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Disciplina: Metodologia Científica Autor: Carlos José Giudice dos Santos www.oficinadapesquisa.com.br 1 ORIGENS E POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO Ao longo da aventura em busca do conhecimento, vamos nos deparar com diferentes correntes de pensamento. Conhece-las é o caminho para podermos conhecer o mundo e um pouco mais de nós mesmos. Este texto vai fornecer uma breve definição de algumas dessas vertentes. RACIONALISMO É a corrente de pensamento que coloca a razão (ou lógica) como fonte suprema da verdade. Em outras palavras, é uma tendência de se observar e compreender o mundo exclusivamente por meio da razão. Deriva do latim ratio, que significa “razão”. Um dos primeiros teóricos do racionalismo é Sócrates, seguido por Platão. Sócrates pregava que o homem já nascia com o conhecimento, ou seja, o conhecimento é inato (nasce com a gente). Para provar o seu ponto de vista, Platão nos conta que Sócrates levou um escravo iletrado a deduzir um complicado teorema da matemática, fazendo perguntas certas nas horas certas, conduzindo o seu pensamento. Essa técnica, desenvolvida por Sócrates e denominada Maiêutica (o parto de idéias) prova que seria impossível alguém deduzir um teorema se já não tivesse um conhecimento lógico que o levasse a entender isso. De acordo com essa lógica, podemos compreender o mundo, porque já detemos o conhecimento. Assim, o conhecimento vem de dentro (do homem) para fora (o mundo). Essa afirmativa é reforçada séculos mais tarde pelo francês René Descartes, com sua célebre frase: “Penso, logo existo!”. EMPIRISMO É uma corrente de pensamento que se opõe radicalmente ao racionalismo. De acordo com os empiristas, o homem nasce como uma folha de papel em branco, e todo o conhecimento que ele adquire tem origem na experiência e na observação. Em outras palavras, o conhecimento vem de fora (mundo) para dentro (homem). Um dos primeiros empiristas foi Aristóteles, discípulo de Platão, que era racionalista. Aristóteles fez forte oposição ao mundo das idéias concebido por Platão. Essa oposição criou uma cisão entre os dois, dando início a uma discussão que persiste ainda hoje: o conhecimento é inato (nascemos com ele) ou depende das experiências, das percepções e dos sentidos? De acordo com os empiristas, a aquisição do conhecimento é sempre resultado de uma experiência prática. Por exemplo, como sabemos que o fogo queima? Existem três maneiras: pela própria

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Metodologia do Trabalho Científico

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Disciplina: Metodologia Científica

Autor: Carlos José Giudice dos Santos

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ORIGENS E POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO

Ao longo da aventura em busca do conhecimento, vamos nos deparar com diferentes correntes de

pensamento. Conhece-las é o caminho para podermos conhecer o mundo e um pouco mais de nós

mesmos. Este texto vai fornecer uma breve definição de algumas dessas vertentes.

RACIONALISMO

É a corrente de pensamento que coloca a razão (ou lógica) como fonte suprema da verdade. Em

outras palavras, é uma tendência de se observar e compreender o mundo exclusivamente por meio

da razão. Deriva do latim ratio, que significa “razão”.

Um dos primeiros teóricos do racionalismo é Sócrates, seguido por Platão. Sócrates pregava que o

homem já nascia com o conhecimento, ou seja, o conhecimento é inato (nasce com a gente). Para

provar o seu ponto de vista, Platão nos conta que Sócrates levou um escravo iletrado a deduzir um

complicado teorema da matemática, fazendo perguntas certas nas horas certas, conduzindo o seu

pensamento. Essa técnica, desenvolvida por Sócrates e denominada Maiêutica (o parto de idéias)

prova que seria impossível alguém deduzir um teorema se já não tivesse um conhecimento lógico

que o levasse a entender isso.

De acordo com essa lógica, podemos compreender o mundo, porque já detemos o conhecimento.

Assim, o conhecimento vem de dentro (do homem) para fora (o mundo). Essa afirmativa é reforçada

séculos mais tarde pelo francês René Descartes, com sua célebre frase: “Penso, logo existo!”.

EMPIRISMO

É uma corrente de pensamento que se opõe radicalmente ao racionalismo. De acordo com os

empiristas, o homem nasce como uma folha de papel em branco, e todo o conhecimento que ele

adquire tem origem na experiência e na observação. Em outras palavras, o conhecimento vem de

fora (mundo) para dentro (homem).

Um dos primeiros empiristas foi Aristóteles, discípulo de Platão, que era racionalista. Aristóteles fez

forte oposição ao mundo das idéias concebido por Platão. Essa oposição criou uma cisão entre os

dois, dando início a uma discussão que persiste ainda hoje: o conhecimento é inato (nascemos com

ele) ou depende das experiências, das percepções e dos sentidos?

De acordo com os empiristas, a aquisição do conhecimento é sempre resultado de uma experiência

prática. Por exemplo, como sabemos que o fogo queima? Existem três maneiras: pela própria

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experiência da pessoa se queimar com o fogo, pela observação de uma outra pessoa passando pela

experiência de se queimar, ou pelo relato de alguém que já passou por essa experiência.

O método empírico é a base do método científico experimental. Séculos depois de Aristóteles

surgiram diversos intelectuais que reforçaram que o conhecimento é resultado de uma experiência:

John Locke, Francis Bacon, George Berkeley e David Hume são os nomes mais conhecidos.

DOGMATISMO

É uma corrente de pensamento baseada em verdades consideradas como certas e inquestionáveis.

Em outras palavras, o conhecimento existe e possui respostas para tudo, desde que exista a fé, ou

seja, não pode ser questionado. Todas as religiões são baseadas em dogmas, mas o dogmatismo

não está presente apenas nas religiões.

Na filosofia, dogmáticos são os filósofos que defendem a idéia de que é possível se conhecer a

verdade, que é aquilo que nós percebemos como realidade. Assim, a exemplo do dogmatismo

religioso, defende que o homem tem a capacidade de atingir a verdade absoluta. Na religião, a

verdade absoluta é o divino; na filosofia, a verdade absoluta é a realidade.

Na ciência, os dogmas são raros, mas aparecem nas ciências formais ou lógicas sob o nome de

axiomas, ou seja, algo que é aceito como verdade e que não pode ser demonstrado. Um exemplo

que demonstra a existência dos axiomas é o conceito de ponto na matemática. O ponto não tem

dimensão; logo só existe no pensamento, pois algo que não tem dimensão é invisível em nossa

realidade. A reta é um conjunto de pontos, possuindo apenas uma dimensão. Em nossa realidade,

algo que tem apenas uma dimensão é também invisível. Portanto, o conceito de reta existe apenas

em nosso pensamento. Para que algo exista em nossa realidade, é necessário que tenha pelo menos

duas dimensões. Esse é o caso do plano, formado por um conjunto de retas. Esse conceito pode ser

visualizado e demonstrado, enquanto que o conceito de ponto e de reta não; aceitamos sem

demonstração.

CETICISMO

O ceticismo, em sua forma mais rigorosa, afirma a impossibilidade de se atingir a verdade. De certa

maneira, pode ser descrito como uma impossibilidade do conhecimento, pois duvida-se de tudo,

questiona-se tudo, até que sejam apresentadas provas concretas. Assim, o ceticismo é uma oposição

ao dogmatismo, o que coloca os céticos em uma situação de dúvida constante.

O senso comum coloca o cético como aquele que só acredita vendo (como Tomé, um dos apóstolos

de Jesus Cristo); o verdadeiro cético duvida até mesmo daquilo que ele vê.

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RELATIVISMO

É uma corrente de pensamento que afirma a não existência de verdades absolutas e universais, pois

a verdade varia conforme a época, cultura e local. Em outras palavras, a verdade é determinada pelo

meio em que as pessoas vivem.

Um exemplo do senso comum pode ilustrar melhor o que é o relativismo. Na África existe uma tribo

em que as mulheres são obrigadas desde criança a usar argolas de metal no pescoço e nas pernas.

Elas são conhecidas como mulheres girafas. Os pescoços dessas mulheres ficam tão esticados que

seria impossível para elas manterem o pescoço erguido caso as argolas fossem retiradas. Os

homens desta tribo consideram que elas são lindas; para a maioria de nós, isso causa

estranhamento, pois não faz parte de nossa cultura. Esse modo de pensar é aquilo que a

antropologia denomina como etnocentrismo.

Na filosofia, o relativismo filosófico é razão para muitas discussões sobre o que é a verdade. A ética,

por exemplo, está no centro dessas discussões filosóficas. Por exemplo, peguemos um exemplo de

Kant: deve-se buscar a verdade sempre, pois essa é a essência da filosofia. Se um amigo está

fugindo de alguém que o quer matar, e pede abrigo em sua casa, o que fazer? A resposta lógica seria

ajuda-lo, pois é para isso que servem os amigos. Entretanto, se a pessoa que quer matar o seu

amigo encontra você e te pergunta se você sabe onde está o seu amigo, o que você responderia?

Como fica a verdade nesse caso?

SUBJETIVISMO

É uma corrente de pensamento que afirma a não existência de verdades absolutas e universais, pois

a verdade varia conforme a experiência individual, ou seja, depende do indivíduo. Assim, a fonte da

verdade é o indivíduo. No senso comum equivaleria a dizer que cada um tem a sua verdade.

Dentro da filosofia, a estética é a vertente que mais calcada no subjetivismo. Por exemplo, cada

pessoa que aprecia uma obra de arte terá uma visão diferente e particular da mesma. É quase

impossível se obter um consenso nesse caso, porque a experiência de se apreciar uma obra de arte

é única, individual, depende da pessoa.

POSITIVISMO

Augusto Comte foi quem cunhou a palavra sociologia, e um dos fundadores da ciência positiva. De

acordo com Comte, o conhecimento humano passa por três estágios: o teológico (em que o mundo é

explicado no âmbito espiritual e religioso), o estágio metafísico (em que se busca causas e

explicações baseadas em abstrações racionais) e o último estágio, denominado positivo, em que o

método científico surge como base para determinar leis que regem e que explicam o mundo.

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CRITICISMO

É a base da pesquisa filosófica, pois a verdade consiste na busca da origem e da razão de todas as

coisas. Essa corrente de pensamento tem como base o pensamento de Immanuel Kant, filósofo

alemão do século XVIII considerado como uma dos mais brilhantes mentes de todos os tempos. Suas

tre obras mais famosas (Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica da faculdade de

julgar) são os pilares da corrente de pensamento que viria a ser conhecida mais tarde como

criticismo.

Kant elaborou a idéia de que a verdade pode, em parte, ser conhecida, por meio da síntese. Uma

idéia inicial (a priori) acerca de determinado assunto é a tese; uma opinião que fornece uma

argumentação contrária à tese inicial é a antítese. A síntese é o resultado posterior (a posteriori),

permeado pela experiência, combinando aspectos da tese e da antítese. Kant considerava que o

conhecimento é resultado da síntese entre a experiência e os conceitos, pois sem os nossos

sentidos, não seríamos capazes de perceber o mundo, mas sem o entendimento, seríamos

incapazes de formular conceitos sobre o mundo.

PRAGMATISMO

É uma corrente de pensamento de origem americana que adota a utilidade prática como razão maior

para a busca do conhecimento. Sua origem é atribuída a Charles Sanders Pierce, mas o

pragmatismo ganha mais força com as idéias de Dewey, que utilizou seus conceitos com fins

pedagógicos. O instrumentalismo, criado por Dewey a partir do pragmatismo, defende a idéia de que

os pensamentos são instrumentos para se trabalhar a realidade, e que essa realidade pode ser

mudada. A idéia de formação a partir da escola é o resultado prático das idéias educacionais de

Dewey.

BIBLIOGRAFIA

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LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. MATALLO JÚNIOR, Heitor. A problemática do conhecimento. In: CARVALHO, Maria Cecília Maringoni de (Org.). Construindo o saber – metodologia científica: fundamentos e técnicas. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1989. cap. I. p. 13-28. OSBORNE, Richard. Filosofia para principiantes. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental: a aventura das idéias dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.