas jornadas, resulta em ausência

dos cuidados e atenção necessária para os seus estudos. Este fato não pode ser visto como um

simples desinteresse dos pais, mas pelas próprias condições que eles encontram no Japão. A

mulher, mãe, que muitas vezes se ocupa dos cuidados com a educação dos filhos muitas vezes

encontra-se ausente do lar, como pudemos constatar, pois ela também divide, com o marido, a

responsabilidade financeira trabalhando mais de 9 horas no setor industrial secundário do

Japonês.

Os diretores e das escolas públicas japonesas Nishi e Higashi-Homi confirmam esta

análise, e destacam que a maior dificuldade para se relacionar com os estrangeiros, nas duas

escolas, é a indecisão dos pais quanto à permanência no Japão. O retorno repentino ao Brasil

ou a mudança constante entre a escola japonesa e a brasileira faz com que a criança perca o

interesse e a motivação para estudar. Uma das professoras da escola primária Higashi-Homi,

Ikuko Koyama deixa claro que essas mudanças constantes prejudicam o desenvolvimento da

criança brasileira ao declarar :

¨Entendemos que os brasileiros estão aqui para trabalhar, mas gostaríamos que decidissem, que planejassem, com expectativa a médio ou longo prazo para garantir a educação de seus filhos¨.

Na escola primária Nishih-Homi, o Diretor, professor Hideriko Nakane tem a mesma

opinião :

¨No momento em que a criança descobre de que vai retornar ao Brasil, ela perde totalmente a motivação; pedimos aos pais que conversem com seus filhos sobre a importância dos estudos, seja qual for o país que estiverem¨.

O professor também identifica a falta de acompanhamento das tarefas escolares por

parte dos pais brasileiros. Muitas mães não verificam as tarefas e os materiais necessários no

dia seguinte e acredita que essa ausência se dê porque a “a maioria das mães trabalham em

período integral¨.

Quando um aluno apresenta problemas na escola, sejam de qualquer natureza, os pais

são chamados e o sucesso das medidas tomadas depende muito da participação da mãe no

processo. São poucos os casos de sucesso. Segundo o diretor da escola Nishi-Homi,

¨os pais não colaboram; a principal causa dos problemas é a falta de atenção (carência afetiva); há mães que trabalham no turno da noite. Elas saem de casa antes do filhos chegarem da escola e, às vezes, nem os veem por vários dias¨.

O objetivo da maioria das famílias é retornar ao Brasil em breve, entre três a cinco

anos (Ishikawa 2009), muitos deixam a educação dos filhos em segundo plano, pois para

muitos deles com o salário recebido no Japão eles poderão oferecer melhor educação aos

filhos no Brasil. Nos questionários recebidos 55% das mães matriculam seus filhos na escola

brasileira para que eles tenham mais facilidade de adaptação quando voltarem e 60%

acreditam que as crianças irão aprender mais quando voltarem a estudar em uma escola no

Brasil. No entanto muitos não retornam no tempo previsto e são raros os casos de crianças

que freqüentaram as escolas japonesas, que ingressaram em um curso de nível médio ou

superior no Japão. A maioria ingressa no mercado de trabalho manual, exercendo funções

como operário semi-qualificado, como os pais. Além disso apesar deles terem se graduado no

ensino fundamental no Japão e falarem o idioma japonês com fluência, são poucos os que

dominam a leitura e na escrita ideográfica (Reis, 2002).

Apesar da amostra não ser representativa de toda a comunidade, pode –se dizer que é

um indicativo para maiores investigações sobre a forma como os brasileiros incorporaram o

status definido pelas equações estruturais, que englobam questões laborais, sociais e políticas,

ao universo pessoal, o sentimento de ser “dekassegi”, de ser visto e tratado como alguém que

“não pertence” ao grupo. A metade dos entrevistados disseram que mudaram de três ou mais

vezes de emprego, 25% mudaram de residência três vezes, 30% mudaram os filhos de escola

de duas a três vezes, sendo que 10% mudaram mais de três vezes. Outro dado mostra que

95% dos entrevistados nunca participou de trabalho voluntário no Japão e a falta de tempo,

não saber como ajudar e não falar japonês foram mencionadas como a principal causa. Nas

famílias patriarcais o papel definido da mulher como gestora doméstica e elo de ligação da

família com comunidade local, através da participação em atividades desenvolvidas pelas

associações de bairro, vizinhos e a escola é confirmado quando se constata que 100% delas

são responsáveis pelos afazeres domésticos, no entanto, elas também desempenham o

tradicional “papel masculino”, são trabalhadoras que também sustentam o orçamento

doméstico, mais da metade permanece fora de casa por mais de 9 horas.

No livro “ Viver , Aprender, Escrever... Muitas Histórias Para Contar”, desenvolvido e

elaborado com os alunos da ECOPAF, publicado de forma artesanal pela própria escola em

outubro de 2009, é possível detectar as imensas dificuldades emocionais e o grau de

maturidade exigido dessas crianças imigrantes que desafiaram o espelho. Elas mergulharam

na busca de seus próprios significados a medida que venceram medos e desconfianças

gerados pela longa separação dos pais, rupturas repentinas de relacionamentos, ambientes

estranhos, ausência de rotinas regradas. Além disso, enfrentam a solidão preenchendo a vida

com vídeo-games, computador e televisão, num intenso treinamento passivo que é custoso

desarmar em apenas algumas horas diárias na escola. A proposta do livro mobilizou

conhecimentos, proporcionou um esforço de releitura de si mesmos e a tentativa de construir

um caminho menos tortuoso para estas crianças que nesta tão tenra idade já acumulam tantas

experiências. Alguns textos dos alunos impressionam pela maneira como expressam suas

autobiografias, em que descrevem seus sonhos e ambições. Muitos discorrem sobre o desejo

de um dia retornarem ao Brasil, ou aos que nunca estiveram lá, a vontade de cruzar o oceano

em busca de suas origens.

A influência dos pais, na indecisão e adiamento do retorno ao Brasil pode ser

facilmente percebido pela maneira que muitas histórias são contadas, relatando as inúmeras

idas e vindas aos dois países ou nas mudanças frequentes de lares e entre escolas brasileiras

ou japonesas.

A identidade “temporária” é forjada pela própria recusa dos imigrantes em reconhecer

que aos poucos estabelecem raízes, como mostram os dados do questionário e os apelos das

diretoras das escolas entrevistadas. A diretora da Escola Comunitária Paulo Freire, Josélia

Longatto Fuidio afirma que a participação dos pais nas atividades da escola e da entidade que

a sustenta é mínima, geralmente restrita ao universo particular do desempenho exclusivo do

próprio filho.

“Fazê-los entender que a educação é algo sério [...] é mais que encher um caderno com letras e números…que pensar e criar é muito importante, que ter autonomia, ser investigativo, faz parte do processo e deve ser valorizado. É difícil os pais entenderem que investir em educação significa comprometimento, tempo e gastos... em dinheiro, e oportunidades em estar com o filho.”

Esse descompromisso não significa necessariamente que os pais não estão

preocupados, mas apenas que podem não saber como lidar com as dificuldades impostas por

um ambiente culturalmente hostil. Um relato da diretora ilustra bem esse despreparo dos pais.

“Uma criança de doze de anos de idade não havia frequentado nunca uma escola porque tinha medo e vergonha. Os tios insistiram e ele veio estudar conosco mas como não frequentou escola nenhuma, tinha uma vida toda desregrada, trocava dia pela noite, os hábitos alimentares totalmente atrapalhados. Faz dois anos que começou aqui. No início chegava tarde todos os dias e faltava muito. Também não gostava de participar de nada. A escola permitia isso para que ele gostasse de vir para cá. Hoje já participa bastante e quando a mãe ameaça retirá-lo da escola caso ele não obedeça ele grita e diz que não quer sair daqui. Ele gosta muito da escola. Uma vez uma voluntária perguntou a ele se ele gostava da escola, ele respondeu que muito…muito e muito. Histórias de fracasso? Uma família que não cuidava das tarefas dos filhos, quando começamos a exigir o acompanhamento escolar, tirou os filhos da escola e os deixou em casa, mesmo a escola oferecendo bolsa de estudos.”

Mesmo as famílias que se sentem estabelecidas no país, procuram conforto emocional

nas manifestações culturais desenvolvidas em pequenos e selecionados enclaves étnicos,

como escolas, restaurantes, clubes e comércios em geral. Castells (2008) classifica esse tipo

de atitude de “Identidade de Resistência”, atores sociais que tem princípios e valores opostos

às instituições da sociedade que os recebem. Estes brasileiros residem no país há vários anos,

mas acreditam ser esta permanência algo circunstancial, emergencial, uma situação que será,

em determinado momento, revertida, quer dizer, irão voltar para o “paraíso imaginado”. Já a

“Identidade de Projeto”, definida por Castells (2008), como uma identidade capaz de redefinir

uma nova posição na sociedade, origina sujeitos que criam uma história pessoal e dão novos

significados às experiências da vida individual, transformando modelos “patriarcais” da

família em um núcleo mais igualitário, reverberando contínuas mudanças sociais.

"CONCLUSÕES

A análise dos dados coletados sugere que a maioria das famílias entrevistadas não se

identifica com o status de imigrante no Japão, pois alimentam o sonho de um dia retornarem

ao Brasil e consideram a educação uma experiência congelada no tempo, como se o que fosse

vivido aqui e agora pudesse ser dissociado da formação direta ou indireta de seus filhos.

A mulher é a principal responsável pela educação dos filhos e pelos afazeres

domésticos, porém permanece mais de 9 horas longe de casa, dividindo com o companheiro a

responsabilidade financeira da família, trabalhando longas jornadas em empresas do setor

industrial secundário japonês.

O pouco tempo dispensado na educação dos filhos somado a identidade “temporária”

forjada pela própria recusa dos imigrantes em se sentir “cidadãos” e reconhecer raízes já

desenvolvidas ao longo dos anos, acarretam problemas no aprendizado e na formação da

identidade cultural das crianças.

Os diretores das escolas japonesas e da escola brasileira entrevistados nesta pesquisa

acreditam que os pais deveriam dar mais atenção na educação dos filhos e participarem mais

das atividades das escolas, mas também são conscientes que somente mudanças estruturais na

sociedade japonesa e medidas de longo prazo podem sugerir novas perspectivas de um futuro,

senão brilhante, pelo menos mais justo e igualitário para estas crianças brasileiras residentes

no Japão.

"REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUSCHINI, C. et. al. O progresso das mulheres no Brasil: UNIFEM, Fundação FORD CEPIA. 2007. "CASTELLS, Manuel. 2008. "O Poder da Identidade - A Era da Informação : Economia, Sociedade e Cultura” - Volume 2, 6 a. ed. - São Paulo : Paz e Terra S.A. pp.168-285 : ” O fim do patriarcalismo : movimentos sociais, família e sexualidade na era da informação”. "COSTA, J. P. C. De Decasségui a Emigrante. Brasília: Theasaurus. 2007. 325 p. HIRATA, H. 1986. “Trabalho, família e relações homem/mulher: reflexões a partir do caso japonês”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2.

ISHIKAWA, E. A. The return of Japanese-Brazilian next generations: 1980s experiences in Japan. In: Return Migration of the Next Generations, 21st Century Transnational Mobility. (59 - 78). (CONWAY, D. & POTTER, R. B. org). TJ International Ltda, Padstown, Cornwall. 2009.

MANSUR, L. H. B. Sem filhos: a mulher singular no plural. São Paulo:Casa do Psicólogo. 2003. 167 p.

MASATO NINOMIYA, M. 2009. O Fenômeno Decassegui e a questão da educação das crianças brasileiras no Japão. Disponível em: <http://www.rio.br.embjapan.go.jp/noticias/janeiro/p3janfev2004.htm> Acesso em 03 dez 2009.

MIYASAKA, L. S. et. al. 2007. Migration and mental health: Japanese Brazilians in Japan and in Brazil. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 56(1):48-52.

HIGUCHI, N. & TANNO, K. 2003. “ What´s Driving Brazil-Japan Migration ? The Making and Remaking of the Brazilian Niche in Japan”, International Journal of Japanese Sociology, Number 12.

NASCIMENTO, M. E. T. O papel da mulher na sociedade moderna, 2009. Disponível em: <http://afinsophia.wordpress.com/2009/03/07/o-papel-da-mulher-na-sociedade-moderna/> Acesso em 03 dez. 2009.

TOBACE, E. "Pedacinho do Brasil". Janela Dekassegui, 2008. Disponível em:<http://www.japao100.com.br/blog_janeladekassegui/2008/03/18/pedacinho-do-brasil/> Acesso em 15 nov. 2009.

REIS, M. E. F. Brasileiros no Japão: O elo humano das relações bilaterais. 2ª. Ed. rev., São Paulo, Kaleidus-Primus, 2002.

SASAKI, E. 2002. “Parece, mas não é”. Jornal da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas.