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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ OBJETO DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA - OAC A POESIA NA SALA DE AULA PROFESSORA PDE: MÁRCIA HÁVILA MOCCI ORIENTADORA: MÍRIAN HISAE YAEGASHI ZAPPONE MARINGÁ 2007

OBJETO DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA - … · texto poético, o leitor tende a atentar para o desenho sonoro, para a forma de relação entre as palavras, atividade que geralmente

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

OBJETO DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA - OAC

A POESIA NA SALA DE AULA

PROFESSORA PDE: MÁRCIA HÁVILA MOCCI

ORIENTADORA: MÍRIAN HISAE YAEGASHI ZAPPONE

MARINGÁ 2007

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RECURSO DE EXPRESSÃO

“ Para compreender a poesia precisamos ser capazes de envergar a

alma da criança, como se fosse uma capa mágica,

Johan Huizinga

.

PROBLEMATIZAÇÃO DO CONTEÚDO O que fazer para se trabalhar melhor a poesia em sala de aula? Quais

conhecimentos o professor deve ter para enriquecer sua prática pedagógica?

Nota-se que a leitura do texto poético tem sido relegada a um segundo

plano e, por vezes, até esquecida pela escola. Muitas vezes, ela é trabalhada na

1ª à 4ª série do Ensino Fundamental e mesmo assim, o ensino é inadequado,

devido às adaptações feitas pelos autores dos livros didáticos, situação que se

agrava no estudo da mesma na 5ª à 8ªséries e Ensino Médio.

Existe uma grande falta de material apropriado e de qualidade para que

os professores se preparem e organizem suas as aulas e este OAC se propõe a

suprir um pouco esta falta, oferecendo material de consulta e referência sobre o

ensino da poesia. Por outro lado, o fator desafiador é demonstrado na criatividade

do professor e no desejo que ele tem de levar para seus alunos uma forma

agradável e interessante de ler e estudar poemas diversos.

Visto ser o texto poético extremamente importante para o despertar da

sensibilidade e o gosto literário pelos alunos, torna-se relevante para nós,

educadores, conhecermos algumas características fundamentais da poesia, a fim

de transmitirmos esse conhecimento aos nossos alunos.

A poesia, enquanto texto literário, apresenta especificidades relacionadas

à valorização da linguagem sobre outros aspectos. Por isso, quando diante de um

texto poético, o leitor tende a atentar para o desenho sonoro, para a forma de

relação entre as palavras, atividade que geralmente não realiza diante de textos

comuns. Na poesia, a linguagem aparece integrada de um modo que todas as

palavras, estruturas e sons se apresentam em uma relação complexa, sobre a

qual é preciso refletir, a fim de se produzir um sentido para o todo.

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Segundo Goldstein (1989), nos textos comuns, não-literários, o autor

seleciona e combina as palavras geralmente pela sua significação. Na poesia, a

seleção e a combinação das palavras se faz, muitas vezes, por parentesco so-

noro; como resultado, o poema adquire certo grau de tensão ou ambigüidade,

produzindo mais de um sentido. Daí, a plurissignificação do texto literário.

Outra especificidade da poesia é que ela também pode fazer uso da

chamada licença poética, que, de acordo com Ceia (2005), é a licença para se

expressar com criatividade sem obediência rígida a um modelo convencional de

escrita, ou seja, é a permissão para extrapolar o uso da norma culta da língua,

tomando a liberdade necessária para recorrer a recursos como desvios da norma

gramatical, que se aproximam mais da linguagem falada ou a utilização de figuras

de estilo como a hipérbole ou outras que assumem o carácter "fingidor" da

poesia, de acordo com a conhecida fórmula de Fernando Pessoa "O poeta é um

fingidor".

De acordo com Cunha (1976), existem algumas particularidades ou

fenômenos estilísticos que caracterizam a lírica e tornam um texto poético:

O primeiro fenômeno é o da musicalidade e é o mais característico do

gênero lírico. A musicalidade é obtida através de uma elaboração especial do

ritmo e dos meios sonoros da língua: a rima, a assonância ou a aliteração.

Podemos observar a relação entre os sentidos das palavras e sua sonoridade na

“Canção do vento e da minha vida” de Manuel Bandeira:

O vento varria as folhas

O vento varria os frutos,

O vento varria as flores...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De frutos, de flores, de folhas.

A insistência dos fonemas fricativos /v/ e /f/ induz a uma aproximação do

som dos versos ao sentido de voragem do vento varrendo as coisas.

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O segundo fenômeno é o da repetição, que, em um poema, pode ser de

palavras, versos ou mesmo estrofes inteiras, e relaciona-se diretamente com a

musicalidade. Entre os processos mais comuns da repetição, citamos o refrão,

exemplificado na cantiga de amor de D. Dinis:

Quanto me custa, senhora,

tamanha dor suportar,

quando me ponho a lembrar

o que pensei desde a hora

em que formosa vos vi;

e todo este mal sofri,

só por vos amar, senhora.

Desde o momento, senhora,

em que vos ouvi falar,

não tive senão pesar;

cada dia e cada hora

mais tristeza conheci;

e todo estre mal sofri

só por vos amar, senhora.

(...)

O terceiro fenômeno é o desvio da norma gramatical, que pode

acontecer, por exemplo, quando a linguagem poética utiliza-se da inversão na

ordem natural das palavras para satisfazer às exigências do ritmo, do metro ou da

rima, o que pode levar a construções pouco usadas na linguagem corrente. De

acordo com a sintaxe lógico-discursiva, o pensamento se organiza em uma

determinada seqüência: sujeito – predicado – complemento, mas a linguagem

lírica normalmente produz um desvio desse padrão e acaba desestruturando as

estruturas linguísticas já calcificadas pelo uso.

Observe os versos de “O navio negreiro” de Castro Alves:

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Era um sonho dantesco.... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar,

...................................................................................

E ria-se a orquestra irônica e estridente...

A ordem direta seria: O tombadilho era um sonho dantesco/ e a

orquestra, irônica e estridente ria-se...

Essa desestrutura da língua acaba ocasionando o quarto fenômeno: a

antidiscursividade. Na discursividade as idéias se enfileiram, seguem uma

seqüência lógica, como acontece nas frases, porém o discursivo promove um

distanciamento reflexivo, que é incompatível com a essência lírica. Embora a

poesia utilize o discursivo, devido ao seu material verbal, ela reage contra a

sintaxe lógico-gramatical e tenta romper com suas imposições. Assim, pode-se

afirmar que a poesia tem como característica uma certa antidiscursividade, ou

seja, a significação do poema não é linear e sim globalizante. A poética atual se

empenha cada vez mais em suprimir os elos conectivos sintáticos, chegando

mesmo, em muitos casos, a eliminar a frase, conforme se verifica na Poesia

Concreta.

Cassiano Ricardo empregou este procedimento em várias composições,

entre as quais “Posições do corpo”:

Sob o azul

sobre o azul

subazul

subsol

subsolo

O quinto fenômeno é a alogicidade, ou seja, o poema, muitas vezes,

rompe com a lógica da realidade controlada pela razão. É impossível

compreender um poema lírico apenas através do raciocínio lógico, uma vez que

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nele predominam conflitos, paradoxos, sentimentos contraditórios e sensações. É

o que verificamos na definição do amor, no soneto de Camões:

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer; ( .... )

Como uma ferida pode doer e não ser sentida? Um contentamento ser

descontente? Foge totalmente à lógica, no entanto tal construção empresta uma

beleza ímpar ao texto poético.

O sexto e último fenômeno lírico é a construção paratática, que são o

uso das orações coordenadas. Essas orações, predominantes nas composições

líricas, caracterizam melhor a linguagem poética, uma vez que valem por si, são

independentes quanto ao seu significado e justapõem-se sem prioridade, como

acontece na emoção lírica, em que fatos distantes no tempo e no espaço se

aproximam e se fundem nas vivências emotivas do poeta. Já as orações

subordinadas, pelo uso de conjunções, requerem um raciocínio mais lógico,

contrário à liberdade necessária para se expressar as emoções.

Em “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu, a recordação da infância une

o passado e o presente num reviver repleto de ternura. As breves orações

coordenadas refletem a justaposição dos fatos:

Naqueles tempos ditosos

Ia colher as pitangas,

Trepava a tirar mangas,

Brincava à beira do mar;

Rezava as Ave-Marias,

Achava o céu sempre lindo,

Adormecia sorrindo,

E despertava a cantar!

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Todos esses fenômenos estilísticos analisados fazem parte da essência

lírica e propiciam um não-distanciamento entre o poeta e o texto, criando um

contexto impreciso em que há uma fusão entre o contorno do eu e do mundo e a

estrutura da língua; somados, esses recursos são responsáveis pela beleza e

pela magia da poesia.

Ao ouvirmos uma poesia imaginamos ou reconstruímos um falante e um

contexto: identificando um tom de voz, inferimos a postura, as situações,

preocupações e atitudes de um falante. Uma justificativa resumida para esse fato

poderia ser a de que as obras literárias são imitações ficcionais e elocuções

(forma de exprimir) do mundo real. Os poemas líricos são, portanto, imitações

ficcionais de elocução pessoal. Segundo Culler (1999:77), “Interpretar um poema,

portanto, é uma questão de deslindar (investigar, esmiuçar), a partir das

indicações do texto e de nossos conhecimentos gerais sobre os falantes e

situações comuns, a natureza das atitudes do falante. O que poderia levar alguém

a falar dessa forma”?

Os poemas colocam em primeiro plano os traços não-semânticos – som,

ritmo, repetição de letras - para produzir encantamento. O padrão rítmico e o

esquema da rima podem provocar atenção interpretativa como suspender a

investigação: a poesia tem sua própria ordem que dá prazer e a organização

rítmica permite à linguagem se alojar na memória mecânica. Colocar a linguagem

em primeiro plano e torná-la estranha através da organização métrica e da

repetição de sons é a base da poesia. As teorias da poesia postulam relações

entre as dimensões semânticas, o que o poema diz, e as dimensões não-

semânticas, como se diz.

De acordo com Culler (1999), a teoria literária discute maneiras diferentes

de se ver um poema: Como um evento, um ato do poeta ou uma experiência do

leitor: importa a relação entre o autor que escreve o poema e a voz que fala ali. O

autor não fala o poema, ele se imagina a si mesmo ou a uma outra voz falando-o.

Ler suas palavras é colocar-se na posição de dizê-las ou então imaginar uma

outra voz dizendo-as. Como uma estrutura feita de palavras, um texto: para o

poema concebido como construção verbal, uma questão importante é a relação

entre o sentido e os traços não-semânticos (sons, ritmo...). Que efeitos esses

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traços não-semânticos, conscientes e inconscientes têm? Que tipos de interação

pode-se esperar entre esses dois traços?

Conhecer as particularidades do modo de construção do texto poético

constitui pré-requisito fundamental para se pensar em seu(s) modo(s) de leitura.

Segundo Goldstein (1989) existem algumas técnicas que auxiliam na leitura mais

aprofundada dos textos poéticos e na relação entre os níveis do poema, que são:

• Nível lexical - Trata-se de verificar as palavras, o léxico, que

compõe o poema; o vocabulário revela se o nível de linguagem é culto ou

coloquial; além do vocabulário deve-se identificar a categoria gramatical a que

pertencem as palavras, sempre associando-as com o sentido do texto. Seguem-

se alguns exemplos: verbos de ação: indicam movimento, dinamismo; verbos de

estado: estaticidade; substantivos abstratos: generalizações, substantivos

concretos: particularização; adjetivos: caracterizadores em geral; verbos no

tempo presente: proximidade; verbos no passado ou futuro: distanciamento;

verbos no modo indicativo: realidade; verbos no modo subjuntivo: possibilidade,

desejo; 1ª pessoa verbal: tom pessoal; ausência verbal: clima de expectativa,

incerteza.

• Nível sintático – Consiste no levantamento dos tipos de períodos

utilizados no poema e que concorrem para atribuir sentido a ele. Verifica-se: se os

períodos são curtos ou longos, se são orações ou frases isoladas, se aparecem

paralelismos, ou seja, a mesma construção sintática (mesmo tipo de verbo com

mesmo tipo de complemento) em versos diferentes, se há omissão de termos da

oração, inversões sintáticas visando ao efeito poético e se há encadeamento

(construção sintática especial que liga um verso ao seguinte, para completar o

seu sentido).

• Nível semântico – Relaciona-se ao sentido global do poema, tendo

em vista as figuras utilizadas no mesmo com o objetivo de embelezá-lo. Seguem-

se algumas delas: a comparação; a metáfora: sendo esta figura de grande efeito

poético; a alegoria: que pode ser entendida como uma metáfora continuada (ex:

um poema inteiro falando alegoricamente sobre a morte); a sinestesia: que sugere

impressões ligadas aos cinco sentidos; a metonímia: o emprego de um termo pelo

outro; a antítese: aproximação de idéias contrárias; o oxímoro, o paradoxo e a

ironia entre outras.

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Essa análise dos níveis tem por finalidade nos auxiliar na compreensão dos

poemas, porém devemos ter em mente que, um poema faz parte da visão de

mundo de alguém, no caso, o poeta; e que reflete, direta ou indiretamente um

contexto histórico-social. A análise ou interpretação de poemas se enriquece na

medida em que traçamos um paralelo com outros poemas do mesmo autor ou

época, ou mesmo, com outros poemas de temas semelhante. Uma coisa é certa,

para nos apropriarmos das características inerentes à linguagem poética e para

apreciarmos melhor a poesia é preciso lermos muitos poemas, de boa qualidade

e, principalmente de autores consagrados da Língua Portuguesa.

Bibliografia consultada

BERALDO, A. Trabalhando com poesia. São Paulo: Ática, 1990. CÂNDIDO, A. Na Sala de Aula. Caderno de Análise literária.São Paulo: Ática, 1994. ____________ in “Vários escritos, Rio de Janeiro, Duas Cidades, 2004, reproduzido em Literatura e formação da consciência, Cadernos de Estudos ENFF, 2007, p.28 e seguintes)

CEIA, Carlos, s.v. "Abjecção", E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, <http://www.fcsh.unl.pt/edtl> CORTEZ, C. Z; RODRIGUES, M. H. Operadores de Leitura na Poesia. In: BONNICI, T; ZOLIN, L. (Org.) Teoria Literária: abordagens históricas e tendencies contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003. CULLER, Jonathan. Teoria Literária uma introdução. São Paulo: Beca ,1999. CUNHA, H. P. os gêneros literários. In: Portela, E. Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976. D’ONOFRIO, S. O Texto Literário. Teoria e Aplicação. São Paulo: Duas Cidades, 1983 EVANGELISTA, A. (Org) A escolarização da leitura literária. O jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. In: SOARES. M. A escolarização da literatura infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. GEBARA, A..L, A poesia na escola. Leitura e análise de poesia para crianças.São Paula: Cortez, 2002.

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GOLDSTEIN, N. Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ática. 2000. 13ª ed. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura;

tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo, Perspectiva/ Editora da

USP, 1971.

LAJOLO, M. Literatura infantil brasileira: história & histórias. São Paulo: Ática, 1984. MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. MEGALE, H. Elementos de teoria literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional. REIS, C. O conhecimento da literatura. Introdução aos estudos literários. Coimbra: Livraria Almedina, 1997. 2ª ed. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica. Curitiba, 2006 SOARES. A. M. S. O poema, construção às avessas. Brasília: Tempo Brasileiro/MEC, 1978 ZAPPONE. M. A leitura de poesia na escola. Cadernos de Educação à distância. N. 19. Maringá : Eduem, 2006. ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: contexto, 1991.

SÍTIOS CONSULTADOS

Comunidade Virtual Escrevendo o Futuro

http://www.escrevendo.cenpec.org.br - acessado em 17/09/2007

O referido site faz parte da Fundação Itaú Cultural, e de um Programa

Educacional, denominado “Escrevendo o Futuro”. Esse programa já ofertou vários

cursos: "Pontos de vista", sobre escrita de artigos de opinião; "Se bem me

lembro", sobre memórias das pessoas mais velhas; "Poetas da Escola", com

propostas de trabalho com poesia e "Viagem pelas palavras", sobre a escrita de

reportagens de turismo.

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O material impresso do curso “Poetas da Escola” foi enviado para muitas

escolas públicas e contou com uma grande aceitação por parte dos professores.

Este site traz entrevistas, notícias, resenhas, textos e artigos sobre

assuntos diversos. No momento está sendo oferecido um curso específico sobre

o ensino da poesia; ao longo do curso, os professores e alunos refletirão

coletivamente sobre questões comuns ao texto poético: Crianças podem escrever

poesia? Escrever poemas é um trabalho ou fruto de inspiração divina? Qual é a

diferença entre as expressões poesia e poema? Como distinguir um poema de

outros textos poéticos?

Existe também um espaço para os professores apresentarem a sua

opinião sobre os temas abordados e para os alunos apresentarem textos de sua

autoria. Enfim, é um excelente instrumento para o professor ampliar seus

conhecimentos e aprimorar a sua prática pedagógica.

RECURSOS DIDÁTICOS

SONS E VÍDEOS

Mentes Perigosas ( Dangerous Minds)

Direção: John N. Smith

O filme relata a história de uma professora que começa a lecionar numa

escola no norte da Califórnia, para adolescentes oriundos das classes populares:

mexicanos, latinos e negros.

Esses jovens adolescentes internalizaram a cultura da subalternidade,

assumindo o papel de vítimas, cultura que lhes foi transmitida no processo de

socialização e no meio familiar em que vivem. A escola reproduz essa cultura,

pois homogeneíza os diferentes, resiste em mudar sua organização, rotula,

discrimina e pratica a pedagogia do cotidiano.

A chegada da nova professora (Michele Pfeiffer) vem modificar essa

situação. A fim de despertar o interesse dos alunos, ela usa estratégias

diferenciadas de ensino, e elege a poesia como forma adequada ao pensar,

privilegiando poemas do compositor Bob Dylan, e, através da leitura e análise dos

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mesmos, faz com que os alunos possam se “situar” no mundo. A professora parte

do princípio de que, quem pode ler poesia, pode ler qualquer coisa.

Ela promove um concurso em que os alunos têm que achar um poema de

Dylan Thomas, (que também foi compositor) parecido com o do poeta Bob Dylan

que fale sobre o mesmo assunto (que no caso foi a morte); através dessa

competição, os alunos foram levados a analisar praticamente todos os poemas

dos dois compositores, interpretando-os para acharem as semelhanças entre

eles.

A professora, aos poucos, vai levando os alunos à compreensão da

linguagem metafórica existente na poesia, e a poesia torna-se o espelho

propulsor que mexe com a idéia de morte (um dos temas prediletos de Dylan), a

morte social, entendida como natural, e contribui para projetar nos alunos uma

expectativa futura, mostrando que eles podem superar o “destino social” da

cultura da pobreza, do não ser do não pensar-se a si no mundo, que existe um

pequeno espaço de escolha: aceitar a morte social ou lutar contra ela e “morrer

com honra”; nas palavras do poeta: “Quando estiver na sepultura/Minha cabeça

estará erguida” ( ...)

Ao final do ano, a professora consegue com que a maior parte dos alunos

seja aprovada e se tornam verdadeiros amigos.

Referência: Filme: Mentes Perigosas (Dangerous Minds) Direção: John N. Smith. Local: EUA Produtora: Hollywood Pictures Ano: 1995 - Duração: 99min www.interfilmes.com/filme_13892_Mentes.Perigosas-

(Dangerous.Minds).html - 53k

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PROPOSTA DE ATIVIDADES

As atividades propostas neste OAC, pela sua temática e características

são direcionadas aos alunos das 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental, uma vez

que há pouco material disponível para esta faixa etária.O método a ser utilizado

para a realização das atividades fica a critério do professor, podem ser aulas

expositivas ou interativas, e as atividades, realizadas em grupo ou

individualmente. O número de alunos varia de acordo com a realidade de cada

sala, geralmente de 30 a 40 alunos. Como são várias atividades, procurei

contemplar pelo menos um ítem pedido em cada uma delas (objetivos,

desenvolvimento e avaliação), que aparecem destacados em negrito.

Atividade 1:

A primeira atividade é uma análise comparativa dos poemas “As

abelhas”, de Vinícius de Moraes e “Hino à criança” de Bárbara Vasconcelos e tem

por objetivo levar o leitor a efetuar uma leitura comparativa entre os dois textos.

Essa análise, já feita por meio dos apontamentos abaixo citados, servirá como

modelo para o professor realizar outras análises junto a seus alunos com diversos

poemas.

As abelhas

Vinícius de Moraes

A aaaaaaabelha-mestra E aaaaaaas abelhinhas Estão tooooooodas prontinhas Para iiiiiiir para a festa.

Num zune que zune Lá vão pro jardim Brincar com a cravina Valsar com o jasmim. Da rosa pro cravo Do cravo pra rosa

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Da rosa pro favo Volta pro cravo. Venham ver como dão mel As abelhinhas do céu! Análise do poema : Comecemos pelo título: “As abelhas”, já é um assunto que atrai a

atenção do leitor infantil, pois sabemos a afinidade e o interesse que as crianças

demonstram pelos animais; além disso, o poema é apresentado de uma forma

lúdica, como se fosse uma brincadeira entre o leitor e as abelhinhas.

Na primeira estrofe do poema temos uma figura de som, a assonância,

que se caracteriza pela repetição de vogais a, o, i; que, no caso deste poema,

tem por finalidade imitar o som produzido pelas abelhas voando. Esse recurso

possibilita ao leitor criar uma imagem mental e sonora daquilo que o autor está

descrevendo.

Se fizermos a metrificação (contagem das sílabas poéticas) do poema,

veremos que os versos são pentassílabos (formados por cinco sílabas métricas),

sendo três estrofes de quatro versos (quadras) e um dístico (dois versos).

Essa divisão das sílabas poéticas e o esquema rítmico (acentuações das

sílabas mais fortes) é o que dá ao poema musicalidade e leveza, fazendo-nos

associá-lo à uma canção.

Na terceira estrofe, há a presença de uma figura de linguagem chamada

elipse (omissão de termos da oração). No caso do poema, há a omissão de dois

termos, o sujeito (a abelha) e o verbo (vai); essa elipse é proposital e o objetivo

do seu uso é provocar um certo movimento de circularidade, imitando o vôo das

abelhas, observe-se esse movimento nos versos: “Da rosa pro cravo/ Do cravo

pra rosa/ Da rosa pro favo ... “

Na quarta estrofe, o eu-lírico, ou seja, a voz que fala no poema, deixa de

falar sobre as abelhas e dirige-se ao interlocutor, ou leitor, fazendo um pedido

direto a ele: Venham ver como dão mel / As abelhinhas do céu! Esse apelo é um

recurso utilizado com a intenção clara de chamar a atenção do leitor, convidando-

o a participar da brincadeira do poema.

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Se analisarmos as rimas contidas no poema todo (grafadas em negrito)

veremos que elas não apresentam nenhuma regularidade: a 1ª estrofe apresenta

rimas opostas (ABBA), a 2ª estrofe traz rimas alternadas e a 4ª estrofe fornece

rimas paralelas. Surgem ainda as rimas internas (brincar/valsar), instituindo a

musicalidade do texto.

Junto com o trabalho sonoro, o poeta vem usar o recurso gráfico-visual,

(na primeira estrofe) utilizando signos verbais e visuais a fim de expressar o

movimento das abelhas. O ritmo do poema é cadenciado e reproduz o vôo das

abelhas. A reiteração do verbo “zunir” (“num zune que zune”) vem reforçar essa

movimentação.

O uso de diminutivos (abelhinhas, prontinhas) instaura o caráter de

oralidade do texto, bem como a afetividade, indicando, aí, a aproximação entre

autor-texto-leitor. Os verbos no presente do indicativo (zune, estão, volta, vão)

dão idéia de proximidade do eu-poético com o fato descrito (o real), o que torna o

texto dinâmico.

Assim observamos que sons, ritmo e sensações se integram na

mensagem, possibilitando o despertar da consciência crítica e promovendo o

retorno à natureza, criando um poema lúdico.

Hino à criança

Bárbara Vasconcelos Criança é luz, é alegria é vida, é inocência, é amor, é da existência o sorriso, é canto, é pureza, é flor. Crianças de todo tipo. crianças de toda cor... A todas devemos dar muito carinho e amor. Crianças vivas, travessas, de palácios ou de palhoças... Amemos a todas elas, pois todas elas são nossas!

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Crianças que alegres brincam de roda, de cirandinha, de cavalo, nas vassouras, de boneca, de fadinha... Crianças de nossa terra, crianças do mundo inteiro... Um lugar tendes na Vida: é sempre, sempre o primeiro. Criança é graça divina que nos deu a Natureza... Façamos, pois, dessa Graça um prelúdio de Beleza!

Análise do poema :

O segundo poema é uma apologia à criança, que é aqui colocada num

sentido ideal, portadora de todas as qualidades e nenhum defeito; traça-se um

perfil geral das crianças como se todas fossem iguais, perfeitas e, ao fazer essa

generalização, o poema se torna moralizante, por querer impor uma verdade pré-

estabelecida ao leitor. Observe-se o uso do verbo ser: “Criança é luz, é alegria”,

não há espaço para inferências por parte do leitor.

O poema não foi construído para despertar a apreciação de suas

características literárias: musicalidade, criatividade, disposição poética das

palavras, mas para doutrinar o leitor a fazer aquilo que o autor acha ser certo e

essa finalidade didática, ensinar o leitor a amar as crianças, fica muito bem

marcada pelo uso dos verbos no modo imperativo: “A todas devemos dar/

Amemos a todas elas / Façamos, pois, dessa Graça”. O texto poético, como já

vimos, deve sugerir idéias, jamais proferir ordens, isso lhe tira a característica de

arte literária.

Quanto às figuras de linguagem, observamos que elas simplesmente não

existem, não há sentido figurado, tudo está dito e afirmado claramente no texto,

sem a necessidade de se imaginar nada. Em relação às rimas, verificamos que

elas se mantêm iguais durante o poema todo, ou seja, nos segundos e quartos

versos de cada estrofe. Quanto à metrificação, (contagem das sílabas poéticas)

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todas as estrofes possuem sete sílabas métricas, esquema freqüente nas

canções folclóricas e populares; esse excesso de regularidade não chama a

atenção do leitor por ser muito previsível.

Observamos, também, a presença de definições no poema: Criança é

graça divina/ Criança é luz, é alegria; essas afirmativas, colocadas aqui como

“chavões” retiram do leitor qualquer possibilidade de, através da observação de

uma linguagem metafórica, elaborar seus próprios conceitos; esse “facilitar” da

linguagem, além de infantilizar o leitor, empobrece profundamente o texto,

descaracterizando-o enquanto poesia.

Atividade 2:

A segunda atividade é a leitura do poema ”A seca e o inverno”, de

Patativa do Assaré, cujos objetivos são: aproximar os alunos da cultura

nordestina e da literatura de cordel; conhecer algumas características desse tipo

de poesia e adquirir familiaridade com autores da literatura do Nordeste e com os

problemas enfrentados pelo povo da região.

Pode-se trabalhar a interdisciplinaridade com a disciplina de Geografia, quando

se fala das características distintas entre as regiões nordeste e sul do Brasil.

A seca e o inverno

Cordel de Patativa do Assaré

Na seca inclemente do nosso Nordeste

O sol é mais quente e o céu, mais azul

E o povo se achando sem chão e sem veste

Viaja à procura das terras do Sul

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Porém quando chove tudo é riso e festa

O campo e a floresta promovem fartura

Escutam-se as notas alegres e graves

Dos cantos das aves louvando a natura

Alegre esvoaça e gargalha o jacu

Apita a nambu e geme a juriti

E a brisa farfalha por entre os verdores

Beijando os primores do meu Cariri

De noite notamos as graças eternas

Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes

Na copa da mata os ramos embalam

E as flores exalam suaves perfumes

Se o dia desponta vem nova alegria

A gente aprecia o mais lindo compasso

Além do balido das lindas ovelhas

Enxames de abelhas zumbindo no espaço

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E o forte caboclo da sua palhoça

No rumo da roça de marcha apressada

Vai cheio de vida sorrindo e contente

Lançar a semente na terra molhada

Das mãos deste bravo caboclo roceiro

Fiel prazenteiro modesto e feliz

É que o ouro branco sai para o processo

Fazer o progresso do nosso país

Desenvolvimento

1- O professor lê o poema em voz alta para que os alunos

apreciem a sonoridade dos versos; em seguida os alunos realizam uma

leitura silenciosa, no seu tempo e ritmo, e na seqüência alguns alunos

também poderão ler em voz alta. O importante é que o texto seja lido

várias vezes.

2- Professor e alunos tentam, pelo contexto, descobrir o

significado das palavras desconhecidas, se não for possível inferir seus

significados a partir do contexto, consultarão o dicionário.

3- Reflexão com os alunos sobre a questão da pontuação

inexistente no poema, questione com eles o porquê dessa liberdade ser

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permitida no texto poético e qual poderia ter sido o efeito pretendido ao

escrevê-lo dessa forma.

4- É importante que os alunos observem os aspectos

sonoros do texto. Peça que eles destaquem as rimas e anotem em quais

versos elas acontecem. Discuta com eles que as rimas também são

responsáveis pela musicalidade em um poema.

5- Após observarem as rimas, peça que eles circulem as

sílabas que são pronunciadas com maior intensidade, observando que, a

regularidade da acentuação nessas sílabas, é que constitui o ritmo do

poema. Baseados nessas informações, solicite que eles acrescentem uma

melodia ao poema. (É uma boa oportunidade para informá-los, que, em

seus primórdios, as poesias eram declamadas ao som de instrumentos

musicais, advindo daí suas características musicais).

6- Destaque para seus alunos, que a voz que fala num

poema, nem sempre é a voz do autor que o compôs, aliás geralmente não

é. Essa voz que se expressa liricamente é também chamada de eu-lírico.

Questione com eles de quem poderia ser a voz (eu-lírico) que fala no

poema; um adulto, uma criança, uma mulher; o que poderia levar alguém a

falar dessa forma; quais os sentimentos do eu-lírico que transparecem no

momento em que fala no poema (censura, admiração, indignação...)

7- A literatura de cordel foi, por muitos anos, a principal forma de

veiculação de notícias em vários estados nordestinos. Com o tempo, ela foi

perdendo importância e, hoje, muitos estudantes nem sequer a conhecem.

Por isso, peça aos alunos uma pesquisa sobre a literatura de cordel: suas

origens, principais características, o tipo de linguagem utilizada com

freqüência nesse estilo literário, as temáticas mais abordadas pelos

cordelistas, curiosidades sobre Patativa do Assaré e outras informações

que julgar necessárias.

9 - Discuta com os alunos quais seriam os contrastes entre as regiões

norte e sul do país. Por que os nordestinos são obrigados a deixar suas

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terras, como eles devem se sentir a respeito disso e outros aspectos que o

professor achar relevante.

10 - Proponha a construção de um painel das literaturas de cordel que

os alunos pesquisaram.

11- Produza um poema aos moldes da literatura de cordel e que

tematize problemáticas relativas a seu cotidiano: fome, violência etc.

Como os textos produzidos pelos alunos serão afixados num mural no

pátio da escola e lidos por seus colegas, os alunos/autores automaticamente

terão que relê-los várias vezes, fazendo eles mesmos sua auto-avaliação.

Para saber mais sobre o assunto:

Assaré, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Rio de Janeiro: Vozes,

1978.

Atividade 3:

A terceira atividade é uma análise detalhada do poema, observando–se

como os aspectos formais da linguagem interferem na produção de sentido de

um texto:

A PORTA

Vinicius de Moraes

Eu sou feita de madeira

Madeira, matéria morta

Mas não há coisa no mundo

Mais viva do que uma porta.

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Eu abro devagarinho

Pra passar o menininho

Eu abro bem com cuidado

Pra passar o namorado

Eu abro bem prazenteira

Pra passar a cozinheira

Eu abro de supetão

Pra passar o capitão.

Só não abro pra essa gente

Que diz (a mim bem me importa...)

Que se uma pessoa é burra

É burra como uma porta.

Eu sou muito inteligente!

Eu fecho a frente da casa

Fecho a frente do quartel

Fecho tudo nesse mundo

Só vivo aberta no céu!

Análise

1. o título

O título remete-nos a imaginar um elemento de abertura ou de

fechamento de locais diversos. É um elemento concreto, palpável e que dá a idéia

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de realidade cotidiana. O artigo “a” que precede o substantivo ”porta” caracteriza

a especificidade, a particularidade da expressão.

2. os versos e a métrica

O poema é composto de 5 estrofes: 1ª, 3ª e 5ª são quartetos; a 2ª é uma

oitava e a 4ª é apenas um verso. Observa-se que os versos são todos compostos

por 7 sílabas métricas (redondilha maior) apresentando a popularidade das

canções folclóricas e resultando num efeito melódico.

3. as rimas

Os versos apresentam rimas ricas externas (morta-porta; devagarinho-

menininho, cuidado namorado...), e que vem colaborar com a musicalidade do

texto. A estrutura gráfica, estrofes de diferentes tamanhos, dá a idéia de

contraposição, diferenciação, refletindo no aspecto semântico do texto, que

envolve “abertura” e “fechamento” do elemento “porta”.

4. a linguagem: verbos, substantivos, adjetivos e adjuntos

adverbiais (nível lexical)

A linguagem do texto é extremamente simples, demonstrando a intenção

de atingir o público infantil. No nível lexical encontramos os verbos de ação “abro”,

“passar”, “diz”, “fecha”, que refletem uma certa dinamicidade do texto; em

oposição a esses, encontramos os verbos “sou”, “há”, “é”, e a expressão verbal

“vivo aberta” que supõe estaticidade. Revela-se assim, um jogo entre uma linha

dinâmica e outra estática, ambas estabelecendo funções e estados atribuídos ao

elemento “porta”.

Nota-se a predominância de substantivos concretos (“porta”, “madeira”,

“casa”, “quartel”, “céu”, etc) que estabelecem sentido de particularização, muito

embora, esse sentido vá se ampliando e passe a conotar um sentimento de

amplitude e de universalidade que pode-se observar no último verso: “Só vivo

aberta no céu!”. É importante também verificar-se os adjetivos caracterizadores

dos substantivos no poema. A oposição de sentidos entre os termos adjetivadores

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(“viva-morta”, “burra”-“inteligente”) simboliza o contraste entre a aparência e a

essência, ou seja, o eu-lírico descreve o que se pensa a seu respeito e o que ele

representa na verdade.

As representações adverbiais de modo (“de vagarinho”, “com cuidado”,

“bem prazenteira”, “de supetão”) demonstram um caráter, ao mesmo tempo que

é lúdico, pois brinca com as palavras e rimas, é também uma remetência ao real,

muito sutilmente, pois que “a porta” se abre de forma diferenciada para pessoas

diferentes transmitindo a oposição entre fragilidade e força, delicadeza e

rusticidade.

O poema todo é construído por verbos no tempo presente e infinitivo

demonstrando proximidade com o leitor. Além disso, o modo indicativo aponta e

reforça o caráter de realidade, de concretude.

Ainda observamos os diminutivos “devagarinho”, “menininho”, que dão um

caráter de carinho e doçura ao poema.

5. a pontuação

A pontuação se constrói por meio de pontos que marcam bem cada

momento do texto. A 1ª estrofe constituiria uma espécie de descrição do eu-lírico

(ou da porta), a respeito de sua constituição concreta. A 2ª estrofe, também com o

término marcado pelo ponto, seria um roteiro em que o eu-poético relata sua

função de abertura, destinada a diferentes elementos. Na 3ª estrofe, o ponto

surge para fechar a idéia de oposição à estrofe anterior, e aparecem ainda os

parênteses e as reticências, manifestando um sentimento de insatisfação

destacada. Aparecem também dois pontos de exclamação, na 4ª estrofe seria

uma espécie de alerta, de destaque para a situação real do eu-lírico: “Eu sou

muito inteligente!” Na última estrofe, a exclamação vem auxiliar o enfoque da idéia

de emotividade e conduz todo o poema, além de opor-se ao sentido de “fechar”:

“Só vivo aberta no céu”

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6. os períodos que compõem o poema (nível sintático)

O poema todo é composto por períodos curtos e por orações

coordenadas, visando facilitar a compreensão do leitor. Na segunda estrofe

ocorre o que chamamos de paralelismo (mesma construção sintática, ou seja,

mesmo tipo de verbo com igual complemento), essa repetição tem por objetivo,

além de facilitar a memorização do poema, ressaltar e fixar as qualidades da

porta, que abre-se sempre, porém de diferentes maneiras, de acordo com os

diversos tipos de pessoas que por ela passam.

7. os sentidos que se constroem através da leitura do poema (nível

semântico)

As expressões “eu abro” e “pra passar” representam o sentido de

liberdade, de alegria e consentimento; isso se opõe à 3ª estrofe que encerra um

sentimento de mágoa, aprisionamento e insatisfação.

Percebe-se, no poema, o recurso da prosopopéia, uma vez que o eu-

poético é a representação do elemento “porta”. A palavra “viva” traduz uma

ambigüidade interessante, pois reflete a qualidade humana ao ser inanimado e

por outro lado destaca a qualidade da matéria “madeira” enquanto árvore, viva na

natureza.

Outro jogo de palavras interessante é o que ocorre na 3ª estrofe, quando

o autor resgata uma expressão do universo popular, manifestando uma certa

indignação contra essa comparação mal fundamentada: “É burra como uma

porta”. Mas em seguida, há a explicação tomada de grande subjetividade: “Eu sou

muito inteligente!”

Através de um jogo lúdico entre palavras de significados contrários, o

autor passa o contraste entre aparência e essência, real e ilusório, observando

em tudo isso uma amplitude de sentimentos positivos, e uma necessidade de se

livrar de influências negativas. Tenta-se despertar no leitor uma certa “rebeldia”

contra as convenções, um motivo para que reconheça seus próprios valores e

tente mudar o rumo de sua realidade.

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IMAGENS

“... A particular beleza de um estilo está na força da expressão livre, vária,

ousada, figurada, que não define abstratamente o objeto... mas lhe suscita a

imagem.”

Haroldo de Campos.

Por não dizer claramente as coisas, mas fazer alusão a

elas, por não apresentar uma ordem coerente com a lógica

discursiva, a poesia deixa espaços vazios no texto, e estes

espaços são preenchidos pela imaginação do leitor, que os

interpreta de acordo com suas vivências, sua visão de mundo e

suas experiências literárias. A partir dessa interpretação surgem

imagens mentais relacionadas ao assunto da poesia; a imaginação se encarrega

de dar vida e forma à palavra escrita, e, como a linguagem poética é composta de

muitas metáforas, torna-se fácil para o leitor evocar essas imagens com exatidão

e clareza.

Segundo o filósofo Huizinga (1971: 148), “A linguagem artística difere da

linguagem vulgar pelo uso de termos, imagens, figuras especiais (...) o eterno

abismo entre o ser e a idéia só pode ser franqueado pelo arco-íris da imaginação.

Os conceitos, prisioneiros das palavras, são inadequados em relação à torrente

da vida, portanto é apenas a palavra-imagem, a palavra figurativa, que é capaz de

dar expressão às coisas e ao mesmo tempo banhá-las com a luminosidade das

idéias: idéia e coisa são unidas na imagem”.

A leitura da poesia nos permite criar imagens cujos significados pedem

para serem desvendados, interpretados e relacionados pelo leitor. Ao abrir um

livro, ao ler um belo poema descortinamos um mundo de idéias e emoções, que

nos tornarão melhores, com certeza mais humanos, mais sensíveis; mais

reflexivos; assim é a poesia, é arte, é luz, encantamento e paixão.

Assim como toda palavra evoca uma imagem, toda imagem evoca um

significado. Podemos associar a imagem dos livros à dos poemas; que, como

eles, possuem formas, cores e espessuras diferentes; às vezes falam de alegrias,

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tristezas, misérias, esperanças; às vezes falam com humor, indignação, com

paixão e com sabedoria, levando-nos consigo num mar de sensações,

despertando emoções há muito esquecidas. Essa imagem chama-nos também a

atenção para a importância da leitura literária, que dá prazer, que nos possibilita

viver experiências diversas em lugares em que só poderíamos ir em pensamento,

nos permite aprender através das personagens, ensinamentos para nossa vida

diária. Enfim, através da leitura, e principalmente da leitura de poesias, tornamo-

nos mais sensíveis e críticos em relação à sociedade, ao mundo em que vivemos

e, principalmente, em relação a nós mesmos.

SUGESTÕES DE LEITURA

1. Versos, Sons, Ritmos Norma Goldstein

Recomenda-se a leitura do livro em questão por apresentar uma

linguagem simples e acessível e por tratar de alguns aspectos relativos à poesia,

que nós professores, já estudamos, mas esquecemos com o passar do tempo,

como os tipos de rimas, a metrificação, a organização sintática, as figuras de som,

entre outros.

A leitura do livro, ao nos fazer relembrar tais aspectos, proporciona maior

segurança para que possamos compartilhar esse conteúdo com os alunos. O livro

traz, ainda, a análise de alguns poemas.

Referência: GOLDSTEIN, N. Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ática, 1989. 5ª ed. Disponível em: http://www.planetanews.com/produto/L/224007/versos--sons--ritmos-

norma-goldstein.html

2. Trabalhando com poesia Alda Beraldo

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O livro citado é de ótima qualidade e extremamente didático, voltado a

atender diretamente os alunos na faixa etária de 9 a 12 anos, divide-se em dois

volumes e ambos abordam a leitura e produção de poemas de uma forma lúdica e

divertida. Os capítulos apresentam aulas estruturadas que se dividem em duas

partes: LEITURA E JOGO e CRIAÇÃO.

Na parte de leitura e jogo, além das atividades com a leitura, há exercícios

que exploram a organização dos poemas, a escolha e combinação das palavras,

seus significados e sons. Na parte da criação, propõe-se aos alunos que

componham seus próprios poemas, começando pela composição de pequenas

quadras; as atividades de criação são, geralmente, desenvolvidas em duplas ou

pequenos grupos, fazendo com que os alunos habituem-se a trabalhar em equipe,

assim como enriquecer o seu texto a partir da leitura do outro.

Referência:

BERALDO, A. Trabalhando com poesia. São Paulo: Ática, 1990.

3. A Poesia na Escola: Leitura e Análise de Poesia para Crianças Ana Elvira Luciano Gebara

Um livro com teoria e prática, no qual a primeira parte compreende as

relações entre texto e contexto e a segunda trata o texto poético e sua

especificidade. A autora reflete sobre a leitura de um poema ser mais que uma

atividade lúdica ou um jogo. Na obra há um trabalho entre o aspecto visual e

gráfico; assim, a autora desvenda como a construção formal contribui para a

significação. A questão do papel dialógico do texto poético é tratada em

linguagem acessível, confirmando o que a autora defende, ou seja, a leitura bem-

conduzida de um poema.

Referência:

GEBARA, A. E. L. A Poesia na Escola: Leitura e Análise de Poesia para Crianças. 1a.. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

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NOTÍCIA

Poesia na arquibancada

opovo.com.br

Ciro Câmara

da Redação

Há exatos vinte anos a literatura brasileira perdia um de seus principais nomes. E

o futebol, um grande entusiasta: Carlos Drummond de Andrade

17/08/2007 00:51

ILUSTRAÇÃO DO CARLUS

"Futebol se joga no estádio?

Futebol se joga na praia,

futebol se joga na rua,

futebol se joga na alma"

(Futebol, de Carlos Drummond de Andrade)

Certa vez, no poema "Mundo Grande", Carlos Drummond de Andrade escreveu

que seu coração era pequeno, que não era maior do que o mundo. Entretanto,

tinha a condição de crescer, "entre o amor e o fogo". Pequeno ou grande, o

coração do "gauche" da pacata Itabira (MG), do criador do atordoado José, tinha

espaço de sobra para uma paixão que transita justamente entre o amor e o fogo:

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o futebol.

Apesar de escrever "sobre tudo", como disse, ao se oferecer para trabalhar por

um pequeno jornal mineiro, nos anos 20, o vascaíno Drummond reservou lugar

especial em sua obra para o futebol. Foram artigos, crônicas, poesias e cartas em

que exprimiu como poucos a relação do brasileiro com a bola. E, sobretudo, as

implicações - políticas e sociais - das conquistas e derrotas nos gramados. A

coletânea dos textos está em Quando é dia de futebol, de 2002, cuja organização

coube aos netos do escritor, Luís Maurício e Pedro Augusto Granã Drummond.

No livro, encontramos várias facetas de Drummond. O torcedor fanático que, na

ânsia por ver a seleção de 1970 campeã mundial, chega a apelar por uma

ajudinha da bola, em carta endereçada à mesma. "Bolinha minha, meu amigo

redondo, suplico-te: não deixes a Copa ficar com a Britânia ou outra qualquer

nação que dela não precisa como precisamos nós. Faze o seguinte: se nossos

atletas não derem tudo que têm obrigação de dar, assume por ti mesma o ataque,

vai em frente e, sozinha, ganha para nós, esse terceiro campeonato".

Também nos deparamos com um Drummond cético, criticando o uso político da

seleção. "Não me venham insinuar que o futebol é o único motivo nacional de

euforia e que com ele nos consolamos da ineficiência ou da inaptidão nos setores

práticos". Porém, em meio a todas as caricaturas desse Drummond-torcedor,

nenhuma bate a do sensível admirador do belo futebol - fã de Garrincha e Pelé -,

que sabe respeitar inclusive a hora da derrota, por mais dolorida que seja, como a

da seleção de 1982, na Copa da Espanha.

"Eu gostaria de passar a mão na cabeça do Telê Santana e de seus jogadores

(...) e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo.

Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária.

Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para

nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil com suas dores e bens. E há um

lindo sol lá fora, o sol de nós todos". Para Drummond, esse sol brilha mais

intensamente, sobretudo, quando é dia de futebol.

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DRUMMOND E A BOLA

"O difícil, o extraordinário não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como

Pelé".

Pelé: 1.000 (1969)

"Confesso que o futebol me aturde, porque não sei chegar até o seu mistério.

Entretanto, a criança menos informada o possui". Mistério da Bola (1954)

"Não há nada mais triste do que papel picado, no asfalto, depois de um jogo

perdido. São esperanças picadas". Jogo à Distância (1966)

"Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de se esquecer o que se

aprendeu". (1974)

"Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e

Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos,

nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha

a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno

mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as

tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que

nos alimente o sonho". Mané e o Sonho (1983)

Leia mais sobre esse assunto

17/08/2007 00:51:47 - Drummond: a lucidez e a paixão de um poeta torcedor

disponível em: http://www.opovo.com.br/opovo/esportes/721092.html.

Acessado em agosto de 2007

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DESTAQUES

Município de Astorga realiza projeto inovador: O Resgate da Poesia

na Escola

Fonte: Paraná Jornal - Uma publicação Meg@ P@ge – Empresa

Jornalística Ltda.

Ano VII _ Nº 349 – E _ MAIL: [email protected] Criado em 2003 o Projeto Poesia na Escola, desenvolvido pela Secretaria

Municipal de Educação do Município de Astorga (norte do Paraná), consiste em

despertar o interesse e criar uma proximidade maior dos alunos com a arte, em

especial com a poesia. Como forma de incentivo aos alunos, os poemas

selecionados entre todas as escolas, são reunidos em um livro intitulado “Falando

de Poesia”, onde constam , além dos poemas, desenhos que os representam.

Para a seleção dos poemas são realizados “Recitais de Poesia” internos

em todas as escolas, onde os alunos expõem suas criações e as escolas

selecionam um número determinado de poemas. Nesses recitais, além da

declamação dos poemas, há também a apresentação musical de diversos alunos,

atividade realizada como incentivo à essa importante arte, a música.

Ao final do ano letivo, em uma cerimônia festiva, realiza-se a “Noite de

Autógrafos”, e os alunos entregam o livro com todas as poesias aos pais,

autoridades e representantes escolares de todo o município.

Este projeto acontece há cinco anos no Município de Astorga, com os

alunos da 1ª à 4ª série da Rede Municipal de Ensino e conta com a participação

da comunidade, dos pais, e principalmente com o interesse e entusiasmo de

todos os alunos.

PARANÁ

Helena Kolody: a poeta dos Haikai Helena Kolody nasceu em Cruz Machado no ano de 1912 e faleceu em

Curitiba em 2004. Seus pais foram imigrantes ucranianos que se conheceram no

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Brasil. Foi professora do Ensino Médio e inspetora de escola pública. Lecionou

também na Escola para Professores, na cidade de Jacarezinho.

É a poeta mais importante do Paraná, e praticava principalmente o haicai,

que é uma forma poética de origem japonesa, cuja característica é a concisão, ou

seja, a arte de dizer o máximo com o mínimo. Escrevia desde a adolescência e foi

a primeira mulher a publicar haicais no Brasil, em 1941.

É autora de numerosos livros. Antes de seus livros, seus poemas eram

publicados em jornais e revistas. Seu primeiro poema intitulava-se A Lágrima, ela

contava então com dezesseis anos. Seu primeiro livro publicado intitulava-se

Paisagem Interior, de 1941.

Foi admirada por poetas como Carlos Drummond de Andrade e Paulo

Leminski, sendo que, com esse último, teve uma grande relação de amizade

pessoal e literária.

Helena escreve em uma linguagem simples e concisa, o gosto pela

brevidade é a marca característica de sua obra. Em 1941 publicou seus primeiros

haikais. Haikai é uma forma de poesia japonesa, pequeno poema de três versos,

com cinco, sete, e cinco sílabas poéticas sucessivamente.

Com sua escrita icônica, os haikais japoneses têm sua origem no canto,

faziam parte de diários de viagem, numa interação prosa/poesia e eram

desenhados em um quadro, fazendo parte de um todo plástico.

A concentração verbal dos haicais consegue o máximo efeito estético

numa linguagem sintética. Após a publicação de seus haikais (1941) foi criticada

com os argumentos de que aquilo não era soneto, não tinha rima, não era poesia.

Mas gostava de desafios, por isso fazia haicais, mesmo criticada.

Não participou do Movimento Modernista por ser retraída, mas buscava

sempre manter-se informada e tinha consciência da modernidade de seus versos.

Nessa época o Movimento Modernista buscava uma superação dos pressupostos

que ancoraram a Semana de Arte Moderna. Alguns poetas já tinham trilhado um

caminho diferente dos versos parnasianos, restando, pois, amadurecer as idéias

já plantadas.

Em seu livro Música Submersa (1945), figura o haikai "Pereira em flor", o

qual foi elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter ficado feliz com

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poemas como esse, "em que à expressão mais simples e discreta se alia uma fina

intuição dos ‘imponderável’ poéticos":

PEREIRA EM FLOR (1945) De grinalda branca, Toda vestida de luar, A pereira sonha. A respeito desse haikai, a poetisa relata como surgiu-lhe a inspiração para

escrevê-lo:

"Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair da casa de

uma amiga, dei com aquela pereira completamente florescida, banhada pela luz

da lua cheia. A beleza do quadro foi um impacto na minha sensibilidade. Fiz o

poema bem mais tarde. Associei a pereira com uma noiva: a noiva toda vestida

de branco, sonhando, com a pereira ao luar."

Só voltou ao haikai quando Paulo Leminski descobriu-a como primeira

pessoa a fazer este tipo de poesia de origem japonesa no Paraná. Tornou-se

"haijin" (pessoa que cultua o haikai), com o nome artístico de Reika, concedido

em 1993 pela sociedade japonesa, e que significa "perfume da poesia":

ARCO-ÍRIS (1941) Arco-íris no céu. Está sorrindo o menino que há pouco chorou. Helena Kolody tem a capacidade de transformar em palavras as imagens

captadas em sua existência, e mais, é capaz de reduzir essas mesmas imagens

em poucas palavras, sem que elas percam sua magia. Seus haikais são

relâmpagos de palavras, rápidos e luminosos. A poetisa consegue unir

subjetividade e objetividade, numa viagem de versos repletos de significados.

Saiba mais sobre a autora no site: http://www.revista.agulha.nom.br/rkamita.html#mundo – acesso em

17/09/2007

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RECURSOS DE INVESTIGAÇÃO INVESTIGAÇÃO DISCIPLINAR Para que serve a arte? Para que serve a poesia? As respostas a essas

perguntas variam com o tempo e com as pessoas. Evidentemente, a função de

uma obra poética depende dos objetivos e das intenções do autor, porém os

leitores também têm maneiras diferentes de ler e são levados a ler um poema por

motivos diversos: alguns buscam um divertimento sem grandes conseqüências;

outros, um instrumento de transformação e de aperfeiçoamento; uns a

consideram criada para a contemplação da beleza, já outros esperam que seja

um veículo de análise e de crítica em relação à realidade e à vida.

Nota-se que a leitura da poesia tem sido relegada a um segundo plano e,

por vezes, até esquecida pela escola. Os poemas propostos à leitura dos alunos

nos livros didáticos apresentam exercícios que não conduzem à análise do que é

essencial neles, isto é, à percepção de sua literariedade, não analisam o gênero

do texto, os recursos de expressão e de recriação da realidade, as figuras do “eu

lírico”, comparações, metáforas, identificação de recursos estilísticos e poéticos;

enfim, o “estudo” daquilo que é textual e daquilo que é literário. Voltam-se apenas

para as informações pontuais que os textos veiculam, não para o modo literário

como as veiculam e para os sentidos que apontam. De acordo com as Diretrizes

Curriculares da Educação do Estado do Paraná o texto poético, e os demais

textos literários de uma maneira geral são textos para emocionar, para divertir,

para dar prazer, enfim, não possuem uma finalidade prática, uma vez que são

objetos estéticos, feitos para serem apreciados como obra de arte que são.

Tornam-se, então, pertinentes algumas questões sobre o resgate da

leitura e da produção poética na escola atual. Este OAC se propõe a auxiliar,

subsidiando o trabalho do professor em sala de aula, visando o despertar da

sensibilidade e o gosto literário pelos alunos.

Para que isso aconteça, é necessário possibilitar ao aluno o

desenvolvimento de uma postura crítica perante o lido e perante o mundo que

esse traduz, fazendo com que ele consiga interagir com essa modalidade de

texto, explorando a organização dos mesmos, a escolha e combinação das

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palavras, seus significados e seus sons, tornando-se leitores mais sensíveis,

capazes de reconhecer as sutilezas e as particularidades da construção poética.

PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Interligando as Artes

Assim como a música, a pintura, o desenho, o teatro, a poesia é uma arte.

É papel do professor fazer com que os alunos interliguem e dialoguem com

essas diversas manifestações de arte. Para tanto sugerem-se as seguintes

atividades:

Ilustração dos poemas – (artes plásticas) propõe-se fazer a

ilustração dos poemas lidos e/ou criados pelos alunos. Essas ilustrações

poderão ser feitas com grafite, com tintas, enfim, com diversos materiais

utilizados nas produções artísticas e serão expostas num mural em lugar

estratégico da escola, podendo assim contar com a apreciação de todos os

alunos da escola.

Declamação dos poemas – (artes cênicas) serão declamadas

poesias de poetas consagrados e/ou dos próprios alunos; para isso será

necessário que o professor trabalhe com os alunos um pouco de arte

dramática e as características próprias à declamação e interpretação.

Musicalização dos poemas- (música) Os alunos poderão

acrescentar uma música à letra dos poemas, sendo este um ótimo momento

para relembrar que, a maioria das letras de música são poemas, pois

apresentam grande parte das características da arte lírica. É uma ótima

oportunidade também para se trabalhar os diversos gêneros musicais: xote,

balada, samba, canção etc.

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2. Envolvendo Artes e a Geografia - observando que a maior parte

das letras de músicas são poemas realizar um trabalho interdisciplinar através

das músicas:

“O cio da Terra”, de Milton Nascimento e Chico Buarque

“Flor do cafezal” de L. Carlos Paraná.

“Japonês no Sarava”, de João Gonçalves e Teodoro

“Os três boiadeiros” de Pedro Bento e Zé da Estrada

“O rei do gado” de Teddy Vieira.

“Triste berrante”, de Adalto Santos

Desenvolvimento:

Há um sem-número de canções brasileiras cujas letras discorrem a

respeito do trabalho e cultura desenvolvidos nos meios rurais nos mais diversos

recantos do nosso país. Elas geralmente mostram desde questões ligadas à

atividades físicas e às produções de alimentos básicos até questões de cunho

religioso e/ou moral.

O professor de geografia poderá envolver as músicas numa atividade em

que explique a agricultura e a pecuária brasileiras, enquanto o professor de arte

poderá valer-se de temas ligados “as profissões das pessoas no trabalho rural, o

boiadeiro, o lavrador, presente nas mensagens das canções para propor um

trabalho plástico com seus alunos, o qual exija uma breve pesquisa sobre a

cultura, os apetrechos e as crenças das pessoas que vivem no campo.

“O cio da Terra” mostra o respeito que o agricultor tem, ou deveria ter,

com a terra onde planta e da qual tira o sustento. Em “Flor do cafezal”,

encontramos um agricultor específico, o produtor de café. Já em “Japonês no

Sarava” existe a presença do produtor de legumes, esta canção apresenta duas

correntes distintas de imigração: a oriental e a africana. É um retrato da mistura

de raças e credos existentes no Brasil.

Em “Os três boiadeiros” encontramos uma demonstração da vida dura e

cruel dos peões que conduzem as boiadas de uma região à outra do país. “Triste

berrante” faz o relato de uma região rural que foi urbanizada e as transformações

decorrentes disso, como a extinção da profissão de boiadeiro. A canção “O rei do

gado” retoma aspectos morais, valorizando a humildade do homem que, apesar

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de rico monetariamente,não se dá com o luxo urbano, mas sim com o trabalho

bruto do campo.

CONTEXTUALIZAÇÃO

“Poucas vezes a poesia ocupa um lugar de honra. É que parece ir

aumentando a dissociação entre a obra poética e a atividade de uma sociedade

sujeita às servidões materiais”

St John Perse

Os textos literários e em especial a poesia se inserem nas chamadas

atividades prazerosas e lúdicas, atividades que são excluídas do programa de

vida de uma sociedade voltada para o ganho, como é o caso da sociedade

capitalista em que vivemos. Esta sociedade, organizada de acordo com o modelo

burguês, prioriza leituras que tenham uma finalidade prática, ou seja, que o leitor

obtenha o maior número de informações possíveis em um tempo cada vez menor,

e que aquilo que ele leu sirva para aplicar em algo útil à sua vida.

Discordando dessa visão, e adotando uma postura mais reflexiva em

relação à literatura e ao seu ensino, as Diretrizes Curriculares de Língua

Portuguesa para a Educação Básica (2006) propõem que as aulas de literatura e,

no caso, de poesia, não sejam meramente a escolha de uma prática utilitária de

leitura ou que o texto literário deva servir como pretexto para outras questões de

ensino, que não a literatura como instituição autônoma, auto-referencial.

A leitura literária corresponde a necessidades internas de modelos e

ideais, de amor, de segurança e auto-afirmação, ajudando a dominar problemas

éticos, morais e sócio-políticos da vida, auxiliando o leitor a formular perguntas e

a responder a elas, e a pergunta é uma forma básica de confrontação intelectual

por si mesma. Assim sendo, a leitura literária ajuda a desenvolver a personalidade

e estabelecer um conceito global do mundo.

Segundo Machado (2002:20), “Ao ler uma história, um poema, como o

contexto é fictício, nos permite um certo distanciamento, nos proporcionando uma

visão “de fora”, mais clara e objetiva, ajudando-nos a entender melhor o sentido

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de nossas próprias experiências. Essa dupla capacidade de nos carregar para

outros mundos e, paralelamente, nos propiciar uma intensa vivência

enriquecedora é a garantia de um dos grandes prazeres de uma boa leitura”.

Os textos literários utilizam a palavra de forma diversa daquela usada nos

textos referenciais, neles as palavras são cuidadosamente dispostas de forma a

atrair a atenção do leitor. Em especial na poesia há uma estreita relação entre as

palavras e os sons, e nessa complexa relação o leitor é obrigado a refletir para

que seja capaz de produzir um sentido para o poema. Toda expressão literária

transgride a normalidade e a poesia apresenta um grau de transgressão do

discurso maior que a prosa, uma vez que menospreza o pensamento racional e

possui uma linguagem altamente emocional e metafórica.

Existe também, nos textos literários e em especial nos poéticos, a questão

da fruição, ou seja, do prazer que a leitura desperta no leitor, e esse prazer

advém da própria poesia, uma vez que ela é considerada um objeto estético, e os

objetos estéticos possuem uma finalidade sem fim, ou seja, o fim é a própria

poesia.

A leitura do texto literário está vinculada ao que Candido (1972) considera

como função humanizadora da literatura. Esta função não está ligada aos

propósitos de se ensinar regras de linguagem, nem tão pouco instruir o sujeito

para atuar de acordo com os moldes pré-estabelecidos socialmente. A literatura

humaniza porque o sujeito encontra possibilidade de conhecer-se a si próprio e

conhecer tanto a realidade em que está inserido, quanto novos universos. Nas

palavras de Candido (1972: 806) “a literatura não corrompe nem edifica, mas

humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

E essa “humanização” é composta pela incorporação de características

que são essenciais a todo ser humano, como a capacidade de refletir, de penetrar

nos problemas da vida, de perceber a complexidade do mundo e dos

semelhantes, de sensibilização frente à beleza, à arte e ao próximo, o cultivo do

humor, da compreensão e da tolerância; enfim a literatura nos torna dispostos e

abertos para entender a vida com toda a sua beleza e contradições.

Reportando-nos à poesia, devemos nos lembrar que a sua principal

função é emocionar, divertir, sensibilizar, enfim, fazer pensar o mundo de um jeito

novo, original e único, de modo a encantar o leitor, para aproximá-lo do que sente,

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do que pensa e de como compreende a si mesmo e ao mundo. Poesia também é

a manifestação subjetiva do poeta, utilizada para descrever emoções,

sentimentos, estados de espírito, porém como toda obra literária, ela também

pode retratar as contradições existentes na sociedade em que vivemos e servir

como instrumento de transformação social e de análise crítica dessa sociedade.