15
O VENCEDOR CLANDESTINO CONTOS DO AVESSO COLETIVO OSWALDO MATTOS

O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

O VENCEDOR

CLANDESTINO CONTOS DO AVESSO COLETIVO

OSWALDO MATTOS

Page 2: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

Direitos do Autor

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida, sob

quaisquer meios existentes, sem autorização por escrito do autor.

preparo de originais e diagramação

Avel Mattos

revisão

Jose Tarcísio Barbosa

capa

Equipe PerSe

impressão e acabamento

PerSe Publicações

Ficha Catalográfica na fonte

Todos os direitos reservados por

Oswaldo Mattos

2ª Impressão - 2012

Mattos, Oswaldo

O Vencedor Clandestino/Oswaldo Mattos – São Paulo –

PerSe – 2011

1ª. Edição.

ISBN 978-85-64280-04-5 – Livro impresso

ISBN 978-85-8196 -l41-5 - Livro eBook

1. Ficção – Contos brasileiros. – 2. Histórias do

cotidiano. 3. Assuntos comportamentais. I. Título

Page 3: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

O VENCEDOR

CLANDESTINO

“Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado para ser um vencedor”.

(Álvaro Athayde Rhalkes - O Vencedor Clandestino) “E observava a si próprio, quando o mesmo Nelson propagava, dizendo: um homem é o resultado de suas obsessões”.

(Eloy Bhrunk do Amaral - À Flor da Pele)

Page 4: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado
Page 5: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

O VENCEDOR CLANDESTINO

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

À FLOR DA PELE 9

SAWASDEE KA 41

O VENCEDOR CLANDESTINO 85

ANTÍPODA 161

O ESTRATEGISTA 223

Page 6: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado
Page 7: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 7 ~

INTRODUÇÃO

Os contos aqui incluídos buscam interpretar, em sua maioria,

as maquinações do comportamento humano, em sua singularidade

enferma de sentimentos circunstanciais, encobertos pelos disfarces

sociais. As situações e os textos são em grande parte passados no

cotidiano, em linguagem direta e interpretativa, trazendo à luz, de

modo agudo, a percepção dos problemas, fazendo seu conteúdo

interagir com o leitor por sua proximidade com o que se vive.

Captar o impulso do interior humano, no ardil frio e calculista

de seu “comportamento B”, mergulhado em seus engendramentos,

e transformando-o em sensações peculiares, entendendo sua alma

como constantemente aflita, aparente ou não, e em seus devaneios

mórbidos em busca da claridade, mesmo em penumbra aparentando

placidez, foi a força propulsora do que está escrito. Por

circunstâncias de opção vive-se aqui fronteiriço ao estado repulsivo,

frustrante e insólito dos subterfúgios de cada um, pouco sabendo se

as escaramuças são atos de defesa ou ataque, e em que momento se

dará o efeito letal.

A verdadeira violência, a que mais dilacera e dói, é a

brutalidade da maldade oculta nas deslealdades, invejas, traições,

falsidades e ingratidões. E ela é maldita, covarde e nauseante

Page 8: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 8 ~

porque não se vê. É sempre uma véspera indefinida, sordidamente

encastelada nos diabólicos pensamentos, premeditando egoísmos,

subestimando pessoas, trapaceando idéias, humilhando inocentes,

ocultando razões e subjugando indefesos. Não possuiu armas, nem

brancas nem de projétil. As armas são as elocubrações nocivas, em

seu estado de fermentação ou destilagem, naquelas ondas que vem

do fundo abissal do humano, como se fosse um nascimento ofídico,

pegajoso, repugnante, rompendo e sangrando até perpetrar-se e

tomar forma, aguardando o gatilho da ação ser acionado. O trajeto,

até essa forma, é que esconde a formação da serpente que vai tornar

definitiva a maldade, como prelúdio da violência. A tortura, em si, é

um ato de execução, a sua concepção é que é o escalábrio, assim

como um assassinato é um ato terminal e a tragédia verdadeira é o

seu engendramento. Existe sempre um vírus letal, cínico enquanto

embrião, roendo em processos, amadurecendo com garras

impiedosas, espreitando para atacar.

Estes contos, na maior parte, trabalham com o fio condutor

que leva a centelha e não ao incêndio. É o caso, por exemplo, de “À

Flor da Pele”, “O Vencedor Clandestino” e “Antípoda”. Todos

transitam pelo espaço vespertino dos acontecimentos, com

momentos de introspecção, que fica caracterizado - sutil ou não - o

escárnio, sem perda de compaixão e comovidos envolvimentos.

Oswaldo Mattos

Page 9: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 9 ~

À FLOR DA PELE

“... para Tia Beatriz esse tipo de pessoa, que não se satisfaz com o que

tem, é sobremaneira insaciável; nenhuma derrota alheia, provocada

por ela, tem significado próprio e suficiente. É alguém que curte

imaginar maldades: as perpetuam pelo prazer de ser mórbida. Seu

olhar, disfarçado ou não, é sempre de espreita”.

Page 10: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado
Page 11: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 11 ~

À FLOR DA PELE

A cobertura do prédio possuía um terraço grande, com um

toldo amarelo claro cobrindo parte do ambiente, onde eram

realizados os encontros de confraternizações da família de Eloy

Bhrunk do Amaral - o patriarca. Eloy era aposentado de uma

multinacional de tabaco e tinha ocupado cargos de importância na

empresa, sendo alguns no exterior.

Esses encontros aconteciam nas principais datas

comemorativas, sendo que a mais significativa era o Natal.

Principalmente nesse evento quando algum membro da família não

comparecia, sem motivo justificado, era simpaticamente advertido

pelo patriarca que tinha ascendência, com moral elevada, sobre

todos, como também, em diversos casos, por ser um provedor de

forma apropriada.

Esses eventos eram vistos por Eloy como acontecimentos que

deviam ser celebrados sistematicamente, entre ele e sua família,

também como forma de intercambiar sentimentos solidários,

reforçando a união, numa comunhão invisível, afastando culpas e

ressentimentos. Era deles que vinha o laço sustentador da existência

da família, num mundo visto por ele como cada vez mais

desagregado, indiferente e injusto. Por esses fatos, próprios de sua

Page 12: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 12 ~

natureza, se dava a coesão que sem Eloy os encontros não

sobreviveriam.

O grupo era grande e já entrava pela terceira geração. Como

próprio das famílias numerosas, ali o comportamento extravagante,

quando não excessivo, era considerado por de Eloy como parte

inescapável da variedade da espécie e sua tolerância como um

imperativo do convívio familiar. Só não era aceito, lhe causava

contrariedade, falar em particularidades familiares - assuntos

íntimos, por julgar que a proteção sobre o que acontece na

intimidade, ou em seu entorno, era uma questão insuscetível de

comentários externos, já que o assunto, ocorrido nos limite da

soberania doméstica, fazia com que o tema fosse exclusivamente da

alçada dos envolvidos.

Quando eles se reuniam formavam um ambiente

movimentado, com uma algazarra familiar alegre e se destacava

pelos encontros de pessoas que não se viam há muito tempo. Essas

festas, que trazem alegria com data marcada, têm a diferença de

obrigar o encontro de pessoas que às vezes se odeiam, mas, pelo

capricho da data, são obrigadas a se encontrar, trocar cumprimentos

e manter o convívio como se nada houvesse. Tudo a contra gosto.

Engolido em seco e fortemente dissimulado.

Nesse ambiente, como não poderia deixar de ser, até mesmo

pelo aspecto numeroso do grupo, formavam-se grupos internos,

com cada um tentando demonstrar seu poder intuindo suas

Page 13: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 13 ~

vantagens sociais e bens materiais onde, impulsionados pela

combustão da vaidade, ardiam fofocas, frescuras, intrigas,

mesquinharias e disputas por posições; daí formava-se correntes

não de pensamentos, idéias e atitudes, mas, sobretudo de

frivolidades, onde tudo era sorridentemente equilibrado pelo

patriarca que acompanhava o pacífico pandemônio com olhares de

devoção e ouvidos que quem capta até murmúrios.

Eloy quando percebia que algo não estava de acordo com o

que se passava em sua cabeça em termos de harmonia, e lhe

causasse extrema desagradabilidade, habilmente intervia e mudava

o rumo das coisas. Mesmo assim ocorriam peculiaridades na forma

de se comportar: os excessos etílicos; modos exagerados e algumas

indecorosidades. Porém tudo era visto por Eloy, naqueles eventos,

com indulgência paternal até mesmo porque ele e muitos dali já

sabiam de longa data quem seriam os protagonistas daqueles

embaraços.

Nas reuniões familiares tinha também aqueles velhos tios

excêntricos, cujas peripécias divertiam a família de modo folclórico

e até enternecedor, que desgarrados da vida, nunca trabalharam

efetivamente ou aposentados ociosos, mas sempre insistiam em

fazer pregação para os mais novos, sobre a importância do trabalho.

Assim era o tio Celso - gozador inveterado, que quando perguntado

como estava trabalhando dizia: “de manhã não estou fazendo nada.

Em compensação de tarde fico conferindo o que eu fiz de manhã”!

Page 14: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 14 ~

Com todos em risos contagiantes, seguia em frente, com um ar

soberbo, sempre com o seu copinho na mão.

Nesse ambiente também tinha o Tio Mário, primo de Eloy e

aposentado do Itamaraty que, permanentemente de gravata

borboleta e suspensórios, com maneirismo ao jeito conciliador,

sempre saia com algumas tiradas bem humoradas, porém mordazes,

como aquela quando dizia que os militares e os diplomatas nunca

faziam nada. Dava um tempo e perguntava qual a diferença de

trabalho entre uns e outros? Não sabem? “Os militares não faziam

nada cedo e os diplomatas não faziam nada tarde”. Depois se

afastava dizendo: “cuidado, isso foi naqueles tempos...”

Os inabaláveis Tio Celso e Tio Mário representavam, naquele

mundo, a persistência do “boa vida” bem humorado, onde vindo

deles tudo é simpaticamente recebido e perdoado, terminando com

aquela frase em uníssono: “É uma figuraça!!!”

Eloy para entreter e integrar fazia sempre brincadeiras,

envolvendo aspectos enigmáticos, com grande suspense para se

achar as respostas, normalmente dadas ao fim das reuniões.

Eloy era bonachão e pelas suas tiradas, via-se que estava

sempre de bem com a vida - jeito próprio de gente de alma boa. Um

fato lhe era peculiar. Por vezes deixava-se estar em profundo estado

de introspecção, pensativo a ponto de tirá-lo do ar, como se fora

envolvido por um estado de espírito inexplicável. Alguns

conhecidos, e antigos amigos, diziam que quando moço ele não era

Page 15: O VENCEDOR CLANDESTINO - PerSe › novoprojetoperse › BSU_Data › Books › N...O VENCEDOR CLANDESTINO ^Se não consegue manipular o cinismo, caia fora – você não está preparado

~ 15 ~

assim. Fora isso lhe predominava uma pessoa encantadora. Sempre

bem humorado, apesar das “barras” que segurasse. Alguns

perguntavam a razão de tanta animação. Ele então amavelmente

respondia: “Apesar sermos sempre de todas as nossas idades, tudo é

uma questão de espírito! Por fora, eu tenho a idade que aparento ter.

Biologicamente considero-me em torno dos quarenta e

psicologicamente sou um adolescente.” Ao fim punha-se a rir em

estridência, distribuindo fartas gargalhadas, com o seu corpo

rechonchudo harmônicamente balançando.

Em tudo nele via-se que sabia, com o resto de vida pela

frente, não ter mais nada a provar a si mesmo muito menos

convencer alguém. O importante era não sentir-se fossilizado.

Porém, em seus costumes, pautava-se por detalhes de um

conservadorismo empedernido. Parece que alguns de seus hábitos e

a maneira de trajar, tinham parado lá pelos idos de seus quarenta

anos, pois, não abria mão de sua tradicional camisa pólo Lacoste e

de seu uísque VAT 69. Estava sempre usando uma colônia

Lancaster, antiga produção argentina, que muitos julgavam nem

existir mais.

Como próprio de sua idade, Eloy era também um irreverente

nostálgico. Ele mesmo se achava a assim a ponto de dizer em tom

de pilhéria: “com o passar do tempo, a pessoa ao envelhecer torna-

se uma arca de lembranças. Depois não há como escapar da

saudade daquilo que se tornou parte de nós, em algum jardim de