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O surpreendente lado ruim de ser inteligente David Robson Da BBC Future 17 abril 2015 Compartilhar Temos uma tendência a pensar em gênios como seres atormentados por angústias existenciais, frustrações e solidão – a escritora Virginia Woolf, o matemático Alan Turing e até a fictícia Lisa Simpson são estrelas solitárias, isoladas apesar de seu brilho. A questão pode parecer um assunto que atinge apenas alguns poucos privilegiados – mas os conceitos e ideias por trás dessa impressão repercutem em quase todos nós. Boa parte do sistema educacional ocidental é direcionada a melhorar a inteligência acadêmica. Apesar de suas limitações serem conhecidas, o Quociente de Inteligência

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O Surpreendente Lado Ruim de Ser Inteligente

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20/04/2015 O surpreendente lado ruim de ser inteligente ­ BBC Brasil

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O surpreendente lado ruim de serinteligenteDavid RobsonDa BBC Future

17 abril 2015

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Temos uma tendência a pensar em gênios como seresatormentados por angústias existenciais, frustrações esolidão – a escritora Virginia Woolf, o matemático AlanTuring e até a fictícia Lisa Simpson são estrelassolitárias, isoladas apesar de seu brilho.

A questão pode parecer um assunto que atinge apenasalguns poucos privilegiados – mas os conceitos e ideias portrás dessa impressão repercutem em quase todos nós.

Boa parte do sistema educacional ocidental é direcionada amelhorar a inteligência acadêmica. Apesar de suaslimitações serem conhecidas, o Quociente de Inteligência

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(QI) ainda é a principal maneira de medir habilidadescognitivas. Cada vez mais gente gasta fortunas ematividades de treinamento do cérebro para tentar melhorarsua pontuação. Mas e se essa busca pela genialidade foruma tarefa para tolos?

As primeiras respostas para esses questionamentossurgiram há quase um século, no auge da Era do Jazzamericana. Na época, o teste de QI ganhava popularidadeapós ter se provado útil nos centros de recrutamento devoluntários durante a Primeira Guerra Mundial.Leia mais: O surpreendente lado ruim de ser bonito

Leia mais: De onde vem a maldade?

Os altos e baixos de pequenos gênios

Estudos mostraram que pessoas com alto QI sofrem mais deansiedade

Em 1926, o psicólogo Lewis Terman decidiu usar a provapara identificar e estudar um grupo de criançassuperdotadas. Ele selecionou 1,5 mil alunos da Califórniacom QI maior que 140 – 80 deles com mais de 170 de QI. O

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grupo ficou conhecido como os “Termites”, e os altos ebaixos de suas vidas ainda são estudados hoje em dia.

Como era de se esperar, muitos dos Termites crescerampara fazer fama e fortuna. Nos anos 1950, eles ganhavamum salário médio que correspondia ao dobro do de pessoas“comuns”.

Mas, inesperadamente, muitas crianças no grupo de Termanpreferiram profissões menos glamorosas, como policial,marinheiro ou datilógrafo. Os Termites também não foramparticularmente mais felizes do que o cidadão americanocomum, com os níveis de divórcio, alcoolismo e suicídiosemelhantes ao da média da população do país.

A moral da história é que, na melhor das hipóteses, umgrande intelecto não faz diferença em relação à suasatisfação com a vida. Na pior, ele pode significar umasensação maior de vazio.

Isso não quer dizer que todo mundo com um QI alto seja umgênio torturado, como a cultura popular nos faz crer. Masainda é assim, é algo intrigante. Por que os benefícios de teruma inteligência abençoada não aparecem a longo prazo?Leia mais: Os segredos do poder de manipulação

Fardo pesado e preocupação excessiva

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Muitos jovens superdotados chegaram à maturidade com maisfrustrações

Uma possibilidade é a de que a consciência de alguém sobreseus próprios talentos intelectuais tenha se tornado umacarga pesada. De fato, nos anos 1990, quando alguns dosTermites tinham quase 80 anos, eles olhavam para trás e,em vez de se vangloriar de seus sucessos, diziam ter sidoperseguidos pela sensação de que não corresponderam aoque esperavam atingir quando jovens.

Essa sensação de fardo – principalmente quando combinadacom as expectativas dos outros – é uma constante paramuitas outras crianças superdotadas. Um dos casos maisfamosos – e tristes – é o da britânica Sufiah Yusof. Admitidana prestigiada Universidade de Oxford aos 12 anos, elaabandonou os estudos na área de Matemática antes de seformar e começou a trabalhar como garçonete. Depois disso,tornou­se garota de programa e ficou conhecida por recitarequações para os clientes durante o sexo.

Outra reclamação comum é a de que pessoas maisinteligentes geralmente têm uma visão mais clara sobre os

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problemas do mundo. Enquanto o resto de nós se mantémdistante das crises existenciais, os gênios perdem o sonosofrendo pela condição humana e pelos erros dos outros.

A preocupação constante, de fato, pode ser um sinal deinteligência – mas não da maneira que os filósofos depoltrona imaginaram. Alexander Penney, da MacEwanUniversity, no Canadá entrevistou estudantes universitáriossobre vários tópicos e descobriu que aqueles com o QI maisalto realmente se sentiam mais ansiosos.

Mas curiosamente, a maioria das preocupações era banal ecotidiana. “Eles não se inquietavam por coisas muitoprofundas, mas se preocupavam mais frequentemente sobremais coisas”, diz Penney. “Se algo ruim acontecia, elespassam mais tempo pensando naquilo.”

Ao examinar com mais atenção, Penney também descobriuque isso se relaciona com a inteligência verbal, testada emjogos de palavras nos exames de QI. Ele acredita que umamaior eloquência pode ajudar o indivíduo a verbalizar suasansiedades e remoer mais seus pensamentos. O que não énecessariamente uma desvantagem. “Eles tendem asolucionar problemas mais rapidamente do que a maioria daspessoas”, afirma.Leia mais: As cores realmente mexem com nossas emoções?

Pontos ‘cegos’

A verdade nua e crua, no entanto, é que uma maiorinteligência não equivale a tomar decisões mais sábias. Narealidade, a situação pode até tornar as decisões maisequivocadas.

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Keith Stanovich, da Universidade de Toronto, passou aúltima década preparando testes de raciocínio e descobriuque decisões justas e independentes não estão nem umpouco relacionadas ao QI.

Segundo ele, os indivíduos que se saíam melhor em testescognitivos padrão são na realidade um pouco maisvulneráveis a terem um “ponto cego de predisposição”. Ouseja, eles têm menos capacidade de enxergar seus própriosdefeitos, mesmo quando são capazes de criticar os pontosfracos dos outros.

Eles também tendem a ser vítimas da “ilusão do apostador” –a ideia de que se uma moeda cai indicando “cara” dez vezes,ela terá mais chances de cair em “coroa” na 11ª vez.

Uma tendência a confiar mais nos instintos do que nopensamento racional pode explicar porque um númerosurpreendente de membros da associação britânica desuperdotados Mensa acredita em atividades paranormais. Oupor que alguém com um QI de 140 têm duas vezes maischances de estourar seu cartão de crédito.

Stanovich enxerga esses vieses em todas as camadas dasociedade. “Existe muita irracionalidade no mundo de hoje –pessoas fazendo coisas irracionais apesar de terem umainteligência mais que adequada”, afirma. “Essas pessoas queficam espalhando memes antivacinação para pais oudisseminando erros de informação na Internet são em geralpessoas com uma inteligência e uma educação acima damédia.” Obviamente, pessoas inteligentes podem serperigosamente, e bobamente, enganadas.Leia mais: O que seu rosto revela sobre você

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O lado bom

Portanto, se a inteligência não leva a decisões racionais ou auma vida melhor, quais as suas vantagens? Igor Grossmann,da Universidade de Waterloo, no Canadá, acredita quetemos que prestar mais atenção a um conceito antiquado: asabedoria.

Sua abordagem é mais científica do que parece. “O conceitode sabedoria tem uma qualidade etérea”, admite. “Mas seolharmos para a pura definição de sabedoria, muitos vãoconcordar que se trata da ideia de alguém que pode fazer umjulgamento bom e sem amarras”.

Em um experimento, Grossmann apresentou a voluntáriosvários dilemas sociais – que iam desde o que fazer sobre aguerra pela Crimeia a crises que leitores descrevem emcolunas de aconselhamentos sentimentais de jornais.

Conforme os voluntários falavam, um painel de psicólogosjulgava seus argumentos e sua tendência a uma ideiapreconcebida.

Os que mais pontuaram acabaram predizendo maiorsatisfação com a vida, mais qualidade de relacionamento, emenos ansiedades e preocupações – todas as qualidadesque parecem faltar a pessoas enquadradas no conceitoclássico de inteligência.

Crucialmente, Grossmann descobriu que um alto QI nãonecessariamente significa maior sabedoria.Leia mais: Homem 'com dois corações' ajuda cientistas a estudar a depressão

Aprender a saber

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No futuro, empregadores podem começar a empregar testescomo os de Grossmann para examinar outras capacidadesintelectuais em vez do QI. A área de recursos humanos doGoogle, por exemplo, já anunciou que planeja avaliarcandidatos com base em qualidades como “humildadeintelectual”, em fez de pura proeza cognitiva.

Felizmente, a sabedoria pode vir do treino, segundoGrossmann. Ele ressalta que nós normalmente temos maisfacilidade em deixar para trás nossas predisposições quandolevamos outras pessoas em consideração em vez de nósmesmo.

Com isso, ele descobriu que simplesmente falar sobre seusproblemas na terceira pessoa (“ele” ou “ela” em vez de “eu”)ajuda a criar a distância emocional necessária, diminuindopreconceitos e levando a argumentos mais sábios. Novosestudos devem gerar novos truques semelhantes.

O desafio vai fazer com que as pessoas admitam seuspróprios defeitos. Mesmo se você conseguiu repousar sobreos louros da sua inteligência durante toda a vida, pode sermuito difícil aceitar que ela vem atrapalhando seujulgamento. Como disse o filósofo Sócrates, “o sábio éaquele que pode admitir que não sabe nada”.Leia mais: É possível emagrecer com a força do pensamento?

Leia mais: É possível fazer um 'back up' do cérebro?

Leia a versão original em inglês dessa reportagem no site BBC Future.

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