18
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 66, p. 535-552, Set./Dez. 2012 535 Geraldo Augusto Pinto O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA DO BRASIL 1 Geraldo Augusto Pinto * O objetivo deste artigo é analisar o avanço de conceitos e práticas de gestão do trabalho desig- nados como “flexíveis” na indústria automotiva do Brasil, em especial os oriundos do Sistema Toyota de Produção. Por meio de uma investigação bibliográfica e de um estudo de caso empírico numa planta pertencente a um grupo transnacional do setor de autopeças, situada em Campi- nas, SP (Brasil), demonstra-se como foram efetuadas alterações na organização do trabalho, concomitantes à exigência de novos perfis de qualificação profissional e educacional aos traba- lhadores. Em termos conclusivos, a presente análise evidencia como tais perfis – articulados a métodos gerenciais de avaliação em processos de contratação e promoção – têm fragmentado o coletivo de trabalhadores nas empresas, mercantilizando as relações que estabelecem entre si no cotidiano de trabalho, uma vez que se baseiam na introjeção e manipulação de princípios de conduta entre eles, no sentido de servilizá-los ao propósito da acumulação capitalista. PALAVRAS-CHAVE: Sistema Toyota de Produção. Sociologia do Trabalho. Indústria Automotiva – Brasil. INTRODUÇÃO A emergência e difusão mundial do Siste- ma Toyota de Produção, com seus métodos pecu- liares de gestão da força de trabalho, em que for- mas sutis de envolvimento e controle dos traba- lhadores são combinadas a elementos de alta in- tensificação das funções e tarefas que desempe- nham, é um assunto que vem sendo investigado há pelo menos duas décadas pelas Ciências Sociais no Brasil, mesmo porque foi a partir dos anos 1990 que a aplicação de tal sistema pelas empresas avan- çou pelo país, gerando desemprego massivo e es- trutural, precarização das condições de trabalho e afrontamento do sindicalismo combativo gestado nas crises das décadas de 1970 e 1980. O presente artigo se insere nessa seara de estudos, buscando dar relevo a alguns aspectos da totalidade complexa desse processo. Primei- ramente, mostrando que a difusão do toyotismo nas economias ocidentais, como ilustra o caso da própria indústria automotiva, não consistiu em uma simples réplica da aplicação desse siste- ma na organização interna da miríade de plantas já previamente instaladas em diversos pontos do globo. Se, em parte, isso ocorreu, não se deve olvidar o fato de que tal processo foi acompa- nhado da aplicação conjunta de outras estratégi- as pela indústria automotiva ocidental, tais como o embasamento na abertura comercial crescente das economias nacionais, por meio do qual essa indústria inicou uma exploração ainda mais ri- gorosa das “vantagens” comparativas locais, como o elevado estado das artes da tecnologia dos paí- ses centrais e o baixo custo das matérias-primas e da força de trabalho na periferia. Um outro ponto que chama a atenção nesse * Doutor em Sociologia. Professor do Centro de Educação e Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Foz do Iguaçu. Avenida Tarquínio Joslin dos Santos, 1300. Cep: 85870-650. Foz do Iguaçu – Paraná – Brasil. [email protected] 1 Este texto é uma versão atualizada e aperfeiçoada de um trabalho apresentado no 33º Encontro Anual da Associ- ação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) Ele traz análises contidas na tese de Pinto (2011) (IFCH/Unicamp), a qual recentemente foi publicada em livro. Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela bolsa de estudos concedida e ao Prof. Dr. Ricardo Antunes do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universi- dade estadual de Campinas (IFCH/Unicamp) pela orien- tação da tese de doutorado, cujos resultados apresenta- mos parcialmente neste artigo.

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

535

Geraldo Augusto Pinto

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NAINDÚSTRIA AUTOMOTIVA DO BRASIL1

Geraldo Augusto Pinto*

O objetivo deste artigo é analisar o avanço de conceitos e práticas de gestão do trabalho desig-nados como “flexíveis” na indústria automotiva do Brasil, em especial os oriundos do SistemaToyota de Produção. Por meio de uma investigação bibliográfica e de um estudo de caso empíriconuma planta pertencente a um grupo transnacional do setor de autopeças, situada em Campi-nas, SP (Brasil), demonstra-se como foram efetuadas alterações na organização do trabalho,concomitantes à exigência de novos perfis de qualificação profissional e educacional aos traba-lhadores. Em termos conclusivos, a presente análise evidencia como tais perfis – articulados amétodos gerenciais de avaliação em processos de contratação e promoção – têm fragmentado ocoletivo de trabalhadores nas empresas, mercantilizando as relações que estabelecem entre sino cotidiano de trabalho, uma vez que se baseiam na introjeção e manipulação de princípios deconduta entre eles, no sentido de servilizá-los ao propósito da acumulação capitalista.PALAVRAS-CHAVE: Sistema Toyota de Produção. Sociologia do Trabalho. Indústria Automotiva –Brasil.

INTRODUÇÃO

A emergência e difusão mundial do Siste-ma Toyota de Produção, com seus métodos pecu-liares de gestão da força de trabalho, em que for-mas sutis de envolvimento e controle dos traba-lhadores são combinadas a elementos de alta in-tensificação das funções e tarefas que desempe-nham, é um assunto que vem sendo investigadohá pelo menos duas décadas pelas Ciências Sociaisno Brasil, mesmo porque foi a partir dos anos 1990que a aplicação de tal sistema pelas empresas avan-çou pelo país, gerando desemprego massivo e es-

trutural, precarização das condições de trabalho eafrontamento do sindicalismo combativo gestadonas crises das décadas de 1970 e 1980.

O presente artigo se insere nessa seara deestudos, buscando dar relevo a alguns aspectosda totalidade complexa desse processo. Primei-ramente, mostrando que a difusão do toyotismonas economias ocidentais, como ilustra o casoda própria indústria automotiva, não consistiuem uma simples réplica da aplicação desse siste-ma na organização interna da miríade de plantasjá previamente instaladas em diversos pontos doglobo. Se, em parte, isso ocorreu, não se deveolvidar o fato de que tal processo foi acompa-nhado da aplicação conjunta de outras estratégi-as pela indústria automotiva ocidental, tais comoo embasamento na abertura comercial crescentedas economias nacionais, por meio do qual essaindústria inicou uma exploração ainda mais ri-gorosa das “vantagens” comparativas locais, comoo elevado estado das artes da tecnologia dos paí-ses centrais e o baixo custo das matérias-primase da força de trabalho na periferia.

Um outro ponto que chama a atenção nesse

* Doutor em Sociologia. Professor do Centro de Educação eLetras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campusde Foz do Iguaçu.Avenida Tarquínio Joslin dos Santos, 1300. Cep: 85870-650.Foz do Iguaçu – Paraná – Brasil. [email protected]

1 Este texto é uma versão atualizada e aperfeiçoada de umtrabalho apresentado no 33º Encontro Anual da Associ-ação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais(ANPOCS) Ele traz análises contidas na tese de Pinto(2011) (IFCH/Unicamp), a qual recentemente foipublicada em livro. Agradecemos à Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela bolsade estudos concedida e ao Prof. Dr. Ricardo Antunes doInstituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universi-dade estadual de Campinas (IFCH/Unicamp) pela orien-tação da tese de doutorado, cujos resultados apresenta-mos parcialmente neste artigo.

Page 2: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

536

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

processo é o alto grau de concentração de capitalatingido pela indústria automotiva em nível mun-dial desde então, em meio ao qual o setor deautopeças de países periféricos foi rapidamentedesnacionalizado e absorvido por gruposoligopólicos transnacionais estadunidenses, eu-ropeus e japoneses. Em tais condições, a gestãode empresas até então nacionais, ainda quemantida sob as mãos de gerências assalariadaslocais, foi submetida ao comando férreo de dire-torias e presidências de matrizes estrangeiras.

Às gerências locais é dada a missão de nãoapenas ampliar fatias do mercado de consumo,mas de gerar “taxas extraordinárias” de acumu-lação.2 Com tais objetivos em vista, tais gerênci-as têm investido radicalmente na introdução dossistemas de gestão flexível da força de trabalho,como o toyotista – exemplo contemporâneo degestão capitalista mediante o qual se avança na“superexploração” do trabalho, desde as econo-mias centrais até as periféricas.

O objetivo do presente texto é, pois, evi-denciar como isso se manifesta na realidade, pormeio de informações obtidas em um estudo de casoque realizamos entre 2005-2006, numa empresasistemista de autopeças de capital transnacional,situada na região de Campinas, interior do Estadode São Paulo, Brasil (Pinto, 2011). Buscaremosdemonstrar, partindo das alterações na organiza-ção do trabalho na empresa, como as novas exi-gências de qualificação profissional e educacional,articuladas aos métodos gerenciais de avaliação dostrabalhadores nos processos de contratação e pro-moção, têm resultado em uma aproximação entregerências assalariadas e operariado, mediante aqual a lógica da acumulação capitalista transcendeo nível das relações entre as empresas nas cadeiasprodutivas (matrizes e filiais; clientes e fornecedo-ras), para se instalar nas relações entre os própriosassalariados no ambiente de trabalho.

Entendemos, contudo, que tanto o adventodo toyotismo no Japão quanto sua difusão mun-dial, após os anos 1970, são realidades cuja com-preensão é deficitária, se não as admitirmos comomomentos de uma totalidade histórica maior, ouseja, como processos de reprodução da acumu-lação capitalista na insaciável e crônica necessi-dade de superar suas contradições internas. Aseção seguinte, portanto, almeja introduzir o lei-tor nas considerações de caráter histórico maisamplo sobre a emergência e posterior difusão dosistema toyotista, tendo como foco a indústriaautomotiva ocidental e suas singularidades. Emseguida, na terceira seção deste artigo, as infor-mações do estudo de caso por nós realizado noBrasil serão analisadas tendo como preliminarestais considerações, incorporando, contudo, oselementos empíricos que nos permitirão enca-minhar e defender a tese acima: a mercantilizaçãodas relações entre os assalariados no interior dasempresas. Essa tese, na última seção do texto,será retomada e exposta na forma de um ensaiocurto, embora amplo e ousado, cujo objetivo émenos responder do que provocar questões queinstiguem novas investigações sobre o tema.

A EMERGÊNCIA DO SISTEMA TOYOTA DEPRODUÇÃO E A REAÇÃO DA INDÚSTRIAAUTOMOTIVA OCIDENTAL

Nos países capitalistas centrais do Ociden-te, a propriedade privada dos meios de produ-ção admitiu, junto ao surgimento das grandescorporações (sobretudo na primeira metade doséculo XX), certa multiplicidade de nacionalida-des, gerando, especialmente em indústrias avan-çadas como a automotiva, uma intensa dinâmi-ca concorrencial em termos de saberes e interes-ses. Nascia, então, uma cultura empresarial li-beral, supostamente autonôma em face do Esta-do e que, por meio de uma rede de grandes em-presas de perfil monopolista – ainda que inter-namente fragmentadas sob a influência de acio-nistas vorazes e, externamente, individualizadas

2 Como apontara, desde a década de 1970, Ruy Mauro Marini(2008). A atualidade das teses de Marini para explicar opapel desempenhado tanto pelas novas formas de explo-ração do trabalho sob a difusão do toyotismo, quanto pe-las periferias emergentes na divisão internacional do tra-balho em meio à sucessão de crises após a década de 1970,é objeto de diversas pesquisas, como Valencia (2007), Sadere Santos (2009) e Martins (2011).

Page 3: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

537

Geraldo Augusto Pinto

no plano de suas relações no mercado – conformouas bases dos primeiros sistemas de gestão da forçade trabalho em uma organização industrial voltadapara a produção em massa: o taylorismo, com suasanha em eliminar todo saber artesanal, e, posteri-ormente, o fordismo, com a verticalizaçãoestandardizada de controle que apregoava.

Mundialmente difundido, inclusive emvários setores econômicos além da indústria, talestilo ocidental de organização estabeleceu rela-ções contraditórias entre empresas, Estado e clas-se trabalhadora. Afinal, quando a verticalizaçãoadministrativa e a monopolização de negóciospor grupos transnacionais concorrentes atraves-saram crises de acumulação, o seu individualis-mo econômico-corporativo e o seu liberalismopolítico-ideológico vieram a ceder espaço, estra-tegicamente, à intervenção estatal e mesmo à açãosindical para a conservação das formas de acu-mulação de capital. Provam-no o contexto dopós-1945, quando, em face da emergência de re-gimes supostamente hostis ao capitalismo, cris-talizaram-se padrões de intervenção estatal tan-to nos países periféricos, estigmatizados comosubdesenvolvidos, quanto nos países centrais,arraigados em seu imperialismo. E foi exatamenteem tal contexto que emergiu uma economia demercado fundada na articulação entre a gestão dotrabalho taylorista-fordista3 e as intervenções es-tatais protecionistas às burguesias nacionais.

Esse período, consagrado por um cresci-mento econômico relativamente estável e poruma elevação da produtividade do trabalho se-guida de relativas melhorias nos níveis de rendae emprego, sofreria, contudo, alterações nos anos1970, quando uma série de desequilíbrios cau-sados pelo súbito aumento dos preços do petró-leo no mercado internacional (em 1973 e 1979)e pelas sucessivas variações do dólar impostaspelos Estados Unidos da América (EUA) (em1978 e 1985), provocaram fortes oscilações nas

taxas de câmbio em quase todos os países. Desdeentão, não só se acentuou uma abertura comerci-al das economias nacionais, como se avolumaramos investimentos financeiros especulativos, dadaa instabilidade das moedas e as ágeis operaçõespermitidas pela microeletrônica aplicada à infor-mação (Dedecca, 1998; Harvey, 1992; Mattoso,1994; Quadros, 1991; Tavares,1992).

Tal panorama, ao passo que acautelou in-vestimentos nos setores industriais das econo-mias centrais, promoveu uma hipertrofia dossetores de serviços, como o comércio e as finan-ças. O deslocamento de demandas gerado poresses novos segmentos e o baixo crescimentoeconômico em geral (se comparado aos índicesdo pós-1945 até fins dos anos 1960), pressiona-ram as empresas a reverem suas estratégias degestão, entre as quais adquiriram importânciacentral a agregação de novas tecnologias, a redu-ção de custos de produção e a personalização deseus processos e produtos. Tais iniciativas, noentanto, exigiam de cada companhia alcançarpatamares mínimos de: (1) flexibilidade, ou ca-pacidade de ofertar diferentes tipos de produtose serviços num curto período de tempo, man-tendo-se ou não a larga escala; (2) qualidade, ouredução de custos de re-trabalho, eliminando-sefalhas em processo; (3) baixos preços finais, ob-tidos não apenas pela qualidade e flexibilidade,mas pelo enxugamento, ou seja, a redução detoda capacidade ociosa em termos de equipa-mentos e força de trabalho; (4) atendimento pre-

ciso, isto é, no momento, na quantidade e nascaracterísticas exatamente estipuladas pela cli-entela, sem gerar atrasos, tampouco estoques.

Tais objetivos colocaram em questão a or-ganização verticalizada e concentradora de gran-des contingentes de trabalhadores, demasiada-mente especializados e pouco qualificados, dosistema taylorista-fordista. Da perspectiva dasrelações entre gerência e operariado, esse siste-ma experimentava a reação mais crua da pró-pria “natureza” humana, cuja formação física emental nunca foi para isso voltada: o velho dile-ma de Taylor – a conquista da “iniciativa” dos as-

3 Ao usarmos a expressão “taylorista-fordista”, estamos nosreferindo ao próprio sistema fordista. Nosso intuito, en-tretanto, é deixar subentendido que o sistema desenvolvi-do por Ford dependeu e foi plenamente viabilizado pelaanterior difusão das práticas tayloristas. Especificamentea esse respeito, consultar Pinto (2007a, 2010a).

Page 4: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

538

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

salariados – persistia e, desde os anos 1930, pes-quisas sobre as condições de trabalho conjetura-vam acerca do estancamento da produtividade eda crescente insatisfação entre os trabalhadores.4

Por outro lado, a imprevisibilidade de mensuraçãoda mais-valia – pois não é dado às empresas sabe-rem, de antemão, qual é a taxa exata que lhe rende-rá cada trabalhador individualmente –, sempre foium problema na gestão capitalista do trabalho: ouseja, implanta-se um sistema e logo se desenvol-vem resistências (Oliveira, 1996). Ora, se otaylorismo já enfrentara contestações sindicais eaté mesmo jurídicas no início do século XX, odesenrolar das lutas sociais em âmbito mundial,em fins dos anos 1960, colocou a gestão fordistatambém em condições delicadas (Bruno, 1996).

Todos esses aspectos levaram as corporaçõesempresariais a explorarem experiências alterna-tivas de organização, até então restritas a locaisespecíficos, como as cadeias de pequenas firmasestruturadas sob a chamada Especialização Fle-xível, na Terceira Itália (Cattani, 1999), ou noplano interno dos processos de trabalho nas plan-tas, os Grupos Semiautônomos, organização de-senvolvida na Suécia, região de Kalmar, em es-pecial nas fábricas da Volvo e Saab-Scania (Fleury;Vargas, 1983). A mais ousada experiência, entre-tanto, tendo mais uma vez como berço a indústriaautomotiva, foi desenvolvida no Japão a partir dosanos 1950 sob a coordenação de Taiichi Ohno, en-genheiro industrial da Toyota Motor Company.

Tal como no taylorismo-fordismo, não setratou de ensaios isolados de métodos de gestãodo trabalho e de relações entre firmas nas cadei-as produtivas: um contexto mais amplo embasoutais experiências. Diferentemente dos EUA, ondeabundavam matérias-primas e mercado consu-midor, as condições enfrentadas pelo Japão nopós-1945 exigiram de suas empresas atenderema um mercado interno fechado e com uma de-manda gradual e diversificada (Coriat, 1994;Posthuma, 1997). Além disso, independentemen-

te do protecionismo estatal em face do comércioexterior, as empresas japonesas, ao contrário dasocidentais, sempre foram fortemente integradas poruma forma de propriedade em que diferentes gru-pos se reúnem como “famílias”, os zaibatsu, divi-dindo entre si a posição de acionistas majoritáriosem negócios comuns. A própria Toyota é exem-plar nesse aspecto.5

O sistema toyotista permitiu, assim, a con-figuração de uma rede de subcontratação entreempresas muito mais forte, que, no caso da Ter-ceira Itália e justamente sobre essa base, conse-guiu fundamentar um método de produção eentrega mais rápido e preciso que ospreexistentes – o just in time/kan ban6 –, umavez que a rede de empresas toyotista se fortalecepela focalização das firmas no núcleo principaldos seus negócios, gerando desverticalização eterceirização. Como parte desses elementos, aintensificação do uso da força de trabalho foifundamental, mediante o desenho de uma orga-nização dos processos de trabalho que atribui acada trabalhador uma gama diversificada de ta-refas até então apartadas pela introdução dotaylorismo-fordismo – como, por exemplo, nocaso de uma empresa metalúrgica, o controle daqualidade dos produtos ou serviços junto da exe-cução; a manutenção e limpeza das instalaçõesapós o seu uso; a operação simultânea de váriosequipamentos; entre outros. (Antunes, 1995; Cas-tro, 1995; Coriat, 1993, 1994; Gounet, 1999; Ohno,

4 Proliferava, inclusive, um forte destaque aos fatores “psico-lógicos” e sua relação com a produtividade, como nos estu-dos de Maslow, de Argyris, de Herzberg e, posteriormente,na chamada Escola Sócio-Técnica (Fleury; Vargas, 1983).

5 Não há, na diretoria da Toyota, membros que não sejam anti-gos da empresa e eles, na maioria, advêm da família proprie-tária original. A maior fatia das ações que dispõe ao públicopertence a empresas relacionadas aos seus negócios, dasquais, reciprocamente, a Toyota também adquire cotas, demodo que as partes não medem seus retornos apenas naforma de dividendos, mas “a propriedade é usada como sím-bolo de um relacionamento, em que os ‘ganhos’ provenien-tes da obrigação comum, implícita, vêm de um trabalho con-junto.“ (Keller, 1994, p. 141; Conceição, 2001).

6 Segundo Sayer (1986), ao invés de se produzirem grandesvolumes, antecipando-se à demanda, a essência do just intime consiste na realização do trabalho na quantidade e notempo estritamente necessários. Os estoques são reduzidos eadicionados em ordem para substituir partes removidas ajusante da linha de produção. Assim, os postos, ao términoda linha, recebem instruções de produção que, repassadasaos demais trabalhadores imediatamente linha acima (e as-sim sucessivamente), exigem que cada um inicie a produçãodesignada. Essas comunicações podem ser efetuadas atravésde etiquetas chamadas “kan ban”, passadas ao trabalhadorlinha acima, quando exigido (Curry,1993).

Page 5: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

539

Geraldo Augusto Pinto

1997; Posthuma, 1997; Silva, 1991).7

Tais características produtivas adequavam-se perfeitamente à conjuntura econômica de bai-xo crescimento e instabilidade cambial advindada crise dos anos 1970 e, uma vez acelerada aabertura das fronteiras comerciais nacionais apartir dos anos 1980, a difusão do toyotismo foirelativamente rápida,8 tendo à frente a indústriaautomotiva, mesmo porque o maior mercado doramo no mundo, os EUA, já havia sido invadido,nessa época, pelos japoneses. (Amin; Malmberg,1994; Hiraoka, 1989; Garrahan; Stewart, 1994;Rachid, 1994; Womack; Jones; Roos, 1992).

A indústria automotiva ocidental reagiucom uma súbita automatização, sem muitos re-sultados. Num segundo momento, organizousuas plantas, buscando fórmulas de gestão mais“flexíveis”, obtendo um relativo sucesso, pois,embora modelos assim também emergissem emregiões ocidentais específicas, suas adaptações àsgigantescas plantas tayloristas-fordistas exigiammudanças nem sempre possíveis no curto pra-zo. Num terceiro passo, contudo, as corporaçõesestadunidenses e europeias perceberam que com-punham a maior rede de empresas automotivascom plantas instaladas no mundo. A partir daí,encontraram uma saída, novamente por meio desua hegemonia no âmbito dos Estados nacionais:amparadas na lenta abertura comercial iniciadana década de 1980 em quase todos os países capi-talistas (pela qual buscavam equilibrar as tendên-cias oscilatórias do câmbio e dos balanços de pa-gamento), engendraram as estratégias denomina-das global sourcing e follow sourcing.

Designa-se global sourcing a estratégia pelaqual as montadoras realizam uma cotação internaci-

onal de fornecedores, levando-se em conta, nessaordem de fatores: (1º) os preços; (2º) a qualidadeexigida para cada tipo de artigo; (3º) os prazos deentrega. Feito isso, as montadoras definem, dentreas empresas cotadas, seus principais fornecedores.Como não se aplica essa estratégia a elementos críti-cos dos veículos, evitando-se, assim, riscos ineren-tes ao transporte das peças ou alterações inespera-das nos padrões de qualidade, o global sourcing selimita geralmente a produtos de baixa agregaçãotecnológica, a fim de que possam ser rapidamentesubstituídos os fornecedores escolhidos por outros,em caso de problemas.

Quanto aos segmentos de autopeças de altacriticidade e agregação tecnológica (os chama-dos subconjuntos ou “sistemas”),9 sua produçãoevidentemente exige dos fornecedores maiorconfiabilidade. As montadoras passaram, então,a estabelecer um tipo de relação mais próxima,não necessariamente em termos geográficos, masno sentido de se levar em conta uma outra or-dem de fatores: (1º) qualidade exigida para cadatipo de artigo; (2º) prazos de entrega; (3º) pre-ços. Os contratos com os fornecedores passarama incluir, nesses segmentos, o fornecimento porum período determinado de tempo (como a vi-gência do veículo no mercado), o estabelecimentode metas comuns de qualidade e produtividade,e, por fim, a capacidade de os fornecedores de-senvolverem, em parceria com as montadoras,projetos de subconjuntos dos veículos. Trata-se,aqui, da estratégia chamada de follow sourcing.10

Enquanto o global sourcing pulveriza aconcorrência, distanciando os fornecedores daconcepção dos veículos, tornando-os dependen-tes das montadoras e lançando-os em uma redede incertezas, na qual usualmente quem ganha ocontrato é quem consegue rebaixar ao máximo oseu preço em nível mundial, o follow sourcing, poroutro lado, permite a edificação de uma cadeia de

7 Para uma síntese desses estudos, consultar Pinto (2010a).8 No caso do Brasil, tal difusão tem sido verificada desde o

final dos anos 1980, mas, sobretudo, após a década de 1990,em especial nas indústrias metalúrgicas avançadas, mas tam-bém nos setores químico-petroquímico, têxtil, calçadista, enos setores de serviços dos bancos e das telecomunicaçõesàs artes. Ver, sobre todos esses setores (Antunes, 2006). Hámais estudos sobre o tema, como: Abreu e colaboradores(2000); Alves (2000); Araújo, Cartoni e Justo (2001); Bedê(1996); Carvalho e Schmitz (1990); Ferreira (1993); Gitahy eRabelo (1991); Humphrey (1993, 1994); Pochmann e San-tos (1996); Posthuma (1995, 1997); Rabelo (1994); Rachid(1994, 2000); Rosandiski (1996); Salerno (1985, 1993);Salerno e colaboradores (2002).

9 Componentes que agregam em si, como módulos comple-tos, funções básicas dos veículos, por exemplo: painel deinstrumentos, injeção eletrônica, freios, direção, suspen-são, transmissão, entre outras partes de grande complexi-dade tecnológica.

10 Sobre as estratégias de global sourcing e follow sourcing,ver maiores detalhes em Costa e Queiroz (1998).

Page 6: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

540

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

empresas fornecedoras mais independentes dasmontadoras – no sentido do desenvolvimento desua própria tecnologia. Surgem as chamadas“sistemistas”, empresas especializadas de médio egrande porte que participam diretamente dos pro-jetos dos veículos e que reúnem, em torno de si,uma estrutura também hierarquizada de forneci-mento por outras empresas (Salerno et al., 2002).

Deve-se perceber, nesse ponto, que, apesarde distintas, o global sourcing e o follow sourcing

compõem, na verdade, estratégias complementa-res de maximização da qualidade e redução depreços e deficiências de entrega. Aliás, além deserem utilizadas de forma combinada, o seu usonão somente está restrito às montadoras, masabrange também as próprias empresas deautopeças, principalmente as sistemistas, que asempregam junto aos seus fornecedores deinsumos, pois tanto as plantas montadoras comoas de autopeças configuram, cada qual, redes demicrocadeias de produção e fornecimento, con-gregando vários negócios e operações produti-vas e de serviços em uma relação tempo-espaci-al densa e intrincada, num ritmo crescente defusões, aquisições, parcerias, contratos de for-necimento condominiais ou a longa distância etc.

A combinação dessas duas estratégias per-mitiu à indústria automotiva ocidental acelerar olançamento de novos produtos nos mais diversoslugares, sem que, para isso, tivesse de desenvolverlocalmente toda a produção dos artigos novos: sur-giram as plataformas globais,11 visando a obter van-tagens, como a tecnologia avançada nos países cen-trais, matérias-primas e força de trabalho de baixocusto na periferia (Amin; Malmberg (1994), Amin;Smith, 1990; Conceição, 2001; Costa; Queiroz, 1998;Gereffi, 1996). Como parte integrante desse proces-so, contudo, a indústria de autopeças dos paísesperiféricos foi rapidamente absorvida por gruposestadunidenses, europeus e japoneses. Incapazes

de atingir as escalas e preços (agora cotados em ní-vel internacional), intimidados diante dos riscos ecustos de uma produção flexível e tecnologicamenteavançada, sucumbiram a fusões e aquisições queampliaram a concentração de capital nesse ramo.(Costa; Queiroz, 1998; Conceição, 2001; Laplane;Sarti, 1995; Pinto, 2006; Posthuma, 1997). Ampa-rando de perto essa tendência, as montadoras cor-taram em cerca de 2/3 o número de suas fornecedo-ras de autopeças, priorizando os sobreviventes –obviamente, as coporações transnacionais – que, porsua vez, intensificaram ainda mais o enxugamentoe a terceirização de atividades em todos os paísesonde mantêm operações.12

Sob tais condições, foram introduzidas,nessas plantas filiais, uma gama de elementos dagestão flexível da força de trabalho, tendo por ori-entação a metodologia do Sistema Toyota de Pro-dução – com diferenças e adaptações locais. Comoexemplo concreto, adentraremos, na próxima se-ção, na análise das informações que obtivemos noestudo de caso que realizamos na planta de umaempresa sistemista transnacional do setor deautopeças entre 2005-2006. Advertimos que, como fim de preservar as fontes de informação, usare-mos aqui nomes fictícios tanto para os entrevista-dos cujas falas serão citadas, quanto para a pró-pria empresa. Assim, a planta subsidiária por nósanalisada será denominada de American Companydo Brasil. O mesmo se aplica à matriz e às demaisinstâncias do grupo oligopólico em nível interna-cional (American Company Division, NorthernEquipaments Division, Northern Space Division eNorthern Group Inc.), citadas logo a seguir.

A GESTÃO FLEXÍVEL TOYOTISTA E AMERCANTILIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DETRABALHO

A American Company do Brasil é umadas quinze plantas filiais, distribuídas por oito

11 Veículos projetados para serem feitos e consumidos emdiversas partes do mundo, como, por exemplo, o Fiat Pa-lio, projetado para ser montado, ao mesmo tempo, na Ar-gentina, Colômbia, Venezuela, Marrocos, Índia, China e noBrasil – onde foi lançado em meados da década de 1990,produzido, no entanto, com peças importadas da Venezuela,Marrocos, Equador, Egito, Argélia e Vietnã (Conceição, 2001).

12 A respeito dessas mudanças na estrutura de fornecimen-to da cadeia automotiva, difundidas com maior vigor apartir da década de 1980(Hoffman; Kaplinsky, 1987;Garrahan; Stewart,1994; Babson,1995.

Page 7: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

541

Geraldo Augusto Pinto

países, da American Company Division, a qual,junto da Northern Equipaments Division e daNorthern Space Division, forma as três divisõesdo Northern Group Inc., grupo estadunidensefundado em 1857 e voltado para a manufaturade estruturas e componentes metálicos de preci-são. A Northern Equipaments Division atua nosetor de bens de capital e a Northern SpaceDivision, no de aeronaves comerciais e militares.Mas a American Company Division, que repre-senta sozinha 40% do negócio do grupo, é umadas maiores fabricantes mundiais de estampadose molas de precisão, entre outros componentesvoltados para a linha automotiva, a linha brancae o setor de bens de capital (American Companydo Brasil, 2005; Northern Group INC., 2005).

O Northern Group possui um presidentegeral, que ocupa o topo da pirâmide de comando,abaixo do qual há três vice-presidentes, sendo cadaum o presidente de uma das três divisões acimacitadas. Para o presidente da American CompanyDivision, reportam-se general managers, cada qualresponsável por três unidades produtivas no mun-do. No nosso caso, a planta de Campinas é repre-sentada por um desses general managers, juntodas unidades do México e Canadá. Abaixo dosgeneral managers, estão os diretores gerais dasplantas, e, depois deles, os gerentes de áreas decada uma delas.

Aqui há uma cisão. Enquanto os gerentesdas áreas de Vendas, de Engenharia e Desenvol-vimento, de Qualidade e de Produção das plan-tas respondem diretamente aos diretores gerais,os gerentes das áreas de Controladoria e de Recur-sos Humanos, embora devam também se reportarhierarquicamente ao diretor geral da planta no país,devem prestar informações e encaminhar relatóri-os regularmente a diretores mundiais deControladoria e de Recursos Humanos da AmericanCompany Division, nos EUA, os quais, por seuturno, responsabilizam-se pelo andamento dessasáreas no plano mundial da matriz, reportando-se avice-presidentes de Recursos Humanos e deControladoria Geral do Northern Group.

Essas exceções são significativas, pois atra-

vés delas, podemos observar os graus de auto-nomia e de dependência das plantas em face daspolíticas mundiais da American CompanyDivision e do Northern Group. Na Controladoria,as conexões diretas entre as gerências locais e arede de diretores e vice-presidentes mundiais (daAmerican Company Division e do Northern Group)têm como objetivo dinamizar o fluxo de informa-ções e permitir análises rápidas sobre as finançasde cada planta, em termos de suas capacidades enecessidades de investimentos, funcionando comosuporte às decisões locais das plantas, regionais damatriz e mundiais do Northern Group. É o “cora-ção” financeiro da corporação e suas “veias”. Por isso,há a necessidade de uma centralização do comando.

O caso dos Recursos Humanos é ainda maisinteressante, pois, embora ele esteja configurado damesma forma, com um comando centralizado ligan-do fortemente as filiais à matriz e essa ao grupo, suafunção é menos a de suporte e muito mais a de im-plantação de diretrizes. É o “cérebro” da corporaçãoe seus “nervos”, a interligar cada cabeça, numa filo-sofia comum em várias partes do mundo, pois denada adiantaria uma empresa ter solidez financeirase não dispusesse de uma coesão ideológica do topoà base da sua hierarquia de trabalho.

Perfazendo exatamente essa ordem, no topoda corporação há um conjunto de políticas bási-cas dessa área que partem do Northern Group, atra-vés do seu vice-presidente em Recursos Huma-nos, para todas as empresas, entre elas a AmericanCompany Division. Num segundo âmbito, as de-cisões são tomadas pelo diretor mundial de Re-cursos Humanos da American Company Division,cujas determinações seguem políticas do NorthernGroup, mas acrescidas de critérios específicos, ca-bendo, então, à matriz e às filiais segui-las. O ter-ceiro âmbito é o circunscrito à legislação trabalhis-ta dos países onde estão as plantas filiais, ondemuitas vezes há a necessidade de adaptação daspolíticas vindas do Northern Group e da AmericanCompany Division aos contextos locais. Abaixodesses três âmbitos de decisão, há uma gama depolíticas internas da própria gerência de RecursosHumanos das unidades filiais e que, embora con-

Page 8: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

542

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

tenham decisões estratégicas da matriz dirigidas apaíses como o Brasil, são determinadas pelo ge-rente de Recursos Humanos da planta, com oaval do diretor geral, sendo facultado ao últimoimplementar modificações, desde que dentro dahierarquia acima exposta. É o âmbito máximoda autonomia das plantas filiais, ainda que, se-gundo o gerente de Recursos Humanos da uni-dade de Campinas, seja uma autonomia que devaconsolidar um controle que permanece centrali-zado no Northern Group.

Se, tanto num caso como noutro, o co-mando central é flexibilizado à medida que des-cemos na hierarquia de decisões das plantasmatrizes às filiais, essa flexibilização, nos Recur-sos Humanos, está diretamente ligada aos cargose funções a que estão submetidos os assalariadosda empresa, da seguinte forma: nas esferasoperacionais, é reservada uma parte muito mai-or de controle às gerências da matriz e das fili-ais, enquanto nas esferas administrativas, o con-trole é mais centralizado nas políticas doNorthern Group. Um exemplo é o aumento sa-larial: enquanto, nas esferas operacionais, se-guem-se as campanhas e acordos coletivos decada categoria e país onde estão as plantas, nasesferas administrativas, tais aumentos devemocorrer uma vez ao ano e em abril, medianteuma avaliação feita pelas plantas, segundo crité-rios rígidos do Northern Group. Outro exemplo,ainda mais forte, são os requisitos mínimos, da-dos pelo Northern Group, para a contratação epromoção nos cargos diretamente ligados aosdiretores gerais das plantas, como os gerentes deRecursos Humanos, de Controladoria, de Ven-das, de Engenharia e Desenvolvimento, de Pro-dução e de Qualidade. Não é demais aludir aquiao fato de que, entre esses requisitos mínimos,está a fluência no idioma inglês.

Essa corporação transnacional produz, por-tanto, uma diferenciação entre os seus assalariados,compondo, na sua esfera administrativa, um grupode trabalhadores que, apesar de não possuir as mes-mas condições de vida nos diferentes países emque se localiza, é regido por regras estabelecidas num

centro de decisão situado nos EUA. Isso é, semdúvida, uma forma de controle e, mais propria-mente, de construção de consentimento entre ostrabalhadores dos níveis gerenciais, através de ummecanismo que fortalece a coesão de interesses,no plano global, entre as matrizes (Divisões), asfiliais e os detentores do capital, ou seja, os acio-nistas majoritários do Northern Group.

Somente sob essa forte rede de controlemundial, centralizada no topo da corporação, éque a gestão da força de trabalho foi, nos níveisoperacionais, delegada às gerências de RecursosHumanos locais. Similarmente, as inovaçõestecnológicas na produção, os estudos de merca-do, as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento(P&D) e o controle das finanças locais ficam acargo das gerências de Produção e de Qualidade,de Vendas, de Engenharia e Desenvolvimento ede Controladoria das plantas. Todas essas áreasfuncionam como “correias de transmissão” dosobjetivos do Northern Group em sua expansãomundial e, apesar da autonomia local de que dis-põem, seus assalariados passam pelo crivo decontratações, treinamentos e avaliações minuci-osamente preparados pelas diretorias mundiaise vice-presidências da American CompanyDivision e do Northern Group.

Esse controle centralizado fica evidente nasfalas dos gerentes entrevistados na planta deCampinas. Em quase todos os assuntos sobre osquais indagamos, suas respostas, como nos exem-plos a seguir, foram dadas na primeira pessoa,no singular ou no plural, como se fossem elesmesmos a corporação ou seus proprietários (osgrifos são nossos):

Na manutenção, eu só tenho um supervisor [...].A limpeza que eu tenho dentro da fábrica [...]. Eutenho um líder que está fazendo engenharia [...].Esse produto, no caso, ele já sai da nossa máqui-na para a linha de montagem do cliente.13

Que estrutura eu vou ter que ter aqui dentro?Vou ter que investir em novas linhas de produ-ção, em equipamentos? Esse investimento podeser muito alto e eu não vou ter o retorno esperado

13 RIBEIRO, Jorge. Depoimento [entrevista realizada como gerente de Recursos Humanos]. (Pinto, 2011, p. 81).

Page 9: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

543

Geraldo Augusto Pinto

[...]. Então, infelizmente eu tenho que manter naBrasimet de São Paulo [...]. A qualidade é pri-mordial para que eu homologue um fornecedor[...].14

Bom, na nossa empresa [planta de Campinas], onosso principal marketing é justamente acapacitação tecnológica [...]. Nós sabemos lidarcom os problemas, sabemos lidar com coisas di-fíceis e que exijam responsabilidade, por issonós temos tecnologia e conhecimento técnico [...].Eu não lanço um produto em si. Eu penso numprocesso, num novo material, pois o produto, emsi, ele tem que ser casado com a necessidade docliente.15

Para além desse discurso internalizado, cabe-nos verificar como tais gerências assalariadas, comsua autonomia local, estruturam as plantas a fim demanterem altas taxas de acumulação de capital, den-tro das metas postas pelos detentores dos meios deprodução no exterior.

Entre 1989 e 1990, em meio à crise provocadapela abertura comercial e todos os ajustes recessivosinternos do governo Collor, a gerência de Recur-sos Humanos da planta de Campinas terceirizoutodas as atividades da esfera de apoio – ou seja, amanutenção elétrica, mecânica e predial, a limpe-za e a segurança da fábrica. Em 1998, iniciou-se okaizen, um sistema de análise constante dos pro-cessos de trabalho, feito por uma equipemultidisciplinar, na qual são envolvidos trabalha-dores desde os níveis operacionais até os gerenciaise cuja finalidade é aprimorar a ergonomia do tra-balho, melhorar o controle de qualidade e aumen-tar a produtividade, eliminando o tempo perdidoentre operações e “liberando” força de trabalho paraoutros setores.

Perfazendo um importante instrumentode aproximação entre as gerências e os níveisoperacionais, o kaizen abre um canal de extraçãodo conhecimento tácito que os trabalhadores acu-mulam sobre os processos de trabalho em que seinserem, mediante sugestões de melhorias que fa-zem e que acabam se consolidando em projetos degrande envergadura para a empresa. Como exemplo,até 1998, a planta de Campinas dividia-se em áreas

com equipamentos semelhantes, dedicados e con-duzidos por trabalhadores especializados. Com okaizen, os operários, em ensaios coordenados pelasgerências, introduziram dispositivos de segurança ede funcionamento automáticos nos equipamentos (achamada “autonomação”),16 simplificando o seu ma-nuseio e permitindo que fossem operados por traba-lhadores não necessariamente especializados e, in-clusive, em menor número. Tais equipamentosforam dispostos de modo a configurar “células detrabalho”, que, por sua vez, também foram arran-jadas de acordo com os itens que fabricam, con-centrando, num menor espaço, processos comple-mentares e diminuindo, com isso, o translado depessoas e materiais.

Já se pode notar como o kaizen, além decorresponsabilizar os operários na organização dotrabalho na empresa, produziu outros três resulta-dos: (1) a criação de aparatos automatizados redu-ziu as interrupções da produção por quebra demáquinas “dedicadas”, pois os trabalhadores ne-las ocupados são transferidos rapidamente a ou-tros equipamentos nessa eventualidade, uma vezque o seu manuseio foi facilitado pelos novos dis-positivos de segurança e funcionamento automáti-cos; (2) por intermédio dessa automação, a organi-zação da produção em células tornou mais evidenteàs gerências o andamento de cada pedido e os es-toques de materiais em processo, possibilitando,assim, uma eliminação contínua dos chamados“poros” das jornadas de trabalho; (3) o layout ce-lular, por sua vez, ao aglutinar processos comple-mentares e reduzir o translado de produtos in-termediários no interior da produção, evitou as ocor-rências de mistura de peças entre lotes diferentes,gerando uma enorme economia da força de traba-lho antes empregada na conferência de tais lotes.

Posteriormente, as células, dispondo des-sa crescente polivalência dos operários, passarama se reacomodar constantemente, aglomerando, emsi, ora mais, ora menos equipamentos, de um e deoutro tipo, obrigando, assim, os trabalhadores a se

14 RAMOS, Vitor. Depoimento [entrevista realizada com ogerente de Melhoria Contínua]. (Pinto, 2011, p. 81).

15 MELLO, Lucas. Depoimento [entrevista realizada como o ge-rente de Engenharia e Desenvolvimento]. (Pinto, 2011, p. 81.

16 Definição presente em Coriat (1994), advinda da fusãodas palavras “autonomia” e “automação”.

Page 10: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

544

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

adaptarem rapidamente a esse rearranjo contínuo,que varia de acordo com as demandas dos seg-mentos de mercado em que a empresa atua (a dis-posição entre as várias células, de fato, mudouvárias vezes ao longo da nossa pesquisa de cam-po, conforme a empresa absorvia ou dispensavanegócios). Por fim, os operários passaram a ser trei-nados no uso de medidores e na elaboração de car-tas de Controle Estatístico de Processo (CEP), res-ponsabilizando-se totalmente pela qualidade do queproduzem em cada operação, com o que se reduziuo trabalho de restauração de itens defeituosos. Umdos operadores-ajustadores que entrevistamos nosdisse, acerca da sua jornada diária de trabalho:

Para falar a verdade, eu trabalho no setor inteirode estamparia. São divididas em ’Ralo’, ’Peixe’,’Água’, ‘Cofap’ e ‘Lingueta’, cinco células, cadauma faz um produto. Só que eu trabalho em to-das. Ajusto [a ferramenta na máquina], ponhopara operar e libero o produto. E têm as inspe-ções [de qualidade], vamos supor, a cada dez mil[peças produzidas]. Depois precisamos preparara próxima ferramenta, o próximo material: osdesbobinadores lá são duplos; esse lado está tra-balhando, e desse lado você tem que estar arru-mando a outra [máquina]. A gente faz manuten-ção participativa também, para lubrificar, ver setem algum defeito. E faz a limpeza semanal, queé na sexta-feira, em todo o local de trabalho, namáquina e no chão.17

Trata-se de um processo que atinge nãoapenas as esferas operacionais, mas também asadministrativas da planta. Nas palavras de umdos gerentes de Produção que entrevistamos:

Os próprios supervisores e gerentes absorveramtrabalhos pelos quais não eram responsáveis. Eaí você também acaba tendo uma visão global detodo o negócio da empresa. Porque hoje, o carade manutenção não pode só pensar em consertarmáquina, tem que ter uma visão global de toda aempresa, de atendimento ao cliente, de produti-vidade. A gente também, o gerente de Produção,tem que ter uma visão global de custo, sempreestar envolvido com os custos, com o planeja-mento geral da empresa. Você tem que ter umavisão geral de tudo.18

Já abordamos, em outros trabalhos,19 como otripé “autonomação, celularização e polivalência”,ao invés de uma “visão global da empresa”, pro-duz, na realidade, a aglutinação de um grandenúmero de tarefas simplificadas numa quantidademenor de postos de trabalho, gerando uma explo-ração extensiva e intensiva maior do que no siste-ma taylorista-fordista, inclusive pela ausência deincremento salarial em face das novas atribuiçõesassumidas pelos trabalhadores e, ademais, peloabuso de horas extras que esses sistemas flexíveisde gestão do trabalho requerem. Nosso objetivo,aqui, será mostrar, no entanto, como tais sistemas,em especial o toyotista e sua ocidentalização, pro-movem uma espécie de “mercantilização” das re-lações entre os assalariados no interior das empre-sas. Tomemos, como uma referência, o Quadro 1.

Como o próprio título aponta, esse quadrofoi aplicado visando a captar a importância dealguns critérios na contratação de trabalhadorespara a esfera da produção da empresa.20 No en-tanto, segundo o gerente de Recursos Humanos –que o preencheu, tecendo-nos, ao mesmo tempo,comentários –, ele também é representativo doscasos de contratação em todas as demais esferase, inclusive, dos casos de promoções no mercadointerno de trabalho da empresa. Mas há particu-laridades em cada um desses casos.

Vê-se que a escolaridade, a formação e aexperiência profissional21 compõem os três as-pectos mais importantes em uma contratação. To-davia, na opinião da gerência de Recursos Huma-

17 PEDRO, Luiz. Depoimento [entrevista realizada com tra-balhador da esfera da Produção]. Pinto (2011, p. 85).

18 MUNHOZ, Walter. Depoimento [entrevista realizadacomo o gerente de Produção]. Pinto (2011, p. 90).

19 Em textos sucintos como Pinto (2008, 2009, 2010b);ou, de modo mais aprofundado, em Pinto (2011).

20 Nesta pesquisa, compreende-se por esfera da produção oconjunto de processos de trabalho diretamente relacionadosà fabricação dos produtos, desde abastecimento de matérias-primas nas máquinas e sua transformação, passando pelaconfecção das ferramentas, manutenção da maquinaria e ins-talações fabris, até o controle de qualidade dos produtos eseu empacotamento final (Pinto, 2011, p. 165).

21 Compreendemos por “experiência profissional“ o co-nhecimento tácito desenvolvido espontaneamente pelotrabalhador no contínuo exercício do labor e quase sem-pre compartilhado (formalmente ou não) entre os cole-gas de trabalho. Já por “formação profissional“ compre-endemos os treinamentos de caráter técnico e voltados auma atividade especializada, realizados dentro e fora dasempresas pelos trabalhadores, bem como os cursos deformação tecnológica (nível médio e superior), de gradu-ação e pós-graduação que possuem (e aqui nos referimos

Page 11: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

545

Geraldo Augusto Pinto

nos, embora esses três itens sejam imprescindí-veis em uma contratação, não são os únicos a se-rem requisitados nas promoções – ou seja, noâmbito do mercado interno de trabalho da planta.Nesse âmbito, levam-se em conta critérios intangí-veis, ou “fluidos”, como certos perfis comportamentaisexpressos em situações cotidianas de trabalho. Crité-rios que, diferentemente da “rigidez” presente naescolaridade, na formação e na experiência profissio-nal, não se oferecem à mensuração ou à observaçãoconjunta pelas gerências e trabalhadores em experi-ências controladas. Não obstante, são tais critériosdeterminantes nas promoções, conforme atestam aspróprias palavras do gerente de Recursos Humanos:

Nós temos hoje um supervisor na parte de estam-pados, o Pedrinho: ele entrou como aprendiz.Hoje está como supervisor, pois está fazendo enge-nharia – para ser supervisor, tem de estar fazendoengenharia [aspecto rígido], porque nós precisa-mos de engenheiros lá embaixo [no chão de fábri-ca]; ele está fazendo engenharia no momento, mas,antes dele começar a cursar, ele já tinha sido pro-movido, porque ele é um cara acima da média, sedestacou muito [aspecto fluido].Por exemplo, surgiu uma vaga de ajustador, sei lá,em prensa, que é o exemplo que nós temos usa-do, eu vou fazer uma avaliação, uma análise de

quantas pessoas eu tenho com possibili-dade para ocupar esse cargo. Eu levantocinco pessoas. Aí a gente vai ver: ’O João:tem escolaridade?’ Tem. ’Tem curso téc-nico?’ Tem. ’Tem experiência?’ [aspectosrígidos]. Não tem. Então, já segura. Atéque você vai achar um que tenha todos osquesitos, aí você vai partir para a perso-nalidade dele [aspecto fluido]: como queé o João, como que é o José, como que é oManoel e tal. Aí você vai definir: ’Ah, não,olha, acho que aqui nesse cargo, nessa si-tuação, a melhor situação é o José’. Aí, oJosé é promovido.Incide na avaliação geral do funcionárioo comportamento pessoal dele, a postura,como que ele vê a empresa, como os ou-tros veem ele dentro da empresa, qual é avisão que o gerente dele tem dele, dosoutros gerentes, qual que é a visão do RH.Principalmente pesa a visão do gerentedele, do RH e do diretor geral [todos as-

pectos fluidos], e aí os atributos técnicos, a for-mação dele, a experiência [aspectos rígidos], éum somatório de todos os fatores.22

Mesmo se nos restringirmos aos casos decontratação, tomando critérios como a “Aprova-ção em testes de seleção da empresa” (terceirolugar em importância no Quadro 1), iremos nosdeparar, novamente, com a fluidez dos perfiscomportamentais. Segundo a gerência de Recur-sos Humanos, havia roteiros prescritos para es-ses testes, os quais foram abolidos no início dadécada de 1990, seja por demandarem pessoaspara aplicá-los – o que os tornou inviáveis com oquadro cada vez mais enxuto da planta –, sejapela ocorrência de casos de candidatos que sesaíam bem nos testes, mas não no dia a dia, tendotambém ocorrido o inverso: ficavam nervosos e sesaíam mal nos testes, embora fossem excelentesprofissionais. Sendo assim, a referida gerênciaoptou por testes mais práticos:

O ’teste’ é: o supervisor leva o pretenso candidatoa funcionário lá na máquina e fala: ’Esta máqui-na aqui, você conhece? Se formos fazer isso, fariao quê? E aquilo? Você acha que dá para trabalharaqui? Etc.’ Então, nós preferimos ter esse feelingde quem conhece a máquina e, eventualmente, o

22 Os três parágrafos acima foram extraídos da entrevistarealizada como o gerente de Recursos Humanos, repre-sentado pelo nome fictício de Jorge Ribeiro (Pinto, 2011,p. 101).

ao peso que a área de formação nesses cursos tem para otrabalho a ser desenvolvido na empresa, segundo a gerên-cia entrevistada; portanto, não apenas a escolaridade emsi, cuja importância foi tomada separadamente).

Page 12: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

546

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

supervisor pode pedir a ajuda de um ajustadormais antigo, de um líder, para fazer um bate-bola ali com o candidato.23

Deixemos de lado, aqui, a justificativa dosquadros enxutos para entender o “feeling” do diaa dia que o teste tem de revelar. Em primeirolugar, notemos que esse tipo de teste comportanão somente uma análise da competência técni-ca do candidato; vai além, pois, mediante a si-mulação de situações reais, ele abre margem àavaliação de traços comportamentais. Em segun-do lugar, os operários efetivos têm, nesse siste-ma, uma participação mais ativa, o que, se, porum lado, amplia suas ações na divisão do traba-lho na empresa, por outro, os responsabiliza comrelação ao desempenho futuro dos selecionados,haja vista que as metas de produtividade e qua-lidade não são mais cobradas pelas supervisõese gerências no âmbito dos postos individuais,mas das células de produção, organizadas inter-namente e entre si como “times” de novos e an-tigos operários.

Novamente aqui, transparece, portanto,um controle horizontalizado que se instala entreos próprios trabalhadores, escamoteado pela su-posta incorporação de novos saberes e atuações.E, de fato, os antigos operários (segundo pude-mos observar em nossas visitas à fábrica) sãobastante requisitados não apenas nas seleções,mas no treinamento dos mais jovens, o que osleva a circular cada vez mais entre as células,ampliando, por todo o tecido das relações detrabalho (dos mais jovens aos mais experientes,dos mais especialistas aos mais generalistas), a es-tratégia da polivalência e retroalimentando, por essavia, o kaizen, a autonomação e os seus resultadosjá anteriormente comentados.

Voltemos, mais uma vez, ao Quadro 1 eanalisemos como o item “Objetivos de carreira” écompreendido pela gerência de Recursos Humanosda American Company do Brasil. Segundo essagerência, apesar da descrição da estrutura de cargose salários ser exposta aos candidatos nos processos

de contratação, a observação do interesse deles napossibilidade de crescimento dentro da empresa nãoconstitui um critério importante nessa ocasião. É,entretanto, um inestimável meio de avaliação dodesempenho dos trabalhadores quando se trata depromoções internas:

Se a gente leva isso em consideração como crité-rio de contratação, simplesmente? Não. Mas nósincentivamos as pessoas para que estudem, e nãosó os cursos que a empresa oferece, mas que fa-çam cursos, que se desenvolvam, para quandosurgir a oportunidade estarem preparados. Nósfalamos: ’O conhecimento, não é só aqui dentro[da empresa], o conhecimento está dentro da ca-beça e, se você vai embora, você o leva’. Quere-mos que ele [o trabalhador] tenha objetivos decrescimento, de desenvolver uma carreira den-tro da empresa. Não queremos contratar umapessoa que entre hoje, mas que daqui a três me-ses vá embora, pois estamos investindo. [...] Noprimeiro mês, ele vai ter um ajustador mais anti-go que vai estar acompanhando, o supervisor vaiestar mais em cima. Têm os cursos, tem aintegração, tem os cursos básicos de qualidade etudo mais. Então, a gente quer que ele entre econtinue trabalhando.24

Tanto na unidade brasileira como nas de-mais, há dois planos de carreira: um para os as-salariados mensalistas (que recebem um saláriofixado por mês de trabalho) e outro para oshoristas (que recebem salário mensalmente, masfixado por hora trabalhada). A diferença residenos sistemas de avaliação: para os cargos da es-fera administrativa, as avaliações e promoçõesseguem critérios dos EUA em todas as plantasno mundo – e um critério canônico é jamais pro-mover alguém por tempo de serviço na empre-sa. Os horistas distribuem-se entre as esferas pro-dutivas e de apoio, embora, para efeito da presenteanálise, devamos considerá-los apenas como inte-grantes das primeiras, em vista das atividades deapoio terem sido totalmente terceirizadas (confor-me já foi comentado no início) e seus assalariadosnão serem submetidos aos mesmos critérios queos demais trabalhadores da empresa.

A avaliação dos horistas não é feita “porpares”, ou seja, pelos assalariados na mesma po-

23 Ibid., p. 102. 24 Ibid., loc. cit.

Page 13: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

547

Geraldo Augusto Pinto

sição: é uma atribuição dos seus supervisores,apenas. É curiosa a observação do gerente deRecursos Humanos a respeito:

A gente considera que o pessoal horista aindanão tem maturidade suficiente para fazer umaautoavaliação, e isso geraria um dispêndio detempo muito grande por parte do funcionário,por parte dos supervisores e um resultado quenão seria muito efetivo.25

De fato, poderia “custar caro” às gerênciasintervir na lei de bronze do controle horizontalizadoda gestão flexível. Afinal, permitir uma avalia-ção por pares dentro das equipes no interior dascélulas liquidaria com a tão almejada “imparcia-lidade saudável” nas relações pessoais entre osseus membros, ou seja: a ilusória autorização deum trabalhador em responsabilizar o seu colegade equipe pelo cumprimento das metas gerenciaisseria perigosamente dissuadida, emergindo, emseu lugar, uma coletividade potencialmente ofen-siva às gerências e que lhes ofuscaria a visão,tirando-lhes, por conseguinte, o poder de açãopor vias “fluidas” e obrigando-as a um retroces-so ao inferno taylorista. Por fim, a avaliação porpares liquidaria também com a competitividadeentre as células.

As gerências, então, concentram o poderde avaliar e afastam, nessa avaliação, o foco dospostos individuais de trabalho em direção aoâmbito coletivo das células e setores, conside-rando-os todos como grandes “times” de traba-lhadores polivalentes, competitivos e autônomos,não apenas pela assunção de múltiplas tarefasoperacionais (mesmo que simplificadas erepetitivas em si), mas pela supervisão restrita dospróprios colegas, com base em índices que abran-gem desde o tempo gasto em tarefas cronometradas,falhas e necessidade de retrabalho, chegando-se aindicadores de absenteísmo e até mesmo de aciden-tes de trabalho.

Em todas as avaliações, tanto para os horistascomo para os mensalistas, os avaliados são cha-mados ao final para discutir os resultados com os

avaliadores, com vistas a chegarem a um consen-so, após o que ambos devem assinar a avaliação.Nas palavras do gerente de Recursos Humanos:

Ele [o avaliador] vai falar: ’Olha, tem um problemaaqui que eu estou vendo, sempre no seu departa-mento tem um problema de devolução, que é umproblema de qualidade, então eu vou colocar vocêpara fazer um curso’. Ou então: ‘Você tem que me-lhorar: você já fez três cursos e continua dando pro-blema, o que está acontecendo?’ Ou: ‘Você é umapessoa não muito assídua, constantemente eu vejoque você tem faltas’. Ou: ‘Olha, a empresa deu dezcursos, ela ofereceu e você fez um: por que vocênão está fazendo os cursos que a empresa oferece?Algum problema, alguma coisa?’26

Cabe destacar que, durante o processo deavaliação, esses trabalhadores não são confron-tados apenas com os colegas e com as gerências:a favor delas e ao lado do apelo ao trabalho maisqualificado e do culto às novas tecnologias, es-tão as ameaças como os baixíssimos custos dosprodutos industrializados de economias capita-listas periféricas como a China. Nas próprias pa-lavras da gerência de Recursos Humanos:

Eu diria para você que, com a globalização, a aber-tura que houve em 1990, hoje nós não somos maisum fornecedor em nível de Brasil, somos um for-necedor em nível mundial, estamos aptos a for-necer para qualquer empresa em qualquer lugardo mundo. Então, se nós temos capacidade parafazer isso, temos de estar à altura em todos osrequisitos: seja em equipamentos, seja em mãode obra, seja quanto às práticas de gerenciamento.Tudo isso tem de estar de acordo com o que sefaz lá fora. Porque senão nós começamos a per-der mercado, por exemplo, para a China, ou paraos Tigres Asiáticos, que têm uma mão de obrasuperbarata.27

Essa preocupação com o emprego, vincula-da ao comprometimento com os resultados da em-presa no mercado, está expressa, igualmente, na falados trabalhadores. Indagado sobre quais foram osobjetivos das gerências da American Company doBrasil ao implantarem as técnicas de gestão flexívelno trabalho, um operário nos respondeu:

25 RIBEIRO, Jorge. Depoimento (Pinto, 2007b, p. 208).

26 RIBEIRO, Jorge. Depoimento. (Pinto, 2011, p. 103).27 Ibid., p. 106.

Page 14: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

548

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

Diminuir o quadro de funcionários e o gasto. Parapoder vender um produto mais barato e para vocêse manter no mercado. Não adianta você ter milfuncionários aí e seu rendimento ser pequenini-nho, se você não consegue vender por um preçobom lá fora [no mercado internacional]. Então,você vai acabar o quê? Vai acabar ’morrendo’. Eucreio que foi um caminho do grupo para se man-ter no mercado.28

Apesar de o atual custo da força de traba-lho na indústria automotiva brasileira estar en-tre os menores do mundo,29 as esperanças dosgrupos industriais oligopólicos em ampliarem assuas taxas de acumulação de capital locais, peloque demonstra nosso estudo de caso no setor deautopeças em Campinas, continuam assentadasna fluidez dos componentes comportamentaisdos critérios de contratação e promoção de tra-balhadores em todas as esferas de trabalho.

Uma fluidez que consolida uma organizaçãodo trabalho fundada na polivalência dos trabalha-dores, pois, em tudo e por tudo, ela explicita a ne-cessidade, existente na empresa, de um forte com-prometimento dos níveis hierárquicos entre si.Explicita também a fluidez crescente da divisão detarefas nas diferentes esferas, setores e células detrabalho. E, por fim, deixa clara a tão esperada “le-aldade”, tanto das gerências quanto dos níveisoperacionais e, em especial, dos mais jovens, comos objetivos maiores do comando administrativoda empresa nos EUA, ou seja, com a sua acumula-ção de capital. Uma “lealdade” que deve levar ostrabalhadores a se qualificarem por conta própriae a galgarem, a todo custo, postos cada vez maisaltos, não necessariamente pela sua escolaridadeou perfil técnico, mas pelo seu perfil pessoal e,sobretudo, político, nas relações que constroemcom os demais trabalhadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise realizada nas seçõesanteriores, podemos ousar expor aqui algunspontos cruciais acerca do sistema de Ohno (otoyotista) e seu grande salto em relação à Ford.Enquanto o pai da indústria de massa, no iníciodo século XX, almejou servilizar o seu corpo detrabalhadores, transformando-os, supostamen-te, em potenciais consumidores dos seus própri-os produtos, o pai da gestão flexível, ao finaldaquele século, distinguiu-se por tentar servilizá-los, transformando-os, supostamente, em poten-ciais sócios das empresas em que trabalham.Tudo isso, contudo, jamais passou de mera su-posição, pois mesmo Ford já contrapunha aoselementos rígidos da gestão do trabalho os ele-mentos fluidos e toda a individualização delesdecorrentes no comportamento dos trabalhado-res: “vestir a camisa da empresa” foi tão comumem Detroit até meados do século XX, como noABC paulista, a partir dos anos 1950.30

É claro que os tempos que elegeram o sis-tema de Ohno já eram outros. O capital finan-ceiro e uma nova classe de acionistas poderosossobrepujaram as gerências industriais. O consu-mo de massa já não alimentava mais as aristo-cracias operárias, e o poder do sindicalismocorporativo tampouco contornava a insatisfação dossetores classistas mais combativos ou apresentavasoluções aos setores excluídos como os desempre-gados e precarizados – que, após os anos 1970,proliferaram enormemente. A microeletrônica e ainformática acirraram, de forma colossal, a con-corrência aberta pela derrubada das muralhasprotecionistas nacionais, ao tempo em que ospróprios Estados parecem ter sucumbido, juntodas burguesias locais que protegiam, frente aopoder de corporações que operam globalmente.

As leis da acumulação de capital têm, por-tanto, avançado sobre todas as trincheiras que en-contram pela frente na vida social. E um fato gritan-

28 CARLOS, Antônio. Depoimento [entrevista realizada comtrabalhador da esfera da Produção]. (Pinto, 2011, p.107).

29 A consultoria CSM / Worldwide classifica o mundo daprodução automotiva em três níveis de custos: alto, baixoe ultrabaixo. A média do custo da força de trabalho, inclu-indo benefícios, na indústria automotiva de países comoAlemanha, EUA e Japão, é de US$ 23,00 a US$ 27,00 porhora. Em regiões como Taiwan e Coreia do Sul, a médiacai para US$ 10,00 a US$ 11,00. O Brasil se enquadra,segundo a consultoria, na terceira categoria, em que a mé-dia chega a US$ 3,00 por hora (Olmos, 2005).

30 Ver a respeito do caso estadunidense Gramsci (1990) e docaso brasileiro Negro (2004), este com suas passagens so-bre a “família Willys”.

Page 15: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

549

Geraldo Augusto Pinto

te é a transposição, cada vez mais clara, de aspectosora restritos às relações entre as empresas (clientese suas fornecedoras, matrizes e suas filiais) no pla-no do comércio globalizado, para as relações entreos próprios assalariados, no plano produtivo localdas plantas: da polivalência aos mercados internosde trabalho, percebe-se, hoje, a existência de ummecanismo nas empresas que promove nos traba-lhadores uma atitude autoexploratória, em funçãode uma relação, a acumulação de capital, que,embora os atravesse, paira acima deles.

Tal como sob o sistema taylorista-fordista,os trabalhadores permanecem subsumidos comoengrenagens semoventes dessa acumulação decapital, mas num grau de complexidade muitomaior, pois não estão subordinados a esse pro-cesso por formas coercitivas (físicas ou intelec-tuais) impostas por uma organização que se lhesdefronta objetivamente e com regras frias eracionalistas. Mais do que regras claras, certa-mente ainda presentes, o que a gestão flexível,em especial a toyotista, impõe aos trabalhadoressão transmutações de seus costumes, de suaspaixões e de seus caracteres mais profundos,mediante uma introjeção subjetiva de princípi-os de conduta moral, de um ethos.

Trata-se de um sistema de gestão que cons-titui, nesse sentido, muito mais do que umametodologia de organização técnica do trabalho– o grande sonho de Taylor –, mas uma etognosia,estando suas formulações práticas não apenaslimitadas a uma forma específica de cooperaçãono trabalho, mas edificadas na forma de um “go-verno”, de uma etocracia, na qual tanto operári-os quanto gerentes assalariados estão servilmen-te prostrados a um só soberano: o capital.

Texto recebido em 9 de dezembro de 2011

Aceito em 6 de fevereiro de 2012

REFERÊNCIAS

ABREU, Alice R. et al. Produção flexível e relaçõesinterfirmas: a indústria de autopeças em três regiões do Bra-sil. In: ABREU, Alice R. de P. (Org.). Produção flexível enovas institucionalidades na América Latina. Rio de Ja-neiro: Ed. da UFRJ, 2000. p. 27-73.

ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do traba-lho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. SãoPaulo: Boitempo, 2000.

AMERICAN COMPANY DO BRASIL. [Documentos inter-nos da empresa]. Campinas, SP: [s. n.], 2005.

AMIN, A.; MALMBERG, A. Competing structural andinstituional influences on the geography of production inEurope. In: AMIN, Ash (Ed.). Post-fordism: a reader. Oxford:Blackwell, 1994.

AMIN, A.; SMITH, I. The British car components industry:leaner and fitter? In: STWERT, Paul; GARRAHAN, Philip;CROWTHER, Stuart (Ed.). Restructuring for economicflexibility. Aldershot: Avebury, 1990.

ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalhono Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.

______. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses ea centralidade do mundo do trabalho. Campinas: Cortez:UNICAMP, 1995.

ARAÚJO, Ângela M. C.; CARTONI, Daniela M.; JUSTO,Carolina R. D. Mello. Reestruturação produtiva e negocia-ção coletiva nos anos 90. Rev bras. Ci. Soc., São Paulo, v.16, n. 45, p. 85-112, fev., 2001. Disponível em:www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v16n45/4332.pdf. Acesso em: 9jan. 2013.

BABSON, S. Lean production and labor: empowerment andexplotation. In: BABSON, Steve (Ed.) Lean work:empowerment and exploitation in the global industry.Detroit: Wayne State University Press, 1995.

BEDÊ, Marco A. A indústria automobilística no Brasil nosanos 90: proteção efetiva, reestruturação e política industri-al. 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Faculdade deEconomia e Administração, Universidade de São Paulo, SãoPaulo, 1996.

BRUNO, Lúcia. Educação, qualificação e desenvolvimentoeconômico. In: ______. (Org.). Educação e trabalho no capi-talismo contemporâneo: leituras selecionadas. São Paulo:Atlas, 1996. p. 91-123.

CARVALHO, Ruy de Q.; SCHMITZ, Hubert. O fordismoestá vivo no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.27, p. 148-156, jul., 1990.

CASTRO, Nadya A. de. Modernização e trabalho no com-plexo automotivo brasileiro: reestruturação industrial oujapanização de ocasião? In: ______. (Org.). A Máquina e oequilibrista: inovações na indústria automobilística brasi-leira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

CATTANI, Antonio D. Trabalho e tecnologia: dicionáriocrítico. 2. ed. Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes, 1999.

CONCEIÇÃO, Jefferson José da. As fábricas do ABC no olhodo furacão: a indústria de autopeças e a reestruturação dacadeia de produção automotiva nos anos 90. 2001. 224 f.Dissertação (Mestrado em Administração) – Centro deEstudos de Aperfeiçoamento e Pós-graduação do CentroUniversitário Municipal de São Caetano do Sul, São Cae-tano do Sul, 2001.

CORIAT, Benjamin. Ohno e a escola japonesa de gestão daprodução: um ponto de vista de conjunto. In: HIRATA,Helena S. (Org.). Sobre o “modelo” japonês:automatização, novas formas de organização e de relaçõesde trabalho. São Paulo: EDUSP, 1993. p. 79-91.

Page 16: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

550

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japo-nês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan; Ed.da UFRJ, 1994.

COSTA, Ionara; QUEIROZ, Sérgio. Autopeças no Brasil:mudanças e competitividade na década de noventa. In:SIMPÓSIO DE GESTÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA,20., São Paulo,1998. Anais… p. 1070-1083.

CURRY, James. The flexibility fetish: a review essay onflexible specialisation. Capital & Class, v. 17, n. 2, p. 99-126, summer, 1993.

DEDECCA, Cláudio S. Reestruturação produtiva e tendên-cias de emprego. In: OLIVEIRA, Marco A. et al. (Org.). Eco-nomia & trabalho: textos básicos. Campinas, UNICAMP,1998. p. 163-186.

FERREIRA, Cândido G. O fordismo, sua crise e o caso bra-sileiro. Campinas, SP: IE/UNICAMP, 1993. (Cadernos doCESIT, texto no. 13).

FLEURY, Afonso; VARGAS, Nilton. Aspectos conceituais.In: ______. (Coord.). Organização do trabalho: uma aborda-gem interdisciplinar – sete estudos sobre a realidade brasi-leira. São Paulo: Atlas, 1983. p. 17-37.

GARRAHAN, P.; STEWART, P. Progress to decline? In:GARRAHAN, Philip (Ed.). Urban change and renewal: theparadox of place. Aldershot: Avebury, 1994.

GEREFFI, Gary. Global commodity chains: news forms ofcoordination and control among nations and internationalindustries. Competition & Change, v. 1, n. 4, p. 427-439, 1996.

GITAHY, Leda; RABELO, Flávio. Educação e desenvolvimentotecnológico: o caso da indústria de autopeças. Campinas:DPCT/IG/UNICAMP, 1991. (Texto para discussão, n. 11).

GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização doautomóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.

GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. In: ______.Maquiavel, a política e o estado moderno. 8. ed. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1990.

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo:Loyola, 1992.

HIRAOKA, Leslie. Japanese automobile manufacturing inan American setting. Technological Forecasting and SocialChange, New York, v. 35, n. 1, p. 29-49, mar., 1989.

HOFFMAN, Kurt; KAPLINSK, Raphel. Driving Force: theglobal restructuring of technology, labor, and investment inthe automobile and components industries. Westview:Boulder, 1987.

HUMPHREY, John. “Japanise” methods and the changingposition of direct production workers: evidence from Brazil.In: SMITH, Chris et al. (Ed.). Global japanization? thetransnational transformation of the labour process.London: Routlegde, 1994. p. 327-347.

______. Adaptando o “modelo japonês” ao Brasil. In:HIRATA, Helena S. (Org.). Sobre o “modelo” japonês:automatização, novas formas de organização e de relaçõesde trabalho. São Paulo: EDUSP, 1993. p. 237-257.

KELLER, Maryann. Colisão: GM, Toyota, Volkswagen – acorrida para dominar o século XXI. Rio de Janeiro: Campus,1994.

LAPLANE, M. F.; SARTI, F. A reestruturação do setor au-tomobilístico brasileiro nos anos 90. Economia & Empresa,v. 2, n. 4, out./dez., 1995.

MARINI, Ruy M. Dialéctica de la dependencia. In: ______América Latina, dependencia y globalización: fundamentosconceptuales. Bogotá: Siglo del Hombre y CLACSO, 2008. p.107-149. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/critico/marini/04dialectica2.pdf. Acesso em:10 jan. 2013.

MARTINS, Carlos E. Globalização, dependência eneoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo,2011.

MATTOSO, Jorge E. L. O novo e inseguro mundo do traba-lho nos países avançados. In: OLIVEIRA, Carlos A. et al.(Org.). O mundo do trabalho: crise e mudança no final doséculo. São Paulo: Scritta, 1994. p. 521-562.

NEGRO, Antonio L. Linhas de montagem: o industrialismonacional-desenvolvimentista e a sindicalização dos traba-lhadores. São Paulo: Boitempo, 2004.

NORTHERN GROUP INC. Annual report to stockholders.Washington: Securities and Exchange Commission, 2005.

OHNO, Taiichi. O sistema Toyota de produção: além da pro-dução em larga escala. Porto Alegre: Bookman, 1997.

OLIVEIRA, Dalila A. A qualidade total na educação: os cri-térios da economia privada na gestão da escola pública. In:BRUNO, Lúcia (Org.). Educação e trabalho no capitalismocontemporâneo. São Paulo: Atlas, 1996. p. 57-90.

OLMOS, Marli. Mudança no mapa produtivo favoreceautopeças do país. Valor Econômico, São Paulo, 29 mar.2005. (Empresas & Tecnologia).

PINTO, Geraldo A. A máquina automotiva em suas partes:um estudo das estratégias do capital na indústria deautopeças. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.

______. A máquina automotiva em suas partes: um estudodas estratégias do capital nas autopeças em Campinas. 2007.576f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Filoso-fia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Cam-pinas, Campinas, SP, 2007b.

______. A organização do trabalho no século 20: Taylorismo,Fordismo e Toyotismo. 2. ed. São Paulo: Expressão Popu-lar, 2010a.

______. Gestão flexível e qualificação operária: sobre a rigi-dez e a fluidez nas relações de trabalho na indústriaautomotiva do Brasil. In: CONGRESO INTERNACIONALDE LA ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE SOCIO-LOGIA: latinoamérica interrogada..., 27., 2009, BuenosAires. Anais eletrônicos… Buenos Aires , 2009.

______. A maquinaria e manufatura na fábrica flexível:autonomia e heteronomia no trabalho. In: SOUZA, Josédos S; ARAÚJO, Renan (Org.). Trabalho, educação e soci-abilidade. Marngá: Práxis, 2010b. p. 93-107.

______. Qualificação e organização flexível do trabalho:elementos para um olhar crítico. Revista Tecnologia e So-ciedade, Curitiba, n. 6, p. 49-71.

______. Uma abordagem metodológica do tema reestruturaçãoprodutiva. Ideias, Campinas, v. 14, p. 149-159, 2007a.

______. Uma introdução à indústria automotiva no Brasil.In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do traba-lho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 77-92.

POCHMANN, M.; SANTOS, A. L. O custo do trabalho e acompetitividade internacional. In: MATTOSO, Jorge E.;OLIVEIRA, Carlos A. (Orgs.). Crise e trabalho no Brasil:modernidade ou volta ao passado? 2 ed. São Paulo: Scritta,1996. p. 189-220.

POSTHUMA, Anne C. Autopeças na encruzilhada: moder-nização desarticulada e desnacionalização. In: ARBIX,Glauco; ZILBOVICIUS, Mauro (Org.). De JK a FHC: areinvenção dos carros. São Paulo: Scritta, 1997. p. 389-411.

______. Japanese production techniques in Brazilianautomobile components firms: a best practice model orbasis for adaptation? In: SMITH, Chris et al. (Ed.). Globaljapanization? the transnational transformation of the labourprocess. London: Routlegde, 1994. p. 348-377.

______. Técnicas japonesas de organização nas empresas de

Page 17: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

551

Geraldo Augusto Pinto

autopeças no Brasil. In: CASTRO, Nadya A. de (Org.). Amáquina e o equilibrista: inovações na indústria automobi-lística brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 301-332.

QUADROS, Waldir J. Crise do padrão de desenvolvimentono capitalismo brasileiro: breve histórico e principais ca-racterísticas. Campinas: IE/UNICAMP, 1991. (Cadernos doCESIT, textos para discussão n. 6).

RABELO, Flávio M. Qualidade e recursos humanos na in-dústria brasileira de autopeças. 1994. 237 f. Tese (Doutora-do em Economia ) –Instituto de Economia, UniversidadeEstadual de Campinas, Campinas, 1994.

RACHID, Alessandra. O Brasil imita o Japão? A qualidadeem empresas de autopeças. 1992. Dissertação (Mestrado emPolítica Científica e Tecnologica ) – Departamento de Políti-ca Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências,Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1994.

______. Relações entre grandes e pequenas empresas deautopeças: um estudo sobre a difusão de práticas de organi-zação da produção. 2000. f. Tese (Doutorado em EngenhariaMecânica) – Faculdade de Engenharia Mecânica, Universi-dade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.

ROSANDISKI, Eliane Navarro. Reestruturaçãoorganizacional: uma avaliação a partir da estrutura do em-prego do setor automotivo paulista – 1989-1994.1996. 188f.Dissertação (Mestrado em ) – Instituto de Geociências daUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1996.

SADER, Emir; SANTOS, Theotonio (Coord). A AméricaLatina e os desafios da globalização: ensaios dedicados aRuy Mauro Marini. São Paulo: Boitempo, 2009.

SALERNO, Mário Sérgio et al. A nova configuração dacadeia automotiva brasileira. São Paulo: Escola Politécni-ca da Universidade de São Paulo, 2002. (Pesquisa desen-volvida junto ao BNDES, pelo Grupo de Estudos em Tra-balho, Tecnologia e Organização).

______. Modelo japonês, trabalho brasileiro. In: HIRATA,Helena S. (Org.). Sobre o “modelo” japonês:automatização, novas formas de organização e de relaçõesde trabalho. São Paulo: EDUSP, 1993. p. 139-152.

______. Produção, trabalho e participação: CCQ e kan-bannuma nova imigração japonesa. In: FLEURY, Maria T.;FISCHER, Rosa M. (Coord.). Processo de trabalho e rela-ções de trabalho no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985.p. 179-202.

SAYER, Andrew. New developments in manufacturing: thejust-in-time system. Capital & Class, Londres, n. 30, p. 43-72, winter, 1986.

SILVA, Elizabeth B. Refazendo a fábrica fordista: contrastesda indústria automobilística no Brasil e na Grã-Bretanha.São Paulo: Hucitec: FAPESP, 1991.

TAVARES, Maria da C. Ajuste e reestruturação nos paísescentrais: a modernização conservadora. Economia e Socie-dade, Campinas, n. 1, p. 21-57, ago., 1992.

VALENCIA, Adrian Sotelo. El mundo del trabajo en tensión:flexibilidad laboral y fractura social en la década de 2000.Madrid: Plaza y Valdez, 2007.

WOMACK, James P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. Amáquina que mudou o mundo. 14. ed. Rio de Janeiro:Campus, 1992.

Page 18: O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO DO TRABALHO NA … · O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ... processo é o alto grau de concentração de capital atingido pela indústria automotiva

CA

DER

NO C

RH

, Sal

vado

r, v.

25,

n. 6

6, p

. 535

-552

, Set

./Dez

. 201

2

552

O TOYOTISMO E A MERCANTILIZAÇÃO ...

Geraldo Augusto Pinto - Doutor em Sociologia. Professor do Centro de Educação e Letras da UniversidadeEstadual do Oeste do Paraná, campus de Foz do Iguaçu, lecionando na Graduação em Pedagogia e no Programade Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociedade, Cultura e Fronteiras. Líder do Grupo de Pesquisa “Estado,Sociedade, Trabalho e Educação” (CEL/Unioeste), pesquisador do Grupo de Pesquisa “Estudos sobre o Mundodo Trabalho e suas Metamorfoses” (IFCH/Unicamp) e membro da Rede de Estudos do Trabalho (RET). Autordos livros “A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo” (2. ed., ExpressãoPopular, 2010) e de “A máquina automotiva em suas partes: um estudo das estratégias do capital na indústriade autopeças” (Boitempo, 2011).

TOYOTISM AND THE MERCANTILIZATIONOF LABOR IN THE BRAZILIAN

AUTOMOTIVE INDUSTRY

Geraldo Augusto Pinto

The aim of this article is to analyze theadvancement of concepts and practices in labormanagement called “flexible” in the Brazilianautomotive industry, particularly those rooted inthe Toyota Production System. Throughbibliographical research and an empirical casestudy of a Campinas, SP (Brazil) plant belongingto a transnational group in the auto parts sector,the author shows how changes in the organizationof labor were brought about, together with thedemand for the workers to have new professionaland educational profiles. This analysisconclusively shows how these profiles –articulated with management’s methods ofevaluation in the contracting and promoting pro-cesses – have fragmented workers’ collectivity incompanies, putting monetary value on therelationships that they establish with one anotherin the workplace since they are based on theintrojection and manipulation of their principles ofconduct, in the sense of making them subservientto the purpose of accumulation of capital.

KEY WORDS: Toyota Production System. LaborSociology. Automotive Industry – Brazil.

LE TOYOTISME ET LA MERCANTILISATIONDU TRAVAIL DANS L’INDUSTRIE

AUTOMOBILE AU BRÉSIL

Geraldo Augusto Pinto

L’objectif de cet article est d’analyser l’étatd’avancement des concepts et des pratiques degestion du travail appelées “flexibles” dansl’industrie automobile au Brésil, et en particuliercelles provenant du Système Toyota de Production.Grâce à une recherche bibliographique et à uneétude de cas empirique dans le cadre d’un groupetransnational de pièces détachées automobiles situéà Campinas (Etat de Sao Paulo/Brésil), nousdémontrons comment des changements ont eu lieudans l’organisation du travail, changements liés àl’exigence de nouveaux profils de qualificationprofessionnelle et d’éducation des travailleurs. Enconclusion, l’analyse montre bien comment de telsprofils – articulés à des méthodes de gestion pourl’évaluation en cours de contrats et de promotions- ont fragmenté le collectif des travailleurs au seindes entreprises, monnayant les relations quis’établissent au quotidien dans l’ambiance de travailétant donné l’introjection et la manipulation desprincipes de conduite entre eux afin de servir àl’accumulation capitaliste.

MOTS-CLÉS: Système Toyota de Production.Sociologie du Travail. Industrie Automobile –Brésil.