28
Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados All Rights Reserved INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE FARMÁCIA O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO TRATAMENTO DA AGRESSIVIDADE IMPULSIVA ASSOCIADA AO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE. PALOMA FIRMINO HOFFEMANN SÃO PAULO 2012

O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE FARMÁCIA

O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO TRATAMENTO DA

AGRESSIVIDADE IMPULSIVA ASSOCIADA AO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE

BORDERLINE.

PALOMA FIRMINO HOFFEMANN

SÃO PAULO 2012

Page 2: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE FARMÁCIA

O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO TRATAMENTO DA

AGRESSIVIDADE IMPULSIVA ASSOCIADA AO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE

BORDERLINE.

PALOMA FIRMINO HOFFEMANN

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Paulista - UNIP, como requisito para obtenção do título de bacharel em Farmácia.

Orientador: Ms. ALÍPIO CARMO

SÃO PAULO 2012

Page 3: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

2

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

AGRADECIMENTOS

Agradeço a toda a minha família que sempre acreditou em mim, mesmo diante das

inúmeras adversidades ocorridas no decorrer do curso de graduação e mesmo antes

do início do curso de Farmácia e Bioquímica.

Um especial agradecimento ao meu companheiro Diego, pois se não fosse por ele,

nem teria iniciado o curso e chegado até aqui. E também à minha filha Júlia, que foi

muito compreensiva diante da ausência que o curso e o presente artigo científico me

obrigaram.

Não menos importante, minha mãe Terezinha e minha avó Edwirges que cuidaram

de mim todos esses anos e me incentivaram sempre a nunca desistir dos meus

sonhos, por mais difíceis que sejam de ser alcançados.

E minha eterna gratidão ao meu irmão Marcus que me ajudou a fazer a tradução do

Abstract, agregando qualidade ao meu artigo científico.

Agradeço aos meus professores que sempre tiveram muita paciência comigo e me

ensinaram tanto, contribuindo para meu desenvolvimento acadêmico e profissional.

E um especial agradecimento ao meu orientador, Alípio, pela paciência na minha

impontualidade com os prazos de entrega. Muito obrigada!

Page 4: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

RESUMO

O Transtorno de Personalidade Borderline é caracterizado pela instabilidade emocional e intensa agressividade impulsiva; o indivíduo pode apresentar raiva inadequada, com descontrole agressivo autodirigido ou direcionado ao meio ambiente e a outras pessoas. Estudos demonstram que a agressividade impulsiva pode estar relacionada com alterações no córtex pré-frontal e giro do cíngulo anterior, com diminuição da massa cinzenta. Essas regiões cerebrais estão envolvidas nos processos do controle afetivo e da agressividade. Também podem ocorrer descargas elétricas de baixa intensidade (efeito kindling) em regiões do sistema límbico, principalmente na amígdala, o que pode explicar o aumento na agressividade impulsiva. Além disso, alguns estudos sugerem alterações nos sistemas noradrenérgico, dopaminérgico e gabaminérgico, que podem implicar no aumento da agressividade impulsiva. O uso de estabilizadores de humor (lítio e anticonvulsivantes) mostrou-se efetivo para o controle da agressividade e instabilidade emocional. Anticonvulsivantes como a carbamazepina, e atualmente a oxcarbazepina, são utilizados no controle da agressividade impulsiva devido ao fato de bloquearem os canais de sódio, que estão envolvidos no início do potencial de ação, que propaga as descargas do efeito kindling, e na liberação dos neurotransmissores envolvidos nesse processo, na fenda sináptica. A carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente, além de causar diversas reações adversas. A oxcarbazepina é um ceto derivado da carbamazepina, porém com menos efeitos adversos, o que melhora a adesão do paciente ao tratamento. Estudos de duplo-cego controlados por placebo demonstraram a eficácia da carbamazepina e da oxcarbazepina no controle da agressividade quando comparadas com o placebo. Outro estudo demonstra a superioridade da carbamazepina com relação ao divalproato de sódio (anticonvulsivante usado como estabilizador de humor) no tratamento da impulsividade e da agressividade. Apesar disso, são necessários mais estudos controlados comprovando a eficácia da carbamazepina e da oxcarbazepina no controle da agressividade impulsiva, para que haja a alteração na indicação oficial desses dois fármacos.

Palavras-chave: Transtorno de Personalidade Borderline, agressividade impulsiva, carbamazepina, oxcarbazepina.

Page 5: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

ABSTRACT

The Borderline Personality Disorder is characterized by intense emotional instability and impulsive aggression; the person may have inappropriate anger with uncontrolled aggressive self-directed or directed to the environment and other people. Studies show that impulsive aggression may be related to changes in the prefrontal cortex and anterior cingulate gyrus, with decreased gray matter. These brain regions are involved in the processes of control and affective aggression. There may also be electric discharges of low intensity (kindling effect) in regions of the limbic system, primarily in the amygdala, which can explain the increase in impulsive aggression. Additionally, some studies suggest changes in noradrenergic, dopaminergic and GABAminergic, which may involve increasing the impulsive aggression. The use of mood stabilizers (lithium and anticonvulsants) was effective for the control of aggression and emotional instability. Anticonvulsants such as carbamazepine, oxcarbazepine and currently are used in controlling impulsive aggression due to the fact blocking the sodium channels, which are involved in the initiation of the action potential, which propagates the kindling effect of the discharges, and the release of neurotransmitters involved in this process, in the synaptic cleft. Carbamazepine is a strong enzyme inducer, and interfering with the endogenous metabolism of other drugs used concomitantly, also causing several adverse reactions. Oxcarbazepine is a keto derivative of carbamazepine, but with fewer adverse effects, which improves patient adherence to treatment. Studies double-blind placebo controlled trials have demonstrated the efficacy of carbamazepine and oxcarbazepine in controlling the aggressiveness as compared to placebo. Another study demonstrates the superiority of carbamazepine relative to divalproex sodium (anticonvulsant used as a mood stabilizer) in the treatment of impulsivity and aggressiveness. Nevertheless, additional controlled studies demonstrating the efficacy of carbamazepine and oxcarbazepine in the control of impulsive aggression, so there is a change in official indication of these two drugs.

Keywords: Borderline Personality Disorder, impulsive aggression, carbamazepine, oxcarbazepine.

Page 6: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

4

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

INTRODUÇÃO

Personalidade refere-se aos aspectos de um indivíduo que são percebidos

pelas outras pessoas. É uma organização dinâmica e que não é nem

exclusivamente física, nem exclusivamente mental, envolvendo características

moldadas de acordo com a exposição do indivíduo a fatores biológicos, psicológicos

e sociais (1).

É composta pelo caráter, que engloba aspectos cognitivos do indivíduo e pelo

temperamento, reunião dos aspectos afetivo-conativos (2).

“Os traços de personalidade são padrões persistentes no modo de perceber,

relacionar-se e pensar sobre os ambientes e sobre si mesmo”, inseridos num

contexto pessoal e social. Transtorno de personalidade é quando esses traços são

inflexíveis e inadequados, causando prejuízo funcional e/ou sofrimento subjetivo

significativo (3).

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), tem como características:

comportamentos autodestrutivos, intensidade e instabilidade nos relacionamentos

interpessoais, distorções cognitivas, dificuldade em adaptação ao meio social, medo

crônico de abandono e impulsividade. Indivíduos com esse transtorno possuem

alterações afetivas intensas, como tensão, raiva inadequada, mágoa, vergonha e

sentimentos crônicos de vazio. Apresentam também sintomas psicóticos transitórios

e impulsividade, que pode os levar a comportamentos suicidas e autoagressivos,

assim como abuso de substâncias, gastos descontrolados e direção perigosa (4).

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

(DSM-IV-TR) (3), os indivíduos com esse transtorno fazem esforços frenéticos para

evitar um abandono real ou imaginário. Caso sintam que serão rejeitados ou que

haverá uma separação, ou mesmo a perda de sua estrutura externa, podem sofrer

profundas alterações cognitivas, afetivas, comportamentais ou na autoimagem

(quadro 1).

Há baixa tolerância a frustrações, raiva inadequada, além de um intenso

temor ao abandono, mesmo quando a separação for por tempo limitado ou

inevitável. O medo de abandono está relacionado a uma intolerância à solidão.

Tendem a recorrer a comportamentos suicidas e à automutilação para evitar o

Page 7: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

5

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

abandono (3).

Quadro 1 - Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o Transtorno da Personalidade Borderline

Um padrão global de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, de autoimagem, dos afetos e acentuada impulsividade, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios:

1) Esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário. Nota: não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no critério 5;

2) Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização;

3) Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou do sentimento do self;

4) Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa (por ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivo). Nota: Não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no Critério 5;

5) Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante;

6) Instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (por ex., episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade, geralmente durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias);

7) Sentimentos crônicos de vazio;

8) Raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (por ex., demonstrações frequentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes);

9) Ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou a graves sintomas dissociativos.

Fonte: Adaptado do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) (3)

.

Pessoas com TPB são muito instáveis e intensas em seus relacionamentos

interpessoais. Costumam idealizar as pessoas já no primeiro ou segundo encontro,

exigindo que passem muito tempo juntos ou expondo detalhes íntimos de sua vida

pessoal a desconhecidos. Porém pode haver uma rápida passagem da idealização

para a depreciação, caso julguem que a pessoa não está se doando o suficiente (3).

Essas características e a evolução do quadro clínico torna o TPB similar aos

transtornos de humor, o que levaram alguns pesquisadores a sugerirem que o TPB

pode ser um subtipo dos transtornos de humor. Entretanto, o grupo que desenvolveu

a DSM-IV, enfatiza que no caso do TPB, a labilidade emocional é decorrente da

Page 8: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

6

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

própria impulsividade presente nos portadores desse transtorno. No caso dos

transtornos de humor, essa labilidade emocional é autônoma. Porém pacientes com

depressão maior e que apresentam também o quadro de TPB possuem maiores

chances de terem uma recaída do quadro depressivo (3).

O tratamento envolve duas abordagens: A psicoterapia e a farmacoterapia. O

tratamento de escolha dos pacientes com TPB tem sido a psicoterapia, porém ela é

muito difícil, tanto para o paciente como para o terapeuta. Resultados melhores são

obtidos quando a psicoterapia é associada à farmacoterapia (5).

A farmacoterapia é muito útil para melhorar pontos específicos da

personalidade do paciente. São utilizados antipsicóticos, para controle da raiva,

hostilidade e episódios psicóticos. Em alguns indivíduos os inibidores da MAO têm

sido usados para o controle da impulsividade. Benzodiazepínicos auxiliam na

ansiedade e depressão. Estabilizadores de humor (lítio e anticonvulsivantes) são

utilizados para melhora da instabilidade afetiva e controle da agressividade.

Inibidores seletivos da recaptação da serotonina podem ser úteis também (5).

A agressividade impulsiva é uma das características mais marcantes do TPB,

por esse motivo, uma das opções utilizadas para atenuar esse sintoma é o uso de

anticonvulsivantes, como a carbamazepina e a oxcarbazepina, em função do seu

potencial sobre as alterações de humor. Mesmo não possuindo um foco

farmacodinâmico específico, a segurança do uso desses medicamentos possibilita

sua experimentação nesses casos (4).

Page 9: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

7

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

OBJETIVO

O presente artigo tem como objetivo relacionar, através de revisão

bibliográfica, os sistemas envolvidos no desenvolvimento da agressividade

impulsiva; descrever a estrutura química, mecanismos de ação, farmacocinética e

farmacodinâmica da carbamazepina e da oxcarbazepina; além de analisar a

viabilidade do uso desses dois fármacos no tratamento de apoio da agressividade

impulsiva em indivíduos com Transtorno de Personalidade Borderline.

Page 10: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

8

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

DESENVOLVIMENTO

1 Tipos de Agressividade

Existem dois tipos de agressividade: a premeditada e a impulsiva.

Agressividade premeditada representa um comportamento planejado, que não é

tipicamente associado com a frustração ou resposta à ameaça imediata. Também é

conhecida como ameaça pró-ativa (6; 7; 8).

A agressividade impulsiva é associada a emoções negativas, como raiva ou

medo. Ela normalmente representa a agressão reativa, afetiva, hostil. Torna-se

patológica quando as respostas agressivas são exageradas em relação à

provocação emocional que ocorre. Pode ser concebida como um baixo limiar a

estímulos externos agressivos, sem que haja reflexão adequada ou julgamento das

consequências do comportamento agressivo (7; 9).

2 Neurobiologia da agressão

Em alguns indivíduos, atos repetitivos de agressão são baseados em uma

suscetibilidade neurobiológica que está começando a ser elucidada. O fracasso do

sistema de controle “top-down” (modulação ou supressão do comportamento

agressivo, desencadeado pela raiva, por exemplo) no córtex pré-frontal, com

consequências negativas, parece desempenhar um papel importante. Uma

desarmonia entre as influências reguladoras do córtex pré-frontal e a

hiperresponsividade da amígdala e de outras regiões límbicas implicadas na

avaliação afetiva podem estar envolvidas (6).

Ocorre um desequilíbrio entre o “top-down” no córtex órbito-frontal e o giro do

cíngulo anterior, regiões que estão envolvidas na calibração do comportamento a

estímulos sociais e às expectativas de recompensa e castigo (7); e o excessivo

“buttom-up” (aumento da atividade), desencadeado ou sinalizado por regiões

Page 11: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

9

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

límbicas, como a amígdala. Esse desequilíbrio entre as unidades límbicas e o

mecanismo de controle do córtex pré-frontal podem ser importantes para uma série

de patologias psiquiátricas, dentre elas, o TPB (6).

O processamento dos estímulos em relação ao condicionamento emocional é

codificado na amígdala e em outras regiões límbicas, proporcionando uma ação

agressiva, enquanto o córtex órbito-frontal e o giro do cíngulo anterior proporcionam

o “top-down”, modulando essas respostas emocionais e comportamentais,

reprimindo o comportamento negativo (6).

Um estudo feito com vinte e quatro pacientes com transtorno explosivo

intermitente (IED, na sigla em inglês) e vinte e três indivíduos controle, em que foram

aplicados três testes sensíveis para lesões do córtex pré-frontal, sugere que a

agressividade pode estar relacionada com lesões corticais pré-frontais (10). Em outro

estudo, pacientes com IED foram expostos a fotografias com diferentes tipos de

expressões faciais, e analisaram-se as imagens funcionais de ressonância

magnética (fMRI, na sigla em inglês) das regiões cerebrais ativadas (11).

Ambos os estudos sugerem uma hiperexcitabilidade da amígdala e redução

da atividade do córtex pré-frontal, com diminuição da massa cinzenta, nos indivíduos

mais sensíveis aos rostos com expressões irritadas (10; 11).

Níveis insuficientes de serotonina (5-HT), excesso de estimulação das

catecolaminas e desequilíbrios subcorticais do ácido Gama-aminobutírico (GABA) e

do glutamato, além de patologias em sistemas de neuropeptídeos envolvidos na

regulação do comportamento, podem contribuir para o aumento da agressividade (6).

As intervenções farmacológicas, como estabilizadores de humor, que

amortecem a irritabilidade límbica, ou inibidores seletivos da recaptação da

serotonina (ISRS), que aumentam o controle do “top-down”, mostraram-se muito

úteis nesses casos (6).

2.1 Córtex pré-frontal

Page 12: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

10

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

O controle do “top-down” pelo córtex pré-frontal tem um papel fundamental no

comportamento agressivo. Lesões corticais pré-frontais resultam em um

comportamento agressivo desinibido (6).

Em 2005, foi realizado um estudo com cinquenta pacientes com TPB e

cinquenta indivíduos controle. Foram examinadas a região cingulada anterior e a

posterior, a amígdala e o hipocampo através da fMRI e da tomografia por emissão

de pósitrons (PET), e verificou-se que há uma redução do tamanho da massa

cinzenta nos pacientes com TPB, levando a uma diminuição da atividade e da

resposta farmacológica. (12)

2.2 Sistema Límbico

Outra anormalidade crítica implicada na agressão impulsiva é a hiperatividade

do sistema límbico, em resposta a estímulos negativos ou provocativos,

principalmente a raiva (6).

Estudos utilizando de fMRI mostram que há uma hiper-reatividade do sistema

límbico, em indivíduos com TPB, quando expostos a fotografias de pessoas com

expressões negativas, em comparação com o grupo controle (13; 14; 15).

A hiperatividade do sistema límbico pode estar relacionada ao efeito kindling,

ou seja, quando o córtex límbico, em especial, a amígdala, é submetido à

estimulação elétrica de baixa intensidade, repetidas vezes, até que ocorra uma

sensibilização a futuros estímulos. Esse fenômeno pode estar relacionado à

agressividade impulsiva (6; 16; 17).

3 Neuroquímica da agressão

3.1 Catecolaminas

Page 13: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

11

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

A dopamina e a norepinefrina podem aumentar a probabilidade de

heteroagressão. Pacientes com transtornos de personalidade, em que há agressão

externa dirigida, apresentam embotamento da atividade serotoninérgica,

acompanhado de aumento da atividade noradrenérgica (6).

A norepinefrina modula a excitação normal e o comportamento com o meio

ambiente (6). Estímulos podem aumentar a atividade no lócus ceruleus, aumentando

a liberação da norepinefrina, o que está associado à agressão irritável em modelos

primatas (18).

No sistema nervoso central (SNC), os neurônios que sintetizam a

norepinefrina, estão localizados principalmente na região do lócus ceruleus (19; 20)

. O

lócus ceruleus inerva regiões como o hipocampo, amígdala e o neocórtex temporal,

que são neuroestruturas ligadas ao processo associativo. Em situações de estresse,

há um aumento importante dos níveis de norepinefrina na fenda sináptica (21).

A clonidina (agonista α-2 adrenérgico) tem sido relacionada com a diminuição

da irritabilidade, o que sugere que a sensibilidade aumentada de receptores

noradrenérgicos pode estar relacionada com a hiper-reatividade para o meio

ambiente, o que indiretamente pode aumentar a probabilidade de agressão (22).

A sensibilidade do sistema da norepinefrina pode ser avaliada in vivo, pela

medição da resposta do hormônio de crescimento (GH) à clonidina. A clonidina

estimula a liberação do GH pelo eixo hipotalâmico-pituitária. Através da medição do

pico dos níveis de GH após o uso da clonidina, pode-se verificar a capacidade de

resposta pós-sináptica à atividade α-2. Um aumento da resposta do GH à clonidina

foi verificado em indivíduos que são altamente reativos ao seu ambiente, um recurso

que pode contribuir para a agressividade e instabilidade afetiva, estando

correlacionada diretamente com a irritabilidade em pacientes com TPB. Assim, a

reatividade elevada para o ambiente, e a irritabilidade, são relacionadas com a

desregulação noradrenérgica (18).

A dopamina é envolvida no início e na execução de comportamentos

agressivos. Verificou-se que há uma diminuição de receptores D1 em pacientes

deprimidos com ataques de raiva, o que sugere que a dopamina também tenha um

papel importante na agressividade (6).

Page 14: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

12

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

3.2 GABA

O GABA é um neurotransmissor amplamente envolvido com as atividades

inibitórias. Serve como um “freio”, amortecendo variações rápidas de emoções. A

diminuição da atividade do sistema gabaminérgico pode resultar em instabilidade

afetiva. A amígdala, que é ativada durante a indução de fortes emoções, tem altos

níveis de receptores GABAA. O sistema gabaminérgico também interage como o

sistema noradrenérgico, sugerindo que um desequilíbrio na razão entre a atividade

noradrenérgica e a atividade gabaminérgica pode contribuir para a instabilidade

afetiva (18).

Desequilíbrios nas atividades do sistema gabaminérgico podem contribuir

para a hiperatividade de regiões límbicas. Moduladores dos receptores de GABAA

podem aumentar a agressividade. Assim, as atividades reduzidas nos receptores de

GABA podem contribuir para a agressão (23).

4 Farmacoterapia do comportamento agressivo e impulsivo

Como o comportamento agressivo é associado a diversos transtornos, mas

apresentam os mesmos aspectos neurobiológicos e neuroquímicos, a abordagem

farmacológica utilizada age nos alvos-chaves, tais como os neurotransmissores,

córtex pré-frontal e sistema límbico (24).

Os fármacos que comprovaram eficácia no controle do comportamento

agressivo impulsivo são os estabilizadores de humor (lítio, carbamazepina,

oxcarbazepina, topiramato e valproato), os antipsicóticos (clozapina, olanzapina,

quetiapina, entre outros); os bloqueadores β-adrenérgicos, a buspirona (agonista

parcial do receptor 5-HT1A), ômega-3 e os antiandrógenos (24).

Neste artigo serão abordados os estabilizadores de humor, mais

especificamente, a carbamazepina e a oxcarbazepina.

Page 15: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

13

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

4.1 O uso de anticonvulsivantes como estabilizadores de humor

O uso de anticonvulsivantes clássicos na psiquiatria ganhou uma especial

atenção nas últimas décadas, graças à observação de sintomas psiquiátricos em

pacientes com epilepsia temporal. A partir da década de 1960, o uso da

carbamazepina se difundiu nos hospitais psiquiátricos no Japão, produzindo os

primeiros relatos sobre sua eficácia no tratamento do transtorno bipolar, e teorias

para explicar a eficácia de anticonvulsivantes, como o modelo de kindling (25; 26).

O fenômeno kindling e as evidências de benefícios psicotrópicos da

carbamazepina em pacientes com epilepsia motivou a pesquisa de outros

anticonvulsivantes, mas somente alguns mostraram eficácia em bipolares, como a

carbamazepina (25; 26), e, futuramente seu ceto-análogo, a oxcarbazepina (26).

4.2 Carbamazepina

4.2.1 Estrutura química

A carbamazepina é um derivado tricíclico do iminostibeno (27), classificado

como derivado dibenzazepínico (figura 1), pertencente às classes terapêuticas dos

antiepilépticos, neurotrópicos e agentes psicotrópicos (28).

A fórmula química da carbamazepina é C15H12N2O. É denominada, segundo a

IUPAC, 5H-Dibenz[b,f]azepina-5-carboxamida (29). Possui grande semelhança

estrutural com os fármacos psicoativos: imipramina, clorpromazina e maprotilina (27).

Page 16: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

14

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

Figura 1 – Fórmula estrutural da carbamazepina.

Fonte: Farmacopéia Brasileira, 5ª ed. (29).

Page 17: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

15

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

4.2.2 Farmacodinâmica

O mecanismo de ação da carbamazepina foi elucidado apenas parcialmente.

A carbamazepina é um bloqueador dos canais de sódio regulados por voltagem. Age

estabilizando a membrana do nervo hiperexcitado e inibe descargas neuronais

repetitivas (27; 28), como as descargas de baixa intensidade presentes no efeito

kindling (17). O principal mecanismo de ação é a prevenção de estímulos repetitivos

dos potenciais de ação sódio-dependentes na despolarização dos neurônios através

do bloqueio do canal de sódio voltagem-dependente (28), porém, em um estudo,

verificou-se que carbamazepina é pouco eficaz na prevenção do efeito kindling, mas

apresenta grande eficácia no controle destes episódios (17).

A carbamazepina pode potencializar a ação gabaminérgica, por meio da

inibição da geração dos potenciais de ação. O GABA inibe diversos sistemas de

neurotransmissão, causando depressão do SNC. A redução da liberação do

glutamato e a estabilização das membranas neuronais contribuem para os efeitos

antiepilépticos. A literatura sugere que a carbamazepina atua também em nível pré-

sináptico, reduzindo a neurotransmissão sináptica. Por outro lado, o efeito

depressivo no “turnover” da dopamina e da norepinefrina poderia ser responsável

pelas propriedades antimaníacas (27; 28).

4.2.3 Farmacocinética

4.2.3.1 Absorção

Após a ingestão oral, a carbamazepina é quase completamente absorvida,

porém de modo lento e errático. O pico plasmático médio da substância inalterada

ocorre em até 12 horas, após a ingestão de uma dose única de um comprimido, e

em até 2 horas, para a suspensão oral. Não há diferenças clinicamente relevantes,

Page 18: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

16

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

entre as formas farmacêuticas, com relação à quantidade de substância ativa

absorvida. Após uma dose única de um comprimido de carbamazepina de 400 mg

por via oral, o pico médio da concentração do fármaco inalterado é de

aproximadamente 4,5 mcg/mL (27; 28).

As concentrações plasmáticas de steady-state (estado de equilíbrio) da

carbamazepina dependem da autoindução individual e da heteroindução por outros

fármacos que indutores enzimáticos, podendo ser atingidas em cerca de uma ou

duas semanas. Também interferem no steady-state, condições pré-tratamento,

posologia e duração do tratamento (28).

As concentrações do metabólito farmacologicamente ativo (carbamazepina-

10,11-epóxido) foram cerca de 30% de carbamazepina. A ingestão de alimentos não

influencia significativamente a taxa e na extensão da absorção (28).

4.2.3.2 Distribuição

A droga distribui-se rapidamente pelos tecidos (30) após ser completamente

absorvida. O volume aparente de distribuição varia entre 0,8 e 1,9 L/kg. A

carbamazepina atravessa a barreira placentária. Está ligada às proteínas séricas em

70% a 80%. “A concentração de substância inalterada no líquido cerebroespinhal e

na saliva reflete a parte da ligação não-protéica no plasma (20-30%)”. As

concentrações da carbamazepina encontradas no leite materno foram equivalentes

a 25-60% dos níveis plasmáticos correspondentes (28). A carbamazepina-10,11-

epóxido está 50% ligada às proteínas plasmáticas, e pode estar sujeita à circulação

portal (27).

4.2.3.3 Biotransformação

A carbamazepina é metabolizada no fígado pelo citocromo P450, onde a

biotransformação via epóxido é a mais importante, formando a carbamazepina-

Page 19: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

17

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

10,11-epóxido, que é farmacologicamente tão ativa quanto à carbamazepina. Sua

meia-vida é de 18 a 55 horas. Seus principais metabólitos são o glicuronido e o

derivado 10,11-trans-diol (27; 28; 30). A carbamazepina é auto-indutora enzimática, ou

seja, é capaz de induzir seu próprio metabolismo, e assim, sua meia vida pode cair

de 5 a 26 horas (30).

A principal isoforma responsável pela metabolização da carbamazepina em

10,11-epóxido é o CYP 3A4 (figura 2). “O epóxido hidroxilase microssomal humano

foi identificado como a enzima responsável pela formação do derivado 10,11-trans-

diol”, a partir da 10,11-epóxido (figura 3) (27; 28). Após uma única dose oral de

carbamazepina, cerca de 30% da substância aparece na urina como produto final da

via do epóxido. Existem outras vias de biotransformação importantes para a

carbamazepina, como por exemplo, N-glicuronido da carbamazepina, que é

produzido pelo UGT2B7 (28).

Figura 2: Reação de biotransformação pela via de epoxidação da carbamazepina (CBZ).

Fonte: Araújo, DS, Silva, HRR, Freitas, RM (27)

.

Page 20: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

18

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

Figura 3: Principais vias metabólicas de biotransformação da carbamazepina (CBZ). Fonte: Araújo, DS, Silva, HRR, Freitas, RM

(27).

4.2.3.4 Eliminação

A meia-vida média de eliminação da carbamazepina na forma inalterada é de

aproximadamente 36 horas após uma única dose oral, sendo que após a

administração oral repetidas vezes, a média é de 16 a 24 horas, devido ao sistema

de autoindução da monoxigenase hepática, e é dependente da duração do

tratamento. Em pacientes com o uso concomitante de outros fármacos indutores

hepáticos, pode-se encontrar uma meia vida de 9 a 10 horas (28)

.

A meia-vida de eliminação do 10,11-epóxido no plasma é cerca de 6 horas.

Após a administração única de uma dose de 400 mg de carbamazepina, 28% são

excretadas nas fezes e 72% na urina. Na urina, 2% da dose é recuperada inalterada

e cerca de 1% como 10,11-epóxido (28).

4.2.4 Indicações

Oficialmente, a carbamazepina é considerada um agente antiepiléptico,

antimaníaco, com ações psicotrópicas e um neurotrópico (Quadro 2) (28). Porém,

foram realizados diversos estudos, para comprovar a eficácia da carbamazepina no

controle da agressividade impulsiva, presente principalmente em pacientes com

TPB. Foi feito um levantamento de estudos da aplicação de diversos fármacos no

controle da agressividade no adulto (31).

Utilizaram-se como critério, estudos controlados, exceto situações de

emergência, de preferência os duplo-cegos controlados por placebo. Procurou-se

evitar estudos cruzados. No compilado de estudos, alguns deles mostravam a

superioridade da carbamazepina quando comparada com o placebo ou outros

agentes (31).

Baseados nos estudos de eficácia da carbamazepina no controle da

agressividade impulsiva aumentam cada vez mais a prescrições dessa droga para

indivíduos com transtorno de personalidade borderline (31).

Page 21: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

19

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

Quadro 2 – Indicações oficiais e off-label (não oficiais) da carbamazepina

INDICAÇÕES OFICIAIS

Epilepsia Crises parciais complexas ou simples (com ou sem perda da consciência), com ou sem generalização secundária.

Crises tônico-clônicas generalizadas. Formas mistas dessas crises.

Não é eficaz em crises de ausência e em crises mioclônicas.

Pode ser usado como monoterapia ou em terapia combinada.

Tratamento da Mania Aguda e manutenção do Transtorno Bipolar

Síndrome da abstinência alcoólica

Neuralgia idiopática do trigêmeo e neuralgia trigeminal em decorrência de esclerose múltipla.

Neuralgia glossofaríngea idiopática.

Neuropatia diabética dolorosa

Diabetes insípida central. Poliúria e polidipsia de origem neuro-hormonal.

INDICAÇÃO OFF-LABEL

Controle da agressividade impulsiva

Explosões de raiva.

Fonte: Adaptado da Bula do TEGRETOL® (carbamazepina) (28)

e de estudos de eficácia da

carbamazepina usada no controle da agressividade (31).

Page 22: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

20

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

4.3 Oxcarbazepina

4.3.1 Estrutura química

A oxcarbazepina é um análogo cetônico da carbamazepina. Tem um núcleo

dibenzapina, porém é estruturalmente diferente da carbamazepina nas posições 10

e 11, conforme figura 3 (37).

Figura 3 – Fórmula estrutural da oxcarbazepina. Fonte: Monografia do Oleptal® (37).

4.3.2 Farmacodinâmica

A oxcarbazepina é um pró-fármaco. A atividade farmacológica é exercida pelo

seu metabólito ativo, o 10-monohidroxi derivado (MHD). O mecanismo de ação não

foi totalmente elucidado, porém estudos sugerem que a oxcarbazepina causa um

bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem, resultando na estabilização

das membranas neurais hiperexcitadas, inibindo as descargas neuronais repetitivas

e diminuindo a propagação dos impulsos sinápticos (37).

Adicionalmente, ocorre o aumento na condutância do potássio e modulação

de canais de cálcio voltagem-dependente, contribuindo para o efeito

Page 23: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

21

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

anticonvulsivante (37). Não foram encontradas interações significantes com

neurotransmissores ou sítios receptores moduladores (38).

A oxcarbazepina é tão eficaz quanto à carbamazepina, porém com um melhor

perfil de tolerabilidade, porque, diferentemente da carbamazepina, não é

metabolizado para um derivado epóxido, responsável por algumas das reações

adversas da carbamazepina (37).

4.3.3 Farmacocinética

Após a administração oral, a oxcarbazepina é completamente absorvida e

extensivamente metabolizada em MHD. A alimentação não tem nenhum efeito na

taxa e extensão da absorção. 40% de MHD se ligam a proteínas séricas. A

oxcarbazepina é rapidamente biotransformada por enzimas citossólicas hepáticas

em MHD, o qual é responsável pelo efeito farmacológico da oxcarbazepina.

Apresenta indução enzimática dos CYP3A4 e CYP3A5. É eliminada do organismo

principalmente sob a forma de metabólitos, que são principalmente excretados pelos

rins (38).

4.3.4 Indicações

Oficialmente a oxcarbazepina é um antiepiléptico (38). Porém, cada vez mais

vem sendo prescrita no controle da agressividade impulsiva, devido à sua

propriedade de inibição das descargas elétricas repetidas no sistema límbico. Em

um estudo duplo-cego controlado por placebo, verificou-se a superioridade da

oxcarbazepina no tratamento da agressividade impulsiva, quando comparada ao

placebo (39). Em outro estudo, a oxcarbazepina mostrou-se eficaz no controle da

agressividade, porém houve hiponatremia em alguns pacientes (40).

Page 24: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

22

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

CONCLUSÃO

O Transtorno de Personalidade Borderline é considerado uma desordem na

formação da personalidade da pessoa, que implica em um grande sofrimento para a

mesma, principalmente por o indivíduo não ter adquirido plena capacidade de

absorver frustrações e lidar com episódios que desencadeiem o sofrimento

emocional.

Em muitos desses indivíduos, a agressividade impulsiva se faz presente e um

dos grandes desafios da farmacoterapia é proporcionar a essas pessoas um alívio

nos sintomas, principalmente em se tratando da agressividade impulsiva.

Não há disponível um fármaco indicado exclusivamente para o Transtorno de

Personalidade Borderline, o que existe são medicamentos que causam uma

diminuição dos sintomas apresentados por esses indivíduos.

É importante que haja uma sincronização da farmacoterapia com a

psicoterapia nesses casos, pois os medicamentos não são capazes de retirar 100%

dos sintomas, sendo a psicoterapia extremamente necessária para o

desenvolvimento de ações que visem em longo prazo, amenizar o sofrimento dos

portadores do transtorno de personalidade borderline.

O uso de anticonvulsivantes agindo como estabilizador de humor ou no

tratamento da agressividade impulsiva é largamente aplicado, porém ainda não há

estudos suficientes sobre a real eficácia desses.

Os estudos realizados recentemente começam a identificar o foco da

agressividade impulsiva (sistema límbico e córtex pré-frontal) e o mecanismo do

processo agressivo. Através desses estudos é possível utilizar os fármacos

disponíveis de uma forma mais racional e menos empírica.

A eficácia da carbamazepina e da oxcarbazepina foi evidenciada em diversos

estudos, mas de forma não tão bem controlada. São necessários mais estudos

duplo-cegos controlados por placebo, para poder afirmar que esses dois fármacos

são de fato eficazes, apresentando uma segurança em suas aplicações.

Mas a ação na inibição do kindling e controle dos níveis de catecolaminas

presentes na carbamazepina e da oxcarbazepina, e a relativa segurança e eficácia

Page 25: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

23

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

apresentadas nos estudos realizados, possibilitam o emprego dessas duas drogas

como apoio no tratamento da agressividade impulsiva presente no transtorno de

personalidade borderline.

Page 26: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

24

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Allport GW. Psicología de la personalidad. [trad.] Miguel Murmis. 2ª Edição. Buenos Aires : Paidós, 1965.

2. Peters UH. Wörterbuch der Psychiatrie und Medzinischen Psychologie. München : Urban & Schwartzberg, 1984.

3. American Psychiatric Association. DSM-IV-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. [trad.] Cláudia Dornelles. 4ª Edição. Porto Alegre : Artmed, 2002.

4. Wang YP, Motta T, Louzã Neto MR. Transtornos de Personalidade. Louzã Neto MR, et al. Psiquiatria Básica. Porto Alegre : Artes Médicas, 1995, pp. 247-250.

5. Kaplan HI, Sadock BJ e Grebb JA. Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Porto Alegre : Artmed, 1997.

6. Siever LJ. Neurobiology of Aggression and Violence. Am J Psychiatry. 2008, 165:429-442.

7. Blair RJ. The roles of orbital frontal cortex in the modulation of antisocial behavior. Brain Cogn. 2004, 55(1):198-208.

8. Barratt ES, Felthous AR. Impulsive versus premeditated aggression: implications for mens rea decisions. Behav Sci Law. 2003, 21(5):619-630.

9. Meloy JR. Empirical basis and forensic application of affective. Aust N Z J Psychiatry. 2006, 40:539-547.

10. Best M, Williams JM, Coccaro EF. Evidence for a dysfunctional prefrontal circuit in patients with an impulsive aggressive disorder. Proc Natl Acad Sci U.S.A. 2002, 99(12):8448-8453.

11. Coccaro EF, et al. Amygdala and Orbitofrontal Reactivity to Social Threat in Individuals with Impulsive Aggression. Biol Psychiatry. 2007, 62:168-178.

12. Hazlett EA, et al. Reduced anterior and posterior cingulated graymatter in borderline personality disorder. Biol Psychiatry. 2005, 58:614-623.

13. Herpertz SC, et al. Evidence of abnormal amygdala functioning in borderline personality disorder: a functional MRI study. Biological Psychiatry. 2001, 50:292-298.

14. Hazlett EA, et al. Potentiated Amygdala Response to Repeated Emotional Pictures in Borderline Personality Disorder. Biological Psychiatry. 2012, 72:448-456.

15. Tebartz L, et al. Frontolimbic brain abnormalities in patients with borderline personality disorder: a volumetric magnetic resonance imaging study. Biological Psychiatry. 2003, 54:163-171.

16. Rang HP, et al. Farmacologia. [trad.] Voeux PL, Moreira AJMS. 5ª Edição. Rio de Janeiro : Elsevier, 2004.

Page 27: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

25

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

17. Post RM. Kindling and sensitization as models for affective episode recurrence, cyclicity, and tolerance phenomena. Neuroscience and Biobehavioral Reviews. 2007, 31:858-873.

18. Gurvits IG, Koenigsberg HW, Siever LJ. Neurotransmitter dysfunction in patients with Borderline Personality Disorder. Psychiatric Clinics of North America. 2000, 23:27-40.

19. Graeff FG. Ansiedade. Graeff FG, Brandão ML. Neurobiologia das Doenças Mentais. 4ª Edição. São Paulo : Lemos, 1997, 109-144.

20. Ribeiro L, Kapczinsk F. Ansiedade. Kapczinski F, Quevedo J, Izquierdo I. Bases Biológicas dos Transtornos Psiquiátricos. Porto Alegre : Artmed, 2000, pp. 133-141.

21. Katz L, Fleisher W, Kjernisted K, Milanese P. A review of the psychobiology and pharmacotherapy of posttraumatic stress disorder. Can J Psychiatry. 1996, 41:233-238.

22. Coccaro E F, Lawrence T, Trestman R, Gabriel S, Klar H M, Siever L J. Growth hormone response to intravenous clonidine challenge correlate with behavioral irritability in psychiatric patients and health volunteers. Psychiatry Res. 1991, 39(2):129-139.

23. Hrabovszky, E, et al. Neurochemical characterization of hypothalamic neurons involved in attack behavior: Glutamatergic dominance and co-expression of thyrotropin-releasing hormone in a subset of glutamatergic neurons. Neuroscience. 2005, 133:657–666.

24. Prado-Lima, PAS. Tratamento farmacológico da impulsividade e do comportamento agressivo. Rev Bras Psiquiatr. 2009, 31(Supl III):S58-65.

25. Harris, M, et al. Mood-stabilizers: the archeology of the concept. Bipolar Disord. 2003, 5(6)446-442.

26. Moreno, RA, et al. Anticonvulsivantes e antipsicóticos no tratamento do transtorno bipolar. Rev. Bras. Psiquiatr. 2004, 26 supl.3:37-46.

27. Araújo, DS, Silva, HRR e Freitas, RM. Carbamazepina: Uma revisão da literatura. Revista Eletrônica de Farmácia. 2010, 7(4):30-45.

28. Tegretol®: carbamazepina. Taboão da Serra. Novartis Biociências SA. Farm. Resp.: Marco A. J. Siqueira - CRF-SP 23.873. Bula de remédio. [Homepage on the Internet] [Citado em: 04 de 11 de 2012.]

http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/BM/BM[26176-1-0].PDF.

29. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Farmacopéia Brasileira. 5ª Edição. Brasília : Fiocruz, 2010. Vol. 2.

30. Tamada, RS e Lafer, B. O uso de anticonvulsivantes no transtorno afetivo bipolar. Rev Psiq Clín. [Online] 1999. [Citado em: 04 de 11 de 2012.] http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/index.html. 26(6).

31. Goedrard, L E, et al. Pharmacotherapy for the Treatment of Behavior in General Adult Psychiatry: A Systematic Review. J Clinl Psychiatry. 2006, 67:1013-1024.

32. Young, J L e Hillbrand, M. Carbamazepine Lowers Aggression: A Review. Bull Am Acad Psychiatry Law. 1994, Vol. 22, 1.

Page 28: O USO DA CARBAMAZEPINA E DA OXCARBAZEPINA NO … · carbamazepina é um forte indutor enzimático, interferindo no metabolismo endógeno e de outros fármacos utilizados concomitantemente,

26

Copyright © 2012 - Paloma Hoffemann Todos os direitos Reservados – All Rights Reserved

33. de Vogelaer, J. Carbamazepine in the treatment of psychotic and behavioral disorders: a pilot study. Acta Psychiatr Belg. 1981, 81:532-41.

34. Gardner, DL e Cowdry, RW. Positive effects of carbamazepine on behavior dyscontrol in borderline personality disorder. Am J Psychiatry. 1986, 143:519-522.

35. Mattes, JA. Comparative effectiveness of carbamazepine and propranolol for rage outburst. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1990, 2(2):159-64.

36. Jones, RM, et al. Efficacy of mood stabilisers in the treatment of impulsive or repetitive aggression: systematic review and meta-analysis. The British Journal of Psychiatry. 2011,198:93-98.

37. Torrent do Brasil Ltda. Monografia Oleptal: oxcarbazepina. Torrent. [Homepage on the Internet] [Citado em: 31 de 08 de 2012.]

http://www.torrent.com.br/jornal/pdf/monografia_oleptal.pdf.

38. Trileptal: oxcarbamazepina. Responsável Técnico: José Luís M. Lopes - CRF-SP: 11.441. São Paulo : Novartis Biociências S/A, 2012. Bula de Remédio.

39. Mattes, J A. Oxcarbazepine in Patients With Impulsive Aggression: A Double-Blind, Placebo-Controlled Trial. J Clin Psychopharmacology. December 2005, 25:575-579.

40. Bellino, S e Colaboradores. Oxcarbazepine shows efficacy for borderline personality disorder. J Clin Psychiatry. 2005, 66:1111-1115.