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1 O USO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NA ESCRITA DE ESTUDANTES DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO por ANA CARLA MORITO MACHADO Dissertação apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Dra Silvia Figueiredo Brandão Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Rodrigues Vieira Rio de Janeiro UFRJ - Departamento de Letras Vernáculas Agosto de 2006

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O USO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NA ESCRITA DE ESTUDANTES DA

CIDADE DO RIO DE JANEIRO

por

ANA CARLA MORITO MACHADO

Dissertação apresentada à Coordenação do

Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de

Janeiro como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Orientadora: Profa. Dra Silvia Figueiredo

Brandão

Co-orientadora: Profa. Dra. Silvia Rodrigues

Vieira

Rio de Janeiro

UFRJ - Departamento de Letras Vernáculas

Agosto de 2006

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DEFESA DE DISSERTAÇÃO

MACHADO, Ana Carla Morito. O uso e a ordem dos clíticos na escrita de estudantes da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. 136 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________Profa. Dra. Silvia Figueiredo Brandão (Orientadora)

Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ

______________________________________________________________________Profa. Dra. Silvia Rodrigues Vieira (Co-orientadora)

Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ

______________________________________________________________________Prof. Dra. Christina Abreu Gomes

Departamento de Lingüística e Filologia / UFRJ

______________________________________________________________________Profa. Dra. Maria Eugênia Lamoglia DuarteDepartamento de Letras Vernáculas / UFRJ

______________________________________________________________________Profa. Dra. Márcia dos Santos Machado Vieira

Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ

______________________________________________________________________Prof. Dra. Maria Maura da Conceição Cezário

Departamento de Lingüística e Filologia / UFRJ

Defendida a dissertação:Conceito:Em: / / .

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Esta dissertação é dedicada à minha irmã, Ana

Carolina Morito Machado, apoio

imprescindível ao meu retorno ao meio

acadêmico e que, apesar de ter nascido depois

de mim, é minha “irmã mais velha”, meu

norte, minha luz. “Carol, quando eu crescer,

quero ser como você”.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar.

A toda a minha família - pais, marido, filha, irmãos, cunhados e tios – pelo

enorme carinho:

Meu pai, Léo Carlos, por sua luta constante, pelo eterno sacrifício e por

me ensinar os valores que hoje trago tão fortes dentro de mim;

Minha mãe, Ana Lúcia, por seu amor imenso e por, tantas vezes, ter sido

minha mãe e mãe da Ana Clara ao mesmo tempo;

Minha irmã, Ana Carolina, pelo apoio incansável;

Meu marido, Rondineli, pelo companheirismo;

Meus tios, Luiz Adauto, Cláudia Maria (in memorian) e Márcia, pelo

carinho de sempre;

Ana Clara, minha vida, pela espera e compreensão nos meus momentos

de cansaço e ausência.

A amiga Edna Silva pelo carinho com a família e a ajuda com a casa.

Às minhas amigas, irmãs de coração, Márcia Rumeu, Orjana Moreira e Zelimar

Rodrigues pelo grande apoio e doze anos de amizade, construída desde a graduação,

nesta casa.

Ao amigo Leonardo Pardal, pela ajuda com os gráficos e tabelas.

A Bianca Andrade, pela amizade incondicional e enorme carinho por minha

filha.

Aos professores desta casa por todo apoio ao longo dos cursos.

Aos meus alunos, por compreenderem tantas vezes meu cansaço em sala de aula.

Aos colegas de profissão, supervisoras e diretoras dos colégios em que trabalhei:

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Santa Mônica Centro Educacional (unidades Ilha e Campo Grande),

em especial a Jussara Quaresma, Márcia Brandão, Elisabeth Gil, Maria Genésia de

Almeida e Vera Lúcia Marques

Colégio Estadual Professora Luíza Marinho, em especial a

Hermínia Giranda, Márcia Mello e Maria Cláudia Chantre.

Às minhas orientadoras, Silvia Figueiredo Brandão e Silvia Rodrigues Vieira,

que foram, nestes tempos, muito mais do que orientadoras. Foram amigas que me

apoiaram em tantos momentos difíceis (e não foram poucos), compreendendo minhas

falhas, problemas e limitações e, acima de tudo, me impedindo de desistir.

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SINOPSE

Estudo, na perspectiva sociolingüística variacionista, sobre o uso e a ordem dos clíticos pronominais no Português brasileiro. Análise de dados da escrita de estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas particulares e públicas da cidade do Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

1 . INTRODUÇÃO 10

2. A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS 172.1 A questão teórica 172.2 A questão do uso 22

2.2.1 Na perspectiva da gramática tradicional 222.2.2 Na perspectiva da lingüística atual 25

2.3 A questão da norma 432.3.1 A face lingüístico-social 432.3.2 A face político-cultural 47

3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 543.1 Pressupostos teóricos 543.2 Pressupostos metodológicos 57

4. ANÁLISE DOS DADOS 634.1 Uso e produtividade dos clíticos 634.2 A ordem 76

4.2.1 Descrição das variáveis 764.2.1.1. Variável dependente 764.2.1.2 Variáveis independentes 77

4.2.2 Ordem: resultados gerais 894.2.2.1. Variáveis selecionadas 914.2.2.2 Variáveis não-selecionadas 109

5. CONCLUSÃO 117

6. BIBLIOGRAFIA 126

7. ANEXO 131

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LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS

QUADRO:Quadro 1: Constituição do corpus: distribuição das redações pelas variáveis extralingüísticas consideradas

59

TABELAS:

Tabela 1: Distribuição geral dos dados quanto às estratégias de preenchimento do objeto 64

Tabela 2: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórica quanto ao tipo de escola

65

Tabela 3: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao gênero do informante

66

Tabela 4: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto com base no cruzamento das variáveis gênero e escolaridade.

67

Tabela 5: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto à série escolar

69

Tabela 6: Freqüências relativas a diferentes estratégias de preenchimento do objeto em quatro pesquisas de natureza sociolingüística

71

Tabela 7: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao tipo de texto

72

Tabela 8: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto com base no cruzamento das variáveis tipo de texto e escolaridade.

74

Tabela 9 : Freqüência de ênclise quanto à presença de atrator: versão inicial 92

Tabela 10: Aplicação da ênclise quanto à presença de atrator: versão reformulada 93

Tabela 11: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de clítico: versão inicial 96

Tabela 12: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de clítico: versão reformulada 97

Tabela 13: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de oração: versão inicial 100

Tabela 14: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de oração: versão reformulada 102

Tabela 15: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clítico e tipo de oração.

103

Tabela 16: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clítico e série.

104

Tabela 17: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante 105

Tabela 18: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de texto 108

Tabela 19: Freqüência da ênclise quanto ao gênero do informante 110

Tabela 20: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de escola 111

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GRÁFICOS:

Gráfico 1: A ordem dos clíticos pronominais em redações escolares com base em 590 dados. 90

Gráfico 2: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante 106

Gráfico 3: Distribuição dos dados quanto ao tipo de texto – pesos relativos 108

Gráfico 4 : A ordem dos clíticos quanto ao gênero do informante 111

Gráfico 5: A ordem dos clíticos quanto à modalidade escolar 112

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1 . INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo principal observar a ordem dos clíticos

pronominais no desempenho escrito de estudantes dos níveis Fundamental e Médio de

Ensino, de modo a determinar, com base nos pressupostos teórico-metodológicos da

Sociolingüística Variacionista, os fatores lingüísticos e extralingüísticos que

condicionam o uso da ênclise em redações escolares. Em segundo plano, o estudo

avalia, também, a produtividade dos clíticos no “corpus”, a fim de dar a real dimensão

desses elementos lingüísticos em relação às outras estratégias de preenchimento de

objeto direto.

Tendo em vista que a próclise constitui norma na modalidade oral do

Português do Brasil, testam-se, entre outras, as hipóteses (a) de que o processo de

ensino/aprendizagem implicaria mudança(s) no desempenho lingüístico dos alunos no

que se refere à produtividade e à ordem dos clíticos, sobretudo na modalidade escrita; e

(b) de que, nas redações escolares, a maior freqüência de uso da ênclise nos contextos

especificados pela norma idealizante estaria vinculada ao maior grau de escolaridade do

estudante.

O ponto de partida deste estudo é o trabalho de VIEIRA (2002), que, por

sua vez, faz uma revisão dos estudos que tratam da ordem dos pronomes, observando as

variedades brasileira, européia e moçambicana. A pesquisa apresenta os

condicionamentos que favorecem a próclise ou a ênclise nas referidas variedades,

desenvolve uma análise prosódica do fenômeno e fornece subsídios para o

conhecimento da natureza dos clíticos pronominais quanto a seu estatuto

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morfossintático na Língua Portuguesa. A comparação entre as variedades brasileira e

européia do Português é importante para que se observem afirmações como a de

MATEUS et alii (2003: 847) de que, no Português moderno, “os padrões de colocação

dos pronomes clíticos são uma das propriedades sintácticas que distinguem as

gramáticas de diferentes nacionalidades da língua Portuguesa.”

VIEIRA (2004) aborda as diferenças entre o Português do Brasil e o Português

Europeu (doravante, respectivamente, PB e PE), explicando que se trata de um

fenômeno variável “aquém e além-mar” e que, no Brasil, tanto a colocação pré-verbal

quanto a pós-verbal constituem variantes possíveis para a mesma ocorrência. Nesse

sentido, é relevante sua observação de que “é necessário conhecer os elementos

favorecedores do uso de cada variante, sejam eles de natureza lingüística ou

extralingüística, na Língua Portuguesa como um todo e na variedade brasileira

principalmente” (p. 179).

O tema já foi focalizado segundo diversas perspectivas, porém ainda há muito a

observar sobre a questão, especialmente no que se refere ao conhecimento das normas

reais que presidem à ordem dos clíticos na modalidade escrita do PB.

Ao buscar apontar os contextos favorecedores da ênclise por parte dos estudantes,

procura-se compreender os motivos de sua opção, tendo em vista, de um lado, que esta

é uma variante pouco produtiva na fala, circunscrevendo-se, conforme demonstram as

pesquisas, a contextos específicos, e de outro, que os alunos, no processo de

escolarização, são apresentados a um modelo que não praticam, que não faz parte dos

dados a que são expostos na aquisição da língua.

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O tema deste estudo tem implicações de natureza vária. KATO (2004) mostra que,

no Brasil, a gramática da fala e da escrita estão muito distantes, tão distantes que a

aquisição da escrita ganha quase o status de aquisição de uma segunda língua.

Desta forma, este estudo verifica se os textos escolares apresentam indícios de que

a ênclise seria um dos fenômenos que comprovem a afirmação de KATO, tendo em

vista que ainda não há estudos comparativos entre o conhecimento da criança e o dos

letrados contemporâneos. Não se sabe ao certo o que a criança traz consigo e o que

adquire na escola. Partindo-se do pressuposto de que, de acordo com o padrão

normativo, idealizante, a ênclise seria a ordem preferencial nos contextos em que não

ocorrem os chamados atratores de próclise ou proclisadores, pretende-se investigar se,

no processo de ensino/aprendizagem, há uma gradativa produtividade da ênclise, a

despeito de a próclise constituir a ordem vernacular.

A concepção que subjaz a algumas propostas pedagógicas – que continuam

ensinando os fatos lingüísticos, em alguns pontos, sob a ótica de regras em

funcionamento no Português Europeu e como se a língua não fosse passível de variação

e mudança – acaba por ocasionar dificuldades para o aluno, pois, na verdade, o que se

aprende na escola, em grande parte, não é efetivamente o que se usa.

Observa-se, muitas vezes, pelo comportamento “vacilante” de alguns alunos,

conforme se constata em (1) a (7), a tentativa de resgate da ênclise, em busca de um

padrão normativo que não faz parte da realidade lingüística dos falantes do PB:

(1) “Me encontrava numa escola nova, turma nova, novos amigos. Aos

poucos me enturmava com todos da classe, me identificando mais com

uns que com outros.”

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(2) “Com muita paciência, trabalho e dedicação, o menino ao (sic) poucos

conquistar ela e tirá-la do mundo das drogas.”

(3) “Eles ficaram tão entusiasmados com a onda que a maconha os

deram.”

(4) “Estava chorando e pedindo que ele me perdo-e . ”

(5) “Ele respondia a mãe como se não a conhece-se.”

(6) “...começaram a oferecer outros tipos de bebida sem que ele percebe-

se . ..”

(7) “Saíram e convidaram-o para ir com eles.”

Verifica-se, em (1), o uso do clítico em início de período (uso condenado pela

gramática normativa); em (2), a alternância do pronome do caso reto com o clítico

acusativo em um mesmo período e muito próximo um do outro. Em (3), o pronome

empregado na forma acusativa (em vez da forma dativa lhes) e o verbo na forma plural,

a despeito de o sujeito “maconha” vir no singular. Nos exemplos (4), (5) e (6),

percebemos uma tentativa de utilização do pronome em posição de ênclise, embora o

“elemento enclítico” seja uma desinência verbal. Finalmente, em (7), o clítico não

recebe o “n”, acarretando um desvio do padrão.

As dificuldades apresentadas por nossos estudantes são compreensíveis na medida

em que se entende que a aprendizagem dos clíticos não é um processo natural. Em

busca de aprender uma norma “ideal”, preconizada pela escola e tão distante da norma

“real” por eles utilizada, acabam por cometer erros.

A distância entre o ideal e o real não ocorre somente entre os estudantes que,

porventura, possam não ter assimilado os conceitos passados pela escola. CASTRO

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(2002:11), no artigo “O lingüista e a fixação da norma”, afirma já ter utilizado

“incorretamente” o clítico: “já me interrompi duas vezes a meio de um verbo no

condicional ou no futuro, tarde demais para entremeter o pronome átono no sítio justo,

aninhado entre o radical e a desinência”. Embora em contexto diferente (Ivo Castro

refere-se à oralidade), a afirmação do lingüista demonstra a grande diferenciação entre

fala e escrita com relação aos aspectos sintáticos da língua e, especificamente, com

relação à colocação pronominal, remetendo-nos a uma situação mais particular com

relação ao uso dos clíticos: o emprego da mesóclise.

A mesóclise, ou posição intraverbal, tem seu uso condicionado aos futuros do

presente e do pretérito, o que já delimita bastante seus contextos. Além disso, há o fato

de que esses tempos verbais têm sido substituídos por perífrases. MATEUS et alii

(2003: 865-866) afirmam que a mesóclise constitui um traço de “uma gramática

antiga, claramente em desaparecimento”. Ainda segundo as autoras, o que ocorre no PE

Moderno é uma tendência à ênclise como em: “Telefonarei-te mais vezes.” No PB,

pode-se dizer que ela também esteja desaparecendo. Embora não se espere encontrar a

variante intraverbal nas redações dos alunos, não se pode esquecer de que também se

trata de uma variante prevista pela gramática tradicional.

As autoras afirmam, ainda, que as gerações mais jovens tendem a produzir

crescentemente pronomes enclíticos em contextos em que a variedade padrão exige

próclise: “porque não apercebeu-se que...”. Tal fato seria uma demonstração de que a

ênclise é a posição natural para os portugueses, ocorrendo, inclusive, em casos em que

seria recomendável a próclise, assim como a próclise é a posição natural para os

brasileiros.

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Desta forma, verificando a diferenciação entre PB e PE com relação ao uso dos

clíticos, percebe-se que a influência do modelo europeu sobre nossa escola é muito

grande. Dadas as dificuldades dos alunos, supõe-se que seria produtiva uma mudança

no ensino da ordem dos clíticos – de uma posição prescritivista, baseada nos moldes

lusitanos, para uma posição descritivista, calcada na realidade lingüística brasileira,

realidade que esta pesquisa tem por finalidade revelar.

Assim, para tratar da ordem dos clíticos em redações escolares e, mais

especificamente, para verificar os contextos em que ocorre a ênclise, desenvolve-se o

presente estudo em quatro capítulos, além deste de caráter introdutório.

No capítulo 2, focalizam-se não só questões teóricas referentes à definição do

fenômeno da clíticização, mas também questões relativas à ordem dos clíticos

pronominais na perspectiva tanto da gramática tradicional quanto da lingüística atual.

Tecem-se, ainda, considerações sobre o conceito de norma, ressaltando-se suas

implicações lingüístico-sociais e político-culturais.

No capítulo 3, apresentam-se os fundamentos teóricos e metodológicos que

nortearam a pesquisa, com uma breve apresentação da Sociolingüística Variacionista,

do “corpus” utilizado e das etapas da pesquisa.

O capítulo 4 é dedicado à análise dos dados, apresentando-se, preliminarmente, a

descrição das variáveis e, em seguida, a distribuição das ocorrências quanto ao uso e à

produtividade dos clíticos, bem como a análise variacionista do fenômeno da ordem,

com as variáveis relevantes no que concerne ao emprego da ênclise.

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No capítulo 5 – conclusão –, tecem-se as considerações finais sobre os resultados

obtidos e, no capítulo 6 – bibliografia –, elencam-se as obras consultadas para o

desenvolvimento da pesquisa.

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2. A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS

2.1 A questão teórica

A discussão e a investigação da natureza dos clíticos tem o objetivo de identificar as

características que determinariam a ligação desses elementos a outras formas no enunciado.

No caso dos pronomes átonos, busca-se depreender os critérios que prevaleceriam na ligação

desses pronomes ao verbo, favorecendo, assim, a próclise ou a ênclise.

KLAVANS (1985) estabelece três parâmetros de cliticização: (a) o parâmetro de

dominância, que expressa a possibilidade de que o clítico se ligue ao constituinte inicial

ou final dominado por um sintagma específico; (b) o parâmetro de precedência, que

especifica se um clítico ocorre antes ou depois do hospedeiro escolhido pelo primeiro

parâmetro; e (c) o parâmetro de ligação fonológica, que dá a direção da ligação:

proclítica (para a direita) ou enclítica (para a esquerda).

Utilizando os parâmetros apresentados, VIEIRA (2002) observa que, no PB, o

clítico está na dominância do hospedeiro, que é o verbo. Ao aplicar o segundo

parâmetro ao comportamento da ordem dos clíticos nas variedades européia e brasileira

do Português, propõe que: (a) em orações do tipo raiz/coordenada, no PE, o clítico tende

a ocorrer depois do hospedeiro e, no PB, antes dele; (b) em ambas as variedades, nas

orações dependentes, o clítico tende a aparecer em posição pré-verbal.

Quanto ao parâmetro de ligação fonológica, os resultados de VIEIRA (2002), com

base em análise prosódica, sugerem que o Português Europeu é enclítico – o pronome

átono tende a apoiar-se no elemento que está à esquerda do verbo, sendo esse elemento

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um verbo ou não –, enquanto o Português do Brasil é proclítico – o pronome átono

tende a apoiar-se no elemento que está à direita do verbo.

Trabalhos como os de ZWICKY & PULLUM (1983) e ZWICKY (1985), também

com o intuito de estabelecer a natureza do clítico, propõem critérios para diferenciar as

categorias palavra, clítico e afixo.

ZWICKY & PULLUM (1983) estabeleceram seis critérios – dentre os quais cinco

serão a seguir focalizados1 – para distinguir clíticos de afixos, aqui exemplificados,

quando for o caso, com base em dados do corpus desta pesquisa:

(a)Seletividade em relação ao hospedeiro

Os clíticos apresentariam baixo grau de seletividade, ao contrário do que ocorre

com os afixos. Em (8) e (9), observa-se que os clíticos selecionam verbos como

hospedeiros, o que constitui comportamento típico de um afixo.

(8) “não se envolvem com drogas”.

(9) “a população brasileira está envelhecendo, isso deve-se também ao aumento da

expectativa de vida...”

(b)Lacunas

No conjunto de combinações hospedeiro-clítico, as lacunas ocorreriam, no caso

dos clíticos, com menos freqüência. Já no conjunto raízes-afixos, as lacunas seriam mais

características.

1 Em função de o quadro teórico gerativista já ter revisto o critério de aplicação de regras sintáticas, não se menciona aqui o quinto critério.

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Em Português, de fato, o conjunto raízes-afixos apresenta certo grau de

arbitrariedade nas combinações, de modo que se verificam algumas lacunas, como, por

exemplo, no caso dos verbos defectivos (tem-se parto, mas não *explodo; cantarolar,

mas não *falarolar).

No conjunto hospedeiro-clítico, por princípio, verbos transitivos diretos e

indiretos podem selecionar um clítico como complemento, em todos os tempos e modos

– como se nota em (10) –, à exceção da forma participial, em (11):

(10) Solucionei o problema e tudo ficou mais calmo. / Solucionei-o e tudo ficou mais calmo.

(11) Solucionado o problema, tudo ficou mais calmo. / * Solucionado-o, tudo ficou mais calmo.

(c) Alterações morfofonológicas

Os autores propõem que idiossincrasias morfofonológicas são mais características

das combinações com afixos do que das com clíticos.

De modo geral, os pronomes átonos do Português não apresentam tais

idiossincrasias. Deve-se lembrar, entretanto, que o clítico acusativo de terceira pessoa

tem sua forma alterada em relação ao segmento que finaliza a forma verbal. Como

mostram os exemplos (12) e (13), formas terminadas em /R/ e /N/ fazem com que a

forma do clítico se altere. Nesse sentido, pode-se supor que o clítico acusativo de 3ª

pessoa assumiria um caráter mais afixal do que os demais pronomes átonos.

(12) “Eles continuam usando drogas, apesar da sociedade descriminá-los.”

(13) “Os traficantes chamaram-no para trabalhar com eles”

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(d) Alterações semânticas

Segundo esse critério, as alterações semânticas seriam mais características dos

afixos do que dos clíticos. Enquanto a combinação raiz-sufixo, por exemplo, pode

redundar em diferentes interpretações semânticas (grau, afetividade, pejoratividade), o

conjunto verbo-clítico recebe, normalmente, a mesma interpretação, que se relaciona ao

valor do verbo e de seus complementos.

(e) Contexto de ligação

Os clíticos poderiam vir ligados a material que já contenha clíticos, enquanto os

afixos não se ligariam a material com afixos de mesma natureza categorial.

No âmbito do sistema, é possível combinar dois pronomes átonos, como, por

exemplo, me e o, em “não mo deu”, embora esta seja uma construção só raramente

encontrada no PB.

Ao que parece, de acordo com seu comportamento em relação ao conjunto de

critérios acima, o pronome átono em Português parece evidenciar um caráter mais

clítico do que afixal.

SPENCER (1991), levando em conta somente o critério morfológico, classifica os

clíticos como elementos que não podem existir independentemente, e que, portanto,

deveriam ser considerados um tipo de morfema dependente: “Um clítico típico

adjunge-se a uma outra palavra ou estrutura tida como hospedeira”. (p.14). Em

relação a alguns aspectos, não se pode negar a semelhança do comportamento do clítico

pronominal com os afixos, tais como:

(a) ser seletivo quanto a seu hospedeiro;

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(b) provocar alterações morfofonológicas na forma verbal e na do pronome, no

caso das formas o(s)/a(s);

(c) encontrar-se adjacente ao verbo, seu hospedeiro;

(d) pertencer a um grupo relativamente fechado (os pronomes do português).

Em contrapartida, de acordo com KLAVANS (1985), duas características dos

pronomes átonos do português impedem seu tratamento como afixo, no sentido estrito

da palavra: (a) não se ligam a raízes vocabulares, mas a uma instância sintática; (b) não

constituem efetivamente “formas presas”, pois têm mobilidade relativa no vocábulo,

podendo antepor-se ou pospor-se ao verbo. Por essas razões, a autora classifica os

clíticos como “afixos sintagmáticos”, observando que a ligação sintagmática é uma

propriedade dos clíticos.

A princípio, pode-se admitir que os clíticos fazem parte do vocábulo fonológico,

mas não da palavra morfológica: os elementos que formam uma palavra são

rigidamente ligados uns aos outros, não admitindo mudança de posição ou interferência

de outro elemento; já os clíticos podem mudar de posição, como em viu-me/me viu, ou,

no caso específico da variedade européia, admitir, ainda, elementos intervenientes –

como se pode observar em (14) e (15), dados extraídos do “corpus” VARPORT2, em

que se encontra o fenômeno denominado interpolação:

(14) Faz-se a pior das ditaduras: a que se não confessa, a de que se não toma leal e claramente a responsabilidade. (E-P-92-Je-002)

(15) Mostrou-o hontem em toda a evidencia o povo de Lisboa concorrendo em tamanho numero - como ainda se não vira! - ao comicio promovido pelo partido republicano. (E-P-91-Je-002)

2 O projeto VARPORT – Análise contrastiva de variedades do português – disponibiliza on line os corpora no seguinte endereço eletrônico: www.letras.ufrj.br.

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2.2 A questão do uso

Tendo em vista os parâmetros de cliticização e as características de um clítico,

sintetizadas no item anterior, cabe, nesta seção, apresentar as propostas descritivas da

ordem dos clíticos pronominais no Português do Brasil, segundo a visão tradicional e

segundo outros estudos lingüísticos diversos.

2.2.1 Na perspectiva da gramática tradicional

De acordo com CUNHA & CINTRA (1985), o pronome – que pode estar

enclítico ou proclítico em relação ao verbo – tem como posição lógica, normal, a

ênclise, já que o pronome átono funciona como objeto direto ou indireto do verbo.

Segundo os autores, a mesóclise é a posição normal do pronome átono quando o verbo

se apresenta nas formas de futuro do presente e futuro do pretérito, desde que não

antecedido de elemento proclisador.

Deve-se dar preferência à próclise nos seguintes casos: diante das palavras

negativas não, nunca, jamais, ninguém e nada; em orações iniciadas por pronomes e

advérbios interrogativos quem, por que e como; em orações iniciadas por palavras

exclamativas, bem como nas que exprimem desejo (optativas); nas orações

subordinadas desenvolvidas, mesmo que a conjunção esteja oculta; com gerúndio regido

pela preposição em.

Os autores reconhecem a tendência à próclise pronominal com certos advérbios,

como bem, mal, ainda, já, sempre, só, talvez, ou com expressões adverbiais, quando não

há pausa que os separe; quando a oração se inicia por objeto direto ou predicativo;

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quando o sujeito da oração contém o numeral ambos ou algum dos seguintes pronomes

indefinidos: todo, tudo, alguém, outro, qualquer, etc; e, por fim, nas orações

alternativas.

De outro lado, CUNHA & CINTRA (1985) tratam como legítima a ênclise nos

casos em que ocorre pausa entre o atrator e o verbo. Com relação às formas nominais,

os autores afirmam que, em caso de gerúndio regido pela preposição em, a preferência é

a próclise; com particípios, não se dá próclise nem ênclise, pois quando este “vem

desacompanhado de auxiliar, usa-se sempre a forma oblíqua regida de preposição” (p.

302), e, nos casos de infinitivos soltos, “é lícita a próclise e a ênclise, embora haja

acentuada tendência para esta última colocação pronominal”. (p. 303), especialmente

se estiverem regidos pela preposição a.

ROCHA LIMA (2003 [1972]: 450) inicia suas considerações afirmando que a

posição normal dos pronomes átonos é “depois do verbo”. A ênclise se dá nos casos

em que o verbo abre o período; quando o sujeito – substantivo ou pronome – vier antes

do verbo, desde que não seja constituído de palavra negativa; e nas orações coordenadas

assindéticas. Após essas considerações, o gramático faz a seguinte observação: “em

qualquer desses casos, pode, contudo, por puro arbítrio ou gosto, ocorrer anteposição,

salvo em início de período”. (ROCHA LIMA, 2003 [1972]: 451).

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Após classificar a ênclise como posição “normal”, o autor lista como contextos

obrigatórios para o uso da próclise os seguintes casos: orações negativas iniciadas por

palavras negativas; orações exclamativas ou optativas iniciadas por palavras desses

tipos; orações interrogativas começadas por pronomes ou advérbios interrogativos;

orações subordinadas; verbos antecedidos de advérbios e pronomes indefinidos, sem

pausa.

No caso das formas nominais, propõe que a ênclise é obrigatória com infinitivo,

sendo facultativa quando este vier precedido por preposição, e também com gerúndio,

exceto quando antecedido de preposição ou de advérbio.

BECHARA (2004 [1999]) inicia suas observações com o caso particular da forma

o e variantes, propondo que a colocação dos pronomes átonos e do demonstrativo o é

questão de fonética sintática. Além disso, considera “falsa” a questão da atração

supostamente exercida por palavras como o não e o quê, além de certas conjunções e

diversos outros vocábulos. O autor recorre a SAID ALI, afirmando que, graças a ele,

passou-se a considerar o tema da ordem dos clíticos privilegiando sua face fonológica.

Com o desenvolvimento dos estudos sobre vocábulos átonos e tônicos, chegou-se

à conclusão de que muitas das regras estabelecidas pelos puristas ou estavam erradas ou

se aplicavam em especial ao falar lusitano. Ao propor algumas normas que seriam

usadas na linguagem escrita e falada das pessoas cultas, sugere que, não havendo

infração a tais normas, o problema se relacionaria a uma “questão pessoal de escolha”,

que atenderia às exigências da eufonia. Afirma, ainda, a urgência de se afastar a idéia de

que a colocação brasileira seria inferior à portuguesa, com uma citação de ALI: “a

pronúncia brasileira diversifica da lusitana; daí resulta que a colocação pronominal

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em nosso falar espontâneo não coincide perfeitamente com a do falar dos portugueses”

(apud BECHARA 2004: 587).

BECHARA (2004 [1999]: 588-590) propõe, ainda, os seguintes critérios para a

colocação pronominal:

(a) o de que não se inicia o período por pronome átono;

(b) não se pospõe pronome átono a verbo: (i) flexionado em oração subordinada

ou em oração iniciada por palavra interrogativa ou exclamativa, (ii) modificado

diretamente por advérbio ou precedido de palavra de sentido negativo, (iii) no futuro do

presente e do pretérito (condicional); e

(c) não se pospõe ou intercala pronome átono a verbo flexionado em oração

iniciada por palavra interrogativa ou exclamativa.

Quanto às locuções verbais, admite as seguintes possibilidades: próclise ao

auxiliar, ênclise ao auxiliar e ênclise ao verbo principal. Observa que a última

possibilidade não se aplica às construções com a forma participial.

O autor conclui suas considerações sobre a colocação pronominal admitindo que o

fenômeno toma feições particulares no Brasil, que devem ser explicadas levando em

consideração um conjunto de fatores que as envolvem, como o rítmico, o estilístico, o

histórico, dentre outros.

De modo geral, o tratamento tradicional ora sintetizado baseia-se na norma

lusitana de colocação de pronomes. A Gramática, fundamentada na tradição literária,

ainda não assumiu a norma objetiva do Português do Brasil e, no máximo, se dispõe a

fazer concessões a algumas tendências do falar culto brasileiro.

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2.2.1 Na perspectiva da lingüística atual

A despeito do que as gramáticas normativas preconizam, diversos pesquisadores

da atualidade verificam, através de estudos recentes, o comportamento particular da

variedade brasileira em diferentes amostras. A diferenciação entre o que se prescreve e

o que efetivamente se usa, no que diz respeito à ordem dos clíticos pronominais, é

sentida quando se tenta seguir, na escola, uma norma que não faz parte da realidade

lingüística dos alunos.

A fim de descrever o que considera a norma de uso do Português do Brasil,

PERINI (2001), na obra que considera uma tentativa de descrição da variedade culta

escrita brasileira, destaca que há restrições quanto ao uso da próclise e da ênclise no

Português do Brasil.

O autor classifica como mal formulada toda oração que “contenha proclítico no

início de estrutura oracional não subordinada ou logo após elemento topicalizado.” (p.

229). Os casos de ênclise não são abonados para todo e qualquer uso: também é

considerada mal formulada a oração que contiver elemento enclítico quando o elemento

verbal (seja auxiliar ou núcleo do predicado) for gerúndio precedido de “em”, quando o

auxiliar for particípio, ou a oração se iniciar com atrator, como em (16):

(16) “Não desperdice-a!”

O autor comenta que a gramática tradicional considera normalmente como

proclisadores os relativos e interrogativos; o item não; nunca, só, até, mesmo e também;

tudo, nada, alguém, ninguém; que (complementizador). Alguns compêndios

acrescentam outros itens, como: SNs acompanhados de pré-determinante (“Todos os

rapazes”); SNs iniciados por qualquer, nenhum, ou ainda bem, mal, ainda, já, sempre.

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Segundo PERINI (2001: 232), “na falta de estudos detalhados sobre o assunto, teremos

de deixar a lista em aberto; fica a sugestão de pesquisa”.

Quanto aos complexos verbais, o autor também se queixa da falta de resultados

científicos, sugerindo, apenas, que, no Português do Brasil, pode ocorrer a próclise antes

do auxiliar ou antes do verbo principal. Dadas as dúvidas quanto ao comportamento da

norma brasileira nos diversos tipos de perífrases verbais, o autor insiste em que seria

necessário fazer um levantamento do uso dessas construções na língua escrita para a

obtenção de um “retrato fiel da situação”.

Embora ainda não se tenha acesso à desejável descrição do uso brasileiro quanto

às variadas estruturas com clíticos pronominais, diversos estudos científicos

objetivaram descrever a ordem dos pronomes átonos em amostras do Português do

Brasil.

PEREIRA (1981) justifica sua pesquisa pelo fato de os gramáticos não chegarem

a um consenso sobre a colocação pronominal. A autora compara a fala e a escrita e

propõe que a língua falada serviria para “detectar a tendência natural na colocação dos

pronomes” (p. 4), já que a modalidade escrita se mostraria mais conservadora.

Observa que os gramáticos se referem à ênclise como posição natural e aventa a

possibilidade de, com sua pesquisa, observar qual seria realmente a tendência do PB.

Para tratar o fenômeno, que considera essencialmente variável, utiliza-se da Teoria da

Variação, calcando sua análise na hipótese de que a ênclise seria favorecida pelos

seguintes fatores:

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(a) a tendência do padrão vocabular do PB à formação de vocábulos paroxítonos,

havendo maior probabilidade de uso da variante pós-verbal em vocábulos oxítonos ou

monossílabos tônicos;

(b) a pausa, quando se tratasse de textos escritos;

(c) a tendência conservadora de algumas pessoas mais idosas;

(d) a obediência às normas gramaticais por parte dos falantes mais escolarizados;

(e) o tipo de texto, no caso, o escrito formal.

Seu corpus, para um estudo preliminar, foi composto por textos poéticos

populares presentes na obra “A ebulição da escrivatura”. Primeiramente, testou-se a

hipótese citada em (a) e, em seguida, o contexto anterior ao clítico, observando-se a

forma verbal, a pausa, palavras “não-atraentes” e “palavras atraentes”. A hipótese

baseia-se na proposta das palavras de atração, postulada por Cândido de Figueiredo,

tomando como fatores: palavras ou expressões negativas, pronomes relativos, pronomes

indefinidos, conjunções subordinativas, advérbios, pronomes interrogativos, numerais e

palavras exclamativas.

A segunda parte do estudo deu-se a partir da coleta de dados em crônicas e

editoriais do Jornal do Brasil, aplicação de questionários a alunos de colégios

particulares e oficiais de Juiz de Fora e da cidade do Rio de Janeiro, consulta a

manuscritos e periódicos na Biblioteca Nacional e teste de repetição aplicado pela

equipe do Projeto do Atlas Lingüístico de Minas Gerais.

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Sobre os questionários e testes, após a apresentação dos primeiros resultados, a

autora observa que a equipe do Atlas ainda não tinha concluído a pesquisa ao fim de seu

trabalho e que os testes dos alunos apresentavam várias “inconsistências” que a

impossibilitavam de chegar a uma conclusão mais segura.

A autora observa que, nos textos do Jornal do Brasil, quase todos os cronistas e

editorialistas usaram o pronome de acordo com a gramática normativa. Percebe-se que

o tema dos textos foi preponderante para definir as diferenças percentuais, uma vez que

se observou uma linguagem mais natural e espontânea na seção de Esportes; uma

obediência mais rigorosa às regras gramaticais na de Política e uma certa flexibilidade,

quanto à normatividade, na denominada de Diversos.

Com relação aos manuscritos e periódicos da Biblioteca Nacional, a autora, ao

analisar correspondências pertencentes a signatários dos séculos XVII, XVIII e XIX e

algumas crônicas retiradas de periódicos do século XX, constatou que a próclise

predomina em quase todos os documentos.

Após este estudo, PEREIRA (1981) analisa um corpus oral constituído por

informantes de diversas idades, pertencentes a diferentes níveis de escolaridade – de

analfabetos ou semi-analfabetos até pessoas com formação universitária – e procedentes

de várias regiões do país, principalmente do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Alagoas. A

autora faz uma descrição detalhada das características de cada informante e observa

que, nas entrevistas, estava interessada em verificar se, na língua falada, ocorreria

variação na colocação dos pronomes átonos.

Observa que a variação se dá somente em termos de próclise e ênclise. Verifica

que, quando se cruzam as variáveis idade e escolaridade, a escolaridade tem atuação

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mais fraca na escolha da colocação pronominal, e que, ainda mais importante, segundo

sua hipótese, é a questão da formalidade e da atividade profissional.

Após essa fase, observa que há outras formas de preenchimento e passa a analisar

procedimentos que tomassem o lugar do pronome: o uso e/ou a repetição de outros

pronomes e SNs e o cancelamento deste (apagamento).

Destaca, ao fim de seu estudo, os seguintes aspectos:

(a)na fala, a próclise é o processo mais geral; a ênclise encontra-se restrita a

determinadas formas lingüísticas cristalizadas;

(b)há alguns fatores que implicam a manutenção da ênclise nessas formas: a idade, a

atividade profissional e o sexo;

(c)na língua escrita, observada nos manuscritos dos séculos XVII, XVIII, XIX e

XX, a posição pronominal a dar demonstração de desaparecimento é a mesóclise,

enquanto a próclise e a ênclise continuam presentes, sendo a próclise predominante;

(d)a hipótese da “paroxitonização” – a de que a formação de vocábulo paroxítono

seria mais significativa para a colocação pronominal – só encontrou comprovação

em textos mais “coloquiais”, como no caderno de Esportes do Jornal do Brasil;

(e)nos textos menos coloquiais, prevaleceu a hipótese dos atratores, ou seja, a

próclise se deu em maior número quando “abonada” pelos contextos gramaticais já

previstos;

(f)na comparação entre fala e escrita, a próclise foi mais geral em ambos os casos,

sendo que, na escrita, o fator escolaridade influencia no aumento da ênclise;

Os itens a seguir referem-se somente à fala:

(g)me e se são as formas mais produtivas, sendo me predominantemente proclítico;

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(h)nos e te não puderam ser suficientemente analisados,devido ao pequeno número

de dados;

(i)lhe e o aparecem apenas como “resquícios” nas formas tanto proclítica quanto

enclítica e estão em processo de apagamento ou substituição.

Ao fim do estudo, conclui que não há como optar por hipóteses fonéticas ou

sintáticas: ambas influenciam a colocação.

LOBO (1992) pretende oferecer mais uma contribuição para a resolução do

problema da diferenciação entre o que é prescrito e o que é usado, no que se refere à

questão da colocação pronominal.

A autora considera esse aspecto muito importante para a diferenciação das

variantes brasileira e européia do português. Também alude à necessidade de se saber

qual teria sido a situação da língua no período em que começa a vigência do Português

no Brasil, em situação de língua transplantada. Para tanto, trata o problema da colocação

pronominal de uma perspectiva diacrônica, buscando um diálogo entre os séculos XVI e

XX, considerando, principalmente, a variedade brasileira.

Observa a caracterização do Português no Brasil de língua transplantada e das

interpretações controversas em relação ao Português Europeu. Cita o Romantismo

como divisor de águas em relação à postura que se adotava em relação ao PB, seguido

pelo Modernismo. Através das definições do que seria conservador ou inovador, traça

as características de PE e PB.

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Seu trabalho, essencialmente descritivo, tem o objetivo de, a partir da descrição

do clítico no Português Quinhentista e no PB culto contemporâneo, estabelecer um

quadro geral do desenvolvimento divergente da Língua Portuguesa, no que tange a esse

aspecto da sintaxe, identificando as mudanças operadas nos dois momentos históricos

de cada uma das variedades. A análise comprova a importância do fenômeno lingüístico

em questão para a compreensão da história da Língua Portuguesa e, particularmente, da

constituição de suas variedades européia e brasileira contemporâneas.

De modo geral, o estudo demonstra que o padrão de colocação do clítico no PB

contemporâneo culto oral se caracteriza por ser variável em quase todos os contextos

considerados, com nítida preferência pela variante pré-verbal.

As variáveis extralingüísticas controladas na análise – faixa etária, o local de

origem dos informantes, e a (des)obediência à norma-padrão – não demonstraram

comportamento relevante no condicionamento do fenômeno. No que se refere ao

condicionamento estrutural, o estudo oferece as seguintes conclusões:

(i) a próclise foi categórica nos enunciados com verbo precedido por SN sujeito

pronome pessoal e por SAdv de negação;

(ii) são condicionamentos bastante favoráveis à próclise: orações subordinadas

desenvolvidas, enunciados com verbo precedido por SN sujeito nominal e por Sadvs /

Spreps circunstanciais (sobretudo quando não se separam do verbo por pausa);

(iii) A colocação pós-verbal do clítico foi categórica no contexto de clítico

acusativo de terceira pessoa o, a (s) diante de infinitivo verbal;

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(iv) são condicionamentos bastante favoráveis à ênclise: posposição do clítico se

ao verbo, como estratégia para indicar sujeito semanticamente indeterminado; e orações

subordinadas reduzidas de gerúndio. (cf. LOBO, 1992: 210)

Segundo a autora, as estruturas com gerúndio, clítico acusativo de 3ª pessoa

junto ao infinitivo e clítico “se” nas construções de sujeito indeterminado destacam-se

como “ilhas de resistência ao padrão observado para o PB culto contemporâneo”.

(p.211)

SCHEI (2003) investigou a colocação pronominal com base na observação de seis

romances brasileiros do fim do século XX. Segundo a autora, na apresentação de seu

livro – fruto de sua tese de doutorado, defendida em 2002 –, o trabalho “mostra o

descompasso existente entre as recomendações da gramática tradicional e os livros

analisados.” (p.22).

A autora ressalta que muitas gramáticas expõem comentários sobre as

particularidades do PB, como se pode observar, segundo as resenhas feitas pela autora,

em: BECHARA (1967), CUESTA & LUZ (1983), CUNHA (1985), CUNHA &

CINTRA (1991), LUFT (1985), ROCHA LIMA (1980) e SAID ALI (1964).

Ao estabelecer a comparação entre as sete gramáticas, SCHEI destaca os pontos

de concordância e discordância em relação à colocação pronominal. Observe-se que,

nos itens (a) e (b), seguintes, há uma unanimidade, segundo a autora, sobre tais regras

de colocação:

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(a) casos em que predomina a ênclise: início de período, início de outra oração

(exceto oração intercalada), início de oração intercalada de oração, depois de pausa,

oração coordenada a oração principal, sujeito sem fator de próclise;

(b) casos em que predomina a próclise: negação, advérbio, pronome indefinido,

“ambos”, “mesmo”, oração subordinada, oração exclamativa, oração optativa, oração

coordenada a oração subordinada.

Em outros casos, no entanto, não foi possível propor uma síntese baseada na

descrição dos mesmos gramáticos.

(c) outros casos: numeral, complemento deslocado para a esquerda, pronome

pleonástico, gerúndio, infinitivo, locuções verbais, interpolação, eufonia e ênfase.

Segundo a autora, os comentários em relação ao tema são muito gerais e nem

sempre deixam claro se se referem à língua literária ou à língua falada. Todas as

gramáticas tomam como ponto de partida o fato de que a ênclise seria a posição normal

do pronome e descrevem o fenômeno apontando os contextos em que a próclise deve

ocorrer. Com base nesse levantamento, afirma que, no PB, a colocação pronominal

difere do modelo proposto pelas Gramáticas Normativas, não somente na fala, mas

também na escrita.

De forma geral, reconhece que, apesar de ter desenvolvido sua pesquisa com um

corpus reduzido, por meio dela podem ser depreendidos alguns traços típicos da língua

literária contemporânea do PB no que diz respeito à colocação pronominal. O corpus,

constituído por seis romances brasileiros, foi assim escolhido por ser o modelo literário

aquele que mais se aproxima do prescrito pelas gramáticas.

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Os seis romances selecionados foram: Confissões de Narciso [1977], de Autran

Dourado (1926); Vastas emoções e pensamentos imperfeitos [1988], de Rubem Fonseca

(1925); Exílio [1988], de Lia Luft (1938); Enquanto o tempo não passa [1996], de Josué

Montello (1917); Dora Doralina [1975], de Rachel de Queiroz (1910); e Os voluntários

[1979], de Moacyr Scliar (1937). A autora observa, além das datas de publicação dos

romances, as datas de nascimento dos autores (entre parênteses, ao lado de seus nomes)

e justifica que, entre o mais velho (Rachel de Queiroz) e o mais jovem (Lia Luft),

medeiam 28 anos. Ainda sobre os romances, classifica-os de acordo com a linguagem,

do mais coloquial (Rachel de Queiroz) ao menos coloquial (Josué de Montello), e

verifica que tal característica pode influenciar a colocação pronominal.

Levando, ainda, em consideração o fato de que as gramáticas se baseiam em

moldes literários para justificar sua prescrição, a autora analisa também três romances

portugueses: Os cornos de Cronos [1980], de Américo Guerreiro de Sousa (1942);

Notícia da cidade silvestre [1984], de Lídia Jorge (1946); e Os cus de Judas [1979], de

Antonio Lobo Antunes (1942). Assim, a comparação não se dá somente entre os

romances brasileiros e as gramáticas, mas entre eles e o PE literário.

Muitos dos fenômenos encontrados no corpus estudado não são citados pelas

gramáticas tradicionais, de modo que estas não dão conta do que efetivamente ocorre na

variedade brasileira. Na realidade, não há regras absolutas e o estudo pretende observar

os contextos de ocorrência de próclise ou ênclise. Tomando por base as concordâncias e

discordâncias entre os gramáticos, a autora constituiu os fatores sintáticos que

fundamentaram sua análise.

Entre suas observações iniciais, destacam-se:

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(a) houve somente 03 ocorrências de mesóclise em 8800 dados;

(b) não houve ocorrências de vos na fala;

(c) é menos freqüente, atualmente, o uso de te devido à inserção do você no lugar do tu;

(d) na fala, os clíticos têm sido substituídos pelas formas retas.

A autora apresenta os resultados da pesquisa considerando, inicialmente, amostras

parciais e, com base nas semelhanças entre os dados, reagrupa-os, de modo que melhor

se depreendam os fatores que determinam seu comportamento. SCHEI utiliza tal

procedimento porque teme que a apresentação de percentuais gerais possa comprometer

a interpretação do leitor, dado que, em seu corpus, não se encontrariam todos os

contextos possíveis. Conclui seu trabalho com a confirmação da hipótese de que a

colocação pronominal do PB difere da dos modelos apresentados nas gramáticas:

(a)nos casos em que a gramática recomenda a ênclise – verbo em posição inicial (de

período ou de outra oração), verbo em início de oração coordenada com a conjunção

e verbo antecedido de sujeito, sem fator de próclise – também se observa a variante

pré-verbal; nas orações subordinadas, em que a próclise é quase categórica, vez por

outra dá-se a ênclise, que ocorre tanto com causais, consecutivas e integrantes,

quanto com temporais como quando, enquanto e até que. A ênclise ocorre, ainda,

em dois casos de oração subordinada iniciada pelo relativo que;

(b)nas formas nominais – gerúndio e infinitivo –, a maioria dos escritores desvia-se

da colocação recomendada pelas gramáticas, o que depende muito do tipo de

pronome;

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(c)com relação aos complexos verbais, o corpus escrito apresenta semelhanças com

o PB falado: verifica-se mais próclise ao verbo principal do que ênclise ao verbo

auxiliar em contextos sem atrator;

(d) me, o mais proclítico dos pronomes, é o único a ser colocado em posição inicial

pelos escritores;

(e)se tende à ênclise nos romances analisados, mas é preciso que se façam estudos

mais minuciosos a respeito de alguns contextos como, por exemplo, construções

passivas e locuções verbais com se indeterminador;

Diante do que expôs, a autora afirma que, embora limitado, o corpus demonstra

haver bastantes diferenças entre os escritores quanto à colocação pronominal. Tais

diferenças, no entanto, não impediam de já se observarem traços típicos da ordem dos

pronomes no PB.

VIEIRA (2002) estuda a ordem dos clíticos em três variedades do Português: a

européia, a brasileira e a moçambicana, nas modalidades oral e escrita com base em

dados de pronomes átonos em lexias verbais simples e complexas.

A autora desenvolve sua pesquisa – realizada com base nos princípios da

Sociolingüística Variacionista e da Fonética Acústica – considerando a interface

morfologia-sintaxe-fonologia, pois acredita ser esse tema um dos mais produtivos para

que se observe a inter-influência dos diversos planos da língua.

Lembra que a colocação pronominal foi e é, ainda hoje, utilizada como um forte

caracterizador das diferenças entre o Português do Brasil e o Português Europeu e

demonstra ser ela um fenômeno variável “aquém e além-mar”.

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No Português do Brasil, a colocação pré-verbal e a pós-verbal constituem

variantes possíveis, formas alternantes para um mesmo contexto estrutural. Desta forma,

busca identificar, com seu estudo, os elementos favorecedores de cada variante, sejam

eles de natureza lingüística ou extralingüística.

Observando a perspectiva tradicional, o trabalho apresenta as propostas de

FIGUEIREDO (1917) [1909] (europeu) e ALI (1966) [1908] (brasileiro), ambos do

início do século XX, para, depois, sintetizar as recomendações apresentadas em

gramáticas tradicionais utilizadas no ensino da língua em Portugal e no Brasil, a saber:

ROCHA LIMA (1999) [1972], CUNHA & CINTRA (1985), BECHARA (1999),

FERREIRA & FIGUEIREDO (1995) e PINTO et alii (1997).

A autora, ao fazer a análise das gramáticas, observa que

Apesar de já haver no início do século, como se pôde observar, a consciência de que as regras de colocação pronominal brasileiras divergem das portuguesas, as gramáticas prescritivas atuais ainda estabelecem normas que, aparentemente, se aplicariam tanto no Brasil quanto em Portugal. (p. 34)

Sob a perspectiva descritivista, apresenta, ainda, o tratamento dado ao fenômeno

pelas gramáticas de MATEUS et alii (1983), referente ao PE, e PERINI (2001),

relativo ao PB, procurando destacar a necessidade de tratamento diferenciado do tema

consoante a variedade, se brasileira ou européia.

A autora traça um panorama do tratamento do tema a partir de diversos estudos,

dentre eles: DUARTE (1983), LOBO (1991) e GALVES (1993), observando o

Português Europeu, e PAGOTTO (1992), LOBO (1992) e MONTEIRO (1994),

observando o Português do Brasil.

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Os corpora utilizados em VIEIRA (2002) compõem-se basicamente de dados

eliciados de:

(a)na modalidade oral: Corpus de Referência do Português Contemporâneo

(CRPC) – para o PE; e (ii) Norma Urbana Culta Carioca (NURC), Programa para

Estudos do Uso da Língua (PEUL), Atlas Etnolingüístico dos Pescadores do

Estado do Rio de Janeiro (APERJ) – para o PB;

(b) na modalidade escrita, utilizaram-se textos extraídos de revistas e/ou jornais:

(i) Jornal de Notícias, Diário de Notícias e O Público, para o PE; (ii) Jornal do Brasil e

O Globo – para o PB.

O trabalho contou com um total de 5196 ocorrências de pronomes átonos.

Consideraram-se, separadamente, as lexias verbais simples, com um total de 4167

dados, e os complexos verbais, que somam 1029 casos.

Quanto à modalidade oral, a autora observa, inicialmente, o fato de não ter

surgido qualquer ocorrência de mesóclise no PB e no PE.

Na variedade brasileira, o estudo confirma a opção pela próclise (89%). As

variáveis condicionadoras do fenômeno demonstram os contextos em que a ênclise

(11%) aparece. Desta forma, a descrição do comportamento de cada variável estudada

esclarece o que determina a distribuição dos dados.

Quanto ao PE oral, os resultados apresentam uma distribuição equilibrada dos

dados pelas duas variantes, ocorrendo uma manifestação de ênclise um pouco abaixo da

metade dos dados (47%).

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Na modalidade escrita, a mesóclise não ocorreu no PB e ocorreu sem expressividade

no PE. Quanto à próclise e à ênclise, as diferenças no comportamento das duas

variedades verificadas na modalidade oral praticamente se neutralizam. A semelhança

entre os padrões de uso confirma, segundo a autora, a força niveladora da modalidade

escrita, que regula o comportamento dos usuários da língua.

Foram controladas as seguintes variáveis: (i) lingüísticas (comuns aos “corpora”

oral e escrito): tipo de oração, presença de possível “atrator” na oração, distância

entre o “atrator” e o grupo clítico-verbo, tempo e modo verbais, tipo de clítico, função

do clítico, tonicidade da forma verbal; e (ii) extralingüísticas: para o “corpus” oral,

faixa etária e escolaridade e, para o “corpus” escrito, tipo de texto.

O estudo de VIEIRA mostra que o PE apresenta um condicionamento muito

sistemático quanto à ordem dos clíticos, não só na modalidade oral, mas também na

escrita, o qual se restringe a elementos de natureza estrutural. Os contextos de

subordinação com os chamados elementos “atratores” são os favorecedores da próclise.

O condicionamento da ordem é favorecido, ainda, pelas variáveis presença de “atrator”

na oração e distância entre o “atrator” e o grupo clítico-verbo; atua, de forma

secundária, o grupo “tempo e modo verbais”. O grupo “tipo de clítico” mostra-se

relevante apenas para o PE oral.

Para o PB, os dados confirmam que, de modo geral, a ordem não-marcada é a

próclise. Poucos contextos determinam a concretização da ênclise no PB oral:

(i) de ordem lingüística – os pronomes o/a(s) e se, este principalmente em estrutura de indeterminação/apassivação e, com menos expressividade, os contextos sem a presença de um tradicional “atrator”; e (ii) de ordem extralingüística – a fala de indivíduos com mais de 55 anos de idade. (p.232)

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Na modalidade escrita, além do tipo de clítico, passa a atuar, com expressividade,

a variável presença de “atrator” e distância entre o “atrator” e o grupo clítico-verbo.

Na ausência de um atrator ou em contexto antecedido de conjunção coordenativa ou

locução adverbial, especialmente quando distantes do clítico, este tende a aparecer em

ênclise. Quanto ao tipo de oração, quanto mais “independente” for a construção em que

se encontra o clítico, maior a produtividade da ênclise.

Para a investigação da ordem nos complexos verbais, a autora postulou, para a

variável dependente, os fatores colocação pré-complexo verbal; colocação intra-

complexo verbal; colocação pós-complexo verbal.

Percebe-se que, no PE, os dados se distribuem pelas três variantes, sendo a intra-CV a que reúne o maior número de dados. Quando o pronome se encontra entre duas formas verbais, ele se liga ao elemento que o antecede (tinha-me espontaneamente dito); em outras palavras, o PE oral admite, de modo geral, ênclise a V1. (p.277)

A presença do atrator é determinante para a existência da variante pré-CV,

também produtiva. Essa variante tende a ocorrer, ainda,

quando o pronome em questão é o <se> do tipo indeterminador/apassivador e quando a forma de V2 é o particípio (o assunto de que se tinha falado). A variante pós-CV tende a ocorrer se a segunda forma verbal for o infinitivo e se o pronome em questão for o clítico acusativo de 3a pessoa (ele vai encontrá-lo) ou o <se> reflexivo/inerente (ele vai encontrar-se com alguém). (p. 295)

Segundo a autora, no PB oral, predomina a variante intra-CV em 90% dos casos,

independentemente da atuação de qualquer tipo de elemento condicionador.

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De modo geral, a análise dos complexos verbais revela que são variáveis

fundamentais no condicionamento da ordem dos pronomes, nas duas variedades, os grupos de

fatores tipo de clítico, forma do verbo não-flexionado e constituição do complexo verbal. O PE

conta, ainda, com a atuação da presença de possível ‘atrator’ do pronome no contexto anterior

ao complexo verbal.

VIEIRA (2002) também realiza um tratamento do fenômeno de natureza fonético-

fonológica, com base nas seguintes suposições: (a) no PB, o clítico seria semelhante a

uma sílaba pretônica, de modo que se ligaria preferencialmente à sílaba à direita; (b) no

PE, a sílaba do clítico teria duração e intensidade semelhantes à duração e à intensidade

de qualquer sílaba átona, visto que a pretônica e a postônica não se diferenciam de

forma expressiva na variedade européia.

Por meio de métodos específicos da Fonética Acústica – com base na utilização

do pacote de programas CSL e pela análise da síntese de fala –, a autora chegou aos

seguintes resultados:

(i) O pronome átono do PB assume, quanto à duração e à intensidade, as mesmas feições de uma sílaba pretônica vocabular; o pronome átono do PE assume, quanto à duração e à intensidade, as características de uma sílaba postônica/pretônica vocabular.

(ii) O parâmetro de ligação fonológica do pronome átono no PB é reconhecido como inclinado para a direita (tinha me-visto), enquanto o parâmetro compatível com as características da pronúncia do pronome no PE é reconhecido como inclinado para a esquerda (tinha-me visto).

(iii) O parâmetro acústico do acento que determina a cliticização do pronome à esquerda é, em primeiro lugar, a duração (reduzida no PE); em segundo plano, atua a intensidade (menor no PE). (p.380)

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VIEIRA, NUNES E BARBOZA (2004) investigaram a ordem dos clíticos

pronominais analisando 268 redações das últimas séries dos níveis Fundamental, Médio

e Superior de ensino, aplicadas em escolas do Rio de Janeiro. O estudo contou com 869

ocorrências de clíticos. Quanto ao uso do clítico, as autoras observam que seu número

aumenta de acordo com o aumento da escolaridade.

O “corpus” utilizado registrou percentuais de ênclise de 7%, 18% e 52%,

respectivos aos níveis estudados. Como se pode observar, a opção pela próclise é bem

maior no Ensino Fundamental, chamada pelas autoras de “estágio inicial”.

Duas variáveis exerceram maior influência sobre o condicionamento da ênclise:

tipo de clítico e presença de “atrator”. O estudo demonstra que a aprendizagem da

variante pós-verbal na escrita escolar começa pelos contextos mais artificiais

considerando-se a modalidade oral do PB, como: contextos com os pronomes o,a(s)

(estruturas normalmente acompanhadas de infinitivo verbal – encontrá-lo) e se

indeterminador/apassivador. No estágio que as autoras chamam de intermediário,

verificou-se o aumento do uso da variante pós-verbal, ampliada para o pronome se

reflexivo/inerente. Nos textos universitários, encontra-se a variante pós-verbal com

todos os pronomes átonos, ainda com mais produtividade no caso de estruturas com se

indeterminador/apassivador.

As autoras propõem, ainda, que a escolha das variantes pré e pós-verbal se dá de

acordo com o que BORTONI-RICARDO (2004) denomina contínuo “oralidade-

letramento”, em que, num extremo, estaria a variante pré-verbal, própria da oralidade na

maioria dos contextos, e, num outro, a pós-verbal, na escrita mais padrão.

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2.3 A questão da norma

2.3.1 A face lingüístico-social

Tendo em vista a variedade de usos e a distância entre o que propõem as

gramáticas brasileiras e o que efetivamente se usa, o tema da colocação pronominal

enseja, sem dúvida, o debate sobre a determinação do que seria uma norma lingüística.

Vale observar, em princípio, o que, efetivamente, constitui norma. De acordo com

LUCCHESI (2002: 65), a noção de norma tem duas “facetas”: normal seria tudo aquilo que

é habitual, costumeiro, tradicional numa comunidade; e, normativo, o sistema ideal de valores

que, não raro, é imposto em uma comunidade. Sendo assim, propõe duas classes de norma: a

objetiva, relativa aos padrões observáveis na atividade lingüística de um grupo determinado; e

a subjetiva, referente a um sistema de valores que norteia o julgamento subjetivo do

desempenho lingüístico dos falantes em uma comunidade.

Acrescente-se a essas noções duas outras: a de norma padrão, que consistiria no

conjunto de regras e formas contidas nas gramáticas normativas e por elas prescritas; e a de

norma culta, que congregaria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos de

mais alto nível de escolaridade.

Segundo ROSENBLAT (1967), esse conjunto de valores subjetivos, profundamente

determinado por fatores sociais, culturais e ideológicos, que é a norma, está intimamente

relacionado às tendências e aos padrões de comportamento lingüístico que se observam numa

comunidade, o que também é norma.

Em outras palavras, norma é tudo aquilo que tradicionalmente se diz ou se disse em

uma comunidade. Segundo o autor, o erro se dá em relação à norma e não ao sistema. É um

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juízo de valor, aplicado por questões que não são lingüísticas, mas de “certa ressonância

moral”.

Aqui, deve-se observar que, segundo COSERIU (apud CUNHA, 1985), o sistema é

uma entidade abstrata, um conjunto de funções distintivas, de estruturas em oposição; pode

ser entendido também como um conjunto de possibilidades que indicam “os caminhos

abertos e os caminhos fechados do sistema” de expressão de uma comunidade. Desta forma,

o aluno, ao optar pela próclise ou ênclise, não fere o sistema, pois as duas possibilidades estão

previstas nesta entidade. O aluno pode ou não seguir a norma, que é entendida como o

conjunto de estruturas presentes no sistema e realizadas sob formas socialmente determinadas

e mais ou menos constantes.

A noção de erro, ainda segundo ROSENBLAT (1967), vem da noção de aquisição da

linguagem. A língua se adquire também por aprendizagem, e toda aprendizagem é, por

natureza, imperfeita ou incompleta. “A sociedade não pode deixar a língua em paz” (p.121);

a convivência e a colaboração de setores sociais diversos trazem, inevitavelmente, um

nivelamento. E o problema lingüístico e cultural é nivelamento “por baixo” ou “por cima”.

Desta forma, entende-se que o problema não é exatamente o que se fala, mas sim quem fala.

Segundo o autor, “que privilégios teriam os cultos para ditar normas e condenar as formas

de expressão dos demais e por que sua norma deveria ser superior às outras?” (p.122)

ROSENBLAT (1967) chega a questionar o uso de termos como correto e

incorreto. Na luta contra a correção, chegou-se a rechaçar violentamente toda a

prescrição, toda a intervenção correcionista da língua, observando-se que não haveria

critérios para determinar o que seria bom ou mau em termos lingüísticos. Segundo esse

ponto de vista, a fala de cada um seria legítima e irreprovável como a de qualquer

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suposta autoridade e toda intromissão seria danosa. Além disso, a prescrição de correto

ou incorreto aumenta a divisão entre classe superior e inferior, justamente quando é

necessário manter cada vez mais a unidade. Não haveria nenhum problema em

substituir os controvertidos termos “correto” x “incorreto” por termos como “aceitável”

x “inaceitável” ou “admissível” x “inadmissível”, entre outros; no entanto, haveria o

perigo de se impregnar esses termos com uma carga mais violenta e desqualificadora do

que a existente nos dois primeiros.

Não é por acaso, a língua, por natureza, uma instituição social? A sociedade mantém-

se, constitutivamente, por um amplo sistema de usos ou hábitos de vigência coletiva. A partir

daí, entende-se que a polarização sociolingüística é fruto de um preconceito atrelado à não

aceitação da variabilidade, uma vez que esta não é concebida como geradora de diversidade,

mas, sim, de erro.

ROSENBLAT (1967) afirma, ainda, que a escola tem uma missão nacional. A

imprensa, o rádio e a televisão se dirigem a todos os habitantes do país. O livro “aspira” a

repassar as fronteiras nacionais e, então, a “grande ilusão” de que essa norma será mantida

pelas gerações futuras continua viva. Por isso, a norma não pode ser rígida, automática,

monolítica. Deve ser flexível, harmoniosa, mutante.

De acordo com LUCCHESI (2002):

A vulgarização do ensino público e o fenômeno dos meios de comunicação de massa, nas últimas décadas, acabaram por consolidar uma tendência à variação na norma culta, que, assim, se afasta cada vez mais do padrão normativo, o qual, em consonância com o projeto de exclusão social das elites brasileiras, continua a reproduzir os modelos europeus, alterando apenas sua fundamentação retórica. (cf. PAGOTTO;1998 e GUIMARÃES; 1996)

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LUCCHESI (2002) afirma, citando PAGOTTO (1998), que é exatamente na

tentativa de estabelecimento de um padrão lingüístico nacional que se revela o paradoxo

projeto político das elites brasileiras, dando continuidade à exclusão de uma grande

parcela da população enquanto uma pequena minoria assume a liderança do processo.

Em toda sociedade, entrecruzam-se um critério intralingüístico de correção e um

critério extralingüístico ou social, fato que pode ser verificado através da utopia escolar em

atingir a norma padrão citada pelo autor – uma abstração –, enquanto seus falantes buscam a

norma culta, a concretização.

As contradições da realidade social refletem-se no plano das normas lingüísticas. Ao

mesmo tempo em que se observa, no plano objetivo dos padrões coletivos de comportamento

verbal, uma tendência ao nivelamento das duas normas lingüísticas, o estigma ainda recai

sobre as variantes características da norma popular.

CASTRO (2002: 13) afirma que o lingüista deve se conscientizar de seu papel na

sociedade. Segundo ele, se os lingüistas cumprissem seu papel fundamental na fixação da

norma, haveria mais respeito pelos fenômenos de variação e pelos atos de fala reais e

verificáveis. O autor comenta que a norma portuguesa dotada de maior vitalidade e

capacidade de fazer adeptos é a transmitida pelos jornais, rádio e televisão. A escola tem,

nesse ponto, seu papel diminuído, pois ainda não teria se recuperado dos dois choques

sucessivos que teria enfrentado: a ilusão de que as aulas de língua poderiam ser aulas de

lingüística; e a “tonteria” de que o ensino deveria privilegiar o lúdico e o imaginativo.

O preconceito lingüístico reflete a discriminação econômica e a ideologia da exclusão

social. Assim, pode-se remeter a GAGNÉ (1983), que, diante de tal discussão, conclui que se

deve chegar a uma unidade na escrita e a uma unidade na fala, desenvolvendo, assim, o

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plurilingüismo e propondo uma atualização da norma padrão com base nos padrões reais de

uso, condição necessária para a verdadeira democratização do ensino de língua.

2.3.2 A face político-cultural

PINTO (1978, 1981), observando a grande polêmica gerada pelas diferenciações entre

o PE e o PB, organizou uma coletânea de textos de diversos autores e épocas, a fim de

demonstrar que as questões hoje discutidas afligiam até os mais profundos conhecedores da

língua e seus mais importantes representantes.

A autora compilou textos de diversos autores com considerações sobre a Língua

Portuguesa. O Volume I (1820/1920) faz menção ao Romantismo como um movimento

de valorização do autenticamente nacional, a partir do qual começam os “ensaios” das

primeiras manifestações acerca das diferenças lingüísticas entre o PB e o PE.

Dentre os autores românticos, sobressai José de Alencar, que indica como

intencional o uso de determinadas variantes, em busca de uma língua mais nacional. O

autor faz detalhado levantamento de alguns aspectos do PB, dentre eles a colocação

pronominal.

É também matéria de escândalo a colocação dos pronomes pessoais que servem de complemento ao verbo, me te, lhe e se. Entendem que nós os brasileiros afrancesamos o discurso, fazendo em geral preceder o pronome, quando em português de bom cunho a regra é pospor o pronome. (1870, apud PINTO, 1978: 79)3

E, sobre isso, continua a manifestar-se:

Tal regra não passa de arbítrio que sem fundamento algum se arrogam certos gramáticos. Pelo mecanismo primitivo da

3 Nas citações selecionadas de PINTO (1978 e 1981), a primeira data, presente antes da indicação da fonte, remete ao ano em foram expressas as idéias nelas contidas

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língua, como pela melhor lição dos bons escritores, a regra a respeito da colocação do pronome e de todas as partes da oração é a clareza e a elegância, eufonia e fidelidade na reprodução do pronome. (1870, apud PINTO, 1978: 79)

No período realista, a consciência dessas diferenças continua atuante. Machado de

Assis (1873, apud PINTO, 1978:187), que não considera seus livros exemplos de

“pureza lingüística”, afirma que o escritor, embora não precise “copiar” as modificações

populares, deve estar atento a elas.

“Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva.”

No entanto, ainda se encontram opiniões bastante controvertidas a respeito do

assunto, talvez pelo tratamento um tanto ou quanto empírico dado ao tema. Joaquim

Nabuco (1875, apud PINTO, 1978) manifesta-se da seguinte forma: “...com o tempo,

com a influência lenta, mas poderosa, do meio exterior, há de se tornar cada vez mais

sensível a divergência entre a nossa literatura e a de Portugal.” (p. 196) E ainda: “A

raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior resistência e guarda assim

melhor seu idioma; para essa unidade/uniformidade de língua escrita devemos tender.”

(p.197).

Silva Ramos (1921, apud PINTO, 1978: 445), no Colégio Pedro II, em discurso de

paraninfo aos alunos que completaram o curso em 1918, diz o seguinte:

Que poderão, entretanto, fazer nossos mestres neste momento histórico da vida do português na nossa terra? Ir legitimando, pouco a pouco, com a autoridade das nossas gramáticas, as diferenciações que vão se operando entre nós, das quais a mais sensível é a das formas casuais dos pronomes pessoais regidos por verbos de significação transitiva e que nem sempre coincidem lá e cá: além da fatalidade fonética que origina

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necessariamente a deslocação dos pronomes átonos na frase, o que tanto horripila o ouvido afeiçoado à modulação de além-mar.

Said Ali (1919, apud PINTO, 1978: 451-456) também compara o PB e o PE

quanto à colocação dos pronomes. Segundo ele, o pronome átono “é pospositivo”: ou se

encosta ao verbo, ou a outro vocábulo anterior. Cita Fernão Lopes, João de Barros e até

Camões como modelos de ênclise. O autor classifica a relação com o verbo como uma

construção usual dos complementos e que, quando deslocado, o faz por atração

puramente fonética. Além disso, alega que a colocação pronominal no Brasil deve ser

diferente da de Portugal, pois a pronúncia é diferente. E afirma que “QUE e SE são

considerados atratores”, Portugal e Brasil estão certos com relação à colocação

pronominal, por ser esse o uso geral” e que, na linguagem literária, a coincidência entre

as duas línguas é o fato de não iniciarem período por pronome oblíquo.

No primeiro volume da obra de PINTO (1978), verifica-se que a questão da

ordem dos clíticos é abordada por poucos, pois a maioria dos autores se prende a

diferenças lexicais entre as duas variedades nacionais. Tem-se a impressão de que a

consciência das diferenças lingüísticas começa pelo léxico para depois chegar à sintaxe.

A que fatores se deveria a pouca referência ao uso dos clíticos por esses autores? Não

haveria variação ou a variação ainda não tinha sido vista como fenômeno?

O volume II focaliza o período de 1920 a 1945. No texto selecionado de sua obra,

Sousa da Silveira (1920, apud PINTO, 1981:15-29) trata das diferenças entre língua

falada e escrita, dizendo que a escrita se conserva mais fiel ao Português Europeu,

porém, ao comentar as diferenças entre o PE e o PB, não cita os clíticos.

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João Ribeiro (apud PINTO, 1981: 32-43) observa a diferença na posição dos

clíticos entre o PE e o PB de um ponto de vista bastante curioso. Observa que não pode

afirmar que nossos intelectuais escrevam mal, “mas que escrevam indiferentemente,

com certa independência divina ou diabólica que não se compadece com os padrões

lusitanos”. (1926, apud PINTO, 1981: 32)

E ainda:

O brasileiro diz comumente:- Me diga... me faça o favor...É esse um modo de dizer de grande suavidade e doçura ao passo que o – “diga-me” – e o “faça-me” – são duros e imperativos.O modo brasileiro é um pedido; o modo português é uma ordem. (1921, apud PINTO, 1981:34)

Monteiro Lobato (1924, apud PINTO, 1981: 66) expressa sua opinião através do

conto “O colocador de pronomes”: “Os pronomes, ai! eram a tortura permanente do

professor Aldrovando. Doía-lhe como punhalada vê-los pré ou pospostos contra

regras elementares do dizer castiço.”

Mário de Andrade (apud PINTO, 1981: 128-185) também opina a respeito dos

“brasileirismos”, citando o artigo “Me parece que pra M. de A . ”, em que outro autor

ironiza não só seu emprego de pronomes em início absoluto, mas também o uso de ele

como complemento: “Encontrei ele doente”. Afirma que não usa sempre o pronome

proclítico, mas “geralmente”. Mário de Andrade trata da próclise em início absoluto

citando todos os pronomes – me, te, se, nos, vos e até o, a – e menciona, inclusive, a

possibilidade de generalização desta “regra”. (1925, apud PINTO, 1981: 141-142).

Também Gilberto Freyre (1940, apud PINTO, 1981: 317) manifesta-se sobre a

questão:

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Na verdade, os que no Brasil desejamos não uma idiota “língua brasileira”, pomposamente oficializada com esse título para gozo de uma minoria cada vez mais reduzida e ridícula de lusófobos, porém uma língua escrita e ridícula de lusófobos, porém uma língua escrita mais aproximada daquela que falamos, agimos sob a necessidade de uma expressão mais livre e mais natural, que corresponde a um meio diverso do Português da Europa.

Tais discussões surgem da consciência da diferenciação entre o PB e o PE no que

diz respeito à ordem dos clíticos, mas é preciso voltar ao passado para identificar essas

diferenças.

O Português Clássico era predominantemente proclítico, apesar de a próclise não

ocorrer em contexto inicial ou, em uma locução, ocorrer em relação ao verbo principal, nas

locuções. Desta forma, o PB segue a tendência proclítica do Português Clássico, inovando,

no entanto, com relação aos aspectos acima.

No PE moderno, observa-se o predomínio da ênclise, na fala e na escrita, o que

demonstra os diferentes caminhos seguidos pelo PB e pelo PE. Discussões acerca desse

tema, como se viu, remontam à época do Romantismo, quando, em busca de uma identidade

nacional, o Brasil passou a assumir uma postura lingüística diversa da do PE.

PAGOTTO (1998) refere-se a esse período como um verdadeiro “paradoxo” em nossa

história lingüística, uma vez que, nesse momento, o país, independente de sua metrópole,

tentava afirmar sua identidade. No entanto, para tal, precisava mostrar maturidade, e uma das

formas de mostrar isso era através da língua. De um lado, queria tornar-se independente

politicamente; de outro, tentava imitar o modelo da língua falada pelos europeus.

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O que ocorre é que, nesse momento, como foi dito acima, a língua em Portugal estava

passando por modificações – estava deixando de se caracterizar pela ordem proclítica, para

adotar a enclítica. Talvez a perda das vogais átonas finais justifique as mudanças ocorridas na

preferência dos falantes pela ênclise, fato que passou a ser retratado na escrita.

Ainda segundo PAGOTTO, a partir do século XIX, com a codificação de uma nova

norma culta, gerou-se uma discrepância entre o português falado e o escrito no Brasil,

discrepância que tem disseminado grandes problemas na escolarização de nossos alunos, no

que tange ao aprendizado da norma culta.

TEYSSIER, em História da Língua Portuguesa, ao comentar as diferenças entre o PB

e o PE, chama a atenção para o fato de que, em alguns aspectos, quando se pensa que o PB

teria se distanciado da norma culta lusitana, o que ocorre, na realidade, é que o PB está sendo

mais conservador que o próprio PE.

De acordo com PAGOTTO, em Portugal, na passagem do século XVIII ao XIX, as

variantes em mudança foram alçadas à condição de norma culta, ou seja, a expansão das

mudanças no português falado ganhou novo status. Em outras palavras: o que era comum na

fala lusitana, a ênclise, passou a ser considerado norma. Com isso, assim como em alguns

outros aspectos, em relação à colocação pronominal, Portugal mostrou-se bastante inovador.

Já o Brasil, que no início do século XIX passou por um processo de independência (em

1808, a chegada da família real ao Brasil; em 1822, a proclamação da independência), queria

negar os valores de sua antiga metrópole, mas, ao mesmo tempo, desejava tornar-se uma

nação “branca e europeizada”4. Assume a norma culta de Portugal como modelo para a sua,

mas mantém-se conservador em uma série de aspectos sintáticos e, principalmente, em

relação à colocação pronominal, ostentando sua preferência pela próclise.4 Palavras do historiador Varnhagen, citadas por Pagotto.

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Diante do exposto, não há como negar a explícita diferença entre a norma falada e a

escrita no Brasil, que só se mantém por conta de uma norma imposta, que não reflete a fala

brasileira, ao contrário do que aconteceu com os portugueses.

Sem poder precisar em que momento se deu essa mudança, resta encarar o fato de que a

norma culta estabelecida para o PE é reflexo das tendências verificadas na fala dos habitantes

locais – apesar das diferenças que evidentemente acontecem entre as modalidades oral e

escrita. A do PB, a despeito disso, continua garantindo o processo de exclusão social.

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3. FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

3.1. Pressupostos teóricos

Tendo em vista os resultados de diversos trabalhos e o debate acerca do tema da

colocação pronominal, apresentados no capítulo 2, esta pesquisa tem por objetivo

contribuir para a descrição da norma empregada por brasileiros em fase escolar. Essa

opção justifica-se pelos motivos a seguir elencados:

a)a distância entre o que propõem as gramáticas normativas e os diversos estudos

que trataram a cliticização pronominal reflete-se no contexto escolar;

b)o tema enseja, ainda hoje, instigantes debates acerca da necessidade de rever

normas, de modo a torná-las compatíveis com a realidade lingüística brasileira. A

produção escolar nos diversos níveis apresentaria o processo de aprendizagem

formal em direção a uma norma que não seria a prescrita nos livros (“nem a

dominada pelo próprio professor”), nem a que efetivamente se usa na modalidade

oral.

Para cumprir o propósito estabelecido e vincular a questão satisfatoriamente ao

debate sobre a norma, desenvolveu-se a pesquisa com base nos pressupostos teórico-

metodológicos da Sociolingüística Quantitativa, de inspiração laboviana.

A sociolingüística é um campo interdisciplinar entre a lingüística e a sociologia. É

o estudo do efeito de todos e de cada um dos aspectos sociais e lingüísticos sobre a

maneira como se usa a linguagem, incluindo suas normas culturais e os contextos de uso

dos falantes.

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Os estudos sociolingüísticos consideram a diferença entre os usos lingüísticos

adotados por grupos segmentados consoante determinadas variáveis sociais, como o

gênero, a faixa etária, o nível de escolaridade, o status sócio-econômico. Além disso,

levam em conta o fato de que um mesmo indivíduo pode utilizar diferentes variedades

da língua de acordo com a situação sócio-cultural e o contexto de produção.

William Labov é considerado o pai da vertente sociolingüística norteadora desta

pesquisa. Essa vertente surgiu durante a década de 1960, a partir de seus estudos sobre

mudanças em progresso, sob a orientação de Uriel Weinreich. Tais estudos, que

discordavam do modelo estruturalista em vigor até aquela época, tinham o objetivo de

superar a idéia de que a variação era livre.

O objetivo era determinar a sistematicidade da variação e, para tanto, era

necessário que se considerassem os fatores “externos” – sociais – e os lingüísticos. A

evolução dos estudos fez com que, em 1968, a sociolingüística chegasse a seus

“fundamentos empíricos,” constituindo uma nova teoria da mudança – em “Empirical

Foundations for a Theory of Language Change” –, proposta por Uriel Weinreich,

William Labov e Marvin Herzog.

De modo geral, a Sociolingüística refuta dois importantes princípios teóricos: a

visão de que “a comunidade de fala é normalmente homogênea” e a “definição do

idioleto como o objeto próprio da descrição lingüística”. Desta forma, a gramática da

comunidade de fala passa a substituir a da língua, que era o objeto da análise

estruturalista. Passa-se a priorizar, então, a noção de heterogeneidade que, no entanto,

não se associa à variação livre, na medida em que os fatos variáveis podem ser

correlacionados com fatores externos e internos da língua. Toda análise sociolingüística

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passa, então, a se orientar pela noção de variação sistemática, baseada numa

heterogeneidade estruturada, uma vez que se parte da premissa de que a variação é

inerente à língua e não ocorre aleatoriamente. Tal modelo leva em conta, na relação

entre língua e sociedade, a heterogeneidade e a diversidade em situações reais de

comunicação, podendo ser a variação sistematizada através do estabelecimento de

regras que determinem a escolha do falante por uma ou outra variante. Nos estudos

sociolingüísticos, essa opção do falante, que ora se aplica, ora não, é denominada regra

variável.

A investigação da regra variável pressupõe que as variantes se encontrem em um

mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. Para a depreensão e o entendimento

de uma determinada regra variável, o estudo leva em consideração os diversos fatores

que possam influenciar a escolha dos falantes por uma das variantes.

No caso deste estudo em particular, postulou-se como hipótese a preferência dos

estudantes pela próclise, apesar da intensa “pressão normativa” (exercida pela escola)

em favor do uso da ênclise em determinados contextos. Uma vez que tanto a posição

pré-verbal quanto a pós-verbal constituem construções possíveis em relação à ordem

dos clíticos5 no mesmo contexto sintático, podem-se considerar ambas como legítimas

variantes lingüísticas.

Tendo em vista a suposição de que a variante pós-verbal seja a menos produtiva,

optou-se por determinar os fatores que a favorecem; em outras palavras, a ênclise é o

valor de aplicação. A determinação desses fatores, em consonância com o método

5 Na realidade, também há, no fenômeno estudado, a mesóclise como variante possível. Como tal variante fica circunscrita à modalidade escrita e de forma pouquíssimo produtiva, o comentário centrou-se apenas nas variantes pré e pós-verbal.

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sociolingüístico, parte da análise de variáveis de natureza estrutural e extralingüística,

que serão descritas no capítulo 4.

Para o tratamento quantitativo dos dados, utiliza-se o Pacote de Programas

GOLDVARB para computadores. Esse pacote torna possível (i) a observação da

distribuição dos dados pelas variantes da regra variável, (ii) a análise percentual das

ocorrências quanto às variantes estabelecidas em cada grupo de fatores, (iii) o

estabelecimento das variáveis relevantes ao condicionamento da regra, de acordo com a

projeção que se dá por meio dos índices relativos, e (iv) o cruzamento de grupos de

fatores.

3.2. Pressupostos metodológicos

A escolha de redações condiz com o objetivo de investigar a interferência direta

da escola na questão da colocação pronominal, fenômeno mais abordado, no caso da

sincronia contemporânea, em textos literários (SCHEI, 2002), em textos jornalísticos

(VIEIRA, 2002) e em documentos e inquéritos (LOBO, 1992).

Foram aplicados e coletados, ou simplesmente coletados, textos narrativos e

dissertativos em escolas públicas e privadas. Constituiu-se um corpus de 590

ocorrências de clíticos junto a lexias verbais simples, selecionadas de 360 redações de

alunos da quarta e oitava séries do Ensino Fundamental e da terceira série do Ensino

Médio, sendo 180 de escolas públicas e 180 de escolas privadas (15 meninos e 15

meninas em cada série de cada escola).

Para a constituição do “corpus”, não se levaram em conta aspectos relacionados à

localização geográfica das escolas nem à classe social nelas predominante. A escolha

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das instituições de ensino – que se situam em Oswaldo Cruz, Vila da Penha, Ilha do

Governador (Jardim Guanabara) e Campo Grande – teve como principais critérios

norteadores (a) o conceito de que gozam na sociedade, que deveria ser mediano e (b) o

fato de terem como alunos indivíduos das classes baixa e média, por se acreditar que

estes constituem o maior contingente da população em idade escolar (não se trabalhou,

portanto, nem com estudantes muito carentes, nem com os pertencentes à classe alta).

Buscou-se, de certa forma, priorizar sua orientação metodológica, o que se deu por meio

da variável tipo de escola – pública/privada –, partindo-se do princípio de que a escola

pública estaria mais comprometida com os PCN e, portanto, mais aberta a propostas de

ensino mais inovadoras.

Também não se tomou como ponto de partida a variável faixa etária dos alunos.

Uma vez que já se opunham as séries escolhidas, foi possível delimitar que os alunos da

quarta série do Ensino Fundamental teriam de 9 a 12 anos, os da oitava série, de 14 a 16

anos, e os da terceira série do Ensino Médio, de 17 a 19 anos.

A distribuição dos textos pelas variáveis extralingüísticas consideradas está

sistematizada no quadro a seguir.

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NÚMERO DE REDAÇÕES ESCOLARES POR VARIÁVEL EXTRALINGÜÍSTICA

ESCOLA SÉRIE TIPO DE TEXTO

GÊNERO

MENINOS MENINAS

TOTAL

PARCIAL

PÚBLICA

4ª narrativo 15 15 30

dissertativo 15 15 30

8ª narrativo 15 15 30

dissertativo 15 15 30

3ª narrativo 15 15 30

dissertativo 15 15 30

PARTICULAR

4ª narrativo 15 15 30

dissertativo 15 15 30

8ª narrativo 15 15 30

dissertativo 15 15 30

3ª narrativo 15 15 30

dissertativo 15 15 30TOTAIS GERAIS 180 180 360

Quadro 1. Constituição do corpus: distribuição das redações pelas variáveis extralingüísticas consideradas

Quanto às redações utilizadas, cabe informar que a pesquisa teve de se adaptar às

dificuldades de recolha de material, utilizando-se o que foi possível recolher no prazo

estabelecido.

Percebeu-se, algumas vezes, certa hesitação por parte de professores e,

principalmente, de dirigentes de colégios em colaborar com a pesquisa ao tomarem

conhecimento de que as redações de seus alunos serviriam para traçar um perfil sobre o

ensino da norma na escola.

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Em função dessas dificuldades, não foi possível, em alguns casos, aplicar uma

proposta de elaboração de texto que pudesse, especificamente, servir a esta pesquisa.

Desse modo, foi preciso ampliar o leque de temas e aproveitar textos que já haviam sido

produzidos em sala por sugestão dos professores das turmas. Isso ocorreu, sobretudo,

com as dissertações, uma vez que esse é o tipo de redação mais trabalhado nas escolas.

As propostas de redação utilizadas são, portanto, variadas, em função das peculiaridades

de cada realidade escolar no cumprimento do que seria considerado o conteúdo

programático da área.

Para o conhecimento dessas propostas, segue uma breve descrição.

A elaboração do primeiro texto recolhido, na quarta série, baseou-se no estatuto do

idoso: os alunos teriam que contar uma história qualquer de que teriam conhecimento –

algum fato bom ou ruim que tenha ocorrido com um idoso.

O primeiro texto produzido pelos alunos da oitava e da terceira séries foi de cunho

narrativo, baseado na adaptação de uma proposta de redação do vestibular da PUC/SP:

Escreva um texto narrativo, com um mínimo de 25 e máximo de 40 linhas, contando a história de um adolescente que tenha se envolvido com o mundo das drogas e sofrido as conseqüências por seu ato. O texto deve começar assim: « Com licença, mas este caso eu preciso contar.

Cabe esclarecer que não houve direcionamento para a narração em primeira ou

terceira pessoa. Os alunos deveriam decidir se o “caso” que contariam teria ocorrido

com eles mesmos ou com outra pessoa.

O segundo texto coletado foi de natureza dissertativa. Embora seja esse o tipo de

redação predominante nas aulas de produção textual, houve a já referida necessidade de

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aproveitar textos de temas variados trabalhados pelos professores, especialmente no

caso da oitava e da terceira séries. Entre os temas abordados, encontram-se política, uso

de drogas, clonagem e terceira idade. A quarta série, novamente, focalizou o tema “o

idoso”, desta vez, dando sua opinião sobre o tratamento dispensado a esse segmento

social no Brasil.

Após a coleta das redações, passou-se ao levantamento dos dados de pronomes

átonos, todos em contextos com lexias verbais simples. Os grupos de fatores

lingüísticos fixados para o tratamento dos dados – devidamente descritos no capítulo 4 –

tomaram por base os propostos nos estudos anteriores e, principalmente, os

considerados no trabalho de VIEIRA (2002).

Em seguida, realizou-se a codificação das ocorrências, de acordo com os fatores

estabelecidos para cada variável, como preparação para o tratamento computacional. Os

dados foram submetidos à “rodada geral”, que forneceu os percentuais totais.

A análise dos percentuais suscitou a observação mais aprofundada de um aspecto

lingüístico que não constituía, a princípio, o tema desta pesquisa, qual seja o da questão

da produtividade dos clíticos pronominais no Português do Brasil, especialmente os

acusativos (o, a, os, as) e dativos (lhe) de 3ª pessoa. Tendo em vista que o

preenchimento do objeto direto pode se dar, além do clítico, por um sintagma nominal,

por anáfora zero e, ainda, por um pronome tradicional do caso reto, constituiu-se, à

parte, um “corpus” de 396 ocorrências de contextos em que o aluno teria por opção um

clítico, a fim de avaliar a produtividade dos pronomes átonos escolhidos e das outras

opções de preenchimento do objeto na escrita escolar. Os resultados desse levantamento

de dados se encontram no início do próximo capítulo.

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Quanto à ordem dos clíticos pronominais, procedeu-se à identificação dos

contextos favorecedores da variante pós-verbal, já que a intenção do trabalho é

justamente a de observar o impacto da divulgação da norma idealizante no meio escolar.

Observados os percentuais gerais, foram retirados os contextos categóricos

(“knockouts”) para que se pudesse chegar ao peso relativo de cada fator na aplicação da

ênclise. Após esse procedimento, em que alguns fatores com comportamento

semelhante foram reunidos, passou-se à análise das diversas rodadas efetuadas com o

objetivo de estabelecer os grupos relevantes no condicionamento da ordem dos clíticos

pronominais.

Efetuaram-se, entre outras, rodadas em que:

(a) foram excluídas as variáveis sociais, para a identificação dos contextos

lingüísticos mais relevantes;

(b) foram excluídos os dados de contextos altamente favorecedores de próclise,

como o caso das construções com clíticos pronominais de primeira pessoa (me/nós);

(c) foram isolados os contextos favorecedores de ênclise para a observação desta

tendência no corpus;

(d) foram excluídas da análise variáveis que contêm fatores superpostos, como,

por exemplo, tempo verbal e tipo de oração;

(e) foram consideradas apenas as ocorrências do clítico se.

Com base na sistematicidade dos dados, passou-se à análise, cujos resultados

serão apresentados no próximo capítulo.

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4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1. Uso e produtividade dos clíticos

Embora o tema central do trabalho gire em torno da aprendizagem e do uso dos

clíticos no que se refere à ordem, esta seção apresenta, especificamente, a distribuição

dos dados de pronomes átonos de 3ª pessoa em relação a outras variantes de

preenchimento do objeto direto anafórico. Esses resultados, relativos à produtividade,

apresentam um panorama geral do uso desses pronomes nas redações escolares de modo

a dar a real dimensão de seu emprego nos textos, tendo em vista o fato de pesquisas

sobre o tema virem demonstrando sua baixa freqüência no PB. O propósito é observar

que estratégia de preenchimento do objeto é mais produtiva na amostra para, depois,

analisar a ordem dos clíticos. Em outras palavras, busca-se relativizar a presença dos

clíticos de terceira pessoa em relação às demais possibilidades de preenchimento.

O tema do preenchimento do objeto foi investigado por diversos pesquisadores,

dentre eles, OMENA (1978), PEREIRA (1981) DUARTE (1986), GALVES (1984;

1988), CORREIA (1991); MONTEIRO (1994); AVERBUG (2000).

Na presente pesquisa, para a análise da produtividade, constituiu-se um corpus

com 396 dados, também oriundo das 360 redações (180 textos narrativos e 180 textos

dissertativos) de alunos de escolas públicas e privadas, da cidade do Rio de Janeiro.

Observou-se o uso de clíticos acusativos em oposição a outros tipos de preenchimento.

As estratégias de preenchimento observadas foram as seguintes:

mesmo SN: (17) “O adolescente comprava a droga e oferecia a droga para mim.”

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outro SN: (18) “Ele passou a usar a droga... e sempre usava essa porcaria.”

pronome reto: (19) “E meu amigo já estava no mundo do crime há muito tempo, com os 'policia' já querendo mata ele.”

clítico acusativo: (20) “Descobriu que a droga é uma droga, que nunca o ajudou.”

categoria vazia: (21) “Entrou para o mundo das drogas, comprava* e não pagava*”

De acordo com as referidas estratégias de preenchimento, a distribuição geral dos

dados de produtividade apresenta-se da seguinte forma:

Tipo de preenchimento

Oco. Valor percentual

mesmo SN: 66/396 17%

outro SN: 23/396 06%

pronome reto: 78/396 20%

clítico acusativo: 147/396 37%

categoria vazia: 82/396 21%

Tabela 1: Distribuição geral dos dados quanto às estratégias de preenchimento do objeto

De modo geral, chama a atenção o fato de a estratégia de preenchimento do

objeto por clítico obter o índice mais alto: 37%. As demais variantes – se forem

amalgamados os fatores que abrangem sintagma nominal – ocorrem em cerca de 20%

(23%: SNs; 20%: pronome reto; e 21%: categoria vazia.).

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A fim de compreender melhor a distribuição dos referidos dados pelas variantes

relativas ao preenchimento do objeto, foram, também, quantificadas as ocorrências de

acordo com as variáveis extralingüísticas consideradas neste trabalho.

a) Uso do clítico em relação ao tipo de escola: Pública / Privada

A comparação entre a produção de textos em uma escola particular e uma pública

deu-se com a intenção de observar em qual delas o uso dos clíticos seria mais produtivo.

Acreditava-se que, nos textos da escola particular, a produtividade do uso dos clíticos

fosse maior do que na escola pública, pelo menos no que se refere às séries iniciais.

Tipo

de escola

mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazio

oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.

pública 46/239 19% 17/239 07% 62/239 26% 67/239 28% 47/239 20%

particular 20/157 13% 06/157 04% 16/157 10% 80/157 51% 35/157 22%

Tabela 2: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórica quanto ao tipo de escola

As ocorrências de clítico e seu percentual de uso foram bem maiores na escola

particular. Essa significativa diferença talvez possa estar refletindo procedimentos

metodológicos variados quanto à valorização da norma por parte desses

estabelecimentos.

A tabela acima demonstra que estratégias não-estigmatizadas, como o uso de

mesmo SN, SN sinônimo ou o não-preenchimento do objeto direto anafórico, não

apresentam diferença percentual relevante quanto ao tipo de escola. A estratégia mais

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padrão (uso do clítico) é a mais produtiva tanto na escola pública quanto na escola

particular. Há, no entanto, uma diferença de 23 pontos percentuais entre ambas,

demonstrando que, na escola particular, o uso do clítico – que surpreendentemente

corresponde à metade dos dados (51%) – é bem mais produtivo do que na escola

pública (28%). Percebe-se, também, que a estratégia mais estigmatizada

(preenchimento do objeto com pronome reto) é mais freqüente na escola pública (26%)

do que na escola privada (10%).

b) Uso do clítico em relação ao gênero do informante: masculino / feminino

A hipótese que sustenta a comparação entre o uso e a ordem dos clíticos por

homens e mulheres, conforme se verifica em outros estudos, é a de que as mulheres

sejam menos conservadoras, isto é, adotem formas inovadoras, em se tratando de fatos

lingüísticos cuja mudança não afete o prestígio da variante. Assim sendo, acredita-se

que, entre as estratégias de preenchimento anafórico, as alunas utilizem o clítico com

maior produtividade do que os alunos, tendo em vista que as diferentes estratégias de

preenchimento do objeto refletem diferentes valorações sociais.

Gênero do informante

mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazio

oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.

Masculino 31/148 21% 11/148 07% 21/148 14% 62/148 42% 23/148 16%

Feminino 35/248 14% 12/248 05% 57/248 23% 85/248 34% 59/248 24%

Tabela 3: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao gênero do informante

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Embora com uma diferença percentual pouco acentuada com relação ao uso do

clítico, os percentuais demonstram que as alunas não só utilizaram menos o clítico

pronominal (34%) do que os alunos (42%), mas também empregaram mais o pronome

reto (23%) – a forma estigmatizada – do que os homens (14%). No entanto, observando

a tabela de uma forma geral – sem dar relevância às estratégias consideradas, de um

lado a mais valorizada socialmente (o clítico), de outro, a mais estigmatizada (o

pronome reto) –, percebe-se que as mulheres, por exemplo, apesar de empregarem o

pronome reto em maior número que os homens, deixam a posição de objeto vazia (a

estratégia inovadora menos estigmatizada) em maior número que os homens.

A fim de compreender melhor os resultados obtidos para a variável gênero do

informante, procede-se ao cruzamento dos grupos de fatores gênero e escolaridade,

cujos resultados se expõem na tabela a seguir:

Série

mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazioMasc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc FemOco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.Freq.

Oco.freq.

Quarta 10/17

59%

17/91

19%

00/17

00%

01/91

01%

02/17

12%

44/91

48%

04/17

24%

11/91

12%

01/17

06%

18/91

20%

Oitava 06/66

09%

08/63

13%

05/66

08%

03/63

05%

16/66

24%

10/63

16%

23/66

35%

17/63

27%

16/66

24%

25/63

40%

Terceira 15/65

23%

10/94

11%

06/65

09%

08/94

09%

03/65

05%

03/94

03%

35/65

54%

57/94

61%

06/65

09%

16/94

17%Tabela 4: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto diretocom base no cruzamento das variáveis gênero e escolaridade.

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Observando-se o comportamento de cada gênero em relação à escolaridade, pôde-

se perceber que o comportamento aparentemente instável das mulheres em relação à

adoção de estratégias mais ou menos padrão fica, de certa forma, atenuado. As

mulheres, com o aumento da escolaridade, passam a adotar a variante clítica de forma

mais acentuada (da 4ª série do ensino fundamental para a 3ª série do ensino médio,

aumentam 46 pontos percentuais) do que os homens (aumentam 30 pontos percentuais).

Em relação à variante mais estigmatizada, as mulheres reduzem drasticamente seu uso –

de 48% para apenas 3%; já os homens registram um comportamento mais instável – de

12% passam a 24% e reduzem a 5%.

Esses resultados levam a crer que o inovadorismo e a conservação do

comportamento feminino em relação ao masculino precisa ser observado de forma mais

detalhada nos estudos sociolingüísticos, por meio de uma investigação pormenorizada

da inter-influência de variáveis, especialmente as extralingüísticas, propósito que não

cabe nos limites desta pesquisa.

c) Uso do clítico em relação à escolaridade: 4ª série EF / 8ª série EF/ 3ª série EM

Toma-se por hipótese que o uso de clíticos seja proporcional ao aumento do

nível de escolaridade, pelo fato de os alunos da 3ª série do EM terem tido maior

exposição à norma padrão.

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Série mesmo SN sinônimo pron. reto clítico vazio

oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.

Quarta 27/108 25% 01/108 01% 46/108 43% 15/108 14% 19/108 18%

Oitava 14/129 11% 08/129 06% 26/129 20% 40/129 31% 41/129 32%

Terceira 25/159 16% 14/159 09% 06/159 04% 92/159 58% 22/159 14%

Tabela 5: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafóricoquanto à série escolar

A tabela demonstra que a escolha do clítico em detrimento de outras estratégias

anafóricas é evidente na escrita dos alunos de terceiro ano, o que mais uma vez

comprova a hipótese de que a escolaridade influencia nessas escolhas. Os índices

passam de 14%, na quarta série, para 31%, na oitava, e alcançam 58% das ocorrências,

no 3º ano.

Quanto ao pronome reto, verifica-se que tal estratégia passa a ser evitada com o

aumento da escolaridade: de 43%, na quarta série, passa-se a 4%, no 3º ano.

Embora se costume esperar que os alunos do terceiro ano não se utilizem dessa

estratégia, seis ocorrências surgiram no “corpus”:

(22) “Só não entendia por que achavam ele diferente.”

(23) “Lá conheci Fernando (...) estava indo em direção para fora do show, quando

vejo ele.”

(24) ”...eles viriam e matariam ele e sua mãe.”

(25) “...os que encontravam ele na rua”

(26) “Levei ele para casa.”

(27) “...foi aí que a diretora pegou ele em flagrante.”

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Duas observações precisam ser feitas com relação aos exemplos citados acima: a

primeira é a de que todos foram retirados de textos narrativos, o que poderia determinar

uma certa proximidade com a oralidade, e a segunda é que todos pertencem a textos de

alunos de escola pública.

Percebe-se, ainda, que, da quarta série para o terceiro ano, a utilização do mesmo

SN cai 14 pontos percentuais, indicando que os alunos, ao longo de sua trajetória

escolar, adquirem um vocabulário mais extenso, deixando de lado, de certa forma, as

repetições quando se referem a estratégias anafóricas. Tal evidência pode ser

comprovada pela aquisição de SN sinônimo, que cresce de 01% para 09%, passando por

06% na oitava série do Ensino Fundamental.

Uma primeira conclusão que se pode tirar da análise da produtividade é a de que

o uso dos clíticos acusativos não foi tão baixo quanto se esperava e que a escola vem

contribuindo para implementar essa estratégia de preenchimento do objeto direto na

escrita dos estudantes, uma vez que, conforme apontam estudos específicos sobre o

tema (NUNES, 2003, entre outros), os clíticos acusativos de 3ª pessoa não fazem parte

do vernáculo brasileiro.

Embora as demais pesquisas sobre o preenchimento do objeto não tenham

tratado corpora equivalentes, cabe, aqui, a título de curiosidade, uma breve comparação

dos índices obtidos neste trabalho com os de DUARTE (1986), CORRÊA (1991) e

AVERBUG (2000), resguardadas suas especificidades. Deve-se lembrar que o presente

trabalho não tem o objetivo de esgotar o tema da produtividade e sim o de perceber o

fenômeno da colocação pronominal como um tema aliado à produtividade, já que o tipo

de clítico costuma exercer influência sobre a ordem.

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PESQUISA

SN pron. reto clítico vazio

freq. freq. freq. freq.

DUARTE(1986) 17.1% 15.4% 4.9% 62.6%

CORRÊA (1991) 17% 14% 9% 60%

AVERBUG(2000) 49% 07% 14% 30%

MACHADO (2006) 23% 20% 37% 21%

Tabela 6: Freqüências relativas a diferentes estratégias de preenchimento do objeto em quatro pesquisas de natureza sociolingüística

Primeiramente, percebe-se que, no intervalo de vinte anos que separam os

trabalhos de DUARTE (1986) e o presente estudo, os índices percentuais de categoria

vazia foram progressivamente diminuindo.Deve-se observar, no entanto, que os

percentuais de DUARTE referem-se à fala. De outro lado, os índices de preenchimento

com clíticos – excetuando-se o trabalho de CORRÊA (1991), que registra valor menor

do que o de DUARTE (1986) –, tendem a se elevar com o tempo. Somente uma

investigação mais minuciosa poderá responder se a escola realmente teve atuação

efetiva nesse caso.

De todo modo, os resultados obtidos precisam ser relativizados, tendo em vista

que as estratégias motivacionais para a composição dos corpora dos estudos são

diferentes. CORRÊA (1991), por exemplo, parte da elaboração de um texto narrativo,

enquanto os resultados do presente estudo levam em conta textos tanto narrativos

quanto dissertativos. O presente trabalho limita-se a analisar a modalidade escrita,

diferentemente dos demais, que também analisam a modalidade oral.

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d) Uso do clítico em relação ao tipo de texto: Narração/ Dissertação

A hipótese que sustenta a variável é a de que, nas dissertações, a produtividade do

clítico seria maior, dado o caráter mais formal desse tipo de texto. Como no texto

narrativo se utilizam estruturas que reproduzem características da oralidade, a hipótese é

a de que o uso de SNs e pronomes retos como estratégias de preenchimento seria muito

maior. De acordo com NUNES (2003), os clíticos acusativos de terceira pessoa, não

fazendo parte do vernáculo do PB e sendo adquiridos no desenvolvimento escolar,

talvez sejam pouco utilizados em recursos anafóricos pelos alunos. A mesma hipótese

encontra sustento no argumento de MONTEIRO (1994), de que as formas o, a (s)

estejam sendo abandonadas na linguagem coloquial.

Tipo de texto

mesmo SN sinônimo pron. reto clítico Vazio

oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq. oco. freq.

dissertativo 30/100 30% 08/100 08% 06/100 06% 41/100 41% 15/100 15%

narrativo 36/296 12% 15/296 05% 72/296 24% 106/296 36% 67/296 23%

Tabela 7: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto direto anafórico quanto ao tipo de texto

Observando as possibilidades de preenchimento do objeto em relação ao tipo de

texto na tabela acima, verifica-se que as retomadas anafóricas por meio do clítico são

um pouco mais produtivas na dissertação (41%) do que na narração (36%). Esse

resultado pode estar em consonância com o fato de o texto dissertativo ser mais

trabalhado pela escola, especialmente nas séries mais avançadas.

O texto narrativo, dada a presença de muitos diálogos, acaba por registrar mais

variantes lingüísticas que se aproximam da oralidade, o que favorece a coloquialidade e,

por conseqüência, conforme propõe MONTEIRO (1994:170-173), o menor uso do

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clítico e o maior emprego do pronome reto. Nesse sentido, a tabela apresenta um

percentual de preenchimento do objeto direto anafórico com o pronome reto muito mais

elevado em textos narrativos (24%) do que em dissertativos (6%). Observa-se, então,

que, nos textos narrativos, parece ser menor a preocupação em evitar formas

estigmatizadas.

Para melhor conhecer a distribuição dos dados, procedeu-se ao cruzamento dos

grupos de fatores tipo de texto e escolaridade (cf. tabela 8, abaixo), tendo-se obtido os

seguintes resultados:

(a) Na quarta série, o mesmo SN é a estratégia de preenchimento predominante nas

dissertações, enquanto, nas narrativas, prevalece o pronome reto (61%). O uso do

clítico, em ambos os tipos de texto, é idêntico: 14%.

(b) Na oitava série, em dissertações, só ocorre o clítico acusativo, devendo-se, no

entanto, ressaltar que pequeno é o número de dados (12). Em narrativas, embora

predomine a categoria vazia (35%), o clítico (24%) e o pronome reto (22%) estão em

concorrência.

(c) Na terceira série, em dissertações, as estratégias de preenchimento do objeto

são mais variadas, embora nela predomine o clítico (50%) e não ocorra o pronome reto,

a exemplo do que se verificou na oitava série. Em narrativas, também o clítico é a

estratégia mais utilizada (61%), com baixíssima freqüência do pronome reto (5%), a

mesma que se obtém para sinônimo.

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série 4ª série 8ª série 3ºanotipo de texto

Dissertação Narração Dissertação Narração Dissertação Narração

mesmo SN

20/4248%

07/6611%

00/1200%

14/11712%

10/4622%

15/11313%

sinônimo 00/4200%

01/6602%

00/1200%

08/11707%

08/4617%

06/11305%

pron. reto

06/4214%

40/6661%

00/1200%

26/11722%

00/4600%

06/11305%

clítico 06/4214%

09/6614%

12/12100%

28/11724%

23/4650%

69/11361%

cat. vazia 10/4224%

09/6614%

00/1200%

41/11735%

05/4611%

17/11315%

Tabela 8: Freqüência das diferentes estratégias de preenchimento do objeto diretocom base no cruzamento das variáveis tipo de texto e escolaridade.

Confrontando-se a estratégia privilegiada pela gramática tradicional (o clítico) e a

por ela mais estigmatizada (o pronome reto), pode-se concluir que os estudantes, ao

longo do processo de escolarização, não só se vão familiarizando com o uso dos clíticos

e adequando seu emprego aos diferentes tipos de texto, mas também se vão dando conta

das estratégias mais ou menos estigmatizadas. Para maior clareza do que aqui se expôs,

formulou-se uma escala de produtividade (ascendente e/ou descendente) das duas

referidas estratégias, por tipo de texto, partindo-se da série inicial para a final, com base

nos dados percentuais da tabela 8.

(a) Dissertações: Pronome reto – 14% → 00% → 00%

Clítico – 14% → 100%→ 50%(b) Narrativas: Pronome reto – 61% → 22% → 05%

Clítico – 14% → 24% → 61%

De modo geral, os diversos estudos sobre o tema do preenchimento têm

demonstrado que o clítico acusativo, apesar de não ser produtivo na fala, aparece com

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expressiva freqüência na modalidade escrita. O presente estudo confirma e até acentua

essa tendência, já verificada em outros estudos com redações escolares, sugerindo que a

escola acaba por implementar a estrutura com o clítico acusativo de 3ª pessoa.

RAMOS & DUARTE (2003) acreditam que a recuperação do clítico por parte da

escola aconteça essencialmente pela prática da leitura, além das atividades de produção

textual, que promovem a adoção dessas formas pronominais. Com base nessas

considerações, as autoras defendem a inclusão do tema na “agenda escolar”:

É importante ressaltar que a própria ocorrência sistemática de clíticos nos textos atuais, escritos por brasileiros, ainda que pouco freqüente, constitui, por sua vez, uma evidência de que esse traço faz parte do sistema lingüístico que o usuário do português brasileiro possui. (RAMOS & DUARTE, 2003: 95)

Sem dúvida, o papel da escola na apresentação de estruturas pouco utilizadas na

modalidade oral – seja pelas atividades de leitura e produção textual, seja pelas

atividades sistematicamente programadas para o trabalho com os recursos lingüísticos

empregados nos textos – é fundamental. Desse modo, assume-se, nesta pesquisa, o

pressuposto adotado em VIEIRA (2004:179) de que o contexto escolar deve promover o

contato do aluno com o maior número de variantes possíveis em relação aos diversos

fenômenos variáveis, consoante a diversidade de tipos e gêneros textuais, modalidades,

variedades e registros. Assim, o estudante poderá utilizar-se das diversas opções,

quando julgar necessário, e/ou reconhecê-las nos textos contemporâneos ou de outras

sincronias.

Com base nesses pressupostos, supõe-se que os professores devam ter acesso a

informações seguras a respeito dos contextos condicionadores de diversos fenômenos

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variáveis para que, a partir de tais resultados, possam desenvolver seu trabalho em bases

mais seguras.

4.2. A ordem

4.2.1 Descrição das variáveis

A hipótese geral que norteia a pesquisa é a de que a ordem dos clíticos que se

observa nas redações escolares não corresponderia aos padrões preconizados pela

gramática tradicional, sobretudo no que toca ao emprego da ênclise, já que a próclise

seria preferencialmente usada na escrita dos estudantes.

Para investigar tal hipótese, definiram-se as variáveis a seguir.

4.2.1.1 Variável dependente

Próclise ou variante pré-verbal

(28) “Certo dia, Sani saía da universidade e seus amigos a convidaram para uma

festa.”

(29) “Um dia, quando sóbrio, sua mãe o levou para o Narcóticos Anônimos.”

(30) “ Me senti super mal no meio de tantos adolescentes irresponsáveis.”

(31) “... então a menina se tornou uma pessoa agressiva.”

Ênclise ou variante pós-verbal

(32) “Vejo-me, neste momento, em uma cadeira de rodas...”

(33) “Trata-se de um grande amigo, na verdade, quase um irmão.”

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(34)“ A vida é bela e não vale a pena desperdiçá-la.”

(35)“Meu tio é um sujeito bom, ele levou-o com ele para ir trabalhar.”

Mesóclise ou variante intra-verbal

(36) Mudar-se-ia de cidade caso fosse necessário.6

4.2.1.2 Variáveis independentes

A) Variáveis extralingüísticas (sociais):

a) Modalidade da escola: Pública/ Privada

Partiu-se da hipótese de que as propostas de cada escola influiriam no fenômeno –

a da escola pública, mais globalizante, baseada nos PCNs e voltada para a produção

textual, e a da escola privada, com uma proposta mais específica de conhecimento

gramatical, com a utilização de nomenclaturas e conceitos tradicionais. Desse modo, o

comportamento dos alunos da escola particular, quanto à ordem dos clíticos, estaria

mais próximo ao preconizado pela norma padrão, e se registraria maior uso de ênclise

nos contextos sem a presença de elementos ‘atratores’.

b) Gênero: Masculino/Feminino

A hipótese que sustenta a investigação da ordem dos clíticos por homens e

mulheres, conforme se apontou no estudo da produtividade, é a de que os homens sejam

6 Embora constitua uma das realizações possíveis para a colocação pronominal, não foram encontrados exemplos de mesóclise no corpus.

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menos conservadores e as mulheres mais conservadoras em se tratando de fatos

lingüísticos cuja mudança não afete o prestígio da variante. Assim sendo, as mulheres

empregariam mais a variante pós-verbal, especialmente nos contextos indicados nas

gramáticas tradicionais.

c) Nível de escolaridade: 4ª série EF / 8ª série EF / 3ª série EM

Acredita-se que, com o aumento do nível de escolaridade, se encontre maior uso

de pronomes enclíticos, pelo fato de os alunos da 3ª série do Ensino Médio (EM), terem

tido maior exposição à norma padrão do que os do Ensino Fundamental (EF).

d) Tipo de texto: Narração/ Dissertação

A hipótese que sustenta essa variável é a de que, no texto dissertativo, haverá

maior ocorrência de ênclise, devido ao caráter formal que este tipo de texto “exige” e

pelo fato de essa exigência ser freqüentemente reforçada pela escola.

B) Variáveis lingüísticas:

a) Tipo de clítico

Os tipos de clíticos analisados foram os seguintes:

o, a, os, as (37) “ Quando encontravam com ele na rua fingiam que não o conheciam...”

me (38) “Ele me disse que estava numa boa...”

te (39) “Não te interessa!”

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80

se reflexivo (40) “Aproximadamente aos 17 anos ele se envolveu com drogas.”

se apassivador (41) “Estava se tornando uma situação difícil de se controlar.”

se indeterminador (42) “É preciso conversar bastante para que assim se chegue a um comum acordo”

se inerente (43) “Eles depois não teriam do que se queixar .”

lhe/ lhes (44) “E para ele ficar calmo lhe deram o bagulho pra fumar”

nos (45) “Ele nos mostrou um quarto dizendo que nós podíamos passar a noite ali.”

vos * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

Para o tipo de clítico, há várias hipóteses:

▪ A primeira diz respeito ao clítico acusativo de 3ª pessoa. Conforme já citado na

seção relativa à produtividade, de acordo com NUNES (2003), os clíticos acusativos

de terceira pessoa não fariam parte do vernáculo do PB e seriam adquiridos no

desenvolvimento escolar. Desse modo, supõe-se que eles favoreçam, também quanto à

ordem, a realização tida como mais padrão, a ênclise, pelo fato de seu emprego estar

condicionado à aquisição da norma prescrita pela escola. Além disso, deve-se lembrar

que o pronome o/a (s), que ocorre bastante após infinitivo verbal, recupera, em posição

de ênclise, o padrão de sílaba mais comum na língua portuguesa, “consoante–vogal”

(CV), expresso em “lo” (ou em “no”, quando o pronome segue formas terminadas em

consoante nasal).

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▪ A segunda, relativa à forma pronominal se, baseia-se na proposta de

MONTEIRO (1994) de que a tendência para a ênclise se daria com o se apassivador;

desta forma, observa-se, neste estudo, a tendência à ênclise em suas diferentes funções:

indeterminador, apassivador, reflexivo ou inerente.

A hipótese pode ser respaldada pela explicação de VITRAL (2003), em seu

estudo sobre gramaticalização, para a entrada da partícula SE na língua. De acordo

com VITRAL (2003: 186-187), o clítico SE, que, no português atual, participa de um

bom número de construções, é originário do pronome reflexivo latino SE, acusativo (e

ablativo), que, por sua vez, se vincula à raiz indo-européia *SE. SE, a partir da

construção reflexiva, expandiu-se na língua de maneira a formar, inicialmente, a

chamada construção passiva –se, com concordância e, posteriormente, a construção

conhecida como se impessoal. Essa construção se-impessoal, como se sabe, apresenta

seu sujeito indeterminado e se expande no português, seguindo, provavelmente, de

acordo com NUNES apud VITRAL (1990: 95), a ordem seguinte:

a)verbos transitivos diretos usados intransitivamente (ex.: Come-se muito no

inverno.);

b)verbos intransitivos (ex.: Trabalha-se bastante nesse lugar.);

c)verbos transitivos preposicionados (ex.: Precisa-se de empregados.);

d)verbos de ligação (ex.: É-se feliz quando se é jovem.);

e)verbos ergativos (ex.: Chegou-se tarde à reunião.);

f)verbos em construções passivas perifrásticas (ex.: Aqui se é visto por todos.);

Seguindo, desta forma, de acordo com a hipótese, um padrão mais enclítico;

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82

▪ A terceira hipótese diz respeito aos clíticos de primeira (me, nos) e segunda

pessoas (te), que, por se referirem às pessoas do discurso, receberiam maior destaque e

ocupariam, assim, a posição mais proeminente. Desse modo, tenderiam à próclise.

▪ A quarta e última hipótese diz respeito ao lhe(s). Como esse pronome, à

semelhança do que ocorre com o, a(s), é adquirido “artificialmente”, em contexto

escolar, é de se esperar que ele apareça na posição preferida pela norma-padrão, a

enclítica.

b) Tipo de oração

Para a análise dos contextos, foram destacados os seguintes fatores:

principal (46) “Eu o chamei para ir ao Shopping....”

assindética (47) “Mas, alguns dias depois o seu pai o achou na boca de uma favela, seu pai o pegou, levou para casa e bateu muito nele.”

absoluta (48) “Não desperdice-a.”

coordenada sindética (49) “A população tem medo de sair nas ruas e em casa se tracam (sic) com medo.”

subordinada desenvolvida adjetiva (50) “Todos os exemplos positivos ou negativos nos transmiti a força que nos passam.”

subordinada desenvolvida completiva (51) “Abracei-o e finalmente disse que o amava.”

subordinada desenvolvida adverbial (52) “Eu sempre vou torcer para que tudo se resolva e dê certo.”

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83

subordinada reduzida de gerúndio (53) “ Cada vez usava mais drogas a cada dia morria um pouco se isolando do mundo.”

subordinada reduzida de infinitivo (54) “Sani e seus amigos sempre saíam para se divertir.”

subordinada reduzida de particípio * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

As hipóteses em que se baseia a formulação desta variável são as seguintes:

i)em orações subordinadas, o uso de ênclise seria menor, visto que o contexto

sintático de subordinação (que apresenta conectivo como “atrator”) favoreceria a

próclise;

ii)em orações absolutas, principais ou coordenadas, a próclise ou a ênclise seriam

favorecidas pelo contexto: a próclise e a ênclise ocorreriam de acordo com a

presença ou a ausência de atrator no contexto.

iii)em orações reduzidas, a hipótese é a de que prevaleça a ênclise - nas reduzidas

de infinitivo principalmente, pelo contexto da forma verbal.

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84

c) Ausência / presença e tipo de atrator

A questão da “atração vocabular” é bastante controversa na Língua Portuguesa.

As Gramáticas Normativas, de certa forma, alegam ser o fenômeno um assunto da

alçada da sintaxe. Desde Cândido de Figueiredo, gramáticos afirmam ser a ênclise a

posição natural, podendo ser alterada quando da ocorrência de determinadas palavras

que atraem o pronome. SAID ALI (1927), no entanto, apesar de considerar também a

ênclise como colocação normal, explica as alterações como sendo de base prosódica, o

que Bechara confirma, além de afirmar a existência de um complexo de fatores

sintáticos que também afeta o fenômeno. Neste trabalho, interessa verificar a presença

dos chamados proclisadores, independentemente da questão prosódica, já que se trata de

modalidade escrita. Desta forma, entende-se que a presença dos chamados elementos

proclisadores constituiria um contexto desfavorável à ênclise.

nenhum atrator (55)“Afastou-se dos amigos de infância...”

SN sujeito nominal (56)“...alguns amigos a convidaram para uma festa que estava acontecendo naquele exato momento.”

SN sujeito pronome pessoal (57)“... fui para um baile ‘chapa-quente’, e eu me senti o rei.”

SN sujeito pronome indefinido

(58)“...onde não conhecia ninguém e ninguém o conhecia.”

SN sujeito pronome demonstrativo

* não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

conj. coordenada aditiva (59) “...ficava ligadão e me sentia o dono do mundo.”

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85

conj. coordenada alternativa * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

conj. coordenada conclusiva * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

conj. coordenada explicativa * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

adv. curtos, como aqui * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

outros adv., como sempre (60) “Sua mãe (que era muito minha amiga) sempre me ligava.”

adv. terminados –mente (61) “Inexplicavelmente nos apaixonamos, e em menos de um mês já estávamos prometendo juras de amor.”

loc. adverbial (62) “Mais tarde se tornaram amigos...”

elemento denotativo (63) “...você não pensa em nada, você quer só se drogar.”

prep. a (64)“...e que leva os adolescentes a se envolverem com drogas e prostituição...”

prep. para (65) “... fizeram tudo o que estava ao alcance de suas condições para ajudá-la.”

prep. de (66) “estava na obrigação de ajudá-lo”

prep. por (67) “...mas que nunca me agradeceu por fazê-lo feliz.”

prep. sem (68) “... sem me preocupar com o que as pessoas irão pensar.”

prep. em * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

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part. de negação (69) “Não me esqueço até hoje o dia em que ele saiu da clínica.”

conj. subordinativa (70) “Quando se deu conta já estava envolvido com esse mundo das drogas.”

conj. integrante se * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

conj. integrante que (71) “Eu não sabia que se conheciam.”

pronome relativo que (72) “ Meus amigos não tinham mais o gosto de viver e a única coisa que lhes faziam bem eram as drogas.”

locução conjuntiva (73) “Depois que se curou, voltou pra casa dos pais.”

palavra QU pronominal (74) “A vida é um dom muito precioso e foi Deus quem nos deu.”

palavra QU adverbial (75) “Quando fala-se de Brasil questiona-se logo a política.”

pron. adv. relativo (76) “... pedir ajuda numa clínica, onde internaram-o (sic) a força.”

d) Distância entre atrator e clítico

Testa-se a hipótese de que quanto mais distante o atrator estiver do clítico, maior

será a ocorrência de ênclise. Isto porque o efeito da chamada atração seria atenuado.

nenhuma sílaba (77) “Um menino que a viu disse que ela estava embriagada.”

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1 sílaba (78) “Fugiu da polícia até que entrou numa rua e ninguém mais o viu”

2 sílabas (79) “Sua mãe conheceu um homem que logo tornou-se seu padrasto.”

3 sílabas (80) “A população tem medo de sair nas ruas e em casa se tracam com medo”

4 sílabas (81) “Só desse jeito se arrepende de ter feito tanta maldade.”

5 sílabas (82) “E ofereceram uma parada a menina, algo que segundo eles a faria relaxar e esquecer os problemas.”

6 sílabas (83) “Fabrício ao cair na real se viu numa grande roubada.”

de 7 a 10 sílabas (84) “E os amigos explicaram que para ele ficar calmo lhe deram o bagulho para fumar...”

de 11 sílabas em diante (85) “As pessoas não admitem que uma criança que sofre espancamento se torne um adulto diferente.”

e) Tempo/modo da forma verbal

As hipóteses que norteiam a análise das formas verbais são as seguintes:

▪ Os tempos do indicativo seriam neutros quanto à ordem dos clíticos

pronominais. Assim, outros fatores no contexto da própria oração, como, por exemplo, a

presença ou ausência de atrator, atuariam, ou seja, prevaleceriam sobre o tempo/modo

verbal.

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88

▪ Os tempos do subjuntivo favoreceriam a próclise devido a sua natureza

subordinativa e ao próprio fato de ocorrerem em orações que demandam conjunções e

palavras QU, vocábulos favorecedores da próclise.

▪ As formas verbais no infinitivo favoreceriam a ênclise, especialmente quando

acompanhadas dos pronomes o, a, os e as.

As formas verbais analisadas foram as seguintes:

Presente do Indicativo (86) “Não me esqueço até hoje o dia em que ele saiu da clínica.”

Pretérito Perfeito do Indicativo (88) “...um tiro certeiro na cabeça o matou sem tempo de chorar.”

Pretérito Imperfeito

do Indicativo

(89) “Uma pessoa que se dizia meu amigo...”

Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo

(90) “Márcio percebeu no que se metera.”

Futuro do Presente

do Indicativo

(91) “Uma droga se tornará mais fraca do que a outra.”

Futuro do Pretérito

do Indicativo

(92) “... contando a ele que se sentiria melhor.”

Presente do Subjuntivo * não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

Pretérito Imperfeito

do Subjuntivo

(93) “...resolvi ficar em casa e prestar atenção para que nada me acontecesse.”

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Futuro do Subjuntivo (94) “Quando se encontrarem em uma situação difícil, vão correr para seus pais.”

Imperativo (95) “Não desperdice-a!”

Infinitivo (96) “...ele foi encaminhado para uns ‘isames’ e tratamento psicológico para se tratar com ‘cauma’.”

Gerúndio (97) “Não agüentava ver ela se afundando e cada vez pior.”

Particípio *não foi encontrada qualquer ocorrência no corpus

f) Tonicidade do verbo

Historicamente, constata-se a diferença entre o Português do Brasil e o Português

Europeu em relação à ordem dos clíticos. Segundo MONTEIRO (1994), essa diferença

se dá pelo ritmo próprio que cada uma dessas variedades lingüísticas passou a

desenvolver.

De acordo, ainda, com MONTEIRO (1994:195), os vocábulos fonológicos

paroxítonos instituem “um padrão de ritmo binário” que constitui um importante fator

estrutural para a colocação dos clíticos no PB.

A hipótese em que se fundamenta essa variável é a de que, com verbos

paroxítonos, a próclise seja preferencial para a manutenção dessa “pauta

paroxitonizante” do PB, enquanto verbos oxítonos favoreceriam a ênclise pela mesma

razão.

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As formas verbais foram controladas, para a análise, da seguinte forma:

monossílabo (98) “Nem tudo está perdido, um menino que a viu no colégio se apaixonou.”

oxítono (99) “Minha tia disse que tudo começou depois que ela se envolveu com umas pessoas estranhas...”

paroxítono (100) “Inexplicavelmente nos apaixonamos, e em menos de um mês já estávamos prometendo juras de amor.”

proparoxítono (101) “Nós tínhamos quinze anos, íamos para a escola, e depois nos encontrávamos em uma praça.”

Após a apresentação das hipóteses e dos grupos de fatores constitutivos das

variáveis, passa-se à análise dos dados.

4.2.2 Ordem: resultados gerais

Para o estudo específico da ordem dos pronomes átonos, computaram-se 590

ocorrências, dentre as quais 118 são de pronomes enclíticos (20%) e 472 de pronomes

proclíticos (80%).

Percebe-se a preferência dos estudantes pelo uso da próclise, tendência apontada

por VIEIRA (2002), cujo estudo apresenta, na modalidade oral, 89% de próclise e 11%

de ênclise; na modalidade escrita jornalística, os dados não demonstram essa diferença,

tendo sido registrados 54% de próclise e 46% de ênclise.

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A ordem dos clíticos

Ênclise 20%

Próclise 80%

Gráfico 1: A ordem dos clíticos pronominais em redações escolarescom base em 590 dados.

A partir da análise de regra variável, verificaram-se os fatores favorecedores da

ênclise na totalidade da amostra.

Apresentam-se, a seguir, as variáveis selecionadas – para um input geral de

ênclise de 0,094 e uma significância de 0,009 – com seus valores absolutos, percentuais

e relativos segundo a ordem de seleção. Sempre que necessário, apresentam-se os

valores obtidos para cada fator segundo a versão inicialmente proposta para a variável.

Após a análise desses índices iniciais, expõem-se os resultados segundo a versão final

proposta para o grupo de fatores.

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4.2.2.1. Variáveis selecionadas

(A) P PRESENÇARESENÇA OUOU AUSÊNCIAAUSÊNCIA DEDE ATRATORATRATOR

A tabela a seguir diz respeito à primeira versão da variável, com a distribuição dos

dados de ênclise em relação a cada um dos fatores.

Tipo de atrator Oco. Valor percentual

nenhum 45/77 58%

SN suj. nominal 18/129 13%

SN suj. pronome pessoal 02/56 03%

SN suj. pron. indefinido 01/13 07%

SN suj. pron. demonstrativo 01/04 25%

Conj. Coord. ADITIVA 07/40 17%

Conj. Coord. ALTERNATIVA 02/02 100%

Conj. Coord. ADVERSATIVA 00/01 0%

Conj. Coord. CONCLUSIVA - -

Conj. Coord. EXPLICATIVA - -

S. Adv. AQUI - -

S. Adv. SEMPRE 00/06 0%

S. Adv. term. -MENTE 02/06 33%

loc adv. 05/22 22%

elemento denotativo 02/23 08%

prep. A 01/08 12%

prep. PARA 08/30 26%

prep. DE 08/19 42%

prep. POR 04/04 100%

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Tipo de atrator Oco. Valor percentual

prep. SEM 00/02 0%

prep. EM - -

partícula de negação 04/52 07%

conj. subordinativas 01/06 16%

conj. integrante SE - -

conj. integrante QUE 05/11 45%

pron. relativo QUE 01/63 01%

loc. conjuntiva 00/02 0%

palavra QU pronominal 00/07 0%

palavra QU adverbial 01/06 16%

pron. Adv. relativo 00/01 0%Tabela 9 : Freqüência de ênclise quanto à presença de atrator: versão inicial

Como se pode observar, não se encontraram dados de pronomes átonos em muitos

dos contextos previstos. Para alguns fatores, verificou-se a ausência de variação;

entretanto, como o número de dados é muito baixo, não foi possível propor

generalizações quanto a tais resultados.

De modo geral, pôde-se perceber uma propensão à ênclise nos casos de ausência

de atrator (58%), contexto em que o percentual de ênclise sobe sensivelmente em

relação à tendência geral do corpus.

Para uma análise mais refinada da influência dos atratores de próclise no uso da

ênclise, alguns dos fatores foram amalgamados segundo a categoria lingüística a que

pertencem (cf. tabela 10); assim, foram reunidos da seguinte forma:

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(a)todos os pronomes;

(b)todas as conjunções coordenativas, por sua “natureza” mais neutra, que

favoreceria a tendência geral do corpus;

(c)todos os elementos de natureza subordinativa, partículas de negação e palavras

QU-, que desfavoreceriam a ênclise;

(d)todos os SNs (nominais e pronominais);

(e)todas as expressões adverbiais;

(f)todas as preposições.

Desta forma, a tabela com os percentuais gerais e o peso relativo após a

reformulação da variável pode ser apresentada:

Presença ou ausência de atrator Oco. Valor percentual P. R.

Nenhum atrator 45/77 (58%) 0.91

Pronomes na função de sujeito 09/43 (20%) 0.59

Conjunções coordenativas 09/43 (20%) 0.59

Expressões adverbiais 09/57 (15%) 0.54

Preposições 21/63 (33%) 0.46

Todos os SNs (nominais e pronominais) 22/202 (10%) 0.41

Elementos de natureza subordinativa 08/96 (08%) 0.32

Tabela 10: Aplicação da ênclise quanto à presença de atrator: versão reformulada

Percebe-se que a tendência à ênclise está bem acentuada nos contextos em que

não há nenhum atrator (.91), conforme se observa nos exemplos abaixo:

(102) Iniciou-se o processo de diversificação racial brasileira

(103) Trata-se da história de um rapaz que desejava ter uma banda de rock

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(104) Trata-se de um grande amigo, na verdade, quase um irmão.

Em relação ao favorecimento à variante pós-verbal, seguem-se os fatores

“pronomes na função de sujeito”, “conjunções coordenativas” (ambos com .59) e

“advérbios” (.54), com pesos relativos apenas um pouco acima do ponto neutro.

“Preposições” (.46) e SNs (.41) desfavorecem a ênclise. Locuções subordinativas

apresentam o menor peso relativo, bem como percentual, o que evidencia que esses

elementos tendem a se definir na escrita escolar como o fator mais desfavorecedor da

variante pós-verbal.

Um dado curioso deve ser destacado no que se refere ao contexto com a presença

de elementos subordinativos. Embora a tendência verificada no corpus seja compatível

com o que propõe a norma-padrão, ou seja, a concretização da próclise, ocorreu a

ênclise em oito dados. Observem-se alguns exemplos:

(105) Porém são poucos os eleitores que preocupam-se em dar atenção a elas.

(106) Quando fala-se de Brasil, lembra-se das desigualdades.

(107) Para crianças que são bem educadas basta que olhem-lhe de maneira um

pouco mais séria...

(108) Percebi que ajudá-lo era minha obrigação.

(109) Diante disso, apesar de amá-lo, terminei com ele.

Nesses exemplos, verifica-se que o falante, ao adquirir, na escola, a ênclise, passa

a tomar a variante pós-verbal como indicada, preferida, independentemente da atuação

do atrator, configurando o que se tem chamado de hipercorreção. Essa tendência tem

sido observada impressionisticamente na fala e na escrita de brasileiros, em especial

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quando se encontram em contextos interacionais que exigem maior grau de

formalidade.

Observando-se as oito ocorrências referidas, verificou-se que cinco foram

produzidas por alunos da 3ª série do Ensino Médio e três, por alunos da 8ª série. Ao que

parece, o aumento da escolaridade deve favorecer a ocorrência da ênclise em contexto

com elemento proclisador, o que confirmaria a hipótese da hipercorreção.

VIEIRA (2002: 153), ao analisar o corpus escrito no PB, encontrou, entre outros

resultados, para o fator “nenhum atrator”, um percentual de 98% de ênclise, com peso

relativo de 1.00, o que indica a tendência à realização categórica da ênclise em tal

contexto. Os pronomes na função de sujeito têm um percentual de 0% de ênclise,

porém, há somente duas ocorrências no corpus da autora, o que impediu, inclusive, a

leitura do peso relativo. Quanto às preposições a, para e de, se reunidas, observa-se um

percentual de ênclise em torno de 40%, também elevando a tendência à ênclise se

comparada aos resultados acima. A presença de atratores tradicionais faz elevar os

índices de próclise significativamente.

Embora os índices verificados em VIEIRA (2002) não se aproximem, quanto aos

valores, dos detectados na presente pesquisa, pode-se afirmar que a tendência que eles

revelam quanto à atração do clítico pronominal é semelhante. Como a autora pesquisou

o tema em textos jornalísticos, o que se pode dizer é que a realidade apresentada nas

redações escolares é exacerbada nos textos da imprensa oficial.

A comparação dos estudos demonstra que a ênclise vem sendo adquirida pelos

alunos por meio da escola e, assim, passa a ser utilizada como modelo, de modo cada

vez mais produtivo, conforme a escolaridade e os contextos formais de uso. Como já se

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comentou, há casos em que os contextos de uso são tão artificiais que chegam a

configurar casos de hipercorreção, como em: “A vida é uma dádiva!! Não desperdice-

a!!” , encontrados no corpus desta pesquisa.

B) T TIPOIPO DEDE CLÍTICOCLÍTICO

Observe-se, a seguir, a distribuição dos dados na versão inicial deste grupo

de fatores:

Tipo de clítico Oco. Valor percentual

o, a, os, as 64/147 43%

se inerente 24/166 14%

se apassivador 04/24 16%

se reflexivo 13/88 14%

se indeterminador 03/13 23%

me 02/85 02%

lhe (s) 07/34 20%

nos 0/25 0%

vos - -

te 01/07 12%Tabela 11: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de clítico: versão inicial

Embora a ênclise seja pouco produtiva no “corpus” em geral, na análise

percentual dos dados, chama a atenção o índice referente a o, a, os, as, que aparece com

43% de freqüência de ênclise, seguido do se indeterminador e do lhe, fatores que, pelo

comportamento particular, devem figurar isolados na versão reformulada.

Os percentuais coincidentes dos fatores “se inerente” e “se reflexivo” (14%), bem

como sua semelhança morfossintática, fizeram com que esses dados fossem analisados

de forma conjunta na rodada seguinte. Não se utilizou o mesmo procedimento para os

fatores “se apassivador” e “se indeterminador”, devido ao fato de que, além de a

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indeterminação e a apassivação tradicionalmente assumirem naturezas sintáticas

distintas, os percentuais obtidos são diferentes (16% e 23%, respectivamente).

A segunda tabela para o tipo de clítico, que se apresenta a seguir, é relativa às

junções de fatores feitas para a melhor análise dos dados. Foram amalgamados,

também, os fatores relativos aos pronomes me, nos e te – os dois primeiros, por se

referirem à 1ª pessoa e, o segundo, por ter uma baixa produtividade (apenas 7

ocorrências) no corpus. .

Tipo de clítico Oco. Valor percentual P. R.

o, a, os, as 64/147 (43%) 0.86

lhe, lhes 07/34 (20%) 0.62

se inerente/reflexivo 37/254 (14%) 0.50

se indeterminador 03/13 (29%) 0.49

se apassivador 04/24 (16%) 0.27

me, nos, te 03/117 (02%) 0.09

Tabela 12: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de clítico: versão reformulada

Apesar dos baixos dados de ênclise em termos percentuais, a projeção estatística

no que se refere ao peso dos fatores no favorecimento à variante pós-verbal, confirma as

hipóteses estabelecidas: o pronome o figura como o clítico mais fortemente favorecedor

da ênclise, seguido de lhe e de se. Como elementos fortemente desfavorecedores da

ênclise, figuram os pronomes de primeira e segunda pessoas.

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Observa-se que o peso relativo dos pronomes o, a, os, as (.86) eleva bastante a

tendência geral apontada pelos percentuais (43%). No caso de me, nos, te, pronomes

comumente proclíticos, diferentemente, o peso relativo encontrado (.09) confirma a

baixíssima freqüência de ênclise (2%). Saliente-se que, no estudo com textos

jornalísticos realizado por VIEIRA (2002: 222), os clíticos me e nos apresentam um

percentual de 14% de ênclise e um peso relativo de .00, confirmando a tendência geral

dos brasileiros à realização quase categórica da próclise com relação aos pronomes de

primeira pessoa.

Embora, de acordo com os estudos do preenchimento do objeto, os clíticos o,a/s

sejam formas em extinção na fala (dado seu caráter “artificial” e, portanto, segundo a

hipótese deste trabalho, pouco produtivos na escrita), ao que parece, MONTEIRO

(1994) tem razão ao afirmar que seus alomorfes continuam “vivos como nunca”

(p.195). Na pesquisa que ora se apresenta, parte-se do princípio de que a escola busca

implementar, pelo menos na realidade representada pela amostra sob análise, não só o

clítico acusativo de terceira pessoa, mas também este na posição enclítica.

Ainda de acordo com MONTEIRO (1994), tratando-se de texto escrito, pode-se

dizer que os pronomes o, a (s), após infinitivo verbal, são a estratégia preferencial dos

estudantes para os contextos de ênclise. Para ele, esse comportamento relaciona-se,

ainda, à manutenção da pauta acentual paroxitonizante: “A justificativa não é outra:

ocorrendo em formas verbais no infinitivo, produzem fatalmente vocábulos fonológicos

paroxítonos.” (p.195)

A forma pronominal lhe/ lhes apresenta peso relativo bem acima da média geral

do corpus (.62). Essa tendência pode ser explicada pela aprendizagem desse clítico, uma

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100

vez que, não muito usado na fala e adquirido pela escola, pode ser associado ao uso de

ênclise.

De acordo com a análise do fenômeno em textos jornalísticos (VIEIRA, 2002)

quanto aos clíticos o, a, os, as, a tendência à ênclise é de .84, peso relativo quase

idêntico ao da tabela acima, em que se observa .86. No que se refere aos pronomes lhe,

lhes, os índices obtidos no estudo dos textos jornalísticos e os que se apresentam aqui

não coincidem. Na realidade, os resultados de VIEIRA referem-se a apenas 12

ocorrências de lhe, estando 9 delas (75%) em ênclise; o peso relativo (.28), entretanto,

não confirmou o favorecimento à variante pós-verbal. Ocorre que a observação dos

exemplos permitiu que a autora percebesse que a ocorrência da variante proclítica ou

enclítica se relacionava, fundamentalmente, à presença/ausência de atrator e à forma do

verbo. Na presente pesquisa, supõe-se que o fato de os alunos ainda perceberem tais

pronomes como artificiais faça com que os índices de ênclise obtidos para lhe/ lhes

sejam sempre mais expressivos do que os de VIEIRA (2002). Ao que parece, junto com

a aprendizagem dos pronomes o/a (s) e lhe(s), aprende-se também a empregar a ênclise.

No que se refere à forma pronominal se, o inerente/reflexivo e o indeterminador,

embora com percentuais diferentes, apresentam índices mais altos quanto ao

condicionamento da ordem do clítico (.49 e .50 respectivamente) do que o do se

apassivador, que, estatisticamente, se apresenta como elemento desfavorecedor da

ênclise (.27).

No estudo de VIEIRA, o pronome se, apresenta um percentual de 45% e peso

relativo de .56 para ênclise, o que confirma a média dos dados apresentados acima. A

autora advoga que o pronome se em contexto de indeterminação / apassivação possa

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101

estar se cristalizando como uma estrutura altamente favorável à ênclise no Português do

Brasil.

C) T TIPOIPO DEDE ORAÇÃOORAÇÃO

A princípio, a definição dos fatores deu-se da seguinte forma:

Tipo de oração Oco. Valor percentual

Reduzidas de infinitivo 52/109 47%

Reduzidas de gerúndio 09/18 50%

Subordinadas adjetivas 02/78 02%

Subordinadas completivas 03/30 10%

Subordinadas adverbiais 06/29 20%

Absolutas 12/75 16%

Coordenadas Assindéticas 06/83 07%

Coordenadas Sindéticas 06/90 06%

Principais 22/78 28%Tabela 13: Freqüência de ênclise quanto ao tipo de oração: versão inicial

Como se observa pela tabela acima, os maiores índices de ênclise (acima de 10%)

encontram-se entre as orações reduzidas de gerúndio (47%) – as menos representadas

no corpus (18 dados) – e de infinitivo (50%) – as que nele ocorrem em maior número

(109 dados) –, seguidas pelas principais (28%), as adverbiais (20%) e as absolutas

(16%).

De acordo com a hipótese inicial, esperava-se que as orações que apresentassem

um elemento atrator tradicional mostrassem menor incidência de ênclise, o que

aconteceu com as adjetivas (2%) e as coordenadas sindéticas (6%), mas não com as

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102

completivas (10%) e as adverbiais (20%). Por outro lado, as orações em que não há os

tradicionais atratores – as principais (28%), as absolutas (16%) e as assindéticas (7%) –

tiveram comportamento diversificado.

Acredita-se que isso se deva não só à pouca familiaridade dos alunos com os

clíticos – e, conseqüentemente, com as normas padrão quanto à ordem –, mas também à

sua própria dificuldade em lidar (e identificar) com os conectores interfrásticos.

KOCH (1992:84) afirma que “estudos recentes como os de Rocco (1981) e Lemos

(1977), entre vários, têm revelado que o uso inadequado dos conectivos constitui um

dos maiores problemas nas redações escolares”. Cita, ainda, algumas observações de

um estudo de Kleiman (1983) – realizado com 93 alunos de quinta e sexta séries do

antigo Primeiro Grau, cujas idades variavam entre 10 e 15 anos – em que esta afirma

que os “conectivos são de difícil acesso mesmo quando o contexto fornece as pistas

necessárias para determinar seu valor”, pois “a criança mostra-se incapaz de

explicitar o significado do conectivo, significado para o qual não há de fato pistas

estruturais, utilizando os outros componentes do texto (Halliday e Hasan, 1970),(p.

47)”.

Diante desses fatos, optou-se por reunir os dados conforme se explicita a seguir:

(a) orações independentes, que reúnem as orações absolutas, as principais e as

coordenadas assindéticas;

(b) orações dependentes, que reúnem as coordenadas sindéticas, subordinadas

adjetivas, adverbiais e completivas.

Não se amalgamaram as reduzidas de infinitivo e de gerúndio pelo fato de as

primeiras serem comumente mencionadas como um fator que possibilita mais variação

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103

entre próclise e ênclise. Observem-se os resultados obtidos após a reformulação da

variável:

Tipo de oração Oco. Valor percentual P. R.

Reduzidas de infinitivo 52/109 (47%) 0.76

Reduzidas de gerúndio 09/18 (50%) 0.54

Independentes 40/236 (16%) 0.53

Dependentes 17/227 (07%) 0.32

Tabela 14: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de oração: versão reformulada

Percebe-se que a tendência à ênclise é acentuada nas reduzidas de infinitivo,

tanto pelo valor percentual, bem acima da média geral do corpus, como em relação ao

peso relativo, com projeção de .76.

(110) Eles podem estar na cadeia por faltas de provas para inocentá-lo.

(111) Apesar da sociedade descriminá-los são seres humanos como outros

qualquer.

Nas reduzidas de gerúndio, a tendência à média se estabelece, tanto no percentual

(50%) quanto no peso relativo (.54), o que sugere uma neutralidade desse contexto no

que se refere ao condicionamento da ordem dos clíticos. Essa neutralidade também se

verifica no contexto com as orações independentes, em termos relativos (.53). Ao que

parece, no caso das orações reduzidas de gerúndio e nas orações independentes, a

atuação das demais variáveis, como presença de atrator e tipo de clítico, é definidora da

ordem.

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104

Percebe-se que as orações dependentes constituem contexto desfavorecedor da

variante pós-verbal. A tendência à ênclise (.32) diminui, influenciada sobretudo pela

presença dos elementos subordinativos que atuam como operadores de próclise.

Observando os exemplos do “corpus”, suspeitou-se que o alto índice de

favorecimento à ênclise no caso das orações reduzidas de infinitivo podem estar

relacionados também ao tipo de clítico. Para investigar tal hipótese, procedeu-se ao

cruzamento dos grupos de fatores tipo de oração e tipo de clítico.

Tipo de clítico X

Tipo de oraçãoIndependentes Dependentes Reduzidas de

gerúndioReduzidas de

infinitivo

o 11/4624%

03/5106%

03/03100%

47/47100%

me 01/5402%

01/5102%

00/0300%

01/1010%

se reflexivo/inerente 21/10320%

09/10209%

05/1050%

02/3905%

se indeterminador 02/0633%

01/0617%

00/0000%

00/0100%

se apassivador 03/1225%

01/0714%

00/0000%

00/0500%

lhe 02/1513%

02/1020%

01/0250%

02/0729%

Tabela 15: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clítico e tipo de oração.

De fato, o cruzamento das variáveis revela que o contexto de forma verbal

infinitiva acompanhada da forma pronominal o, a (s) constitui forte condicionamento

da ênclise.

A fim de refinar a análise, procedeu-se também ao cruzamento dos grupos de

fatores “tipo de oração” e “série”. Desse modo, foi possível observar se, à medida que

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105

aumenta a escolaridade do informante, aumentaria o respeito à norma-padrão no

condicionamento da próclise. Observem-se os resultados obtidos:

Série X Tipo de oração

Independentes Dependentes Reduzidas de gerúndio

Reduzidas de infinitivo

Quarta 06/0786%

02/1315%

00/0000%

02/2209%

Oitava 12/3931%

03/6605%

02/0729%

05/7207%

Terceira 34/6354%

12/14808%

07/1164%

33/14223%

Tabela 16: Freqüência de ênclise com base no cruzamento das variáveis tipo de clíticoe série.

No que se refere às orações reduzidas, verificou-se que, de fato, o aumento da

escolaridade corresponde à maior concretização da ênclise. No caso das reduzidas de

gerúndio, apesar de ocorrerem em número reduzido e não terem sido produzidas na 4ª

série, pode-se perceber um aumento da ênclise da 8ª série do ensino fundamental para o

3º ano do ensino médio. As orações reduzidas de infinitivo registram sensível aumento

do índice de ênclise especialmente no 3º ano (23%). Nas orações “dependentes”,

também se verifica que o comportamento dos alunos, ao menos parcialmente, se

encaminha em direção à norma: da 4ª série para a 8ª, a ocorrência de ênclise diminui de

15% para 5%, numa atitude que pode denunciar o reconhecimento da chamada atração

do clítico. As orações independentes não permitem maior generalização quanto à

atração gramatical porque elas também podem conter elementos proclisadores ou não.

Os resultados acima, especialmente no que se refere aos contextos com infinitivo

verbal, confirmam o que foi detectado por VIEIRA, NUNES & BARBOZA (2004), que

também investigaram o fenômeno em redações escolares. Ao que parece, a

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106

aprendizagem da variante pós-verbal na escrita escolar começa pelos contextos menos

comuns na norma de uso do PB oral, como: contextos com os pronomes o,a(s),

especialmente em estruturas acompanhadas de infinitivo verbal.

D) ESCOLARIDADE: SÉRIE

Dentre as variáveis selecionadas pelo programa, duas são extralingüísticas.

Selecionada em 4º lugar, após as variáveis lingüísticas, pode-se atestar a importância de

tal variável para este estudo observando-se os resultados tanto com relação à ordem

quanto com relação à produtividade.

SSÉRIEÉRIE Oco. Valor percentual P. R.

Quarta sérieQuarta série 10/4210/42 (23%)(23%) 0.490.49

Oitava sérieOitava série 22/18422/184 (11%)(11%) 0.300.30

Terceiro anoTerceiro ano 86/36486/364 (23%)(23%) 0.600.60Tabela 17: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante

Com relação à freqüência de uso dos clíticos, verificou-se um aumento gradativo

na utilização dos pronomes átonos por parte dos alunos – conforme demonstrado na

análise dos dados de produtividade. O uso dos clíticos aumenta sensivelmente de acordo

com o aumento da escolaridade.

Quanto à ordem, o percentual de uso da ênclise foi maior na quarta série do

Ensino Fundamental e na terceira série do Ensino Médio (ambos com 23%) do que na

oitava série (11%). Embora haja uma “coincidência” de valores percentuais, a

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107

relevância de cada um desses fatores no condicionamento da ênclise é esclarecida pelos

pesos relativos.

Com relação aos índices relativos, observa-se que o favorecimento ao uso da

ênclise é de .49 na 4ª série, decresce para .30 na 8ª série e passa a .60 no 3º ano do

Ensino Médio. Para melhor visualização desses resultados, observe-se o gráfico a

seguir:

49

30

6051

70

40

0

20

40

60

80

100

Ênclise Próclise

Distribuição de dados quanto à série: pesos relativos

4ª série8ª série3º ano

Gráfico 2: Aplicação da ênclise quanto à escolaridade do informante

Este aumento do peso relativo ao fim do Ensino Médio está de acordo com a

hipótese inicial. Para a diminuição do índice da 4ª para a 8ª série, não havia uma

pressuposição inicial específica. Observando-se os resultados, considerou-se a hipótese

de que, de certa forma, o fato de as crianças da quarta série ainda apresentarem uma

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108

identificação muito grande com a escola e não estarem em uma fase de contestação

poderia justificar o fato de que iniciem o processo de “assumir” o modelo enclítico que

lhes está sendo imposto desde a alfabetização. Na oitava, os alunos, adolescentes,

fazem justamente o contrário, deixando de lado certos modelos. Por outro lado, os da

terceira série do EM, voltados para o vestibular, para outros concursos e para a entrada

no mercado de trabalho, estariam mais abertos à absorção de alguns modelos, ao menos

no contexto de escrita escolar. Desse modo, o percentual de ênclise volta ao patamar dos

23% na terceira série e a projeção estatística demonstra o favorecimento à ênclise (.60).

LABOV (1972) faz referência a uma certa oscilação entre o uso ou a negação de

modelo sociolingüístico com relação às faixas etárias, associando-as ao aumento da

escolaridade e à entrada no mercado de trabalho. Segundo o autor, o indivíduo, nessas

duas etapas da vida, estaria mais próximo das variantes de prestígio, devido às pressões

sociais sofridas nesses diferentes momentos. Obviamente, tal hipótese não foi aplicada

neste caso; no entanto, percebeu-se uma certa tendência a semelhante oscilação (ainda

que de forma bastante adaptada) pelas motivações citadas acima.

E) TIPO DE TEXTO

A variável tipo de texto apresenta-se relevante ao condicionamento do fenômeno.

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109

TTIPOIPO DEDE TEXTOTEXTO Oco. Valor percentual P. R.

DissertativoDissertativo 54/15354/153 (35%)(35%) 0.650.65

NarrativoNarrativo 64/43764/437 (14%)(14%) 0.440.44

Tabela 18: Aplicação da ênclise quanto ao tipo de texto

Em nenhum dos dois tipos de texto, o percentual de uso de ênclise foi maior do

que o de próclise; no entanto, há um aumento de uso daquela (9 pontos percentuais)

quando se trata da dissertação, talvez pelo caráter mais formal e impessoal que a escola

imponha ao gênero dissertativo-argumentativo. Quanto aos pesos relativos, confirma-se

que o texto dissertativo (.65) favorece a variante pós-verbal em comparação ao peso do

fator relativo ao texto narrativo (.44).

Segue gráfico para mera ilustração:

65

4435

56

0

20

40

60

80

100

Ênclise Próclise

Distribuição dos dados quanto ao tipo de texto: pesos relativos

dissertaçãonarração

Gráfico 3: Distribuição dos dados quanto ao tipo de texto – pesos relativos

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110

Consoante a hipótese que sustentou esta investigação, o texto narrativo, dado o

uso freqüente de reprodução de diálogos e o maior uso de estruturas produtivas na

oralidade, constitui um tipo de texto que favorece a próclise.

De modo geral, as variáveis extralingüísticas apresentaram o resultado esperado

segundo as hipóteses levantadas para o presente trabalho.

4.2.2.2 Variáveis não-selecionadas

As variáveis lingüísticas distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo,

tonicidade da forma verbal, forma do verbo e as extralingüísticas gênero do informante

e tipo de escola não demonstraram comportamento relevante para o condicionamento da

ordem dos clíticos pronominais, conforme demonstraram as diversas rodadas do

programa que foram efetuadas.

Apenas para dar a dimensão dos fatos verificados na amostra estudada, adotaram-

se os seguintes procedimentos quanto às referidas variáveis:

(a) no que diz respeito às variáveis lingüísticas, apresentam-se, sob a forma de

tabela, os valores absolutos e percentuais referentes à ênclise obtidos para cada fator no

anexo, com um breve comentário.

(b) quanto às variáveis extralingüísticas, dada sua natural e inegável importância

em estudos de natureza sociolingüística, apresenta-se, a seguir, uma breve descrição dos

dados encontrados.

a) Gênero do informante

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111

Observa-se, na tabela e no gráfico a seguir, que a diferença de comportamento

entre meninos e meninas não é expressiva.

GÊNEROGÊNERO Oco. Valor percentual

meninos 39/252 15%

meninas 79/259 23%

Tabela 19: Freqüência da ênclise quanto ao gênero do informante

Percebe-se que tanto o gênero masculino quanto o feminino têm preferência pela

próclise; no entanto, há uma pequena vantagem feminina em relação ao uso da ênclise.

Como a diferença é muito pequena (8 pontos percentuais) e como a variável não se

mostrou estatisticamente relevante, pode-se afirmar que os dados não confirmam a

hipótese laboviana de que o gênero masculino utilize mais as formas não-padrão do que

o feminino. Em outras palavras, os resultados obtidos não permitem afirmar que, no

fenômeno da colocação pronominal, as mulheres inovariam na implementação da

próclise, variante não estigmatizada no Português do Brasil.

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112

1523

8577

0

20

40

60

80

100

Ênclise Próclise

Distribuição dos dados quanto ao gênero: percentuais

MeninosMeninas

Gráfico 4 : A ordem dos clíticos quanto ao gênero do informante

b) Tipo de escola

A hipótese de que o tipo de escola – pública ou particular – levaria a índices

diferentes de ênclise, devido à adoção de práticas metodológicas diferenciadas, não se

confirmou. Observe-se, na tabela e no gráfico a seguir, a semelhança de comportamento

entre os fatores.

MODALIDADE ESCOLAR

Oco. Valor percentual

escola pública 43/265 16%

escola particular 75/325 23%Tabela 20: Freqüência da ênclise quanto ao tipo de escola

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113

Embora com uma diferença percentual muito pequena, é possível observar que os

alunos da escola particular utilizam um pouco mais a ênclise do que os da escola

pública. Não se pode, no entanto, com essa pequena diferença de sete pontos

percentuais, afirmar uma tendência à comprovação da hipótese levantada para este

trabalho: a da manutenção do status da norma padrão por parte da escola particular.

1623

8477

0

20

40

60

80

100

Ênclise Próclise

Distribuição dos dados quanto ao tipo de escola: percentuais

Colégio PúblicoColégio Particular

Gráfico 5: A ordem dos clíticos quanto à modalidade escolar

Na realidade, esse resultado leva a uma reflexão sobre a realidade escolar no Rio

de Janeiro como um todo. Em primeiro lugar, a diversidade de colégios e,

conseqüentemente, de modelos pedagógicos é muito grande. Uma observação

impressionística de escolas e o contato mais direto com algumas delas permitem supor

que o trabalho mais seguro com esse grupo de fatores requer uma amostra mais variada

e que seja estabelecida de forma a ser representativa dessas múltiplas realidades.

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114

De acordo com os resultados apresentados, percebeu-se que a próclise foi a opção

preferencial na modalidade escrita escolar. Os resultados das variáveis selecionadas

foram, na maioria dos casos, compatíveis com as hipóteses estabelecidas e com outros

estudos sobre o fato.

Pôde-se concluir que a ênclise é mais produtiva em contextos muito específicos,

como, por exemplo, períodos com orações sem a presença de atrator e em construções

com o pronome o, a (s) após infinitivo verbal. Percebe-se, com isso, uma influência,

ainda que módica, da norma gramatical veiculada pela escola sobre a escrita desses

estudantes.

A partir das variáveis selecionadas pelo programa, pode-se finalmente refletir

sobre a questão da norma e variação no ensino da língua materna. É interessante que o

programa tenha classificado como primeiras variáveis selecionadas a presença de

atrator, o tipo de clítico e o tipo de oração, seguidas das extralingüísticas série e tipo de

texto.

A primeira reflete o conhecimento dos alunos dos ditos atratores. Tal

conhecimento pode ser fruto de uma contribuição da escola, uma vez que, se, de acordo

com MONTEIRO (1994), não existem palavras com o “poder” de atrair outras, esse

poder só pode ser dado por um ambiente conscientemente preparado para divulgá-las; a

escola coloca tais palavras como “imantadas” em relação aos clíticos, ou, pelo menos

como “abonadoras” dos contextos em que não há ênclise.

A variável série escolar também demonstra que, ainda que de forma modesta, a

escola exerce certa influência sobre a aprendizagem das normas da ordem dos clíticos,

visto que, ao fim da 3ª série do EM, os alunos apresentam tendência ao uso da ênclise

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115

de forma um pouco mais produtiva. Percebe-se, no entanto, que tal influência não é

suficiente para que a próclise, como já se esperava, mesmo ao fim do ciclo escolar,

deixe de constituir o uso preferencial por parte desses estudantes em diversos contextos

morfossintáticos.

Então, cabe aqui uma reflexão sobre esse ensino. Será mesmo válido? Influirá a

posição do pronome no desempenho textual dos alunos? Mesmo não sendo o objetivo

do trabalho fazer uma comparação entre uso de clíticos e proficiência textual (o que,

aliás, seria um interessante estudo), essa reflexão sugere que o tempo que se emprega

para o ensino das regras da “ordem dos clíticos” às vezes se torna improdutivo, na

medida em que a norma divulgada não pode ser totalmente apreendida, uma vez

incompatível com a norma culta em uso no Português do Brasil.

Essa realidade, então, nos remete à questão levantada por LUCCHESI (2002),

sobre os usos no Português do Brasil: por que buscar uma norma idealizada, tão

distante, se podemos calcar nosso ensino numa norma objetiva, baseada no uso dos

falantes?

Desta forma, pelo menos com relação à escrita dos estudantes, é preciso

fundamentar a prática pedagógica nas diferenças entre a escrita e a fala, mas não entre

PE e PB. E o que se espera é que essa diferença seja relevante para o ensino da

gramática, no intuito de se buscar um ensino mais efetivo, calcado naquilo que

LUCCHESI (2002) chama de “normal”, como é o uso da próclise por nossos alunos.

Não se trata somente de estudar a colocação pronominal, mas também de levar o

aluno a reconhecer os clíticos como recursos anafóricos importantes para a construção

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116

de um texto, sem, no entanto, colocar fala e escrita em patamares de importância e

correção diferentes, como se, na fala, tudo fosse permitido e, na escrita, nada.

A respeito do ensino da ordem, manifesta-se VIEIRA (2004), em artigo intitulado

O ensino da colocação pronominal: prescrição e uso. Deve-se, segundo a autora, ver,

no estudo da colocação pronominal, “uma oportunidade de evidenciar uma intrincada

rede de relações que se travam entre os diversos níveis gramaticais”. Desta forma,

deve-se observar que a fala é uma das realizações possíveis e não menos importante que

a escrita. A opção do aluno deve ser consciente, com base no (re-)conhecimento das

variantes, para que o mesmo se utilize da ênclise quando o contexto permitir e ele assim

o desejar.

Através de uma segura descrição científica, é possível, entre outros

procedimentos, dar à próclise o status de variante legítima, bem como explicitar que a

mesóclise é resultado de um processo de gramaticalização, por que passou o tempo

futuro, e por que passa até os dias atuais.

Acima de tudo, é preciso mudar a mentalidade repressora de alguns profissionais

de que pensam que, para se ter conhecimento da língua e valorizá-la, seja preciso partir

do conhecimento teórico de algumas de suas mais detalhadas particularidades ou seguir

modelos aleatórios, em vez de reconhecer seu uso e as múltiplas formas de emprego. Na

verdade, essa mentalidade tem sido produtora de instrumentos de opressão lingüística,

pois, ao invés de fazer com que o aluno se interesse por seu estudo, cada vez mais o

afasta dele.

Além disso, há que se questionar o fato de que muitos materiais didáticos de hoje

não têm como foco o domínio das diversas variedades e modalidades lingüísticas, que

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117

vão do mais oral ao mais escrito; do mais informal ao mais formal, do mais rural ao

mais urbano, conforme propõem os contínuos estabelecidos por BORTONI-RICARDO

(2004) – oralidade-letramento, monitoração estilística, urbanização. Nesse sentido, a

escola por vezes restringe-se a apresentar a variante tida como de prestígio em manuais

normativos, não fazendo um trabalho com as diversas variantes dos fenômenos

lingüísticos.

De acordo com VIEIRA (2004), a escola deveria cumprir o propósito de oferecer

ao aluno as normas de uso depreendidas a partir da realidade sociolingüística, de modo

a possibilitar

... ao aprendiz o conhecimento do maior número possível de opções, respeitando-se os contínuos da variação e sem negar o estatuto social da linguagem, que é padronizador e variável a um só tempo. (VIEIRA & BRANDÃO, 2004: 204)

Ao trabalhar com base em resultados sociolingüísticos, os professores teriam

informações concretas a respeito dos contextos condicionadores dos usos lingüísticos

encontrados nas produções de seus alunos para, com base em tais resultados, apresentar

reflexões mais seguras acerca não só dos fatores que favorecem, por exemplo, a

preferência pela próclise em textos escritos, mas também do papel da escola no ensino

da colocação pronominal.

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118

5. CONCLUSÃO

Este estudo desenvolveu-se na perspectiva da Sociolingüística Variacionista de

inspiração laboviana, tendo como objetivo observar, com apoio em corpus eliciado de

360 redações, a produtividade e, principalmente, a ordem dos clíticos pronominais na

escrita de estudantes distribuídos pelas séries finais do primeiro (4ª série) e do segundo

(8ª série) segmentos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (3ª série). Desse modo,

o estudo pôde aquilatar a influência da escola na aprendizagem das normas de

colocação pronominal consideradas padrão no âmbito da Gramática Tradicional.

A análise constituiu-se de duas etapas. Na primeira, focalizou-se, com base em

amostra de 396 dados, a produtividade dos clíticos de terceira pessoa frente a outras

estratégias de preenchimento do objeto. Na segunda, tratou-se, com base em amostra de

590 dados, da ordem dos clíticos pronominais junto a lexias simples, buscando-se

depreender os fatores estruturais e extralingüísticos que condicionam o uso da ênclise.

A- No que se refere à análise do uso e da produtividade dos clíticos de terceira

pessoa, realizada com base na distribuição percentual dos dados de acordo com quatro

variáveis extralingüísticas, podem-se tecer as considerações a seguir elencadas.

(a) No cômputo geral, o clítico mostrou-se a estratégia de preenchimento mais

produtiva, com índice de 37%. Amalgamando-se o preenchimento pelo mesmo ou por

outro SN num só fator (23%), observa-se que esta variante apresenta índices bastante

próximos das demais: categoria vazia (21%) e pronome reto (20%).

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(b) Tanto na escola pública (28%) quanto na escola privada (51%), a estratégia

predominante é o uso do clítico, embora na última ocorra com maior freqüência. Quanto

à variante mais estigmatizada – o pronome reto –, é na escola pública que atinge o mais

alto índice (26%).

(c) O controle da variável gênero demonstrou que as alunas não só utilizaram

menos o clítico pronominal (34%) do que os alunos (42%), mas também empregaram

mais o pronome reto (23%) – a forma estigmatizada – do que os homens (14%), embora

deixem a posição de objeto vazia (a estratégia inovadora menos estigmatizada) em

maior número que os homens. O cruzamento dessa variável com o grupo escolaridade

permitiu, no entanto, verificar que o comportamento feminino é apenas aparentemente

instável em relação à adoção de estratégias mais ou menos padrão, pois, com o aumento

da escolaridade, as alunas (i) passam a adotar a variante clítica de forma mais acentuada

(da 4ª série do Ensino Fundamental para a 3ª série do Ensino Médio) do que os alunos e

(ii) em relação à variante mais estigmatizada, reduzem drasticamente seu uso, sendo

neste caso os homens os que se pautam por um comportamento mais instável.

(d) Comprova-se a hipótese de que a escola influencia na escolha das estratégias

de preenchimento do objeto, e em especial, na aprendizagem do uso do clítico, haja

vista que seus índices de freqüência passam de 14%, na quarta série, para 31%, na

oitava, alcançando 58% das ocorrências, no 3º ano do Ensino Médio.

(e) Em relação ao tipo de texto, as retomadas anafóricas por meio do clítico são

um pouco mais produtivas na dissertação (41%) do que na narração (36%).

Observando-se essa variável à luz do grupo de fatores escolaridade e confrontando-se a

estratégia privilegiada pela gramática tradicional (o clítico) e a por ela mais

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estigmatizada (o pronome reto), verifica-se que, ao longo do processo de escolarização,

os alunos, gradativamente, não só se familiarizam com o uso dos clíticos adequando seu

emprego aos diferentes tipos de texto, mas também se conscientizam das estratégias

mais ou menos estigmatizadas. Com base nos índices percentuais obtidos, pode-se

formular uma escala de produtividade (ascendente e/ou descendente) das duas referidas

estratégias, por tipo de texto, partindo-se da série inicial para a final. Assim, (i) em

dissertações, enquanto o emprego do pronome reto decresce (14% → 0% → 0%),

implementa-se o emprego do clítico (14% → 100% → 50%); (ii) em narrativas, o mesmo pode

ser observado: há um decréscimo de uso do pronome reto (61% → 22% → 5%), e um aumento

de uso do clítico (14% → 24% → 61%),

B- No que toca à análise variacionista sobre a ordem dos clíticos, realizada no

intuito de detectar os fatores que presidem ao uso da ênclise na escrita de estudantes e

com base no controle de quatro variáveis extralingüísticas e seis estruturais,

apresentam-se as conclusões a seguir.

(a) A ênclise ou variante pós-verbal apresenta baixa produtividade na amostra

(20% – 118 oco) em relação à próclise ou variante pré-verbal (80% – 472 oco), que, na

modalidade oral, como demonstram estudos como o de VIEIRA (2002), alcança altos

índices de freqüência no Português do Brasil; não foi registrado qualquer caso de

mesóclise, a variante intraverbal.

(b) Mostraram-se relevantes para a aplicação da regra, por ordem de

importância, as variáveis presença ou ausência de atrator, tipo de clítico, tipo de

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oração, escolaridade e tipo de texto, confirmando-se as hipóteses quanto a elas

anteriormente formuladas.

(b1) Quanto à presença ou ausência de atrator, a tendência à ênclise é bem

acentuada nos contextos em que não ocorre atrator, decrescendo quando estão em causa

os fatores pronomes na função de sujeito, conjunções coordenativas (ambos com p. r.

.59) e advérbios (p. r. .54). Desfavorecem a variante pós-verbal as preposições (p. r.

.46) e os SNs (p. r. .41) e sobretudo, os elementos de natureza subordinativa (p. r. .32)

(b2) O controle da variável tipo de clítico mostra ser o pronome o/a(s) (p. r. .86)

o clítico mais altamente favorecedor da ênclise, seguido de lhe e de se; contrariamente a

essa tendência, os de primeira e segunda pessoas são os mais suscetíveis à próclise (p. r.

.09 de ênclise).

A forma pronominal se, o inerente/reflexivo e o indeterminador, embora com

percentuais diferentes, apresentam índices mais altos quanto ao condicionamento da

ordem do clítico (.49 e .50 respectivamente) do que o do se apassivador, que se

apresenta como elemento desfavorecedor da ênclise (.27).

(b3) No que se refere ao tipo de oração, verifica-se que a ênclise é acentuada nas

reduzidas de infinitivo (p. r. .76) e mediana nas reduzidas de gerúndio (p. r. .54), o que

também ocorre com as orações independentes (p. r. 53), provavelmente, no caso das

duas últimas, por influência de outras variáveis como tipo de clítico e presença ou

ausência de atrator. As orações dependentes, por outro lado, favorecem a próclise (p. r.

.32 de ênclise), por conta, certamente, da presença dos tradicionais operadores de

próclise.

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O cruzamento dessa variável com o grupo tipo de clítico evidenciou que forma

verbal de infinitivo acompanhada de o/a(s) constitui forte condicionante para a ênclise.

Já seu cruzamento com o grupo escolaridade demonstrou, em relação às reduzidas

de infinitivo, que, à medida que aumenta a escolaridade, mais se aplica a ênclise nesse

tipo de oração. No caso das “dependentes”, ao menos parcialmente, tudo indica que os

alunos se encaminham em direção à norma: da 4ª série para a 8ª, a ocorrência de ênclise

diminui de 15% para 5%, numa atitude que pode denunciar o reconhecimento da

chamada atração do clítico.

(b4) A variável extralingüística escolaridade, fundamental no que tange à

hipótese central deste estudo, mostrou-se relevante também para a aplicação da ênclise.

Embora permita – conforme evidenciou a análise relativa à produtividade – que se

observe o aumento gradativo do uso dos clíticos consoante o aumento de escolaridade,

os resultados referentes ao condicionamento ao uso da ênclise por série (p. r. 49 na 4ª

série; .30 na 8ª série e .60 no 3º ano do EM) requerem uma interpretação à luz das

características do grupo social objeto desta análise.

O maior uso da ênclise por parte de alunos do Ensino Médio vai ao encontro da

hipótese inicial, uma vez que, voltados para o vestibular, para outros concursos e para a

entrada no mercado de trabalho, estariam mais abertos à absorção de modelos

considerados de mais prestígio, ao menos no contexto de escrita escolar.

O mesmo não se dá com a diminuição do emprego da ênclise da 4ª para a 8ª série

do Ensino Fundamental, que não coincide com as expectativas iniciais. Assim,

considerou-se a hipótese que, de certa forma, o fato de as crianças da quarta série ainda

apresentarem uma identificação muito grande com a escola poderia levá-los a “assumir”

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o modelo enclítico que lhes estaria sendo imposto desde a alfabetização. Na oitava série,

os alunos, já adolescentes, por estarem em fase de contestação de modelos de toda

ordem, fariam justamente o contrário, deixando de lado as estruturas consideradas

padrão.

(b5) A variável tipo de texto, que, na etapa de análise da produtividade, ensejou

interessantes observações sobre a aprendizagem do uso dos clíticos, também foi

selecionada como relevante para o emprego da variante pós-verbal.

Em nenhum dos dois tipos de texto, o percentual de uso de ênclise foi maior do

que o de próclise; no entanto, há um aumento de uso daquela (9 pontos percentuais)

quando se trata da dissertação, talvez pelo caráter mais formal e impessoal que a escola

imponha ao texto dissertativo-argumentativo. Quanto aos pesos relativos, confirma-se

que o texto dissertativo (.65) favorece a variante pós-verbal em comparação ao peso do

fator relativo ao texto narrativo (.44).

(c) Não se mostraram relevantes para a aplicação da regra as variáveis

lingüísticas distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo, tonicidade da forma

verbal, forma do verbo e as extralingüísticas gênero do informante e tipo de escola.

(c1) Quanto às variáveis lingüísticas não selecionadas (cf. anexo), verificou-se

que as diferenças entre os índices obtidos para os fatores relativos à distância entre o

atrator e o grupo clítico-verbo e à tonicidade da forma verbal não confirmaram as

hipóteses anteriormente formuladas.

O comportamento dos fatores da variável forma do verbo – em sua versão inicial e

na versão reformulada segundo o modo e as formas nominais do verbo – demonstrou

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que esse grupo apresentava nítida superposição com o grupo tipo de oração, motivo que

determinou sua exclusão em diversas rodadas.

(c2) A variável extralingüística gênero do informante, que apontou uma pequena

vantagem feminina em relação ao uso da ênclise, também não se mostrou

estatisticamente relevante, de modo que não se confirmou a hipótese laboviana de que o

gênero masculino utilize mais as formas não-padrão do que o feminino.

Quanto à modalidade escolar, os resultados demonstram uma pequena vantagem

dos alunos da escola particular em relação aos da escola pública, vantagem que não

permite a comprovação da hipótese da manutenção do status da norma padrão por parte

da escola particular. Assim, o estudo propõe que o trabalho com esse grupo de fatores

requer uma amostra mais variada e que seja estabelecida de forma a ser representativa

das múltiplas realidades escolares do Rio de Janeiro.

C- Tomando por base os resultados obtidos nesta pesquisa, percebe-se a influência

da norma gramatical veiculada pela escola (pública ou particular) sobre a escrita dos

estudantes (alunos ou alunas), influência que se torna cada vez mais nítida consoante o

aumento da escolaridade, o modelo implementado para cada tipo de texto e os contextos

lingüísticos que se mostraram relevantes.

Tais resultados ensejaram reflexões diversas sobre a questão da norma e variação

no ensino da língua materna. Além da aprendizagem de determinados clíticos, que não

são adquiridos de forma natural no Português do Brasil, os resultados demonstraram que

o conhecimento dos alunos (i) dos contextos morfossintáticos em que a escrita padrão

tem por opção preferencial a ênclise e (ii) da atuação dos elementos proclisadores no

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condicionamento da variante pré-verbal pode ser considerado fruto da influência dos

meios escolares.

Com a implementação de tal conhecimento, não se pode negar que a escola acaba

por ser fortemente reprodutora dos valores lingüísticos e sociais das formas que adota,

especialmente na modalidade escrita. A esse respeito, cabe a reflexão sobre o

aproveitamento dos resultados sociolingüísticos na realidade do ensino da Língua

Portuguesa, no que tange (a) ao desenvolvimento da proficiência textual dos alunos, e

(b) à divulgação do que se configuraria a norma culta em uso no PB.

Quanto ao primeiro aspecto, é preciso assegurar que todo conhecimento

lingüístico divulgado pela escola deve colaborar com o aprimoramento do desempenho

dos estudantes como leitores e produtores de textos, textos que são produzidos com

diferentes estratégias lingüísticas a depender da modalidade, do grau de formalismo e da

variedade adotada. Além disso, considera-se que o ensino do uso e da ordem dos

pronomes átonos deva levar o aluno a reconhecer os clíticos como recursos anafóricos

importantes para a construção de um texto, falado ou escrito.

No que se refere à divulgação do que se configuraria a norma culta em uso no PB,

o contexto escolar deve ter o cuidado de não propor o ensino das “regras da ordem dos

clíticos” sem qualquer contextualização sociolingüística. Supõe-se que tratar do tema

como um fenômeno obrigatório e invariável constitui estratégia indesejável

pedagogicamente e improdutiva, uma vez que a norma divulgada é, muitas vezes,

incompatível com a norma em uso na realidade lingüística vivenciada pelo estudante.

Nesse sentido, deve-se, na apresentação de variantes desconhecidas, adotar

procedimentos que estejam calcados no conhecimento já adquirido pelos alunos.

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Acredita-se que a correlação dos fenômenos lingüísticos à variedade de textos

empregados nas salas de aula e a divulgação de informações fundamentadas nos

resultados sociolingüísticos constituem procedimentos que podem colaborar para

reverter a mentalidade desmedidamente prescritivista que ainda se verifica em algumas

práticas pedagógicas. Desse modo, busca-se evitar uma postura que só tem servido

como instrumento de opressão lingüística, pois, ao invés de fazer com que o aluno se

interesse pelo conhecimento lingüístico, cada vez mais o afasta dele.

No caso do uso e da ordem dos clíticos pronominais, espera-se que, com base

nesta pesquisa e nas diversas descrições sociolingüísticas desenvolvidas, os professores

possam ter informações a respeito dos contextos condicionadores de cada variante para,

a partir de tais resultados, desenvolver procedimentos que façam do aluno um eficiente

usuário da língua nos diferentes contextos comunicativos a que diariamente é exposto.

Tais investigações apontarão os caminhos a serem seguidos para que se respeite a

opção consciente dos alunos pelo uso de determinada variante em textos orais ou

escritos e para que, em última instância, a escola cumpra seu papel educacional.

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7. ANEXO

Distribuição dos dados quanto às variáveis lingüísticas não selecionadas

A) Distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo

DISTÂNCIA Oco. Valor percentual

nenhuma sílaba 62/471 13%

1 sílaba 01/04 25%

2 sílabas 02/07 28%

3 sílabas 04/09 44%

4 sílabas 01/02 50%

5 sílabas 00/02 0%

6 sílabas 00/05 0%

de 7 a 10 sílabas 00/03 0%

de 11 sílabas em diante 02/07 28%Tabela I: Freqüência da ênclise quanto à distância entre o atrator e o

grupo clítico-verbo.

O objetivo dessa variável era testar se a distância entre o atrator e o grupo

clítico-verbo realmente favorece a ênclise. A tabela acima demonstra que à medida que

o grupo clítico-verbo se “afasta” do atrator, pelo menos até a distância de 4 sílabas, o

percentual de ênclise aumenta. No entanto, já a distância de 04 sílabas tem uma

freqüência muito baixa (somente 02 ocorrências) e tal tendência continua, o que

impossibilita uma análise mais profunda. Qualquer afirmação mais segura sobre uma ou

outra tendência, diante de tão poucos dados, é pouco confiável. No decorrer da análise,

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os fatores foram amalgamados, mas, ainda assim, a hipótese estabelecida não pôde ser

confirmada.

B) Tonicidade da forma verbal

TONICIDADE Oco. Valor percentual

monossílabo tônico 04/41 09%

oxítono 71/248 28%

paroxítono 43/300 14%

proparoxítono 00/01 0%Tabela II: Freqüência da ênclise quanto à tonicidade da forma verbal

Os resultados estatísticos obtidos quanto à tonicidade da forma verbal não

comprovam a afirmação de MONTEIRO (1994), de que o PB tenderia a uma “pauta

paroxitonizante”.

Em termos absolutos e percentuais, verificou-se a improdutividade de formas

proparoxítonas no “corpus” – houve apenas uma ocorrência, com a qual se deu a

próclise. As formas monossílabas tônicas registraram apenas 9% de ênclise; a alta

incidência da variante pré-verbal acarreta a formação de palavras fonológicas oxítonas e

não paroxítonas. Quanto às formas paroxítonas, verifica-se, também, baixo índice de

ênclise (14%). Nesse caso, evita-se a formação de proparoxítonos, conforme a hipótese

estipulada. Comparando todas as formas verbais, pode-se destacar que são as oxítonas

as que mais registram dados de ênclise (28%), casos em que se formam vocábulos

paroxítonos, de acordo com a hipótese.

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Entretanto, de modo geral, como a tendência à próclise é muito expressiva em

contextos com todas as formas verbais, não se pode, de fato, confirmar a hipótese

motivadora do grupo de fatores “tonicidade”.

C) Forma do verbo:

FORMA DO VERBO Oco. Valor percentual

Presente do Indicativo 21/141 14%

Pret. Imperfeito do Indicativo 05/82 06%

Pret. Perf. do Indicativo 29/209 13%

Pret. Mais que Perf. 00/01 0%

Futuro do Pretérito 00/02 0%

Futuro do Presente 00/02 0%

Presente do Subj. 01/11 09%

Pret. Imp. Subj. 00/01 0%

Infinitivo 52/109 53%

Gerúndio 09/23 39%

Particípio - -

Imperativo 01/06 16%Tabela III: Freqüência da ênclise quanto à forma do verbo

A análise detalhada deste grupo de fatores fez com que se agrupassem as variantes

por modo verbal e por formas nominais do verbo. Mesmo após a recodificação, o

comportamento dos dados, de modo geral, demonstrou que esse grupo apresentava

nítida superposição com o grupo tipo de oração. Por esse motivo, esta variável foi

excluída em diversas rodadas, conforme se esclareceu na metodologia.

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A realização da ênclise é maior quando se trata de verbo no infinitivo, em

primeiro lugar, e no gerúndio. As formas verbais mais usadas pelos estudantes, como

Presente e Pretérito Perfeito do Indicativo, apontam para a média geral de ênclise do

corpus. As formas do subjuntivo registram índices baixos de ênclise.

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MACHADO, Ana Carla Morito. O uso e a ordem dos clíticos na escrita de estudantes

da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. 136 p.

mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

RESUMO

Esta dissertação estuda a colocação dos clíticos pronominais na modalidade escrita da Língua Portuguesa, com base na análise de redações escolares de estudantes do ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e particulares da cidade do Rio de Janeiro.

Por meio de uma análise sociolingüística, observam-se, dentre os condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos, os contextos favorecedores da ênclise.

As hipóteses testadas relacionam-se ao objetivo geral do trabalho e procuram dar conta de que o processo de ensino/aprendizagem implica mudança(s) no desempenho lingüístico dos alunos no que se refere à produtividade e à ordem dos clíticos, sobretudo na modalidade escrita. Espera-se que, nas redações escolares, a maior freqüência de uso da ênclise nos contextos especificados pela norma idealizante esteja vinculada ao maior grau de escolaridade do estudante.

Tais hipóteses foram confirmadas pelos resultados deste estudo, que comprovaram um gradativo crescimento do percentual de uso da ênclise de acordo com o nível de escolaridade dos alunos. Com base nos resultados, são discutidos os conceitos de norma, variação e ensino, bem como a necessidade de se reconhecer a variedade brasileira como legítima.

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MACHADO, Ana Carla Morito. O uso e a ordem dos clíticos na escrita de estudantes da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. 136 p. mimeo. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

ABSTRACT

This research concerns pronominal clitic order in Portuguese writing, by taking into consideration texts produced by students from primary and secondary grades in Rio de Janeiro public and private schools.

Based on the approach of Variacionist Sociolinguistics, social and linguistic constraints to the ocurrence of clitic pos-verbal position are investigated.

Hypothetical presumptions related to the research general proposal are made; it is generally assumed that educational learning process implies linguistic change in relation to clitic productivity and order, especially in written material. It is supposed that, in scholar texts, highest frequency of pos-verbal variant is correlated to idealized normative contexts, especially in the texts produced by higher grade students.

Results provided by the research confirm stablished presumptions in the sense that they prove gradual increasing of enclitic ocurrences proportionally to formal educational level. Relevant questions about linguistic norm, variation and learning process are raised by sociolinguistic analyses; in general terms, the research determines Brazilian variety legitimacy.

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