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Artigo científico 1 OCUPAÇÃO POR BRACHIARIA SPP. (POACEAE) NO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ E INFESTAÇÃO DECORRENTE DA OBRA DE PAVIMENTAÇÃO DA RODOVIA MG-010, NA APA MORRO DA PEDREIRA, MINAS GERAIS. Kátia Torres Ribeiro 1 , Daniela Campos De Filippo 2 , Celso do Lago Paiva 3 , João Augusto Madeira 4 , Jaqueline Serafim do Nascimento 5 “A grande maioria das atuais Unidades de Conservação, sejam elas federais, estaduais ou municipais, acha-se hoje em uma situação de completo abandono (...). Paralelamente, espécies exóticas de gramíneas – sobretudo as de origem africana, como o capim-gordura, o capim- jaraguá, a braquiária – estão invadindo essas unidades de conservação e substituindo rapidamente as espécies nativas do seu riquíssimo estrato herbáceo-subarbustivo [do cerrado]. Dentro de alguns anos, ou décadas que sejam, tais unidades se transformarão em verdadeiros pastos de gordura, jaraguá ou braquiária e terão perdido, assim, toda a sua enorme riqueza de espécies de outrora.” Coutinho (2000). “Segundo Hutton (1977) a utilização de Brachiaria decumbens vai crescer em toda a América Latina, independente do que for feito em relação à mesma, principalmente por ser uma gramínea bastante tolerante aos níveis altos de alumínio predominantes nos solos ácidos desta região [cerrado]”. Seiffert (1980). CONTEXTO No Brasil estima-se a ocorrência de 16 espécies do gênero Brachiaria (Poaceae), sendo 5 consideradas nativas do continente americano, 8 introduzidas recentemente e 3 introduzidas no período colonial, que T. Sendulsky (1976, citada em Seiffert, 1980) considera como já nativas do Brasil, em termos de integração ecológica. As espécies consideradas invasoras, como Brachiaria decumbens Stapf e B. brizantha (Hochst. ex A. Rich.) Stapf, são amplamente empregadas na formação de pastagens, pois resistem bem ao pisoteio pelo gado e formam cobertura contínua, inclusive em terrenos de baixa fertilidade. Seu plantio é bastante estimulado pelos órgãos de fomento agro-pecuário, principalmente em função da rusticidade (Nascimento-Júnior et al., 1999), e têm sido também amplamente utilizadas em projetos de contenção de encostas, como nas áreas de mineração e ao longo das principais rodovias do país, conjugadas a diversas outras espécies exóticas invasoras. O seu plantio intencional ao longo das estradas representa um eficiente e preocupante vetor de entrada das espécies em todo o território nacional, e não se percebe um esforço significativo para se buscar alternativas para a utilização de espécies nativas. Brachiaria decumbens, por exemplo, já pode ser encontrada em todos os estados do país, e seu crescimento e expansão são tão agressivos que Coutinho, em 1982, como citado acima em artigo de 2000, já alertava para o risco iminente de tomada do estrato herbáceo por esta e outras gramíneas africanas em 1 Analista ambiental, Parque Nacional da Serra do Cipó, IBAMA. Bióloga, Dra. Ecologia. 2 Aluna de Biologia PUCMinas, estagiária do Parque Nacional da Serra do Cipó 3 Analista ambiental, Parque Nacional da Serra do Cipó, Eng. Agrônomo. 4 Analista ambiental, Parque Nacional da Serra do Cipó, IBAMA. Biólogo, Dr. Ecologia. 5 Geógrafa, estagiária do Parque Nacional da Serra do Cipó, bolsista da Conservação Internacional do Brasil.

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OCUPAÇÃO POR BRACHIARIA SPP. (POACEAE) NO PARQUE

NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ E INFESTAÇÃO DECORRENTE DA OBRA DE PAVIMENTAÇÃO DA RODOVIA MG-010, NA APA MORRO DA

PEDREIRA, MINAS GERAIS.

Kátia Torres Ribeiro1, Daniela Campos De Filippo2, Celso do Lago Paiva3, João Augusto Madeira4, Jaqueline Serafim do Nascimento5

“A grande maioria das atuais Unidades de Conservação, sejam elas federais, estaduais ou municipais, acha-se hoje em uma situação de completo abandono (...). Paralelamente, espécies exóticas de gramíneas – sobretudo as de origem africana, como o capim-gordura, o capim-jaraguá, a braquiária – estão invadindo essas unidades de conservação e substituindo rapidamente as espécies nativas do seu riquíssimo estrato herbáceo-subarbustivo [do cerrado]. Dentro de alguns anos, ou décadas que sejam, tais unidades se transformarão em verdadeiros pastos de gordura, jaraguá ou braquiária e terão perdido, assim, toda a sua enorme riqueza de espécies de outrora.” Coutinho (2000).

“Segundo Hutton (1977) a utilização de Brachiaria decumbens vai crescer em toda a América Latina, independente do que for feito em relação à mesma, principalmente por ser uma gramínea bastante tolerante aos níveis altos de alumínio predominantes nos solos ácidos desta região [cerrado]”. Seiffert (1980).

CONTEXTO

No Brasil estima-se a ocorrência de 16 espécies do gênero Brachiaria (Poaceae), sendo 5 consideradas nativas do continente americano, 8 introduzidas recentemente e 3 introduzidas no período colonial, que T. Sendulsky (1976, citada em Seiffert, 1980) considera como já nativas do Brasil, em termos de integração ecológica.

As espécies consideradas invasoras, como Brachiaria decumbens Stapf e B. brizantha (Hochst. ex A. Rich.) Stapf, são amplamente empregadas na formação de pastagens, pois resistem bem ao pisoteio pelo gado e formam cobertura contínua, inclusive em terrenos de baixa fertilidade. Seu plantio é bastante estimulado pelos órgãos de fomento agro-pecuário, principalmente em função da rusticidade (Nascimento-Júnior et al., 1999), e têm sido também amplamente utilizadas em projetos de contenção de encostas, como nas áreas de mineração e ao longo das principais rodovias do país, conjugadas a diversas outras espécies exóticas invasoras. O seu plantio intencional ao longo das estradas representa um eficiente e preocupante vetor de entrada das espécies em todo o território nacional, e não se percebe um esforço significativo para se buscar alternativas para a utilização de espécies nativas. Brachiaria decumbens, por exemplo, já pode ser encontrada em todos os estados do país, e seu crescimento e expansão são tão agressivos que Coutinho, em 1982, como citado acima em artigo de 2000, já alertava para o risco iminente de tomada do estrato herbáceo por esta e outras gramíneas africanas em

1 Analista ambiental, Parque Nacional da Serra do Cipó, IBAMA. Bióloga, Dra. Ecologia. 2 Aluna de Biologia PUCMinas, estagiária do Parque Nacional da Serra do Cipó 3 Analista ambiental, Parque Nacional da Serra do Cipó, Eng. Agrônomo. 4 Analista ambiental, Parque Nacional da Serra do Cipó, IBAMA. Biólogo, Dr. Ecologia. 5 Geógrafa, estagiária do Parque Nacional da Serra do Cipó, bolsista da Conservação Internacional do Brasil.

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todas as Unidades de Conservação no Bioma Cerrado, reduzindo drasticamente a diversidade original (ver Pivello et al., 1999).

A infestação por braquiária pode modificar o regime de incêndios, intensificando-o, tanto pelo rápido acúmulo de biomassa e elevada inflamabilidade das camadas de folhas secas que se acumulam junto ao solo, como pelo fato de bloquear o processo sucessional, que poderia levar a formações de maior complexidade, com retenção de umidade e, portanto, menor susceptibilidade à propagação de incêndios (Whelan, 1995, Pivello, 2005).

O plantio de Brachiaria spp. tem sido fomentado apesar de não ser uma solução satisfatória ou suficiente para a alimentação do gado. Reflete em grande parte um conformismo com a perda de fertilidade das pastagens brasileiras, e com a falta de estímulos para práticas sustentáveis no longo prazo, comprometidas com a qualidade do solo. Dentre as várias dificuldades associadas a estas espécies, Seiffert (1980) cita a importância da consociação das gramíneas com leguminosas para o forrageio, para se obter plantas com épocas distintas de crescimento e enriquecimento da dieta dos animais com proteínas, pouco presentes nas gramíneas, incorporando ainda nitrogênio ao solo. No entanto, o autor destaca que, no Brasil, B. decumbens não consocia bem, com exceção da sua mistura com Leucaena leucocephala, outra planta exótica com elevado potencial invasor, e que já causa problemas em ecossistemas diversos – de matas secas a mangues, em numerosos estados (Instituto Horus, 2005).

A dificuldade de corsorciação se deve igualmente à já citada agressividade da espécie - alelopatia, rápido crescimento - que leva à cobertura densa-, rusticidade, tolerância à acidez e a elevadas concentrações de alumínio – as mesmas características que a tornam uma invasora eficaz e de difícil combate sobre áreas nativas (Dias-Filho, 2002, Haddade et al., 2002, Souza et al., 2003, Durigan, 2004, Pivello, 2005). A principal ameaça é sobre ecossistemas não florestais de elevada diversidade de espécies, associados a solos de baixa fertilidade, como é o caso de campos rupestres e cerrados. Já nos ambientes florestais, se eliminados os fatores de perturbação como incêndios recorrentes e pastoreio, a própria dinâmica de sucessão leva ao sombreamento e redução de cobertura das invasoras (Durigan, 2004), principalmente daquelas de metabolismo C4, como é o caso de Brachiaria spp.

A região da Serra do Cipó, localizada na porção meridional da Cadeia do Espinhaço, no centro do estado de Minas Gerais, é conhecida pela extrema diversidade da flora de campos rupestres, que configura ali uma transição peculiar entre o cerrado e a mata atlântica (Giulietti et al., 1987). A riqueza da vegetação e a beleza das paisagens justificou a criação de duas unidades de conservação (UCs) federais – o Parque Nacional da Serra do Cipó e a Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira, que presenciam atualmente o avanço acelerado do turismo e questões decorrentes, como forte parcelamento do solo e abertura de vias de acesso. Ambas estão progressivamente ameaçadas pelo avanço da área ocupada por diversas espécies invasoras, com destaque para braquiária, encontradas já em todos os municípios que integram as duas UCs.

O avanço da braquiária na região se dá pelo plantio direto para formação de pastagens, pela dispersão não intencional em função do movimento de animais (gado bovino e eqüino), pelo avanço autônomo ao longo das margens ensolaradas de estradas e trilhas, e é ainda potencializado pelos incêndios recorrentes, que favorecem as espécies de ciclo rápido. Outro fator recente de introdução de espécies exóticas é o processo de pavimentação da rodovia MG-010 no trecho que cruza área de campos rupestres com elevado grau de endemismo restrito (Giulietti et al., 1987, Ribeiro e Fernandes, 2000, Pirani et al., 2003) na APA Morro da Pedreira, que tem levado ao transporte intencional ou acidental de propágulos de espécies exóticas e à modificação de solos e habitats, favorecendo espécies ruderais.

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De acordo com alguns criadores de gado, o plantio de braquiária para formação de pastagens se mostrou ainda mais atraente, a princípio, em função das proibições e coibições em relação ao uso do fogo na região, uma vez que o manejo destes pastos dispensa o fogo, ao contrário da prática usual com os campos nativos. Seu plantio direto avança sobre áreas de mata a cada incêndio, principalmente nas porções de mata atlântica. Esta prática constitui uma forma de impedir o retorno da mata e assim garantir o avanço da área utilizável das fazendas, frente às dificuldades legais encontradas para desmatamento em mata atlântica. Pastos com braquiária são encontrados em todos os vilarejos inseridos na APA, até mesmo na região da Lapinha da Serra, em Santana do Riacho, de mais difícil acesso, ou em áreas altas imediatamente vizinhas ao Parque, como na região do Bongue (município de Itabira), em vertentes com declividades acima de 45o e altitudes superiores a 1300m e em Lapinha de Santana, lugarejo bastante confinado.

A importância dada à expansão da braquiária não é proporcional à dimensão do problema. Em um levantamento de referências bibliográficas feito em junho de 2005 no Portal Scielo (www.scielo.br) tendo Brachiaria como palavra chave, obteve-se um total de 217 referências de artigos científicos, distribuídos em 127 sobre temas agronômicos, 70 sobre zootecnia e otimização da produção animal, 8 relacionados com botânica, especificamente com morfologia vegetal, 5 com entomologia, 1 sobre biologia molecular, 2 sobre microbiologia e somente 4 abordando a ecologia das espécies, sem no entanto enfatizar os problemas ambientais decorrentes de sua expansão nos neotrópicos.

Neste artigo relatamos a dinâmica de expansão de Brachiaria spp. no Parque Nacional da Serra do Cipó, acompanhada desde 2003, relacionando-a ao processo de sucessão desencadeado a partir da retirada do gado bovino e supressão do fogo no interior da UC. Em relação à APA Morro da Pedreira, já amplamente tomada por diversas gramíneas invasoras, relatamos o processo de licenciamento da pavimentação da rodovia MG-010, por cruzar áreas de elevada biodiversidade e grande beleza cênica, que em teoria seriam preservados, e os esforços parcialmente mal sucedidos para bloquear a utilização de espécies exóticas nas áreas de recuperação ou de contenção de encostas. Destacamos a premente necessidade de se mudar o paradigma dos projetos de recuperação de áreas degradadas no país. Pelo que tem sido presenciado, a pintura dos taludes com tinta verde pode ser menos deletéria para as áreas naturais do que a introdução de espécies exóticas tão agressivas quanto a braquiária.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

O Parque Nacional da Serra do Cipó, com 33.800 ha, está situado na porção central do estado de Minas Gerais, e é inteiramente circundado pela Área de Proteção Ambiental Morro da Pedreira, com 100.000 ha. O Parque Nacional abrange quatro municípios – Jaboticatubas, Santana do Riacho, Itambé do Mato Dentro e Morro do Pilar. A APA abrange oito municípios – os quatro listados acima e porções de Conceição do Mato Dentro, Itabira, Nova União e Taquaraçu de Minas (Fig. 1).

As duas Unidades de Conservação ocupam uma porção do Quadrilátero Ferrífero, região intensamente impactada pela mineração e pela expansão da região metropolitana de Belo Horizonte. Estão situadas na porção sul da Serra do Espinhaço, conjunto de montanhas com predominância de rochas quartzíticas e que se estende na direção NW-SE pelo estado da Bahia. A Serra do Cipó é divisora das bacias do rio Doce e do rio São Francisco, e de biomas, constituindo zona de

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transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica. Os campos rupestres recobrem principalmente as áreas acima de 1000 metros de altitude (Giulietti et al., 1987) e, até o presente, os campos rupestres da Serra do Cipó ainda detêm o título de mais biodiversos do país, com mais de 1800 espécies vegetais registradas (Pirani et al., 2003).

As altitudes de ambas UCs variam entre cerca de 800 e 1670 metros de altitude, no pico dos Montes Claros, e devido a esta topografia acidentada há forte variação da vegetação (transição mata atântica/cerrado), de drenagem (de vertentes fortemente erodidas a planícies aluvionais), de composição e estrutura dos solo (presença de latossolos, cambissolos, litossolos, entre outros), geológicas e climáticas (em função da altitude e retenção de umidade das vertentes orientais). O clima predominante é o tropical de altitude do tipo Cwb, com verões frescos e com estação seca bem pronunciada, seguindo a classificação de Köppen (1931) (apud Giulietti et al., 1987). A precipitação anual varia entre 1450 e 1800mm, com forte sazonalidade. O período de seca dura de 3 a 4 meses, de junho a setembro e o período mais úmido coincide com o final da primavera e o verão (Madeira e Fernandes, 1999). Os valores de umidade relativa do ar comuns na estação da seca estão entre 30 e 40%, freqüentemente acompanhados de temperaturas acima de 30 oC.

A área sofre há séculos (ver diários de Langsdorff, em Silva et al., 1997) e ainda hoje com as queimadas anuais, principalmente para rebrota do capim para renovação de pastagens em campos nativos, que vêm sendo substituídos por braquiária e outros capins exóticos.

As UCs ainda não dispõem de planos de manejo (em fase de elaboração) que orientem as ações em relação às espécies exóticas. O Parque Nacional dispõe apenas de um Plano de Ação Emergencial, de 1994, com previsão de vigência de dois anos, que permitiu a abertura das áreas mais baixas à visitação. A visitação pode ser feita a cavalo, uma forte tradição da cultura local, de base tropeira. No entanto, não há adequado manejo sanitário, o que comprovadamente representa um vetor de entrada de gramíneas exóticas. A equipe do parque também utiliza animais de carga nas atividades cotidianas e emergenciais de fiscalização e combate a incêndios dadas as dificuldades de acesso às partes montanhosas.

A pavimentação da rodovia MG-010

O trecho da rodovia MG-010 que liga Belo Horizonte a Conceição do Mato Dentro atravessa uma região considerada até recentemente de baixo interesse econômico, quando se verificou a explosão do turismo e das atividades a ele relacionadas, como o parcelamento do solo. Na década de 70 foi feita a pavimentação até a cidade de Lagoa Santa, a 60 km da Serra do Cipó; na década de 80, até o Km 100, abarcando a Vila de Serra do Cipó (ex-Cardeal Mota), que se desenvolve ao longo da rodovia. Na década de 90 iniciou-se o licenciamento da pavimentação do trecho montanhoso de cerca de 70 km entre a Serra do Cipó e a cidade de Conceição do Mato Dentro, que não dispunha até então de qualquer acesso pavimentado. Cerca de 30 km do trecho a ser pavimentado cruzariam a APA Morro da Pedreira, com um pequeno trecho no limite noroeste do Parque Nacional da Serra do Cipó. A presença na região de dezenas de pesquisadores de destaque, principalmente da área de botânica, e de ambientalistas, que já anteviam os grandes impactos diretos e indiretos que ameaçavam-na em função da pavimentação, configurou uma forte pressão política para que se adequasse o licenciamento aos cuidados ambientais necessários.

A rodovia foi intitulada “Primeira Rodovia Ecológica” do país, com ampla divulgação de suas virtudes na imprensa, mas a execução da obra tem se distanciado bastante das recomendações e exigências existentes, incluindo cuidados com erosões, com o

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patrimônio histórico representado por pontes, muros e outras construções da década de 1920, e com a introdução de espécies invasoras, além de, até o momento, não ter contemplado as medidas compensatórias previstas no processo de licenciamento. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) (Holos, 1994) apresentou de forma enfática, já naquela ocasião, as dificuldades que seriam encontradas para efetiva implementação de medidas ecologicamente adequadas. Alertou sobre os riscos de introdução de espécies invasoras, sobre as dificuldades de se obter sementes e propágulos de espécies nativas, típicas de campos rupestres e capazes de ocupar solos especialmente arenosos e pobres em nutrientes. Destacou-se também o risco associado com a alteração da qualidade dos solos na região em função da movimentação de terra típica desse tipo de obra. A flora endêmica e diversa é fortemente associada às pequenas variações edáficas, e pode se modificar completamente com mudanças na drenagem ou na composição dos solos (Vitta, 1995). Recomendou-se na ocasião uma série de alternativas para se contornar o problema da escassez de sementes – sugerindo-se por exemplo a translocação de placas de vegetação nativa, desde que respeitado espaçamento suficiente para recuperação das áreas de empréstimo. O plantio de candeia (Vanillomopsis erythropappa) também foi recomendado, mas totalmente ignorado pelo empreendedor, apesar da disponibilidade de mudas em viveiros. Em carta anexada ao processo de licenciamento, o pesquisador G. Wilson Fernandes, da UFMG, divulgou ser possível a produção, em curto período de tempo, de grande quantidade de mudas de espécies nativas por sua equipe, que poderiam ao menos ser consorciadas com placas de grama, favorecendo as espécies nativas. Em 2004, em meio às negociações para a finalização da obra após embargo por motivos ambientais, a empresa contratada pelo DER-MG para realizar recomposição vegetal contatou a equipe técnica do Parque e da APA. Confirmou a aplicação de tapetes de grama-batatais (Paspalum notatum) ao longo das canaletas que beiram o leito da estrada, retirados de localidades não especificadas, e solicitou aprovação do coquetel de espécies para hidro-semeadura, a ser empregada na recuperação dos extensos taludes e das áreas degradadas, antigas áreas de empréstimo (ADs – áreas degradadas). No caso das placas de grama, procedimento já previamente aprovado, expôs-se por parte do IBAMA a preocupação com a provável contaminação dos tapetes de gramas com outras espécies ruderais e/ou invasoras, sobre os quais não se pode ter qualquer tipo de controle pois seriam retirados de ambientes rurais (Ribeiro e Machado, 2004). Em relação à hidro-semeadura, a lista enviada continha apenas espécies exóticas, a saber: as gramíneas grama-batatais (Paspalum notatum); Andropogum guayanus; capim-braquiária (Brachiaria decumbens) e a aveia-preta (Avena strigosa); as leguminosas feijão-guandu (Cajanus cajan) e crotalária ou cânhamo-da-índia (Crotalaria juncea) e a arbórea Leucena (Leucaena leucocephala) e ainda o nabo-forrageiro (Raphanus sativus), uma crucífera. Dada a aceleração da erosão e iminência da estação das chuvas, permitiu-se o plantio de duas das espécies listadas - a grama-batatais (Paspalum notatum), de pequeno porte, e do feijão-guandu (Cajanus cajan) que já é amplamente cultivado pela população local. Destacou-se a importância do consórcio com espécies nativas e os cuidados necessários para evitar contaminação dos tanques de hidro-semeadura com sementes de espécies utilizadas em outras obras.

Espécies estudadas A determinação das espécies de Brachiaria foi feita com uso da chave de Sendulsky

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(1977, apud Seiffert, 1980) e da prancha de Sendulsky (1978). Identificamos a ocorrência de Brachiaria decumbens e B. brizantha, nas duas UCs. Segundo Seiffert (1980), a gramínea B. decumbens é nativa do leste da África em altitudes acima de 800m e, de acordo com Sendulsky (1978), existem duas cultivares da espécie no Brasil. A primeira, à qual o presente trabalho se refere, foi introduzida em 1952, no estado do Pará, no IPEAN (Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária Norte) e, pela semelhança morfológica, foi até 1965, identificada como B. brizantha. A segunda forma foi introduzida no estado de São Paulo, por uma Estação Experimental Australiana. Sobre B. brizantha, existem poucas informações sobre características morfológicas e ecológicas.

Segundo Buller et al. (1972, citado por Seiffert, 1980), em 1965 o material vegetativo de várias espécies invasoras, inclusive de B. decumbens, foi trazido para o Brasil a partir de amostras da Universidade da Flórida. Em Minas Gerais, o plantio da braquiária começou a ser francamente estimulado na década de 80 pela EPAMIG -Empresa de Pesquisa Agronômica de Minas Gerais – (Ronaldo Bastos, técnico ambiental IBAMA, informação pessoal).

Mapeamento da ocorrência de Brachiaria sp. no Parque Nacional da Serra do Cipó

A mensuração da área ocupada pela Braquiária no interior do Parque Nacional da Serra do Cipó foi feita sempre no mês de julho, nos anos de 2003, 2004 e 2005, sempre com auxílio de trabalho voluntário (Lei No 9.608 de 18/02/98) de estudantes vinculados a cursos agrotécnicos ou a graduações em ciências biológicas e engenharia florestal. Em 2003 e 2004, mapeou-se o contorno das manchas ainda bem delimitadas de Brachiaria com uso de GPS. Em 2005 o mesmo método foi empregado, mas constatando-se o alastramento da gramínea em numerosos focos dispersos, adotou-se também a estratégia de mapear as manchas pequenas e isoladas, obtendo-se um ponto para manchas de até 1,5 m de diâmetro ou diversos pontos para manchas maiores. Houve também, neste ano, a diferenciação das áreas ocupadas por Brachiaria decumbens e B. brizantha.

Mapeamento de Brachiaria spp. e verificação de outras espécies exóticas ao longo da rodovia MG-010, associadas ao processo de pavimentação. No dia 24 de junho de 2005 foi realizada uma vistoria nos taludes e AEs para avaliar o grau de contaminação dos tapetes de grama com outras espécies, principalmente pela braquiária, e o grau de contaminação com outras sementes nas áreas que receberam o coquetel de hidro-semeadura. Foi feito minucioso mapeamento com uso de GPS, ao longo dos quilômetros 100 e 121, distinguindo-se Brachiaria decumbens e B. brizantha. Manchas de braquiária com mais de 1,5 m de diâmetro foram marcadas com mais de um ponto ou inteiramente percorridas/ circundadas, dependendo do formado, e manchas com 1,5 m ou menos de diâmetro foram marcadas individualmente. Das outras espécies exóticas encontradas apenas anotou-se a presença. RESULTADOS Brachiaria spp. e outras gramíneas invasoras no interior do Parque Nacional da Serra do Cipó Nos anos de 2003 e 2004 a braquiária esteve praticamente restrita a três manchas

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na baixada do rio Mascates, que ao encontrar o rio Bocaina forma o rio Cipó. A maior das manchas, com cerca de 5 ha contínuos (Fig. 3A), encontrava-se próxima à sede do Parque. Entre estes dois anos não houve aumento considerável da área ocupada. No entanto, em 2005, detectamos ocupação da borda da estrada de acesso ao interior do Parque ao longo de cerca de 6 Km, até a altura da Cachoeira da Farofa, com surgimento de centenas de novos focos de infestação (Figuras 3A,B e 4). Os resultados mostram que as bordas das trilhas são habitats preferenciais para dispersão da espécie, ao menos na ausência de outros locais perturbados. A braquiária se adapta bem ao ambiente de beira de trilha, especialmente ensolarado e perturbado. Também colaboram com a expansão da espécie nesta baixada os seguintes fatores: 1. alagamento de toda a parte plana durante o verão, que permite dispersão eficiente de sementes; 2. trânsito diário de cavalos, aumentado nos fins-de-semana, sem controle sanitário; 3. fase inicial de sucessão vegetal em função da recente retirada do gado (novembro de 2002), representando ampla disponibilidade de nutrientes e luz e ausência de pastoreio, o que favorece espécies de ciclo rápido. O "capim meloso" (Melinis minutiflora) também é problemático na baixada do rio Mascates e, em diversos pontos, as manchas já alcançam mais de 3 metros de altura. Este capim é extremamente inflamável e o acúmulo de combustível é muito grande, justificando estratégias de supressão de combustível e de confecção de aceiros nesta área de modo a impedir o avanço de frentes de fogo e favorecer a sucessão. Encontrou-se ainda uma única mancha de Andropogum guayanus Kunth, gramínea de origem africana que também se desenvolve em solos pobres e forma touceiras densas, e utilizada ainda de forma incipiente para formação de pastagens na região. Esta gramínea também exclui outras espécies nas regiões tropicais e, ainda, pode alterar o regime de incêndio dada a elevada inflamabilidade (Csurhes e Edwards, 1998). Avaliação na rodovia MG-010 Constatou-se intensa contaminação por Brachiaria decumbens e, com menor freqüência, por B. brizantha, nos tapetes de grama dispostos ao longo das canaletas da rodovia MG-010, entre os quilômetros 107 e 121. Foram mapeados 157 pontos de ocorrência das espécies próximas às canaletas, sendo 139 delas de B. decumbens, e 18 de B. brizantha, esta ainda restrita a pequenas manchas (Figura 5). É clara a associação das espécies aos tapetes de grama, sendo inequívoco que foram trazidas no banco de sementes ou já estabelecidas nas placas translocadas (Figura 3D). Também foram encontradas indivíduos dispersos e de pequeno porte de capim-colonião (Panicum maximum) sobre os tapetes. Essas gramíneas ainda estão confinadas às áreas de intervenção, mas ameaçam de imediato a RPPN Fazenda Alto Palácio, adjacente à rodovia, e o habitat de Coccoloba cereifera, espécie endêmica restrita, confinada ao Vale do Rio Indequicé (Ribeiro e Fernandes, 2000; Viana et al. 2005), inteiramente cortado pela rodovia. Nos locais em que houve hidro-semeadura constatou-se contaminação com espécies não autorizadas para plantio. Em uma das áreas degradadas (AD 06) foram encontrados dois indivíduos de nabo-forrageiro (Raphanus sativus), provavelmente uma contaminação acidental dos tanques e nas ADs 02, 04 e 06 (ver mapas em Holos, 1994), constatou-se cobertura contínua com aveia-preta (Avena strigosa), configurando um erro, e não uma acidente, na composição do coquetel de espécies. DISCUSSÃO

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O trabalho de pavimentação da MG-010 entre a Serra do Cipó e Conceição do Mato Dentro foi dividido em duas etapas, a primeira no governo 1999 - 2002 e a segunda no governo atual (2003 - 2006). Na primeira etapa, quando se fez grande propaganda em torno da "rodovia ecológica", foi concluído o trecho entre o trevo de Morro do Pilar e Conceição do Mato Dentro, em que foram feitas obras de drenagem e o uso de espécies exóticas na revegetação das margens da rodovia, o que a deixou rapidamente com o aspecto verde que o público leigo associa a uma eficiente “recuperação ecológica". Este trecho está fora do território da APA Morro da Pedreira, o que reduziu a possibilidade de ingerência dos órgãos ambientais sobre a escolha dos métodos e espécies utilizadas para revegetação, e mesmo a percepção é pequena de que este plantio, mesmo fora do território, seja uma ameaça futura às UCs tão próximas.

Na segunda etapa da obra, iniciada em 2004, apesar da mudança de postura por parte do DER-MG, de procurar consultar o IBAMA e pesquisadores da área de Ecologia quanto à revegetação das margens da rodovia, verificou-se um grande despreparo das equipes envolvidas com a obra, no que se refere aos processos ecológicos e às eventuais conseqüências ao longo prazo de suas intervenções. A preocupação quase exclusiva com o cumprimento de cronogramas e de planilhas de custos faz com que se utilizem técnicas e equipamentos agressivos, com grande movimentação de terra e troca de materiais entre diferentes locais, potencializando a contaminação. Do ponto de vista da revegetação, são vistas com bons olhos justamente as espécies que causam graves problemas ecológicos, as de crescimento e reprodução rápidos, baixa exigência quanto a solos, e com formação de coberturas densas, que são as invasoras mais agressivas.

Também não há diretriz clara nos órgãos ambientais que desestimule ou proíba o uso de espécies exóticas nestas atividades e que, de forma indireta, fomente o desenvolvimento de técnicas que utilizem espécies nativas. O resultado é uma forte ameaça às Unidades de Conservação e aos habitats naturais em geral (Reis et al., 2004). O mesmo acontece em relação às áreas de mineração, muitas vezes vizinhas ou mesmo responsáveis por unidades de conservação, e que empregam estas técnicas para recuperação de áreas degradadas. No caso da MG-010, o investimento para combate das plantas introduzidas é claramente obrigação do empreendedor, uma vez que os alertas acerca dos riscos de invasão de espécies exóticas se deram continuamente desde o EIA elaborado em 1994, reforçado por pesquisadores e técnicos dos órgãos ambientais (Holos, 1994 e Processo 02015.011964/94-58 IBAMA-MG). No entanto, não há previsão de custeio para combate às invasões que acontecerem nas áreas naturais adjacentes. As outras espécies acidentalmente introduzidas com a hidro-semeadura também devem ser monitoradas e combatidas, com estabelecimento de programas de longo prazo, e este deveria ser um procedimento padrão a ser exigido dos empreendedores.

A pavimentação da rodovia tem acelerado ainda mais o parcelamento do solo na região, e a abertura de acessos, principalmente para construção de pousadas e casas de veraneio. A modificação da paisagem é evidente e rápida, com substituição da vegetação graminóide dos campos rupestres por gramas, em geral grama-batatais, esmeralda dentre tantas outras, e plantio de espécies frutíferas ou ornamentais exóticas. Não há uma política de incentivo à domesticação e utilização de plantas nativas e pertencentes à rica comunidade vegetal dos campos rupestres no paisagismo, apesar do título de Jardim do Brasil conferido por Burle Max quando de sua passagem pela Serra do Cipó, já há décadas. No interior do Parque Nacional da Serra do Cipó, o estudo da braquiária começou em julho de 2003. Naquela ocasião havia apenas uma mancha contínua, correspondente a uma área em que foi feita semeadura direta do capim para formação de pastagem, na década de 80, antes da desapropriação da área. Trata-se de uma ampla planície aluvional alagável, pontuada por dezenas de lagoas, com espesso pacote de sedimentos quartzosos. É ladeada por cerrados e por campos

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rupestres, mas as formações predominantes na baixada devem ter sido as matas ciliares, e os cerradões. Estas formações florestais foram muito afetadas pela agricultura, principalmente o arroz de várzea. Na década de 80, já com o Parque decretado, houve retirada intensa de madeira, principalmente de sucupira-branca ou monjolos (Pterodon emarginatus, Leguminosae), espécie dominante naquelas matas da baixada. A sucessão ecológica permaneceu bloqueada pela combinação de pastoreio e incêndios recorrentes. Em novembro de 2002 houve retirada do gado desta região do Parque, frente à constatação de que os antigos proprietários já haviam sido indenizados, o que desmotivou também a colocação de fogo para rebrota de gramíneas. Junto a isso, a atuação das brigadas de prevenção e combate a incêndios florestais levou à redução drástica dos incêndios, e o que se verifica atualmente é um acelerado processo de sucessão, auxiliado pelas inundações fertilizantes periódicas, com multiplicação de Cecropia spp. e Miconia spp. Assim, toda a vegetação de crescimento rápido vem se expandindo, incluindo a braquiária. Portanto, a retirada do gado provoca efeitos aparentemente antagônicos: por um lado tem favorecido a expansão da área ocupada por braquiária, em função da interrupção de seu consumo pelo gado e boas condições de crescimento. Por outro lado, caso se consiga o retorno das fisionomias florestais – seja mata ciliar ou cerradão – o sombreamento será fator extremamente desfavorável a essas gramíneas de metabolismo C4, como a braquiária. Durigan (2004) mostra que a vegetação de cerrado tem grande resiliência, isto é, grande capacidade regenerativa, desde que não sejam removidas as estruturas subterrâneas que garantem a rápida rebrota de grande diversidade de espécies após um distúrbio (Coutinho 2000). No entanto, a maior parte da área em questão requer grande esforço de plantio de espécies ou outras práticas que favoreçam a regeneração natural, como sugeridas por Reis et al. (2004), uma vez que se tratava de uma vegetação de mata ripária ou alagável, não caracterizada por estruturas subterrâneas de resistência, amplamente devastada para obtenção de madeira na década de 80. Portanto, a regeneração se dará em grande parte por recrutamento de sementes, processo mais fortemente prejudicado pela presença da braquiária. Apesar do claro avanço na infestação, as áreas com braquiária ainda são de extensão controlável e concentradas nas proximidades da sede, o que facilita o acesso e a mobilização de equipes de combate. Em termos gerais, as ações de combate nesta e outras UCs devem ser imediatas e rápidas. É muito fácil a introdução destas espécies e, por outro lado, é grande a resistência dos órgãos ambientais em implementar programas para sua retirada em unidades de conservação. Muitas vezes fica-se à espera de um estudo, ou de um projeto, que venha a ser aprovado, o que significa vitória das plantas invasoras. O famoso lema "conhecer para conservar" às vezes leva a uma paralisia de graves conseqüências (Souza, 2005). Já existem diversas técnicas consagradas de combate às espécies invasoras que são compatíveis com normas mais restritivas aplicadas nas UCs de proteção integral. São práticas que estimulam a sucessão vegetal e a restauração de ambientes de elevada diversidade, com uso de “ferramentas ecológicas”, como chuva de sementes, atração de espécies polinizadoras/ dispersoras, aumento da complexidade do ambiente, etc. (ver Reis et al., 2004). No nível atual de conhecimento, não se justifica que por medo de agir se permita que uma situação controlável se torne incontrolável. O Parque Nacional da Serra do Cipó ainda não dispõe de Plano de Manejo, o que limita diversas ações. Têm sido empregadas experimentalmente diversas práticas para combater ou reter o avanço da braquiária, tais como poleiros de bambu para atração de aves, coroamento de plantas arbustivas e arbóreas para favorecer seu

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crescimento e especial atenção para evitar ocorrência de incêndios, que beneficiam a gramínea, apesar de localmente ser muito comum a sugestão de se empregar o fogo contra a braquiária. De fato, é uma forma de reduzir momentaneamente sua biomassa, mas com certeza o desfavorecimento das espécies nativas é ainda maior. Toda a região de cerrado entre Belo Horizonte e a Serra do Cipó é tomada pela braquiária e o fogo, juntamente ao ambiente luminoso e ruderal das bordas de estrada, são fatores que favorecem decisivamente esta propagação, e que farão estas espécies ameaçarem permanentemente o Parque Nacional da Serra do Cipó. Cavalos ainda transitam livremente pelo Parque Nacional, seja para visitação à parte baixa, em que se concentra a infestação por capim-braquiária, seja na parte alta, em cavalgadas clandestinas, ou ainda pela equipe do parque e da brigada de combate a incêndios florestais, em ações de rotina ou emergenciais. Equinos geralmente desprezam a braquiária, dando preferência ao capim-meloso, que também infesta a baixada do rio Mascates. No entanto, já diversos cavalos já foram observados se alimentando de Brachiaria decumbens, inclusive no interior da UC e, portanto, são claros dispersores da espécie. O avanço contínuo da braquiária no entorno da UC também deixa a espécie como quase única fonte alimentar dos animais, e a única forma de reduzir a ameaça de dispersão das sementes é a submissão a regime de ração, como recomendam os protolocos de utilização de animais de carga em UCs.

Considerando que grande parte das UCs não dispõem ainda de planos de manejo, e que estes levam anos até serem desenvolvidos e ainda mais tempo para serem implementados, e considerando que espécies invasoras raramente estão no foco das considerações e preocupações principais destes documentos e das ações propostas, é importante que se desenvolva uma recomendação e orientação geral às administrações das UCs, para que planos de combate às espécies invasoras sejam considerados e implementados mesmo antes dos planos de manejo. Esta orientação não iria de forma alguma contra as normas vigentes. Pelo contrário, atenderia ao SNUC (Lei 9.985/ 2000), em seu artigo 28, parágrafo único: “Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger (...)”. Considerando a urgência da questão, deve-se priorizar o combate a algumas espécies sabidamente mais agressivas e daninhas aos ambientes naturais e estabelecer protocolos de combate e divulgação dos problemas associados a estas espécies.

Paralelamente, devem ser feitos esforços coordenados no sentido de se estimular e até mesmo exigir que se desenvolvam métodos de recuperação de áreas degradadas menos deletérios para a biodiversidade do país, e devem ser discutidas regras para o licenciamento de obras em unidades de conservação ou entorno imediato que pretendam utilizar espécies exóticas. Cooperações e programas de sensibilização também devem ser feitos junto aos órgãos de pesquisa e extensão agropecuária, de modo a se obter orientações mais sustentáveis, ao menos na vizinhança de unidades de conservação.

AGRADECIMENTOS Agradecemos aos estagiários voluntários do Parque Nacional da Serra do Cipó que colaboraram em trabalhos de campo: João Evangelista Virtuoso, Tarciley Gonçalves de São José, Valdenice Pereira dos Santos, Ângela Maria Ferreira, Graciela Tomaz da Rosa, Gizele Aparecida da Silva e Mariana Ribeiro Luz.

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Figuras

Figura 1. A. Localização do Parque Nacional da Serra do Cipó e da APA Morro da Pedreira no estado de Minas Gerais e B. Em relação aos municípios.

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Figura 2. Imagem de satélite com limites do trecho estudado do Parque Nacional da Serra do Cipó e da APA Morro da Pedreira, Os campos rupestres correspondem às superfícies aparentemente rochosas aparentes na imagem, e na porção diagonal à esquerda distribuem-se áreas extensas de vegetação de cerrado. O rio mascates, na porção inferior da imagem, é meândrico e seu curso passa por ampla planície aluvional.

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Figura 3. Prancha de ilustrações. A - Mancha contínua de 5 hectares de Brachiaria decumbens no interior do Parque Nacional da Serra do Cipó, com destacada cor verde clara em contraste com o verde pálido no entorno; B - B. decumbens alastrando-se na borda da estrada de acesso à Cachoeira da Farofa, no interior do Parque Nacional; C – B. decumbens na beira da rodovia MG-010, tendo ao fundo a ponte do rio Indequicé e os paredões da Serra do Palácio; D - E - B. decumbens lado a lado com Coccoloba cereifera (Polygonaceae), espécie endêmica restrita ao vale do rio Indequicé, cortado inteiramente pela rodovia MG-010; D. Tapetes de grama-batatais repletos de braquiária ao lado da canaleta de drenagem da rodovia MG-010, tendo ao fundo os limites de área preservada, em vias de ser oficializada como RPPN; E. Área de recuperação que recebeu coquetel de hidro-semeadura, com ampla cobertura de aveia-preta (Avena strigosa), que não foi autorizada para plantio na região.

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Figura 4. Área ocupada por Brachiaria spp. na parte baixa do Parque Nacional da Serra do Cipó - MG. Cruzes azuis indicam manchas mapeadas em 2003; cruzes amarelas indicam manchas mapeadas em 2004, mostrando avanço ainda não detectável; losangos indicam manchas mapeadas em 2005, sendo as vermelhas de Brachiaria decumbens e as amarelas de Brachiaria brizantha. É bem claro o avanço ao longo da estrada de acesso aos atrativos mais visitados do Parque (Cachoeira da Farofa), em solos quartzosos aluvionais. A área extensamente ocupada por B. brizantha é recoberta por cerrado sobre latossolos.

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Figura 5. Ocorrência de Brachiaria decumbens (losangos vermelhos) e B. brizantha (losangos verdes) ao longo da rodovia MG-010, associadas a placas de grama, no trecho em pavimentação inserido na APA Morro da Pedreira.