O vendedor de queijos e outras crônicas

Embed Size (px)

Citation preview

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    1/50

    II 1 I I I t II

    III sft 'hu' surpr ndentes , 'quivoco, i ll Vt 'I 'h I I c llJ 1llJ )('ls , p e r o na q n Inu itado r O l c l r l r i 'OS lillcom o R orn uald o, mentlro 0 " d ca rtv trtn hn ":J ua re z; o vin a: R ein ald o, 0 g olp i ta : o " ha bllld os u"w ild .dor d e que ijos e m uttos o u t r o s - c l l : S I 1 l U lI Ipclas e ron tcas reun id as n esta obra d e A lexandnI\ z veda .

    Com muita agilidade e ba m humor, dlve rsasltuacoe s e tipos humanos com p oem um a v i ~op ano r am ica da realidade brasileira a tua l ,

    GTUALEDITORA r " " ~ ' r T '788535707793

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    2/50

    o AUTORNome completo

    A le xa nd re A ze ve doLocal e datade nascimento

    Be lo Ho r iz on te , MG,lO de abril de 1965

    Cidade em que resideRibeir:tlo r-e. SP

    Estado civilC asa do (c om E lisa )

    Filhos3 (Fernanda,

    Clarissa e Pedro)Profissao

    P ro fe ss or e e sc ri to rForma~ao academica

    Filosofialvro p ub lic d o

    71

    o vendedor~ de queijos.~ outras cronicas

    llustracoes: Ricardo Dantas

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    3/50

    Ill! nllll'lllIhl_II (! lIdo

    I Val r io P r o n co JII ln thn

    ( 1 1 ' 1 'Ill d arte > N a ir d e M e de ir os B a rb o saI l lnn l 'a l l 1 a~Oo S e lm a C a p ar ro zP I ' Q l c t o gl'(\flco d e c ap a e miolo Homem de Melo a Troia Design'oordena

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    4/50

    , .an o

    Quem matou Abel? 75

    U' A I orm iga e a Aranha 37Prefacio 7 Pega ladrao! 39

    Seu Sol, dona Lua 9 Sede propria 41o contador de vantagens 11 Morreu de gaiato 43o casamento do Juarez 13 o vizinho do Luisinho 44

    o cartao de visita 15 Na praca 46A gravata 17 Urn furo furado! 48A festa 19 Uma chata de galocha 50

    A televisao 21 A cura 52Vida facil 23 Triste fim da vaca Gertrudes 55

    Cale a boca, Jorge! 58Que pobreza! 60

    o pecado 61Os sapatos da freguesa 63

    o baile 65o binoculo 67

    o vendedor de queijos 25 o galo e 0 despertador 69o novo sindico 27 o assalto 71Bons tempos, aqueles! 29 A patroa do Souza 73

    o substituto do bilheteiro 31 Papai Noel duma figa! 74o carro 33

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    5/50

    o I H 1 1 1 In '/'I78

    o que esta acontecendo? 80Bancando 0 coronel 82

    Pai e filho 84o cachorro do Gumercindo 86

    A nova vida do seu Joaquim 88Grand Circo Holandes 89

    o autor 92Entrevista 94

    A primeira crtinica desta coieciio de cronicas divertidas ja da umaboa ideia da capacidade do autor. Ele sabe quais siio o s inqredientesnecessaries do genero e - coisa surpreendente em quem ja niio estacomecando - continua sabendo como mistura-los na dosagem certa.Isso e raro. Muitas uezes se tem a ideia (no caso, 0 dialoqo entre 0Sol e a Lua) e niio se sabe 0 que Jazer com eta. Pode-se mesmo dizerque todo 0 aprendizado da cronica e descobrir 0 que fazer com asboas ideias, como desenuolue-las, como niio desperdicd-las. 0Ale-xandre sabe. .

    E 0 maior eloqio que se pode Jazer a este livro e que ele niioJrustra a expectativa provocada pela primeira crimica. Todas, ouquase todas, estiio no mesmo nivel. A unica coisa que me intrigouneste livro e que, se ele se chama 0 vendedor de queijos e outrascronicas, aprimeira crtmica deveria ser a do queijo. Ou 0Alexandre

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    6/50

    /tIl/dll I I J l ' i l t ' /N d u I'/' 1 ' 1 / ( ' ( / , ' liN t 1 1 l / l l t l (I 1(lufo d o III II. U I / ' 1 1 1 1 \flltllo S' enamor: U 0 1 , dona LUH , etc., tc .Dutra coisa: se v o c e leu 0 primeiro liuro do Alexandre - qUIl n i l u

    ele estava comecando, ni io a escreuer cronicas mas a publicar l ioros-, voce vera que 0 meu prefacio e igual ao do Verissimo [s e e quevoce li: prefdcios]. Niio se assuste: e que nos dois temos a mesmaopiniiio sobre este nosso novel coleqa radicado ern Ribeiriio Preto.Ele leva jeito, muito jeito. Se vivesse no Rio, estaria fazendo espiri-tuosissimos prefdcios para o s jouens escritores.

    Ziraldo

    Justificativa do autor:Ziraldo me suqeriu quetrocasse 0 titulo do l iuroou que mudasse a ordemdas cronicas.Entretanto, se eufizesseisso, perderia 0 sentidode seu prefacio.

    Dialogo interessante aconteceu entre 0 Sol e a Lua. E isso se deu empleno sol do rneio-dia:

    - Ora, ora, que surpresa mais agradavel! A senhora por aqui,dona Lua?

    - Pois e, seu Sol, eu ...- Mas que aparencia a sua, dona Lua! Esta tao palidal Ja sei,

    veio tomar um solzinho, ne?- Quem me dera, seu Sol, quem me dera!- Entao conte-me 0 que esta acontecendo. Por que essa carade lua?- Ah, seu Sol! Parece ate que eu vivo no mundo da lua ...- Ih! La vem a senhora com esse papo lunatico!- E verdade, seu Sol. Desde que invadiram a minha privacidade

    que eu nao tenho mais aquele brilho de sempre. E nao parou por ai,Sempre esta chegando gente nova para perturbar 0meu sossego, Jaestou cheia! Cheia, seu Sol! 56 me falta mesmo virar Iua-de-mel I

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    7/50

    '1 '( I II I 1 7 ., 0, l. , '0 ~ fogo I Ur a, 'I ;I ' a Deus , '1 ,1 tl o I 1 1 1 1 1 1 I IIpr ' I ( ) ( 'UP I~ o . o rn o ja dtzia 0 velho ditado: pede vir qu n t 'I l l'< 'I I \ tou f rv ndo!- E po r isso mesmo que eu estou aqui, seu SoL Quero prop or-Ih um n e go c io .

    - Negoclor! Com a senhora?- Calma, calma, nao se esquente! Vou the explicar. .. Puxa, que

    .alor faz aqui, hein? Born, eu so quero lhe prop or uma troca deturnos,- Troca de turnos? Que papo e esse, dona Lua?- Nao precisa ficar vermelho, seu Sol! 0 negocio e simples. Eu

    fico durante 0 dia, enquanto 0 senhor fica durante a noite, enten-deu?

    - Humm, sei nao ... Acho qu isso vai dar bode! A senhora naoe notivaga?- Xi, e mesmo! Esqueci que sofro de insonial So consigo dormir

    durante 0 dia.- E eu nao posso dormir d - dla, sabe como e, ne? 0 calor ...- 0 senhor tern razao. A proposlt , que horas sao?- Meio-dia, pontualmente!- Ai, meu Sao Jorge! Estou atra ada! Ja era para eu estar no

    Japao! Qualquer dia eu apareco pan f icar mais tempo.- Talvez num eclipse!- Talvez. Boa noite, seu Sol!- Born dia, dona Lua!

    ntadorde vanta gens

    - Ta venda esse mundao de terra ai, seu Tavares? Pois e, so, e tudomeu. Tudinho, tudinho. Ate onde as vistas nao podem mais alcan-cart

    Ninguem acreditava nas historias do Romualdo, muito menosseu Tavares. Mas, para nao magoar 0 amigo, ele fazia urn ar deimpressionado e soltava:

    - E mesmo, so? Que belezura, hein?!E, assim, Romualdo vivia se gabando, contando suas vantagens.

    Qualquer urn que se aproximasse do Romualdo nao saia sem pri-meiro ouvir uma das suas:

    - Ih, rapaz! Olha la a carreta estacionada no posto. Ta vendo?- Vai me dizer que e sua tambem? - perguntou, num tom de

    deboche, seu Almerindo .

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    8/50

    (I 1111 '! 1 \ 'III'! ' ' ' luI' N 0, n 0, qu m m dc ra . . .I\h , hom I Ja t av a i m ag in a nd o que ...

    - Qu 11 ada, seu Almerindo, que nada! A carreta nao e minha,n 0, s nhor. Mas aqueles carros que estao em cima dela sao. Tudozcrinho, zerinho!

    E foi assim por muito tempo. Ate que resolveram desmascarar 0Romualdo. Recapitularam tudo pra nao haver erro nenhum:

    - Entao fica assim. A gente leva 0 Romualdo la pras bandas dacachoeirinha que fica perto da fazenda do meu tio.

    - Tern certeza d qu - 1 nao conhece 0 lugar?- Nunca foi pra la, ja m informei. Chegando perto da fazenda, a

    gente da uma paradinha p1'8 tirar agua do joelho e espera 0Romual-do se gabar das terras. Ai a r nt acaba com ele, entenderam?

    Tudo ficou mais d o qu ent ndido. No outro dia, levaram 0 Ro-mualdo pro passeio. hcgando perto da fazenda, pararam:

    - E ai, gente, vamo d ar um a psradinha pra tirar agua dojoelho?- perguntou seu Ana I .to,

    Todos desceram da amlnhonct foram pro matinho. Na volta,Romualdo lascou:- Nada melhor do q ue r nl] H' nu s oisas da genre, hein, pessoal?- Pera la, compadre IE SI I j '11" tf nao e sua, nao l Isso tudo e do

    seu Clodoaldo, t io do GumcrclndulRomualdo deu urn taplnhu nil, costas do compadre e saiu pela

    tangente:- Uai, s6! Quem e que falou I..0/ .u mijei foi na calca m smo.o ziper enguicou e nao deu impo II s gurar!

    men tad o Juare z

    Ate que nao aguentou mais e resolveu casar.Eu estou me referindo ao sovina do Juarez. Sujeito mais pao-

    duro que essa cidade ja viu.E quando a noticia se espalhou, entao? Ninguem acreditou. Foi

    falatorio pra mais de mes:- 0 que? Aquele unha-de-forne? Duvido!- Tern certeza, s6?- Olha, nao brinque com coisa seria, rapaz!- Se for verdade, eu faco questao de conhecer a corajosa!- Ora, onde ja se viu, 0 Juarez! Conta outra, vailRealmente era dificil de acreditar que aquele mao-de-vaca fosse

    capaz de realizar tamanha proeza. 56 venda mesmo!Mas com 0 tempo tudo foi se clareando e 0 povo - que nao e

    besta nem nada - come\ou a desconfiar do casamento .

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    9/50

    I ril l ! ' Ira o Juar 'Z onvidou os ami osmats 'h 'g \(10 II I II I II,"apar '-la-p las-sets", pra nao ter que gastar com essas b ,j I Ic l convites, como 1 pr6prio dizia.

    E teve g nt at qu ousou perguntar se nao iria ter festancadepois, pra feste la r 0 a ontecido.

    Mas logo 0 JlHlr(~Z tratou de tiraro time de campo:- Qual 0 qu I D o J < .' l t o qu ~as coisas andam . ..E ninguem lm 1I~lmt0 .usto que foi pra ele abrir as maos e receber

    os cumprimentos do, convtdados que compareceram ao cartorio.Era gente saindo 1 ' < : 1 0 Iud r 0 1 1 0 porque 0 pessoal daqui e que nemSao Tome, so a r I l l ! Iv c n r l o . \ foi so no cartorio mesmo:

    - Bern qu u fazll ~o, 10 II asar na Igreja, mas com 0 precoque ta, Deus M de t'()lll'Ol'd 1 1 ' 1

    . Uma semana depnlx , 0 II(, oul ficou sabendo de toda a verdade.E foi a empregada, qu e II ivln sldo despedida logo apos 0 casorio,que resolveu botar a \H I ., IIIl trombone:

    - Ele casou meSI110" 0 1 P ' , II 0 ter que pagar empregadal

    ta ode visita

    o marido, pondo em duvida a fidelidade da mulher,contratou urndetetive para segui-la:

    - Perfeitamente, doutor - disse odetetive, fazendo ar de SherlockHolmes -, pode ficar tranquilo l

    o marido, tranquilo, nao podia ficar. A cada dia que passava,ele ficava ainda mais desconfiado. 0 detetive, ao final de todas astardes, entregava 0 relatorio complete das atividades realizadas pelamulher durante 0 dia.

    - Hoje ela fez isso, isso e aquilo! - dizia, confiante no borndesempenho do seu trabalho.o marido ouvia atenciosamente 0 relato do investigador, massem tirar a ideia de traicao por parte da mulher.

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    10/50

    - I I 0 .1 t 1 0 : 1 1 1 f 7. 1 8 1 ' 1 0 , lsso e aqullo IS mpt fi t m sma ladainha. Nao havia nada que pudesse '0111"

    prometer a idoneidade da esposa. E 0 marido sempre com aquelamania de traicao.

    Talvez fosse melhor procurar um psicanalista , pensou ele. Talvezo problema estivesse nele mesmo.

    E procurou, Conversa vai, conversa vem, tudo normal. Um mesde sessoes e nada que pudesse comprometer a sanidade mental doanalisado.

    Enquanto 0 marido fazia suas sessoezinhas, 0 detetive cuidavada sua obrigacao:

    - Hoje ela fez isso, isso e aquilo!Quando 0 marido ia para 0 seu tratamento, avisava a mulher:- Chegarei mais tarde, querida. Tenho sessao,Sem perder tempo, a mulher corria para 0 telefone:- Pode vir, ele ja foilFoi assim durante muito tempo:- Chegarei mais tarde, querida. Tenho sessao,Foi dessa vez que, ao chegar ao consultorio, 0 doutor havia tido

    um imprevisto qualquer e cancelado a sessao. 0 marido chegou cedoem casa. A mulher ouviu 0 barulho do carro e gritou:

    - Meu Deus! E 0 meu marido!o marido entrou no quarto quando 0 sujeito pulava a janela.Conseguiu escapar por pouco, mas deixou cair algo no chao. Eraum cartao. Um cartao de visita com os seguintes dizeres:

    (Bartofomeu ccr: .vltvetra< I i >

    DETE~I':E PARTICULARsIgdo absoluto

    g r K vata

    o marido tinha sido despedido havia algum tempo. A mulher resol-veu que iria trabalhar para ajudar nas despesas, pois as economiasestavam no fim. Saiu cedo para a cidade a procura de emprego. Parounuma banca e cornprou umjomal. Abriu na secao de classificados eassinalou com can eta as ofertas de trabalho. Quando fechou 0jomal,reparou na data. Dia 15. Era 0 aniversario do marido. Entrou em di-versas lojas a procura de um presente que pudesse pagar, Foi quandoencontrou uma liquidacao de gravatas. Nao teve duvida, comproua mais discreta e mandou embrulhar para presente. Ao entardecer,depois de ser rejeitada nos varies empregos que havia assinalado nojomal, voltou para casa.o marido estava na sala, lendo uma revista. A mulher 0 surpreen-deu com 0 presente. Ele ficou por algum tempo tentando adivinharo que havia dentro daquele pacote, A surpresa foi ainda maiorquando ele viu 0 que era. 0 que iria fazer com aquilo, se nem aomenos um temo decente possuia? A unica vez que vestira um temo

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    11/50

    ro n 11 0 ( lI '6pr lo ' t I~:l lI l(. I l 'lO. Mas, para n o d ~ pclonur I Illulit 'I,ug rad ' u " flngiu f li idade. Quando foi s e d e it ar , a g rava ta TIt 0 0d . ixou dormir. A noite inteira ficou pensando no bendito presente.Por que a mulher dera a ele uma gravata? Onde iria usa-la? Nemo no aprendera a dar!

    No outro dia, a mulher saiu novamente a procura de emprego, Gmarido, desgostoso com a vida, ficou em casa. Comecon a pensarnas contas que estavam para veneer, no aluguel atrasado, no tele-fone cortado, nas mensalidades escolares dos filhos, que estavampela hora da morte. G carro, a televisao, ate 0 relogio de pulsoforam vendidos.

    Quando a mulher voltou da cidade, gritou seu nome:- Raul! Raul! Onde voce esta? Consegui um emprego! Conse-

    gui!A mulher 0 encontrou no banheiro com a gravata no pescoco.

    Eram tres horas da madrugada e a festa corria solta no 709, aparta-mento estritamente familiar. A musica estava tao alta que 0 porteirodancava com a empregada do 601 dentro do elevador.

    No apartamento 809, a mulher chamou 0 marido que, pela cara,sonhava com a Miss Universo:

    - Clodomiro! Clodomiro!Clodomiro resmungou alguma coisa, virou-se para 0 outro lado

    e continuou a sonhar. A mulher, irritada, desferiu-lhe um cutucaoque 0 fez rolar na cama, caindo no chao.

    - Ha?! Que foi? Vai dormir, mulher!A mulher, de bobes na cabeca, levantou-se, colocou as maos na

    cintura e falou:- Como e que alguem pode dormir com essa barulhada toda no

    apartamento de baixo? Como?!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    12/50

    (jill II rru lho ? til, II , tro ~ Il1dO , ( ;) FnB Ic lo .- N (~S fa9a . d b ta l V a hi te rm ine com essa algazarralo marldo bo ejou mais uma vez e olhou para 0 relogio. A mulher

    fo i decisiva:- Vai la, homeml Vai la! Voce e ou nao 0 sindieo desta porca-

    ria?o marido, com os olhos semicerrados, foi categorico:- RenunciolA mulher acendeu a luz, colocou 0 penhoar, e, quando ia dei-

    xando 0 quarto, 0 marido gritou:- Zoraidel Aonde voce vai?- Ja que nao tem homem nesta casa, eu mesma vou terminar

    com essa festalA mulher deixou 0 quarto. 0 marido gri tou novamente:- ZoraidelA mulher voItou, fazendo ar de vitoriosa:- Que e?- Apaga a luzlA mulher, indignada, saiu como se fosse para a guerra. Enquanto

    isso, 0 marido dormia profundamente.Era meio-dia quando 0 marido acordou. Estranhou a esposa nao

    te-lo chamado antes. Estranhou ainda mais ao ve-la dormindo semnenhuma roupa. Porem, nao quis acorda-la. Tomou seu cafe e saiupara comprar jornal. Na portaria , 0 porteiro, com olhos de ressaca,chamou-o:

    - Seu Clodomiro I- Sim? - perguntou ele.- 0 seu Marcos, do 709, pediu para entregar este pacote aqui

    para a dona Zoraide. 0 senhor faz esse favor?Seu Clodomiro pegou 0 pacote e fieou imaginando 0 que teria

    ali dentro. Nao eonseguindo se conter, desembrulhou-o.No caminho ate a banca de jornal, ficou tentando entender 0

    que estava fazendo 0 penhoar e a ca1cinha cor-de-rosa da mulherdentro daquele pacote.

    A t 1

    Pericles, durante meses, economizou um dinheirinho na poupancapara que, quando chegasse a Copa do Mundo, pudesse assist ir aosjo-gos numa televisao de 42 polegadas, A noite, dona Consuelo sonhavacom a novel a das oito e com 0 gala quase em tamanho natural.

    Chegou a copa e Pericles ainda nao possuia 0 dinheiro suficientepara a aquisicao do aparelho. 0 Brasil ganhava seus jogos, e Periclessem poder ver os gols como gostaria. Resolveu, entao, nao comerpor alguns dias. Falou com a mulher e explicou que era por umaeausa justa, por amor a Patria. Dona Consuelo concordou, mesmoporque estava precisando perder alguns quilinhos.o tao esperado dia chegou. Pericles foi a loja e comprou a televisao,Nao pudera acompanhar a copa inteirinha, mas, pelo menos, iria vera decisao com classe. Quando apareceu em casa com a caixa de pa-pelao, eneontrou a mulher sentada no sofa, com mais cinco vizinhas.Pericles estranhou toda aquela gente ali parada e perguntou:

    - Vieram ver a final tambem?

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    13/50

    Iv v lz ln hm s " fr l. J' t o lh JrIlIYl. D o nn o n su 10 tom ou , II IIIVI t:- Vi m s istir 0 final, slm, mas 0 da novel a IFoi ai que Pericles se enfureceu. Depois de tanto sacrificio, nao

    poderia deixar passar por menos. A confusao se formou. Era umtal de troca-de-canal-pra-ca, troca-de-canal-pra-la.Elas querendoa novela, ele querendo 0 futebol. As oito horas, a discussao viroupancadaria. Chutes, beliscoes, mordidas, puxoes de cabelo. Eramseis contra um. Por fim, as mulheres venceram. Pericles, derrotado,saiu de campo e foi para 0 chuveiro.

    Na hora de cornecar a novel a, apareceu aquele sujeito que fala so-bre esportes: "Por motivo da decisao da Copa do Mundo, deixaremosde apresentar 0 ultimo capitulo da novela ... , que ira ao ar amanhaneste mesmo horario. Assistam agora a: Italia versus Franca".

    Pericles, ao ouvir do banheiro, saiu vibrando, como se ele propriotivesse marcado 0 gol da decisao. As mulheres sairam da sala comose tivessem levado cartao vermelho.

    Pericles pegou sua bacia de pipoca, ajeitou-se na poltrona e, aoapito inicial, a televisao pifou.

    V i d a

    A simpatica senhora esperava pacientemente, na fila do orelhao, asua vez de telefonar. Bem vestida, aparentava ser uma respeitadadona-de-casa, boa mae, esposa exemplar .

    Ao chegar a vez, um rapaz pobremente vestido, com feicoesaflitas, interrompeu-a:

    - Perdao, minha senhora. Sera que eu posso usar 0 telefone? :Eurgentel Por favor!

    A simpatica senhora, notanda que 0 rapaz estava mesmo comalgum problema serio, cedeu-lhe a vez. Entao, ele encaixou 0 cartaono aparelho e, sempre apresentando sinais visiveis de nervosismo,completou a ligacao:

    - Ala! Seu Juarez? :E 0 Reinaldo. 0 senhor mandou eu ligar asonze, lembra? A camisa e a gravata eu tenho. So faltam a calca eo paleto. 0 senhor arrumou? Nao l Puxa vida, 0 senhor prometeu.Tem que ser.de terno, senao eles nao aceitam .. . Droga, desligou!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    14/50

    o rapaz, d e P ionado, rol s cn ta r-s c n um a m ur 'ta 1 ; 1 0 ludo doorelhao, A simpatica senhora, que ouviutoda a c on v er sa , r ep a ro uque ele chorava por nao ter conseguido 0 seu terno. Sensibilizadacom 0 ocorrido, ela foi ao seu encontro:

    - Desculpe, mas eu nao pude deixar de ouvir a sua conversa.Voce precis a muito desse terno?o rapaz explicou toda a situacao. Disse que estava desemprega-do havia algum tempo e que nao tinha dinheiro para a aquisicaode um terno que usaria para se apresentar a vaga de determinadaempresa. Comovida com a historia do rapaz, a simpatica senhoraresolveu presentea-lo com um terno novinho. 0 rapaz agradeceucom lagrimas escorrendo pelo rosto.

    No outro dia, no mesmo orelhao, um simpatico senhor pegou 0fone para fazer a ligacao. 0 rapaz interrompeu-o:

    - Perdao, meu senhor. Sera que eu posso usar 0 telefone? Eurgente! Por favor!o simpatico senhor cedeu-lhe a vez:

    - Ala! Seu Juarez? E 0 Reinaldo. 0 senhor mandou eu ligar asonze, lembra? A camisa, a gravata, a calca e 0 paleto eu tenho. 56falta 0 sapato. 0 senhor arrumou? Nao lPuxa vida .. .

    o V r dedorde quei jos

    Saiu 0 vendedor de queijos a vender seus queijos pelas ruas da ci-dade. Na primeira casa que encontrou, arriou sua sacola e pas-se abater palmas. A empregada, pobremente vestida, saiu a porta paraatende-Io:

    - Pois nao?~. A patroa nao deseja comprar um queijinho?A empregada mandou-o esperar um instante e foi para dentro

    da casa perguntar a patroa se ela nao queria queijo.Alguns minutos depois, a empregada voltou:- A patroa mandou perguntar se e mineiro.- Nao, senhora, sou paraibano!A empregada foi novamente falar com a patroa. Depois:- A patroa quer saber se 0 queijo e de Minas .

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    15/50

    .'. II 0" -n ho rn , A dlO q uo til!." ~U aqul rn srn o. Q u' dll'IIl'11 'I1 '1 i' . . ( ' . . m in 'in> o u .a r n ? Qu U o e qu ijo!

    - M as a p atr oa d is se que 56 compra se e le for mineiro! E mineiroou nao e ?o vendedor, para nao perder a freguesa, falou que era.

    - Entao, prova! - disse a empregada.- Olha, dona, eu nao tenho aqui comigo a certidao de nasci-

    mento dele, nao, Mas so tern umjeito de descobrir se ele e mineiroou nao.

    - Equal e? - quis saber a empregada,- Eacil - respondeu ele. - A senhora da uma apertadinha nele.

    Se ele disser uai, e mineiro!- E se nao disser? - indagou a empregada.- Nao tern erro. E mineiro mudo!

    n Vs ind ico

    No auge da reuniao, quando os condominos estavam exaltados, seuGuilhermino apareceu:

    - Com licenca, eu vim substituir. ..Ninguem deu a minima importancia a sua presenca, quanta mais

    as suas palavras.o sindico, ao centro da mesa, relatava os muitos problemas queo predio apresentava. Os moradores, sentados a sua frente, exigiamque 0 sindico prestasse contas:

    - E 0 dinheiro do condominio? - perguntou 0 207.- Pagamos uma fortuna por mes! - exclamou 0 307.- 0 senhor nao fez nada ate agora, por que"! - perguntou e

    exclamou 0 407 .

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    16/50

    l) . Indl 'U, niul: .onh .ldo om o 0 .tentava salr p .la ta n IIll',I I n qucm to l s so , U ullhermino, parado a porta, ped ia licenca p a r aentrar:

    - Me mandaram aqui para ...A confusao aumentava a cada palavra do 509, que nao conseguia

    controlar a situacao:- Silencio l Calma, calma! Vamos tratar do caso com diploma-

    cia!De tanto pedir silencio, os moradores resolveram ouvi-Io. No

    momenta em que 0 salao se calou, seu Guilhermino aproveitou:- Seu sindico, eu vim substituir. ..Nem mesmo seu Guilhermino terminara de falar, 0 605, la do

    fundo, gritou:- Apoiado! Apoiado! Vamos substi tuir 0 509!Seu Guilhermino tentou explicar:- Nao, gente, perai!- E isso rnesmo - falou 0 304 -, nao e assim que se procede!

    Vamos usar de democracia!o salao todo concordou. 0 509, totalmente desorientado, naosabia 0 que dizer. Muito menos seu Guilhermino, que continuavaparado a porta do salao.

    A eleicao foi feita diretamente, na base do "levanta a mao".- Quem vota nele levanta a mao direita! - disse, euf6rica e

    democraticamente, a 701, apontando para seu Guilhermino.Os condominos foram unanimes. Seu Guilhermino foi eleito 0

    novo sindico. Os moradores correram ao seu encontro para cumpri-menta-lo, A euforia era tao grande, que ele nem teve oportunidadede falar.Quando todos estavam comemorando 0 aeontecimento, seuGuilhermino aproveitou a "deixa" e foi ao banheiro. Substituiurapidamente a torneira da pia que estava com defeito e deu no peo mais depress a possivel .

    - A gente eneontra cada um nessa vida! - falou ao porteiro,sem se esqueeer de the entregar a notinha do eonserto.

    n t mpos ,aqueles!

    Uma velhinha de oitenta anos andava pelas mas da cidade. Com 0calor que fazia, resolveu parar e deseansar um poueo. Em frente ao"Fliperama do Osmar", ajeitou os 6culos e leu: "Panorama Bar".

    Entrou. Olhou a sua volta, lembrando-se dos seus tempos democinha, quando eostumava freqiientar lanchonetes, com as amigas,para ouvir musicas naquelas maquinas acionadas a fiehas - aquelasdo tempo do CafungalDirigiu-se ao rapaz do eaixa e, com um rosto nostalgico, fa-lou:

    - Por favor, mocinho, uma fieha! 0 rapaz, maquinalmente, en-tregou-a, sem pereeber que se tratava de uma simpatica velhinha.

    - Obrigada! - agradeceu ela.Ao dar eonta de si, 0 rapaz estranhou:- Ei, vov6, a senhora sabe jogar?!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    17/50

    B lu s o v lro u p ld J' I 0 rapaz .onftrrnou:- Sim, ur n guarana! Urn guarana!Na maquina, ela depositou a ficha e esperou ouvir a musica.

    Mas nada de ela to c ar.- Sera que esta com defeito? Ja nao se fazem mais vitro las como

    antigamente! - falou, relembrando 0 passado.Resolveu, entao, discretamente, dar alguns cutucoes para ver

    se funcionava. E nada de funcionar. Reparou, porem, que algo deesquisito acontecia dentro da maquina e, curiosa, perguntou aorapaz do caixa:

    - Mocinho, que e que essa bolinha esta fazendo aqui dentro?- Ora, e assim mesmo - respondeu ele. - Aperte 0 botao, que

    funciona!Ela apertou. Gastou todas as bolinhas e nao quis repetir a

    dose.- Essa juventude! - falou ao rapaz do caixa. - Antigamente

    nao era assim!- Como era, entao? - indagou, interessado, 0 rapaz.- Ah! Bons tempos, aqueles, que a gente colocava a ficha na

    vitrola e ela tocava sozinha, sem ficar apertando aquele botaozi-nho.

    Parou urn instante de falar e ficou com os olhos perdidos notempo. Comecon a cantarolar uma musica da sua epoca, que fezseus olhos se encherem d'agua. 0 rapaz nao entendeu nada:

    - Mas vovo ...Antes de ele completar, ela falou:- Esta tudo mudado, meu filho! Hoje, alem de ficar apertando

    aquele botaozinho, as music as nao sao as mesmas. Hoje e so blim!blom! blim! blom. Isso que e 0 tal do rock, nao e?o rapaz tentou explicar:- Nao, vovo lAqui e uma casa para se jogar!Ela pegou a ficha e falou:- Nao, nao. Nao quero mais 0 guarana!E saiu cantarolando a musica que costumava ouvir nos seus

    tempos de mocinha.

    u t i tutod o b ilh eteir o

    Eram duas horas da tarde daquela segunda-feira, quando 0bilheteirodo Cine Ema, repentinamente, teve uma forte dor de barriga - dessasque 0 pessoal mais entendido chama por ai de disfuncao do entero.Apertado, suando frio, olhou a sua volta e nao encontrou ninguemque pudesse substitui-lo, Havia somente urn cidadao, ansioso peloinicio do filme.

    Devido a situacao dramatica, 0 bilheteiro nao teve outra esco-lha:

    - Por favor, venha ca lo cidadao olhou para os lados, a fim de verificar se 0 bilheteirorealmente se referia a ele.- 0 senhor mesmo! - confirmou 0 bilheteiro, fazendo uma

    expressao de quem nao consegue mais segurar.Explicada toda a situacao, 0 cidadao prontif icou-se a ajuda-lo.o bilheteiro saiu em disparada, deixando-o responsavel pela bilhe-

    teria e pela portaria.Quando ja estava acomodado atras da roleta, urn sujeito, desses

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    18/50

    d o l I J } o r o l u t l o , n p u r o c 'U . N o m or n . n t o .m q u . < . : s ' t I I I I h 1 1 1 1 1 0P In r ol ta , 0 s ub stitu te d o b ilh t ir o engrossou:

    - Aonde 0 senhor pensa que vail- Ora, vou assistir ao filme!- E onde esta a sua entrada?- Ah, vejo que voce e novato por aqui, hein? Pois fiquesabendo

    que sou urn dos socios desta espelunca!- Eu nao perguntei quem 0 senhor e! Esta claro no regulamento:

    "So podera assist ir , quem comprar entrada".- Acho que voce nao entendeu bern. Eu sou 0 dono deste cinema.o dono! Entendeu, agora?- Sinto muito. Eu so estou cumprindo com 0 meu dever. 0

    senhor pensa que este trabalho e facil? Pois nao e, nao l Tern queter muita responsabilidade! Se eu deixar 0 senhor entrar, vou estarinfringindo as normas da casa. 0 senhor compreende?

    - Nao, nao compreendo, nao l Sabia que eu posso despedi-lo aqualquer momento?

    - Eu so cumpro ordens! E ordens sao ordens!Nao tendo outro jeito, 0 sujeito retirou do bolso uma nota e

    comprou a entrada.- Satisfeito? Posso entrar?- Urn minutinho so. A sua identidade, por favor.- 0 que?!- Esta claro no regulamento: "Filmes pomograficos, somente

    com a apresentacao da identidade".- Olhe bern para a minha carat Eu pareco algum moleque?- Sei nao, esse bigode ai po d e ser postico l- Tenha a santa paciencia, rapaz! Fique sabendo que isso naovai ficar assim! Vou providenciar a sua demissao agora mesmo!E saiu resmungando, fulo da vida. Naquele mesmo momento,

    voltava ao local 0 bilheteiro titular:- Tudo bern por aqui? Nenhum problema?- Nenhum. So urn sujeito que quis criar urn casinho, mas nada

    de especial.No outro dia, 0 bilheteiro titular recebia seu aviso previo .

    o rro

    Quando 0 carro buzinou a porta da casa, a mulher saiu em dispara-da para a rua. Nem se lembrou da camisola e dos bobes na cabeca,Admirada, ficou por algum momenta boquiaberta, como se fosse aprimeira vez que olhava urn automovel,

    o marido, sorridente, abriu a porta, desceu lentamente e fechou-acomo se fecha a porta de uma geladeira. Caminhou para a mulher,balancando as chaves com a mao, e disse:

    - Que tal, querida, gostou?A mulher respondeu com urn largo sorriso. 0 marido conti-nuou:

    - Va chamar os meninos! Vamos dar urn passeio!- Meu Deus! Olhe so 0 meu estado! - disse a mulher, voltando

    a si, olhando para a velha camisola e colocando as maos na cabeca,- Preciso me arrumar! Preciso me arrumar!

    Enquanto a mulher se trocava, 0 marido resolveu dar uma jo-

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    19/50

    , 1 1 1 1 1 1 1 1 I r l ~ u I II I b 'I~I~1'1, Ip - I l d o que e le c o l o e n u 1 1( 1 V I " lI lt ldu ran t 0 tra je to a te a rua '8 'a . N a v rd a d 0 .arro .sravu I I I l I P O ,m as a von tad e d - lava- lo foi tao grande que e le n em reparou n e s sdetalhe.

    Algum tempo depois, a mulher ja estava pronta. Os meninostambem, Todos vestidos como se fossem a miss a de domingo.

    Entraram no carro e partiram para 0 passeio. Estavam alegres esorridentes. De vez em quando, 0 pai chamava a atencao:

    - Tira 0 pe do banco, menino! Vai sujar 0 estofado!A mae tambern nao deixava por menos:- Coloque os braces pra dentro, Toninho!Aquela manha ensolarada foi de pura felicidade. Em casa, apos 0

    almoco, 0 marido deu urn beijo na mulher e partiu para 0 trabalho.Chegou em cima da hora. Doutor Anibal ja 0 esperava na calcadado seu escritorio, olhando aflito para 0 seu Rolex de pulso.

    Quando 0 carro parou, ele desceu, abriu a porta traseira, poronde doutor Anibal entrou:

    - Corra, larbas! Estou atrasado!- Sim, doutor! - disse, olhando no retrovisor para colocar 0

    quepe.

    o xerife daquela pacata cidade do Oeste voltava, apos tres dias deausencia, orgulhoso de ter cumprido com brilhantismo seu papelde homem da lei. Arriou 0 cavalo, deixando-o parado na frente dosaloon, e se dir igiu a barbearia para fazer uma limpeza geral. Nessemeio-tempo, urn tiroteio acontecia na rua principal da cidade. 0 xerifecolocou rapidamente suas roupas e part iu para averiguar 0 ocorrido.Nisso, 0 ti roteio havia terminado. Na rua deserta, somente seu cavalo,com sangue escorrendo pelo lombo. 0 pobre coitado estava morto.o xerife, venda aquela triste cena, nao se conteve. Fez uma imitacaobarata de John Wayne e se encaminhou ao saloon, onde as pessoas,refeitas do susto, tomavam seus uisques. 0 xerife abriu violentamentea porta, colocou a mao no coldre, onde reluzia seu revolver de prata.E, com voz de trovao, disse:

    - Quem foi 0 desgracado que matou aquele cavalo?!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    20/50

    ' l'o tl o: ," UII,' lullall' i rn , IIJIIl'dl'OfilUdU' 'o m I n slo no mln d o '1'1','rodos, m nos urn brutam on t s qu stava sen tad o m ats ao t u n d o ,absorto de tudo 0 que estava acontecendo. 0 xerife, ao notar atranquilidade daquele sujeito, caminhou em sua direcao, parandoa poucos metros de distancia:

    - Parece que 0 cidadao ai nao ouviu a minha pergunta. Ououviu?

    Foi ai que 0 brutamontes se sentiu of end ido. No momenta emque ele se levantou, 0 xerife se deu conta da tamanha enrascadaem que tinha se metido. 0 xerife ja ia dar meia-volta, mas umamonstruosa mao tocou em seu ombro:

    - Fui eu, por que?o xerife sentiu urn calafrio percorrer seu corpo. 0 brutamontesia repetir a pergunta, quando 0xerife ret irou do bolso urn chumacode notas que recebera da sua missao e entregou-as a de.

    - Pois fez muito bern! - disse 0 xerife. - Aquele cavalo era urnfora-da-lei , Aqui esta a sua recompensa!

    r rmqae a A ranha

    A Formiguinha, cheia de si, acordou, respirou fundo e concluiu:- Nao ha ser menor que eu neste quintal!Mas, para confirmar sua conclusao, saiu a Formiguinha para

    uma pequena pesquisa no quintal da casa onde residia:- Sabia, dona Aranha, que nao ha ser vivo menor do que eu?

    Sabia?A Aranha respondeu ironicamente:- Ora, ora, dona Formiguinha! 0 que esta me dizendo? Bern sei

    que ha outros seres menores que a senhora! Pois sim, pois simI- Se ha - disse a Formiguinha -, diga-me: quem?- Born, vejamos: 0 seu Piolho, a senhorita Pulga . ..A Formiguinha balancou a cabeca de urn lade para 0 outro,

    interrompendo a Aranha .

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    21/50

    N t 0 , II 0 , II o. lI u .O lJ 1 11 '1 10 1' (Ill' l u ciu s, d on u / \1 '111111 II 1 '01acaso, a s .n hora ja p r b u qu 0 S u P io lh o a senhorl ta P u l l ) .n~o mais apareceram por aqui?

    A Aranha, num tom de curiosidade, perguntou:- E mesmo? Por onde andarao eles?!A Formiguinha foi categorica:- Eu mesma os matei! Diga-me agora, dona Aranha, sou ou nao

    sou 0 menor ser deste quintal?A Aranha, indignada com a atitude malvada da Formiguinha,

    falou:- Nao! E 0 senhor Mosquito 0 menor ser deste quintal!- 0 Mosquito?! - estranhou a Formiguinha. - Mas como? Logo

    se vi: que ele e bern maior do que eu! Nem se compara! A senhoraacha mesmo?

    A Aranha foi decisiva:- Acho!Descrente, a Formiguinha quis tirar a prova. A Aranha aproxi-

    mou-se da Formiguinha, cerrou 0 punho e tacou-lhe urn sopapo nacabeca, fazendo-a desgrudar do corpo e cair em cima do pobre doMosquito, que tirava uma soneca despreocupada. A Aranha voltoupara sua teia dizendo em voz alta:

    - E , a Formiguinha tinha razao l 0 Mosquito nao e 0 menor ser ,nao. E a dona Joaninhal

    1 draa!

    A mulher saiu do supermercado carregando uma sacola. 0 meninocomecou a segui-la. Era negro, devia ter onze, doze anos. A mulher,uma quadra ap6s, notou que ele a seguia. Com medo, apressou 0passo.o menino tambem, Ao dobrar a esquina, cornecou a correr. Ele, paranao perde-la de vista, fez 0 mesmo. Enquanto corria, gritava:

    - Dona, espera, dona!A mulher, amedrontada, tentava de todas as maneiras se distan-ciar do pivete. Mas ele era rapido.Cans ada de tanto correr, nao aguentou e parou. Com uma garrafa

    empunhada, disse com voz ofegante:- Nao se atreva a chegar perto!o menino nao entendeu e se atreveu:- A senhora nao quer ...Antes mesmo de ele completar a frase, ela gritou:

    MORAL: EM BOCA FECHADA, MOSQUITO NAo ENTRA.

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    22/50

    So 'OITO! '0

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    23/50

    1 1 0 b tu ' d o MUll \ borcco strltarnentc fam iliar , ond a 'o n te < .: ln n l I I .I' u nie > s d os a sso cia do s, U rn sujeito mai s exaltado, c id a da o c on ce i-tuado do lugar, foi quem tomou as primeiras dores.

    - E 0 diabo da festal - gritou ele ao presidente em exercicio.- Nao ia ser hoje?

    - Ia nao, e! Nao esta vendo? - indagou 0presidente em exerciciocom urn copo de cachaca na mao.

    - Estamos todos aqui comemorando!- Comemorando 0 que?! - estranhou urn outro conceituado.

    - CaM a festal Cade 0 nosso dinheiro?- Ora essa! - exclamou 0 tesoureiro da "Bebe". - 0 dinheiro

    esta sendo empregado na sede propria!Ele, 0 tesoureiro, levantou-se, ergueu 0 copo de cerveja e falou

    aos associados:- Tamos com sede ou nao tamos, pessoal?E, numa so voz, todos responderam:- Taaammmoooossss!!!!Depois dessa, 0 tesoureiro brindou:- Enrao vamos beber pra matar nossa sede propria!

    gaiata

    Esta e daquele sujeito que tinha pavor de aviao. Na hora do embarque,a mulher tentou tranquiliza-lo com frases do tipo: " 0 transportemais seguro do mundo", "Dificilmente urn aviao cai", "0 onibus emais perigoso", enfim, "essas bossas '' (segundo 0 grande StanislawPonte Preta).

    A mulher deu um ultimo adeus quando 0 aviao decolou. La den-tro (do aviao), 0 sujeito suava frio. Como era de esperar (senao naohaveria historia], 0 aviao apresentou urn defeito numa das turbinas.o comandante tentou acalmar os passageiros, mas nao adiantou.Urn outro problema fez parar outra turbina.o aviao cornecou a perder altitude. Enquanto isso, 0 nosso ami-go, desesperado, apelou para a oracao, Implorou ao Superior que 0salvasse daquela tragic a situacao. Comovido, 0 Supremo dirigiu-lhepalavras de consolo.

    - Nao se preocupe, meu filho - disse 0 Maioral. - Fique tran-quilo que ainda nao chegou 0 seu dial

    Dito isso, 0 sujeito nem parecia 0 mesmo. Abriu 0 jornal (e 0aviao caindo) e pos-se a le-lo calmamente, como se nada estivesseacontecendo, enquanto os outros passageiros gri tavam, choravam,esperneavam.Mas nao deu outra. 0 aviao chocou-se ao solo, explodindo emseguida. Nem mesmo a caixa-preta sobrou pra contar a historia.

    No ceu, 0 sujeito foi tirar satisfacao com 0 Chefe:- 0 Senhor disse que nada aconteceria a mimI Que nao era 0

    meu dia ainda! Como se explica isso?!- Ora, meu filho - respondeu 0 Grande -, que culpa tenho eu

    se era 0 dia do piloto?!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    24/50

    ( ) 1 11 1'1 11 11 0 1 '0 , I I IV Ipmn tn prn I 'V Ol' L Im Isurra qua n do , e l l 'r 'P'tll~', I 'V 1 1 I 1 1 I h i I , n al,

    - QUt' C , p al'? - p r un tou, calmamente, 0 Carlinhos.- E verdad 0 qu estao dizendo por ail Que voce quebrou a

    vidraca do seu Frederico da farmacia? - quis saber 0 pai.- Ue, quem contou isso pro senhor, pail - perguntou, cinica-

    mente, 0 Carlinhos. E, sem remorso nenhum, continuou: - Ta todomundo sabendo que foi 0 vizinho, pail

    - 0 vizinho?! - estranhou 0 pai. - Se voce estiver mentindo,vai apanhar dobrado, ouviu?

    - E se nao tiver? 0 senhor pro m ete que nao vai me bater?- perguntou 0 Carlinhos.

    - Ora, se foi mesmo 0 vizinho, nao poderei fazer nada.- 0 senhor pro mete? - perguntou novamente, s6 para confir-

    mar.o pai prometeu. E la foram os dois a casa do vizinho tirar aprova. 0 pai dirigiu-se ao filho do vizinho:

    - 0 Carlinhos me disse que foi voce quem quebrou a vidraca dafarmacia, e verdade?o vizinhozinho, seu nome era Luisinho, negou de pe juntoque nao tinha sido ele. Que quem quebrara a vidraca tinha sido 0Carlinhos. Que qualquer um da rua podia provar. Testemunha naofaltava. Que ate mesmo 0 seu Frederico tinha visto.

    Depois dessa ladainha toda, 0 Carlinhos falou:- Ora, pai, eu nao menti. Eu falei que quem quebrou 0 vidro foi

    o vizinho, nao foil- Foi - respondeu 0 pai.- Entao, pronto! Quem e 0 vizinho do Luisinho?!

    o viz inhodo L uisin ho

    o garotinho tava batendo bola na calcada, quando soltou uma bicu-da na redondinha, que atravessou a rua para, finalmente, quebrar avidraca da farrnacia.

    Desesperado, 0 garotinho correu, com a bola debaixo do brace,para casa, escondendo-se dentro do guarda-roupa.Em pouco tempo, toda a vizinhanca ja estava sabendo do ocor-rido.o garotinho, seu nome era Carlinhos, passou 0 resto do diatrancado dentro de casa.

    No final da tarde, 0 pai do Carlinhos chegou, E, ja ciente do fato,foi ter uma conversa com 0 filho.

    - Carlinhos, venha cal - chamou 0 pai.

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    25/50

    Ill! 1 , 1 , P I, "I I i', Mil , i1i'pol, qiu 0 , - u h . u O t t . uu, U i l l d l l-ont luuou 11111101'IfHlo II III mh \' de b ilxo c ia arvor '1

    - Born, ill "

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    26/50

    N III l't I- Nu llnh I (I i IIul II- 'I'lnhn multu cnt '7- lh , rapaz! Tav a asslm , 61 E ra g en te saindo pelo l ad rao!- E nao perguntou pra mais ninguem?- Claro!- E entao?- Rapaz, voce me conhece, ne? Quando saio pra trabalhar, eu

    vou ate 0 fim! E 0 meu dever ou nao e?- E! E! E dai?- Dai, eu sai na batalha, voce entende?- Entendo, entendo! Nao enrola, rapaz!- Ta bem, ta bem. Como tinha gente pra burro, eu sai pergun-

    tando de boca em boca, tipo detetive!- Conseguiu a informacao?- Assim, assim ...- Caramba! Como assim?! Conseguiu ou nao conseguiu?- Bem, conseguir mesmo, eu nao consegui, mas ...- Ai, meu Deus!- Calma, calma!- Como, calma?! Voce saiu pruma missao importante e me volta

    de maos abanando?- Mas consegui algo importantissimo que eu nao sabia!- 0 que? 0 que?- Descobri que tava no lugar errado!

    U rn furofurado!

    - E entao, conseguiu ver alguma coisa?- Assim, assim ...- Como assim? Viu ou nao viu?- Bem, na verdade, ver mesmo, eu nao vi. Mas perguntei prum

    sujeito que estava do meu lado.- Ah, bom! E como foil Que e que ele disse?- Nada. Ele nem sabia do que eu estava falando.- E agora? Como e que fica? 0 que vamos fazer?- Calma, calma! Eu nao sou bobo, rapaz! Perguntei pra outro

    sujeito.- Beleza! Realmente de bobo voce nao tem nada, hein? E ail- 0 cara tinha chegado aquela hora tambem, E nada!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    27/50

    Uma chatade ga lochaV ,II () "I iIIII 1 '. ( (I mrlu t ' i ' lIO\l \ '111 t '1. I to O\l\'O urn h rru lho d e

    tv ] 0, . 1 \ Il '0 II ' 'lilt l ido til' mc d o l 1)01. lm a In 1, 1 torn, 'n l 07- lm a 1M. - U vlrcl 0 r os to p a ra 0 lado.Tambem na o ad ian tou . L v ium cu tucao que quase me fez Ie -

    vantar da poltrona:- Imagina nada! 0 senhor tern eara de quem nao tem medo de

    aviao, ne? Eu tenho. E muito! Prefiro viajar de onibus. 0 senhor naoacha mais seguro?

    - Aeho, mas ...Nao deu tempo de completar:- Mas 0.senhor prefere aviao, ne? Prefere?- Prefiro, e mais confortavel.,- 0 senhor tem bala de hortela ail To ficando meio enjoada ...- Ja? Mas a senhora nao viu nada ainda!- Ta quase na hora, ne?- Ta.- Ai, meu Deus!Para aumentar 0 meu sofrimento, ela comecou a rezar. E, so para

    deseontar, ironieamente soltei:- Prepare-sel L a vamos nos!A mulher deu um grito, levantou-se e saiu em disparada porta

    afora.Nao queria fazer isso. Mas so assim pude assistir, eonfortavelmente

    aeomodado em minha poltrona, ao filme Voo United 93.

    Estava eonfortavelmente acomodado em minha poltrona quando elaveio se sentar ao meu lado. Devia pesar - assim a olho nu - unseento e dezessete quilos, noveeentos e trinta e seis gramas. Apos umabreve luta para se "encaixar" na poltrona, disse:

    - 1 3 abafado aqui, hein? Acho que to um poueo nervosa!- 1 3 , e assim mesmo - respondi sem dar muita atencao,Mas ela nao se deu por satisfeita:- 0 senhor sabe como e, ne? Eu nao estou muito aeostumada.- Sei - respondi friamente, para ver se ela se mancava.Nao se maneou:- 0 senhor fuma?- Nao. E e proibido.- Ah, bom! 1 3 que eu fieo um poueo enjoada ... - Fez uma pausa,

    eoloeou a mao na boea (do jeito que a gente eoloea quando querarrotar e nao pode) e eontinuou: - Veja 0 senhor ...

    Nao quis ver, mas nao adiantou:

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    28/50

    NIII.- I l u r n n u u . . .- M 'U (,IIS0" I' IVe, doutor?- T ire a am lsa pa ra u poder examinar melhor. Fuma?- Nao.- Bebe?- A gua , suco natural , vitaminas ...- Pratica algum esporte? Natacao, por exemplo?- Sim, peito, costas, borboleta, classico ...- Futebol? Volei? Basquete?- Futebol, volei, basquete, judo .. .- E , seu case e grave!- Muito?- Muito.- Tern cura?- As vezes ... S6 depende do senhor!- 0 que tenho que fazer, doutor?- Suas ferias, onde costuma passa-las?- Campos do Jordao.- Pessimo.- Por favor, doutor, 0 senhor precisa me ajudar! Sinto-me hor-

    rivel!- Calma, calma. Primeiro tera que mudar alguns habitos, se-

    nao ...- Senao"!- Senao teremos que interna-Io. Como disse, so depende do se-

    nhor.- Farei tudo 0 que 0 senhor disser, mas me cure, doutor!- Bom, primeiro tera que comecar a fumar.- Cinco por dia, ta born?- Vinte!- E depois?- Beber. Nada de sucos sem acucar, nem vitaminas ...- Cerveja?- Cachaca. Cerveja so enche barrigal

    A

    No consultorio medico:- 0 que 0 senhor sente? - pergunta 0 doutor.- Nada - responde 0 paciente.- Nada?!- Pois e, doutor, nada. Nadinha de nada. Eu estou otimo. Faz dez

    anos que nao sinto coisa alguma, Estou apavorado, doutor!- Nenhuma dorzinha?- Nenhuma.- Dor de cabeca?- Nada.- Tosse?- Nao.- Gripe?- Ah, quem me dera . ..- Nem uma dorzinha de barriga de vez em quando?

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    29/50

    - (lllC rnu ls?- N ad a d e sp orte s . A nao se r baralho, porrinha e bozo , 'L a

    entendendo?-To.- Ferias em Cubatao. Procure sempre, ao entardecer, respirar bern

    fundo aquele ar.- Pode deixar, doutor! Seguirei a risca suas recomendacoes.Dois anos depois:- Doutor, sinto-rne perfei to!- Otimo, 6timo! Conte-me tudo.- Bern, em dois meses fiquei gripado. Peguei pneumonia logo

    ap6s. Estou com uma tosse dos diabos! Acho que e tuberculose. Sintodores nos rins. Deve ser a sagrada cachacinha!

    - Vai ver e cirrose hepatica!- Tomara, doutor, tomara!- Pulmao?- Manchado, doutor!- Otimo l- Enfim, sinto-rne maravilhosamente bern! Agora sou uma pessoa

    normal! Muito obrigado, doutor!- E - diz 0 medico, colo cando a mao no queixo -, pra quem

    estava praticamente desenganado ...

    rl t f im davaca G er trudes

    - A Gertrudes rnorreu! - gritou desesperadamente Durvalino pelacasa adentro. - A Gertrudes morreul

    - 0 quer lVoce esta assim por causa daquela vaca? - estranhousua filha.

    - Nao fale assim da pobrezinha, minha filha! - retrucou Dur-valino, ja com os olhos cheios d'agua.

    - Ah, pail - continuou a filha. - Voce sabe muito bern que elanao passava de uma vaca! Vaca, simI

    Dona Conceicao, com a fisionomia tristonha, tentava acalmaros nervos da filha:

    - I llu r ln ha u rn h01 11 I'Ora~ 0 , m lnha I " l l h t l . 1\1(11'l1 d o II I \ I , , pili 1111 I) 1 '1 1 1 1 '1 ', I " 1 1 1 1 1 1 1 1 , I

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    30/50

    ajudou por multo t mpo aqui na faz nda, foi ou nao foi?Que foi , foi. Seu Durvalino, inconformado com a perda insubsti-

    tuivel - pois a Gertrudes ja fazia parte da familia -, foi tratar dovelorio da falecida.

    Colocaram a pobrezinha estirada no centro da sala. Algumasvelas iluminavam 0 seu redondo corpo. Os amigos mais chegadosforam levar uma palavra de conforto a familia.

    - Puxa, como ta gorda, hein? - falou uma senhora ao ouvidoda outra. - Quero ver na hora de colocar no caixao!- A que horas ela morreu? - quis saber uma outra tapando 0

    nariz com a mao.- Sei nao, mas 0 cheiro ta f icando forte! - respondeu 0 marido

    dela.o cheiro foi aumentando. As pessoas cornecaram a se distanciar

    da falecida. Outras, porem, tentavam convencer 0 dono da casa:- Ta ficando brabo 0 negocio, homem. Acho melhor enterrar .Mas seu Durvalino foi categorico:- So enterro quando 0 padre chegar!E n ada de 0padre aparecer. Devia estar ocupado com outra coisa,

    uma extrema-uncao, urn batizado, uma miss a ou coisa parecida. Eo cheiro aumentando, aumentando ...

    - Que fedo, meu Deus! Ta catinga pura! - reclamava urn co-nhecido.

    Pouco a pouco os amigos foram deixando 0 velorio. Inventavamalguma desculpa, que 0 cheiro ja era insuportavel.

    Ate que nao ficou ninguem na cas a, a nao ser a familia: seuDurvalino, a mulher e a filha.

    - E agora, como vamos enterrar? - disse 0 marido a mulher.- Sei nao - respondeu ela -, mas eu e que nao fico mais nem

    urn minuto aqui!A mulher saiu levando consign a filha. Somente Durvalino ficou

    velando 0 corpo da infeliz .Vendo que mais nada poderia fazer, foi a cozinha, pegou duma

    faca e carneou a pobre da Gertrudes .

    J r e e y . I ' / ' .- N o o u tro d in, 0 p ad r \- O nd sta a fa l e id a?- Mas 0 velorio foi ontem, seu padre! - disse seu Durvalino.- Ontem? - estranhou 0 padre. - Mas so recebi 0 recado hoje

    pela manha!A mulher interveio:- Nao tern importancia, padre. Esta tudo resolvido. Aproveite efique para 0 almoco.o padre ficou:- Realmente estou morto de fome! 0 que temos para hoje?Com os olhos cheios de lagrimas e 0 coracao partido, seu Dur-

    valine falou:- Churrasco!

    I ! . 1 0 1 \ I I I I I II~ IV I I 1'l Iht:'~ , ~tlIIIPI'IIlIl\111u u l o ( ) 'o n l w l'l d o . N o

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    31/50

    Cale a boca,Jorge!

    Prometeu a si mesmo nunca mais falar.- Isso e ridiculo, Jorge! - espantou-se a mulher, apos ter lido 0

    bilhete entregue por ele.Ele deu de ombros e saiu. Ainda era cedo para ir ao escritorio, por

    isso resolveu caminhar.- 0 senhor tern horas? - interpelou urn transeunte, com cara dequem realmente esta atrasado.Jorge balancou a cabeca numa negativa. 0 outro ainda agradeceu,

    mas Jorge nada respondeu e continuou calado em sua caminhada.Vez por outra, urn conhecido 0 cumprimentava:- Como vai, Jorge?Apenas ia. Calado, carrancudo, casmurro.- Tudo bern, Jorge?

    -'S T U M 0, 0 pt'.'. 0 t l, .l nr o , e s tr nho u , N C ' 1 l 1 sequ r urn bom - d t a Id s eJo L l < l OS '01' a s no ch -aar . O s om ntar ios forarn muitos:

    - Que e qu houv om 0 Jorge, gente?- Ih, ai tern coisa!- Que cara mais sem educacao, isso, sim!- Deve estar com algum problema serio, ne?o pior e que nao estava. S o nao queria mais falar, nunca mais,

    apenas isso.E, no outro dia, Jorge continuou calado. E no outro tambem. E

    no outro, no outro, no outro ... 0 certo e que nunca mais, nunqui-nha mesmo, Jorge falou. A nao ser certa vez, apos muitos e muitosanos, quando ja estava com 87 anos e se esqueceu da promessa quefizera:

    - Querida . ..Rapidamente a velha emendou:- Cale a boca, Jorge!

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    32/50

    Que pobr eza !o

    do

    Como a gente escuta por ai, pobre nasceu pra levar fumo. E que nemcachimbo!

    Esta historiazinha e pobre de tudo. E pobre de espirito (0 autor], epobre de gente (os personagens), e pobre de conteudo (a historia).

    Entao, pra encurtar toda essa pobreza, YOU relatar so 0 supra-sumo da coisa.

    Vejamos: a familia Silva (quase todo Silva e pobre) estava nasala pobre do barraco (desculpem-me a redundancia], reunida comos amigos pobres, velando 0 corpo pobre de urn pobre Silva. Chorovai, choro vern [tarnbem nem precisava chorar tanto, ja que erauma boca a menos), enfim, levaram 0 pobre infeliz (pobre infeliz ecovardia, hein?) pro cemiterio. Nisso, urn cidadao chamado Souza(tern diferenca pra Silva?) nao sabia 0 motivo do falecimento dopobre Silva e, curio so (todo pobre e curioso), perguntou pra urnconhecido pobre da familia:

    - Desculpe, mas de que morreu 0 falecido?- Coitado - respondeu ele -, foi desastre de aviao l- E , e triste! ~ lamentou 0 Souza. - Quando voce menos espe-

    ra, 0 aviao cal. - E continuou: - Ele devia estar tranquilamentetomando 0 seu uisquezinho, hein?

    - Que uisque, que nada! - esbravejou 0 pobre amigo da familiapobre. - Ele tava e trabalhando na construcao, de picareta e tudo,quando urn maldito teco-teco caiu bern em cima dele!

    Que pobreza!!!

    - Padre, pequei de novo!- De novo?! Ah, meu filho, mas e a quinta vez nesta semana!- Eu sei, padre, mas e que . ..- Voce a viu novamente, nao e?- Sim. E nao so a vi como tambern ...- Tambemr l- Eu nao consegui resistir, padre ... Ela estava deitada nuazinha,

    sem nada ...- Sem nada?- S6 com 0 travesseiro tapando a parte mais ...- Mas voce prometeu que nao iria acontecer de novo, meu filho.- Nao consegui, padre. Eu fiquei possuido pelo .. .- Demonic! E 0 demonic, meu filho. Voce tern que evitar as ten-

    tacoes de Lucifer!

    N t 0 1 1 1 1 It IiOil, P 1111'( ' , l\ u (l'iJll'l, ( '! lil,l, r n u s j 'o l m u l s f u r l l . ' do

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    33/50

    qu u...- V oce t m que pensar em o utra s co isa s, m u filh o, Feche o s o lh o s

    e pense em coisas bel a s, em . ..- Eu j a fiz isso, padre! Mas aquela imagem sempre volta em meu

    pensamento.- Ela te provoca?- Sim! Sim!- Como? Quero dizer, com palavras?- Nem precisa! 0 seu olhar diz tudo!- Isso egrave, meu filho! Tente nao olhar para ela ...- E pior, padre. Eu nao sei mais 0 que fazer!- S6 ha uma said a, meu filho.- Qual e, padre? Qual e?- E dificil para mim dizer isso, meu filho, mas ...- Mas 0 que, padre? Mas 0 que?- Nem sei como te dizer, filho, mas ...- Diga, padre! Pelo amor de Deus, diga!- S6 the resta uma unica saida, meu filho, eo ...- E 0 que, padre?- 0 divorcio, meu filho!

    toda fr eguesa

    Isso aconteceu numa loja de calcados no centro da cidade. Eram treshoras daquela tarde ensolarada, quando ela entrou:

    - Pois nao? - perguntou 0 vendedor com 0 rosto vermelho desuor. - Em que posso servi-la?

    A freguesa, com seus noventa e poucos quilos, um metro e oitentano minimo, respondeu:

    - Gostaria de olhar alguns pares de sapatos.o vendedor ja ia para 0 deposito da loja buscar alguns paresnumero 41, quando se lembrou de que estava cometendo uma in-delicadeza e voltou para perguntar:

    - Que numero?

    A ' I ' rCg \H'S t l I ' t1 iou c condcr SUI I S I1l1fll1nl:ln '11 '~ d~ l b o ls a , mur ch o u

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    34/50

    a ba rrlga e , com ro sto v tr ad o p ar a 0 l ad o , d is se timidamente:- 36.- 0 que?! - deixou escapar 0 vendedor. - Perdao - redimiu-se

    ele -, nao escutei.- 36 - falou novamente, sem encarar 0 vendedor.- 36? A senhora tem certeza? - quis se certificar.- Por que? 0 senhor acha que eu calco mais do que isso?- Nao l E que eu imaginei...- Imaginou 0 que? - irritou-se a freguesa.- A senhora disse 36, nao e? Um momentinho so, yOU busca-

    los.o vendedor foi ao dep6sito com a nitida certeza de que aquilo

    ia dar galho na certa.Alguns minutos depois:- Pronto, minha senhora. Aqui estao: numero 36!o vendedor retirou os sapatos da caixa e os entregou a freguesa.- 0 senhor poderia me ajudar? - pediu ela.Era 0 que ele temia ouvir. Foi ai que 0 vendedor suou de verda-de. Nao havia santo que fizesse os sapatos entrarem nos pes dela.

    Receoso, ele falou:- Sinto muito, mas acho que estes sao um pouquinho pequeninos

    para a senhora, nao acha? Quem sabe e a forma ...A freguesa foi forcada a concordar:- Talvez 0 377- Humm, sei nao, essas formas ... Diria eu que 0 41. ..Sentindo-se ofend ida, a freguesa nao se conteve:- 0 que?! 0 senhor esta me chamando de sapatao"! De pe de

    anjo?!o vendedor tentou se desculpar de todas as formas. Inventouum monte de hist6rias esfarrapadas sobre os formatos dos sapatosda sua loja, ate conseguir convencer a freguesa,

    - Ah, bom! ~ disse ela. - Se e assim, nao adianta nembuscaro 41. Traz logo 0 43!

    o ball,,

    Um amigo convidou 0 Pompeu para 0 baile a fantasia.- 56 gente final Todas selecionadas! - disse 0 amigo, esfregando

    uma mao na outra.- Mas como? E a minha mulher? E a sua? - indagou Pompeu,

    sem saber como 0 amigo iria fazer para comparecer a festa.- Ora essa, invente qualquer coisa - disse 0 amigo. - Com a Te-

    resa nao teve problema. Ela caiu direitinho, meu carol - E soltandouma risadinha ironica: - Se for, me avise, tal

    No caminho ate sua casa, Pompeu ficou matutando uma maneirade convencer a mulher. Ao chegar, 0 plano ja estava arquitetado:

    - E isso ai, Susana! Reuniao extraordinaria no final de semana.Parto amanha de manha.

    A mulher aceitou com toda a naturalidade do mundo. Fez as mal asdo marido. Logo ao amanhecer, beijou-lhe carinhosamente a face edesejou-lhe boa viagem.

    P()ltlp~U S t' l i n xmtrou '01110Ifil l () n o b u'z nho de s c m pr ' . IkIH'-

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    35/50

    r i a ra rn algum a oi a com bin ar am qu trlam jun tos ao ba il .E foram. Pompeu de Batman, 0 amigo de Robin. La pelas tantas,

    o Batman estava atracado com a Mulher Maravilha. Depois dos atosheroicos, chegou a hora de retirarem as mascaras. Pompeu estavaapreensivo. 0 dono da festa, fantasia do de Marylin Monroe, desligouo som e acendeu as luzes. Todos reunidos no centro da sala, retiroua peruca loura e gritou: "Ja!"

    Num so momento, os outros retiraram suas mascaras. Pompeuficou perplexo ao ver a identidade secreta da hero ina. Ela, por suavez, nao aguentou, De susto, desmaiou.

    No outro dia, os advogados ja estavam tratando da papelada dodivorcio.

    A mulher saiu para fazer compras. 0 marido ficou em casa len d o 0jornal. 0 telefone tocou:

    - AW?- Sua mulher se mandou, seu otario l- 0 que?! - disse 0 marido, ja com 0 telefone do outro lade da

    linha desligado.Algumas horas depois, a mulher chegava em casa com os pacotes

    nas maos.Naquele condominio, nao havia apartamento em que ele nao

    tivesse passado esse tipo de trote. De binoculo, ficava olhando pelajanela os moradores de outros blocos. Todas as vezes que algumamulher saia de casa, ele pegava 0 telefone:

    - Sua mulher se mandou, seu otario lAte que descobriram de quem se tratava. Foi um deus-nos-acu-

    da! Pois, se nao bastasse a humilhacao por que passou, quase foi

    l ln .h ud o , A su I m ulh '" n o ''IlIV 1vm 'tl. tl, n s6 1 '1 o u SU U 'l id o d o

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    36/50

    ocorrido alguns dias depots, atraves da vizinha ao l ade :- Quase mataram eie, menina!Furiosa, a mulher nao se conteve:- 0 que?! Entao era pra isso 0 maldito binoculo, hein?A mulher 0 humilhou ainda mais. 0 marido ja estava com a ore-

    lha quente de tanto ouvir sermao. Acaboujogando fora 0 binoculo,que caiu na sacada do apartamento de baixo.

    A mulher nem assim 0 perdoou. Fez suas malas e desapareceuda sua vida.Quando a mulher havia deixado 0 apartamento, 0 telefone tocou.o marido, desesperado, foi atende-lo:- Ala?- Sua mulher se mandou, seu otario I

    1 0desper tadoro

    As seis horas da manha, 0 galo cantou no quintal . Joao Toto acordou.Olhou no relogio de pulso e confirmou: seis em ponto!

    Confiava piamente na pontualidade do galo, Era seu despertador.Podia dormir a qualquer hora da noite que, as seis da manha, ele 0acordava para 0 trabalho. Ravia muito que 0 galo estava com ele evice-versa.

    Tomava 0 seu cafe e, antes de sair, passava no quintal e desejava-lhe urn born dia. Seguia para 0 trabalho e so retornava de tardezinha.Chegando em casa, passava novamente no quintal para ver se 0 galoestava precisando de alguma coisa.

    Ate que, certa vez, 0 galo falhou. Eram nove horas quando elecantou. Joao Toto acordou, olhou para 0 relogio, e:

    - 0 que"! Nove horas?

    P o i a o q uin ta l, 'Ie C S 'lD V O 0 1 10d s mpre , N 0 apr's n tavn ne -

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    37/50

    nhum sinal d p er tu rb ac ao ( ele ra profundo con he c d or d gatos) ."Quem sabe foi um descuido do galo", pensou ele. Talvez, no dia

    seguinte voltasse ao normal.Nao voltou. Na manha seguinte, 0 galo piorou. S6 foi cantar as

    dez.- E , 0 galo ta velho! - disse com voz entristecida.Resolveu, entao, comprar um despertador de verdade. Era a unica

    solucao. Acertou 0 rel6gio para as seis e foi dormir.Ao amanhecer, quando 0 rel6gio despertou, levou um susto tao

    grande que quase bateu as botas. Nao estava acostumado com 0ruido do rel6gio.

    E nem se acostumou. Toda manha levava urn susto como se fosseo da primeira vez.

    Foi dai que teve uma ideia genial . Foi ao quintal, colocou 0 rel6gioperto do galo e acertou-o para as seis da manha,o plano deu certo no primeiro dia. 0 galo, com 0 susto que levou,cantou mais alto do que de costume. Mas, no segundo, nao deu outra,o galo nao aguentou, Bateu as botas.

    o alto

    Prometera ao netinho uma festa de aniversario. Foi ao supermercadomais proximo e comprou os ingredientes necessaries para a confeccaodo bolo, dos doces, salgados e tudo mais. Na hora de pagar, preencheuum cheque e entregou-o ao caixa.

    No caminho de volta, lembrou-se de passar no banco e verificar 0saldo. Verificou ... Nao era suficiente para cobrir as despesas da festa.Preocupada, caminhou em direcao a saida. Alguem a observava dolado de fora. Saiu do banco levando em cada mao um pacote decompras. Numa rua menos movimentada, foi interceptada por umelemento de oculos escuros, barba por fazer.

    - Maos ao alto! - falou calmamente 0 rapaz, empunhando umrev6lver.

    A velha, assustada, tentou erguer os bracos.isem deixar cair ospacotes.

    - Uu e ll \ m 0' a o IIH o, tl () to ('ul,oU't tUSS 0 I. I-! 0 I!II11 ( j

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    38/50

    impaciente.A assaltada tentou explicar a situacao:- Como posso levantar as maos se estao ocupadas?o assaltante, fingindo ter experiencia no ramo, falou:- A senhora nunca foi assaltada?

    A P C )troa d o S o u z a- Nao - respondeu ela.- Pois bem - continuou 0 criminoso -, e facil.A senhora coloque

    os pacotes no chao e_erga os braces, entendeu?A mulher fez que nao entendeu. E pediu para 0 rapaz demons-trar:

    - Paca 0 senhor primeiro, que ai eu aprendo, ta bom?o assaltante, novato que era, demonstrou:- Ta bem, mas preste ~tenvelha,\~pontando a arma para 0 as-

    saltante.- 0 que?! - espantou-se ele.- Eu disse maos ao alto, nao escutou?o sujeito levantou as maos. A velha continuou:- Agora, passe tod? 0 dinheiro!o assaltante passoutudo 0 que ele havia roubado de outras pes-

    soas. A velha, espert4q\i,ti_era, pas 0 malandro para correr.Antes de 0 banco fechar, ela fez 0 dep6sito em sua conta e ga-

    rahtru a festa do netinho..

    Se 0 amigo nao 0 segurasse, ele cairia no chao. Meio tonto ainda,mostrou 0 jornal ao amigo:

    - Leia isto. - E indicou com 0 dedo um pequeno anuncio nasecao dos dassificados.o amigo leu, achou um pouco estranho, mas falou:

    - Por que essa cara? Isso nao tem nada a ver com voce, Souza.- Como nao?! Voce nao esta vendo? Esta escrito ai: "Venha

    conhecer a minha patroa. Tratar pessoalmente com 0 Souza". Evoce ainda diz que nao tem nada aver comigo?! Ta na cara queesse Souza do jornal sou eu! Ta na carato amigo do Souza conhecia muito bem a mulher que 0 outro tinhaem casa. Realmente era muita areia para 0 caminhao dele, mas ... Masaquilo era brincadeira de alguem, pois nem 0 endereco nem 0 telefonehavia no anuncio. E, alem do mais, quantos e quantos Souzas naoestariam, nesse exato momento, lendo 0 mesmo anuncio?

    - Esse Souza sou eu, homem! - teimava 0 Souza. - Duvidoque algum outro Souza tenha uma patroa tao ... tao ... Ah, se eupego 0...

    No momenta em que ele ia soltar um palavrao, maldizendo 0safado que havia feito aquela brincadeira de muito mau gosto, acampainha tocou:

    - Pois nao? - disse 0 Souza, ainda furioso. E 0 outro a porta,com 0 jornal na mao:

    - Vim por causa do anuncio ...

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    39/50

    Papa i N oelduma figa ! Quem matouAbel?

    Antes de tudo, quero deixar bem claro que nao acredito em PapaiNoel nem faco xixi na cama!

    Mas, para tirar um grande peso da minha consciencia, coloqueimeu unico par de sapatos (cromo alemao) najanela do meu quarto.Era vespera de Natal. Posto, fui deitar-me. Dormi tranquilamente. 0que? Nao dormi? Ora . .. Ta bem! Nao dormi. Passei a noite inteira aespera do bom velhinho. Estava ansioso para conhece-lo. Fiquei meperguntando 0 que ele ir ia trazer para mim. Que presente ganharia?Parecia uma crianca a espera dum carrinho ou duma bola de futebol.Ouvi um barulho esquisi to. Pensei: "Deve ser ele!". Posicionei-mea um canto para que nao me visse e fiquei a espia-lo. Pe ante pe,um vulto se aproximava da minha janela. Notei que carregavaalgo nas costas. Seria 0 seu saco de brinquedos? Quanto mais seaproximava, mais eu ficava apreensivo. Estava muito escuro paraver 0 seu rosto. Mas eu nao tinha duvida, era ele mesmo. Quandochegou perto dajanela, tremi de emocao e felicidade. Pude repararque usava barba. Retirou meus sapatos da janela. Pensei: "Agoravai colocar 0meu presente dentro dos sapatos!". Nao colocou, alias,pas os meus sapatos dentro do seu saco e saiu em disparada.

    "Desgracado", gritei. "Volta aqui, Papai Noel duma figa!"Bom, na verdade eu nunca acreditei mesmo! Fui deitar-me, fulo

    da vida. Para descarregar minha raiva, novamente gritei: "PapaiNoel duma figa!". Quando acordei, minha cama estava ensopada!

    o inspetor escolar, para verificar 0 conhecimento geral dos alunos,entra na sala de aula. Interrompe a professora de Ensino Religiosoe pergunta:

    - Alguem sabe me dizer quem matou Abel?A sala permanece em silencio, Ninguem se atreve a responder. 0

    inspetor insiste na pergunta, agora dirigindo-se a um aluno:- Pedrinho, quem matou Abel?o Pedrinho, suando frio, responde:- Juro pro senhor que eu nao fui. Nao ando nem com estilete no

    estojo porque e perigoso!o inspetor, surpreso com a resposta do aluno, dir ige-se a profes-sora:

    - Dona Marlene, a senhora ouviu 0 que ele disse?- Ouvi, sim, senhor, seu Percival, mas eu conheco 0 Pedrinho

    desde que nasceu. Se ele disse que nao matou, e porque nao matou!Esse guri ai nao mente, pode ter certeza.

    ln d l na d o , o InS]>l '1 01 ' , 'a l d 1 ( 'Il,\ '{. \ s c e n mm ln hn II d il ' to r!u :

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    40/50

    - Dona G rtrudes, eu xijo uma xpli ' a~ao IA diretora, estranhando 0 procedimento do inspetor, pergunta:- 0 que aconteceu, seu Percival?- Eu fui a sala da professora Marlene e perguntei a urn aluno quem

    tinha matado Abel. E sabe 0 que ele me respondeu? Que nao haviasido ele. E 0 pior de tudo e que a professora concordou!

    A diretora coloca a mao no ombro do inspetor, tentando acal-ma-Io:- Olha, inspetor, eu nao conheco muito bern 0 menino, mas se aprofessora disse que nao foi ele, 0 senhor pode ficar tranquilo, E, nomais, aquele menino e uma crianca, ele nao faria uma coisa dessas.

    Enfurecido, 0 inspetor vai a Secretaria de Educacao. No gabinetedo secretario, relata, tintim por tintim, toda a historia:

    - E foi isso 0 que aconteceu. Da pra acreditar?o secretario, abismado com 0 acontecido, nao quis acreditar:- 0 senhor tern certeza? E muito diflcil acreditar que uma crianca

    tenha cometido tal crime! Talvez fosse melhor entregar 0 caso a po-licia, Tenho certeza de que 0 delegado tornara todas as providenciasnecessarias.

    Desesperado, 0 inspetor invade a sala do governador. Ele, por suavez, ouve toda a historia, No final, tenta tranquiliza-Io:

    - Pode ficar tranquilo, senhor Percival. Nos acharemos 0 verda-deiro culpado. Ajustica falha, mas nao tarda! Quero dizer, tarda, masnao falha! Pode ter certeza de que quem matou Abel sera punido,eu prometo!o inspetor esta agora totalmente transtornado:

    - Pelo amor de Deus! Eu nao posso acreditar no que estou ouvindo!Sem se preocupar com 0 local, ele grita:- Cairn e Abel eram filhos de Eva! 0 senhor nunca leu a Bi-

    blia?!o governador, aliviado, da uma bronca no inspetor:- Ah! Esta na Biblia, e? Ora, entao ja devem ter arquivado 0

    processo! Eu tenho mais 0 que fazer, passar bern!

    Com 0 suor escorrendo pelo rosto e os olhos arregalados, acordou nomeio da madrugada, Era sempre assim, nao podia ver urn filme deterror ou suspense que suas noites de sono tranquilo se transformavamem pesadelo. Olhou assustada para 0 marido, que roncava despreo-cupadamente. Chegava a ser irritante 0barulho que ele fazia. Foramvarias noites em claro, ate se acostumar com 0 ronco do marido. Paraela aquilo era pior que 0 pesadelo que tivera. E nao era so 0 roncoque a incomodava, tambem a sua fisionomia, os seus modos, 0 seucorpo grande e desajeitado, a sua voz esganicada.

    E naquela noite ela tivera urn pesadelo! Lembrou-se, porern, deque nao havia assistido a nenhum filme de suspense, quanta maisde terror. Por que teria sonhado, entao? Essa pergunta nao saiu dasua mente durante 0 resto da noite.

    Na madrugada seguinte, outro pesadelo. Nao conseguia acharuma explicacao coerente para 0 que estava acontecendo. Sua vidatornou-se urn inferno. Pesadelos durante 0dia, por causa da presencaincomoda do marido. Pesadelos durante a noite, quando dormia.

    E, noite apos noite, 0mesmo pesadelo a perseguia. Resolveu pro-curar urn psicanalista. Talvez resolvesse 0 seu problema. Telefonoupara 0 consultorio e conversou rapidamente com a secretaria paramarcar uma sessao:

    - Seis horas, ta born? - perguntou a secretaria,- As seis eu nao posso - respondeu ela -, meu marido esta

    fazendo urn programa novo na televisao e eu tenho que assistir aele todas as tardes.

    Af , (1 1 1 I , r', t n v n '1 l l l l i o 1 1 1 1 1 1 1 I I 1 1 1 1 1 1 1 1 ttl l i d I I I, 1 l101 '1 ' t' l ld t l lWIi P O l l l ' O , .Aco r r tou ,O bl'W I 1 11 1(1 )1 ('01 11 () suo r scorr ndo p 10 ro to . N o mats

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    41/50

    Pena demor te ... len ta 'om ; u lu d orm lr . .orn os olhos flxos n o n ad a, com ecou a lembrar a sbarbaridades que om tiam naquela salinha. A morte era lenta, cadave z mais dolorosa, ate 0 ponto de tornar-se insuportavel . Parecia quecada parte do corpo ia sendo devorada aos poucos.

    No outro dia, as tres da tarde, ele ja estava pronto. 0 padre veiotrazer-lhe uma palavra de conforto:

    - Acreditas em Deus?- Em Deus acredito; nele, naol - disse, visivelmente perturbado.Colocaram-no na poltrona. Amarraram as maos e os pes. De

    nada adiantava contorcer-se. Estava totalmente imovel, preso aquelacadeira. Uma televisao estava a sua frente. Abaixo, 0 DVD player.Todos sairam correndo da salinha quando 0 carrasco colocou 0DVDe ligou a teve.

    Comecou a tremer, como se estivesse levando choques de altatensao, quando ouviu as primeiras palavras pronunciadas por umcerto senhor de certa barba grisalha:

    - Companheiras e companheiros ...

    Em Lisarb, certo rico pais pobre do Terceiro Mundo, mais precisamentenuma certa capital , acontecia um certo julgamento.

    - Condeno 0 reu a pena de morte! - sentenciou 0 Juiz, batendocom 0 martelo na mesa.

    - Ufa! - respirou, aliviado, 0 reu, abrindo um largo sorriso desatisfacao.

    o Juiz complementou:- Morte lenta!- 0 que"! - gritou 0 reu. - Isso, nao lMorte Ienta, nao!Aos berros, 0 condenado foi reconduzido a sua cela. A execucao foi

    marcada para 0 dia seguinte, Nessa noite, sonhou que estava sentadonuma cadeira eletrica, ora cantando, ora assoviando.

    Foi um sonho lindo. Mas, de repente, 0 sonho tornou-se pesadelo.

    "ESTA E UMA OBRA DE Flq;:Ao. QUALQUERSEMELHAN~A COMPAisES, PESSOAS, DISCURSOS OUACONTECIMENTOS REArS

    TEM SIDO MERA COINCIDENCIA."

    lil ' ll11 ,('i(' qu 111, ' , quundo 0 n lh u , P l I' Il L I 1 1 0 pun t o :- M 1I D e u: , l~ hO.ll' que P I' '0 0 mpr go :o que esta

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    42/50

    D pols d al un s m in nos , r p a rou qu o onibus stava prat ica-m nt vazio, Seis au sete pessoas se espalhavam pelo veiculo. Umaslendo jornal, outras apreciando a paisagem.

    - Santo Deus, 0 que esta acontecendo?Quando saltou, andou por mais dois quarteiroes ate chegar a

    reparticao. Algumas pessoas passavam por ele com fisionomiasalegres, sem aquela pressa costumeira.- Que pessoal estranho!

    Na repart icao, uma surpresa: fechada?!Bateu na porta, esperando que alguem viesse atende-lo, Mas

    nada. Nao havia vivalma que pudesse informa-lo do que estavaacontecendo.

    - Sera que estou sonhando?Tudo estava fechado, ate mesmo os bancos. Somente os bares,

    as lanchonetes e sorveterias estavam atendendo.- Sera 0 fim do mundo?o sol queimava-lhe 0 rosto. Afrouxou 0 no da gravata, retirouo paleto e carregou-o nas costas.Eram onze horas da manha quando voltou para casa. No quarto,

    a mulher ainda dormia. Desorientado, sacudiu-a nervosamente:- 0 que foi, homem de Deus?- Esta acontecendo algo esquisito la fora, querida!- Acontecendo 0 que? - estranhou a mulher, - E 0 que voce

    esta fazendo de terno a uma hora dessa?!- Estou voltando da reparticao. A cidade esta total mente vazia!- 0 que voce foi fazer na reparticao, posso saber?- Ora, querida, fui trabalhar!A mulher virou-se de lado e, sem dar grande importancia ao

    marido, falou:- Acho melhor voce procurar um medico, meu bem!- Tambem acho. You marcar uma consulta agora mesmo!Foi ai que a mulher caiu na risada:- Acho melhor voce ligar amanha, que e segunda-feiral

    acon t e c endo? I \

    Eram seis e meia da manha quando ele acordou. Olhou para a mu-lher, que dormia despreocupadamente. Virou-se, assustado, para 0despertador:

    - Droga, nao se pode confiar nesta porcaria! - Ejogou-o contraa parede.

    A mulher continuou dormindo. Mais do que depressa, levantoue colocou 0 terno, nao dando tempo para tomar 0 sagrado banhomatinal.

    Na cozinha, requentou 0 cafe, tomando-o num so gole. Saiuas pressas para 0 ponto de onibus, levando consigo um pedaco depao dormido.

    H I H l l 1 1 1 1 1 i n i 0 ' 1 1 ' 1 ' lVIII' j II I IVI, d lo t i Hl[1, t tl U 1 I '1 I I ,' p O , sl v 'I.,n r n iu r ( ) Im ll \, ! rl , III'IH'III ludo uovam tlt I n o: b clso s d o pa l "to e d llBancando

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    43/50

    tll~'fJ, N e m u s lm (J M lItlt'( 11 1pe rd u a alma:- P or fav or, s n ho r, e s d ocum e ntos :Vendo que nao tinha como escapar daquela embaracosa situacao,

    seu Tavares, com uma fisionomia seria, ordenou:- Posicao de sentido ao se dirigir a um superior, soldado! Com

    quem voce pensa que esta falando? Saiba que sou coronel!o guarda nao apresentou sinais de surpresa. Mas, por via das du-vidas, prostrou-se em posicao de sentido, batendo, ate mesmo, uma

    continencia, Seu Tavares abriu um discreto sorriso, pensando estarl ivre da encrenca. Mas, apos a continencia, 0 guarda continuou:

    - Por favor, os documentos, senhor! Seu Tavares nao entendeu 0procedimento do policial:

    - Parece que voce nao ouviu bem 0 que eu disse. Vou repetir: eusou coronel! Entendeu?o policial f icou novamente em posicao de sentido:

    - Entendi, sim, senhor!Seu Tavares girou a chave da igni

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    44/50

    - P ISSQU, slm , , 140 k tn/h, c l m ar ha a r I Qu guri, h .in ?!E 0 p at, im p a r en te , mandava-os para aquele lugar,Resolveu, entao, acionar a policia. Mas nada de encontrar 0

    menino.E quem poderia imaginar que um garoto de seis anos soubesse

    dirigir?"S6 pode ter sido a mae dele! Aquela irresponsavel.;", pensouo pai.La pelas tantas, cansado de tanto procurar, voltou exausto para

    casa. A mulher estava na varanda, regando as plantas, quando 0marido chegou.

    - Que cara e essa, homem de Deus?! - perguntou a mulher,preocupada com 0 estado last imavel do marido.

    Ele mal conseguia falar de tao nervoso que estava.A mulher tentou acalma-lo, dizendo que 0 filho estava no quarto,

    e de castigo!- Castigo?! - estranhou 0 pai. - Mas eu 0 vi pegando a chavedo carro e ...- E por isso mesmo! 0 danadinho riscou todo 0 carro do vizinho,

    tentando abrir a porta!Foi ai que 0 marido se lembrou de que seu carro estava estacio-

    nado numa rua do bairro vizinho por falta de combustivel,Aliviado, 0 pai apertou fortemente 0 menino contra 0 seu peito

    e deu um beijo demorado em sua bochecha rosada.o f ilho, malandrinho, abriu urn pequeno sorriso, pensando estarlivre do castigo. E, antes de 0 menino falar alguma coisa, 0 pai foimais rapido:

    - Vai ficar ai de castigo 0 resto do dia, viu?! - E saiu do quartocom um largo sorriso estampado no rosto.

    o pai estava lendo 0jornal quando 0 garotinho entrou na sa-la e perguntou:

    - Pai, cad- a chave do carro?- Em cima da televisao - respondeu ele, sem tirar os olhos do

    jornal.o garoto pegou a chave e saiu para a rua. Algum tempo depois,o pai se deu conta da asneira que tinha cometido.

    Aflito, correu a garagem. Tarde demais, 0 carro ja nao estavamais lao

    Desorientado, saiu a procura do filho, correndo pelas ruas dobairro. A todos que encontrava pela frente perguntava se nao tinhavisto um carro de tal marca, de tal cor, com urn garotinho loirinho,mais ou menos desse tamanho assim (ele indicava altura do meninocom a mao), ao volante do veiculo. E, pensando que 0 pai estivessede gozacao, alguns respondiam:

    o cachorro () ,l'ldllll' vlu?- T avn ch 1 1 11 < 10 I I J lion, d o u t o rl ' lu d ln h n dc lu . . .

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    45/50

    do G um ercin do - Qu mats?- N o outro d ia fo i a m inha ftlha l- 0 senhor tern certeza?- Eu vi, doutor, eu vi!- E ail- E nao ficou por isso ...- Tern mais?- A minha sogra, doutor!- A sogra tambem?- Nem ela, doutor, ele perdoou!- E urn cachorro mesmo, hein, seu Alcebiades?!- Se e, doutor, se e! Ate que a sogra, eu nao me importei muito,

    o senhor sabe como e, ne?- E , sogra e sempre sogra .. .- Pois e, doutor, 0 senhor tern que fazer alguma coisa! Isso nao

    pode continuar!- Sei, sei. Fique tranquilo, que nos vamos tomar algumas pro-videncias ...- E born mesmo, doutor! Senao, eu acabo com a raca daquele

    cachorro!- Nao faca isso, seu Alcebiadesl A lei existe para ser cumprida!

    Nos daremos umjeito no desgracado lNo outro dia, a policia foi a casa do seu Gumercindo:- 0 senhor queira me acompanhar! - ordenou 0 delegado, colo-

    cando, imediatamente, as algemas no infeliz .Depois de ouvidas as vitimas, 0 delegado nao teve outro jeito:- Teje preso, seu cachorro!Seu Gumercindo nao entendeu nada. Nem seu Alcebiades, nem

    as vitimas,Enquanto isso, no quintal do Gumercindo, 0 cachorro lat ia , de-

    sesperadamente, com saudades das mordidas que dera nas nadegasda sogra, mulher e filha do seu Alcebiades.

    - Foi aquele cachorro do meu vizinho, doutor! - disse, exaltado, seuAlcebiades ao delegado de policia,

    - Explique-se melhor - falou 0 delegado. - 0 que ele cometeude tao grave assim para 0 senhor procurar a policia?

    - Ah! Doutor delegado! Se eu relatar tudo 0 que aquele cachorrosafado me aprontou, vamos ficar aqui 0 dia inteiro!

    - So que eu nao posso tomar nenhuma providencia, se 0 senhornao me der urn motivo justo.- Esta bern. Vou the contar tudo 0 que aquele cachorro fez para

    a minha familia, doutor!- Assim e melhor! Anote ai - pediu 0 delegado ao escrivao.- Born, seu delegado, pra encurtar a historia, ele pegou a minha

    mulher e....

    A n ova vida do Gr. n irco

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    46/50

    seu Joa qu im Ho l ande sEsta historiazinha comeca a fazer sentido depois que 0 seu Joaquimresolveu fazer uma operacao nos olhos. Apos insistentes pedidos dafamilia, ele nao teve outra alternativa:- Ta bern, ta bern! Eu faco.

    A familia ja havia programado uma festa na chacara para que,quando saisse do hospital, pudesse festejar sua nova vida.

    E 0 pobre do Joaquim partiu descrente, quase ceguinho, para 0hospital, a fim de fazer a tao esperada operacao.

    - Pior que isso nao pode ficar, pail - falou a filha mais velha,tentando convence-Io de que seria uma boa ideia,

    - Vai dar certo, tio! Vai dar certo! - incentivou urn sobrinho.- E isso mesmo, meu velho! - concordou dona Vandermira,

    mulher do seu Joaquim.o prato preferido do velho era carneiro. E nao deu outra. Quemiria pagar 0 pato era 0 carneirinho que ha muito vivia na chacarado seu Joaquim.

    Enfim, 0 velho foi operado:- Podem ficar calmos! Tudo correu as mil maravilhas, gracas a

    Deus! - tranquilizou 0 medico responsavel pela operacao.Mal seu Joaquim havia retirado as vendas dos olhos, a familia

    organizou a festa. 0 dificil mesmo foi capturar 0 carneiro. E seuJoaquim, querendo mostrar service, foi ajudar na perseguicao doinfeliz:

    - Pega ele, vo l Pega! Passou perto do senhor! - gritou urn ne-t inho, divertindo-se com a situacao.

    - Passou e? - disse 0 avo. - Pra onde ele foil Pra onde?- Ta debaixo da carroca, pail Bern ai na sua frente! - indicou

    o filho mais novo.- Carroca? Mas que carrocar l

    Todos os moradores sairam a rua quando 0 Grand Circo Holandesvoltou a pequena cidade de Sao Sinfronio da Serrinha.

    A chegada foi bonita. Palhacos, acrobatas, domadores, bailarinascantavam, pulavam, faziam piruetas para 0 publico, enquanto a me-ninada se divertia correndo atras deles, acompanhando 0 cortejo.o circo ficou no mesmo local de outrora, avenida Terencio Vilela,num pequeno terreno da prefeitura. De grande mesmo, 0 circo sotinha 0 nome: Grand Circo Holandes.

    Dois dias depois, 0 Grand Circo ja estava armado, pronto parareceber a populacao de Sao Sinfronio, mais conhecida como Fonfompelos seus moradores.

    Era a segunda vez que 0 circo se apresentava em Fonfom. E foibern diferente da primeira. E que Lutecerio Mendonca, proprietariodo circo, havia proibido a entrada de Jao Pacoca e Ze Branca de

    N 'V'. Q U H l (j t1 lOUVO d I pro lb Ii o ? A h l Yew H ne m lm \ 1III1Itl osofr im en to do hom m qua n do 0 ir '0 h ou aqut p'I9 pr lme ln

    I . l , ' I I. , 1 1 1 '1 1 , I l id o 1-'1111 ' II II \lIt! I I I, II! \ l~tI pt ' ' 1 ' , ' III't_ t'l till I!lO , I II~, pOI' I'll 11 '111 ,0, eu .. (Ill (' II' dl~ 'r p IO , 1 111 10 1

    qu J 0 I U\'OI.'1\ (" Zt\ Brnn '11 d e N 'V ' se mUdAI'HffI pr bem lo n :

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    47/50

    Mas, para que saibam melhor 0 porque da proibicao, YOUlhesrelatar 0 acontecido.

    Se nao me falha a memoria, foi no comecinho do ana passado.A alegria do povo foi a mesma, Uma lindeza de desfile! E dois diasdepois, la estava ele, armadinho da silva na avenida Terencio Vilela.Coisa linda de se vert

    Vai dai que Lutecerio teve a infelicidade de encontrar pela frentelao Pacoca e Ze Branca de Neve, logo na noite de estreia. Eu estavalaoA te a metade do espetaculo tudo corria bern, uma boniteza quedava gosto de assistir! Se lao Pacoca nao tivesse gritado que 0circo estava pegando fogo, 0 espetaculo ia ser uma coisa de louco.Nunca vi tamanha correria. Era uma quebracao de cadeira, umarasgacao de lona. Mas ate ai tudo bern. 0 feio mesmo foi quandoZe Branca de Neve teve a in f eliz ideia de soltar os animaizinhosdas jaulas. Nao sobrou nada, tudo saiu em disparada. 0 velho leao,ourso pardo, os macaquinhos, ate mesmo 0 cansado e maltratadoelefante, 0 orgulho do circo. Lutecerio Mendonca nao acreditavano que estava vendo. 0 velho ficou desesperado. So uma semanadepois e que conseguiram capturar 0 ultimo bichinho. Era 0 rna-caquinho Beleleu, que estava em cima da arvore, la no quintal dacasa do delegado Aniversarino Vieira.

    E foi coberto de razao que Lutecerio Mendonca proibiua entradados dois no Grand Circo.

    E nao e que 0 homem armou urn forte esquema de segurancaao redor do circo? Ficou praticamente impossivel a entrada de laoPacoca e Ze Branca de Neve.Mas 0 que Lutecerio nao sabia e que os dois haviam se mudadopara Santa Ana da Cachoeirinha, cidade grande, la pras bandas daSerra Comprida.

    E YOUdizer urn negocio para voces. Desta vez 0 espetaculo foiuma lindeza que nao tinha fim! Tudo correu nos seus conformes.Lutecerio tava que tava feliz:

    daqui l- Mesmo? Ainda bern, seu prefeito, ainda beml Assim eu nao

    precisarei mais de toda aquela seguranca. Hoje mesmo eu dispensotodo mundo.

    E dispensou mesmo. Mas ainda bern que tudo andou direitinho.o Grand Circo flCOUuma semana aqui em Sao Sinfronio da Ser-rinha - Fonfom para os moradores. E sempre de casa cheia. Nofinal de semana, Lutecerio Mendonca e sua comitiva levantarampoeira.

    A chegada em Santa Ana da Cachoeirinha, mais conhecida comoSantaninha pelos moradores, foi uma coisa louca de severt Palhacos,domadores, bailarinas ...

    o autor N Il Il l' ! \ '1 11 Ih'ln l lu r lzunt, IIIUH 1'~IOI't'1e rn ( lU i I'tll'll' IlIlt lis, ( '01110S & \ O 1 f ! l : l I u l o , \ "l tl bn ( ' C H i l l pO Onfld,~.I i i o j c S O U u m bortl 'm d o I I I l l ' ' '

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    48/50

    d ot, m e ro ha ma i s d quinze a ! ll G S e m Ribeirao Plleto. S o u e a sa d eC0ip;\ a , ' III Cllari$$a e 0 Pedso,

    , '

    - -Entrev is ta A II 1 I I 'I i 'l I11 I I It'l 1111'1" 1IIIIIIn IlIit'rt'SNlllIll. HIl i 1 1 1 1 , 1'1'11' 1 1 1 1 1 1 1 lI'xl"h!slnrlut,(I'nfko, A 110., I prlmelru l'I'()tllt'lI < "A ('111111 II " 1'1'1'0 Vll~ d \'

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    49/50

    C aml .n ha ". N o s a 'u,lo X J X " Jose!:de A t e n e a e e M a c b a d Q d IA s s J s dOo ae la 1 il.m an ov a r ou pa ge :m " i st o e , p as sa a se r ( hi st 6ti a c ru lt ita ,plt6p;ria pa;r:a

    Go sto d o Q intlarIJ2l c om o g os tio d o B an d lru, d o D ru mm o ud , r lo Jn ()C a br al, d e M ia l; t< ;> eEe J Ba rr os , d o F er re ir a G ul la r, Ii lo A 'f ff on so R an na n a d e '

  • 5/13/2018 O vendedor de queijos e outras crnicas

    50/50

    . s ecu lo xx. 0 humOf mis t u ra do

    INIlUIINIII\~

    T iiu lo s d a ('()Ir~ ' 0 :o vendedor de qu ~ I ( )

    Alexandre' AZ('I'"tillP ra vo ce eu cnn to

    Mo ac yr S ella r

    Aquele es t ranhncolega, 0 m eu P IIMo ac yr S clia rManual desobrevivencia famlll irIvan Ja!

    Projetos postumos d Bras CubasIvan Ja!Diarlo do DutroRona l d Claver