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OLIVEIRA, Heitor M. Teoria, Análise e Nova Musicologia

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Trabalho sobre as tendências da nova musicologia em conflito com os aspectos de teoria e análise do passado.

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    OLIVEIRA, Heitor Martins. Teoria, anlise e nova musicologia: debates e perspectivas. Opus, Goinia, v. 14, n. 2, p. 100-114, dez. 2008.

    Teoria, anlise e nova musicologia: debates e perspectivas

    Heitor Martins Oliveira (FCP)

    Resumo: Este artigo apresenta uma reviso bibliogrfica de debates acadmicos envolvendo as reas de teoria da msica, anlise musical e nova musicologia. Pesquisadores da rea de teoria da msica responderam s crticas de formalismo e cientificismo das abordagens analticas tradicionais com as seguintes alternativas: discusso das distncias e proximidades entre as disciplinas, a ideia de voz da msica e suas possibilidades analticas, um redimensionamento da escuta estrutural, a reabilitao da experincia sensvel com a msica, a aplicao do empirismo na pesquisa sobre aspectos tcnicos do processo musical e a reavaliao da bibliografia terica e analtica. Verifica-se um processo de acomodao entre pressupostos modernistas, que caracterizavam a empreitada analtica da teoria da msica norte-americana do sculo XX, e ps-modernistas, que fundamentam as crticas e propostas da nova musicologia. Esse processo abre espao acadmico para uma abordagem analtica enriquecida, uma musicologia interpretativa, que aplica modos verbais de expresso para lidar com composies especficas como mais do que uma srie de procedimentos tcnicos, explorando questes de significado e associaes estticas e histricas diretas ou indiretas.

    Palavras-chave: teoria da msica; anlise musical; nova musicologia.

    Abstract: This paper presents a bibliographic review of academic debates involving the areas of music theory, musical analysis, and new musicology. Researchers in music theory have responded to the criticism of formalism and scientificism in traditional analytical approaches with the following alternatives: discussion of disciplinary spaces, the idea of voice of music and its analytical possibilities, rehabilitation of sensible experiences with music, empiric research on technical aspects of musical processes, and reevaluation of the theoretical and analytical bibliography. Therefore, there is a process of accommodation between modernist assumptions, which characterize the analytical enterprise of twentieth-century North-American music theory, and post-modernist assumptions, which support the critiques and propositions of new musicology. This process opens up the academic space for an enriched academic approach, an interpretative musicology that applyies verbal modes of expression to deal with specific compositions as more than a series of technical procedures, exploring matters of meaning, aesthetic and historical, direct and indirect associations.

    Keywords: music theory; musical analysis; new musicology.

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    m artigo publicado no ano de 2006, Antenor Corra prope uma reviso crtica da histria da anlise musical, buscando determinar sua relevncia como rea de estudo acadmico. O autor discute os desafios inerentes disciplina e seu papel

    na pesquisa musical como um todo, apontando tanto limitaes qualitativas de anlises meramente descritivas, quanto os dilemas epistemolgicos e metodolgicos de abordagens sofisticadas. Neste contexto, um dos autores citados por Corra Joseph Kerman, iniciador, a partir da dcada de 1960, de diversas crticas pesquisa acadmica musical.

    O ponto central do desafio de Kerman (1980) teoria da msica e anlise musical a afirmao de que esses campos de estudo se equivocaram pela postura modernista colocada em prtica por meio de modelos formalistas e cientificistas de investigao, pretensamente isentos de juzos de valor. A partir dessas crticas, a anlise deveria reconstituir-se como um tipo de crtica musical ps-modernista e pluralista, abarcando julgamentos estticos e histricos a partir da contextualizao mais ampla das obras musicais analisadas, visando insero da musicologia em debates das correntes principais das cincias humanas. (WILLIAMS, 2000, p. 385)

    As crticas de Kerman se dirigem tambm para o que classifica de positivismo factual da musicologia histrica tradicional. Respostas a essas crticas e aos paradigmas propostos pelo autor originaram novas linhas de pesquisa que, embora incluam uma enorme diversidade de abordagens, acabaram por constituir uma nova disciplina de estudos acadmicos sobre msica. Essa nova musicologia ou musicologia ps-moderna ope-se teoria da msica (nfase na estrutura da obra) e velha musicologia (nfase no cnon da msica erudita europeia), propondo-se a lidar com aspectos sociais, polticos e ideolgicos que as duas outras disciplinas no exploram. (McCRELESS, 1996, 8)

    Um dos exemplos mais clebres e polmicos dessa nova musicologia talvez seja a musicologia feminista de Susan McClary, que se prope a examinar construes culturais de gnero, sexualidade e corpo em diversos repertrios musicais. A autora apresenta, por exemplo, uma interpretao da recapitulao do primeiro movimento da Nona Sinfonia de Beethoven como expresso de uma ira assassina com motivaes sexuais. (apud COOK, 2001, p. 171)

    Embora as caracterizaes de positivismo e formalismo de Kerman fossem verdadeiras caricaturas, (COOK; EVERIST, 2001, p. vii) a simples reafirmao das metodologias analticas e seus pressupostos (alternativa defendida, por exemplo, por KINTON, 2004) uma resposta insuficiente para os desafios da nova musicologia, uma vez que os prprios mtodos e pressupostos precisam ser reavaliados como produtos culturais e histricos. (CORRA, 2006, p. 40) Portanto, a nova musicologia desafiou parmetros

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    disciplinares tidos como certos, exigindo que diversos aspectos dos estudos musicais acadmicos sejam repensados. (COOK; EVERIST, 2001, p. vii)

    O nmero 2, do volume 2 do peridico Music Theory Online, em 1996, foi dedicado busca de alternativas para os desafios enfrentados pela teoria da msica e anlise musical diante da nova musicologia. O nmero consiste em seis contribuies, representando seis abordagens temtica. A reviso desses textos permite levantar algumas das principais questes pertinentes a esse relevante debate para os estudos musicais acadmicos. Esse artigo configura-se, portanto, como reviso bibliogrfica, discutindo as contribuies dos seis autores, relacionando-as entre si e com trabalhos posteriores.

    Distncias e proximidades entre disciplinas

    McCreless (1996) introduz o grupo de artigos com uma discusso sobre o aspecto disciplinar dos debates entre teoria da msica e nova musicologia. Ele chama ateno para o fato de que esses debates refletem como as disciplinas se definem, propem formas especficas de pensar, construir, acumular e difundir conhecimento, ao mesmo tempo em que estabelecem relaes de poder. O autor adota, portanto, uma perspectiva em que poder e saber esto diretamente implicados; que no h relao de poder sem constituio correlata de um campo de saber, nem saber que no suponha e no constitua ao mesmo tempo relaes de poder. (FOUCAULT, 2007, p. 27)

    Assim, sua descrio do surgimento da prpria verso contempornea e norte-americana da teoria da msica enfatiza a atitude de pesquisadores que superaram a funo de meros professores de disciplinas tericas, construindo para si o espao profissional em universidades e a associao especfica da rea, separada das reas de musicologia e composio. Essas iniciativas efetivamente fundaram a disciplina ao mesmo tempo em que proporcionaram uma indita apropriao de poder, por meio da insero no mecanismo acadmico de produo de conhecimento. (McCRELESS, 1996, 3-7) Sob esse ponto de vista, o surgimento da nova musicologia, que se utilizou justamente da insistncia da teoria da msica sobre a obra e sua estrutura como contraste necessrio ao estabelecimento de suas prprias premissas, (McCRELESS, 1996, 8) pode ser interpretado como uma ameaa velada s disciplinas estabelecidas anteriormente (COOK, 2001, p. 170) ou at mesmo como uma disputa aberta por espao em publicaes e empregos universitrios. (GUCK, 1996, 39)

    Para McCreless (1996, 10) necessrio superar uma discusso simplista voltada

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    para a mera atribuio de rtulos ou estabelecimento da abordagem mais correta ou mais avanada. As diferenas entre os tipos de discurso devem ser colocadas na sua devida perspectiva disciplinar. O autor prope, portanto, que as discusses sobre teoria da msica e nova musicologia sejam consideradas em termos dos espaos que separam e aproximam as linhas de pesquisa de cada disciplina.

    A voz da msica e alternativas analticas

    Para Burnham, (1996, 1-3) qualquer pea musical, por mais simples que seja, pode ser abordada de pelo menos duas maneiras. Uma das possibilidades a tentativa de desvendar os sentidos da pea a partir de uma matriz cultural, que o autor associa ao discurso acadmico da nova musicologia. Entender o funcionamento da pea em termos das tcnicas musicais empregadas a alternativa claramente associada ao discurso da teoria da msica.

    O autor argumenta que tanto anlises ideolgicas quanto tcnicas levam em conta os clichs que foram, ao longo da histria, adicionados gramtica da msica. Esses clichs constituem um sentido compartilhado da msica em si mesma, construdo em parte pelo treinamento do msico profissional e em parte pelo que o autor identifica como uma tendncia a generalizar o nosso conhecimento sobre msica a partir de prottipos palpveis. Agawu (1996, 11) tambm chama ateno para o fato de que as anlises da nova musicologia se baseiam em concepes tradicionais de elementos tcnicos da msica ocidental.

    Para Burnham, (1996, 15) interpretaes de significado da msica pressupem a existncia de uma voz prpria da msica. A relevncia da teoria da msica se estabelece, portanto, como uma forma de considerar no apenas o que a msica significa, mas como ela significa. O autor admite, entretanto, que as crticas da nova musicologia so vlidas para provocar reflexes sobre os pressupostos ideolgicos da teoria e sobre o desinteresse despertado atualmente por discusses unicamente tcnicas. Assim, embora a teoria da msica seja relevante ao considerar as tcnicas musicais, precisa fazer mais em termos de conectar as consideraes sobre essas tcnicas com valores humanos em geral. (BURNHAM, 1996, 16)

    Posteriormente, Burnham (2001) retoma essa argumentao no contexto especfico de uma discusso sobre interpretaes do contedo potico da msica. Volta a diferenciar a anlise musical que enfatiza uma viso da msica como linguagem autnoma da interpretao do contedo potico que supe a possibilidade de associar outros tipos de significados s obras musicais. Para o autor, todos ns acolhemos um sentido da

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    msica como msica, assim como um sentido da msica como algo que nos fala de coisas que no so necessariamente musicais. (BURNHAM, 2001, p. 215) 1 Assim, as duas possibilidades no so excludentes, mas representam os dois lados de uma relao dialgica que estabelecemos com a msica, pressupondo que temos autoridade para falar sobre msica e que a msica tem autoridade para falar sobre ns. (BURNHAM, 2001, p. 216) 2 Dessa maneira, o autor complementa sua noo de voz da msica, construindo uma premissa sobre a qual as duas possibilidades analticas podem ser vistas como atividades complementares.

    Quanto ao dilema entre teoria da msica e nova musicologia abordado no artigo de 1996, a concluso de Burnham que as disciplinas dividem pressupostos sobre a materialidade da msica e sobre prottipos musicais palpveis que as aproximam e torna possvel um dilogo entre elas. A considerao crtica desses pressupostos uma tarefa central e compartilhada entre as disciplinas. Entre outras coisas, esse tipo de explorao compartilhada envolveria uma nova nfase no papel do corpo, pois isso est no centro da minha preocupao sobre prottipos palpveis e os prazeres da teoria da msica. (BURNHAM, 1996, 21) 3 Como exemplo de pesquisas que visam esse objetivo, menciona trabalhos de Lawrence Zbikowski e Janna Saslaw que exploram a aplicao das teorias de modelos conceituais e metforas conceituais provenientes da lingustica cognitiva rea de teoria da msica.

    Redimensionamento da escuta estrutural

    O ponto de partida para a contribuio de Dubiel (1996) ao nmero especial do Music Theory Online foi um debate sobre a abordagem de Rose Rosengard Subotnik, pesquisadora ligada s correntes da nova musicologia, msica contempornea no contexto de sua explorao de diferentes tipos de escuta. (SUBOTNIK, 1988) A escuta estrutural associada anlise musical criticada por Subotnik, sendo definida como um mtodo que focaliza as relaes formais estabelecidas ao longo de uma composio, em

    1 ...we all harbour a sense of music as music as well as a sense of music as speaking to us of things that are not necessarily musical.

    2 We assume that we have the authority to speak about music and that music has the authority to speak about us.

    3 Among other things, this type of shared exploration would involve a shift to the role of the body, for this is at the heart of my concern about palpable prototypes and the pleasures of music theory.

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    oposio a outro tipo de escuta, que ao invs da estrutura, se concentraria na manifestao sensual de valores culturais. Embora assevere que esse segundo tipo de escuta descrito por Subotnik seja difcil at mesmo de definir claramente, Dubiel (1996, 3) reconhece que os tericos no devem ignor-lo.

    O autor parte das prprias definies de Subotnik para levantar um questionamento: as referncias culturais presentes em diferentes estilos no podem ser consideradas estruturais, uma vez que se fazem evidentes nas relaes que estabelecem entre si dentro da pea? Assim, embora concorde com a crtica ao formato tradicional da chamada escuta estrutural, Dubiel questiona o redimensionamento proposto por Subotnik para a questo, que se baseia no que ele considera uma definio propositalmente limitante da estrutura, insistindo na sua autonomia de quaisquer influncias externas.

    Dubiel (1996, 9) questiona a ideia que sustenta a definio de Subotnik, de que a estrutura musical autnoma conteria uma lgica com certo grau de obrigatoriedade. Essa obrigatoriedade lgica, associada atribuio de uma identidade estrutural a partir das partes componentes e relaes estabelecidas ao longo da pea, uma tautologia: se a escuta privilegiasse outros componentes e relaes, ento a identidade atribuda obra seria outra. Uma noo convincente de lgica estrutural deveria lidar com maiores complexidades, envolvendo as configuraes sonoras, a inteno de produo de um efeito e as reaes do ouvinte.

    A noo de estrutura proposta pelo autor pretende-se mais abrangente, no se limitando atribuio de uma lgica redundante e pr-determinada. O terico deve, ao contrrio, assumir uma atitude de buscar considerar qualquer coisa que se escuta numa obra como aberta interao auditiva com qualquer outra coisa, em relaes que podem afetar sua identidade percebida, o significado atribudo a esse som. (DUBIEL, 1996, 11) A realizao dessa concepo depende de que o terico passe a trabalhar com tipos mais variados de categorias de som, mesmo aquelas consideradas subjetivas. Assim, Dubiel redefine a estrutura musical como o que quer que acontea ao longo da obra, conforme caracterizada por meio do recurso a quaisquer conceitos que ajudem a tornar a identidade da obra especfica e interessante para ns. (DUBIEL, 1996, 19) 4

    Dubiel (1996, 20) conclui com uma proposta de redimensionamento da escuta estrutural como a designao de certa direo da atividade interpretativa, que enfatiza a atribuio de identidade de cada som de acordo com as relaes nas quais entendemos que esse som se envolve. Nessa perspectiva, a anlise musical assume carter interpretativo,

    4 ...as characterized through the deployment of whatever concepts help to make the work's identity specific and interesting for us.

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    aproximando ou mesmo definindo a disciplina como uma forma de hermenutica. (SAMSON, 2001, p. 46) A atribuio de significado msica, embora possa ir muito alm, inicia com a prpria percepo dos sons como msica. Essa concepo combate a separao entre som e significado, possibilitando uma abordagem analtica sem distino entre fatores supostamente internos ou externos, rigorosos ou contingentes das caractersticas atribudas aos sons. (DUBIEL, 1996, 20)

    Experincia sensvel com a msica

    O artigo Music loving, or the relationship with the piece, de Marion Guck uma contribuio singular ao debate sobre as possibilidades de reformulao da anlise musical. A autora parte, como McCreless, (1996) de consideraes sobre os embates entre os diferentes tipos de discursos acadmicos. Chama ateno para a tendncia questionvel de tentar legislar sobre o trabalho de outros pesquisadores, que parece refletir uma inteno mais ou menos velada de sufocar opinies divergentes. (GUCK, 1996, 3)

    Guck (1996, 9-12) segue Maus (1993) e Tomlinson (1993) na caracterizao das duas tradicionais alternativas disciplinares de estudos acadmicos da msica como formas de escapar da descrio da experincia sensvel da msica, o amor pela msica, que est na raiz do interesse de todo pesquisador pela msica que estuda. A musicologia seria uma forma de distinguir ou separar a pesquisa da prpria experincia musical, pela nfase em dados histricos sobre a msica. A teoria da msica, por sua vez, seria a transformao ou sublimao dessa experincia, por meio da descrio tcnica do processo musical.

    A alternativa proposta pela autora a descrio direta de experincias, sensaes e prazeres, em termos de percepes subjetivas suscitadas pela interao com peas musicais. A relevncia dessa abordagem sustentada a partir de uma crtica concepo da obra musical como uma entidade independente. Para a autora, essa concepo consiste numa fico retrica do discurso acadmico e no considera os poderes da msica para envolver o indivduo como um todo. Na realidade, a msica existe apenas na interao entre os sons e o corpo-e-mente de um indivduo, (GUCK, 1996, 14)5 uma interao inescapvel, subjetiva, mediada pela cultura e em parte moldada pela prpria obra musical. (GUCK, 1996, 15)

    Assim, para Guck (1996, 34), a anlise musical a articulao de um processo de crescente conscincia, proximidade e imerso no prazer propiciado pela msica. Essa

    5 Music exists only in the interaction between sound and the body-and-mind of an individual.

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    abordagem, que Marion Guck aplica sua prtica pedaggica, no encontra espao na produo bibliogrfica em teoria e anlise. Na avaliao da autora, a subjetividade musical geralmente sobreposta por consideraes de ordem contextual, histrica ou social. Predomina a tendncia de evitar a exposio pblica de aspectos considerados privados, nesse caso o poder que a msica exerce sobre ns.

    Empirismo na pesquisa sobre os processos musicais

    Brown (1996) destaca que os debates entre teoria da msica e nova musicologia suscitam importantes questionamentos sobre a ideologia e escopo, assim como da maneira de conduo de pesquisas sobre tcnicas musicais. O autor apresenta uma diversidade de consideraes sobre pressupostos e mtodos da teoria da msica anteriormente estabelecida, os desafios enfrentados a partir do surgimento da nova musicologia, bem como respostas e alternativas construdas a partir da reflexo sobre ideias de diversos autores.

    interessante destacar que Brown defende uma abordagem cientfica para a teoria da msica e um modelo dedutivo-nomolgico para a pesquisa tcnica sobre o processo musical, preconizando a possibilidade de generalizaes que permitam predies e confirmao intersubjetiva. (BROWN; DEMPSTER, 1989; DEMPSTER; BROWN, 1991) Em sua contribuio ao nmero especial do Music Theory Online, o autor aborda a temtica de um ponto de vista mais abrangente, procurando lidar com seus principais desdobramentos epistemolgicos e metodolgicos. Resume os questionamentos e propostas da nova musicologia como uma substituio sucessiva dos princpios de objetividade, verdade e autonomia por subjetividade, relativismo e contextualismo.

    Brown (1996, 1) busca uma posio que represente equilbrio entre concesses necessrias a esses questionamentos e propostas e a manuteno de princpios que garantam a relevncia da pesquisa sobre tcnicas musicais. Ao longo da sua argumentao, admite que anlises sejam sempre condicionadas por teorias, mas no que no exista qualquer tipo de materialidade da pea musical na ausncia do ouvinte. Admite que anlises musicais tambm sejam provisrias e incompletas, mas no que sejam simples interpretaes equivocadas. Admite que peas musicais no possam ser explicadas de maneira completamente autnoma, embora sustente que no h como afirmar que conhecimentos culturais, intertextuais ou subjetivos sejam mais relevantes ou fundamentados que outras formas de conhecimento.

    O autor diferencia positivismo e empirismo, duas das acusaes imputadas teoria da msica, admitindo a necessidade de abrir mo do primeiro, mas defendendo a

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    permanncia do segundo como premissa metodolgica redimensionada. O positivismo, doutrina de produo do conhecimento por meio do mtodo cientfico clssico, no pode ser sustentado diante da impossibilidade de traar uma linha divisria entre observaes e teoria. O empirismo, entretanto, mantm sua relevncia, no como teoria da verdade, mas como teoria da evidncia, que embora no fornea verdades absolutas, pode nos dar resultados que cobrem respostas existentes, realizam predies precisas de eventos futuros e podem ser repetidos por outros pesquisadores. (BROWN, 1996, 11) 6

    A partir dessas consideraes, Brown reafirma sua proposta de uma teoria da msica naturalizada, ou seja, um campo de estudo acadmico que privilegie evidncias empricas como parmetro de julgamento de anlises e teorias, bem como formulao de generalizaes que conectam propriedades tidas como estticas e no-estticas. Essa proposta associa intimamente a teoria da msica com reas como psicoacstica, psicologia cognitivista e neurobiologia, trazendo o sujeito do conhecimento de volta ao mbito da discusso, de tal forma que vises privadas possam ser confirmadas intersubjetivamente por meio de testes empricos. (BROWN, 1996, 13)

    Embora no faa referncia direta a Brown, (1996) Gjerdingen (2001) questiona esse tipo de proposta de naturalizao da disciplina, a partir da discusso de alguns estudos que seguem a linha do se poderia denominar uma teoria experimental da msica. As dificuldades que o autor aponta passam, principalmente, pela interpretao dos resultados dos experimentos, que ocorre numa rea indefinida de interseco entre disciplinas com histrias, tpicos e objetivos profissionais totalmente distintos. (GJERDINGEN, 2001, p. 162)

    Sem desprezar o potencial de contribuio das cincias experimentais para a compreenso de alguns aspectos da msica, Gjerdingen discorda, entretanto, que a prpria teoria da msica possa se tornar uma cincia experimental. Os motivos que ele apresenta para essa impossibilidade so os componentes histricos e crticos das reas de interesse da disciplina e a falta de treinamento especfico dos profissionais para os padres da pesquisa experimental. Defende a colaborao de tericos da msica com psiclogos, fsicos, neurologistas e outros, desde que haja cuidado para adequar as premissas do discurso acadmico da teoria da msica ao desafio de traduo para domnios onde impreciso nunca confundida com sutileza. (GJERDINGEN, 2001, p. 169) 7

    6 Although empiricism never gives us absolute truth, it can give us results that cover existing answers, make accurate predictions of future events, and are repeatable by other researchers.

    7 ... translation into domains where inexactitude is never mistaken for sublety.

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    Reavaliao da bibliografia terica e analtica

    Disponibilizada dois nmeros depois,8 a contribuio de Kofi Agawu, (1996) pesquisador com publicaes nas reas de teoria da msica, etnomusicologia e semiologia da msica, enfatiza uma rplica em tom polmico aos questionamentos feitos pela nova musicologia s prticas de anlise musical. O autor parte da afirmativa de que essa prtica fundamental e inescapvel a todo e qualquer ramo de pesquisa acadmica que tome a msica como objeto de estudo. A anlise, como considerao da estrutura tcnica de uma composio, apresenta-se como ponto de partida para apreciaes do contedo esttico da obra. (AGAWU, 1996, 1-2)

    Retomando tambm os principais pontos das crticas de Kerman, (1980) Agawu (1996, 5) apresenta uma firme contestao da acusao, que considera simplista, de formalismo das metodologias consagradas de anlise musical. Para o autor, uma anlise musical consiste na construo de argumentos e comentrios para conectar, de maneira coerente, os padres sonoros observados em uma pea. Dessa maneira, a alternativa da nova musicologia de problematizar a fissura entre o musical e o extra-musical por meio de referncias a histrias, programas, cenrios emocionais e outros expedientes apenas substitui o tipo de comentrio associado aos padres observados, sem alterar a natureza do processo.

    Agawu (1996, 6-8) no dispensa crticas ao que considera indefinio proposital de princpios gerais para essa nova musicologia. Denuncia uma utilizao oportunista do pluralismo como base de profecias em benefcio prprio. Essas profecias incluem o anncio do fim da musicologia tradicional, que deveria ser substituda por uma srie de estratgias ps-modernas de compreenso. Entretanto, admite que, destitudos de suas conotaes polticas no contexto do jogo de disputas de poder na hierarquia acadmica, os princpios epistemolgicos defendidos por Kerman (1980) representam uma interessante e necessria iniciativa para superar o conservadorismo e complacncia que dominam a musicologia e a teoria da msica.

    Quanto temtica especfica da anlise musical, Agawu (1996, 11) afirma que os pesquisadores associados nova musicologia que utilizam algum tipo de anlise para fundamentar suas afirmaes no oferecem abordagens novas, mas simplesmente utilizam metodologias tradicionais. Como enfatiza Cook, (2001, p. 170-171) ao comentar esse

    8 Embora relacionado na lista de contribuies do nmero 2 do volume 2, pela sua pertinncia para o tema, o texto do artigo Analyzing music under the new musicological regime, por questes editoriais, s foi disponibilizado online no nmero 4 do mesmo volume.

  • Teoria, anlise e nova musicologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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    trecho do artigo de Agawu, essas metodologias so disfaradas como senso comum, com a nfase sempre recaindo sobre a interpretao e nunca sobre a anlise subjacente a ela. Para ambos os autores, essa abordagem interpretativa da msica como discurso social atinge um impasse, ao se mostrar incapaz de lidar com a riqueza de detalhes oferecida por anlises explicitamente baseadas em teorias e metodologias da disciplina tida como rival.

    A seguir, Agawu (1996, 17-21) revisa uma srie de trabalhos anteriores no campo da teoria da msica com abordagens que lidam indiretamente com questionamentos apresentados pela nova musicologia. Os trabalhos mencionados incluem aplicaes da fenomenologia e conceitos da crtica literria, leituras hermenuticas de complexas anlises mtricas ou harmnicas, explorao e reavaliao de pressupostos de determinadas metodologias, dentre outras temticas inovadoras e/ou crticas. O livro Rethinking music, organizado por Cook e Everist, (2001) um exemplo mais recente de continuidade da tendncia identificada por Agawu, incluindo trabalhos que representam respostas aos desafios da nova musicologia, tanto no campo da teoria da msica quanto da musicologia.

    A concluso de Agawu, (1996, 22) diante da reviso dessa bibliografia, que a teoria da msica, independente de alertas externos, est ciente das limitaes e aprofundamentos necessrios sua rea especfica de atuao. Alm disso, argumenta que a nova musicologia deve observar com maior discriminao a variada produo intelectual da disciplina que considera rival. Por fim, lana um desafio, propondo que a nova musicologia desenvolva abordagens analticas que superem as dificuldades que suas prprias crticas identificam.

    Consideraes finais

    O principal aspecto em que os artigos revisados nas sees anteriores convergem pode ser sintetizado como o reconhecimento de que a

    msica que pertence a um lugar, tempo e personalidade composicional especfica no deve ser seriamente abordada como se fosse separada do mundo e de todas as incertezas que incidem assim que buscamos explicar culturas como tambm processos de pensamento de seres humanos individuais. (WHITTALL, 2001, p. 75) 9

    9 ... music which belongs to a particular place, time, and compositional persona should not be seriously written about as if it were separate from the world and from all the uncertainties which impinge as soon as we seek to explain cultures as well as the thought-processes of individual human beings.

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    Portanto, possvel afirmar que os autores se incluem numa busca pela incorporao de propostas da nova musicologia anlise musical, tambm presente em trabalhos posteriores (por exemplo, COOK, 2001, p. 174). As divergncias entre eles podem ser entendidas como resultantes de diferentes abordagens para adequar as pesquisas sobre aspectos tcnicos do processo musical aos desafios do pressuposto de contextualizao expresso na citao acima.

    Um dos desafios a prpria ontologia da msica, ou seja, as caractersticas associadas natureza da msica na condio de objeto de estudo acadmico. (BOHLMAN, 2001, p. 17) Dentre as contribuies do debate publicado pelo peridico online norte-americano, Guck (1996, 14) representa o maior grau de crtica concepo da obra de arte autnoma, paradigma dominante na ontologia acadmica, enfatizando a interao entre o ouvinte e os sons como condio de surgimento da msica. Brown, (1996, 5) por sua vez, enfatiza que cada obra musical possui caractersticas fsicas especficas que condicionam a anlise que se faz dela. Esses dois autores, assim como os demais, concordam, entretanto, que os dois aspectos devem ser considerados e equilibrados. Embora no seja possvel garantir a sua existncia separada da observao e interpretao do ouvinte, a noo de trao material da msica uma necessidade terica, para viabilizao, por exemplo, do estudo da diversidade de significados atribudos a uma mesma obra musical. (COOK, 2001, p. 181)

    A caracterizao da perspectiva de abordagem da msica outra questo fundamental do debate. Tambm envolve dois aspectos contrastantes que os autores buscam reconciliar. Burnham (1996) quem mais enfatiza essa questo ao trabalhar com a noo de voz da msica e os significados atribudos a ela. O dilema abordado por esse autor mesmo sintetizado em perguntas formuladas posteriormente por Bohlman (2001, p. 33): A msica deve ser abordada a partir de seus aspectos internos ou externos? A msica sobre si mesma? Ou sobre outras prticas humanas? A teoria da msica deve buscar alternativas que permitam a conciliao entre esses dois aspectos, de maneira a se adequar ao pressuposto de contextualizao e, ao mesmo tempo, manter a relevncia da abordagem de aspectos tcnicos do processo musical que caracteriza a disciplina.

    No aspecto metodolgico, h mais divergncias entre os autores que contriburam para o nmero especial do Music Theory Online. Novamente, Guck, (1996, 34) com sua proposta de anlise como descrio do processo de experincia sensvel subjetiva com a msica, e Brown, (1996, 13-15) com sua proposta de naturalizao da teoria da msica, representam as vises mais contrastes. Nesse caso, entretanto, no se tratam simplesmente de dois plos a serem conciliados, mas de uma gama de opes cuja proposio, justificativa e fundamentao permanecem abertas.

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    O amplo debate apresentado aqui pontualmente, por meio da reviso de uma coletnea especfica de artigos, j foi caracterizado como um processo de acomodao entre pressupostos modernistas, que caracterizavam a empreitada analtica da teoria da msica norte-americana do sculo XX, e ps-modernistas, que fundamentam as crticas e propostas da nova musicologia. (WILLIAMS, 2000, p. 387-388) Esse processo abre espao acadmico para uma abordagem analtica enriquecida, uma musicologia interpretativa, que aplica modos verbais de expresso para lidar com composies especficas como mais do que uma srie de procedimentos tcnicos, explorando questes de significado e associaes estticas e histricas diretas ou indiretas. (WHITTALL, 2001, p. 74)

    Diversos estudos recentes adotam verses particulares dessa abordagem. O prprio peridico Music Theory Online, por exemplo, publicou artigos como A Musical Gesture of Growing Obstinacy, (GOLDENBERG, 2006) Contextual Drama in Bach (SOBASKIE, 2006), The Power of Anacrusis: Engendered Feeling in Groove-Based Musics (BUTTERFIELD, 2006) e Debussy and Recollection: trois aperu, (MARION, 2007) cujos ttulos j deixam transparecer o compromisso com a preocupao de contextualizao esttica e/ou sensvel. Na bibliografia brasileira, trabalhos da rea de composio musical como Ritornelo: composio passo a passo (FERRAZ, 2004) e Composio por metforas (GARCIA, 2007) constroem relaes entre aspectos tcnicos e consideraes intelectuais e estticas da produo de compositores-pesquisadores.

    Esses trabalhos representam interessantes, embora particulares, alternativas aos atuais desafios epistemolgicos e metodolgicos em teoria e anlise musical. Podem tambm servir de parmetro para o refinamento reivindicado por Corra (2006, p. 47 e 52) nas prticas de anlise musical em trabalhos acadmicos, aprofundando sua associao significativa aos aspectos crticos, composicionais e interpretativos dos estudos musicais.

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    Heitor Martins Oliveira professor de teoria musical e canto coral na Fundao Cultural de Palmas (FCP), Tocantins, com formao pela Universidade de Braslia (Bacharelado em Msica e Licenciatura em Educao Artstica) e pela Texas State University-San Marcos (Mestrado em Msica). Como compositor e clarinetista, integra o Grupo Palmas-Msica atuando na formao de plateia para msica de cmara no estado do Tocantins.