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8 PAÍS Domingo 29/7/2018 Diário de Notícias
FILOMENA NAVES
Otempo anda avariado. Desde que começou, o verão tem sido uma sucessão imparável de fenómenos anómalos por todo o hemisfério norte, com ondas de calor intensas influenciadas por secas, e incên-dios florestais que não dão tréguas junto ao Ártico, enquanto noutras
regiões, como Portugal e Espanha, se vivem temperaturas abaixo da média para a épo-ca – só esta semana, a partir de quinta-feira, deverá chegar, finalmente, o verão a sério. Até agora tem sido tudo ao contrário – a úl-tima sexta-feira foi o dia mais quente deste ano no continente europeu, com os termó-metros a chegar aos 37º Célsius no Reino Unido e aos 39 graus na Alemanha... e com Portugal fora destas contas.
A história repete-se nos outros continen-tes: ondas de calor mortíferas na Califórnia (Estados Unidos), Quebeque e Ontário (Ca-nadá), Sibéria e Japão, enquanto noutras re-giões destes países faz frio e é preciso andar de guarda-chuva (ver gráfico).
Todos juntos, estes fenómenos fazem soar os alarmes e deixam uma certeza: já anda aqui a marca das alterações climáti-cas. Como explica o investigador Ricardo Trigo, que lidera o grupo de climatologia do
Fenómenos extremosA primeira metade deste verão está marcada por uma série de eventos meteorológicos extremos em todo o hemisfério norte
A Escandinávia (Dinamarca,Suécia e Noruega) vive uma prolongada onda de calor, assim como a Holanda e a Alemanha
No círculo polar árctico registaram-se temperaturas da ordem dos 30 graus vários dias seguidos
+
17 julhoBadufoss (Noruega) 33,5 graus
+
+
+
+
+
Junho e JulhoJunho e Julho
28 junhoEscócia (Reino Unido) 33,2 graus
7 julhoLos Angeles(EUA) 26,1 grausde mínima(à noite)
Califórnia e Arizona em onda de calor em julho
Califórnia enfrentatambém incêndios fortes
Chino(EUA) 48,9 grausde máxima
5 julhoOuargla(Argélia) 51,3 graus
28 junhoQuriyat(Oman) 42,6 graus(mínima)
JulhoMais de 50 incêndios florestais na Suécia
É o verão mais seco no Reino Unido desde que há medições (mais de um século)
Suécia
Dinamarca
Alemanha
Rep. Checa
Suíça
Áustria
Itália
Polónia
Estónia
Letónia
Lituânia
Bielorrússia
Ucrânia
Turquia
Onda de calor e seca total na Irlanda
EUA
CANADÁ
ARGÉLIA
LÍBIAEGITO
TUNÍSIAMARROCOS
OceanoAtlântico
Mar Mediterrâneo
OceanoÁrctico
OceanoPacífico Oceano
Índico
No leste do Canadá houve temperaturas de -1 grau (raro nesta altura do ano)
Onda de calor combinada com altos teores de humidade no Quebec faz 93 mortos
-
- -
Julho
Choveu 150% mais do que a média mensal para Junho, em Portugal.Julho teve temperaturas abaixo da média para época
Temperaturas baixaspara a época e chuvasacima da médiaem Espanha
QUEBEC
OMÃ
ESPANHA
PAÍSES EM SECA NA EUROPAIrlanda
Reino Unido
França
Bélgica
Holanda
Noruega
Finlândia
PORTUGAL
Onda de calor
LEGENDA:
Recorde detemperatura
Mortos
Temperaturas altas
Temperaturas baixas
Excesso de precipitação
Seca
Incêndios florestais
Ventos fortes
+
-
Julho
Círculo polar árctico
O Norte de África esteve em onda de calor no início do mêse está agora de novo
Ondas de calor deste verão serão o novo normal neste século Calor a mais, frio onde é suposto estar calor, tempestades ferozes, secas e incêndios mortíferos. O verão está muito, muito esquisito. Saturada dos gases com efeito de estufa, a atmosfera começa a responder com fenómenos extremos cada vez mais frequentes, intensos... e muito assustadores.
Especial 17AÇORIANO ORIENTAL QUARTA-FEIRA, 1 DE AGOSTO DE 2018
+
18 julhoMakkaur (Noruega) 25,2 graus
+
+
++
+23 julhoKumagaya(Japão) 41,1 graus
Junho e Julho
Junho e Julho
17 julhoKevo(Finlândia)
23 de JulhoNo dia em que começaram os incêndios na Grécia (que fizeram até agora 88 mortos e 47 feridos hospitalizados),estavam 38ºCe ventos fortes de oeste
Excesso de precipitação(28 jun-8 jul),
duas a quatro vezes a média
mensal no Japão, desencadeoudeslizamento
de terras e inundações que causaram cerca
de 200 mortos
Onda de calor que se seguiu, com
temperaturas máximas muito elevadas,
causou 80 mortos
No norte da Sibéria registaram-se temperaturas excecionalmente altas. Entre 9 e 16 de julho houve vários dias consecutivos com temperaturas superiores a 30ºC
Região de Krasmoyarsk registou anomalias de mais sete graus acima da média e fogos florestais que consumiram mais de 80 mil hectares de floresta
Hungria com tempo frio, chuvas e tempes-tadades, ao contrário do que é normal nesta época
r râneo
Mar Negro
anoco
-
SIBÉRIA
COREIADO SUL
JAPÃO
GRÉCIA
HUNGRIA
Krasmoyarsk
Gangneung (Coreia do Sul) 31 grausde mínima
Hayang(Coreia do Sul) 39,9 graus de máxima
JulhoOnda de calor na Coreia do Sul, com máximas persistentes acima dos 35ºC com 10 mortos contabilizados
1 2Fonte: OMM e European
Drought Observatory (EDO)
Infografia: Tânia Sousa/DN
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O tempo anda avariado. Desde que co-meçou, o verão tem sido uma sucessão imparável de fenómenos anómalos por todo o hemisfério norte, com ondas de calor intensas influenciadas por secas, e incêndios florestais que não dão tré-guas junto ao Ártico, enquanto noutras regiões, como Portugal e Espanha, se vi-vem temperaturas abaixo da média para a época – só esta semana, a partir de quinta-feira, deverá chegar, finalmen-te, o verão a sério. Até agora tem sido
FILOMENA NAVES DN/Açoriano Oriental tudo ao contrário – a última sexta-fei-
ra foi o dia mais quente deste ano no con-tinente europeu, com os termómetros a chegar aos 37º Célsius no Reino Unido e aos 39 graus na Alemanha... e com Por-tugal fora destas contas.
A história repete-se nos outros con-tinentes: ondas de calor mortíferas na Califórnia (Estados Unidos), Quebe-que e Ontário (Canadá), Sibéria e Ja-pão, enquanto noutras regiões destes países faz frio e é preciso andar de guar-da-chuva (ver gráfico).
Todos juntos, estes fenómenos fazem
soar os alarmes e deixam uma certeza: já anda aqui a marca das alterações cli-máticas. Como explica o investigador Ricardo Trigo, que lidera o grupo de cli-matologia do Instituto Dom Luiz da Fa-culdade de Ciências da Universidade de Lisboa, “não há dúvida de que as altera-ções climáticas estão aí e que há hoje uma maior probabilidade de ocorrerem alguns destes fenómenos extremos, como as secas no mediterrâneo, as on-das de calor no sul e norte da Europa, e também tempestades mais fortes”.
Massas de ar paradas Para explicar os padrões alterados des-te verão é preciso olhar para a circu-lação atmosférica, que nos últimos dois meses não tem sido a habitual para esta época do ano. Na Europa, a “culpa” do verão atípico é de uma mas-sa de ar (um anticiclone de bloqueio) que se tem mantido muito para nor-te, impedindo que as depressões que vêm do Atlântico cheguem ao conti-nente nas latitudes do Reino Unido, Irlanda, ou mais a norte ainda, como é habitual nesta altura. Desde há me-ses que a nebulosidade está a ser em-purrada mais para sul, e Portugal tem sentido isso na pele.
A contribuir para a imobilidade tei-mosa dessa massa de ar a norte estão também as correntes de jato, os ven-tos atmosféricos que correm de oeste para leste a cerca de dez quilómetros de altitude, e que são determinantes para as condições meteorológicas na Euro-pa e no resto do planeta. Essas corren-tes de jato correm também mais a nor-te do que é habitual e não há, pelo menos para já, a expectativa de que as coisas se alterem muito.
No resto do hemisfério norte, as on-das de calor também parecem estar para ficar, com as zonas de altas pressões imo-bilizadas sobre muitos territórios, en-quanto noutros locais ocorrem dese-quilíbrios contrários, com tempestades extemporâneas e episódios de precipi-tação extremos, como aconteceu no Ja-pão entre 28 de junho e 8 de julho – uma superfície frontal carregada de vapor de
água ficou parada sobre o território du-rante vários dias. E a precipitação ex-trema deixou um rasto de destruição e causou 200 vítimas mortais.
Para os especialistas, e para a própria Organização Meteorológica Mundial (OMM), não restam dúvidas de que es-tamos perante “a assinatura de altera-ções climáticas”, como diz Ricardo Tri-go. “Sempre houve ondas de calor e secas”, mas “a sua maior frequência e magnitude é compatível com o que os modelos indicam nos últimos dez anos”, garante.
Pedro Miranda, também do Instituto Dom Luiz, é da mesma opinião. “Este é o resultado de um mundo a aquecer”, afirma. “Estamos perante o que os mo-delos têm previsto, com anos sucessivos, na última década, a bater recordes de temperatura média, e com o aumento de fenómenos extremos como estes.”
A análise da OMM vai exatamente no mesmo sentido. “Os fenómenos de ca-lor extremo e de precipitação estão a au-mentar em resultado das alterações cli-máticas e, embora não seja possível atribuir cada um dos episódios extremos de junho e julho às alterações climáti-cas, eles são compatíveis com a tendên-cia geral de longo prazo, devido ao au-mento das concentrações de gases com efeito de estufa.”
O perigo que vem do Ártico Na prática, a atmosfera do planeta já ga-nhou em média mais um grau Célsius desde a era pré-industrial – em Portu-gal é mais de um grau, e no Ártico já são mais três graus –, e por causa disso os padrões da circulação atmosférica estão a alterar-se. Os estudos documentam isso muito bem e uma das chaves para compreender o que se está a passar pas-sa, justamente, pelo Ártico. Nos últimos invernos houve ali dias em que a tem-peratura a meio da noite polar, no nor-te da Gronelândia, esteve acima dos zero graus durante vários dias, quando de-veria rondar normalmente os 20 ou 30 graus negativos. “São anomalias de 20 graus”, assinala Ricardo Trigo. E expli-ca: “Estes desvios de temperatura no Ár-tico favorecem um comportamento anó-malo da corrente de jato, que, por sua vez, causam outro tipo de desequilíbrios na atmosfera.”
Sabe-se hoje que sempre que as cor-rentes de jato viajam mais para norte ou mais para sul, consoante as zonas, isso causa algum tipo de anomalia, e é isso que está justamente a ocorrer agora. “Neste momento, este e outros meca-nismos estão a funcionar ao mesmo tem-po, o que implica que estão a amplificar as ondas de calor na Europa, no Japão e na América”, adianta Ricardo Trigo.
Isto é o presente, num mundo a aque-cer. Aos cientistas já não restam dúvi-das de que estes fenómenos extremos serão o novo normal dentro poucas dé-cadas.
3o NO ÁRTICO Foi este o aumento da temperatura nesta zona do globo, desde a era pré-industrial. Isto está a gerar desequilíbrios atmosféri-cos, que se repercutem por todo o planeta. Os estudos mais recentes apontam para que o aumento da temperatura e o recuo do gelo naquela região do planeta podem ser os principais responsáveis pelos cada vez mais frequentes e prolongados fenómenos meteorológicos extremos, como as ondas de calor, as secas e as chuvas diluvianas na Europa, na Ásia e na América nas últimas décadas. Um mau sinal para o futuro.
9Diário de Notícias Domingo 29/7/2018
Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciên-cias da Universidade de Lisboa, “não há dú-vida de que as alterações climáticas estão aí e que há hoje uma maior probabilidade de ocorrerem alguns destes fenómenos extre-mos, como as secas no mediterrâneo, as ondas de calor no sul e norte da Europa, e também tempestades mais fortes”.
Massas de ar paradas Para explicar os padrões alterados deste ve-rão é preciso olhar para a circulação atmosférica, que nos últimos dois meses não tem sido a habitual para esta época do ano. Na Europa, a “culpa” do verão atípico é de uma massa de ar (um anticiclone de bloqueio) que se tem mantido muito para
norte, impedindo que as depressões que vêm do Atlântico cheguem ao continente nas latitudes do Reino Unido, Irlanda, ou mais a norte ainda, como é habitual nesta altura. Desde há meses que a ne -bulosidade está a ser empurrada mais para sul, e Portugal tem sentido isso na pele.
A contribuir para a imobilidade teimosa dessa massa de ar a norte estão também as correntes de jato, os ventos atmosféricos que correm de oeste para leste a cerca de dez quilómetros de altitude, e que são de-terminantes para as condições meteoroló-gicas na Europa e no resto do planeta. Es-sas correntes de jato correm também mais a norte do que é habitual e não há, pelo menos para já, a expectativa de que as coi-sas se alterem muito.
No resto do hemisfério norte, as ondas de calor também parecem estar para ficar, com as zonas de altas pressões imobiliza-das sobre muitos territórios, enquanto noutros locais ocorrem desequilíbrios con-trários, com tempestades extempo râneas e episódios de precipitação extremos, como aconteceu no Japão entre 28 de ju-nho e 8 de julho – uma superfície frontal carregada de vapor de água ficou para - da sobre o território durante vários dias. E a precipitação extrema deixou um rasto de destruição e causou 200 vítimas mortais.
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18 julhoMakkaur (Noruega) 25,2 graus
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+23 julhoKumagaya(Japão) 41,1 graus
Junho e Julho
Junho e Julho
17 julhoKevo(Finlândia)
23 de JulhoNo dia em que começaram os incêndios na Grécia (que fizeram até agora 88 mortos e 47 feridos hospitalizados),estavam 38ºCe ventos fortes de oeste
Excesso de precipitação(28 jun-8 jul),
duas a quatro vezes a média
mensal no Japão, desencadeoudeslizamento
de terras e inundações que causaram cerca
de 200 mortos
Onda de calor que se seguiu, com
temperaturas máximas muito elevadas,
causou 80 mortos
No norte da Sibéria registaram-se temperaturas excecionalmente altas. Entre 9 e 16 de julho houve vários dias consecutivos com temperaturas superiores a 30ºC
Região de Krasmoyarsk registou anomalias de mais sete graus acima da média e fogos florestais que consumiram mais de 80 mil hectares de floresta
Hungria com tempo frio, chuvas e tempes-tadades, ao contrário do que é normal nesta época
Mar Negro
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SIBÉRIA
COREIADO SUL
JAPÃO
GRÉCIA
HUNGRIA
Krasmoyarsk
Gangneung (Coreia do Sul) 31 grausde mínima
Hayang(Coreia do Sul) 39,9 graus de máxima
JulhoOnda de calor na Coreia do Sul, com máximas persistentes acima dos 35ºC com 10 mortos contabilizados
1 2Fonte: OMM e European
Drought Observatory (EDO)
Infografia: Tânia Sousa/DN
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3o NO ÁRTICO. Foi este o aumento da temperatura nesta zona do globo, desde a era pré-industrial. Isto está a gerar desequilíbrios atmosféricos, que se repercutem por todo o planeta. Os estudos mais recentes apontam para que o aumento da temperatura e o recuo do gelo naquela região do planeta podem ser os principais responsáveis pelos cada vez mais frequentes e prolongados fenómenos meteorológicos extremos, como as ondas de calor, as secas e as chuvas diluvianas na Europa, na Ásia e na América nas últimas décadas. Um mau sinal para o futuro.
Para os especialistas, e para a própria Or-ganização Meteorológica Mundial (OMM), não restam dúvidas de que estamos peran-te “a assinatura de alterações climáticas”, como diz Ricardo Trigo. “Sempre houve on-das de calor e secas”, mas “a sua maior fre-quência e magnitude é compatível com o que os modelos indicam nos últimos dez anos”, garante.
Pedro Miranda, também do Instituto Dom Luiz, é da mesma opinião. “Este é o re-sultado de um mundo a aquecer”, afirma. “Estamos perante o que os modelos têm previsto, com anos sucessivos, na última década, a bater recordes de temperatura média, e com o aumento de fenómenos ex-tremos como estes.”
A análise da OMM vai exatamente no mesmo sentido. “Os fenómenos de calor extremo e de precipitação estão a aumen-tar em resultado das alterações climáticas e, embora não seja possível atribuir cada um dos episódios extremos de junho e ju-lho às alterações climáticas, eles são com-patíveis com a tendência geral de longo prazo, devido ao aumento das concentra-ções de gases com efeito de estufa.”
O perigo que vem do Ártico Na prática, a atmosfera do planeta já ga-nhou em média mais um grau Célsius des-de a era pré-industrial – em Portugal é mais de um grau, e no Ártico já são mais três graus –, e por causa disso os padrões da cir-culação atmosférica estão a alterar-se. Os estudos documentam isso muito bem e uma das chaves para compreender o que se está a passar passa, justamente, pelo Ár-tico. Nos últimos invernos houve ali dias em que a temperatura a meio da noite po-lar, no norte da Gronelândia, esteve acima dos zero graus durante vários dias, quando deveria rondar normalmente os 20 ou 30 graus negativos. “São anomalias de 20 graus”, assinala Ricardo Trigo. E explica: “Estes desvios de temperatura no Ártico fa-vorecem um comportamento anómalo da corrente de jato, que, por sua vez, causam outro tipo de desequilíbrios na atmosfera.”
Sabe-se hoje (ver entrevista) que sempre que as correntes de jato viajam mais para norte ou mais para sul, consoante as zonas, isso causa algum tipo de anomalia, e é isso que está justamente a ocorrer agora. “Nes-te momento, este e outros mecanismos es-tão a funcionar ao mesmo tempo, o que im-plica que estão a amplificar as ondas de ca-lor na Europa, no Japão e na América”, adianta Ricardo Trigo.
Isto é o presente, num mundo a aquecer. Aos cientistas já não restam dúvidas de que estes fenómenos extremos serão o novo normal dentro poucas décadas.
Um anticiclone de bloqueio, parado
a norte da Europa há muitas semanas,
está a contribuir para este verão anómalo.
RICARDO TRIGO Climatólogo/Univ. de Lisboa
Perguntas a...
“As alterações climáticas são evidentes”
O que o surpreende mais neste verão? A duração da onda de calor na Europa, que já está a ocorrer pra-ticamente há dois meses. Isso é surpreendente. E também é im-pressionante a extensão de se-manas muito quentes que vão desde a Califórnia até ao Japão. Não é nada frequente. A Europa a grande escala está bastante quente e em grande parte da Ásia e da América acontece o mesmo. A esta escala não é usual. Podemos falar em alterações cli-máticas? As alterações climáticas são evi-dentes por todo o lado. E sabe-mos que o que se está a passar nas últimas décadas tem um enorme impacto dos humanos. Se não tivéssemos enviado os ga-ses com efeito de estufa para a atmosfera não estaríamos a veri-ficar uma série de situações. Em relação a este verão, não se pode olhar para os fenómenos indivi-dualmente. A questão é se as on-das de calor estão a aumentar e se, os modelos, com os gases com efeito de estufa, reprodu-zem o que observamos, e a res-posta é sim. A probabilidade de as ondas de calor ocorrerem ago-ra nas latitudes elevadas, Euro-pa, Estados Unidos, Japão, Cana-dá, China, aumentaram bastan-te nas últimas décadas, como os modelos previam. Estão a gerar-se novos desequilí-brios atmosféricos? É o que observamos. Há um me-canismo da circulação atmosfé-rica chamado células de Hadley, em que o ar ascende no equador, fica lá em cima sobre os desertos, desce de novo, e temos os antici-clones situados a 30 graus norte e a 30 graus sul. Com o aqueci-mento do planeta, a amplitude dessas células está a aumentar cada vez mais para norte e para sul. Sabemos que isso aumenta a probabilidade das secas no norte de África, no sul do Mediterrâ-neo, na Califórnia e na África do Sul. As correntes de jato, com a diminuição da diferença entre as temperaturas no equador e nos polos, também estão a diminuir ligeiramente. São dois fenóme-nos com repercussões diretas na circulação da atmosfera e na probabilidade de mais fenóme-nos extremos. E isto decorre des-te aquecimento global da atmos-fera diferenciado. Este verão vai exigir estudos? Não tenho a mais pequena dúvi-da. É preciso perceber porque houve fenómenos tão extensos de calor, desde o Mediterrâneo, na Grécia, ao norte da Europa. É preciso perceber o que está exatamente a acontecer.