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Onde Escondemos o Ouro - Dinha)

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Onde escondemos o ouro

Dinha

Livro IO Guardião

Edições Me Parió Revolução

CapaSandrinha Alberti

EdiçõesMe Parió Revolução

Índice para catálogo sistemático1. Poesia 2. Literatura brasileira 3. Literatura Periférica

1a Edição: agosto , 2013

Todos os direitos não são reservados. Liberada a reprodu-ção ou transmissão parcial ou total deste livro, através de

quaisquer meios, lembre sempre de citar a fonte.

Concepção editorial e diagramação: Dinha, Lindalva Oli-veira e Sandrinha Alberti

SUMÁRIO

Quero meu Malote de volta - 4O Guardião - 7

Poema de Horizonte - 11Vermelho - 12

Aos montes - 13Explicação - 14

Cotidiano Blackout - 16Por enquanto - 17

Açúcar -18Receitas, diagnósticos e outros MMS’s - 19

Poema particular - 22Sertão - 23

Low Poesie - 24Passagem - 26Reverso - 28Estudos - 30

SMS - 31

Prefácio

Quero meu Malote de volta.

Fomos ensinados a acreditar que o ouro é im-portante. Porém nós os pobres não lidamos com o ouro propriamente dito, lidamos, no máximo, com os folheados. Por isso aprendemos a chamar de ouro às pessoas que amamos e entendemos a nossa prole como nosso maior valor. É o ouro do trabalhador. Muito mais importante que o doura-do do inimigo. Em dezembro de 2006, perdemos Fernando Elza, o Malote. Ouro desperdiçado. Pe-dimos de volta o nosso moleque e Deus disse que sim, que dava o neguim, não em carne e osso, mas em exemplo, desde que aprendêssemos a prote-ger nosso ouro. Muito ouro tem sido desperdi-çado, há muito tempo, nas periferias Brasil afora.

Du

Onde escondemos o ouro

Dinha

Livro IO Guardião

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“ no fim do arco-íris um poteDe amor. PARA SER CONSUMIDO

INDIVIDUALMENTE”

I

primeiras palavras

Aqui nessa língua o silênciocriou a primeira palavra:incrível jabuticabase amadurando por dentro

esquisito foi que delanasceramBorboletas

e medosantes dela, nem o nada,curioso umbigo canalhaera um projeto possível

o traço de flor, a angústia,o horror e a salada de frutas,

10

a difícil irados contos de fada

tudo jabuticabase corroendo

Aqui nessa línguaa ausênciacriou a segunda palavraporque não havia monstros,nem sonhos, nem madrugadasantes dela o que haviaconservava parentescocom o risco imóvel na página.

II

segundas palavras

E se há regras demais nessa vida,você, o que sabe da trilha?já sabe que é só o começo?tropeço sem sol nem sossego?comida de pássaro preso?

11

Insiste nessa matemática.Insiste em não muito saber.Que o saco de sonho é estúpidoo jogo de cartas é únicoque diz que não diz em você

(Se o que ela dizia era ausênciaanêmonaferida até não mais doerSe a gente escolheu o silêncioleitolentoparindo o azule o vermelhoVocê já devia saber.)

III

SMS

(a lata do lixo, o rato,espaço de cobra e sabão)Amor sem continha de lágrima.Jabuticabaganha o chão

12

IV

Somos fortes. O cortenão põe-nos um ponto finalA gente começa outra vez .

13

Poema de Horizonte

Tempo que não é de amor É de guerraCalcula os segundo aí.Cronista da angústia ele esperaOs dentes cravados na feraO fim desse tempo sem fim

Cronista da angústia, há segredosque só o teu corpo entendeua chave de fenda na línguao corpo jogado na esquinaa tua lista dos 100.

Cronista do amortua angústiaprecisa ancorar estratégiapra todo o futuro existir

(e a vida fermenta os sentidosolho por olhogente por gentemarfim por marfim).

14

Vermelho

.É possível que não haja jeito e a rua se abra como o mar se abriuUm homem assim eu queria pra quem o mar se abrisse como me abro livro guardado no plásti-co um homem assim queria pra quem qualquer vento levasse ao centro da revolução um homem que me fosse que me estivesse quando eu sol já não construísse dia um homem que me anun-ciasse nova rota que eu não seguiria um homem que me abraçasse como respirasse que me segure quando a palavra que me enxugue quando outra vez silêncio um homem que tombo que vela que azul que saudade que lua que sombra que lue que conche um homem que não desperdice seus versos comigo que me reconstrua por segundo que me impeça de ser assim lua concha pedra caminho carinho cetim casulo cansaço mandado pedra correntes cartórios e afinsum homem horizontehorizonteconfim

15

Aos montes

O diabo disse à moçate dou todas essas luzestudo o que teu olho tocacaberá em tuas mãos

A moça fechou os olhos,dobrou sua alma pequenatrês vezese guardou no sutiã.

Foi cuidar de suas crias

16

Explicação

Porque eu precisava de você assim. E te amava como se amamOs impossíveis. Com toda a certeza de não haver outro dia, nem outra maneirade amar.

Te amava como um castigo: joelho dobrado no milho ecantigas de ninarPra quem se cansou de dormir

Te amavacomo a pele seca, a língua-mesa, madrugada e salte amava como os livros não contam, como chácara e sombrano auge do verão.

Te amava com facaPoeira de estradaMedalha de lata

17

Te amava como se amamOs impossíveis. Com chave de fenda e mísseisEnsaiando a revolução.

Te amava com pedra e espera, com lua e jardim:Lobo comendo fagulhaE crescendoPor dentro de mim.

18

Cotidiano Blackout

Da última vez que a luz apagouninguém mais gritava.Até o trovão se calaraenquanto o relâmpago (faca afiada e brilhante)espiava a barriga do sonho.

Como resultadochoveu um bocadoágua gelo e sofás na correnteza.

Dessa vez, quando a luz apagou o ventojá tinha o cabelo na curvaa saia já estava bem justaas contas em dia e o colesterol

se o vento tivesse paradoe o trovão tivesse esticado bem forte as suas cordas vocaisninguém era feito de bobo.O mundo inteiro era outroa luz se apagava em paz.

19

Por enquanto

Duzentos milhões de maneirasDe dizer que te amoEra preciso,Eu sei.

Por enquanto ofereçoestas frutasCajus por debaixoda blusa

E os infinitosaçúcaresque ainda hão de nascer

20

Açúcar

Então eu, mulher sem chãotentando alcançar a luapousada no altodo céu da tua boca...

ou então jarro de mel querendoadoçar o leitequentedos teus dentescomendo meu montede vênus

ou então parlenda e cantigacruzando palavras antigase fingindo que não queroa tua línguana minha.

21

Receitas, diagnósticos e outros MMS‘s

Ao menino preto e pobre,Um X de dignidade:Ingerir no início do dia.

À menina preta e pobreCuidado no início da tarde,O dobro no fim do dia.

II

Pra diminuir o espaçoEntre a zica e o cansaço,Recomendaria um lapso(entre a sopa e a canjica).

Depois duas prosas no dedo,O medo cantando a cantiga,encontro desencantadoo futuro suicida.

III

Entre o esgoto e a angústia

22

O sorriso petrifica.Nem podia olhar de lado.

Continua

Entre o esgoto e a angústiaA dúvidacobria o calor da comida.

III

No quintal de IracemaA pedreira deu frutosE a mangueiraPetrificou.

Continua

No quintal de IracemaUma fome espantadaEngoliu sua casa eVoou.

Continua

23

Passareza voando ao inverso.

SMS

Quebrando o silêncioSançãoTua voz pra calar o abismo:Um tipo de teto de vidroTapando os buracos do chão.

Boa tarde.

Te amo como quem nasce.Nua, esperada e

Saudade

Essa tristeza é parteDa tarde, da luz, da engrenagem.

Desisto.

Tua tristeza é princípio.Mais tarde nos desencontramos.

24

Poema particular

Ele disse que (também) gostava delaassim:sem tirar nem pôr... Mas que se pudesse tirar e pôr tirar e pôr tirar e pôr,infinitamente...

Que gostava muito mais.

25

Sertão

Te amo com todas as letrasDessa nossa alma nossa:Porta guardando históriasTe amo como o helicópteroHipnotizando.Te amo com a saúde das secasO oásis da palmaA farinha guardadaPara as grandes ocasiões.Te amo como a história existeRecontadaLambuzada de estradasE de indecisão.

Te amo com todas as notasDessa nossa alma torta:Aviso, lirinho e canção.

26

Low Poesie

foi um tempo de magreza extrema em que minha alma pequena se espremiaentre um tanto de costelas e nenhumacaloria.

era um tempo um sal insossotempestade que me ardiano osso. cama de engodoem que minha alma dormiainexistia

era o tempo suicídio morosocarne no encosto. serenatapras formigas

tempo de alma espremidarelógio assoprando as cinzascalça frouxa muda bocasozinha

27

tempo de dieta da angústiapouca gordura. injúria.café, almoço, calúnia. no pratoo poema inacabadosapato gastoerua sem saída.

28

Passagem

Serpente enciumada... do que não foi?Amor éPra sempre foiPra nunca maisSerá

Jogo de cartasCastelo de areiaBlusa passadaCarro vermelho.

Calendário

Tempo de históriaA contarNo ouvidoNo umbigoSorriso escondidoDebaixo das saias?Promessa de sol elas são.

Calendário.

29

O mundo é vocêLuando em meus braços

Calendário.

Por baixo o cansaço: CarretelEnroladoPro céu(calendário)De amanhã nublado...

30

Reverso

(porque o mundo era uma mesa postaA quem já não tinha olhos)

Meu namorado é aqueleA quem o mundo enche os olhosE se reconhece MundoCom sentidos múltiplosE cheiros de camisa seca.(mundo novo é abrir os olhos)

Meu namorado é aqueleA quem a lua enche os olhosE se reconhece LuaEntre os braços do amado.Das amadas.(primavera é abrir os braços)

Meu namorado é aqueleA quem as mil flores se abremE se reconhecem FloresDe perfumes vermelhosE incenso acesosNa casa bem limpa.(no chão de violetas atentas)

31

Meu namorado é aquelePra quem qualquer mar é segredoDito no ouvido do povo..........................................Bonito como nascer de novoApesar do incêndio na praça.

Meu namorado é palavraJabuticabaBorboleta-larva(vendaval, revolução)

Por isso também ele é fúriaContação de angústiaCapuz.Autorização.

Mil poemasDe amor, de justiça. LevezaDe sopro, de sonho e canção.

32

Estudos

Quanta angústia cabeDebaixo da saia?Na ponta do lápis?Na ponta da língua?

Dependerá sempreO tamanho da saiaO tamanho do lápisO tamanho da língua

Quanta saudade cabeNum poeminha?Dependerá sempreO tamanho da almaO tamanho da álgebraO tamanho família

33

SMS

A chave de fenda é a multaConduta de amor e de lutaNa sala repleta de não

Impresso Lá em Casa, São Paulo, em papel 90g/m2

Onde escondemos o ouro

Dinha

Livro IIO Ouro

ou: A Lista dos 100

Edições Me Parió Revolução

CapaSandrinha Alberti

EdiçõesMe Parió Revolução

Índice para catálogo sistemático1. Poesia 2. Literatura brasileira 3. Literatura Periférica

1a Edição: agosto , 2013

Todos os direitos não são reservados. Liberada a reprodu-ção ou transmissão parcial ou total deste livro, através de

quaisquer meios, lembre sempre de citar a fonte.

Concepção editorial e diagramação: Dinha, Lindalva Oli-veira e Sandrinha Alberti

SUMÁRIO

Admirável engano novo - 41Ao Mais-Novo caído - 43

O incrível mundo pixado - 45Credo - 46

Um poema como ela merece - 48O nome do rei - 49

Poesia Relutante - 51Inverno - 54

Saída - 56Convocatória - 57

SMS - 58Calibre 200 - 59.Mas não.- 60

Onde escondemos o ouro

Dinha

Livro II

O ouroou: A lista dos 100

41

“Eu sei o que é a fomeO susto no IML

Conheço pelo nomeA quem oferto as velas”

Clã Nordestino

“(...) não se morreuma só vez, nem de vez.

Restam sempre muitas vidaspara serem consumidas

na razão dos desencontrosde nosso sangue nos corpos

por onde vai dividido.”

A mesa - CDA

Admirável engano novo

Vai que um dia a gente acordae o morto não nos olhada porta as crianças soltambolhas de sabão.

Entretanto, estranhamente,o nosso malote não voltao pássaro estúpidolhe emprenha de asas sem ouro.Aristides é outro.

42

E os tantos meninos guardadostão bem que já nem avançam em idademultiplicam-se também...

Enquanto issoguardamos em pixelspoucos, que é pra economizar espaçoos momentos guardáveisem gigabytesvisíveis apenas em tela menor

um mundo inteirinho se abrena palma da sua mão.

.(Essa nova alma androide a nossa visão toda pocketnão fazem revolução).

43

Ao Mais-Novo caído

Asseguro.Com certeza pensou no filho.no menino que seriao dos teus olhospra sempre.tua mãe tambémquando ouviu teu nomee tirospensou no menino dos olhosdela.com certezalembrou do batismobebê no colinhoabandonando, desde cedo,o pai.

Asseguro.Pensou na vidainteirapela frenteque era tua e queríamosque vivessepensou, talvez, em mim

44

eu que sangro todo diatua vida e tua históriae que endereço a vocêmeus versos de guerra e sem glóriae divido com meus anjosessa responsabilidade:garantir tua existênciaavançar em tua idade

roubadaaté que se proveo contrárioe você possadescansar

em paz.

45

O incrível mundo pixado

Cravo firme os pésna poeira da lua,e no chão arenosoa cabeça matuta.A distância e a gravidadesão o que me salvamdo meu corpo replicadono planetinha azul.

Súbito, sacode o poema.Apocalipse unindo a poeira que me restaao corpo que me deram.E um soco no estômagodo ódioesvazia a palavrae me devolveao incrível mundo pixadodo noticiário.

46

Credo

Poderia serJogador de futebolCarroceiro pra sempreSeráPoderia serMulher maravilha de espantoMenina de rua pra sempreSerá

Às vezes, posso ser muito malvadaPosso esculachar meninosSemear piratasArrancar os olhos dos reisDas rainhasPosso arrancar o coroDo começoPosso impedir o choroNo finalNem me desculpar

47

Poderia serCanção de amor futuraMenino, menina de ruaPra sempreSerá.

Poderia serArco-íris, sol e chuva(nascimento de viúva)Pra sempreSerá.

48

Um poema como ela merece

Lindalva PretaEspera um poucoQue eu fabrico o teu poemaJuntando esses vasos de luaEsse cheiro de chuvaE muita cerveja.

Espera mais um poucoUm pouquinho sóQue acrescento:Cantigas do sonoYansã e teus santospitadas de fúriae de humor

que é pra abençoar tua casaflorir tua almaabrir estradase fortalecer o amor

49

O nome do rei

Quem foi que rouboua idadede Felipe,Edmarcos?

Quem foi que roubou tua idade,Gustavo?Quem foi que roubou a idadede Fernando- o Maloterson ?Quem deixou tua mãe órfã?

De tantos meninos guardados,a idade,quem roubou?

Será que foi um soldado, desseshonradosque erguem a espada e acabam com o mal?

Eram maus,vocês?

50

Quem te roubaria a idade?Algum reloginho usadoa mando do rei?

Cadê tua idade,Hilário?Cadê tua idade,Henrique?Esconde a tua,Renato,esconde a tua,Aristides,

que seja relógio ou soldado,a mando da honra ou a mando do rei,nos mangues, nos becos, nas celas,procurampor vocês.

Quem vai te roubar a idade?

51

Poesia Relutante

Ao Mais-Novo (de pé)

Eu não quis esperarvocê irpra fazer este poema.Pode ser que você vádaqui a oitenta e cinco anos.Não importa.Importasaberque vocêé porta.Como os outros.Se se perder,nós também estamos todosmuitíssimo maisque perdidos.desachados.desse jeito que ficamosquando perdemos o passo(que horizonteera coisa do passado.de hoje em diante

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o futuroera apenas um abismo).

Não foi assim, Belega?foi assim quando morreuo amigo?não ficamos abismados?

você e eu?não era o Bristol um abismo?impossível dar um passo?Não foi que nos tiraramum abraço?dos mais justos, dos maisengajados?como se tirassem pai e mãe e nos deixassemmais que órfãos?mutilados?

Não foi, Belega?foi assim?como se, súbito, o mundodeixasse de existir?

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como se a palavraencontradajá deixasse de ouvir?e o companheiro amigonunca mais que nuncamais?....................................................................................................................................................?

Eu queria escrever esta cartaao Belega meninode anos atrás.Que de pé, ainda estamos,mas nos faltam muitos sonhose futurofaltacada vez mais.

54

Inverno

daqui a um mêsoutro anode sua ausência sentida.pensei escrever um poema

um poemaque bastasseque trouxessequem sabea dormênciasem trair sua memória.

pensei lhe dizer aindaque a sua ausência é sentidavinagre invadindo a feridadiaapósdia.que já nossos olhos não servem

que os nossos ouvidos não ouvemque o rap só canta em silêncioe que ainda só estamoscalados.

55

daqui a um mês, outro anosendo apenas suicidas,sendo verso inacabado.tentativa.

daqui a um mês o invernocompleta outro ano de vida.

56

Saída

Intentou passar sem culpaA chave de fenda na nucaInda não surtia efeitoQue jeito.

Do fim ao começoSabia-se que sofria

Nesse dia, teve medo de morrer e não morriaChovia.Cadáveres na Vila Alpina.Ela passou e escutou gritos de dentro.Sabia que se calavaUma palavraNão ia

Sabia que mereciaA lua inteirinhaSangrando no beco(Vermelho rio de ternuraEsgotando no bueiro)

Toda partida é começo?

57

Convocatória

(aos 111, que descansem, e a nós que insistimos emsobreviver)

Porque a justiça tem olhos de águia, mas gosta debrincar de cabra-cega.

Não queria calar o gritoEu queria simEscrever um poemaQue não dormitassena garganta da minha indignação

Não queria calar o gritoEu queria simAtirar um poemaQue sangrasseNó na garganta do Ubiratan

não queria escrever um poemaeu queria simsaudar as vítimasfurar os olhos da justiçae convocar à rebelião.

58

SMS

Singelo e sinceroO bilhete na mãoEssa gota de simDesabando no chão.

59

Calibre 200

“O guerrilheiro é terra móvelDecisão de liberdade

Na pátria raivosamente escrava”(Costa Andrade)

Fernando Maloterson (alto!) lidera a lista dos cem.(Se não qual o outro sentido do pássaro estúpidotomar o teu corpo te por tão no ar?)

Fernando Maloterson (alto!) comanda a lista doscem.Bem lá no finzinho, Aristides - o que sonhava serpadre ---- recepciona os chegantes.

Meninos de exército novoassumindo posições.

Por baixo, prossegue essa vida.Cotidiano instinto de proteção.Nova milíciaVelha carícia:a liberdade inscritabrilhando fria nas mãos

60

.Mas não.

Pegamos na mão do irmãozinho. Eu disse Vemcá malungo, vou te mostrar outro espaço. Dessesem que não se morre sem o máximo de vida, desses em que a serpente é bem mais que ar-co-íris, desses em que a gente é a 1a mara-vilha emprestada aos humanos. O mais-no-vo veio, olhar atento, dançando esses ritmos de longe que trazemos bem dentro do peito. Irmãozinho bonito como a chuva é de noite e estarmos protegidos. Irmãozinho firmeza fu-rando a voz do inimigo e despetalando estrelas. Irmãozinho Ifá, prevendo as canções do futuro e anunciando os muros caídos na fúria dos litros de luta e de escorpião. Que o nosso mais-novo era assim: aguardava pra ser sábio. Reunia na re-tina, na rotina e na velhice, as histórias de dor-mir e de acordar – que vinha juntando nos os-sos, na boca, no peito, nos olhos, no sangue do inimigo que talvez corresse em seus braços e morreu um pouco com ele. O nosso malungo, uma noite, surpreso com as balas voando, pe-gou carona com elas e foi nos olhar do Orum.

61

O nosso mais-novo, agora, tem mais força quenós todos e, do campo lá de fora, do mundinhoonde se vive, reúne a lista dos cem e ajunta osque não entraram.Seu axé vela por nós. E nós lhe velamos daqui.Um dia juntamos as forças e praticamos a forra:desforra contra o varejo que planejou nosso fim.E de hoje em diante nós fomos irmãozinho termorrido e fingirmos que calamos.

Impresso Lá em Casa, São Paulo, em papel 90g/m2

Onde escondemos o ouro

Dinha

Livro IIIBichos

Edições Me Parió Revolução

CapaSandrinha Alberti

EdiçõesMe Parió Revolução

Índice para catálogo sistemático1. Poesia 2. Literatura brasileira 3. Literatura Periférica

1a Edição: agosto , 2013

Todos os direitos não são reservados. Liberada a reprodu-ção ou transmissão parcial ou total deste livro, através de

quaisquer meios, lembre sempre de citar a fonte.

Concepção editorial e diagramação: Dinha, Lindalva Oli-veira e Sandrinha Alberti

SUMÁRIO

SMS - 69

SMS - 70

Borboletas - 71

The Little Big Bang - 72

Bichos otários - 73

Na aba do baile funk - 75

Vingança Possível - 77

Canoa, com quantos paus se faz? - 78

Pra melhor não escutar - 79

Nos olhos - 80

Cemitérios Gerais - 81

Onde escondemos o ouro

Dinha

Livro III

Bichos

69

“Uma coisa é um país,outra coisa é um jumento”

Vinícius, 12 anos, tropeçando no poema de AfonsoRomano de Sant’ Anna

“Não!Uma coisa é um país,

outra coisa é um ajumentamento”

Vinícius, tentando se corrigir.

SMS

O prêmio de angústia do anoé delauma tonta de panelaque explodiufoi pras cucuias

70

SMS

Nenhuma palavraExpressaCaféExpressaO nexodescontinuado

71

Borboletas

A trupeVinha voandoMeninos molambosNo fim da manifestação

MeninaEla vinha no centroBandeiras em punhoBotavam terror

Eram cômicosQuixotes moinhando sonhosRoendo os encantosPossíveis de haver

(e o incrível Centro HistóricoDa cidade que não paraParou pra ver)

Morrer, só se morre uma vez?

72

The Little Big Bang

Boca nervosaCospe o mundoOutro dia cuspiu chuvaAnêmicaLambe a tela do cinemaPede esmolas na esquina

Boca nervosaA rosaDiluiu na multidãoDente-de-sabre engoleA chaveO soluço e a canção.

73

Bichos otários

Borboleta.16hs de vida.De manhã o pão com sonhoAdoça o café a angústia

A sereia de olhos meigosDigerida pelo medoDebaixo das minhas vistas

Borboleta.16hs de vida.Gasta tudo em uma noiteLonga noite de argila

A sereia de olhos negrosNo horizonte do cabeloconseguiu ver a curva

Borboleta16hs de vidaNão voou porque não soubeDas asaspra que serviam.

74

A sereia muito menosSeus sonhos(Até mesmo os plenos)encheram só um copo de pinga

75

Na aba do baile funk

(poema-panfleto a favor da autoestima)

Não. Não eu não senti vontadeDe lançar bunda pra cimaEnquanto o soprano sopravaO estupro da menina.

Não me liga o tom alegreNem o ritmo farinha.(o que ouvi não era um funkera o fuckpalavra voltando à origem)

não tentei entrar no ritmonão tenho culhão pra isso.(Bem no fundo, ema-ema,minha alma é mesmo pequena).Não cabe qualquer porcaria.

Não cabe esse disco riscadoesse sino quebrado,pedofilia.Troféus aos psicopatas,

76

colírio pro olhar marejado,azul desbotado,saidinha.

Minha alma pequena, pequena,Que sofre claustrofobia,Não cabeNão cabe essa mágoaNão cabe o amor ao contrárioo amor ao otário,disfarce amargo,vinho baratomanchando a camisa.

Minha alma pequenanão surda.Minha alma poema,

não burra.Minha alma doce migrado,pequenina rapadura.Minha alma miniatura,minha alma luaminguada.Blindado no fundodo baile estourado.

77

Vingança Possível

(Disse que, ano novo, namoraria felicidade- e ela pisou em mim...)

Nem terminei o poema!

Mandacaru,Enraizei no fundoE me espinhei por fora.

Nunca mais que lhe dei água!

Inda outro diaPrecisou de guarda-sol......................................Teve que sair na chuva!

E foi só.Eu bem seiQue nada sei.

Ela pisou,Revidei.

78

Canoa, com quantos paus se faz?

Joga cinza em minha cara. Vai verQuanto custa o meu silêncio. Vai verQuanto mede minha hora. Vai verComo vira essa canoa.

?Como vira essa canoaSe nem chuva...?Como mede-se essa horaSe o relógio...?Quanto custa esse silêncioSe o dinheiro...

Não seiSó seiQue vira

E debaixo da chita(a aranha)Anoitece o mosquito.

79

Pra melhor não escutar

Gato escaldado, fora!Que eu vou chutar o baldeE o risco que se correNão vale a poeira do chão.

Gato escaldado (fora!)Pra que tanto medo assim?Eu não tenho medo de nadaA não ser a madrugadaSeus pés-de-pato,Seus dentes de marfim.

Gato escaldado não digaQue eu sou muito vulgar.Melhor é tapar os ouvidosPra não escutar meu gritoFerindo tua jugular.

Gato escaldado (fora!)Eu sou só bicho do matoMas te trago aqui um copoDe analgésico e alegriaPra você, gato escaldadoQue tem medo de água fria.

80

Nos olhos

RatosNão somos.A gente éÉ tigreQue avançaAbateE sai deixando a carcaçae a carniça.

Apaga a bituca em meu olho.Vê se eu cego(ou se morro)Antes de ver mamã chorar.Que eu não vou botar meus óculos............................................................Quando estilhaçar seus ossosTambém vou te olhar nos olhos.

81

Cemitérios Gerais

O nosso tesouroguardamosem vilas e jardins.

Três anos depois, o Cachorrocavucao ossotermina de nos roubar.

Outra família enterraseu ourono mesmolugar.

A autora:

Maria Nilda de Carvalho Mota, a Dinha, nas-ceu em dezembro de 1978, na cidade de Mila-gres (CE). Veio para São Paulo no ano seguinte,com o pai, a mãe e mais sete irmãos.Em 1999, ingressou no curso de Letras da USP.Hoje é doutoranda da área de Estudos Compa-rados de Literaturas de Língua Portuguesa. Em1999, participou da fundação da Posse Poder eRevolução – um grupo de pessoas jovens e adultas que hoje administram o Espaço Cultural Maloca. Autora do Livro “De passagem, mas não a passeio”, (2006, edição da autora/ 2008, Global Editora).

Me Parió Revolução

Acaba de nascer mais uma personagem nacena cultural e política da cidade de São Paulo,é a Me Parió Revolução, o selo editorial da Rede Poder e Revolução e do Coletivo Perifatividade.Idealizado e executado por mulheres, o selose propõe a editar livros “semiartesanais, boni-tos de encher os olhos e a alma, mas sem es-vaziar os bolsos”. A intenção é promover aleitura facilitando o acesso aos livros, e incen-tivando autores e autoras estreantes ou não a publicarem seus textos de forma independente.O grupo pretende também disponibilizar gra-tuitamente ebooks e audiolivros traduzidos para outros idiomas, e a venda dos impressos custea-rá, além de novas publicações, as ações dos cole-tivos Poder e Revolução e Perifatividade, como a reocupação do Maloca Espaço Cultural e a Biblioteca Comunitária Livro-pra-que-te-quero.

Me Parió Revolução: Literatura, Crítica, Artes,Política e algo mais.

Apoio:

Impresso Lá em Casa, São Paulo, em papel 90g/m2