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A ESCRITA DE NARRATIVAS DOCENTES Jacqueline de Fátima dos Santos Morais Inês Ferreira de Souza Bragança Rodrigo Luiz de Jesus Santana organizadores

organizadores A ESCRITA DE NARRATIVAS DOCENTES · quando estudantes da escola básica ou aventuras cheias de alegrias, tristezas e conquistas quando professoras. É nítido que a

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A ESCRITA DE NARRATIVAS DOCENTES

Jacqueline de Fátima dos Santos Morais Inês Ferreira de Souza Bragança Rodrigo Luiz de Jesus Santana

organizadores

1

A Escrita de

Narrativas Docentes

2

3

Jacqueline de Fátima dos Santos Morais

Inês Ferreira de Souza Bragança

Rodrigo Luiz de Jesus Santana (Organizadores)

A Escrita de

Narrativas Docentes

4

Copyright © dos autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser

reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta

os direitos dos autores.

Jacqueline de Fátima dos Santos Morais; Inês Ferreira de Souza

Bragança; Rodrigo Luiz de Jesus Santana (Orgs.)

A escrita de narrativas docentes. São Carlos: Pedro & João

Editores, 2017. 131p.

ISBN: 978-85-7993-375-2

ISBN: 978-85-7993-378-3 (E-book)

1. Narrativas docentes. 2. Metodologia narrativa. 3.

Formação de professores. 4. Vivência escolar. I. Título

CDD – 370

Capa: Hélio Márcio Pajeú

Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura

Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:

Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi

(Unicamp/Brasil); Nair F. Gurgel do Amaral

(UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil);

Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil);

Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil).

Pedro & João Editores

www.pedroejoaoeditores.com.br

13568-878 - São Carlos – SP

2017

5

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Porque viver e escrever “é um negócio muito

perigoso”

Jacqueline de Fátima dos Santos Morais, Inês

Ferreira de Suza Bragança

9

PREFÁCIO

Guilherme do Val Toledo Prado

Adriana Alves Fernandes

15

SONHO DE MENINA

Adriana da Silva Bandeira

21

LEMBRANÇAS

Adriana de Freitas Salomão do Nascimento

25

UM PINCEL, VÁRIOS PENSAMENTOS

Ana Flávia Alves Cenaqui

29

POR UMA OUTRA HISTÓRIA

Ana Lúcia Schilke

33

ACHEI O QUE PROCURAVA

Andréa Lopes Bogado

41

PROFESSORA QUE ENSINA, PROFESSORA

QUE APRENDE

Beatriz dos Santos Gonçalvez

43

6

DE SER E ME FAZER PROFESSORA, AS

LEITURAS QUE ME CONSTITUEM

Célia Regina Cristo de Oliveira

49

POR QUE NÃO ESTOU NA ESCOLA?

Geanny Cistina Batista Pereira Leal

55

“ILARILARILARIÊ, EU JÁ SEI LER!!!”

Inês Ferreira de Souza Bragança

59

UMA CRIANÇA E O DESEJO POR UMA

CAIXA DE LÁPIS DE COR

Jacqueline de Fatima dos Santos Morais

63

PARA ALÉM DE UM TELHADO AZUL

Jane Marchon Cordeiro Celestino

65

COMO ME FIZ PROFESSORA

Lenilda de Matos Pinheiro

71

AO MESTRE COM CARINHO... UMA

SINGELA HOMENAGEM ÀS MINHAS

PROFESSORAS E FORMADORAS

Luicilia da Silva Cordeiro Souto

79

VIVENDO O COTIDIANO DA ESCOLA:

ORA ALUNA, ORA PROFESSORA

Madeleine Pereira de Souza

85

BILHETE: GÊNERO TEXTUAL OU

MATERIALIZAÇÃO AFETIVA?

Maria Cecília Castro

89

7

MINHA HISTÓRIA DE PROFESSORA

Maria Celina Gonçalves Ferreira

93

MEMÓRIAS DE ITATIAIA: HISTÓRIAS

QUE ME CONSTITUEM

PROFISSIONALMENTE

Mercedes França Ramos

97

APRENDIZAGENS!

Priscila Bernardo Nepromucena

103

PEDACINHOS DE GIZ

Tamara Gomes

109

VIVENDO O QUE ALMEJO VIVER

Thayssa Nascimento

113

TIA, CONTA DE NOVO?

Viviane Gonçalves de Moura Emanuel

117

SOBRE OS ORGANIZADORES

123

SOBRE OS AUTORES 125

8

9

APRESENTAÇÃO

Porque viver e escrever “é um negócio

muito perigoso”

Jacqueline de Fátima dos Santos Morais

Inês Ferreira de Souza Bragança

Viver é negócio muito perigoso. (ROSA, 2006, p. 10)

Auto-bio-grafar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos.

Aparar é aqui utilizado em suas múltiplas acepções: segurar;

aperfeiçoar; resistir ao sofrimento, cortar o que é excessivo e,

particularmente, como se diz no Nordeste do Brasil, aparar é

ajudar a nascer. Esse verbo rico de significados permite

operar a síntese do sentido de bio-grafar-se, aqui entendido,

ao mesmo tempo, como a ação de cuidar de si e de renascer

de outra maneira pela mediação da escrita. (PASSEGGI, 2008,

p.27)

Há 20 anos o Grupo de Pesquisa Vozes da

Educação Memória(s), História(s), Formação de

Professores(as) vem construindo diálogo entre a

Faculdade de Formação de Professores da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ)

e as escolas do município de São Gonçalo, buscando

mobilizar memórias, histórias e saberes produzidos no

cotidiano escolar por professores, professoras,

estudantes e profissionais da educação. Nesse

caminho de ensinar-aprender-pesquisar-formar

10

afirmamos sentidos de uma epistemologia outra,

assentada no diálogo e em projetos emancipatórios de

sociedade e de escola.

Apostando, assim, que o saber pedagógico

instituinte não se circunscreve aos espaços

institucionalizados na Universidade, mas se produz

em uma tessitura teoriaprática, reflexãoação, nossas

ações de pesquisa-formação se dão nas escolas ou

contando com a presença das escolas na Universidade.

O E-book que apresentamos é fruto de uma dessas

ações: o curso de extensão “Encontros de Pesquisa-

Formação: A Escrita de Narrativas Docentes”.

Articulado ao Grupo de Pesquisa Alfabetização,

Leitura e Escrita e ao Grupo Polifonia, vinculados ao

Núcleo Vozes da Educação, este curso põe vida a

alguns dos princípios que orientam nossos fazeres com

o campo escolar, e não sobre ele: solidariedade, escuta

sensível, acolhimento à diferença, relação de

horizontalidade entre escola e universidade, dentre

outros princípios.

Nosso curso foi organizado em sete encontros

semanais, sempre as quintas-feiras, ocorridos entre os

meses de outubro a dezembro de 2015, na FFP/UERJ,

em São Gonçalo. Ocupando o horário da noite, cada

encontro nos provocava risos e lágrimas, silêncios e

palavras, cumplicidade e transbordamento de

emoções. Foram momentos nos quais nos sentíamos

acompanhadas no ato de auto-bio-grafar – ato no qual

escrever significa renascer de outra maneira pela

mediação da escrita, como diz poeticamente na

abertura deste texto, Passeggi.

11

Com previsão inicial de 20 vagas, a grande

procura resultou na abertura de mais vagas. Ao todo,

76 dentre estudantes e professores, preencheram um

formulário de inscrição disponibilizado na internet.

Confirmamos um total de 40 cursistas, adotando como

critério a atuação nas redes públicas de ensino. Ao

fim, tivemos educadores e educadoras do Rio de

Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. Todos

mostrando que temos muito que dizer e escrever sobre

a vida e sobre o ofício docente.

No Curso de Extensão as professoras vieram à

Universidade para encontros de pesquisa-formação

que tiveram como objetivos:

o Viver a experiência da escrita como um modo de

formação docente.

o Refletir sobre as possibilidades formativas da

narrativa (auto)biográfica de experiências

docentes.

o Contribuir com o processo de formação

continuada de professores, por meio da

constituição de espaços narrativos e de partilha de

experiências, incentivando a narrativa individual

e coletiva da memória dos sujeitos, possibilitando

um espaço de troca de experiências significativas

sobre suas práticas sociais e pedagógicas.

o Fortalecer os laços entre a Faculdade de Formação

de Professores e as redes de ensino, favorecendo o

diálogo entre os múltiplos saberes que envolvem

a vida, os processos formativos e as práticas

educativas na escola e na universidade.

12

Assim, o curso teve como foco promover a

produção de relatos escritos de experiências docentes.

Entendemos que estes textos podem ser

compreendidos, também, em sua natureza

autobiográfica, já que ao escreverem sobre seu

trabalho, as dimensões pessoais-acadêmicas-

profissionais se constituem em uma tessitura

indissociável. Desse modo, falar da profissão, da

prática docente, é falar da vida em movimentos de se

auto-bio-grafar.

E, assim, viver e escrever são desafios muito

perigosos. Na vida somos conduzidos por trilhas não

previstas ou planejadas, por encontros trans-formadores

com pessoas, coletivos, lugares. Na escrita

autobiográfica buscamos dar materialidade a essas

itinerâncias vividas, produzindo um renascer pela

mediação do texto. Renascer em uma sempre nova

versão de si, apontando para o sentido da vida como

obra de arte em permanente inacabamento.

Entendemos esse movimento - de ir sendo e se

fazendo ser humano no/com o mundo - como

revelador dos caminhos da formação humana e

docente.

Buscamos, desse modo, viver a escrita no

espaçotempo do curso de extensão como um modo de

autoformação docente. Para tanto, em cada encontro,

diferentes propostas estimulavam o enfrentamento da

folha branca. Munidos de papel e caneta, algumas

vezes de um lápis, íamos buscando traduzir em

palavras pequenos relatos de vida e de escola. Ao fim,

a leitura para todo o grupo, representava mais um

13

momento no qual a timidez, a insegurança, a dúvida

sobre a qualidade do escrito, eram convertidos em

empoderamento. A produção de pequenos relatos e

sua posterior leitura para o grupo nos dava a intensa

dimensão formativa da escrita narrativa.

Este E-book é constituído por vinte e uma

narrativas docentes. Após o término dos encontros, a

retomada e releitura do conjunto dessas narrativas nos

levou a perceber fios que tematizam trajetórias de

formação das autoras, caminhos percorridos para o se

fazer professora todos os dias e diversas experiências

docentes. Histórias de rir e de chorar. Considerando

que os fios temáticos citados se entrelaçam ao longo

das narrativas, optamos por não separar os textos em

grupos, eles estão em ordem alfabética pelo nome das

autoras.

O curso de extensão, e consequentemente o e

book, é fruto de um lastro de trabalhos indissociados

no campo da pesquisa, ensino e extensão, sendo

proposto e realizado por professores/as que já

possuem uma vinculação orgânica com diferentes

atores sociais da cidade, a saber, professores/as das

redes públicas, movimentos sociais e com diferentes

instituições que atuam em São Gonçalo e no entorno.

Por seu caráter extensionista e gratuidade, o curso em

tela, procurou incentivar a participação desses

diferentes atores em função do reconhecimento de

demandas no campo da temática proposta. O produto

final deste curso não poderia ser outro: um texto com

fim de ser socializado de modo mais amplo, em uma

14

publicação que extrapolasse as paredes da

universidade na qual realizamos o curso.

Como discutimos e aprendemos com o coletivo de

professoras participantes dos encontros de pesquisa-

formação, a narrativa, como expressão da existência

humana, implica em reflexão singular-plural, em

parar o ritmo cronológico e se permitir voltar sobre si

mesmo, fortalecendo os fios que, em cada ciclo de

nossa vida, dão sentido à existência. Como em toda

narrativa, ao escrever, ouvir ou ler somos tomados por

um processo reflexivo que nos convida a ressignificar

nossas leituras de mundo e práticas cotidianas, fica,

aqui, o convite à leitura e reflexão sobre as práticas

educativas.

Referências:

PASSEGGI, Maria da Conceição. Memoriais auto-bio-

gráficos: a arte profissional de tecer uma figura púbica de si.

In: PASSEGGI, Maria da Conceição; BARBOSA, Tatyana

Mabel Nobre (Org.). Memórias, memoriais: pesquisa e

formação docente. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus,

2008, p.28-42.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. RJ: Nova

Fronteira, 2006.

15

PREFÁCIO

De professoras a narradoras:

experiências reveladas!

Guilherme do Val Toledo Prado

Adriana Alves Fernandes

Ao acolher o pedido de escrita do prefácio do livro

“A escrita de narrativas docentes”, organizado pelas

Profas Jacqueline de Fátima dos Santos Morais e Inês

Ferreira de Souza Bragança e o Prof. Rodrigo Luiz de

Jesus Santana, tomamos como guia a palavra “aparar”,

indicada e proferida por Maria Conceição Passeggi na

epígrafe da apresentação realizada pelos

organizadores.

Ao aparar, e amparar, os textos do livro, damo-nos

conta da riqueza em palavras presentes nas narrativas

que neles estão escritas e inscritas.

Escritas que inscrevem as peripécias, as aventuras

de superação, libertação e insucessos de suas autoras

quando estudantes da escola básica ou aventuras cheias

de alegrias, tristezas e conquistas quando professoras.

É nítido que a proposta que levou as professoras a

escreverem suas histórias discentes e docentes foi

marcada por uma escuta sensível, o acolhimento das

diferenças pessoais e profissionais, o estabelecimento

de uma relação de horizontalidade entre as instituições

escolar e a universitária e, fundamentalmente, um

16

horizonte de trabalho estabelecido para e com todas e

todos os participantes fundado no princípio de

solidariedade a constituírem os encontros para a

produção e partilha das escritas de educadoras e

educadores das cidades do Rio de Janeiro, Niterói,

Itaboraí, Maricá e São Gonçalo – este último local sede

dos encontros.

E no contexto de uma produção escrita, a narrativa

foi eleita como, “expressão da existência humana, [que]

implica em reflexão singular-plural, em parar o ritmo

cronológico e se permitir voltar sobre si mesmo,

fortalecendo os fios que, em cada ciclo de nossa vida,

dão sentido à existência”, como disseram os

organizadores em um momento da apresentação do

livro.

Narrativa que, como aprendemos no GEPEC –

Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação

Continuada, sediado na Faculdade de Educação da

Unicamp, é uma produção cultural de um ser expressivo

e linguajeiro que necessita de um interlocutor para

constituir-se e ser constituído pelo e para o outro, em

encontros sociais presenciais ou intermediados por essas

próprias produções culturais. E essa ontologia – eu para

mim, eu para o outro, outro para mim – como nos ensina

Bakhtin (2010), nos leva a ter a vontade de viver em um

mundo narrado em que pessoas se encontram para a

produção de si em uma escuta responsiva e responsável,

em solidariedade e respeito.

As narrativas proferidas possibilitam a produção

de uma consciência sobre o vivido, de modo singular,

levando as narradoras a posicionarem-se ética e

17

esteticamente no mundo. Ao narrar, para si e para

outro, as narradoras colocaram-se em movimento de

interpretação e interpenetração do mundo da vida e

do mundo narrado, ampliando seus horizontes de

possibilidades e constituindo novas possibilidades de

ampliar a própria existência.

Voltamos as palavras proferidas pelas autoras das

narrativas com o sentido de compreender, em

algumas destas palavras, como é possível apará-las e

ampará-las com palavras que foram agenciadas por

elas.... Sonhos, lembranças, pensamentos... Adriana

Bandeira, Adriana Nascimento e Ana Cenaqui nos

tocam pela singela declaração de amor proferida,

produto da superação necessária em uma existência

infantil cheia de desafios, em que simples objetos

escolares constroem conquistas e pintam novas telas

nas paisagens escolares vividas pelas narradoras.

História, achados, aprendizados... Ana Schilke,

Andrea Bogado e Beatriz Gonçalvez nos convidam a

escutar histórias de fracasso e dor que mostram como

a cor da pele ainda é uma marca discriminatória em

nossa sociedade, mas que na atitude de ensinar das

professoras pode-se conectar outros modos de

aprender a SER na comunidade escolar.

Leituras, escola, alfabetização... Célia Oliveira,

Geanny Leal e Inês Bragança mostram a força dos

livros nos processos formativos para a docência. Elas

produzem em suas narrativas combinações entre

orgulho e satisfação na ação de ensinar e revelam a

força do comprometimento com a infância e seus

aprendizados no cotidiano do trabalho docente.

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Lápis, telhado, docência... Jacqueline Morais, Jane

Celestino e Lenilda Pinheiro nos transportam para o

interior da sala de aula e, com palavras meigas e

fortes, nos levam a imaginar os dilemas e escolhas que

muitas professoras enfrentam na relação com seus

estudantes, nos fazendo entender o quão intenso é o

desejo que cada uma têm em sair da cama e enfrentar

trajetos com obstáculos incomensuráveis para o

trabalho cotidiano na escola.

Carinho, alunos, bilhetes... Luicilia Souto,

Madeleine Souza, Maria Castro nos ajudam a

compreender como a experiências profissional

docente é prenhe de saberes e conhecimentos, que as

vezes acontecem antes mesmo da escolha profissional

e inscrevem-se na vivencia pessoal, constituindo

práticas que geram resultados que vão muito além dos

muros da escola.

Reflexão, profissão, identidade... Maria Ferreira,

Mercedes Ramos e Priscila Nepromucena nos

mostram que a ação docente é construída

cotidianamente na relação estabelecida entre seus

estudantes e profissionais da escola e da comunidade

na qual estão comprometidas, bem como nas práticas

reflexivas que de inúmeros modos, em múltiplos

tempos e lugares, cada uma realiza na medida de suas

capacidades.

Giz, Criança, Iniciação... Tamara Gomes, Thayssa

Nascimento e Viviane Emanuel narram as marcas das

primeiras experiências escolares, as surpresas e os

espantos com os saberes infantis nos primeiros

encontros e as lembranças rememoradas dos

19

primeiros projetos de ensino, conferindo às memórias

docentes a força da esperança que renova os votos

pela docência....

Aparar e amparar, todas essas palavras - Sonhos,

Lembranças, Pensamentos, História, Achados,

Aprendizados, Leituras, Escola, Alfabetização, Lápis,

Telhado, Docência, Carinho, Alunos, Bilhetes,

Reflexão, Profissão, Identidade, Giz, Criança, Iniciação

- carregadas de sentimentos e pensamentos das

narradoras - tanto da época de estudantes como de

professoras - fez-nos re-acreditar que a força da

docência necessita emergir do cotidiano escolar.

Força que precisa ser compreendida como saberes e

conhecimentos que necessitam dialogar com os saberes e

conhecimentos produzidos na universidade, para a

constituição de um campo de produção científica outra –

mais comprometida com os desejos de mulheres e

homens que produzem o cotidiano da vida. Só desse

modo é que vamos compreender que, como dizia Bakhtin

(2010), o inacabamento de cada um se faz presente em

cada um de nós a todo o instante, e que existe uma beleza

nesse estar inacabado que possibilita a reflexão partilhada

quando constituída em uma narrativa.

Na perspectiva assumida pelas narradoras, e nas

narrativas presentes neste livro, vemos que a escola

não é só lugar de sofrimento e de insatisfação.... É

também lugar de alegrias e satisfação, de produção de

inéditos-viáveis, como almejava o querido mestre

Paulo Freire (2011), de profissionais comprometidas

com a escola pública, com o ensino público, laico,

gratuito, de qualidade e com forte compromisso com a

20

ampliação do repertório sócio-cultural de seus

estudantes. Cada uma das narradoras, em sua

singeleza e simplicidade, revelou-nos a força da

singularidade, apresentou os rastros de seus

conhecimentos e saberes, não indiferentes a seus

muitos e memoráveis estudantes, construídos na

relação dialógica, potente e tensa, com seus outros

muitos e seus muitos outros de si mesmas, no

cotidiano de suas vidas pessoais e profissionais.

Por fim, para finalizar, queremos ressaltar que as

lições da experiência, que cada narrativa guarda,

quase como um segredo, podem colaborar na

produção da superação das adversidades que, neste

ano de 2016, vimos emergir.

O trabalho narrativo, porque produzido em

comunhão, e partilhado agora para tantas outras e

tantos outros profissionais da educação, produzem

outras possibilidades formativas, viabilizando a

construção de projetos emancipatórios e constituindo,

pelo trabalho, um digno ethos profissional docente.

Referências bibliográficas

Bakhtin, M. Por uma filosofia o ato responsável. Tradução

de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos,

SP: Pedro & João Editores, 2010.

Freire, P. Pedagogia do Oprimido, 50ª ed. Rio de Janeiro, RJ:

Editora Paz & Terra, 2011.

21

SONHO DE MENINA

Adriana da Silva Bandeira

Falar de memória sempre me remete à escola, lugar

em que passei os melhores momentos da minha vida. As

cartas dos alunos me fazem lembrar do carinho comigo.

O capricho de recortar a folha em formato de coração. As

ilustrações, dedicatórias e o encantamento que os

pequenos depositam nesse simples gesto que expressa

toda sua admiração e companheirismo pelo professor.

Recordo que, ainda menina, sonhava em cursar

Pedagogia. Lembro a alegria que sentia quando a

professora me pedia que apagasse o quadro ou fosse até

a secretaria buscar o diário de classe. Neste momento já

me sentia alguém importante. De alguma forma estava

tendo uma pequena chance de viver um sonho,

aprender as funções de uma professora.

Durante a infância, a brincadeira que mais me

atraía era brincar de escolinha com bonecas ou com

meus irmãos e coleguinhas. Na casa onde morava

tinha uma porta verde que parecia um quadro negro.

Este era meu brinquedo favorito. Nele escrevia para os

meus alunos com os pedaços de giz que pedia na

escola. Minha irmã (hoje professora) adorava minhas

aulas, já meu irmão não gostava tanto dessa

brincadeira e fugia. Quando estava na 4ª série (atual 5º

ano), consegui uma forma de me aproximar mais do

meu sonho: trabalhava dando aulas de reforço escolar

para três vizinhos que cursavam 1ª e 2ª série. Neste

22

momento algumas pessoas já diziam: essa menina vai

ser mesmo professora!

Sempre gostei de estudar. Fui representante de

turma algumas vezes. No ensino médio, na escola que

estudei, Colégio Estadual Dôrval Ferreira da Cunha, o

1º ano básico todos cursavam juntos. Era somente no

segundo ano que se optava pelo curso normal ou

curso de formação geral. Assim que iniciei no 1º ano,

período noturno, comecei a trabalhar como auxiliar de

professora da educação infantil no Centro Educacional

Gomes Gonçalves, lugar onde adquiri muitos

conhecimentos pedagógicos: cantigas, jogos,

brincadeiras, preparar atividades. Os exercícios,

naquela época, eram feitos com carbex. Atualmente

esse processo foi substituído pelas xerox.

Participava das reuniões de planejamento, o que me

fazia cada dia mais gostar dessa profissão. Ainda lembro

da festa junina, comemorações de dia dos pais, mães...

tudo era feito com carinho e dedicação para os alunos e

seus responsáveis. Adorava aquela sensação de

trabalhar com crianças, de poder ensiná-las. A

professora da turma, Grasiliana, era uma pessoa muito

carinhosa e amável com alunos, todos gostavam dela.

Me deixava a vontade para contribuir com ideias e

opiniões nas festas e projetos desenvolvidos pela turma.

Foi um ano de muitos aprendizados que carrego comigo

até hoje. Já no ano seguinte, em 1995, no qual faria a

escolha pelo curso normal, eu estava grávida. No

momento deixei que a emoção da situação falasse mais

alto. Acabei optando pelo curso de formação geral que

tinha um ano a menos de duração. Naquele momento

23

minha mãe trabalhava fora. Só poderia contar com

minha avó para cuidar do meu bebê a fim de que eu

fosse à escola. Pensava que naquele momento, minha

prioridade seria os cuidados e a educação de perto da

minha filha. Ainda assim não desistia do meu sonho.

Quando minha filha completou 5 meses fiz uma

pequena classe com 13 alunos na varanda de casa, onde

ali ministrava aulas de reforço para diversas séries desde

o primeiro até o quinto ano. No ano de 1996, conclui o

ensino médio. Quando minha filha foi para escola com

quase 3 anos, retornei para sala de aula na mesma escola.

Mesmo sem o curso normal assumi turma. Novamente

me sentia bem mas sabia que algo me faltava para

aquele cargo. No ano seguinte a escola encerrou suas

atividades. Pouco depois fiz um concurso para a

Prefeitura de São Gonçalo para agente comunitário de

saúde. Neste cargo a função era preencher fichas, visitar

pacientes acamados ou com dificuldades de locomoção

acompanhada da enfermeira, ou mesmo de um médico.

Era gratificante quando chegávamos à uma casa onde o

paciente não tinha condições nenhuma de chegar a um

posto médico. Esse era examinado, medicado e,

dependendo do caso, era transferido para um hospital

mais próximo, ou deveria retornar numa data pré-

estabelecida para um novo atendimento. Gostava do que

fazia pois ajudar o próximo é sempre bom. Porém meu

sonho continua vivo dentro de mim. O polo do médico

de família onde trabalhei era dentro de uma escola.

Sentia que não seria uma pessoa completa se não me

tornasse professora. No ano de 2011, ingressei na

faculdade para cursar pedagogia. O sonho começava a

24

se realizar. No início foi um pouco difícil pois estava 15

anos fora da sala de aula. Muita coisa havia mudado. A

tecnologia estava em todas as partes, me sentia meio

perdida com tantas informações, mas em momento

nenhum deixei me abater! Trabalhava durante o dia e

estudava à noite. Foram quatro anos de muita

determinação e dedicação. Logo no segundo período

comecei a estagiar e estava novamente numa sala de

aula de educação infantil. Hoje quando recebo cartas dos

alunos, sinto-me privilegiada por trabalhar na profissão

que sonhei desde a época das séries iniciais do

fundamental I, fase onde escrevia cartas para minhas

professoras. Nessa trajetória de aluna/professora aprendi

a cultivar a semente do amor em meus alunos, ontem

plantando hoje colhendo. Nos dias de hoje com as redes

sociais em alta, receber uma carta escrita à mão é uma

verdadeira declaração de amor. É o que sinto quando

recebo qualquer que seja o presente, homenagem ou ato

de carinho. A vida se tornou melhor quando conquistei

o meu sonho! No dia 11 de março de 2015 aconteceu a

minha formatura, um momento inesquecível. Já no mês

de maio, fui convidada pela coordenação do curso de

pedagogia para palestrar sobre a importância do curso

na minha vida profissional. Ainda busco uma

especialização em psicopedagogia, cursos na área de

alfabetização e letramento. Participo de todas as

palestras que a escola em que trabalho oferece. Quero a

cada dia aprimorar meus conhecimentos, ser uma

profissional melhor para os meus alunos.

25

LEMBRANÇAS

Adriana de Freitas Salomão do Nascimento

Ao buscar um objeto escolar significativo na

minha história, encontrei uma foto que me resgatou

lembranças e avivou meu coração. As lembranças

foram muito quentes.

Ao observar as fotos, voltei a um passado tão

presente que pretendo não perder mais nos guardados

da minha vida. As fotos escolares estavam presas nas

escritas do meu autorretrato.

Com o meu autorretrato, achei a minha história:

fotos, bilhetes, muitos sentimentos guardados em

alguns papéis. Nessa escrita, encontrei minha primeira

professora, minhas amigas da faculdade, revisitei

lugares, leituras, pessoas que já se foram...

Passei dez anos com essa escrita guardada e

agora, novamente, abro meu tesouro: minhas histórias

que se transformam num solo fértil de recordações.

Preciso trazer à tona essas memórias escolares.

Minha primeira escola foi Colégio Sete de

Setembro, no bairro do Salgueiro, em São Gonçalo. Era

simples, o uniforme eu achava bonito, o recreio era

maravilhoso. A matéria preferida era... Infelizmente

não tinha, mas tinha tia Glorinha, minha professora da

antiga 1ª série; era ótima e parecia que me amava e

compreendia.

Mas a escola que eu sempre quis estudar era o

Colégio de Dona Lucília: a escola estadual na rua da

26

minha escola. As crianças lá eram felizes, corriam,

brincavam na rua na hora de ir embora. Havia dias em

que não tinham aula, ganhavam lanches, parecia que

aquela escola era maravilhosa. Diferente de mim,

minha mãe não achava aquela escola boa, então tinha

que estudar na única escola particular no bairro.

Estudei no Sete de Setembro da alfabetização até o

sétimo ano (antiga sexta série) e sempre me fizeram

acreditar que eu tinha grandes dificuldades, era

incapaz, que todos eram melhores do que eu e, no

fundo, algumas vezes, eu também acreditava.

Buscava ajuda das amigas que sabiam mais,

estudava com minha mãe. Nessa escola o aluno não

tinha vez e voz. Em uma apresentação no Dia das

Mães, queria muito participar da música e da peça

Mamãe, mas não era chamada, só as mais quietinhas,

comportadas. Como eu não era assim, ficava de lado.

Esse episódio muito me marcou.

E assim foram meus sete anos nessa escola. As

frases que eu mais ouvia eram: “Ela não sabe, tem

dificuldades; é malcriada, bagunceira; adora

conversar; irá ficar em recuperação; é burra”. Mas

quando um professor disse para turma burra eu não

aguentei e claro respondi: Mais burro é o senhor que

dá aula para os burros.

Responder ao professor, dessa forma, em uma

escola particular tradicionalíssima, em bairro pobre,

nos anos de 1984, realmente a situação não era

favorável. De todas as frases que eu ouvia a meu

respeito, uma eu tinha certeza: “era bagunceira,” mas

27

alegre. Entendia que escola não era só para estudar,

mas também local de fazer amigos e ser feliz.

Finalmente consegui o que eu queria; sair daquela

escola, me libertar daquelas prisões. Minha mãe

conseguiu uma carta com o vereador e então fui

estudar em uma das melhores escolas de São Gonçalo

na época - E.M. Presidente Castello Branco. Fiz novos

amigos, sai do meu bairro, fiquei amiga das tias da

cozinha, porteiros, dirigente de turno e até do temido

diretor Ivan Sampaio, mas o caminho que eu conhecia

bem era o Serviço de Orientação Educacional (SOE); o

que precisava consultava às Orientadoras.

E aquela menina com problemas passou de

oprimida para líder e uma líder positiva. Em todas as

apresentações eu participava, colaborava com todos os

projetos da minha turma, minha mãe passou a receber

elogios. Ficar em recuperação, reprovação nunca mais!

Quando terminei o nono ano, o que fazer na escola à

noite? Tinha curso normal, como não tinha muita

opção, vamos fazer o curso normal. Percebo que foi a

escolha mais certa que fiz na minha vida. Terminei o

curso e, quando me formei, já estava lecionando em

uma escola particular e sentia-me muito feliz.

Mas o encanto da escola pública não saiu de mim;

então batalhei, estudei e consegui. Vocês não irão

adivinhar em qual escola escolhi para lecionar? A

escola de Dona Lucília, a unidade foi municipalizada e

agora é Escola Estadual Municipalizada Niuma

Goulart Brandão.

Tem crianças felizes, professores competentes,

mães doces, mães brigonas, infelizmente o crime

28

organizado ao redor da escola. Quando conseguimos

dar aula em paz, tudo é maravilhoso, mas muitas

vezes damos aula no chão com medo de balas

perdidas. A escola, nesses momentos que têm sido

constantes, entristece e a alegria vai embora e só nos

resta o pavor da morte. Ainda assim, continuamos

firmes, contribuindo para o sucesso dessas crianças

que são inteligentes, generosas, carinhosas, dedicadas,

também levadas, afinal são crianças. Há muita coisa

que falta nessa escola, mas fazemos o melhor com o

que temos.

Lembram-se daquela música que não pude

participar quando criança, “Mamãe, mamãe, mamãe

eu te lembro o chinelo na mão, o avental todo sujo de

ovo, se eu pudesse eu queria, outra vez, mamãe,

começar tudo, tudo de novo”?

Quando fui coordenadora em uma escola no

município de São Gonçalo, promovi uma festa do Dia

das Mães e como sugestão pedi essa música. As

professoras não gostaram muito, justificando que a

música era muito antiga para as crianças cantarem,

mas contei minha historia e elas aceitaram; só fiz uma

exigência: todas as crianças tinham que participar.

Na hora da festa, para minha surpresa, a música

foi apresentada em ritmo de Funk, com direito a

avental todo sujo de ovo, coreografia e todas as

crianças cantando, mães, avós emocionadas e os atores

principais eram as crianças mais difíceis da escola.

29

UM PINCEL, VÁRIOS PENSAMENTOS

Ana Flávia Alves Cenaqui

Num dia anterior a uma aula do curso, lembrei-

me do pedido da professora: trazer um objeto que

remetia a sua docência para o próximo encontro. Não

tive que pensar muito. Logo me veio à mente um

pincel. Porém, o pincel imaginado não está mais em

minha posse, pois neste movimento de emprestar

“suas coisas” no local de trabalho e não anotar a

quem, faz com que você não veja mais aquilo que

tinha. Mas, também, seria injusto reclamar, já que o

objeto lembrado era coletivo, adquirido com verba

pública, pertencente à unidade onde atuo. Então,

vendo por essa perspectiva, espero que ele esteja bem

onde estiver. O que fica é o seu valor simbólico, o meu

sentimento por ele, as memórias sobre ele que retomo,

neste momento, como forma de representá-lo da

melhor forma possível.

Pode parecer estranho falar tanto de um pincel.

Ou melhor, de um especificamente.. Cito-o, porque ele

fez parte de muitos trabalhos desenvolvidos por

minhas turmas ao longo de alguns anos seguidos na

Educação Infantil de uma unidade pública municipal.

Se não me engano, cheguei a ter uns três do mesmo

tipo dele (e “perdi” todos eles!), o que me permitia

colocar algumas crianças na mesma atividade ao

mesmo tempo.

30

Pensei nele por associá-lo à alegria de mexer com

tintas, registrando um determinado tema através da

pintura em um papel ou caixa ou sucata (e, por que

não, no próprio corpo?). Além disso, lembrei-me da

relação prazer X stress, já que toda “bagunça” tem que

ser limpa em algum momento.

Utilizar o pincel no meu trabalho é ter uma pré-

escola diferente da qual experimentei; é voltar à

infância que não tive e viver um pouco mais essa

etapa da vida, tão importante para o desenvolvimento

cognitivo e emocional do ser humano. E, toda vez que

utilizo pouco essa técnica no meu dia a dia

profissional, pergunto-me o porquê de estar deixando

isso acontecer, perdendo momentos bons e não

oferecendo mais lembranças significativas a quem está

ao meu redor.

Além disso, penso que faltou mais sensibilidade

de minha parte em deixar de ser um pouco professora,

nesses momentos de pintura, e aproveitar mais a

ocasião, observando cada segundo, cada atitude, cada

expressão, cada descoberta dos meus alunos.

Apresentar-me criança também! Deixar a situação

ocorrer de forma mais solta, mais livre, mais intensa.

Esses pensamentos me perseguem desde uma das

últimas atividades de tinta que realizei com minha

turma na Semana da Criança, em que foram dadas

grandes folhas brancas no chão do parquinho e potes

de tinta com seis cores básicas para os alunos

explorarem livremente os materiais com os dedos e,

depois, com o corpo. Não “vi” a atividade. Não “vi”

meus alunos. Apenas vigiei, fiscalizei. E, quando fui

31

pregar os papéis secos no mural, fiquei chocada com

as cores maravilhosas feitas por eles. Estive “cega”

quando fizeram!

Pensando assim, “enxergo” hoje que a experiência

vivida tem que ser a mais completa possível. O

retorno da professora sobre a atitude de sua turma

tem que ser de tal forma profunda para que o aluno

perceba “eu existo/estou sendo observado”.

É inimaginável o que um simples objeto foi capaz

de fazer com as reflexões de uma pessoa!

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POR UMA OUTRA HISTÓRIA

Ana Lúcia Schilke

A tessitura deste texto, caro leitor, se dá na

tentativa de trazer narrativas da minha vida escolar e

profissional, entendendo esse processo com

autoformativo. Ao escrever sobre mim, trazendo

minhas marcas, experiências, sentimentos e desejos,

sou convidada a olhar minha história como parte de

um processo de constituição identitária com estreita

relação com o meu fazer pedagógico. Olhar quem eu

fui e quem eu sou, tem o potencial de favorecer a

minha transformação pessoal, no sentido de recriar

formas de ser e estar no mundo. Os relatos

corriqueiros que marcaram minha vida podem

apresentar elementos significativos na superação de

determinadas dificuldades futuras que posso

vivenciar no processo intenso do viver.

A questão que se coloca como desafio então é:

Que memórias trazer? O curso de extensão Encontros

de pesquisa-formação: A escrita de narrativas docentes me

coloca tal desafio, além do debate acadêmico

permeado por estratégias de tessituras textuais que

jogam o aluno no abismo do encontro com o seu texto.

Tomo, então, como caminho, apresentar fragmentos

ora advindos da dinâmica da sala, ora dos meus

devaneios solitários com o texto. A princípio, talvez

sem sentido, o meu processo de escrita vai ganhando

materialidade e forma durante a sua construção. Não

34

procure de imediato uma lógica. Permita-me ainda,

leitor, convidá-lo a mergulhar na minha dor, no meu

amor, no meu sonho, para posteriomente, e

conjuntamente comigo, dar sentido a algo

momentaneamente sem sentido. Então vamos lá!

O Primeiro Dia

Cheguei atrasada para um encontro com a minha

história de professora e de pedagoga de uma rede

municipal de educação.

Atrasada porque narrá-la, por vezes, não ocorreu.

Estava perdida, despercebida e até esquecida da

minha história.

Atrasada, porque escrever, para mim sempre foi

difícil, doloroso.

Atrasada, porque aprender a escrever se deu

tardiamente, colocando-me durante um dado período

no lugar do não ser.

Mas chegou! Chegou a tempo de aprender a

escrever sozinha, com as colegas, com as as crianças.

Escrever, talvez, uma outra história a partir das nossas

histórias.

A escolha

Escolho a borracha como um objeto significativo

da minha trajetória estudantil, pois muito a usei

durante a minha vida escolar. Passo logo a explicar:

Minha trajetória escolar foi marcada por fracassos no

processo de escolarização, tornando fácil entender por

35

que tal objeto assumiu um lugar de destaque no meu

processo de formação. Possuidora de um lado mágico,

que fazia desaparecer as poucas palavras erradas que

eu conseguia escrever. Ao mesmo tempo, maléfica,

quando a professora apagava, à revelia da minha

vontade, tudo o que eu havia conseguido fazer, tendo,

assim, que começar novamente, sem muito entender o

porquê. Assim se fez nossa relação, acompanhando-

me diariamente... Mas de qualquer forma, aprendi a

respeitá-la, pois como uma moeda, a borracha tinha

dois lados, duas caras, que, por vezes, guardava

sozinha as dores e as alegrias de ser minha

companheira. Já foi lançada à parede, já foi suporte

para a cola, já levou até recadinhos de amor. Ou seja,

assumiu diversas missões impossíveis. E sempre lá....

Olhando mais um pouco para ela e deixando ser

levada pelos devaneios da escrita, penso em seu

potencial metafórico. O que gostaria de apagar da

minha vida escolar? Talvez esse lugar do fracasso, de

muitos alunos, como eu, de quem a escola roubou o

direito de ser mais. Até hoje brigo com o texto, por

vezes, ele é pouco prazeroso, chegando a causar muito

dor. Fui roubada do direito de, desde pequena, ter

uma relação amorosa com a escrita. Mas é verdade, a

borracha me ajudou bastante. Eu merecia poder contar

uma outra história. Então, minha amiga, vamos

apagar essa história e contar outra? Se não for a minha

porque esse passado não se apaga, que tal a dos meus

alunos? Fica o convite.

36

Tia, se eu soubesse falar, quem diria se soubesse

escrever....

Atravessada pelos percalços do cotidiano, sou

levada a pensar sobre questões que subjazem o

sucesso/fracasso escolar. Faço isso não teoricamente,

mas revivendo a minha trajetória escolar. Não quero

aqui falar de teorias que dão causa e/ou que podem

contribuir para a escrita de uma outra história. Quero

falar de algo que é tão particular, que só os que vivem

ou viveram esse tipo de fracasso podem falar. Faço

essa escolha porque é algo que se fala com alma e que

a teoria não dá conta de materializar.

Então, para mim, o convite para apagar uma

história de fracasso se inicia na tentativa de se

conectar com esta dor. Um dor que hoje sei colocar em

palavras e que, quando era criança, se traduzia em

apatia, medos e silenciamento. E digo logo: Até hoje

carrego medos variados que, para quem convive

comigo, podem não fazer a menor ideia de sua

origem.

Quero falar dessa dor porque cada criança a

expressa de uma forma, e nós, professoras, por vezes,

somos atravessadas, ou melhor, atropeladas por ela, e

não sabemos como lidar.

Neste encontro, da expressão da criança diante o

seu fracasso e o professor, saem, os dois muito

machucados, não só emocional, mas como fisicamente

também. Que professora não tem uma história de

conflito com seu aluno para contar? Então, queria

tentar falar com você professora, que vive ou viveu

37

esse dilema, esse impasse. Falar, porque adulta que

sou já conto com diversos dispositivos que me

possibilitam dar concretude a algo que as crianças,

muitas vezes, não conseguem materializar, dar

sentido.

Quero falar com você, como se eu fosse ela. A

criança que lhe respondeu, lhe xingou, lhe mordeu,

que arrancou o cabelo da amiga, que derruba todas as

cadeiras da sala, que a chutou várias vezes, que fica

fora da sala... Quero pedir para colocar a sua dor em

suspensão, porque óbivo que quem vive ou viveu isso,

também sofre, mas gostaria de pedir para você ouvir-

me, como se fosse ela. Então vou tentar.

Tia, se eu soubesse falar, quem diria se soubesse

escrever....

Eu começaria dizendo das vezes que não me senti

acolhida, reconhecida, amada, respeitada e isso pode

acontecer em casa ou na escola. Chego perto de você já

com algo anterior ao nosso encontro e não sei como

deixar tal sentimento, ou melhor, a falta dele, longe de

nós. É verdade, às vezes, você é tão carinhosa comigo

que fica difícil entender a minha reação. Às vezes, o

simples fato de você passar um dever que eu não sei

fazer eu sinto uma raiva tão grande, que chego até ter

raiva de você também, afinal quem passou aquele

dever?

Sim! Você sabe como eu reajo, mas o que eu

escondo nesta reação nem eu sei. Confesso que eu

também me assusto comigo. Mas nesta hora me sinto

38

livre, forte, pronta para o que der e vier.... Mas no final

de uma briga, de uma confusão vem uma dor... O que

poderia ser o caminho para superá-la é, na verdade,

mais uma dimensão da dor anterior... E aí você briga

comigo, todos brigam comigo.

Sei que você fala que eu vou aprender, que você

vai me ajudar, mas eu tenho pressa. Pressa de ser

entendida, amada, querida e, acima de tudo, bem

sucedida. Tia, você sabe onde eu moro? Com quem eu

vivo? O que eu como? Quantas vezes eu apanho? Por

que apanho? Tia, você sabe quem (não) penteia meu

cabelo, quem (não) me ajuda no banho, quem (não)

conversa comigo? Você sabe como e quando eu

brinco? Tia, você sabe se eu tenho pai e mãe? Tia, você

sabe o que acontece comigo quando você não está

comigo?

Então tia, eu não sei falar o que acontece? Mas se

eu soubesse escrever... Escreveria para você pedindo

para me olhar pensando em coisas que eu ainda não

faço, mas que eu preciso que alguém acredite que

possa fazer... Escreveria pedindo que inventasse uma

outra forma de me ver... Tia, também pediria para

você me desculpar por doar, para você, parte da

minha dor. Escreveria para você acreditar que eu sou

boa, amiga, inteligente, esperta e alegre.

Mas tia, você é tão grande, tão linda que eu sei

que você suporta... E eu, tia, que se soubesse falar...

quem diria se soubesse escrever .... Escreveria EU

NÃO SUPORTO MAIS !

Tia, será que depois de tudo que eu já fiz, você

pode tentar me ajudar?

39

Os atravessamentos e os (des)encontros... Encontro

com alunos e comigo mesma

Os textos que trago apresentam o fracasso como

trama. Escolho tal temática por acreditar haver uma

dimensão do trabalho pedagógico estritamente

relacionada com o ato de amor. Não um amor piegas e

desqualificado que coloca a profissão de professor no

lugar do dom e da doação. O amor a que me refiro é

um profundo respeito ao próximo que coloca a ação

docente em uma relação horizontalizada professor-

aluno. Na mesma medida, também clama por um

olhar diferenciado do professor que trabalha com as

classes populares. Um professor que precisa amar,

compreender, ensinar e aprender junto com o aluno

que a sociedade renegou. Esse caminho é difícil, pois

temos que apostar em algo ou alguém em que todos já

não acreditam mais. E só assim, por acreditar neste

aluno, e suportar as consequências desse total

abandono em que a educação se encontra, é que

poderemos coletivamente encontrar uma saída. Sei

que é difícil, pois nossa profissão não está alicerçada

apenas em um ato teórico; ela é antes de tudo um ato

político vinculado à compreensão de ser mais , mesmo

quanto todos já não acreditam nesse caminho.

Por isso, optei por essas três narrativas, que

provocam o debate sobre o sucesso/fracasso escolar,

pois nossas crianças precisam urgentemente que se

apague a escola do fracasso e necessitam da nossa

ajuda, para que assim, seja possível, escrever, uma

outra história a partir das nossas histórias.

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J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

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ACHEI O QUE PROCURAVA

Andréa Lopes Bogado

Escolher a profissão é um momento difícil. Muita

imaturidade e incertezas. Mas tentamos chegar ao

desejado, mesmo que tenhamos que mudar mais

tarde.

Minha primeira turma foi de Educação Infantil e

também meu primeiro emprego. Tinha muitos alunos,

quase trinta. Achávamos que ele era levado, mas com

o tempo percebemos que era carente e que guardava

alguma coisa. Em momentos de desespero, meu e

dele, ganhava um “ xixizinho” de presente e depois de

muito carinho ele chorava. Com o passar do tempo e

acompanhamento psicológico, o que estava guardado

explodiu e ele se revelou mais esperto ainda, fazia

todas as atividades. Muitas surpresas! Realizava todas

as atividades que parecia não saber. A partir dessa

experiência, fui pesquisando e aprendendo cada vez

mais com as vivências em sala de aula.

Lecionava na Educação Infantil e no período da

noite me graduava em Pedagogia. Estudar sobre

Educação é o que mais gosto de fazer. A graduação foi

concluída. Sim Senhor! Pedagoga! Como foi bom o

período na universidade, amizades, livros, palestras e

pipocas. Saíamos do trabalho direto e corríamos para

sala de aula, com fome e pouco dinheiro no bolso. As

xerox eram diárias e para serem estudadas com o

42

grupo eleito por afinidades, o nosso mata fome

principal...pipoca salgada.

Já atuava como docente no Ensino Fundamental I.

Mas o grande dia chegou... depois de um tempo

formada, fui convocada! Passar em concurso público

para o Estado é o desejo da “segurança”. Que delícia!

Agora vou trabalhar realizando um dos tantos sonhos

que ainda tenho, Professora no Ensino Médio – Curso

Normal! Foi uma doideira! Chegando à escola para me

apresentar, a Diretora disse: - Pode assumir suas

turmas agora! Gelo na barriga! O que farei? Sem

planejamento? Usei uma “Tática Docente”: Combinei

com os alunos como seria aquele dia e fui com tudo.

Incríveis conquistas revelam alguns objetos que

tenho guardado no meu armário, quando os toco e

observo, me recordo de tudo. O convite da formatura,

quem guarda, geralmente só você ou seus pais. Leio os

nomes das colegas e fico imaginando onde estão e o

que fizeram de suas vidas. Agora com facebook, quem

sabe consigo encontrá-las. Outro objeto é a primeira

placa de Paraninfa que recebi dos alunos do Curso

Normal. Ambos representam construção e conquistas.

Vamos, meus alunos, sejam Mestres e brilhem na

construção coletiva de conhecimentos. Hoje o meu

foco é o incentivo à pesquisa, pois em avaliação do

meu trabalho com os alunos, eles sinalizaram essa

vontade. Como eu acho que vontade não dá e passa, já

estou trabalhando nesse novo desafio. Achei o que

procurava!

43

PROFESSORA QUE ENSINA,

PROFESSORA QUE APRENDE

Beatriz dos Santos Gonçalvez

Tudo começou de verdade com a realização de

um sonho.

Começou porque foi a partir deste momento que

eu pude pôr em prática o trabalho em que acredito. As

experiências anteriores como professora de educação

infantil em escola privada foram muito válidas, mas

eu apenas reproduzia um trabalho pensado e imposto

por outra pessoa.

Então, sonho realizado: Passei no concurso

público!

Enfim, iria poder experimentar como seria

trabalhar de acordo com todos os meus saberes e

conhecimentos adquiridos, após leituras, curso

normal, graduação, cursos. E claro, teria muito a

aprender com aquelas crianças de 4/5 anos, em

período integral.

Tão pequenos, tão espertos!

Fui presenteada com 16 crianças, de cores,

tamanhos e realidades muito diferentes, mas com uma

coisa em comum: curiosos, muito curiosos!

O ano letivo começou e com ele muitas

brincadeiras, atividades, experimentos, conversas e

questionamentos... Deles e meus.

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Todos os dias, eu os observava em suas

brincadeiras, interações e conversas. Com o tempo, já

havia conseguido traçar um ‘perfil’ de cada um: a

esperta, a líder, o distraído, a bebezona, o calado... Ali

percebi que eu teria um desafio, não com eles, mas

comigo. Precisava cuidar do modo como eu os via e

ouvia, com mais atenção e menos rótulos.

Nossa convivência me ensinou muito. Vi a

discriminação racial de perto, tão cedo, tão triste.

Crianças brancas ou pardas que não aceitavam as

negras. Crianças que não se aceitavam como negras.

Crianças negras que não aceitavam as outras negras.

“Tia, eu não sou negro. Eu sou marrom.”

“Por que você emprestou seu copo para Lua e não

emprestou para Estrela?” – “Porque Estrela é preta.”

“― Estrela, você tem que mudar de cor!

― É mesmo Lua! Como eu vou posso fazer isso?

― Vai à praia, pega bastante sol e quando você

descascar, você fica branca.

― É mesmo! Foi assim com você?

― Foi. Eu descasquei e fiquei assim.”

“A única diferença da sala é que uns são brancos e

outros são pretos.”

Dessa forma, foram necessárias muitas mediações;

conversas; busca a músicas de cantores negros

brasileiros, contos africanos, capoeira.

“Alcione não é negra, olha o cabelo dela é liso e

loiro.”

“Lupicínio Rodrigues era negro, eu também sou.”

“Tia, eu sou negro!”

“Tia, que princesa linda! Ela é negra igual a mim.”

45

O resultado teve um saldo positivo. Muitas

crianças passaram a se aceitar e a aceitar os colegas

como são. Outras, não se aceitam ainda, mas evitam

falar sobre isso. Descobri que educar são tentativas,

são esforços; é suor querendo ver o melhor, querendo

ajudar, querendo construir.

“Tia, seu cabelo é de negro, não é?”

“Meu cabelo é cacheado, é de negro, igual ao da

tia.”

“Igual ao da Lelê, da história.”

Quando esse assunto foi perdendo o interesse

pelas crianças, eles mergulharam no “macio azul do

mar” com a música “O barquinho”. O tema que até

então seria trabalhado, foi deixado de lado por conta

de uma dúvida que surgiu:

“Volta do mar, desmaia o sol...” (Trecho da

música) ― “Desmaia o sol? Como o sol desmaia se ele

não tem corpo?”

“Como? Pra onde ele vai?”

Na tentativa de explicar, surgiram milhares de

outras perguntas que apenas naquele dia seria

impossível saná-las. Foi criado o projeto “Espaço

Sideral”, onde as crianças participaram de

experimentos para saber como funcionava o dia e a

noite.

“Enquanto está sol aqui, está de noite no Japão.”

“Claro. Japonês também tem que dormir.”

Assistimos a vídeos sobre o Sistema Solar, NASA,

estrelas; visita ao planetário móvel; experiência do

vulcão, experiência do ar.

“Eu gosto de Saturno, tem muitos anéis.”

46

“O Sol é mais forte que a lua.”

“O astronauta flutua na lua. É a gravidade.”

“Atmosfera é o ar que respiramos.”

“Fiz um desenho.” (disse Lua)

“O que é?” (perguntou Cometa)

“É um planeta.”

“Azul com bolinhas marrons?”

“Sim, porque nele tem água e terra. Mais água do

que terra.”

“Ah, então é a Terra!”

“A lua tem muitas fases, cheia, crescente, nova e

‘iluminante’.”

Muito feliz ao ver os alunos construindo seus

conhecimentos;, crianças desenhando planetas e

elementos do espaço sideral; escrevendo seus

nomes;contribuindo nas nossas conversas... Eis que

surgem mais dúvidas.

“Tia, o que faz a Terra girar?”

“Tia, a lua gira ou fica parada?”

“Por que caranguejo não gosta de água?”

“Por que o planeta Terra não cai do espaço?”

“Não sei.”

“Poxa, eu pensei que professora sabia tudo!”

“Eu também!”

Em meio a tantas descobertas, eu que acreditava

que tinha muito a ensinar, descobri que eu tinha ainda

muito o que aprender. Com eles, com as experiências e

com a vida.

Ser professor é um conjunto de experiências

diárias, vivências que como um quebra-cabeças, dia

após dia, vai se constituindo, tomando forma. Muitas

47

peças já se encaixam, mas ainda faltam muitas para

que um dia possa concluir... Ou talvez nunca conclua.

Só vivendo para saber.

Então, até aqui eu cheguei. Se estou no caminho

certo, eu não sei. Só sei que desde que entrei numa

sala de aula, eu nunca mais parei.

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J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

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M E R C E D E S

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N M A D E L E I N E

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DE SER E ME FAZER PROFESSORA, AS

LEITURAS QUE ME CONSTITUEM

Célia Regina Cristo de Oliveira

Os meus primeiros dias como aluna dos anos

iniciais, na escola pública, foram muito marcantes:

primeiro, graças a uma tia (irmã mais nova da minha

mãe), passei mais um ano dentro de casa, sem estudar.

Deveria ter ido para escola com sete anos completo.

Acabei indo com oito, pois minha mãe estava com um

dos meus irmãos recém-nascido e confiou a ela a

minha matrícula. Porém, ela perdeu prazo. Lembro-

me como se fosse hoje a chateação da minha mãe, mas

eu ficara feliz, por estar mais tempo em casa.

No ano seguinte, completando oito anos, fui

estudar junto com minha irmã mais nova que eu um

ano. Ela foi para a turma 101 e eu para a turma 103 ou

104. Só havia estudantes da minha idade ou mais

velhos. No primeiro dia, me recordo que todo o meu

material era novinho: lápis, borracha, apontador, um

caderno brochura deitado encapado com papel pardo

e etiqueta com meu nome. A professora só iria

conhecer ao chegar à escola. Ela se chamava

Marineide. Com voz doce e sorriso meigo nos recebeu

muito bem.

Na minha primeira atividade para pintar, passei

pela prova do empréstimo de materiais... Momento

tenso, pois vi que alguns colegas não possuíam

50

material, e eu, mesmo sabendo o quanto difícil foi

para minha mãe comprá-los, tentava seguir à risca o

que ela me pedia: “não empreste nada a ninguém”!

Mas, meu coração foi amolecido com as palavras dos

colegas que diziam que iriam me devolver sem

estragar. No final do dia, o saldo negativo: lápis

ruídos, com marcas de dentes, borracha comida e uma

enorme bronca seguida de uma puxada de orelha,

dentro de casa, após a revista dos materiais na

mochila. Meu primeiro dia não foi nada bom.

Com o tempo aprendi que deveria negociar essas

coisas, mas trocar com o quê se muitos deles não

possuíam nada para trocar? Nunca sentamos em roda

na sala de aula. Sempre olhávamos uns para as nucas

dos outros. Nunca também tivemos um livro para ler

em sala, além das cartilhas.

Em casa, tínhamos alguns livros por conta de

minha irmã mais velha estar mais adiantada e minha

mãe comprar enciclopédias que eram vendidas na

escola ou na porta de casa; algumas temos até hoje.

Detalhe, na minha casa não tinha estante para

acomodar os livros. Então eles ficavam dentro das

caixas em nosso quarto, em cima do guarda-roupa. A

escola chamada Senador Camará era muito pequena.

As mesas e cadeiras eram duplas, não dava para

separar. Com o tempo, fui entendendo que a escola

tinha seus ritmos e dinâmicas próprios. Minha irmã

mais nova era bem gordinha e tinha o privilégio de

comer e repetir a merenda. Ela adorava macarrão com

salsicha, e as merendeiras apertavam suas bochechas.

Ficava enciumada, é claro! E ela, ria à toa!

51

Mas o que de fato quero falar é do meu encontro

com os livros, pois sempre achei que livro e magistério

eram duas combinações possíveis e também de como

me fiz professora. Embora meu pai achasse que eu

seria economista, porque sempre guardava as moedas

que ele me dava, enquanto meus irmãos gastavam,

cresci pensando em ser professora quando um de

meus irmãos mais novos nasceu com uma perda

auditiva. Achava que ele teria dificuldade em

aprender a ler e escrever, então resolvi não mais

estudar contabilidade e fiz prova novamente, desta

vez para a Escola Normal Carmela Dutra, em

Madureira, onde me formei até o adicional, em

alfabetização.

Depois de formada fui trabalhar e me recordo de

ter ajudado muito pouco meu irmão nos estudos, mas

conseguimos matriculá-lo em uma escola pública em

Marechal Hermes, cuja turma era formada por

crianças com diversas dificuldades de aprendizagens

devido a algum comprometimento físico e

neurológico. Contava histórias para ele e os mais

novos. Não mencionei, minha mãe teve nove filhos.

Atualmente somos sete vivos.

Minha vontade de ser professora foi influenciada

também pelas freiras da paróquia em que frequentava

e na qual me tornei catequista. Dava aulas de

catequese com treze anos de idade para crianças e

adolescentes da minha faixa etária. Tinha que estudar

a bíblia e os livros. Preparava os encontros na igreja ou

na casa das freiras, em outra rua, distante da paróquia.

52

Aos poucos achava que ser professora era ser

igual a quem ensina a catecismo. Pregava o silêncio e

calma na sala de aula, falava baixo, e ouvia sempre

alguém dizer que eu tinha que me impor, do contrário

a turma iria me dominar. Com o passar do tempo,

frequentando outros espaços e tendo outras leituras de

mundo, fui me dando conta de que essa profissão é

por demais perigosa, desafiadora, instigante e também

angustiante. Mas, e onde entram os livros em minha

vida? Bem, vamos a eles.

A escolha pela temática das relações raciais, em

função dos diversos espaços percorridos, me fez voltar

o olhar para o cotidiano escolar e perceber que na rede

onde atuo, em Duque de Caxias, as crianças têm uma

cor predominante: elas são negras. E muitos colegas as

veem como incapazes, e sendo assim, impedidas de

seguir adiante. “Dominar” seus corpos negros, que

correm, pulam, atravessam a sala, movendo-se de um

lado para o outro, seu jeito de se expressar com gestos

variados me lembrou do livro: “Amkoullel, o menino

fula”, de Amadou Hampâté Bâ 1 , que tomei

emprestado de uma amiga.

Esse livro não é infantil, mas traz uma escrita

(auto)biográfica, marcada pela memória de um griôt

africano (pessoa escolhida pelo seu povo como

guardião de suas memórias e tradições, responsável

por recontá-las aos demais). Como me lembrei das

histórias e causos contados pelo meu avô materno.

1 Tradução Xina Smith de Vasconcellos. São Paulo: Palas Athena:

Casa das Áfricas, 2003.

53

Consegui compreender na leitura desse livro, um dos

muitos sentidos da escola e o que ela pode representar

para as crianças negras: quando o que se ensina tem a

ver com sua vida, e quando o que se ensina não faz

sentido para elas. Uma criança africana aprende falar

pelo menos cinco dialetos diferentes do seu, devido à

diversidade cultural de seus diferentes povos.

E vem a reflexão... A escola está pronta para

nossas crianças que vêm falando os diversos dialetos

de sua comunidade?! Fico pensando na parte que me

cabe nesse latifúndio. Tenho procurado conhecer e

adquirir livros que também possam contribuir para o

enriquecimento cultural dos meus alunos, para que

possam se reconhecer, para que se vejam e se sintam

também protagonistas de sua história. Num lugar

marcado por privilégios culturais hegemônicos,

aprendemos a decorar e recontar sem ler, diversos

clássicos universais, exaltando e potencializando a

cultura europeia: Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho,

O patinho feio, Cinderela entre outros.

Assim, os encontros com os livros que me

remetem à história e culturas africanas vêm se

constituindo como parte integrante do meu ‘fazer-se’

professora. Sinto que tais histórias e contos deveriam

estar junto das histórias já existentes, na mesma

medida e proporção, mas isso é apenas uma pretensão

minha, pois educar para as relações raciais, requer

atuar por várias rotas, ousar trilhar vários caminhos

para além da escola.

Hoje podemos contar com a produção de livros

infantis e infanto-juvenis que trazem a história de

54

diversos reinos e povos africanos, que revelam uma

África múltipla e diversa, não reducionista a animais

ferozes, rituais tribais, à pobreza, às desigualdades,

tais como existem em todos os lugares do mundo,

fazendo-nos crer que sempre foi assim e assim será.

Como se nesses lugares não houvesse civilidade. Essas

outras publicações, diferentemente do que alguns se

acostumaram, mostram um continente rico e potente,

que tem neve, que tem castelos, que tem reis, rainhas,

tem encantos e magias, animais diversos, mas que,

sobretudo que tem uma história que não começou

agora, começou com o início da própria humanidade.

E assim, todos nós, quem sabe um dia possamos

constituir nossas bibliotecas e acervos, em nossas

mentes, tais como sabemos de cor os clássicos

europeus e podermos contar e recontar para as

próximas gerações outros contos, outras

possibilidades de ler a vida, de ler o mundo, dentro e

fora da escola.

55

POR QUE NÃO ESTOU NA ESCOLA?

Geanny Cistina Batista Pereira Leal

Lá estávamos nós, lembro-me da estrada de terra

batida, barro seco, onde o ônibus passava e levantava

uma grande cortina de poeira. Ah nós, eu, meu pai,

minha mãe mais 1,2,3 irmãos.

Saíamos de um barraquinho pequeno no Morro

do Borél na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro e senti

muito estranhamento em saber que iríamos nos

mudar dali para acolá, sei lá, Nova Iguaçu, município

da Baixada Fluminense. Sei estas localizações hoje,

antes só percebia que era longe, pois levávamos muito

tempo pra chegar. Achei tudo tão diferente, terra,

barro, bichos, até a água tinha gosto naquele lugar.

Quintal grande, casa grande, meu pai iniciou a

plantação, milho, manga... muita coisa diferente... e

naquele ano nada de escola.

Parecia que só eu não estudava naquela rua...rua

de muitas casas e muitas crianças...brincávamos até

tarde, com jogos de correr, pular, esconder e depois de

um tempo, beijar... Pera, uva, maça, salada mista...

nunca consegui a “bitoca” em quem desejava.

Depois de chorar, espernear, vi minha mãe

iniciando, o que posso chamar de, inserção ao paraíso,

fui matriculada.....

Não sei, e já explico o que não sei... após anos de

estudos e de falta deles, resolvi tentar o vestibular

para Pedagogia na UERJ. Corri na casa de minha mãe,

56

que ainda residia naquela rua, rua onde brincávamos

até tarde, e pedi que ela me ajudasse, procurando nas

caixas que abandonei quando casei, alguns

documentos, pois o que tinha em mãos não estava

correto. Faltava mencionar a 1ª série, só tinha a 2ª e

pelas minhas contas, nos idos de 76 eu já tinha 8 anos.

Ou seja, se estou com 8 na 2ª série o documento da

primeira deveria estar em algum lugar, separado, por

ter sido feito em outra escola talvez... Grande

surpresa, estudei na mesma escola os primeiros, que

deveriam ser quatro anos mas foram três, na mesma

escola. Bem, explicando o que não sei. “Mãe, por que

eu não estudo? Por que não estou na escola?”. Não

tenho resposta, ainda, mas foram cerca de um ano e

meio só brincando naquela rua até tarde.

Sempre quis ser professora? Minha infância

responde isso?

Em meio a tantas estripulias fora de casa, dentro

já tinha minhas atividades recreativas prediletas,

montar salas de aula com bonecas. Um quadro negro

de cerca de 40 cm de largura por 40 de altura foi me

presenteado por meu pai, veio com giz branco, mas eu

disse que precisava do colorido. Questão difícil prá

resolver, já que já éramos 6 irmãos e tudo ficou mais

difícil pra ser adquirido. Larguei a escola de bonecas

por falta de material. Lamentei e cheguei a pensar em

pedir que fosse feito um quadro na parede... não foi

possível também. Fim daquele sonho... início de

outros.

57

Sonhei passar os muros

Vida que segue, final do 1º grau, caminhada difícil,

faltava tudo, uniforme, que na época era comprado

pelos responsáveis dos alunos, falta de material, pelo

menos dos que desejávamos. Entrava na adolescência e

os conflitos com meu pai se acirravam. Não concordava

com nada que ele dizia ou impunha, na mesma

proporção ele discordava de tudo que eu solicitava e

desejava. “Vou ser enfermeira”, dizia eu, “guarda de

trânsito”.... Algumas amigas optaram, ao finalizar esta

fase, pelo magistério, no Instituto de Educação Rangel

Pestana, construção antiga no centro de Nova Iguaçu.

Como eu desejei transpor aqueles muros! Mas foi a única

grande decisão que consegui tomar na época, para

provar para meu pai que eu tinha poder decisório sobre

minha vida. Que momento mais errado pra provar que

eu tinha voz, dei um tiro no pé, no meu pé e não no dele.

Fui para escola de formação geral. Vinte sete anos se

passaram e eu estava exatamente onde deveria ter

passado, no Instituto de Educação! Depois deste evento

resolvi percorrer fazendo ou não o “gosto”, de seja lá

quem for, o caminho na e da educação. Transpus os

muros da UERJ Maracanã e depois do serviço público

como professora. Até hoje ainda tenho uma alegria, que

já se transformou em suaves sorrisos solitários nas

subidas das rampas dos Centros Integrados de Educação

Pública (CIEPs), ou um toque de vaidade quando

respondo a uma pergunta, quase afirmativa: “- É...

professora?”, “Sim, sou!”. Às vezes acho que deixo

transparecer esse envaidecimento... com muito orgulho.

58

L

I N Ê S U L

J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

G U I L H E R M E I I

T L L

A D R I A N A I D

V I V I A N E A A

G M A R I A

M E R C E D E S

T A M A R A

N M A D E L E I N E

J A N E O

Y C É L I A

B E A T R I Z

A N A

T H A Y S S A

A N D R E A

P R I S C I L A

59

“ILARILARILARIÊ, EU JÁ SEI LER!!!”

Inês Ferreira de Souza Bragança

Aceitei com alegria e expectativa a proposta da

minha companheira de trabalho no Grupo Vozes da

Educação, Jacqueline dos Santos Morais, para

desenvolvimento do curso de extensão que

intitulamos Encontros de Pesquisa-Formação: A Escrita de

Narrativas Docentes, realizado, no segundo semestre de

2015, na Faculdade de Formação de Professores da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ).

Os encontros reuniram professoras da educação básica

e cada uma de nós foi desafiada a escrever a narrativa

de uma experiência docente. Partilhamos oralmente,

no coletivo e em pequenos grupos, escrevemos e

refletimos sobre as potencialidades da escrita.

Minha narrativa retoma experiências instituintes

dos meus primeiros anos na docência...

Ao concluir o curso normal, no Instituto de

Educação Professor Ismael Coutinho, fiz um concurso

público para o Estado do Rio de Janeiro e, em março de

1988, estava na sala de aula como professora da Classe

de Alfabetização 1 (CA1), do Centro Integrado de

Educação Pública (CIEP), localizado no bairro do

Colubandê, em São Gonçalo. Cheia de sonhos,

expectativas, chorava todos os dias ao voltar para casa -

é que o “comportamento” da turma não correspondia

aos meus sonhos de estudante do Normal. Minha mãe

60

dizia: “Desiste, minha filha! Você não vai aguentar”.

Mas a menina que parecia frágil resistiu...

Um grupo de dezoito crianças em processo de

alfabetização: lindas, inteligentes, idades entre 7 e 9

anos – algumas já cansadas da escola. Escola de

horário integral em processo de desmonte, durante o

governo Moreira Franco.

Fui me fazendo professora, aprendendo com

Roni, Ercilene, Elizabeth – alunos-mestres;

aprendendo com a coordenadora pedagógica e com as

colegas que, de diferentes formas, me socorreram. Eles

foram aprendendo a ler, escrever, ensinar... No final

do ano, em um daqueles sagrados momentos de

“tomar leitura”, Lúcio saiu correndo pelo corredor:

“Ilarilarilariê, eu já sei ler!!!”.

Como professora dos anos iniciais, foram sete anos

consecutivos em sala de aula. Nos primeiros três, com

classes de alfabetização e, depois, com outros anos de

escolaridade. Nesse período, além do CIEP, trabalhei na

Escola Estadual Professor Francisco de Paula Achilles, no

bairro do Anaia Pequeno, também em São Gonçalo.

Escola de difícil acesso e com ares de escola rural. Nessa

segunda escola, atuei com turmas numerosas e de alunos

mais velhos, alguns já adolescentes na, então, 4a. série .

Vivemos juntos experiências que, para mim, foram

especialmente formativas: aulas-passeio pelo bairro,

desenvolvimento de projetos interdisciplinares e o desafio

de trabalhar com o livro didático adotado pela escola e

que, na época, 1992, era comprado pelas famílias. Ao

trazer à memória esse tempo das minhas primeiras

experiências docentes, vejo quanto a prática pedagógica e

61

o cotidiano das escolas vai sendo desenhado em

contornos sócio-históricos. Nesses sete anos, não tive

alunos(as) incluídos em minhas turmas (Onde eles

estavam? Em casa, afastados da escola? Em escolas

especiais?); não havia um programa nacional de livro

didático, os materiais eram comprados pelas famílias.

Hoje, quando estou nas escolas de São Gonçalo e

Niterói, com meus alunos da graduação em

Pedagogia, somos atravessados por muitos desafios e

tensões, mas vejo que o processo de municipalização e

as políticas públicas, das últimas décadas, trouxeram

mais recursos para as escolas: uniforme e material

entregues pelas Prefeituras no início do ano, materiais

didáticos, livros e jogos.

O que vivi como professora nos anos iniciais foi para

mim experiência no sentido proposto por Walter

Benjamin (1993), acontecimentos que me tocaram,

atravessaram, trans-formaram. Experiências formadoras

que se inscrevem na memória e retornam sempre

ressignificadas pela narração. A experiência, assim, não se

permite apreender pelo tempo linear, não se contabiliza,

não se traduz em: “quantos anos de experiência

profissional você tem?. Ela se multiplica em lógicas não

matemáticas, em fios e cores que se unem à tessitura dos

nossos saberes e modos de ser e estar no mundo.

Referências:

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e

política. São Paulo: Brasiliense, 1993.

62

L

I N Ê S U L

J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

G U I L H E R M E I I

T L L

A D R I A N A I D

V I V I A N E A A

G M A R I A

M E R C E D E S

T A M A R A

N M A D E L E I N E

J A N E O

Y C É L I A

B E A T R I Z

A N A

T H A Y S S A

A N D R E A

P R I S C I L A

63

UMA CRIANÇA E O DESEJO POR UMA

CAIXA DE LÁPIS DE COR

Jacqueline de Fatima dos Santos Morais

- Minha mãe não deixa eu emprestar!

Foi assim que, aos 7 anos, tive meu primeiro

contato com o que seria, durante muitos anos, meu

grande desejo de consumo: uma caixa de lápis com 36

cores diferentes. Aquele objeto representava para mim

um verdadeiro luxo, muito distante das possibilidades

financeiras de minha família, moradora do subúrbio

do Rio de Janeiro, de poucas posses, mais preocupada

com o que teríamos para comer e beber, do que com a

estética de uma pintura escolar.

- Eu não vou estragar! Juro!

Eu dizia àquela menina palavras entrecortadas de

suspiro. Soltava sons titubeantes. Por fim, engasgava

com meu próprio dito. Mas apesar de meu empenho e

esforço, nada parecia tirá-la do território de poder que

se encontrava. Não haveria de me emprestar um lápis

de cor sequer. Aquela colega de turma possuía a chave

para minha felicidade mas não desejava compartilhar.

- Minha mãe briga comigo se eu emprestar.

Tentava inutilmente convencer a colega, sem

saber ao certo como, de meu cuidado e zelo. O olhar

de menina que se habituara a viver com cores

primárias, queria agora a beleza dos mil tons. Mas era

inútil.

64

- Diz para sua mãe comprar para você.

Eu blasfemava em silêncio contra a injustiça de

um destino que me havia reservado uma família

pobre. Derrotada, fui para meu lugar na sala de aula.

Sentei-me à carteira escolar, me conformando com as

cores que havia no meu pequeno estojo: seis lápis de

cor.

Diante do desenho que a professora nos havia

dado para colocar uma lágrima escorreu em minha

face. Não era apenas pelos lápis de cor que a vida

havia retirado o direito de possuir. Era também pela

solidão que me atravessava naquele momento.

Então, como saída de um antigo conto, se

aproxima uma fada a sussurrar:

- Toma essa caixa de lápis de cor. Pode usar. É

minha.

Ao meu lado, acompanhando aquela cena desde o

início, se encontrava a professora Lúcia. Eu era,

naquele momento, a pessoa mais feliz de todo o

mundo.

65

PARA ALÉM DE UM TELHADO AZUL

Jane Marchon Cordeiro Celestino

- “Saiu no jornal!” Disse uma amiga. Compro o

jornal e lá estava: Jane Marchon Cordeiro –

APROVADA. Ali mesmo na banca de jornal, tomei as

palavras de Cinderela e gritei: “É como um sonho que

se realiza!” Tinha esperado muito por aquele

resultado. Enfim, minha matrícula e a possibilidade de

retornar à escola pública onde estudei grande parte da

vida escolar.

Recebo o telegrama! Chega o dia da escolha e lá

vou eu com uma “listinha” de escolas, feita com o

auxílio de amigas e com alguns critérios: escola mais

próxima, perto da pista, “fácil acesso”...

Quando chegou o dia e horário marcados para a

escolha da escola, encontrei muitas professoras, todas

com o mesmo objetivo que o meu. Pareciam ter

xerocado a minha lista. Para minha desilusão e das

outras professoras, nenhuma escola da lista estava

relacionada para escolha. Sou a próxima. Chamam

meu nome. Sento e logo vem a pergunta: “Vai pra

onde?” A pergunta parecia ter me empurrado para o

mesmo buraco que Alice caiu em sua história.

- Não sei! Respondi.

A funcionária me apresentou uma lista, que não

passava nem perto da que idealizei.

- Você mora onde?

- Para você, o ideal são essas.

66

- Onde ficam estas escolas? Indaguei.

Em minutos, precisava fazer a escolha. Pelas

referências que me deram, optei pela escola que ficava

atrás da criação de avestruz. Esse lugar, eu conhecia,

pois quem passava pela estrada, não tinha como não

avistar as belas e exóticas aves. “É só saltar em frente”,

diziam as informantes.

Enfim, peguei o memorando. - É para lá que eu

vou! Volto para casa e planejo minha ida para

conhecer a escola no outro dia, pois como era período

de férias, a escola funcionava em meio período.

No dia seguinte, ao saltar no ponto da “criação de

avestruz”, comecei a procurar pela escola, que

“diziam” ficar logo atrás... muito atrás. Mas isso eu só

descobri ao caminhar “pela estrada afora”. Ao

caminhar, percebi que subia uma colina, lugar com

poucas casas, alguns sítios, mas nada de escola, da

escola de telhado azul. Perguntei a uma pequena

menina, que viria a ser minha aluna, onde havia uma

escola naquela rua. Ela simplesmente apontou e disse:

- Ali! Olhei e logo percebi que a escola não tinha

telhado azul, como as que tinha como referência. Não

ficava perto da pista, pois andei mais de 30 minutos

para chegar, mas... Subo mais um pouco e do alto da

colina, me deparo com uma das mais belas paisagens

que já vi, além de ser informada pela pequena menina,

que me acompanhou até a escola, que aquele lugar

chamava-se Bela Vista. Entendi o recado.

Respirei fundo, bati ao portão e logo veio Dona

Ana, senhora de andar miúdo, voz sussurrada que

atendia na secretaria. Quando entrei, era como se

67

estivesse entrando na escola da Tia Nastácia: uma

escola municipal do bairro onde morava, mas

conhecida por esse nome por Tia Nastácia ser a

diretora há muitos anos.

Nessa escola, vivi bons momentos e conheci uma

incrível professora, Maria Luiza, que me proporcionou

a construção de novos olhares. Um deles era a

valorização da escola pública. Como era coerente sua

fala! Como acreditava em nós, seus alunos! Ela fez a

diferença naquele lugar. Com ela, aprendemos a

trabalhar no coletivo, a reconhecer a escola como

espaço de ações que pudessem, por nós, serem

praticadas. Éramos parte da escola. Ali começavam

nossas relações de pertencimento.

Na escola que para nós já não era mais da Tia

Nastácia e sim nossa, havia três frondosas

amendoeiras, daquelas de montar um balanço, brincar

à sua sombra e quebrar amêndoas em busca de

coquinhos. E, nesse episódio, em Bela Vista, reencontro

as amendoeiras, na pequena escola da colina, que não

tinha telhado azul, mas nela havia muitas marcas, que

me faziam recordar a minha infância.

Além das amendoeiras, na escola havia

dependências muito simples e bem pequenas. Conheci

o espaço físico com Dona Ana e enfim entreguei-lhe o

memorando. Ao conversarmos um pouco, ela me

relatou sobre a turma da 1ª série complementar de 28

alunos. Com uma apresentação nada estimulante, a

partir de seu olhar, poderia já sair dali e não mais

voltar, porém eis que depois ela ainda me trouxe os

diários. Era a confirmação documentada e, em cores,

68

do que ela havia me contado. Praticamente era a maçã

da branca de neve de tão vermelho!

Voltei para casa e agora era aguardar o retorno

das aulas. Mediante a tudo que ouvi, muitos

questionamentos vieram durante aqueles dias, afinal

estava optando em sair da escola que trabalhava por

12 anos, como professora de Educação Infantil e

depois como Coordenadora Pedagógica. Era o porto

seguro! Aceitei aquela nova experiência desafiadora;

sabia ou imaginava os desafios que encontraria. Mas

eu queria! Mesmo com os relatos de D. Ana e o rubro

diário, eu escolhi voltar. Com dia e hora marcada fui

eu ao encontro das crianças que me aguardavam na

escola. Aguardavam?

Peguei dois ônibus, saltei no ponto da avestruz,

andei meia hora, subi a ladeira, entrei pelo portão e ao

chegar, encontrei no refeitório as mães dos alunos me

aguardando com a diretora. Afinal era a nova

professora da turma. Que momento! Me apresentei às

mães, falei de onde eu vinha, que bagagens trazia em

minha mala, e que propostas pretendia trazer para a

turma. Apresentações feitas, fui conhecer as crianças.

Finalmente entrei na sala, dei” boa tarde” e antes

que arriasse minha bolsa... instaurou-se o inquérito:

- Cadê a tia?

-Ela é a tiaaa!

-Ela é a tia? E a outra?

- Foi “expulsada”!

Em meio a tantas perguntas, percebi que as

crianças não sabiam que a mudança aconteceria após o

recesso. Deixei minha bolsa na mesa e fomos

69

conversar sobre a situação. Nos apresentamos, e ali

tivemos a primeira, de muitas outras conversas.

Dando continuidade ao nosso encontro propus às

crianças fazermos o registro da agenda do dia.

Expliquei a proposta da agenda, porque a faríamos

diariamente... Logo começou a confusão!

- Tia, que caderno?

- Caderno de quê?

Querendo resolver a situação disse com a voz

sobressaltada diante da confusão:

- Peguem o de Português!

E escuto:

- Hoje era Matemática! (os alunos tinham um

horário das disciplinas). Mas nem todos também

trouxeram o caderno de Matemática.

Respirei e disse:

- Perfeito! Hoje é o dia de usar o caderno que

quiserem.

- Qualquer um? Perguntaram desconfiados.

-Sim, o que mais gostarem! Respondi.

Acalmada a situação dos cadernos, começamos

enfim, a organizar a agenda do dia. Durante aquela,

que poderia ser para muitos uma atividade simples de

registro, observei que as crianças tinham cinco

cadernos, apresentavam dificuldades em se organizar

com eles durante o registro.

Meu primeiro encontro com aqueles pequenos,

revelava como o “muito” pode ser tão “pouco”, diante

das pistas dadas por eles; tinham tantos cadernos,

livros, horários de aula... precisavam muito mais do

que escolherem o caderno de que mais gostassem.

70

Nossa rota de trabalho precisava ser apontada para

outro destino, que fizesse mais sentido a todos.

Eu não tinha a receita, mas sabia que a escola de

Bela Vista, como a da minha infância, escondia uma

potência muito além das notas registradas nos diários

de classe, das pilhas de cadernos... e de um telhado

azul.

71

COMO ME FIZ PROFESSORA

Lenilda de Matos Pinheiro

Ser professora, não foi algo que aconteceu por

acaso em minha vida. Acredito que a docência

começou a fazer parte de mim, ainda nos primeiros

anos escolares. Alguns fatos marcaram a minha

trajetória escolar e foram fundamentais para que eu

escolhesse a profissão ou ela me escolhesse. A minha

primeira professora era minha tia, irmã de meu pai.

Isso aconteceu em meados dos anos 70 em um bairro

de zona rural no município de Saquarema. Quando

ninguém tratava a professora de tia, eu chamava a

professora de tia, por ser minha parenta. Concepção

que tomei conhecimento que existia na época da

Faculdade e que tinha o propósito de desvalorização

da professora, ideia esta, criticada por Paulo Freire e

que eu acatei em minha vida profissional. Como tinha

acesso a sua casa fora dos horários escolares, podia vê-

la preparando suas aulas e o capricho que tinha com o

material. As atividades e provas eram feitas uma a

uma, letra por letra, folha por folha. Encantava-me os

carimbos com as mais diversas figuras que utilizava

para que escrevêssemos o nome e realizássemos as

demais atividades, dentre elas a classificação dos tipos

de conjuntos. Não sei como ela conseguia organizar

tudo, já que dava aulas para quatro turmas em um

mesmo espaço. Não tinha mimeógrafo, aliás, acredito

que nem sabia que existia uma forma mais rápida de

72

fazer provas em tão pouco tempo. Imaginar que

existiria um computador com impressora que tornasse

a vida do professor mais fácil, era algo impossível

naquela época.

Essa experiência com a minha tia, ainda que com

pouca idade, fazia nascer em mim o interesse pela

profissão. Além disso, ela tinha carro, uma casa

melhor que a minha, tinha melhores roupas e na

minha concepção era fruto do trabalho como

professora. Meus pais trabalhavam na lavoura e a

minha vida era muito difícil, pois ainda que com a

mais tenra idade ajudava-os na colheita. Minha tia não

trabalhava na lavoura, porque dava aulas. Foi se

formando em mim a ideia que quem era professora

não precisava trabalhar na roça e ainda tinha melhores

condições sociais. Faltava em mim, porém a concepção

do papel que um professor exerce na sociedade.

Todavia, nem tudo era uma maravilha. Lembro-

me de alguns colegas ficando de castigo ajoelhado em

cima de caroço de milho. Eu nunca fiquei porque

minha mãe estudava comigo a tabuada. Tinha colegas

que diziam que a professora, por ser minha tia, nos

ensinava mais. O que eles não sabiam era que minha

mãe nos colocava para estudar todos os dias fazendo

uso de lamparina já que não tinha energia elétrica.

Registrei no plural porque a minha irmã mais velha

também fazia parte da turma. Havia várias séries na

sala. Era uma Escola que ficava nas terras do meu avô

paterno. Antigamente era assim, a pessoa fazia a

Escola e geralmente a esposa, uma filha ou outro

parente é quem dava aulas sem fazer exame de

73

seleção. Algumas pessoas nem tinha a formação

necessária, apenas um pouco de conhecimento e

conseguia. Minha mãe conta que quem ia ser a

professora era ela, mas meu avô usou a influência

política para colocar a filha.

Trazendo um pouco mais da memória do meu

primeiro ano escolar, recordo-me que tive a minha

primeira decepção. Era uma prática da minha tia ou

da pedagogia da época premiar/ recompensar os

alunos destaques. No caso em questão, aqueles que

tirassem a nota máxima. Embora eu fosse uma aluna

estudiosa, não consegui. Na prova de Matemática, eu

tirei noventa e oito e esse fato não deixou que

recebesse o tão sonhado prêmio. Minha irmã ganhou e

eu não. Como chorei. Não entendia que precisava tirar

100 nas quatro provas. O presente foi um cabide de

roupa com a figura de três patinhos em alto relevo na

cor coral.

No ano seguinte, a Escola foi desativada, pois a

prefeitura fez uma Escola nova, mas em outro local,

com várias salas, secretaria, banheiros. Por falar em

banheiro a Escola anterior não tinha banheiro. Quando

precisávamos, íamos ao mato ou plantações. A Escola

antiga era um salão grande com cadeiras, mesas e um

quadro-negro. Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo

com a mudança de Escola. Triste porque só os alunos

da primeira e segunda série, hoje segundo e terceiro

ano do Ensino Fundamental, é quem estudaria lá. Os

demais iriam para uma Escola Estadual e feliz porque

a minha tia não seria mais a minha professora, pois

tamanha era a decepção que a perda do presente havia

74

causado em mim. Todavia, a chegada à nova Escola

tirou toda mágoa que pudesse existir, uma notícia me

deixou em êxtase. Fui informada que minha

professora se chamava Lenilda. Poderia existir algo

mais encantador que ter a professora com o mesmo

nome que o meu? Para aquela criança sonhadora, não.

Minha vida como professora teve seu início em

1985, quando terminei o curso de Formação de

Professores. O dia da minha formatura foi muito

especial para mim. Receber o certificado das mãos da

diretora do Colégio e junto com ele um recado que

precisava falar comigo após o evento foi emocionante.

Confesso que fiquei muito curiosa, pois nem

imaginava do que se tratava. Não sabia se curtia a

festa ou se pensava no recado dado ao pé do ouvido.

Ao término da festa dirigi-me à diretora que me falou

com a voz meiga que eu tinha sido uma das alunas

que havia se destacado em minha turma e estava

sendo contratada pelo Colégio para assumir a terceira

série, hoje quarto ano do Ensino Fundamental. Nada

nesse mundo poderia me fazer mais feliz. Além de

estar conquistando um sonho que era tornar-me

professora, conseguia também naquele momento o

meu primeiro emprego.

Naquela época pensava que trabalharia por

muitos anos naquela instituição. Quem sabe a vida

inteira. Todavia, a experiência durou pouco. A minha

postura diante das questões pedagógicas e políticas

fizeram com que fosse desligada de minhas

atividades. Foi um choque muito grande para mim, tal

qual quando não recebi o prêmio das mãos de minha

75

tia. Via naquele momento as minhas ideias sendo

descartadas. Não porque elas não eram coerentes, mas

porque iam de encontro com a visão reducionista da

Escola e as convicções políticas-partidárias que ela

mantinha. Porém o que parecia o fim era o começo de

uma nova era. Decidi que nunca mais trabalharia em

escola particular e tão somente em Escola Pública

onde pudesse colocar na prática as ideias e realizar

atividades que contribuíssem para o crescimento dos

alunos.

Muitos pais dos meus alunos e de outras turmas

não entenderam a minha saída e como confiavam em

meu trabalho me contrataram para dar aulas

particulares para os seus filhos. Trabalhei como

professora particular durante 2 anos, deixando a

função porque prestei concurso sendo aprovada e

assim assumi as minhas primeiras turmas, turma esta

multisseriada que tinha características muito

semelhantes as da Escola que estudei a primeira série.

Começava ali a minha carreira profissional e cabia

somente a mim, ser uma profissional diferente de tudo

aquilo que me incomodava em minhas professoras e

em suas aulas.

Meus primeiros anos escolares como aluna e

como professora foram marcantes e contribuíram para

que determinassem que profissional seria. Aprendi

que professor precisa estudar ter formação adequada

para atuar no magistério, visto que precisa saber as

características de seus alunos, que castigos e punições

podem traumatizá-los, além de ser crime e com isso

contribuir para a evasão.

76

O Curso de Formação de Professores foi só o

começo de um longo período de estudos que persiste

até os dias atuais. Em 28 anos de magistério trabalhei

com diferentes séries, segmentos e disciplinas, assim

como em diversas funções. Fui Inspetora Escolar,

Orientadora Pedagógica, Orientadora Educacional,

gestora, visto que me formei em Pedagogia e em

Letras anos mais tarde. Todavia, uma situação

ocorrida logo nos primeiros anos de docência me

mostrou que ser professor é poder olhar além das

aparências. É acreditar no potencial do aluno

independentemente de nota, de classe social, de

religião. É saber respeitar as individualidades dos

alunos. É amar o que se faz.

Ao chegar recém concursada em uma escola fui

informada que tinha uma aluna da Alfabetização que

chorava muito, pois não queria estudar e por isso

mordia todo mundo que tentasse colocá-la em sala ou

que se aproximasse por qualquer outro motivo. A

princípio fiquei receosa, mas como trabalharia com a

Educação Infantil imaginei que dificilmente teria

contato com ela. Ledo engano. Em meu primeiro dia

de aula foi uma das primeiras crianças a encontrar no

pátio, porém recebi dela um sorriso. Amor à primeira

vista de ambas as partes. Esse acontecimento fez com

que a aluna passasse a frequentar a minha sala de aula

e não mais apresentasse tantos problemas. E o que fiz

foi alfabetizá-la, mesmo trabalhando com a Educação

Infantil. A escola havia criado todo um estereótipo em

torno da criança por ser negra, pobre, andar

constantemente suja, diferente das demais que não

77

possuía nenhuma das características apresentadas

acima, excluindo assim qualquer forma de contato. Na

verdade, Luciene, como era chamada, era uma criança

que precisava de atenção e de carinho. As atitudes da

menina ao morder eram para se defender do

preconceito que sofria dentro da escola.

As práticas realizadas pela minha primeira

professora também foram fundamentais para eu

pensar o meu fazer pedagógico. Nas várias situações

descritas vimos momentos de dedicação, prêmios,

castigos entre outras práticas. Assim, serviu para que

refletisse que profissional gostaria de ser. Seria uma

professora tradicional que apenas usasse o quadro de

giz ou que fizesse uso de diferentes materiais

pedagógicos? É claro que optei pela segunda

alternativa. Um professor deve acompanhar as

inovações tecnológicas de forma que suas aulas sejam

atraentes e despertem nos alunos o interesse por

aprender. Então sempre procurei planejar minhas

aulas me colocando no lugar deles, pensando como

gostariam que fossem as minhas aulas, se motivadas

ou não, refletindo qual era o melhor prêmio senão a

aprendizagem de todos e trabalhando com eles os

erros e acertos.

78

L

I N Ê S U L

J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

G U I L H E R M E I I

T L L

A D R I A N A I D

V I V I A N E A A

G M A R I A

M E R C E D E S

T A M A R A

N M A D E L E I N E

J A N E O

Y C É L I A

B E A T R I Z

A N A

T H A Y S S A

A N D R E A

P R I S C I L A

79

AO MESTRE COM CARINHO... UMA

SINGELA HOMENAGEM ÀS MINHAS

PROFESSORAS E FORMADORAS

Luicilia da Silva Cordeiro Souto

Dedico todo o meu processo de formação aos

meus professores, a começar por tia Elisa. Com seu

olhar atento, percebeu que aquela aluna que saía do

seu lugar para sentar-se à frente do quadro e copiar as

atividades tinha muito interesse em aprender, e a

encaminhou para a enfermeira da escola. A

enfermeira, então, a colocou na lista de um grupo de

crianças que faria o exame de vista. Com a autorização

dos responsáveis, a enfermeira levou as crianças de

“van” para fazer o exame, sendo diagnosticada a

miopia. Então, a Associação Fluminense de Educação

doou os primeiros óculos àquelas crianças que

apresentaram problemas relacionados à baixa visão,

devolvendo a elas a esperança e convencendo-as a

acreditarem que o problema não era desinteresse, e

sim uma questão de saúde que interferia na

aprendizagem. E dentre aquelas crianças, estava eu:

menina, franzina, mas com muita vontade de

aprender.

Lembro-me que foi ,em 1994, o Brasil conquistou

o tetracampeonato e eu também uma campeã, pois já

estava conseguindo aprender as primeiras de muitas

palavras. Uma dessas foi a palavra BRAHMA. Eu

80

fazia um esforço danado e lia BRANHA e não

entendia o porquê de as pessoas falarem BRAMA.

Então, minha finada tia Cacilda explicou que nem

tudo que se lê, se escreve.

Segui, com êxito, a minha trajetória escolar.

Minha família passou a sonhar com o futuro. Em 1998,

iniciei uma nova etapa da minha vida ao ingressar na

quinta série (hoje sexto ano do Ensino Fundamental)

no CIEP 434 Antonieta Campos da Paz. A dedicação

das minhas professoras me inspirou a seguir a carreira

no Magistério. A professora Rosa ficava indignada

quando alguns alunos referiam-se à escola com a

seguinte nomenclatura: “Brizolão”; ela, então,

retificava com a sua voz firme: “Não é Brizolão! É

Centro Integrado de Educação Pública!”. Durante a

realização das atividades, eu costumava colaborar

com os colegas, até que um dia a professora Rosa disse

que eu tinha jeito para professora.

Aquelas palavras estimularam em mim o grande

desejo de, um dia, tornar-me professora de Português

e Inglês, minhas disciplinas preferidas. Sentava-me à

mesa, de frente para a professora, pois queria muito

estar perto dela e indagá-la acerca de suas rotinas,já

que passei a sonhar em ter a vida delas, das minhas

professoras. Sonhava em cursar a faculdade de Letras

para lecionar Inglês.

Meu pai achou na rua um livro didático de Inglês,

e então passei a sonhar acordada; o quadro era a

parede da minha casa, os alunos eram invisíveis, e aos

poucos foram chegando as crianças da vizinhança

para participar da minha brincadeira. Eles se tornaram

81

meus alunos e levavam seus deveres de casa para

serem feitos. Quando minha mãe e minha avó

estavam de bom humor, faziam até bolo e suco para

oferecer a elas. Com o tempo, fui esquecendo a

brincadeira e aos poucos as crianças pararam de ir à

minha casa; algumas, porém, continuaram. Alguns

pais ou responsáveis das crianças passaram a me

procurar como explicadora, mas eu não cobrava e

recebia livros velhos; tenho um até hoje de capa

vermelha. E adivinha?! É um livro de Inglês. Cheguei

a pensar em doá-lo, mas desisti. Quem sabe um dia eu

ainda faço um curso de Inglês?

Meu processo de formação não terminou no

Curso Normal, até porque precisei interrompê-lo;

confesso que foi uma decepção ver meu sonho

escorrer das minhas mãos e acreditei que nunca mais

seria professora. No Instituto de Educação, eu havia

feito amigos e nos estágios pude vivenciar na prática o

meu sonho, mas aprendi que na vida tudo é

aprendizado e que os sonhos não morrem, e sim

adormecem. Em fevereiro de 2005, fui convidada a

trabalhar na escola que aprendi a ler e a escrever.

Comecei na secretaria da escola, e em pouco tempo fiz

um teste para assumir a turma da segunda série

(terceiro ano do Ensino Fundamental). Foi muito

desafiador, até porque eu ainda não era formada e tive

que retornar ao curso de Formação de Professores.

Como o curso era por módulos, eu poderia continuar

estudando na escola do bairro e concluir o Ensino

Médio.

82

Ao término do curso, notei que ainda era

necessário ampliar meu conhecimento e conquistar a

tão sonhada matrícula na rede pública de ensino. Foi

quando, em meados de 2007, ingressei no curso de

Pedagogia em uma instituição privada. Durante o

segundo período do curso, na disciplina de Iniciação

Científica II, a professora propôs que cada graduando

construísse um Memorial sobre a trajetória de vida,

formação e relatos da primeira pesquisa de campo.

Recordo-me que a maioria dos graduandos insistiu

para fazermos a pesquisa de campo na escola que

trabalhávamos, e ela, com todo seu jeito especial de

ser, nos orientou que deveríamos ter outro olhar sobre

as estruturas de funcionamento da Instituição de

Ensino; se interferia ou não nos processos de ensino e

aprendizagem. E sendo na escola que atuávamos,

iríamos olhar com o coração, e naquele momento era

necessário assumir uma postura de pesquisadora, só

assim refletiríamos sobre as práticas pedagógicas

cotidianas da escola.

A partir desse trabalho, passei a ter outra postura;

vi-me em confronto entre teoria e prática. Percebi o

quanto se fazia necessário um embasamento teórico,

mas como aplicá-lo, se parecia tão distante da minha

realidade? A faculdade nos levava a um exercício de

muitas leituras, reflexões, trabalhos, acrescidos das

avaliações, mas o que de fato eu buscava era uma

“receita” pronta de como encantar o aprendizado das

crianças. Compreendi, com a pesquisa, a ter um olhar

neutro acerca das realidades para melhor contribuir

com as práticas da escola e da minha própria atuação

83

docente, descobrindo também que não existem

fórmulas prontas, mas que a prática nos leva a

“aprimorar” as receitas já conhecidas.

No ano de 2011, conquistei a tão sonhada

matrícula pública; e mesmo trabalhando longe da

cidade em que residia, tive muito interesse em

participar das formações que a Equipe Técnico-

Pedagógica oferecia aos sábados. O curso era por

adesão e refletia sobre os processos educacionais da

criança; era um movimento de pesquisa-ação. Durante

as formações permanentes, construímos conhecimento

e compartilhamos nossas experiências.

As formações influenciaram meu olhar sobre a

prática na Educação Infantil, até que me interessei em

comprar uma câmera fotográfica para registrar todos

os trabalhos realizados, já que esse material ajudaria

significativamente no meu crescimento profissional,

tornando-me uma mediadora do processo ensino-

aprendizagem dessas crianças.

As observações iam além da escola, incluíam

família e comunidade, ensinando e aprendendo o

lúdico por meio da desconstrução dos brinquedos,

levando os alunos a olharem qualquer objeto como

objeto para brincar. Como exemplo, as crianças

utilizaram sacolas plásticas como pipas,

experimentando as sensações do vento, o que levou ao

problema do descarte do lixo e à preservação da água,

pois elas passaram a observar o destino das sacolas

pela comunidade, e com isso trabalhavam também a

cidadania. Em outro momento, ao brincarem no

escorrego e fazer a fila para aguardar a vez, a criança

84

também aprendia a ser cidadão, ao respeitar o direito

do outro e a esperar a sua vez.

Com a experiência profissional adquirida – e há

muito mais por vir – valorizo mais às professoras que

passaram em minha vida, que orientaram a ser o que

sou hoje, pois por meio das trocas de experiências,

principalmente nas formações, criamos laços fortes na

profissão e de amizade, passando a torcer uma pela

outra, já que estamos no mesmo barco com o mesmo

objetivo: melhorar a prática docente para atender com

qualidade as crianças da Educação Infantil.

Escutei uma frase de uma estagiária que passou

por minha sala, que muito me inspira a procurar

melhorar cada vez mais o meu trabalho: “Obrigada

pelo carinho e pela parceria. Se você mudar de escola,

me avise, pois seu trabalho contribuiu muito para o

meu estágio. Hoje tenho outra visão do que realmente

é Educação Infantil”. Parafraseando Paulo Freire,

também “criamos laços de amizade e

camaradagem...”.

85

VIVENDO O COTIDIANO DA ESCOLA:

ORA ALUNA, ORA PROFESSORA

Madeleine Pereira de Souza

Ser professor é antes de tudo, ser também aluno. Ser

uma professora agora, nesse momento de minha vida, é

ter que resgatar da memória um passado vivido por

mim, mas não qualquer passado, um passado escolar.

Revisitar esse passado é reviver momentos, amizades,

experiências, risos, lágrimas, vitórias, fracassos...

Confesso que é difícil esse "voltar atrás", porém

encontrei algo que me ajuda nessa retrospectiva: o MSN

de papel. Você não sabe o que é isso? O MSN é um

aplicativo na internet que se usa para se comunicar de

forma escrita (digitando) com outras pessoas

instantaneamente. Para aquela época esse era um grande

avanço e o início de uma evolução na vida de todos nós.

Por volta dos anos de 2006/07, cursava o Ensino

Médio no Colégio Estadual Machado de Assis (CEMA),

no Fonseca, em Niterói. Aliás, estudei lá do Ensino

Fundamental II até o Ensino Médio. Nessa época eu e

meus colegas que sentavam na mesma fileira (a

organização da sala era tradicionalmente em fileiras),

usávamos uma folha de caderno, que poderia ser de

qualquer um de nós e conversávamos através da escrita.

Essa folha circulava pela fileira e por ali podíamos

"falar", sem atrapalhar a aula, pois não se ouvia vozes e

sim o atrito entre a caneta e a folha de papel.

86

Nós encontramos essa forma de comunicação

naquele momento. Na época via apenas como uma

forma até divertida, (por que não?!), de conversar

bobagens com os colegas, uma conversa cotidiana de

adolescentes, que têm seus hormônios à flor da pele e

necessitam desse contato com o outro. Não percebia o

que significava aquele gesto de conversar através da

escrita. Hoje como professora, olho para trás e percebo

como era importante para nós esse diálogo. Penso que

talvez a escola não estava sendo atraente para nosso

grupo. Não havia entretenimento nas aulas e a saída

que encontrávamos era conversar.

Hoje ocupando o lugar de professora, percebo

nesse e em outros momentos de minha

infância/adolescência que a escrita se fez presente em

muitas de minhas brincadeiras. Aquelas conversas

escritas que na época eram bobagens, hoje viraram

uma ótima memória e mais: viraram história. Não as

deixei morrer como tantas outras que foram parar nas

lixeiras da escola. Ou outros momentos vividos na

escola, que por mim foram esquecidos. As poucas

folhas de conversa que guardo comigo, suscitam em

mim uma memória doce, alegre, quente e também me

fazem chorar de alegria por ter vivido esses momentos

(me referindo à história do Guilherme Augusto de

Araújo Fernandes). Lê-las me mostra como foram

importantes sim. Me mostra como vivi de forma

positiva a escola. Me mostra que muitas das amizades

feitas naquela época são vivas ainda hoje (agora temos

um grupo no Whatsapp). Me mostram como as

memórias são importantes para nos entendermos

87

como a pessoa que nos tornamos e mais, a professora

que nos construímos.

Houve um dia que a professora Lilian, de Língua

Portuguesa, participou também do MSN. Achei aquele

gesto incrível, ainda mais vindo dela, uma professora

que eu admirava e gostava muito e com quem fiz

amizade para além da escola. Essa era uma relação de

horizontalidade que admirava nela e em outros

professores que tive: uma relação de afeto, confiança...

É pensando assim que vivo minha prática como

professora de Educação Infantil, tentando ser aquela

que propicia um ambiente agradável, onde meus

pequenos se sintam bem. Muito me preocupa o que

eles pensam sobre mim.

Ainda pensando sobre a relação de afeto e confiança

que na Educação Infantil é de extrema importância,

recordo-me de um momento ocorrido esse ano (2015) em

minha turma de sete crianças com 5 anos de idade. Na

tarde do dia 23 de Setembro, após o lanche, percebi que

uma parte do chão estava com bastante farelo de biscoito

e isso não costuma acontecer. Resolvi perguntar quem

havia sujado. Fiz essa pergunta calmamente. Em minha

voz não expressava repressão. Algumas crianças

disseram que foi a Larissa, que se manteve calada,

olhando as coisas na lupa que estava na minha mesa.

Insisti e perguntei diretamente para a mesma e não

obtive resposta. Logo, os demais disseram que ela não

assumiu porque estava com vergonha. Realmente ela é

uma menina doce, sensível e que não costuma fazer

“coisas erradas”. Assim, a Kailany chegou perto dela e

disse: “Larissa, pode falar que foi você. A tia te ama” e

88

saiu com seu lindo sorriso nos lábios. Eu ouvindo isso,

também sorri e confirmei o que a colega falou: “Eu te

amo, Larrisa!”.

Após a tentativa de convencimento adotada pela

colega, usando da afetividade, a Larissa não assumiu a

sujeira no chão. Até desisti de obter a resposta, mas

esse pequeno instante me fez pensar sobre a imagem

que meus alunos têm de mim. A forma como eles me

enxergam, me preocupa. É a partir da fala deles, que

começo a pensar sobre a forma que eles me veem. Se

eu não tivesse a paciência de viver aquela experiência,

por exemplo, eu não saberia que pelo menos a Kailany

percebe o amor que tenho por eles. Tento manter uma

relação de amizade, afeto e confiança com eles, “uma

convivência amorosa” (FREIRE, pag. 7, 2002). Sim,

eles só têm cinco anos e eu mantenho uma relação

horizontal, onde aprendemos muitas coisas uns com

os outros e onde a afetividade “rola solta”.

Acredito que esses pequenos fatos do cotidiano que

vivi como aluna tempos atrás de alguma forma me

impulsionaram inconscientemente a ser hoje uma

docente. Momentos positivos vividos na escola são

marcas para toda uma vida. Assim também como os

negativos. Eu quero ser a professora que deixa marcas

em seus alunos, desde que essas sejam marcas positivas.

Referência Bibliográfica:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à

Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

89

BILHETE: GÊNERO TEXTUAL OU

MATERIALIZAÇÃO AFETIVA?

Maria Cecília Castro

Trazer à memória algo significativo sobre as

memórias da escola me faz refletir sobre o que

considero ser o mais importante neste espaço-tempo:

as relações humanas. Para materializá-las, selecionei o

bilhete de uma criança como possibilidade de reflexão.

Ryan, eis o nome do autor do “bilhete

desestabilizador”.

Através de um olhar generalizador, a escola é

muitas vezes descrita como um lugar de rotina,

repetição, disciplina e regras que restringem a

multiplicidade de sujeitos que a compõe. Entretanto,

não há repetição no cotidiano. Acredito que o bilhete

de Ryan pode nos dar “pistas” da escola como espaço-

tempo privilegiado de produção de diferentes

experiências.

Cada praticante dos cotidianos escolares traz

consigo encarnado suas “múltiplas redes de

subjetividade e significação” que fazem da escola um

lugar de trocas, convivências com as diferenças,

conflitos, negociações, negações, invisibilizações...é

um lugar privilegiado para o exercício da alteridade.

Minha experiência docente me faz acreditar que

educar é um ato de amor. Paulo Freire fez a defesa da

importância da compreensão desse processo a partir

90

de dimensão afetiva e, como toda relação que busca o

respeito e a legitimação do outro com as crianças, isso

não seria diferente. Elas facilmente percebem-se

respeitadas, valorizadas quando nossa prática

pedagógica é balizada por esses valores. Assim foi

com Ryan.

Ele representa a “criança difícil”, o briguento o

agressivo e os tantos outros adjetivos que utilizamos

em nossas conversas e conselhos de classe para definir

àqueles que não se encaixam nos padrões de “ aluno

ideal”.

Ao longo de 2014, perdi a conta de quantas vezes

fui dura com ele, separei brigas, levei para a

coordenação, chamei responsável e tantas outras

práticas de que lançamos mão quando acreditamos

que é importante e que vale a pena lutar.

Ao final do ano letivo, me despedi de toda a

turma do segundo ano e conversei com Ryan,

informando-o que ele iria para o terceiro ano porque

acreditava que ele era capaz e que agora só dependia

dele. E assim foi.

Atualmente, sou professora do primeiro ano e

durante o Dia dos Professores, a coordenação da

escola solicitou que os alunos escrevessem bilhetes

para suas respectivas professoras. Recebi alguns

bilhetes de meus alunos. Num determinado momento

do dia, olhei para a porta e vi uma ex-aluna do

segundo ano me chamando. Ela sinalizava que Ryan

queria me entregar algo. Ele veio, me entregou o

bilhete, virou-se de costas e correu pelo corredor. Li o

91

bilhete e me emocionei. Aliás, todas as vezes que leio,

isso acontece..

A escrita desse menino me revela muitas coisas:

sua habilidade de escrita, seus argumentos, mas

principalmente me fez ver o quanto foi para ele

importante e significativo tudo o que vivemos juntos.

Mas isso eu nem tinha me dado conta.

Num sexta feira, fui ao cinema assistir: Numa

escola em Havana, o personagem principal Chala me fez

lembrar Ryan. No filme, a professora de Chala investe

nesse menino que parecia ser a personificação do

fracasso escolar e, talvez, a certeza de um futuro

incerto ou de pouco promissor. Neste momento,

92

percebi o quanto nossas vidas são afetadas a partir das

experiências vividas e isso valeu para o bilhete de

Ryan.

A importância do ato de educar produz sentido

quando está atrelada a uma relação de respeito e

compromisso do outro como legítimo outro. Educar é

mais do que ensinar conhecimentos/conteúdos

escolares, é fazer com que esses conhecimentos criem

sentidos muito além da sala de aula.

93

MINHA HISTÓRIA DE PROFESSORA

Maria Celina Gonçalves Ferreira

Sou a professora Maria Celina e iniciei o ensino

básico com seis anos na E. M. Macêdo Soares no bairro

da Venda da Cruz, Niterói, no ano de 1961.

Guardo algumas imagens da escola primária, mas

muitos desses episódios não me trazem boas

recordações. Lembro-me de um deles. A professora

havia nos pedido para fazermos um desenho depois

que acabássemos a ficha de leitura, um desenho livre,

mas como sempre eu desenhava uma professora.

Lembro-me também da professora, em outro

episódio, ter escolhido alguns desenhos para

organizar uma exposição com os melhores trabalhos.

Não sei como meu trabalho foi um dos escolhidos,

pois sou péssima em desenho até hoje. Esse desenho

guardei por muitos anos, mas se perdeu no tempo.

Tenho também recordações que me marcaram de

outras formas, quando, por exemplo, fiquei de castigo

na secretaria, porque briguei com uma colega. Todos

os meses ,eu ganhava a medalha de primeiro lugar e

essa colega sempre ficava com o segundo lugar. Ela

me provocava sempre e puxava meus cabelos que

eram muito compridos. Um dia, não aguentei e

acabamos brigando.

Ao terminar o curso primário, fiz prova para

admissão ao Ginásio no Colégio Nilo Peçanha, no

Largo das Barradas, e passei. Nesse colégio, depois de

94

concluir o Curso Ginasial, fiz o Curso Normal, pois

era tudo o que eu sempre havia sonhado: ser

professora. Conclui o Curso Normal e fiz o 4º Ano

Pedagógico e, depois de formada, logo comecei a

trabalhar com uma turma de alfabetização e me

apaixonando ainda mais, pois vinha clara em minha

memória a minha professora alfabetizadora Dona

Rosimeire. Adorava quando chegava a minha vez de

ler a lição, sempre tirava 100 e ficava orgulhosa disso.

Durante muitos anos da minha prática pedagógica,

lecionei em turmas de alfabetização e fui me

envolvendo cada vez mais.

Muitos anos depois, fiz o vestibular para

Pedagogia na Faculdade de Formação de Professores

(FFP) Campos São Gonçalo. Ali tive como grande

incentivadora da minha prática a querida professora

Maria Tereza Goulart que era professora orientadora

de Classes de Alfabetização e muito me incentivou na

prática pedagógica de professora alfabetizadora.

Fiz parte da turma de formandos de 2000. Na época,

ainda trabalhava na rede particular, e ao olhar para trás e

pude refletir sobre a profissional que era e a que me

tornei. Achei que já sabia muito, mas o nosso alfabetizar

é contínuo e aprendi muito na prática, agora já

vivenciando outra realidade, a Escola Pública, pois havia

feito concurso para vários municípios e passei para São

Gonçalo e Maricá, onde leciono até hoje. Senti uma

grande diferença, pois são realidades completamente

diferentes. Mas aprendi muito e rapidamente.

Depois tive a oportunidade de fazer vários cursos

de especialização oferecidos pela rede sempre na área

95

de alfabetização e o curso que mais marcou a minha

prática foi o Programa de Formação de Professores

Alfabetizadores - PROFA. Comecei a ter uma visão

muito mais ampla e significativa do que era ser uma

professora alfabetizadora; cada encontro era uma nova

descoberta e eu ficava ansiosa para saber qual seria o

tema abordado na próxima aula. Tudo mudou

inclusive o preenchimento do diário, estava me

deleitando com as novas vivências; o curso teve

duração de cento e oitenta horas e eu não faltei a aula

alguma, tão grande era a minha ansiedade em

aprender cada vez mais.

E é sempre perseguindo esse aprendizado que

continuo na busca incessante de me tornar uma

profissional mais reflexiva da minha prática.

Atualmente estou fazendo mais um curso de

Alfabetização: O Programa Nacional de Alfabetização

na Idade Certa PNAIC, e vivendo mais experiências e

trocas muito significativas com as colegas do curso.

Confesso que não me lembro de muitas coisas,

por vezes tento lembrar- me, mas não consigo. Penso

que por isso essas memórias foram de certa forma as

que me marcaram mais.

Para finalizar gostaria de registrar que espero

concluir este Curso de Extensão - Encontros de

Pesquisa-Formação: A Escrita de narrativas Docentes -

com uma bagagem maior e mais motivadora para

minha prática de professora alfabetizadora, pois ainda

espero mais de mim: cursar o Mestrado e tornar-me

uma professora mestra em alfabetização.

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I N Ê S U L

J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

G U I L H E R M E I I

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V I V I A N E A A

G M A R I A

M E R C E D E S

T A M A R A

N M A D E L E I N E

J A N E O

Y C É L I A

B E A T R I Z

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T H A Y S S A

A N D R E A

P R I S C I L A

97

MEMÓRIAS DE ITATIAIA:

HISTÓRIAS QUE ME CONSTITUEM

PROFISSIONALMENTE

Mercedes França Ramos

Fui presenteada pela lembrança do dia da

assinatura do meu termo de posse na Prefeitura de

Itatiaia. Com essa lembrança, vieram à tona todos os

laços de afeto que foram construídos e as experiências

profissionais ali vividas.

Escrever sobre esse objeto que me é tão

significativo, gera uma reflexão sobre a minha

trajetória profissional e pessoal, e me faz entender o

que me leva a percorrer em média 150 quilômetros até

aqui todas as quintas-feiras para participar do curso

de Extensão sobre Narrativas Docentes, da FFP-UERJ,

São Gonçalo. Desde o início da minha trajetória

profissional, a inquietação me moveu na busca de

respostas, ou até mesmo no surgimento de outras

inquietações que a partir do outro vão borbulhando

em mim. A docência é um campo fértil de desafios

que nos atravessam diariamente.

Mas retomando ao termo de posse, lembro-me

perfeitamente desse dia. Estava no momento da

assinatura eu e uma professora chamada Ana Paula

que conheci ali. Um funcionário da administração

perguntou-nos quais eram os bens que tínhamos em

nosso nome. Na ocasião, o que tínhamos em nosso

98

nome era apenas um celular, recordo que rimos muito

de falar o que tínhamos e o quanto nos sentimos

pobres naquela situação.

Depois de atestarmos nossa falta de bens e assinar

o nosso termo de posse, fomos informadas de que

começaríamos naquele dia e poderíamos nos conduzir

às unidades escolares escolhidas, porque as turmas

estavam a nossa espera. Confesso que senti dores na

barriga e um medo muito grande.

Quando chegamos à escola, fomos recebidas pela

Orientadora Pedagógica que pouco conversou

conosco devido ao tempo corrido e pelo fato de ass

turmas estarem sem professor, a nossa espera. Ela

caminhou conosco pelo pátio e, como a sala que eu

ficaria era a primeira, colocou-me gentilmente dentro

e disse: "Essa é sua turma. Boa aula professora." E foi

rapidamente fechando a porta. A minha vontade foi

chamá-la, mas quando olhei para dentro da sala de

verdade me deparei com aquelas crianças me olhando,

sabe aquele olhar de criança que questiona sem nada

dizer. Então, era esse olhar que eu estava recebendo

de, no mínimo, vinte alunos. Eu também comecei a

olhá-los, mas o meu olhar refletia a tensão de não

saber o que fazer. Eu travava uma conversa comigo

mesma, um monólogo desesperador: "O que fazer

Mercedes? Como se faz?" E na hora veio à memória a

minha infância, e quantas memórias são, pois fui uma

criança bem criança, aprontei todas, e lembrei que

adorava os versinhos que minha mãe me falava e

declamei um sem nada antes dizer:

Sol e chuva casamento de viúva.

99

Chuva e sol casamento de espanhol.

Lembro-me das risadas e imagino que aquelas

crianças devem ter me achado bem maluca, pois sem

querer temos uma ideia do que é uma boa professora,

e uma pessoa que se diz ser professora. Começar uma

aula sem nada falar, nem mesmo se apresentar e sair

declamando versinho, não deveria ser considerada

nada normal.

Depois desse impacto inicial, a conversa entre nós

foi fluindo com certa naturalidade. Falamos sobre

tomar banho de chuva, do quanto é refrescante, se eles

gostavam, de quanto é gostoso a folia que fazemos

com os amigos. Não me recordo detalhadamente de

outras atividades realizadas a partir do versinho. Mas

o que ficou na memória foi a ludicidade envolvida no

prazer de se falar sobre tomar banho de chuva na

infância e recitar aquele versinho repetidamente.

Sinto que nasci como professora naquela sala de

aula e o engraçado é que eu já lecionava em outro

município há algum tempo, mas foi ali que algo tão

significativo teve a força de ter me marcado. Nossos

olhares se cruzaram naquele momento e,

verdadeiramente, se encontraram.

Escrevendo essa memória sou levada a pensar se

eu não fosse pega de surpresa na assinatura do termo

de posse, talvez tudo fosse bem diferente; talvez a

formalidade didática falaria mais alto e eu fosse para

aquele momento com os meus deveres e a nossa

trajetória não fosse nascida de uma forma tão

prazerosa, tão significativa e nossos olhares

100

necessitariam se cruzar mais vezes para realmente se

encontrar.

Mas como toda relação pedagógica entre aluno e

professor, há o dia a dia como desafio a ser

conquistado, o desejo de não me tornar o mais do

mesmo jeito é o que me mexia, é o que me deixava

com os nervos à flor da pele, o pensamento em

ebulição.

Os meus alunos me desafiavam, porque as coisas

aconteciam e eu não tinha respostas, me sentia tão

vazia, tão necessitada e a biblioteca da faculdade foi

meu lugar preferido e necessário, ou, necessário e

preferido, pois a ausência e os desafios me levaram

àquele lugar.

Nessa busca, me encontrei com Emília Ferreiro.

No começo da leitura, eu não entendia nada daquele

livro que eu sentia ser a resposta para os desafios que

a sala de aula me colocava, a tal Psicogênese da

Língua Escrita. Aos poucos, foi entrando na minha

cabeça, todos os dias eu lia, tentava decifrar o que

dizia e relacionar com o que eu vivia.

Na minha sala de aula tinha uma aluna que não

me lembro o nome, só me recordo dos seus cabelos

lisos, pretos e longos que nas atividades que eu

propunha parecia desaprender. As atividades

propostas por mim eram sempre de escrita

espontânea, a partir das histórias que eu contava a eles

no início da aula. Lembro-me de que nós

conversávamos sobre elas, escrevíamos no quadro o

nome dos personagens. Eu dizia sempre a eles que

esquecia as letras e eles precisariam me ajudar na

101

escrita das palavras e,com isso, se sentiam

importantes. Mas a minha aluna nas suas atividades

de escrita mostrava-me palavras sempre

ortograficamente incorretas, parecia estar sempre

comendo letras.

A mãe da aluna que acompanhava de perto as

atividades foi me procurar sem entender o que

acontecia, pois anteriormente a filha acertava os

deveres e, ali mesmo na porta da sala, começou a me

questionar, porque ela estava errando tanto. Eu disse a

ela que fazia parte e que ao final do ano sua filha leria

e escreveria corretamente. Eu dei a resposta que com

certeza acalentou o coração da mãe, mas eu mesma

não tinha certeza de nada. Será que ela realmente

aprenderia? Pararia de engolir as letras?

Essa situação e as demais que me desafiavam,

geravam um sentimento de incapacidade, me sentia

um zero à esquerda, uma professorinha de meia tigela,

mesmo sabendo que era uma professora iniciante.

Outros alunos escreviam corretamente, mas ainda

não conseguiam ler. Para tentar resolver a situação eu

e Ana Paula trocávamos de sala, porque os alunos

dela liam e não escreviam e os meus apesar da

“comilança das letras” apresentavam melhor

rendimento. As crianças achavam um barato, porque

ter duas professoras era novidade, mas essa situação

me fez praticamente abandonar as aulas na faculdade

e morar na biblioteca da SOBEU. Descia onde ficavam

os livros e num cantinho lia, escrevia, pensava e aos

poucos começava a entender os processos de

construção da escrita, compreender que meus alunos

102

não comiam letras, mas passavam por um processo de

construção e eu precisava proporcionar a reflexão

sobre esse processo..

Escrever, ler, ouvir histórias foram o meu

caminho para que eles pudessem compreender o que

para mim era tão normal. As buscas foram constantes

e cada vez mais necessárias. Nossos momentos de

aprendizagem eram sempre em mão dupla e sem

clichê. Com isso, aprendi muito mais com eles, pois

me tiraram de uma zona de conforto que achava ter

com o meu curso normal e o início da minha

faculdade de Pedagogia.

E aqui estou concluindo, sem dar por acabadas,

minhas memórias, remetendo a episódios de há

quinze anos, mas que, apesar desse tempo decorrido,

continuam tão frescas como a aula que ministrei hoje.

Os desafios se renovam, as respostas de ontem nem

sempre cabem nas necessidades de hoje e assim o

movimento da busca se torna real e constante em

minha vida, como um tecer e destecer dos fios da

minha prática pedagógica.

103

APRENDIZAGENS!

Priscila Bernardo Nepromucena

Diante da proposta de trazer à memória um

objeto que lembrasse minha prática docente, não tive

dúvidas: o caderno! Sempre tive um bom

relacionamento com esse item escolar. Gostava de

mantê-los sempre enfeitados, usando canetas

coloridas, figurinhas... Eram meus companheiros! Para

mim, sempre foi tarefa difícil ter que me despedir

deles ao término do ano letivo. Apesar do entusiasmo

ao receber cadernos novos, queria guardar os antigos.

Mas, como não era tarefa fácil driblar as faxinas

periódicas realizadas por minha mãe, acabava por me

contentar com os novos companheiros de jornada. Só

que, nesse jogo de esconde-esconde, um dos cadernos

ficou esquecido num canto qualquer, em meio às

traquinagens de menina.

Os anos se passaram e os caprichos da infância

cederam lugar às responsabilidades da vida adulta.

Certa vez, numa faxina rotineira realizada por mim,

encontrei o caderno. Quantas lembranças boas! Em

suas páginas havia o registro de minha atividade

preferida na infância: brincar de escolinha! Folheá-lo

fez- me recordar alguns momentos dessa brincadeira;

Lembrei-me de que, no início de minha carreira como

menina-professora, tinha como alunos meus primos e

vizinhos, mas esses logo se chatearam com a

104

brincadeira em que eu, incontestavelmente, seria a

professora.

Diante do abandono, recorri aos amigos

imaginários e as bonecas com quem passava horas do

dia brincando. Nesse caderno, chamou-me a atenção

às semelhanças com os cadernos de planejamento de

aulas que usava em minha prática docente: lista de

chamada com o nome dos alunos escrita em ordem

alfabética; planejamento de atividades; planejamento

de datas comemorativas... Escrito ali estava o registro

de minhas primeiras lições de didática no curso de

formação de professores da vida. Estar na escola como

aluna e observar a ação docente construía minha

identidade de professora.

Diverti-me ao recordar que as atividades que eu

propunha a esses alunos imaginários, obviamente,

eram realizadas por mim. Imagino que isso tenha sido

bem trabalhoso, já que em meu “diário de classe” eu

tinha um aluno para cada letra do alfabeto. Eram vinte

e três alunos (as letras k- w-y não haviam sido

incorporadas ao nosso alfabeto). O único recurso de

que eu dispunha para fazer cópias de atividades eram

algumas folhas usadas de carbex, das quais ainda

posso recordar do cheiro e as mãos e roupas tingidas

de roxo!

Nesse exercício de rememorar o passado por meio

da leitura do caderno, intrigou-me lembrar que na

realização das atividades, quando a menina deixava a

função de professora e assumia o papel do aluno

realizando as tarefas no/do lugar deles, os alunos

classificados como os mais inteligentes acertavam

105

sempre. Para esses, não havia a possibilidade do erro e

era deles toda minha afeição. Ao contrário, não havia

a possibilidade de acerto àqueles eleitos, menos

favorecidos cognitivamente. Na imaginação da

menina-professora, era atribuído a esses últimos um

comportamento inadequado e total falta de

afetividade na relação com a professora, não sendo

permitida a eles nenhuma possibilidade de avanços.

Reler o caderno da infância proporcionou-me uma

viagem no tempo, sem pressa, sem linearidade. Nas

idas e vindas dessa viagem, onde os mais diversos

sentimentos são despertados, algumas reflexões/

constatações foram surgindo. Na tessitura da trama,

histórias foram se entrelaçando, ganhando sentidos

antes não observados. E uma dessas histórias que

atravessaram minha trajetória recorda-me de uma

experiência vivida num momento diferente do que já

foi relatado anteriormente. Um momento em que a

menina-professora não mais estava em cena, embora de

alguma maneira estivesse presente dando-me a mão.

Cursava o 2º ano do magistério, quando fui

apresentada à professora regente de uma turma de 3º

ano na qual eu deveria estagiar por duas semanas.

Após calorosa recepção, a professora apontou para o

fundo da sala em direção a um aluno e orientou-me:

-Está vendo aquele menino ali? Não sabe nada,

não quer fazer nada, não copia do quadro, não

aprende, apenas faz bagunça. Sente- se sempre perto

dele e faça-o ficar quieto; ele atrapalha a

aprendizagem dos outros.

106

Caminhei lenta e temerosamente até o fundo da

sala, a missão recebida parecia acrescentar-me ao corpo

alguns quilos a mais e dificultar minha chegada ao

destino. Cheguei! Lá estava Carlos! Sentei-me próximo

do menino que me recebeu com um olhar de lado,

parecia desconfiado. Sorri para ele: um sorriso pouco

amistoso, confesso. Fazer o menino mais rebelde da

turma se comportar adequadamente na aula era para

mim um desafio e tanto e isso me deixava numa

situação nada confortável. O que fazer? Será que

parecer séria e rude atribuiria a mim a autoridade de

que tanto necessitava naquele momento?

Acredito que, numa ação inconsciente, eu tenha

sido orientada pela menina-professora e sua

experiência com os alunos imaginários. Segui séria e

exigente ao lado de Carlos. Naquele dia, o menino

permaneceu quieto, talvez tenha ficado inibido com

minha presença. E a cada novo dia, a expectativa era

de que a rebeldia dele se manifestasse. Nada! Tudo

seguia bem em relação ao comportamento do menino,

sentia-me orgulhosa por poder cumprir a missão que

a mim havia sido confiada.

O período do meu estágio estava chegando ao fim

e àquela altura já não temia mais uma possível reação

agressiva de Carlos; tudo estava sob controle! Certo

dia, a professora dava uma aula de Ciências e estavam

todos os alunos com livro aberto na página que ela

determinara. A aula seria sobre animais invertebrados

e o livro trazia alguns exemplos ilustrados desses

animais. A professora explicava a matéria e a turma

correspondia, respondendo brilhantemente, de acordo

107

com os exemplos apresentados no livro. Eu

acompanhava entusiasmada o desempenho da turma.

Estava maravilhada com o brilhantismo daqueles

alunos! De repente, fui interrompida por Carlos que

timidamente me perguntou:

-Tia, então, gongolo é um animal invertebrado,

não é?

Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo!

Desconfiada, folheei o livro de Ciências para ver se

havia alguma menção ao animal citado por Carlos.

Nada! Indaguei-o, a fim de compreender como ele

sabia dessa informação. Diante de minha

perplexidade, o menino explicou que em sua casa

havia muitos desses bichinhos e que gostava de

brincar com eles. Naquele momento a concepção de

aprendizagem sustentada pela menina-professora foi

confrontada: Carlos sabia! Um produtor de

conhecimento; foi além dos exemplos do livro

didático, pois fez relação entre o conteúdo aplicado

em sala de aula e as experiências vividas fora do

contexto escolar.

A experiência que vivi com Carlos me permitiu

desconstruir ideias e me proporcionou a possibilidade

de ver sob outra ótica a situação de alunos com

dificuldades de aprendizagem. Há saberes mesmo

naqueles em que o “erro” é frequente. No trajeto do

erro, também se constrói o saber. Até hoje recordo

com afeição o aluno real que me trouxe uma das mais

importantes lições que recebi até agora no caminho

em busca de minha formação profissional.

108

L

I N Ê S U L

J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

G U I L H E R M E I I

T L L

A D R I A N A I D

V I V I A N E A A

G M A R I A

M E R C E D E S

T A M A R A

N M A D E L E I N E

J A N E O

Y C É L I A

B E A T R I Z

A N A

T H A Y S S A

A N D R E A

P R I S C I L A

109

PEDACINHOS DE GIZ

Tamara Gomes

Não escolhi ser professora. Ser professora me

escolheu. Ao pensar naquilo que me remete à

memória docente, lembro-me logo de um giz. Esse

objeto me acompanhou ao longo dos anos em que me

preparava para ser professora. Sempre gostei muito de

ser a professora da escolinha da rua. Mandona, meus

alunos me obedeciam: faziam o dever ou ficavam de

castigo. Na época, escrevia em um quadro negro bem

pequeno e com pedacinhos de giz que pedia na escola

para brincar com meus amigos.

Os anos se passaram e o “ser professora” foi se

tornando mais concreto. Recordo que pedi a meu tio

para pendurar meu quadro negro na parede para que

eu pudesse dar aulas. Com os mesmos pedacinhos de

giz ajudava as crianças menores com as tarefas de

casa. Até ganhava algum dinheiro com isso. O giz

estava sempre lá: eu só não me dava conta disso.

Cheguei ao ensino médio. Tinha um professor de

História que insistia que eu deveria me formar como

advogada. Ele dizia que eu tinha ‘pulso’ para o

Direito. Minha família sempre me deu liberdade para

escolher minha profissão, apesar do meu pai deixar

claro que seu sonho era me ver servindo à Marinha.

No meio daquele tumulto, estava eu, que na verdade

não tinha a menor ideia do que estudar. Nem ao

menos sabia se queria estudar algo.

110

Concluí o Ensino Médio. Era hora de decidir.

Tinha tentado vestibular para ser historiadora, sem

sucesso. Então, surgiu a oportunidade de trabalhar

como professora de inglês no C.E. Caminho do Sabe,

uma escola de bairro. Eu queria ter experiência. Seria

bom ganhar algum dinheiro. Então, aceitei a proposta.

No meio tempo eu decidiria o que fazer da vida.

Recordo meu primeiro dia. Tinha dezoito anos de

idade. Nenhuma experiência. Quando a professora

regente me deixou com a turma, meu coração quase

saiu pela boca. Havia pelo menos doze alunos, mas na

minha visão, eles pareciam cinquenta.

A primeira folhinha, rodada no mimeógrafo com

muito esforço, era sobre frutas em inglês. Peguei um

giz e comecei a desenhar as frutas no quadro - quadro

bem maior do que aquele no qual eu ministrava

minhas “aulas”. Enquanto as crianças conversavam

aos berros atrás de mim, fui desenhando. Elas

começaram a ficar atentas. Ao escrever as palavras em

inglês, aos poucos foi se fazendo silêncio. Aquela era a

primeira vez que as crianças tinham contato com

aquela língua estrangeira.

Li, então, as palavras, uma a uma. Os olhos deles

me acompanharam com um brilho diferente. Ainda

guardo na memória os rostinhos de curiosidade e de

como eu achava tudo aquilo muito engraçado. Eu, que

tinha acabado de deixar a escola, ensinando alguma

coisa para alguém. Naquela época eu gostava muito

de vestir roupas pretas. Não foi diferente naquele dia.

As horas se passaram tão rápido, as experiências

foram tão intensas, que ao final do dia, quando parei

111

para me olhar, percebi que minha roupa e mãos

estavam todas “brancas” de pó de giz. A diretora da

escola até brincou sobre o quanto eu tinha trabalhado.

A partir daquele dia, descobri que poderia fazer

aquilo por toda a minha vida: ensinar, ver olhinhos

curiosos, voltar para casa suja de giz. Ao final penso

que não escolhi minha profissão, foi ela que me

escolheu. Há momentos em que sinto saudades de

estar suja de giz e trazer à memória tudo o que

aprendi e que definitivamente me tornou a professora

que sou hoje.

Que professora sou? Na verdade ainda não sei.

Apenas sei que a cada momento me torno uma

professora diferente: relaxada, engraçada, rígida.

Depende da dinâmica na minha sala de aula. O que

tenho certeza é que tento ser sempre a melhor

professora que posso ser. O saber da vida me trouxe

até aqui. As experiências que me atravessaram, e me

atravessam, me fazem rever meus conceitos, minhas

atitudes, redimensionar minha prática.

Não há definição que dê conta do que é ser

professora. Ser docente é ser humano. Como humano,

ter direito de errar, acertar e mudar. A riqueza das

coisas que acontecem no dia a dia me faz repensar

meu lugar, minha posição. Me faz lembrar aquele giz

que deu início à construção de quem sou: docente e

humana.

Sou professora que já sofreu opressão por gostar

do que faço e levar atividades diferenciadas. Sou

professora que constrói experiências valiosas na

dinâmica com os alunos. Sou professora que já pensou

112

em desistir, sucumbir ao sistema, mas que ergueu a

cabeça e tomou uma decisão: enquanto ensinar mexer

comigo, estarei na sala de aula, limpando minhas

mãos sujas de giz.

Sou professora. Na verdade sou a teacher. Sou a

teacher que recebe sorrisos, dá muitas risadas, arranca

risadas e compartilha conhecimento. Sou a teacher que

fala uma língua que ninguém entende, mas que se faz

entender através do amor e dedicação por tudo o que

faz.

Retomo há um momento em que trabalhava com

Educação Infantil e me vesti de fada para dar aula.

Muitos passavam e me olhavam pela janela com

estranhamento. Numa oportunidade fui à sala do

diretor e ele me disse que eu era uma artista.

Concordo, sou artista sim. Todos os dias saio de casa

para fazer arte, para ser artesã do mundo. Vivo a arte

de compartilhar, construir, descontruir, transformar.

Trabalhar em uma escola pequena, com quadro

de giz, foi o maior aprendizado que já tive na vida.

Errei muito, acertei algumas vezes. Ainda hoje, sinto

vontade de voltar àquele caminho, onde pude

perceber que sempre gostei de ensinar e que devo

tudo àquele quadro de giz.

113

VIVENDO O QUE ALMEJO VIVER

Thayssa Nascimento

Estava tão ansiosa para o primeiro dia de estágio,

cheia de expectativas dentro de mim. Pensava, será

que vou me empolgar mais com a educação? Será que

irei gostar dessa escola ou irei me frustrar?

Enfim chegou o primeiro dia; cheguei lá no Colégio

Ernani Faria e uma inspetora direcionou-me e a Tati

(minha companheira de estágio) à professora Marcia,

professora da turma 101, a turma que nós ficaríamos.

Na fila para subir para sala, as crianças me olhavam

e olhavam para Tati com um olhar um tanto que

intimidador e, ao mesmo tempo, um tanto que

desdenhoso. E em meio ao piscar de olhos, a ação

começou.

Ao subir as escadas, houve uma briga feia entre o

Lucas e o Pedro; parecia briga de gente grande com

muitos socos fortes, chutes, ameaças. A professora

separando e eu estateladamente assustada pensando:

O que está acontecendo aqui? Pensando comigo

mesmo: Começamos bem!

Na sala de aula, fomos apresentadas às crianças e

a professora foi contando um pouco do histórico de

cada uma. Uma história pior que a outra, a maioria

marcada por problemas de família, abandono, drogas,

sexo e eu ouvindo todas aquelas histórias apenas

pensava, são crianças de 6 a 9 anos e que deveriam

está aprendendo a ler e a escrever.

114

Mas essas crianças já possuíam uma vida e

carregavam pesos muito grandes para a idade delas.

Nesse momento, uma lição que aprendi com a

professora Marcia: não se envolva demais com os

problemas delas.

Nenhuma das minhas crianças tinha família

estruturada, quase todas o tempo que tinham para

brincar era na escola, e o dever de casa não era

realizado pela maioria. Difícil produzir um diálogo

entre família e escola!

Mas o que percebi, durante o estágio, foi o fato de

que aquelas minhas crianças precisavam ser amadas e

se sentirem amadas. Precisavam saber que eram e

seriam amadas independentemente de acertos e erros.

E foi isso que tentei fazer, demonstrar meu amor,

observando as coisas que estudei na universidade

acontecendo ao vivo e me posicionando perante elas.

Dessa forma, os dias iam passando e um

relacionamento com a turma ia se construindo.

Uma das coisas que mais me surpreendeu, foi que

de tanto ouvir:” Essas crianças não querem nada e não

tem jeito”, “Não sei como Marcia aguenta” e ai Marcia

me falava: “Eles têm problemas, mas são bons!, mas

toda vez que eu chegava à sala, eles começavam: “tia,

me ajuda; tia, ajuda eu aqui!!”; ”Vem tia, me ensina!!!!

E o que eu via é que as crianças que nada queriam,

estavam com sede de aprender. O Lucas era uma

criança incrível, adorava brincar com os amigos,

aprontar, mas era eu entrar na sala e sentar que ele

vinha e me puxava pela mão e dizia: Tia, me ensina

não consigo sozinho! E eu ia com o maior prazer

115

ajudá-lo. Ele sabia fazer muitas coisas, mas no fundo

apenas queria alguém perto para ver se estava indo

bem.

O Junior foi um dos alunos que me proporcionou

uma coisa única e impagável. A professora Márcia

havia lido um livrinho para os alunos e pediu que

fizessem um desenho sobre a história e colocassem seus

nomes. Entretanto, o Junior não sabia escrever seu

nome, e ele veio até a mim e disse: ”eu não consigo” e

eu perguntei: ”o que não consegue fazer?” e ele

cabisbaixo respondeu: ”meu nome, tia, o meu nome.”

Disse que iria ajudar e comecei apresentando as

letras do nome dele e algo maravilhoso aconteceu:

escreveu o nome dele pela primeira vez sozinho; foi

um prazer incrível que senti. A cada dia do estágio, a

cada quarta feira fazia mais sentido para mim ter

escolhido a profissão certa.

E é inviável comentar e escrever cada detalhe,

cada situação que vivenciei com a turma 101. Daria

um livro essas memórias, são muitas coisas

significativas. Entretanto umas das mais marcantes

aconteceu com o Samuel..

Penso que nunca me esquecerei do Samuel. O pior

aluno do turno da tarde. Aos 7 anos, amava jogar bola,

estar como aviãozinho do Morro da Coruja; tinha uma

mãe que estava internada por conta das drogas; o pai

o abandonou e ele morava com a avó que estava

prestes a entregá-lo para o Estado, por desconfiar que

Samuel não fosse filho de seu filho, e estava apenas

aguardando o resultado do DNA. As pessoas não

acreditavam no Samuca, mas eu me apaixonei por ele;

116

olhava para ele e via um menino superinteligente, era

o primeiro a terminar a tarefa, mas tinha uma

personalidade muito forte e tudo para ele terminava

em briga e se resolvia no braço. No fundo, um menino

justo e carente que apenas queria se sentir amado.

Sim, um menino, uma criança; sim, para mim ele era

também uma esperança!

Outra situação que me pegou de surpresa. Um

dia, um dos meus meninos, o Pedro estava brigando

com todo mundo, com raiva e explodindo com todos

os colegas. Cheguei perto e perguntei: o que aconteceu

com você? Tu não és assim! Quer conversar?

Começamos a conversar e o Pedro com lágrimas nos

olhos me disse: tia, eu odeio meu pai, ele não quer me

dar pensão, estou ficando sem nada. Quase chorei

junto com ele, mas me segurei, o abracei e disse:”Tudo

bem, você ter um problema, todos temos, mas não

desconte em seus colegas”, e começamos a conversar

como gente grande sobre família e eu com todo o

cuidado do mundo. Sinceramente, tinha vezes que eu

me considerava a menos madura daquela sala!

Muitas histórias da 101 me marcaram e terão

efeito sobre minha prática docente e posicionamentos.

Uma experiência realmente incrível e divisora de

águas no meu fazer docente. Hoje, toda essa

experiência que troquei com os meus meninos tem

mais amadurecimento e pode ser melhor enfrentada

com as teorias que aprendi ao traçar, enfim,o caminho

onde me faço e vivo o ser docente.

117

TIA, CONTA DE NOVO?

Viviane Gonçalves de Moura Emanuel

Há alguns livros que nos tocam mais que outros, e

estes vêm acompanhados da frase recorrente: “tia,

conta de novo?”. E a partir daí um universo de

pensamentos surgem ilimitadamente. Então para

explicar o que aconteceu e ainda acontece, preciso

retroceder uns vinte anos. Então, vamos lá!?

Cidade do Rio de Janeiro, Vila da Penha, fim da

década de 80, estudava numa escola religiosa

tradicional, e no decorrer do ano letivo líamos em

média oito livros para fazer provas. Na época, achava

horrível, mas sempre nos reuníamos em grupo, nos

finais de semana, com pretexto de “estudar”. Assim

surgiam bate papos e, por vezes, festinhas. Como

eram bons aqueles sábados e domingos! Depois, a

partir dos livros lidos, peças de teatro apareciam. Me

pintei com guache preto para interpretar Tia

Anastácia, do Sítio do Pica Pau Amarelo; coloquei

talco no cabelo para fazer uma velhinha

contrabandista de motocicleta; segurava galhos

imitando árvore, outras tantas personagens, ah, que

nostalgia!

Memórias de um Cabo de Vassoura; Olhai os

Lírios do Campo; Droga do Amor; Barcos de Papel;

Droga da Obediência; Ilha Perdida; A Moreninha;

Quinze Minutos; Menino do Dedo Verde; Senhora,

Quantos livros! Lista enorme, alguns guardei na

118

memória e no coração, outros apenas cumpri

burocracia. E, durante uma gincana, garantíamos o

primeiro lugar, apresentando uma peça a partir do

livro “Eu gosto tanto de você”.

Inconscientemente, penso que na memória ficou,

pois ao rever capas de livros, títulos daquela época,

me emociono, coração aperta, doces lembranças

retornam e vontade de voltar no tempo; ah, se

pudesse, titularia de “Volta ao Passado” fazendo

analogia ao “De volta ao futuro”, poderia ser

espectadora ou reviveria, sendo impossível, me

contento com as lembranças.

Refletindo sobre isso, nem imaginava que tempos

depois me atingiria tanto. Às vezes, questiono se

futuramente, o hábito cotidiano de contar histórias

causará algo similar aos alunos. Quando ingressei na

rede municipal de Niterói, a prática da contação de

histórias, amplamente defendida pelas pedagogas e

abarcada pelas docentes, incorporou-se a minha rotina

diária na sala de aula. Rodas de leitura compõem o

dia, sejam com histórias escolhidas por mim ou

trazidas de casa pelas crianças. Alguns livros

despertam tanto interesse, que surgem questões como:

“Tia, o que a borboleta come?” “Para que servem as

anteninhas?” “Como a lagarta vira borboleta?” entre

outras indagações, com olhos atentos e brilhantes,

sempre perguntavam após a leitura do livro “O casaco

de Pupa”, história retratando metamorfose do animal,

e esse veio acompanhado da “tia, conta de novo?”.

Algumas dúvidas sanadas pela professora de

apoio, outras procurávamos no Google para a próxima

119

aula de informática. Surgindo tanto interesse,

impossível ignorar o assunto. Expliquei e ilustrei

sobre a metamorfose. Conforme a atividade

transcorria, comentários paralelos eram ouvidos: “na

minha casa tinha um casulo!”, “Sabia que a lagarta

queima?”, “Se segurar a borboleta na mão e depois

coçar os olhos podemos ficar cegos?”, “Tia, meu

desenho está bonito?”, “Está igual ao seu?”, “Posso

colocar nuvem, sol, posso enfeitar?”. Quanta emoção!

Particularmente, uma turminha muito especial,

cativante, afetuosa, interessados, curiosos.. Parecia

magia se instaurando no ar, ultrapassando limites da

sala de aula. Cheguei à turma com outro livro, “Festa

no céu”, objetivando trabalhar mais um gênero

textual: convite. Quando terminei de contar, mais uma

vez a frase “tia, conta de novo”. Parei e refleti que

subestimei essas crianças; foram além, até surgir uma

festa. Listamos itens para a realização, conversamos

sobre o que deveria ter, até organizamos tudo. Para

começar cada criança iria fazer a sua lista de

convidados, então, andanças pela sala, conversas, tudo

isso devido à escrita correta do nome dos convidados,

ficaria feio escrever errado no convite. Era perceptível

o comprometimento na realização da atividade. Para

casa, fazer a lista com dez itens que deveriam ter na

festa revelou-se como dever prazeroso que eles

amaram fazer. Desenhos sobre a decoração do grande

dia estão no livro também. Mas e a festa? Ainda não

marquei, porém alimento o sonho, pois amo ver os

olhinhos sorrindo e o rostinho de felicidade ao

perguntarem da festa. “Tia, a festa está chegando?”.

120

É, essa história se transformou num romance, ou

denominaria uma conquista. De fato esses pequenos

me surpreendem e cada vez mais me apaixono.

Transpareceu, nos primeiros meses de aula, tamanha

empolgação a cada projeto e trabalho dados. Não tive

como fugir, eles me flecharam fazendo com que

pensasse na pequena quantidade de aula ser

insuficiente para realizar tudo imaginado. Então tentei

oficializar a união, como noivos trocam alianças, fiz o

Livro da Vida, seria meu álbum de casamento com os

pequenos (realmente são pequeninos, então essa seria

a forma carinhosa que os chamava). Nele estão

contidas recordações de 2015, da linda turminha com

suas peculiaridades. Após leituras e releituras,

aprendi a olhar o potencial de cada um, seja

escrevendo texto, desenhando muito bem, montando

Lego, contribuindo com texto coletivo, ajudando aos

amigos, questionando situações, fazendo

apontamentos no texto, caprichando nos materiais,

nas letras desenhadas, nas perguntas interessantes,

entre tantas outras situações.

No Livro da Vida todos participaram

independentemente da forma. Esquecê-los nem

poderia, pois lembravam sempre perguntando

quando escreveriam no livro. E assim, na tentativa de

concluir, deixei inacabado.

Acreditem até um capítulo de “Os dez

mandamentos” realizamos sob a forma de texto

coletivo. Inicialmente, confesso estava receosa e

descrente quanto à qualidade, mas ao término do

primeiro, surpresa. Alunos que antes não

121

participavam, contavam partes da história com

riquezas de detalhes e vocabulário, e também de

estrutura textual. Que alegria! Decidi fazer textos

coletivos de acontecimentos do ano, como as visitas de

alguns animais na sala, passeios e projetos que

surgiam por iniciativa deles.

Enfim, tenho material para montá-lo e pensar em

prosseguir com a turma é uma possibilidade que trará

o segundo volume. Caso contrário, agirei de forma

egoísta e guardarei comigo todo esse material,

lembrando desse marco, dessas fofuras, responsáveis

pela iniciação de novos livros da vida. Agora se casos

de amor viverei, só vivendo, ou até outro: “tia, conta

de novo?”.

122

L

I N Ê S U L

J A C Q U E L I N E

R O D R I G O C N

G U I L H E R M E I I

T L L

A D R I A N A I D

V I V I A N E A A

G M A R I A

M E R C E D E S

T A M A R A

N M A D E L E I N E

J A N E O

Y C É L I A

B E A T R I Z

A N A

T H A Y S S A

A N D R E A

P R I S C I L A

123

SOBRE OS ORGANIZADORES

Jacqueline de Fatima dos Santos Morais

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de

Campinas. Pós-doutorado realizado na Universidad

Pedagogica Nacional no México. É professora adjunta da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando na

Faculdade de Formação de Professores. É pesquisadora do

Núcleo de Pesquisa e Extensão Vozes da Educação História

e Memória das Escolas de São Gonçalo. É Procientista da

UERJ e Jovem Cientista do Nosso Estado.

Inês Ferreira de Souza Bragança

Pós-Doutorado pelo programa de Pós-Graduação em

educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUC/RS) e Doutora em Ciências da

Educação pela Universidade de Évora-Portugal. Mestre em

Educação, Especialista e Pedagoga, pela Universidade

Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta da

Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Docente e

Coordenadora do Mestrado em Educação: Processos

Formativos e Desigualdades Sociais. Procientista e Jovem

cientista do nosso Estado (FAPERJ).

Rodrigo Luiz de Jesus Santana

Nasceu em São Gonçalo, município do estado do Rio de

Janeiro, no ano de 1988. Possui Licenciatura Plena em

Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro –

Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP).

Participou do projeto “Núcleo de Pesquisa e Extensão:

Vozes da Educação – Memória e História das Escolas de São

Gonçalo” como bolsista de Extensão nos anos de 2009 e

124

2010. Atualmente faz parte do “Grupo de Pesquisa

Polifonia” juntamente com o projeto “Narrativas

(Auto)Biográficas na Formação Inicial de Professores/as:

Diálogos Entre Curso de Pedagogia e Curso Normal em São

Gonçalo”. Também é aluno do Programa de Pós-Graduação

em Educação – processos formativos e desigualdades

sociais, na UERJ – FFP e bolsista FAPERJ.

125

SOBRE OS AUTORES

1. Adriana Alves Fernandes

Doutora pela Universidade Estadual de Campinas.

Atuou como professora-formadora de docentes e

gestores no Centro de Formação dos Profissionais em

Educação Paulo Freire na Prefeitura Municipal de

Hortolândia, durante sete anos. Foi professora

alfabetizadora na escola básica pública durante

quinze anos. Atualmente é professora adjunta na

Universidade Federal Rural do Estado do Rio de

Janeiro.

2. Adriana da Silva Bandeira.

Pedagoga pela Universidade Estácio de Sá.

Psicopedagogia pela Universidade Cândido Mendes

(Em andamento) Professora do Fundamental I no

Colégio Universitário Geraldo Reis Coluni UFF

(desde 2015)

3. Adriana de Freitas Salomão do Nascimento

Graduada em Pedagogia pela Universidade do

Estado do Rio de Janeiro-FFP (2005). Pós Graduada

em Orientação Educacional (Universidade Cândido

Mendes). Orientadora de Estudos do PACTO

NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE

CERTA. Tenho experiência na área de Formação

Continuada de Professores Alfabetizadores,

Orientação Educacional, Coordenação pedagógica e

Docência nas series iniciais.

126

4. Ana Flávia Alves Cenaqui

Conheceu o mundo da Educação aos 13 anos de

idade e há dez é professora de Educação Infantil na

Rede Municipal de Niterói. Graduada pela

Universidade Federal Fluminense/Niterói em

Pedagogia em 2005 e especialista em Literatura

Infanto-Juvenil na mesma instituição em 2010.

Procura realizar cursos diversificados na área

educacional a fim de promover um trabalho global

junto ao aluno e à turma.

5. Ana Lúcia Schilke

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal

Fluminense – UFF. Mestre em Educação na

Universidade Estácio de Sá - UNESA . Possui

Especialização em Alfabetização pela Universidade

Federal Fluminense e Especialização em Educação e

Saúde pela FIOCRUZ. Graduação em Pedagogia pela

Universidade Federal Fluminense. Tem experiência

em Curso de Formação de professores, Coordenação

Pedagógica, escolarização da criança hospitalizada e

programas de educação e saúde,

6. Andréa Lopes Bogado

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade

Plínio Leite em Niterói (1994), pós-graduação em

Docência do Ensino Superior, pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro (2001) , Administração,

Supervisão e Orientação Educacional: práticas

cotidianas na escola (2007) Universidade Plínio Leite ,

Educação Especial- Deficiência Mental ( 2010) pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro e Inspeção e

Supervisão Escolar (2016), pela Universidade

Candido Mendes . É Orientadora Educacional na

127

Rede Municipal e Professora no Ensino Médio pela

Rede Estadual no Rio de Janeiro - Curso Normal

(Formação de Professores). Interesse nas seguintes

temáticas: cotidiano escolar e formação de

professores.

7. Beatriz dos Santos Gonçalvez

Formada em professora das séries iniciais no Instituto

de Educação Professor Ismael Coutinho. Estudante

do curso de Pedagogia na Universidade do Estado do

Rio de Janeiro. Professora de Educação Infantil na

Prefeitura Municipal de Niterói. Poeta e escritora de

contos.

8. Célia Regina Cristo de Oliveira.

Graduação em Pedagogia – Magistério das Séries

iniciais/UERJ (1999), Professora das séries iniciais do

Ensino Fundamental da SME - Duque de Caxias/RJ

(desde 2001). Especialização em Alfabetização das

Crianças das Classes Populares- GRUPALFA/UFF

(2003), Coordenação do CAPEM – Centro Aplicado

de Pesquisa em Educação Multi-étnica - Duque de

Caxias/RJ (desde 2004), Especialização em Educação e

Relações Raciais- PENESB/UFF (2015), Mestrado em

Ensino de Educação Básica - Curso de Mestrado

Profissional pelo PPGEB-CAP/UERJ (2016). Ativismo

e relações raciais nos grupos: Rede Carioca de

Etnoeducadoras Negras e Intelectuais Negras.

9. Geanny Cristina Batista Pereira Leal

Especialista em Educação Básica pela FFP -

Faculdade de Formação de Professores da UERJ São

Gonçalo - Graduada em Pedagogia pela

Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora

128

de Educação Infantil no Município de Itaboraí.

Professora Orientadora Pedagógica do Município de

São Gonçalo. Tutora Presencial do curso de

Pedagogia da UERJ (consórcio CEDERJ).

10. Guilherme do Val Toledo Prado

Doutor em Linguística Aplicada pela Universidade

Estadual de Campinas - UNICAMP. Mestre em

Educação. Pedagogo. Coordenador do GEPEC -

Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação

Continuada, professor e pesquisador da Faculdade

de Educação da Unicamp.

11. Jane Marchon Cordeiro Celestino

Pedagoga (UERJ/FFP), Especialista em

Psicopedagogia (UCAM) - Professora da Infância e

Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de

Ensino de Itaboraí, onde também atuou na

Coordenação de Educação Infantil como assessora

pedagógica e formadora. Participou da coordenação

de (re)elaboração dos Referenciais Curriculares para

a Educação Infantil desta rede. Atualmente como

Coordenadora de Projetos Educativos no município

de Itaboraí, retoma seus estudos e pesquisas na área

da pequena infância e formação de seus professores,

através do grupo de pesquisa coordenado pela Profª

Drª Maria Tereza Goudard Tavares.

12. Lenilda de Matos Pinheiro

Graduada em Pedagogia – UFF e em Letras –

Português/Literatura – UNIVERSO. Especialista em

Leitura e Produção de Textos – UFF, em

Psicopedagogia – UCB, em Educação Especial –

UNIRIO e em Planejamento, Implementação e Gestão

129

da Educação a Distância - UFF. Doutoranda em

Ciências da Educação pela Universidade Nacional de

Rosário – UNR/Argentina. Professora da Rede

Estadual do Rio de Janeiro e Técnica em Assuntos

Educacionais – UFRJ

13. Luicilia da Silva Cordeiro Souto

Professora da Educação Infantil da rede pública de

ensino Itaboraí-RJ; Cursando Especialização (Lato

Sensu) em Docência na Educação Infantil na

Faculdade Cinecista Alberto Torres (FACNEC)

Itaboraí-RJ; Licenciatura plena em Pedagogia pela

Universidade Professor José de Souza Herdy.

(Unigranrio) Duque de Caxias-RJ; Curso Normal em

Formação de Professores na Escola Lígia Barreto

(Colégio Setembro), Duque de Caxias-RJ.

14. Madeleine Pereira De Souza

Sou graduada em Pedagogia pela Faculdade de

Formação de Professores (FFP) da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 2015. Durante

parte de minha graduação me dediquei a pesquisa,

participando como bolsista de Iniciação Científica

como também, de Estágio Interno Complementar do

Gpale. Atualmente curso especialização em Gestão

Escolar pela mesma Universidade e atuo na rede

privada de Niterói como professora da Educação

Infantil.

15. Maria Cecília Castro

Professora Alfabetizadora do Colégio Universitário

Geraldo Reis - Coluni-UFF. Mestrado em educação

pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro -

Proped-UERJ e Graduação em Pedagogia pela

130

mesma instituição. Pesquisa temas relacionados a

Formação de Professores, Currículos, Gênero e

Questões étnico-raciais.

16. Maria Celina Gonçalves Ferreira

Professora Alfabetizadora do Colégio Universitário

Geraldo Reis Mestrado em educação pelo

PROPED/UERJ

17. Mercedes França Ramos

Graduação em Pedagogia pela UBM – Centro

Universitário de Barra Mansa. Especialização em

Psicopedagogia pela Universidade Castelo Branco. É

professora alfabetizadora da rede Municipal de Porto

Real e Orientadora Pedagógica da rede Municipal de

Barra Mansa. É assessora da Alfabetização do

Município de Porto Real.

18. Priscila Bernardo Nepromucena

Especializada em alfabetização das classes populares

pela Universidade Federal Fluminense- UFF.

Graduada em Pedagogia com habilitação as séries

iniciais do ensino fundamental pela Universidade do

Estado do Rio de Janeiro - UERJ-FFP. Atua há 16 anos

como professora do 1º segmento do ensino

Fundamental. Atualmente leciona na Secretaria

Municipal de educação do município do Rio de

Janeiro SME-RJ como PEF (Professora de ensino

fundamental), no Complexo de favelas da Maré.

19. Viviane Gonçalves De Moura Emanuel

Formada em Pedagogia e História, com pós-

graduação em Administração, Supervisão e

Orientação Educacional e Gestão de Recursos

131

Humanos. Trabalhou alguns anos na rede particular

de ensino e atualmente leciona como regente no

município de Niterói do 1 ciclo, porém, foi professora

de apoio de alunos com necessidades especiais da

rede. Interesse no processo de Alfabetização.

20. Tamara do Amparo Gome

Graduada em Letras (Português/Inglês) pela

Faculdade de Formação de Professores -UERJ.

Especialista em Gestão Escolar. Professora de língua

inglesa nas redes privada e pública.

21. Thayssa Nascimento

Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de

Formação de Professores- UERJ. Bolsista PIBIC do

Projeto Formação Continuada em Redes: experiências

e narrativas docentes, ligado ao Gpale. Participante

do coletivo docente Redeale, no Rio de Janeiro.

ISBN 978-85-7993-378-3

9 788579 933783www.pedroejoaoeditores.com.br

Este livro é composto por 21 textos

p r o d u z i d o s a o l o n g o d o c u r s o

“Encontros de Pesquisa-Formação: A

Escrita de Narrativas Docentes”. Resulta

da mobilização de experiências ,

memórias e histórias vividas no

cotidiano escolar por professores e

professoras da escola básica. Os textos

que aqui encontramos, trazem a riqueza

do diálogo entre a universidade e a

e s c o l a b á s i c a e n o s e n s i n a m a

importância da escrita como modo de

autoformação docente.