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 H i st ó r i a , i m a ge m e na r r a tiva s  N o  14, abril/2012 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br  1 A ORDEM DO MANGÁ: Uma análise de representaçõe s Evander Ruthieri da Silva Graduando em História – Universidade Regional de Blumenau Resumo: A partir do século XX, no Japão, uma nova forma de literatura surge: o mangá, resultado do encontro entre o estilo oriental de desenho e leitura, com o ideal ocidental de quadrinhos. O seguinte artigo  possui como proposta analisar representações de gênero e formação de estereótipos em mangás, revistas em quadrinhos originárias do Japão, como também contextualizar a popularização destas publicações com os acontecimentos pós-Segunda Guerra Mundial. Palavras-Chave: Mangá, Japão, cultura, representação, gênero.

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  • Histria, imagem e narrativas No 14, abril/2012 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br

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    A ORDEM DO MANG:

    Uma anlise de representaes

    Evander Ruthieri da Silva

    Graduando em Histria Universidade Regional de Blumenau

    Resumo: A partir do sculo XX, no Japo, uma nova forma de literatura surge: o mang, resultado do encontro entre o estilo oriental de desenho e leitura, com o ideal ocidental de quadrinhos. O seguinte artigo possui como proposta analisar representaes de gnero e formao de esteretipos em mangs, revistas em quadrinhos originrias do Japo, como tambm contextualizar a popularizao destas publicaes com os acontecimentos ps-Segunda Guerra Mundial.

    Palavras-Chave: Mang, Japo, cultura, representao, gnero.

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    1. INTRODUO

    Este artigo traz consigo a proposta de analisar as diversas representaes de

    personagens masculinos e femininos presentes em mangs, os conhecidos quadrinhos

    japoneses. Partindo de uma anlise sobre a composio do mang no espao histrico e de

    algumas particularidades culturais presentes na tradio japonesa, ele encontrar seu pice no

    estudo de casos.

    Para tanto, uma srie de mangs, pertencentes aos mais diversos gneros, estilos e

    autorias foi selecionada e ser utilizada para esta anlise.

    A pesquisa justifica a sua importncia no fato de que, infelizmente, h pouco escrito

    sobre representaes (e como ponto central, de gnero) nesta forma de literatura,

    desconsiderada por muitos como tal, mas que na realidade carrega consigo uma importncia

    cultural significativa.

    O mang encontra-se em um espao e tempo definido: o Japo moderno, que mantm

    vivo muito de seu passado.

    1. O MANG: DILOGO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE, PASSADO E PRESENTE

    Durante sculos, o Japo foi um dos mais enigmticos pases para o Ocidente.

    Permaneceu com muito pouco contato com o exterior, pelo menos at o sculo XIX. Este

    contato, em certa medida, forado, amplificou-se aps a Segunda Guerra Mundial, com a

    ocupao do Japo pelas tropas aliadas.

    Enquanto que no Ocidente, popularizam-se os comic books1, um estilo original e paralelo

    torna-se conhecido no Japo, o mang. Utilizando de um traado que lembra muito

    ilustraes e xilogravuras dos sculos XVIII e XIX, como dos artistas Utagawa Kuniyoshi e

    Shunkosai Hokuei, a mitologia japonesa e mais recentemente, temas ocidentalizados, o mang

    uma mistura de tradies, costumes, gostos, e carrega consigo em muitas situaes,

    representaes estereotipadas de figuras sociais. O termo mang a juno de duas palavras 1Aspopularesrevistasemquadrinhos.

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    japonesas: man (humor) e ga (desenho), cuja esttica de dos olhos grandes est baseada no

    teatro Takarezuka. (ANDRAUS, 2005, p. 68).

    A origem do mang remonta ao jornalismo do final do sculo XIX, em um perodo no

    qual a imprensa era parte essencial do processo de modernizao do Japo; tambm pertence

    ao perodo de abertura do Oriente para o Ocidente, em especial, o contato com a Europa.

    Nos anos 40, os desenhistas japoneses cada vez mais se aperfeioam neste gnero expressivo, mas somente com o desenvolvimento econmico2 que o boom dos manga se concretiza. Literatura barata, dirigida para um pblico diversificado, os quadrinhos tornam-se um hbito popular. (ORTIZ, 2006, p.86)

    Mas afinal, qual a diferena entre os quadrinhos ocidentais e os quadrinhos

    orientais? No se deve confundi-los, pois pertencem a categorias diferentes de literatura,

    apesar do estilo ser muito prximo. Poder-se-ia dizer que a semelhana termina no momento

    em que o leitor abre a primeira pgina e portanto, a primeira diferena em relao leitura:

    os quadros do mang so lidos da direita para a esquerda. Segunda diferena: o estilo e o

    traado; se por um lado, o mang surge com o contato do Ocidente, as cores, os desenhos, as

    formas so fortemente influenciados pelos ilustradores japoneses do sculo XIX, sendo que os

    temas mais comuns para estes eram a mitologia, o cotidiano, atores de teatro, as populares

    gueixas, animais Por ltimo, h uma diferena antropolgica, provavelmente a mais

    importante de todas e que parte de um preceito lingstico.

    A nao, em sua insularidade exemplar, um substrato material investido de sentido simblico. Mas para se afirmar o ns japons necessita de um outro, e neste caso no h dvidas, a alteridade reside alhures. A lngua japonesa rica em exemplos dessa natureza, a polaridade wa/yo sendo constitutiva da oposio entre Japo e Ocidente. Washoku (cozinha japonesa) x yoshoku (cozinha ocidental), wagashi (doce japons) x yogashi (bolos, tortas), washi (papel japons) x yoshi (papel ocidental), wafuku (vestimenta japonesa) x yofoku (roupa ocidental), washitsu (tatami) x yoshitsu (mveis ocidentais). () Tudo se passa como se as maneiras de ser, os objetos, os produtos, fossem indelevelmente marcados pela raiz nipnica, simbolizando uma maneira de se comportar e de agir especfica de uma cultura. (ORTIZ, 2000, p.137)

    A autora Kathryn Woodward colabora com a idia de que a formao de uma

    identidade baseia-se, alm de tudo, em uma posio definida em relao ao outro e sobre o

    estabelecimento de smbolos3. E nas palavras do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, o

    2 Ou seja, ps-Segunda Guerra Mundial.

    3 Um de seus artigos, Identidade e diferena: uma introduo terica e conceitual, foi publicado em: SILVA, Tomaz Tadeu. (org). Identidade e diferena: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrpolis, RJ: Vozes. 2000.

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    outro constitutivo do eu. Enfim, sem o outro eu no existo e vice-versa(COUTINHO, 2006,

    p.195). No caso japons, estes smbolos tambm possuem denominaes especficas, dando

    origem um ponto de diferenciao com o outro. Podemos considerar o mang como um

    desses smbolos? Todavia, ele no faz parte da tradio milenar japonesa, como seria o caso

    de sua religio ou do teatro kabuki e mesmo assim, no totalmente ocidental.

    Est muito alm disso: o mang pertence um momento histrico especfico, marcado

    pelo contato, cada vez mais forte, do Japo com o Ocidente aps a Segunda Guerra Mundial.

    Apesar do estabelecimento das primeiras revistas especializadas datar das dcadas de 60 e 70,

    a popularizao do mang tambm est associada ao surgimento de uma nova gerao de

    jovens ps-dcada de 80, denominada por um termo claramente depreciativo: shinjirui4.

    Com suas vestimentas esportivas, coloridas, roupas de couro, cabelos pintados (), esses

    jovens contrastam com o conformismo mdico e conservador de se vestir dos empregados de

    escritrio () (ORTIZ, 2000, p. 95). Tambm o perodo em que as estatsticas revelam

    nmeros crescentes no Japo de homens e mulheres adultos e solteiros, e isto em um pas

    conhecido por suas tradies relacionadas ao casamento. Como veremos adiante, a nova

    gerao shinjirui, o rompimento com estes antigos e tradicionais valores, e os novos nmeros

    sociais tero uma relao prxima com o surgimento de mangs com pblico-leitor-alvo

    especfico. Atesta-se atravs dos dados,

    por exemplo: em 1970, o nmero de homens solteiros nas faixas de idade de 25-29 e 30-34 anos era de 46,5% e 11,7%. Em 1990, ele sobe para 64,4% e 32,6%. Fenmeno que se repete com as mulheres nas faixas de 20-24, 25-29 e 30-34 anos. Em 1970, o nmero de solteiras era de 71,6%, 18,1% e 7,2%; em 1990, 85%, 40,2% e 13,9%. () As mudanas relativas ao tamanho da unidade domstica so tambm significativas: entre 1970 e 1995 h um acrscimo sensvel do nmero de pessoas vivendo sozinhas, assim como o nmero de casais sem filhos.5

    3. GNERO, PRECONCEITO, O ERTICO E REPRESENTAO

    4 Shinjirui um termo cunhado pela mdia, e que significa uma nova raa ou espcie humana.

    5 Dados in Japanese families, About Japan Series, n 19, Tquio: Foreign Press Center, 1994. In ORTIZ, Renato. O prximo e o distante: Japo e Modernidade Mundo. So Paulo: Brasiliense, 2000. P.101

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    inegvel pensar que exista qualquer forma de literatura atemporal, deslocada de seu

    tempo. Acima de tudo, porm, o leitor tambm insere-se em um contexto, absorvendo da sua

    prpria maneira a obra. E nas palavras de Michel Foucault,

    Um livro produzido, evento minsculo, pequeno objeto manejvel. A partir da, aprisionado num jogo contnuo de repeties; seus duplos, a sua volta e bem longe dele, formigam; cada leitura atribui-lhe, por um momento, um corpo implacvel e nico; (...) os comentrios desdobram-no, outros discursos no qual enfim ele mesmo deve aparecer, confessar o que se recusou a dizer, libertar-se daquilo que, ruidosamente fingia ser. (FOUCAULT, 1991, p.2).

    Portanto uma obra literria, por mais convencional que possa parecer (ou no) um

    constante dilogo, um contrato, entre o leitor e o autor. Estranho contrato este que se faz,

    entre um autor que est do outro lado do mundo e um acadmico que escreve sobre seus

    trabalhos?

    A leitura que se faz de um mang, aqui definitivamente uma leitura ocidental. E

    por meio desta leitura ocidental de um trabalho oriental, que uma srie de esteretipos e

    representaes, em particular as de gnero, podem ser analisados. Como mulheres, homens e

    as relaes so representados nos mangs? As respostas variam, de gnero para gnero; talvez

    essas diferenas, influenciadas por uma srie de razes, sejam as caractersticas principais que

    marquem as fronteiras de um para outro, isto , de gnero para gnero.

    Este artigo utilizar algumas classificaes para mangs, mas que no se referem

    especificamente ao gnero/contedo dos mesmos. Para esclarecer. Mangs shoujo

    (menina) e josei (jovem mulher) tem como alvo de leitores o feminino; shounen

    (menino) e seinen (jovem homem), o masculino. A partir destes, outras divises sero

    feitas.

    Um exemplo clssico de esteretipo feminino encontrado nos mangs shoujo. Este

    estilo de mang orientado para garotas e jovens mulheres, e apresenta geralmente histrias

    romnticas, com toques de drama ou comdia6. Em Sunadokei, de Hinako Ashihara a

    protagonista Ann Uekusa obrigada ir morar no interior do Japo (vale a pena destacar que

    aqui tambm esto presentes alguns esteretipos de um Japo provinciano, o que fica claro

    nas expresses utilizadas pelos personagens, diferenciando-os da gente da cidade), e acaba

    6 Uma nota importante. Shoujo e shonen no so, tecnicamente, gneros de mang (como seria, por exemplo: terror, comdia, romance, etc.) e sim denominaes demogrficas, indicando o pblico-alvo. Utilizarei o termo gnero apenas na falta de outro termo equivalente, todavia.

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    apaixonando-se por um jovem, tendo o seu primeiro beijo aps uma srie de eventos, dos

    quais inclui-se a sua primeira menstruao. a velha histria conhecida: a personagem

    enganada por suas rivais, acaba perdendo-se em alguns rochedos durante uma tempestade e

    salva pelo garoto com quem se apaixona, Daigo Kitamura. A figura da donzela indefesa

    est visivelmente presente.

    Se em Sunadokei temos uma viso definida de protagonista, doce e indefesa, em Elfen

    Lied, de Lynn Okamoto, temos o oposto. A protagonista, Lucy, uma diclonius (uma raa

    com chifres e poderes telepticos) extremamente violenta; a explorao do sexo a

    protagonista j inicia a histria totalmente nua e da violncia o mang extremamente

    violento so temas comuns. A alter-ego de Lucy, Nyuu, por outro lado, a criana em

    corpo de adulto. interessante notar que Elfen Lied, apesar de no ser considerado do gnero

    hentai (mangs erticos, voltados para homens adultos), e sim um seinen no um dos

    primeiros popularizar a sexploitation no Japo, um pas que conhecido por suas rigorosas

    tradies familiares, mas tambm por ser muito menos rigoroso com questes relacionadas

    sexualidade. As cenas de nudez so explcitas, inclusive com alguns personagens infantis.

    Quanto sexualidade infantil, os japoneses no condenam (), a no ser nos locais e

    companhias errados. A masturbao no considerada perigosa. (BENEDICT, 1972, p.226)

    A influncia externa tambm visvel em alguns casos. Temos, por exemplo, uma

    forma de representao visivelmente inspirado por tendncias norte-americanas em Galism,

    ttulo shoujo de Mayumi Yokoyama. Primeiro, necessrio um pouco de ateno origem do

    ttulo. Gal um estilo japons de vesturio e conduta, caracterizado pela rebeldia, e tendo

    sua origem na dcada de 70, cujo nome vem da palavra americana Girl. As protagonistas de

    Galism Ran Ugaji, Yuri Ugajin e Nobara Ugajin - so trs tpicas adolescentes, cujas

    personalidades parecem muito bem terem sido tiradas de algum filme americano teen. O

    mesmo poderia ser dito dos demais personagens, o que nos fazer pensar que todo o mang, na

    verdade, se trata de uma pardia.

    Mitsu Aji Burado, um mang one-shot (apenas um captulo) de Mitsuki Miko no foge

    do tipo romntico garota inocente/garoto experiente, mas interessante reparar que desta vez,

    a protagonista, Hinata, representa a menina urbana, apaixonada pelo vampiro Jyunnya

    (kyuketsuki), este sempre vestido em roupas tradicionais. O que um vampiro alm de uma

    personagem noturna, protegido no espao fechado, interno ou privado? Tudo se passa como

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    se a modernizao ocidental estivesse restrita ao domnio pblico, o espao privado

    preservando as normas costumeiras (ORTIZ, 2000, p.81).

    Um ltimo exemplo de encontra-se nos trabalhos de Kaori Yuki, mangak desde o

    final da dcada de 1980. Em seu Angel Sanctuary, temos algumas personagens femininas com

    personalidades muito prximas ou semelhantes; a gentil e inocente protagonista Sara Mud, a

    ingnua Moon Lil, a corajosa e bondosa princesa do Reino de Gehenna, Kurai os viles so

    geralmente personagens masculinos. Kaori Yuki talvez seja uma das poucas mangaks cujos

    enredos fogem de muitos destes esteretipos, porm a donzela indefesa sempre est

    presente: se tivemos Sara em Angel Sanctuary, temos Marywether em Hakushaku Cain

    (Conde Cain) que, apesar de no ser a protagonista central da histria este papel fica para

    seu meio-irmo, Cain por vrias vezes enfrentou situaes das quais precisou ser salva. Ao

    final da histria, Marywether casa-se e aparece visivelmente grvida seria este o destino da

    princesa, donzela indefesa? Casar e ter filhos?

    Por enquanto, abordamos apenas personagens femininas, e por uma razo bvia. Em

    muitos mangs, so as que mais recebem destaque, pelo menos nos gneros shounen/shoujo.

    Seja pelas suas caractersticas romnticas, buscando a identificao com o leitor, seja pela

    explorao da aparncia fsica da personagem.

    Talvez a melhor forma de iniciar a anlise de personagens masculinos, seja utilizando

    alguns exemplos bastante popular entre os ocidentais; Ichigo Kurosaki, no mang Bleach, de

    Tite Kubo, o clssico garoto rebelde, socialmente deslocado, que acaba enfrentando

    situaes sobrenaturais. O mesmo pode-se dizer do popular Naruto, de Masashi Kishimoto, e

    de uma srie de trabalhos bastante populares na Amrica. Talvez haja uma identificao

    maior do Ocidente com esta rebeldia estereotipada o menino que no encontra o seu lugar,

    pois este est alm da compreenso das pessoas sua volta. Estes dois exemplos de mang,

    shounen, so voltados para garotos e jovens adultos, utilizando de temas como aventuras,

    violncia, a clssica luta do bem contra o mal. Outro exemplo o mang Katekyo Hitman

    Reborn! (ou simplesmente, Reborn!), cujo foco central so os ncleos de personagens

    masculinos em oposio.

    O apoio ou a dualidade entre homens tema recorrente em mangs shounen. Fullmetal

    Alchemist, de Hiromu Arakawa, deixa esta temtica em evidncia. A histria sobre dois

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    irmos, Edward e Alphonse Elrich, buscando respostas sobre a alquimia. A busca os leva at

    situaes nos quais precisam lidar com homunculus, seres humanos sem alma, criados por

    alquimistas que buscavam desafiar a morte. Uma hipottica cpula de vidro parece separar

    personagens femininas e masculinas em mangs do tipo shounen; o fsico das mulheres

    geralmente explorado, sendo estas, em muitas histrias, difceis ou inacessveis aos

    protagonistas homens.

    Figura 1. muito comum, nos mangs shounen, a temtica da amizade e da unio, assim como do antagonismo,

    entre os personagens masculinos. Cross Beat, de Amano Youichi. Disponvel em www.chrono.com.br

    Homunculus, automatons e robs com aparncia humana esto presentes em

    inmeros mangs. Em Zettai Kareshi, o protagonista o namorado perfeito no passa de um

    rob. No yaoi7 LoveNeko, de Kazuhiko Mishima, a histria a mesma, exceto que a

    personagem, Nekoco, um neko-boy, meninos com orelhas e caudas de gato. Em um pas que

    est bem colocado atualmente no nvel tecnolgico mundial, essa busca por corpos

    mecnicos no parece fora de contexto.

    Voltando Kaori Yuki, trataremos brevemente sobre a androgenia e a ambigidade

    destes personagens masculinos, no que relativo sua caracterizao fsica. No mesmo Angel

    Sanctuary, anteriormente mencionado, temos personagens como Aracne e Mad Hatter, cujo

    gnero real causa dvida. Segundo a prpria personagem, Aracne um homem em corpo de

    mulher, uma aberrao divina. Em outro de seus trabalhos, a confusa one-shot Camelot

    7 Histrias cujo foco so relaes (amorosas ou sexuais) entre homens, sejam estas explcitas ou no. Ver nota 12.

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    Garden e no recente Ningyuu Kyuutei Gakudan (Orchestre Royal de Guignols), personagens

    masculinos ou femininos escondem seu real gnero, ou so confundidos devido suas

    aparncias andrgenas. A androgenia um tema por vezes recorrente nos mangs, e muito

    mal interpretada no Ocidente.

    Um caso que podemos relacionar ao esteretipo da mulher ou garota submissa,

    determinada qualquer coisa para conseguir ter seu amor correspondido est no mang

    CUTExGuy, de Tateno Makoto. Neste, a jovem Sumi est apaixonada por Mitsuru, mas ao ver

    que no consegue chamar a ateno dele, decide tomar hormnios experimentais que seu pai

    estava preparado; todavia, ao invs de transformar-se em uma bela e fatal sedutora, torna-se

    um garoto e agora, de homem para homem, pode ficar prximo de seu amado. Se Maom

    no vai at a montanha, ento a montanha vai at Maom. Se o prncipe encantado no

    aparece...

    A troca de gnero no caso exclusivo de CUTExGuy; em Boku to Kanojo no XXX,

    de Ai Morinaga, uma situao semelhante e ainda mais confusa ocorre. Tambm

    conhecido no Ocidente como Your and my Secret ou My Barbaric Girlfriend, um garoto

    tmido troca de corpo com uma garota que no tem papas na lngua aps um acidente no

    laboratrio do av dela. De forma cada vez mais profunda, estes mangs de gender-bending

    do um intenso enfoque na anormalidade psicolgica dos personagens; o incorreto precisa ser

    alterado, mesmo que sejam necessrias mudanas radicais. Ser que devemos pressupor que

    este tipo de caracterizao funcione como algum tipo de alerta, do tipo no desvie da sua

    conduta ou voc sofrer consequncias? No cotidiano japons, em especial nas famlias

    tradicionais, problemas psicolgicos podem ser resolvidos com profissionais, ou ainda, com

    um sacerdote de xinto ou budista. Trata-se, s vezes, de uma boa excurso e, o sacerdote

    encarregado da cura conversa seriamente com o menino, e alm de tudo, at mesmo o

    castigo mais severo sofrido pelas crianas japonesas considerado remdio. (BENEDICT,

    1972, p.224)

    Em Kuroneko Guardian, de Asuka Izumi, a frmula semelhante. Aoba, meio-

    japons e meio-americano, um jovem modelo, cantor e ator, com a carreira em plena

    ascenso. Diante de uma srie de ameaas, um jovem e bem treinado guarda-costas

    contratado, Kurose Tsukasa. Aoba encanta todos sua volta com seu sorriso e aparncia

    extica (tendo, todavia, sofrido com o preconceito, na infncia), exceto Tsukasa. A verdade

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    revelada: Tsukasa uma garota, disfarada de garoto para o trabalho; julga-se que mulheres

    no seriam consideradas eficientes para aquela funo. No tudo: nos primeiros trabalhos de

    Aoba, como modelo, o mesmo vestia-se como garota. Ou seja, nem todos os mangs seguem

    a mesma lgica da donzela indefesa/prncipe encantado. Mas mesmo assim, ambos

    continuam em diferentes nveis.

    Figura 2. Kuroneko Guardian, de Asuka Izumi. Disponvel em: http://www.mangasspace.com.br/

    Em mangs shoujo, a representao masculina possui caractersticas prprias. Em

    Vampire Knight, de Matsuri Hino, o protagonista Zero Kiriyuu antiptico, anti-social e por

    vezes, diretamente violento; contraste com o outro protagonista, Kaname Kuran, controlado,

    misterioso e calculista. Com um pouco de esforo criativo, poderamos certamente assumir

    que Zero representa o sadismo (visto que em muitas cenas ele violentamente atacado, ou

    quase morre) e Kaname, o masoquismo. Os dois personagens representam um claro

    antagonismo, mais visvel, porm em mangs shonen. Entre ambos, figura a personagem

    feminina e protagonista, Yuuki Kurosu. necessria essa presena para que o tringulo

    central da estria tenha sentido; a personagem que faz do mang ser um shoujo: ela

    representa, acima de tudo, a identificao do leitor com a trama.

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    Em Ouran High School Host Club, de Bisco Hatori, a comdia e a pardia apresentam

    ao leitor uma srie de personagens que so definidos apenas como um harm s avessas.

    Temos o protagonista, Tamaki Suou, romntico e narcisista o tpico prncipe encantado; os

    gmeos Hikaru e Kaori Hitachiin, provocadores e rebeldes; Mitsukuni Haninozuka, chamado

    Honey, representa o tipo fofinho (kawaii); Kyoya Ootori, equilibrado e inteligente; e

    finalmente Takashi Morinozuka, de poucas palavras. Estes, alm da jovem Haruhi Fujioka,

    disfarada de garoto para pagar uma dvida, fazem parte de um Host Club (Clube de

    Anfitries) cujo objetivo entreter as garotas do Colgio Ouran, uma instituio escolar para

    a alta-sociedade; o modelo do Colgio Ouran inspirado nas escolas europias. Constantes

    referncias so feitas no mang; trata-se de uma pardia de diversos gneros, afinal.

    Como j mencionado, o mang nasce de uma mistura entre o estilo ocidental de

    quadrinhos e algumas tradies do Japo, o que explica a existncia de muitos trabalhos que

    utilizam a prpria histria nipnica como tema de fundo. o caso de Basilisk, de Masaki

    Segawa, o qual se passa no perodo em que o Japo era governado pelos xoguns8. Por outro

    lado, um interesse crescente pelo passado ocidental vem crescendo, e o resultado encontra-se

    em histrias como Kuroshitsuji (no Ocidente, Black Butler) de Yana Toboso, o qual se passa

    na Inglaterra vitoriana e muito semelhante ao j mencionado (no quesito enredo) Hakushaku

    Cain de Kaori Yuki, o qual possui uma atmosfera sombria em suas histrias, muitas das

    quais envolvem crimes e situaes bizarras, o que j marca registrada desta mangak.

    Destaque para dois personagens: o delicado, porm inteligente e corajoso Conde Cain

    Hargreaves o jovem protagonista; seu fiel mordomo, com um passado misterioso, Riffael

    Rifcard (Riff) sempre o acompanha. J em Kuroshitsuji, o mordomo, Sebastian Michaelis,

    um demnio que faz um pacto com um jovem conde ingls, Ciel Phantomhive9. Em troca da

    alma de Ciel, o fiel demnio servi-lo-ia e o auxiliaria em sua busca para vingar a morte dos

    pais10. Apesar da relao entre os dois (Riff/Cain, Sebastian/Ciel) no ser caracterizada em

    8 Regime feudal estabelecido no Japo entre 1192 at 1867, quando famlias de militares tomaram o poder imperial, interrompido apenas entre 13331336.

    9 As idades dos personagens tambm so diferentes: Cain possui 17 anos, enquanto Ciel possui apenas 12.

    10 Interessante notar que muitos desses mangs, cujo enredo no se passa necessariamente no Japo, se passam na Era Vitoriana; tambm o momento importante da abertura do Japo para o Ocidente, a Era Meiji (1868-1945).

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    nenhum momento como romntica, ambos podem ser citados como exemplos introdutrios

    para dois esteretipos: o uke e o seme.

    Figura 3. O servial fiel e o problemtico mestre: Riff e Cain, de Hakushaku Cain, mang de Kaori Yuki.

    O uke e o seme so temas recorrentes, especialmente em mangs do gnero yaoi e

    yuri. Etimologicamente, uke significa defensor e seme atacante, mas na literatura figuram

    como posies de dominao em relaes homossexuais. O uke, o passivo, em geral trata-se

    de um personagem jovem, com pouca experincia, em algumas situaes, afeminado, porm

    com excees. O seme, ativo, mais velho, experiente, em alguns casos portando culos

    (provavelmente smbolo de experincia, ou de idade, associao com a gerao anterior ao

    shinjirui)11. Esta forma de esteretipo parece ter sido herdado de mangs heterossexuais para

    homossexuais. O uke o dominado, o seme o dominador; suas personalidades e aparncia

    fsica, em muitos casos, so opostas. No necessariamente feminino, mas o uke assume este

    papel. Os mangs de Shungiko Nakamura freqentemente utilizam esta mesma frmula; outro

    exemplo popular Sensitive Pornograph da autora Ashika Sakura. Os mangs de Ashika

    Sakura so abertamente explcitos; a maior parte de seus personagens, masculinos. As

    personagens femininas raramente aparecem, e quando o fazem, possuem um papel

    secundrio, perifrico, ou at mesmo antagnico.

    11 Com variaes, mas geralmente a aparncia fsica a mesma. O mencionado Love Neko uma dessas excees (o uke o mais velho).

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    Curioso, acima de tudo, que a maior parte dos mangs yaoi12 escrita por mulheres e

    tem como pblico-alvo jovens mulheres adultas13. O uso de erotismo e cenas com contedo

    sexual geralmente classifica o mang como lemon, termo quase que especfico de mangs do

    gnero. Na literatura com contedo heterossexual, utiliza-se o termo hentai14, que para os

    japoneses seria traduzido como pervertido, porm a mesma denominao tambm

    utilizada no yaoi e yuri. O yuri (termo japons que significa lrio), tambm mencionado,

    mostra situaes de homossexualidade feminina e em alguns casos, tambm recorre formula

    uke/seme, mas claro, com personagens definitivamente femininas.

    Os primeiros mangs do gnero Yuri apresentavam a seguinte estrutura de

    relacionamento: jovem personagem de cabelos louros (uke?) relacionando-se com

    personagem de cabelos escuros, mais velha ou experiente (seme?). Esta frmula foi seguida

    em vrios trabalhos, sendo um exemplo clssico o Shiroi Heya no Futari de Ryoko

    Yamagishi, publicado em 1971, sendo no somente um dos primeiros mangs yuri, como

    tambm um dos primeiros mangs ps-Segunda Guerra. Alm disto, o mang se passa em um

    colgio; cenrio extremamente comum e que ser analisado logo adiante.

    Outro ponto em relao a estes mangs, yaoi ou yuri, encontra-se no fato de que o

    grande problema para muitos dos personagens no aceitar a prpria opo sexual, ou a

    aceitao por parte da sociedade, mas sim o amor correspondido do outro. Em algumas light-

    novels15, como Lamento ~Beyond the void~ da produtora japonesa Nitro+Chiral, a maior

    parte da populao feminina havia sido morta por uma estranha doena, o que permitiria a

    aproximao entre os personagens masculinos. Ainda da mesma produtora, a light-novel

    Sweet Pool trata de homens que possuem uma espcie de parasita em seus corpos; sendo

    12 Yaoi uma abreviao de Yama nashi, ochi nashi, imi nashi, o que significaria algo como Sem clmax, sem ponto, sem significado, utilizado inicialmente como um eufemismo para o gnero.

    13 O mesmo pode ser dito do Yuri, apesar de que nos ltimos anos, alguns mangs tendo como alvo o pblico masculino foram surgindo. o caso de Strawberry Panic (yuri). Isso no significa, porm, que esses gneros no sejam lidos pelo pblico homossexual.

    14 Em alguns mangs, no to explcitos, mas com carga ertica evidente, tambm utiliza-se a denominao ecchi ou ero hentai. Hentai um termo utilizado principalmente no Ocidente, preferindo-se ero no Japo.

    15 Light-novels so vdeo-games, se que podemos cham-las assim, feitos a partir de animes, muito populares no Japo. As opes que o jogador faz podem alterar o curso da histria, levando um ou mais finais. O estilo grfico semelhante ao anime e ao mang.

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    que estes seres no sobrevivem nos corpos de mulheres, o que explica a atrao que o

    protagonista, Youji, causa nos homens sua volta.

    Figura 4. Exemplo de representao do uke/seme. Do mang Nekrateholic, de Maguro Wasabi. Disponvel em:

    www.chrno.com.br

    Nem todos os mangs, porm, apresentam estas relaes entre homens, ou entre

    mulheres, de forma direta ou explcita. Estes casos so classificados, geralmente pelos leitores

    ocidentais, como shounen-ai ou shoujo-ai. O termo ingls Boys Love (ou BL) tambm

    usado como sinnimo de Yaoi, enquanto Girls Love figura para Yuri.

    Pode-se dizer que dentre estes mangs e animes com contedo abertamente sexual,

    seja hetero ou homo, h opes para todos os gostos. Guro (Ero Grothesche), descreve

    situaes que beiram ao grotesco: sadismo, masoquismo, sexo e sangue, deformaes,

    violncia, tudo ao mesmo tempo. O gnero guro, todavia, no limitado apenas para mangs,

    e sim utilizado com uma literatura bem mais abrangente; recebeu muita influncia do

    Ocidente, em especial de desenhistas da dcada de 30. Nos ltimos anos, uma outra

    modalidade veio ser acrescentada, a tentacle rape, na qual a personagem violentada por

    algum ser ou criatura com tentculos. Lollicon e Shotacon so termos utilizados para designar

    histrias que apresentem relaes entre crianas e homens mais velhos (Lollicon para meninas

    e Shotacon para meninos). H uma forte preocupao por parte de muitos pases em

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    classificar estas histrias como material relacionado pedofilia, mas at que ponto o combate

    este tipo de mang, em um momento em que a facilidade de divulgao via a rede mundial,

    eficaz, fica a questo em pauta. E para completar, necessrio deixar claro que a maior

    parte dos mangs no produzida para leitores infantis16. Esta associao de histrias em

    quadrinhos com crianas foi um efeito produzido no Ocidente, com a popularizao do

    gnero.

    Sexo, compromisso e sentimentos no esto, necessariamente, no mesmo barco. As

    tradies japonesas so bastante claras: o casamento decidido pelos pais, o que talvez

    explique as vlvulas de escape ao compromisso que os mangs representam. O mang Hot

    Cherry, de Natsume Aiko, lida com a situao do casamento arranjado: a protagonista, Sakura

    Akeno, persuadida pelo av se casar com seu professor, homem admirado por todas as

    alunas; este, demonstra seu primeiro sorriso quando prova uma refeio feita por Akeno: o

    prottipo da mulher do lar do Japo. Sakura levanta cedo todos os dias para cozinhar para o

    futuro-noivo, como uma fiel e dedicada esposa.

    O modo como os japoneses vem a sexualidade, em muitas ocasies, causou uma

    sensao de estranhamento com os ocidentais. Inclusive, Ruth Benedict concluiu que muitas

    das leis relativas moralidade, elaboradas nas ltimas dcadas no Japo, devem-se apenas a

    esta cada vez mais constante aproximao com o Ocidente.

    No h dvida de que neste particular os americanos conseguem entender melhor os japoneses do que os chineses, mas mesmo assim de forma no muito aprecivel. Temos [os americanos] muitos tabus no prazer ertico que os japoneses no tm. um terreno em que, ao contrrio de ns, no so moralistas. () Os japoneses, mesmo nos primeiros anos de contato com o Ocidente, mostravam-se muito suscetveis a esta crtica estrangeira, e aprovaram leis visando pr seus hbitos mais prximos da conformidade com os padres ocidentais. (BENEDICT, 1972. p.156-157).

    16 E tenho quase que absoluta certeza que a maior parte dos quadrinhos americanos tampouco o so.

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    Figura 5. Hot Cherry. Disponvel em: www.mangasspace.com.br

    Se por um lado, muitos mangaks parecem permitir e explorar relaes homossexuais

    sem demonstrar algum preconceito direto, o racismo pode ser encontrado em outras situaes,

    especialmente contra negros. Antes de qualquer coisa, menciona-se o fato de que poucos

    mangs apresentam personagens afro-descendentes, com exceo de alguns trabalhos que

    surgem aps a dcada de 90, mas em muitos casos, a aparncia carregada de esteretipos: o

    mais visvel, os lbios de tamanho avantajado, cabelos em destaque e formato do rosto

    deformado. No mang Boku to Kanojo no XXX h uma cena em que uma personagem se nega

    a sair com um negro, em um momento visivelmente racista. O protagonista de Kuroneko

    Guardian passava por preconceitos quando criana, devido sua aparncia fsica (cabelos

    loiros, olhos claros, no o tipo tradicional do Japo).

    Segue-se o relato:

    Realmente, so comercialmente racistas, s vezes. Por exemplo, produtos eletrnicos, o japons s acredita quando fabricados no seu pas. J produtos de consumo, no tanto. Uma nova amiga, que recentemente veio do Japo, me contava que eles adoram artigos de griffe francesa, americana, inglesa, alem, italiana, etc. Mesmo custando muito caro. Exemplo: uma bolsa "La-vin" ou "Victor Hugo" custa cerca de US$ 300, ou seja, 20% de um salrio mensal razovel. (...) O sangue do Imperador circulando nas veias de cada japons, segundo a tradio histrica, que mantm o povo unido. Eis porque o japons se preocupe em continuar uma raa pura. (COUTINHO, 1993, p.115).

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    5. CONSIDERAES FINAIS

    Colocando o mang em uma condio histrica especfica a sua popularizao nas

    ltimas dcadas e num espao definido, percebe-se a existncia de modelos de personagens

    que so recorrentes nas histrias.

    Naturalmente este artigo torna-se bastante limitado quando se leva em conta o fato de

    que apenas alguns poucos mangs foram analisados; todavia, importante deixar claro alguns

    aspectos deste gnero literrio, por vezes muito mal interpretado no Ocidente, ou ofuscado

    pelos quadrinhos americanos.

    O mang representa sim, um smbolo da cultura japonesa, de um Japo em contato

    com o novo e o moderno (pelo menos sob o ponto de vista ocidental do que modernidade) e

    que cada vez mais se torna popular.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANDRAUS, Gazy. O fanzine de HQ, importante veculo de comunicao alternativa imagtico-informacional: sua gnese e seus gneros (e a influncia do mang). in LUYTEN, Sonia B. (org) Cultura pop japonesa: mang e anime. So Paulo: Hedra, 2006.

    BENEDICT, Ruth. O Crisntemo e a espada. So Paulo: Perspectiva. 1972.

    COUTINHO, Dirceu. A ordem e o progresso do Japo. So Paulo: Aduaneiras, 1993.

    COUTINHO, Eduardo. Na altura do olho. In. Histria Falada: memria, rede e mudana social. So Paulo: SESC SP. 2006.

    ECO, Umberto. Apocalpticos e Integrados. 4. Ed. So Paulo: Perspectiva, 1990.

    FOUCAULT, Michel. Histria da Loucura. 3ed. So Paulo: Perspectiva, 1991

    ORTIZ, Renato. O prximo e o distante: Japo e Modernidade Mundo. So Paulo: Brasiliense, 2000.

    SILVA, Tomaz Tadeu. (org). Identidade e diferena: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrpolis, RJ: Vozes. 2000.