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E STUDOS STUDOS STUDOS STUDOS STUDOS DA DA DA DA DA L L L L L INGUAGEM INGUAGEM INGUAGEM INGUAGEM INGUAGEM ISSN: ISSN: ISSN: ISSN: ISSN: 1517-7238 1517-7238 1517-7238 1517-7238 1517-7238 vol. 10 nº 19 vol. 10 nº 19 vol. 10 nº 19 vol. 10 nº 19 vol. 10 nº 19 2º sem. 2009 2º sem. 2009 2º sem. 2009 2º sem. 2009 2º sem. 2009 1 Professor Doutor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA) - Linha temática: Cultura, Organização e Educação. Vinculado como pesquisador ao Lab_Arte e CICE. Graduado em Letras (1997) e Doutor em Educação (2005), ambos os títulos pela Universidade de São Paulo. E-mail: <[email protected]> O TRÁGICO EM MACHADO DE ASSIS: ANÁLISE DO CONTO SINGULAR OCORRÊNCIA ALMEIDA, Rogério de 1 p. 263-281 p. 263-281 p. 263-281 p. 263-281 p. 263-281

o Trágico Em Machado de Assis_ Análise Do Conto Singular Ocorrência

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    vol. 10 n 19vol. 10 n 19vol. 10 n 19vol. 10 n 19vol. 10 n 192 sem. 20092 sem. 20092 sem. 20092 sem. 20092 sem. 2009

    1 Professor Doutor da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (FEUSP),

    Departamento de Administrao Escolar e Economia da Educao (EDA) - Linha temtica:

    Cultura, Organizao e Educao. Vinculado como pesquisador ao Lab_Arte e CICE.

    Graduado em Letras (1997) e Doutor em Educao (2005), ambos os ttulos pela

    Universidade de So Paulo. E-mail:

    O TRGICO EMMACHADO DE ASSIS:ANLISE DO CONTO

    SINGULAR OCORRNCIA

    ALMEIDA, Rogrio de1

    p. 263-281p. 263-281p. 263-281p. 263-281p. 263-281

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    RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a presena do trgico,definido como realidade no-interpretvel, no conto Singular Ocorrncia,do escritor brasileiro Machado de Assis. Partindo de referncias bibliogrfi-cas calcadas em Clemnt Rosset e Nietzsche, a anlise fenomenolgica procu-ra descrever o enredo do conto e os ns que tornam a narrativa um exemplode ocorrncia no interpretvel, portanto, sua constituio trgica.PPPPPALAALAALAALAALAVRAS-CHAVRAS-CHAVRAS-CHAVRAS-CHAVRAS-CHAVES:VES:VES:VES:VES: Literatura; Machado de Assis; Filosofia; Trgico.

    ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT::::: This paper aims to analyze the tragic, defines as the non-interpretative reality, in the Singular Event tale, of the brasilian writerMachado de Assis. Departing from the bibliographical references based onClemnt Rosset and Nietzsche, the phenomenological analysis tries todescribe the plot of the tale and the ties that that turns the narrative anexample of non-interpretative occurrence, hence, its tragical constitution.KEYWORDS:KEYWORDS:KEYWORDS:KEYWORDS:KEYWORDS: Literature; Machado de Assis; Philosophy; Tragic.

    INTRODUOINTRODUOINTRODUOINTRODUOINTRODUO

    O trgico em Machado de Assis no aparece nas franjasdo texto nem est escondido na profundidade de suas fabulaes,mas ocupa lugar central em sua obra, tanto nos romances quantonos contos pertencentes fase consensualmente dita madura.Se no salta aos olhos menos por sua evidncia que peladificuldade de encar-lo, pois uma das definies do trgico justamente o que no interpretvel (Rosset, 1960: 7).

    crtica parece imprprio abordar o que no interpretvel, pois seria reconhecer uma fraqueza que no exclusiva sua, mas da prpria racionalidade. No entanto, seno possvel interpretar o que se mostra como trgico, possvel v-lo e a obra de Machado o expe em toda sua crueza.

    o que atesta, por exemplo, o conto Singular ocorrn-cia, em que desde o ttulo se anuncia o no interpretvel, ouseja, o dado singular que, aberto a racionalizaes, refrat-rio ao sentido, como atesta o seu final.

    Do conto, possvel extrairmos trs consideraes, oufilosofemas, se se quiser, desde que figure a ressalva de que a obra fico e no filosofia, portanto no afeita sistematizao pr-pria desta arte, mas expresso simblica daquela. So estas:

    1) As ocorrncias so singulares, ou seja, o real, comoacontecimento, singular, nico, no interpretvel.O conto se abre com a frase: H ocorrncias bem

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    singulares, em que o advrbio bem intensifica asingularidade, mas no exclui a possibilidade deextenso da singularidade a todas as ocorrncias(ou a toda realidade).

    2) A acomodao da realidade ao sentimento da oca-sio, ou seja, afirmao da sensibilidade na relaoafetivo-racional com o real. A realidade nos afeta,vemo-la, mas a maneira como a sentimos (ou a apre-endemos com nossa sensibilidade) orienta nossasracionalizaes, nossa tentativa de interpret-la,muni-la de um sentido que mais nosso que dela.

    3) A indiferena do acaso, que no texto apresentadocomo um deus e um diabo ao mesmo tempo..., ouseja, a falta de fundamento para as racionalizaesque buscam o sentido do real.

    Estas trs consideraes 1) o real singular, 2) o senti-mento da ocasio acomoda a realidade e 3) o acaso apresenta-secomo indiferena apontam para uma ausncia de sentido quebrota justamente da impossibilidade de interpretao do que seapresenta como real ou como ocorrncia e que aqui define trgico.

    Mas vamos ao conto para melhor compreender de queforma o trgico se apresenta.

    O REAL NO INTERPRETVELO REAL NO INTERPRETVELO REAL NO INTERPRETVELO REAL NO INTERPRETVELO REAL NO INTERPRETVEL

    Singular Ocorrncia desenvolve-se sem a mediao deum narrador. Do incio ao fim temos um dilogo em que, pelosindcios textuais, um homem mais velho conversa com um ra-paz (se o senhor no abusou da minha ingenuidade de rapaz)sobre um caso aparentemente ftil, tema de prosa que se levaem uma esquina, prximo igreja, sem pretenso a qualquerilustrao de gravidade. O homem mais velho aponta uma damaque est entrando na igreja, deve ter quarenta e seis anos eainda guarda a beleza de sua juventude. Trata-se de d. Maria detal, mas que era conhecida, em 1860, como Marocas. Pela ex-cluso das profisses, chegamos mais antiga. O decorrer dotexto apresenta as circunstncias em que o Andrade, amigo dointerlocutor mais velho, conheceu-a e por ela se apaixonou.

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    Apresentados os personagens, percebem-se duas dife-rentes posturas por parte dos interlocutores: o rapaz pontuaa histria com comentrios apressados e, muitas vezes, equi-vocados, mas que servem de contraponto ao narrador, que,gozando da amizade do Andrade, pode nos fornecer os deta-lhes das circunstncias que envolveram o caso. J o homemmais velho, que assume a postura de narrador do caso, traao perfil moral de Marocas e desconstri os valores que ade-rem ao esteretipo da prostituta.

    Como imagem pronta, rasa e caricatural, o esteretipopresta-se a reduzir em pequenos traos, que se amplificam, ascaractersticas de determinado tipo; no caso, social. Mas Marocasno vulgar, decada moralmente, interesseira ou pervertida.Apresentada como analfabeta, ser o Andrade que ir ensin-la aler, depois que ambos comeam a se amar. Para facilitar a iden-tificao da personagem, o autor recorre analogia com a Damadas Camlias2, indicando que Marocas dispensou seus namora-dos (inclusive alguns capitalistas bem bons) para dedicar suaafeio apenas ao Andrade, vivendo sozinha e se submetendo arestries financeiras (a Marocas empenhara algumas jias parapagar uma conta da costureira).

    Do ponto de vista do comportamento, Marocas apare-ce como recatada, modesta, contentando-se financeiramentecom o apenas estritamente necessrio, capaz de recusar umbeijo do Andrade por no estarem a ss, conformada com ofato de Andrade ser casado e ter uma filha. Enfim, no h nocomportamento de Marocas nada que a desaprove no queconcerne aos valores morais mdios da sociedade da poca,o que relativiza sobremaneira o fato de ter sido prostituta.

    Inclusive no presente, quando o homem mais velho e orapaz a veem saindo da igreja, sua seriedade reforada,uma vez que usa luto h pelo menos treze anos pela morte do

    2 Escrita originalmente como romance, A Dama das Camlias

    foi adaptada para o teatro pelo prprio autor, Alexandre Du-

    mas Filho. Retrata a ligao amorosa entre um jovem estudan-

    te, Armand Duval, e Marguerite Gautier, cortes parisiense. A

    obra se tornou matriz para as abordagens romnticas da pros-

    tituta redimida pelo amor.

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    Andrade (mesmo sem ter sido com ele casada) e no olhanunca para os lados, ndice de respeitabilidade.

    Ento desata a ocorrncia. O Andrade viaja com a famliapor dois dias. Marocas diz, em aluso a uma pea teatral quehavia visto, que jantaria com o retrato dele. Na volta, Andraderecebe um sujeito reles e vadio, de nome Leandro3, que por acasolhe conta uma anedota ertica, uma fortuna rara, uma coisa queno merecia, mas que lhe deixou excepcionalmente risonho.

    Foi o caso que, na vspera, perto das dez horas da noite, encontra-ra no Rocio uma dama vestida com simplicidade, vistosa de corpo,e muito embrulhada num xale grande. A dama vinha atrs dele, emais depressa; ao passar rentezinha com ele, fitou-lhe muito osolhos, e foi andando devagar, como quem espera. O pobre-diaboimaginou que era engano de pessoa; confessou ao Andrade que,apesar da roupa simples, viu logo que no era cousa para os seusbeios. Foi andando; a mulher, parada, fitou-o outra vez, mas comtal instncia, que ele chegou atrever-se um pouco; ela atreveu-se oresto... Ah! um anjo! E que casa! que sala rica! Cousa papa-fina. Edepois o desinteresse... (Machado de Assis, 1994: 156)

    Quando Leandro, ao finalizar o caso, informa seu en-dereo, ocorre o reconhecimento. O interlocutor mais jovemfaz ecoar a exclamao do Andrade, e que tambm a nossa.Ento, apesar de digno, generoso, sincero, Andrade se vin-ga pagando para que o Leandro o acompanhe a casa e confir-me a histria na frente de Marocas. Ela se mostra fora de si,desesperada, ameaa se matar, atira-se ao cho.

    A partir de ento, lemos a tentativa do mais jovem desolucionar o caso encontrando um sentido para o ocorrido,sem obter sucesso. O mais velho refuta a tese do seu interlocutorde que seriam hbitos dela: Quanto a mim, cogitava na aven-tura, sem atinar com a explicao. To modesta! maneiras toacanhadas! Citando Augier, o rapaz sentencia: a nostalgia dalama. Mas o mais velho no cr e prossegue a narrativa.

    Uma criada de Marocas procura Andrade preocupada como sumio da ama. Confirma que no era costume dela sair, mas que

    3 Tanto Leandro quanto Andrade carregam homem (andro) no

    nome, tendo Maria toda a respeitabilidade semntica de Se-

    nhora Soberana do hebraico, traos etimolgicos que refor-

    am as caractersticas das personagens.

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    saiu na noite anterior. Andrade, tomado de remorso e preocupa-o, sai em busca de Marocas, sempre acompanhado do narrador.

    Ele perguntava-me, a cada passo, se no era natural fazer o que fez,no delrio da indignao, se eu no faria a mesma cousa. Masdepois tornava a afirmar a aventura, e provava-me que era verda-deira, com o mesmo ardor com que na vspera tentara provar queera falsa; o que ele queria era acomodar a realidade ao sentimentoda ocasio (Machado de Assis, 1994: 159)

    Essa passagem, para alm de ilustrar o estado de esp-rito do protagonista, afirma um movimento que retomarei maisadiante pelo que contm de trgico. Mais do que expressaruma contradio ou um conflito insuflado pelo calor do mo-mento, parece apontar para o cerne mesmo do trgico, ouseja, a impossibilidade de, por meio da razo, apreender arealidade sentida. Que os sentimentos sejam volveis, ou in-constantes, mais do que bvio (da o texto usar a expressosentimento de ocasio), mas enxergar a razo como vol-vel, ou inconstante, e ainda imbricada aos sentimentos, ummovimento que requer abrir mo, primeiro, da noo de ver-dade e, segundo, da crena de que a razo possa interpretar arealidade apropriando-se de seu sentido. Em ltima instn-cia, abre mo mesmo da prpria noo de que haja algumsentido para a realidade. Mas voltaremos a isso depois.

    Por ora, basta saber o desfecho do conto. Andradeencontra Marocas, abatida, em uma hospedaria, caem nosbraos um do outro e ela perde os sentidos. O mais jovemquer saber se ento tudo se explicou. O mais velho afirmaque no e resume os fatos subseqentes, os quais compro-vam a observncia dos padres morais condizentes situa-o, ou seja, ela se manteve fiel, mesmo quando Andradeviaja para a Provncia, mesmo aps sua morte.

    O dilogo final o que se segue:

    Realmente, h ocorrncias bem singulares, se o senhor no abu-sou da minha ingenuidade de rapaz para imaginar um romance...

    No inventei nada; a realidade pura.

    Pois, senhor, curioso. No meio de uma paixo to ardente, tosincera... Eu ainda estou na minha; acho que foi a nostalgia da lama.

    No: nunca a Marocas desceu at aos Leandros.

    Ento por que desceria naquela noite?

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    Era um homem que ela supunha separada, por um abismo, de todas assuas relaes pessoais; da a confiana. Mas o acaso, que um deus e umdiabo ao mesmo tempo... Enfim, cousas! (Machado de Assis, 1994: 160)

    Depreende-se dessa tentativa ltima de explicao dasingular ocorrncia que, se possvel justificar certas cir-cunstncias o fato, por exemplo, de a Marocas ter escolhi-do o Leandro , h realidades, as puras, por exemplo, quejamais se deixam pescar. Qual a motivao para sua ao? Deque maneira relaciona-se com seu modo de ser e viver, comseus valores, com sua vida? Descartada a nostalgia da lama,uma vez que nunca havia ela descido aos Leandros, o queexplicaria a ocorrncia e, por extenso, a prpria realidade?

    De modo semelhante a Dom Casmurro ou a outroscontos (Caso da Vara, por exemplo), o final fica em aberto. Avida corre, mas o sentido dela (ou de determinadas ocorrn-cias) jamais vem tona. Certamente, trata-se de uma estrat-gia literria, mas mais do que isso, h uma recusa que afir-mao. Afirmao da impossibilidade de redueshermenuticas. Explicando melhor:

    Um dos movimentos da interpretao buscar o senti-do pela repetio. Se Marocas tivesse o hbito de sair s ruase viver aventuras annimas, poderamos explicar sua condutapor uma srie de atributos morais. Sua perverso seria a ex-plicao para a ocorrncia de que trata o conto. No entanto,como explicar a ocorrncia singular, o dado nico?

    Outro movimento da interpretao a analogia ou rever-berao simblica. Digamos que no seja hbito dela viver otipo de aventura sexual vivida com Leandro, mas que seja de suaconduta desrespeitar as convenes morais. Imaginemos que fossedissimulada e afetasse um recato que no era seu. Poderamosv-la usando roupas diferentes quando estivesse s, por exem-plo. Essa homologia serviria de explicao, pois no foi a ocor-rncia um fato isolado, mas mais uma ocorrncia que se classifi-caria como desvio de conduta moral, atributo da personagem.

    No nada disso o que ocorre no conto. Nem mesmoo desejo de reviver sua vida de prostituta, a tal nostalgia dalama, se torna uma hiptese plausvel. Do que o conto nosalerta o tempo todo que h ocorrncias que no podem serinterpretadas. Mas por que no podem ser interpretadas?

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    Seria por ser nica, diferente das demais que se repe-tem? Ou por que no haveria uma motivao racional ouracionalizvel? Haveria, na realidade, ocorrncias explicveise outras no? E se no o so, qual a razo para no o serem?Enfim, a questo central que o conto suscita parece nos re-meter prpria natureza da hermenutica, uma vez que peem xeque a maneira como interpretamos o real.

    Dizer que h ocorrncias interpretveis e outras no afirmar a existncia de duas realidades, o que nos possibili-taria um imaginrio do duplo, em que um mundo paralelo seimiscui no real. Ou reafirmar Plato e seus seguidores, coma classificao dos mundos em inteligvel e sensvel. Se ne-garmos as possibilidades transcendentes, alis como fez oprprio Machado em sua obra, ficaramos com uma realidadematerial e nica, em que no apenas uma ocorrncia seriasingular, mas todas as ocorrncias seriam singulares.

    Partindo dessa hiptese, deixaramos de afirmar queesta ou aquela interpretao est condizente com o real paraafirmar que toda interpretao se sobrepe ao real sem ja-mais interpret-lo, ou seja, sem jamais definir o seu sentido,mas apenas o prprio sentido da interpretao4.

    Explicando melhor: a hermenutica no possibilita quea interpretao encontre ou desvende ou descubra o sentidoda ocorrncia, ou do real, mas que encontre o seu prprio4 Para Paul Ricoeur (1977: 57-58): Aquilo de que finalmente me

    aproprio uma proposio de mundo. Esta proposio no se

    encontra atrs do texto, como uma espcie de inteno oculta,

    mas diante dele, como aquilo que a obra desvenda, descobre,

    revela. Por conseguinte, compreender compreender-se dian-

    te do texto. O intrprete no apreende um sentido que lhe seja

    alheio, mas partcipe da criao de sentido, de modo que sua

    compreenso ocorre simultaneamente a uma compreenso de

    si, o que faz com que o sentido serpenteie no texto, mas jamais

    exista como coisa em si. Por isso, defendo que o sentido cola-

    do ao texto, e por extenso ao real, sempre que nos propomos

    a l-lo. O que equivale a dizer que no h sentido a ser descober-

    to, pois o texto (e o real) no um esconderijo de sentidos, mas

    um tecido complexo de onde se retiram os fios para tecer senti-

    dos re-arranjados. O sentido no nem se origina da coisa em si,

    mas sempre engendrado, o que exige uma relao contnua e

    recproca entre sujeito e texto (ou objeto).

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    sentido, ou seja, que aplique, configure, cole um sentido aoreal, fazendo com que o real assuma um sentido onde antesno havia nada, apenas ocorrncia.

    por esta considerao que podemos entender a re-sistncia do narrador a atribuir um sentido para a aventura deMarocas. Na impulsividade humana de racionalizar os fen-menos, quase inevitvel ver sentido em tudo, explicar per-sonalidades e pessoas, valores morais e condutas, escolhas einfraes. Mas e no caso de Marocas?

    a desnaturalizao da ocorrncia que permite afirm-la como singular e ininterpretvel, como se o autor escolhes-se uma situao enigmtica para, a partir dela, nos mostrar oenigma de todas as situaes.

    O processo de desnaturalizao um dos passos do(re)conhecimento do trgico (Rosset, 1989a) s possvelporque a nossa conscincia toma como natural ou seja, quedecorre normalmente da ordem regular das coisas (DicionrioHouaiss) as convenes a que estamos acostumados, sejam deordem natural (pertencentes natureza) sejam de ordem social.Formados desde o nascimento para agirmos, pensarmos e noscomunicarmos a partir de convenes (da linguagem, das leis,dos valores morais etc.), nossa conscincia toma como natural,como regular, as ocorrncias e situaes de todos os dias.

    O choque que o contato com outras culturas causamnaqueles que no esto habituados a pensar ou ver o diferenteexemplifica bem o processo de desnaturalizao. Assim com ocanibalismo, por exemplo, ou com qualquer outro ritual cujosentido no reconhecemos em nosso repertrio cultural.

    A busca por uma explicao para o que no reconhece-mos, ou ao menos de tornar familiar o que estranho, ocorrede forma aliada aquisio da linguagem, pois o campo se-mntico a forma a priori de nos relacionarmos com o mun-do, de o apreendermos, de o tornarmos natural, ou seja, deo ordenarmos. Seja a linguagem das imagens ou dos sons, dovocabulrio ou das expresses faciais, nosso contato com omundo, material ou sensvel, se d sempre por mediao.

    Ora, essa mediao que, tornando-se natural, tornatambm o mundo um espao natural. A experincia pessoal,

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    o acmulo de situaes categorizveis por essa mediao e oconsenso cultural, que a vivncia social nos d, que permi-tem a naturalizao das ocorrncias e, por extenso, do real.

    O pasmo essencial que nos ensina Alberto Caeiro5,que a criana tem ao nascer sem o saber, j que ainda notem a linguagem para se reconhecer (e ao redor) e se ex-pressar, uma das faces dessa desnaturalizao. Ou me-lhor: do momento que antecede a naturalizao. Reconhe-cer que o momento primeiro do homem no mundo o mo-mento do pasmo e que a ele voltamos todas as vezes queolhamos o mundo como novidade afirmar a naturalidadeda desnaturalizao, ou seja, reconhecer que possvel sus-pender a conveno a que estamos habituados. Por meiodesse processo, perdemos o que natural. E disso, doiscaminhos se abrem na relao hermenutica:

    a) No sei interpretar porque isso no natural,ou seja, uma anomalia, uma exceo, um dadoque foge da ordem natural das coisas. Logo, te-nho que encontrar a razo dessa ocorrncia,explic-la, domestic-la, torn-la real.

    b) No posso interpretar porque o real no interpretvel,ou seja, a desnaturalizao me ensina que no existeo natural, apenas o convencional. Logo, a ocorrnciafoge do que foi convencionado e explicita a ausnciade sentido desta ocorrncia e o sentido imaginado (etornado convencional) de toda e qualquer ocorrncia.

    A primeira via a que atribui um fundamento para a rea-lidade, ou seja, existe um sentido primordial para o que existe,uma natureza, logo, uma lei, uma ordem, uma razo de ser.

    A segunda via o trgico.A inteno do narrador de Singular Ocorrncia reside

    menos na trivialidade de julgar a vida alheia do que na insis-tncia de mostrar que h ocorrncias no interpretveis. Quea obra de Machado se esmera na elaborao de personagens

    5 Sei ter o pasmo essencial / Que tem uma criana se, ao nascer, /

    Reparasse que nascera deveras... / Sinto-me nascido a cada mo-

    mento / Para a eterna novidade do Mundo... (Pessoa, 2001: 26)

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    premidos por decises morais dado notrio6, mas o que seevidencia neste conto a indiferena da escolha, uma vez quea Andrade s resta aceitar ou no a Marocas e o seu ato;julg-la impossvel, porque no h razo para o que fez,portanto, defesa que o atenue. O dado cru.

    Andrade tenta inicialmente encontrar explicao para oque se sucedeu, justificativas que desmentissem a realidadeestampada, crua, sem porosidade e sem entendimento. Impos-sibilitado de salv-la e salvar-se pela razo (No era s a dorde a perder; era tambm o remorso, a dvida, ao menos, daconscincia, em presena de um possvel desastre, que pareciajustificar a moa), opta pelo silncio, como se no houvessenada a ser dito diante do real que se apresenta (Nenhum delestornou ao assunto; livres de um naufrgio, no quiseram sabernada da tempestade que os meteu a pique). O real cruel.

    A crueldade reside justamente nessa indiferena do realfrente razo humana, que insistentemente tenta domestic-lo ampliando-o com sentidos. Uma vez que o sentido noemana do real, mas colado a ele por meio de uma composi-o imaginria, ento devemos entender que a responsabili-dade moral s existe no campo do imaginrio7, ou seja, s sed a partir do momento em que convencionamos o certo e oerrado e instamos o homem a agir guiado por esse pndulo.

    6 O principal tema machadiano a vicissitude da motivao

    humana; de como e porque os indivduos agem da maneira

    que agem. O casamento, a viuvez, a infidelidade; a poltica, a

    histria nacional, o palco das relaes familiares so, todos

    eles, meios de organizar decises e escolhas. A fico de Ma-

    chado uma indagao sobre o modo como tomamos nossas

    decises quando confrontados com expectativas alheias que

    se opem aos nossos desejos, formando um contraponto en-

    tre expectativa e frustrao (Passos, 2007: 109).7 De acordo com Durand (1997: 18), o Imaginrio definido como

    o conjunto das imagens e relaes de imagens que constitui o

    capital pensado do homo sapiens aparece-nos como o grande

    denominador fundamental onde se vm encontrar todas as cria-

    es do pensamento humano. Dessa forma, no pode ser com-

    preendido em oposio ao real, uma vez que abarca as formula-

    es que medeiam o homem e sua atribuio de valor ao real.

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    Indo aos fatos: Marocas no tem o que explicar porquesua ao no foi certa nem errada, e s seria reprovvel diantede uma moral que, sabe-se, no est fundamentada, apenasmscara social. Sua ao no racional, est presa sensibili-dade do momento, alheada de qualquer justificativa moral.Andrade no quer que nada acontea a ela porque se veria res-ponsabilizado moral e emocionalmente por um eventual aci-dente, uma vez que sua reao (humilh-la com a presenadenunciadora de Leandro) pode ter excedido a medida e a mo-tivado a uma ao autopunitiva. Seu temor medo de uma per-da irreversvel, mas tambm instinto de autopreservao. Noquer que sua ao, pretensamente calcada em razes morais,gere consequncias desmedidas, que firam seus sentimentos,os quais se mostram mais fortes do que qualquer responsabili-dade, qualquer moral ou qualquer razo. Sua ao ampara-seno sentimento da ocasio, descola-se da moral e apega-se aoreal, ou seja, ao dado cru, seu desejo de religar-se a ela.

    por isso que se reconciliam com rapidez. No h por-que tornar ao assunto, no h o que ser explicado, o sentimentoque os une desacata a conveno moral, coagula a desnaturalizaoe devolve ao real a insignificncia de sua prpria realidade8.

    O restante dos fatos transcorre na convencionalidadeesperada, com aes que correspondem s expectativas e re-foram a imagem primeira da gravidade de Marocas. No en-tanto, pairam no ar a singular ocorrncia, a frustrada tentati-va de interpretao do mais jovem e a superioridade de quemparece saber mais do que diz.

    Chegamos, portanto, ao cabo da primeira considerao aque me propus investigar: o real singular. Falta ver agora o segun-do filosofema: como o sentimento da ocasio acomoda a realidade.

    OS SENTIMENTOS SENTIMENTOS SENTIMENTOS SENTIMENTOS SENTIMENTOS DOS DOS DOS DOS DA OCASIOA OCASIOA OCASIOA OCASIOA OCASIO

    Uma das formas de se lidar com o real a mais comum efrequente, sem dvida domestic-lo por meio de um sentido

    8 Essa insignificncia do real tratada por Clment Rosset (2004)

    como idiotia, no sentido etimolgico do termo, ou seja, idiota

    significa simples, particular, nico de sua espcie.

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    j dado. Por exemplo, em nenhum momento discute-se a condutado Andrade quanto sua famlia. O fato de manter a Marocas eexigir dela fidelidade tolerado pelas convenes sociais da poca,em que a autoridade masculina inquestionvel.

    No entanto, a motivao para as aes pende mais paraos sentimentos que para a razo, ou melhor, guiada pela sensi-bilidade, definida aqui pela dialogicidade razo-sentimento, ouainda, razo sensvel9. assim que Andrade decide manterMarocas. assim tambm que resolve pagar ao Leandro paradesmascar-la. Guiado tambm por seus sentimentos que re-cusa os conselhos do personagem narrador quanto a se dedicarexclusivamente sua famlia. Mas quando Marocas desapareceque os seus sentimentos atuam com mais fora, pois ento semostram contrrios no s razo, mas prpria realidade.

    Diante da falta de sentido da ao da Marocas e dareao do Andrade (humilh-la na presena do Leandro), de-sencadeia-se um processo de tentativa racional de compreen-so da realidade; processo que, no entanto, coaduna o impul-so dos sentimentos razo.

    Aps o desaparecimento da Marocas, o amor e o re-morso fazem com que o Andrade procure justificativas para oque ambos fizeram. Levanta a hiptese de o Leandro ter men-tido, apega-se ao depoimento da criada, de que no era hbi-to dela sair, questiona o amigo (narrador) sobre o exagero desua reao. Mas depois volta aos fatos e recupera sua raiva,fazendo com que o narrador observe: parece que queria aco-modar a realidade ao sentimento da ocasio.

    Esse mecanismo de defesa merece destaque. No o al-voroo dos sentimentos que faz com que a razo se enfraquea. a prpria razo que aparece, aqui, interligada aos sentimentos,interdependentes, numa sensibilidade que busca ora apreender o

    9 Pode-se tratar a questo com o conceito de razo sensvel, sinergia

    da matria e do esprito (Maffesoli, 1998: 152), ou de razo

    complexa, que j no concebe em oposio absoluta, mas em

    oposio relativa, isto , tambm em complementaridade, em

    comunicao, em trocas, em termos at ali antinmicos: inteli-

    gncia e afetividade; razo e desrazo. Homo j no apenas

    sapiens, mas sapiens/demens (Morin, 1999: 168).

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    real ora se esquivar dele. O fato de os sentimentos cambiarementre raiva e remorso que faz com que a realidade oscile e aocorrncia se desdobre em justificativas. E se o real no real? Ese existe algo por detrs que desconhecemos? essa desconfian-a infundada que infla de esperanas o Andrade.

    Como conciliar a realidade do fato com a expectativa da sen-sibilidade? Sabemos o desfecho e fcil ver que a ocorrncia enterrada com o abrao de reconciliao, mas a indisposio darazo e dos sentimentos no trato com o real perdura irreconcilivel.

    Poderamos sintetizar com a hipottica anlise: os senti-mentos de Andrade fazem com que procure racionalmente dar umsentido para a realidade; mas como seus sentimentos so volveis,a razo se contamina e, subordinada a eles, tambm oscila; comoconsequncia, o real permanece sem um sentido. Essa leitura,embora verossmil, apresenta-se em ordem invertida.

    Em primeiro lugar, no h como discutir a primazia dosentimento ou da razo, nem sequer conceb-los como indepen-dentes. No intercmbio entre o subjetivo e o social, a razo tambm sensvel (Maffesoli, 1998) e o sentimento, expresso pelamediao da razo. A prpria idia de remorso, raiva ou amor j um esboo de racionalizao. E a razo precisa sempre deuma motivao para seguir seus passos. Razo e sentimento,portanto, caminham juntos. Expressam uma sensibilidade.

    Em segundo lugar, no a oscilao dos sentimentose/ou da razo que faz com que o real fique sem sentido. aprpria noo de sentido que estranha ao real. Isto : o real o que , desprovido, portanto, de sentido ou de algumafalta (a falta de sentido, por exemplo). Dessa forma, quando dito que no h sentido no real, deve-se entender que ele completo em sua insignificncia, ou seja, no carece de nada.Da a impossibilidade de se operar com os conceitos de ab-surdo e de nonsense (Rosset, 1989b). O sentido que atribu-mos ao real sempre um movimento de aplicao de algo que nosso, da nossa percepo, dos nossos sentimentos e danossa razo. Em uma palavra, da nossa mediao.

    Dessa forma, quando a realidade se apresentadesnaturalizada que o Andrade v os seus sentimentos e suarazo patinarem na tentativa de domesticar o real. Na im-

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    possibilidade de conciliar o que aconteceu com o sistema devalores racional e emocionalmente convencionados e parti-lhados pela sociedade, o protagonista procura acomodar arealidade ao sentimento da ocasio.

    Por meio dessas consideraes, v-se que a ocorrn-cia, como de resto toda a realidade, singular, ou seja, resis-tente atribuio de um sentido que seja colado a ela (nemhbitos da moa nem saudades da lama).

    Embora a ocorrncia permanea sem significado, os senti-mentos continuam buscando razes para acomodar (ou domesti-car) o real, ou seja, no se percebe a insignificncia do real, masse troca de significados de acordo com a sensibilidade, ou comoquer o narrador: de acordo com os sentimentos da ocasio.

    Aqui temos, portanto, dois dados importantes do me-canismo trgico: a) a vivncia de uma situao mpar conduz desnaturalizao por meio da qual se v a insignificnciado real e sua singularidade, b) ainda que perdure a necessi-dade de revestir esse mesmo real de sentidos (acomodar arealidade aos sentimentos da ocasio).

    Voltando ao conto: a) a traio de Marocas no se ex-plica, um dado real, singular e insignificante, b) ainda quese busque um sentido para o que aconteceu.

    A INDIFERENA DO AA INDIFERENA DO AA INDIFERENA DO AA INDIFERENA DO AA INDIFERENA DO ACASOCASOCASOCASOCASO

    A ltima considerao a que devemos nos deter versasobre a indiferena do acaso, como fundamento do real.

    Este acaso fundador no est ligado ao inesperado (En-contrei-a por acaso) ou ao aleatrio (Escolhi ao acaso umadas cinco caixas), no significa surpresa nem est ligado probabilidade. O acaso o que faz com que acontea o queaconteceu. o acaso que fez Marocas sair em busca de umLeandro qualquer. o acaso que fez com que este Leandroqualquer fosse o Leandro conhecido do Andrade. Acaso sinnimo de no-causalidade. No h razo, conhecida oudesconhecida, para o acaso. O acaso o que acontece.

    Contornado pela impossibilidade de definio, j queo acaso tautolgico (ele o que ), instiga, no entanto, a

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    uma desdefinio, a uma abordagem pela negativa. Assim, oacaso no o que liga um fato a outro, mas o que o desliga, a falta de relao de anterioridade ou de consecutividade, o queelimina a noo de encadeamento. Dessa forma, no se podedizer que ela caiu por causa do acaso. Caiu porque tropeou,porque no viu a pedra. No foi por acaso que ela escolheuqualquer amiga para queixar-se de suas tristezas, mas por sa-ber que qualquer ouvido serve quando se trata de apenas ouvir.Ou seja, no se trata de negar a razo ou as relaes de causae efeito ou mesmo a multiplicidade de tudo o que existe.

    Justamente o contrrio. devido multiplicidade daexistncia que no posso reduzir tudo a um, frmula primeirada filosofia socrtica e de cunho sistemtico (Nietzsche, 1995).E o que faz a singularidade do real justamente a multiplicidadedo que existe. A mesma rvore no a mesma rvore quandolhe arranco uma ma. Tal qual o rio de Herclito.

    Assim, no h uma Razo por trs da existncia, nemuma Vontade, nem uma Natureza. No h sequer por trsda existncia. A idia mesma de caos j pressupe uma de-sordem a ser ordenada, elementos que esto ali prontos paraserem perfilados, amalgamados, acionados e relacionados paraformar esta determinada ordem. No se trata disso.

    Trata-se de acaso, gratuidade, exploses que no resul-tam em nada, mas que tambm formam carbono, oxignio, ca-lor, espao, matria e vida. O que est na origem? Acaso. Quan-do olhado de trs para frente, o universo parece uma sucessompar de encadeamentos, como se houvesse uma lgica incon-cebivelmente inteligente para ordenar essas causas-consequncias-causas. Mas se formos ao antes desse nasci-mento (como se isso fosse possvel!), talvez veramos umasucesso de erros, acontecimentos sem consequncias, explo-ses sem vida. Em uma palavra, uma realidade feita de acasos.

    Se o universo, se o mundo, se a vida, se o real, se minhasubjetividade, se tudo o que h tem como princpio o acaso, e se oacaso no se define, ento temos que o princpio de tudo a au-sncia de princpio, ausncia de necessidade, de vontade, de inte-ligncia, de fora, de natureza. O que veio a ser da mesma formaque poderia no ter vindo. Se , por acaso e no por fundamento.

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    Essa definio breve de acaso, em que ele o fundamen-to do que no se fundamenta, para alm do paradoxo, expressao trgico da existncia e, por extenso, do real. Se Marocas notivesse escolhido este Leandro, Andrade no saberia de nada.A ocorrncia permaneceria para sempre desconhecida. Seriacomo se no tivesse acontecido. O acaso no julga, no avalia,no escolhe. No entanto, em sua indiferena, no se abstm, esempre, em qualquer que seja a circunstncia, aparece. Na ver-dade, est sempre presente, o prprio presente.

    Andrade ento descobre a aventura de Marocas. Masde que lhe valeu esse saber? Pde com ele entender as moti-vaes de Marocas? Pde abrir os olhos para sua vida duplae retornar sua famlia? Em uma questo, serviu para algumacoisa? A verdade no. Nem a ele nem a ns. Sabemos queela escolheu o Leandro por ser distante do meio social parti-lhado por ela (nunca desceu aos Leandros), mas continuamoss cegas quanto sua motivao. E aqui, s h uma hipteseplausvel para o seu desejo e consequente ao: o acaso.

    O mesmo acaso que fez com que o Leandro fosse oLeandro, o mesmo acaso que o ps a contar sua aventura aoAndrade, o mesmo acaso que deixa o narrador (e ns leito-res) sem resposta, o mesmo acaso que os fez se reconcilia-rem. Enfim, o mesmo acaso que o narrador define como umdeus e um diabo a um s tempo, ou seja, que faz tanto o bemquanto o mal, porque , em uma palavra, indiferente.

    Mas o trgico no se resume nestas trs aparies aqui con-sideradas: na singularidade do real, na acomodao da realidade aosentimento de ocasio e na indiferena do acaso. Encerra, por fim,uma ltima verdade: a que h conhecimentos que no servem denada. Parece ser este o do Andrade. Parece ser este o do conto: deque valeu saber da ocorrncia se no podemos interpret-la?

    CONCLUSOCONCLUSOCONCLUSOCONCLUSOCONCLUSO

    Ao longo do artigo, procurou-se evidenciar a presenado trgico em Machado de Assis por meio da anlise do con-to Singular Ocorrncia, destacando-se a singularidade do real,que aparece como dado simples, nico, no interpretvel. Essa

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    singularidade do real move a sensibilidade de quem tenta atri-buir-lhe sentido, de modo que razo e sentimento oscilam embusca de argumentos que acomodem a realidade, ou seja, ao real dado um sentido de maneira a satisfazer o sentimento da oca-sio, mesmo em conflito com os fatos. Esse real no interpretvel,cujo significado se volatiliza de acordo com o sentimento daocasio, no tem outro fundamento que o acaso, constitudo comoausncia de fundamento, como no-casualidade, como ausnciade princpio lgico do qual derivaria o real.

    Por meio destas trs consideraes, observa-se o tr-gico que permeia no somente este conto de Machado de As-sis, mas que est no cerne das situaes e personagensficcionalmente criadas pelo escritor. A motivao para as de-cises e escolhas de seus personagens ficcionais ancora-senessa viso da realidade cujo sentido que lhe aplicado ema-na das convenes sociais, tornando invivel qualquer redu-o, seja a um fundamento moral ou lei natural. Expresso doacaso, sua prosa traz tona, principalmente pela anlise ereflexo, esse saber invlido, conhecimento que no consola,antes aponta para sua prpria inutilidade.

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