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NEGRAS SENHORAS: As mulheres africanas forras e sua inserção sócio-econômica na comarca do Rio das Mortes (1750-1810). Vilmara Lúcia Rodrigues Teixeira Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social. Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino Rio de Janeiro Abril de 2006

 · Orientador: Manolo Garcia Florentino Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2005. Referências Bibliográficas: ff. 120-128

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NEGRAS SENHORAS: As mulheres africanas forras e sua inserção sócio-econômica na comarca do Rio das Mortes (1750-1810).

Vilmara Lúcia Rodrigues Teixeira

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino

Rio de Janeiro Abril de 2006

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NEGRAS SENHORAS: As mulheres africanas forras e sua inserção sócio-econômica na comarca do Rio das Mortes (1750-1810).

Vilmara Lúcia Rodrigues Teixeira

Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social.

Aprovada por: __________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Manolo Garcia Florentino Universidade Federal do Rio de Janeiro __________________________________________ ProF.ª Dr.ª Ana Lugão Rios Universidade Federal do Rio de Janeiro __________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mônica Ribeiro de Oliveira Universidade Federal de Juiz de Fora __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________

Rio de Janeiro Abril de 2006.

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Ficha Catalográfica

TEIXEIRA, Vilmara Lúcia Rodrigues. Negras Senhoras: As mulheres africanas forras e sua inserção sócio-econômica na

comarca do Rio das Mortes (1750-1810)./ Vilmara Lúcia Rodrigues Teixeira. Rio deJaneiro: UFRJ, PPGHIS, 2006.

xiii, f 128.: il, 31 cm. Orientador: Manolo Garcia Florentino Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História

Social, 2005. Referências Bibliográficas: ff. 120-128 1 – Mulheres africanas forras. 2 – Inserção sócio-econômica. 3 – Mobilidade

Social. 4 – Família. 5 – Minas Gerais. I – Florentino, Manolo Garcia. II – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social. III – Título: Negras Senhoras: As mulheres africanas forras e sua inserção sócio-econômica na comarca do Rio das Mortes (1750-1810).

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Resumo

O objetivo deste trabalho é mostrar que, durante o setecentos mineiro, uma

sociedade múltipla e complexa foi constituída. A intensa urbanização e a diversificação das

atividades econômicas permitiram que no abismo que separava os dois principais grupos

sociais (senhores e escravos) se formasse uma camada intermediária da qual se destacou,

em grande medida, as mulheres forras, principalmente as advindas da Costa da África. A

participação quase exclusiva no comércio ambulante transformou essas mulheres em

personagens importantes para a história do Brasil Colonial. Escondidas atrás de

designações como “Negras de tabuleiro”, essas mulheres se fizeram presentes nas mais

diversas atividades. Eram roceiras, mineradoras, cozinheiras, doceiras, fiandeiras,

parteiras, curandeiras e até feiticeiras. Estas libertas, não raras vezes, conseguiram criar

uma estrutura de vida que lhes garantia certa inserção na sociedade mineira, algumas,

inclusive, se transformaram em senhoras de escravos, casas e jóias. Este trabalho é sobre

estas negras forras que deixaram retratado em seus testamentos e inventários um elenco

diversificado de estratégias que contribuiram para a ampliação de suas possibilidades de

ascensão social.

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Abstract

The aim of this work is to show that, during the eighteenth century in Minas, a

multiple and complex society was built. The intense urbanization and diversification of the

economic activities allowed that, in the abyss which separated the two main social groups

(lords and slaves), an intermediary class was formed, in which the emancipated female

slaves stood out, in a great number, especially those who came from the African Coast.

The almost exclusive participation in the ambulant trade transformed those women into

important characters to Colonial Brazil’s history. Hidden behind the designation of

“Negras de tabuleiro” (black women of the tin to bake cakes), those women made

themselves present in the most diverse activities. They were planters, miners, cooks,

confectioners, spinners, midwifes, quacks, and even witches. These freed slaves were

almost always able to create a life structure that could guarantee to them certain insertion

in the society of Minas, some of them even became owners of slaves, houses and jewelry.

This work is about those emancipated black women who depicted in their testaments and

inventories a varied range of strategies which contributed to the amplification of their

social ascension possibilities.

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Agradecimentos

Nesta longa, difícil e solitária caminhada, muitos foram aqueles que me

incentivaram e não me deixaram desistir. É a eles que dedico este trabalho.

Primeiro, e acima de todos, agradeço à Deus. “Senhor, se hoje percorro este

caminho é porque vós o brilhaste para mim. Deste-me a sabedoria para discernir, alegria e

entusiasmo para prosseguir, coragem para lutar e perseverança para vencer”. Obrigada

Senhor!

Agradeço a minha família, especialmente a minha mãe, pelo incentivo. Tantas

foram às vezes em que dividi minhas preocupações com você, mãezinha; faltam palavras

para traduzir a importância do seu silêncio quando eu reclamava e de suas palavras de

estímulo quando eu me calava. Obrigada pela compreensão quando distanciei-me da

família, apegando-me aos livros. Obrigada por tudo.

Ao meu marido, Adriano, agradeço o tempo que se dedicou a mim, secando

minhas lágrimas e ouvindo minhas murmurações; por toda a verdade que me fez ver; por

toda a sorte que trouxe para minha vida; pelas asas que me fizeram voar e pelos sonhos que

transformou em realidade, por todo amor que encontro em seus braços, serei etermamente

grata. Sem você não teria conseguido.

Ao meu orientador, Manolo Florentino, obrigada por me transmitir seus

conhecimentos e me guiar para além das teorias. Obrigada pela compreensão e pelo

carinho que sempre teve comigo, mesmo nas horas mais difíceis. Sua orientação foi

imprescindível.

Aos componentes da banca de qualificação, Professora Doutora Ana Lugão

Rios e Professor Doutor Antônio Carlos Jucá de Sampaio, meus siceros agradecimentos;

muito deste trabalho se deve às suas sugestões.

Às amigas Maria das Graças, Janaína e Vanessa, que me acolheram de forma

carinhosa, em minha passagem pelo Rio de Janeiro.

À Professora Sívia Brügger que com carinho sempre me atendeu e gentilmente

cedeu o banco de dados de registros de batismo e casamento do Arquivo da Matriz de

Nossa Senhora do Pilar da cidade de São João Del Rei.

No árduo trabalho de coleta das fontes contei com o apoio de Edriana e Rafael,

amigos do Museu Regional de São João Del Rei. Serei eternamente grata pela ajuda.

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À Professora Edna Maria Resende, quem começou isto tudo, quando eu ainda

estava na graduação. Obrigada por acreditar que eu era capaz. O que está nesta dissertação

tem muito de seus ensinamentos. Agradeço-lhe por me mostrar a História.

Aos meus mais novos irmãos: Valéria Baêta, Paulinho, Elizângela, Vanderlan,

Lulu, Goreti, Luís e Valéria. Minhas sinceras desculpas pelas ausências e meus

agradecimentos pelas orações.

Aos meus pequenos Natan, Letícia, Vitória, Sara e Jamile, agradeço pelo

carinho e pelos sorrisos que sempre alegram o meu dia.

Agradeço a Sandra, secretária do PPGHIS, pela sua sensibilidade em me ouvir

lamentar as saudades de casa, pelo papo descontraído que me fazia companhia quando eu

era uma estranha nas terras de ninguém.

Por fim, agradeço à CAPES por tornar possível, através do financiamento

concedido, a realização desta pesquisa.

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Abreviaturas AHU – Arquivo Histórico Ultramarino AMNSP-SJDR – Arquivo da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João Del Rei AMRSJDR – Arquivo do Museu Regional de São João Del Rei APM – Arquivo Público Mineiro SG – Secretaria do Governo

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Lista de Tabelas e Gráficos TABELAS Tabela 01: Passagem: distribuição da população livre, segundo a cor (1804) 25 Tabela 02: Porcentagem de escravos e livres na população de Minas Gerais (1786 – 1823) 32 Tabela 03: Distribuição da população da capitania de Minas Gerais por comarcas – 1821 32 Tabela 04: Distribuição da riqueza da Comarca do Rio das Mortes (1750 – 1822) 51 Tabela 05: Distribuição da riqueza entre as forras da Comarca do Rio das Mortes (1750 – 1822) 52 Tabela 06: Composição da riqueza, em mil-réis, por faixa de fortuna nos inventários das mulheres africanas forras da Comarca do Rio das Mortes no período de 1750 a 1810 58 Tabela 07: Investimento em imóveis entre as mulheres forras por faixa de fortuna 59 Tabela 08: Crescimento da população livre e escrava em Minas Gerais (1718 – 1872) 95 Tabela 09: Número médio e % de escravos nas roças, nas lavras e nas fazendas, por Comarca – 1766 99 Tabela 10: O contingente escravo da Capitania de Minas (1698 – 1786) 102 Tabela 1: Quadro da população escrava de Minas Gerais – 1821 103 Tabela 12: Estrutura e posse de escravos entre as mulheres africanas forras da Comarca do Rio das Mortes (1750 – 1810) 107 Tabela 13: Origem dos escravos, por sexo, registrados em inventários post-mortem, por períodos, na Comarca do Rio das Velhas (1713 – 1773). 110 GRÁFICOS Gráfico 01: % das mulheres africanas forras casadas segundo a etnia 80 Gráfico 02: % em relação ao estado civil e presença de filhos 85

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SUMÁRIO Introdução 11 Capítulo I: A comarca do Rio das Mortes: notas acerca de uma região agrícola e mercantil. 15

Capítulo II: Mulheres forras: acumulação de pecúlio e prestígio social 42 O poder do ouro e da seda 69

Capítulo III: Liberdade, mobilidade social e família 72

Capítulo IV: As negras forras e seus cativos 92 A mão de obra escrava em Minas Gerais 93 Estrutura e posse de escravos 105

Considerações finais 118

Fontes e Bibliografia 120

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Introdução

Rosa de Mello Costa, nascida na Costa da Mina, era uma próspera ex-escrava,

solteira e sem filhos. Ao falecer, em 1760, deixou seus bens sob a proteção da Venerável

Ordem Terceira de São Francisco de Assis, irmandade de brancos, freqüentada pelas

pessoas mais ilustres de São João Del Rei. O seu patrimônio, composto por casas, jóias,

escravos, roupas de luxo, fora deixado para alguns afiliados e para dita irmandade.1

Maria do Rosário, preta forra, solteira, moradora da vila de São João Del Rei,

morreu no ano de 1779. Era natural da Costa da Mina e, no momento de seu falecimento,

os bens mais preciosos que possuía eram umas continhas de ouro, uns brincos de ouro e

um anel de ouro. Quando foi feito o inventário de seu patrimônio, seu monte-mor era de

14$225. Maria do Rosário é a forra de menor fortuna encontrada em nossa amostragem.2

A princípio, estas mulheres partilharam da mesma história. Ambas fizeram

parte do projeto de colonização do Brasil, foram arrancadas da mesma região africana para

engrossar o contingente escravista da colônia. Porém, em um determinado momento suas

vidas seguiram trajetórias diferentes e um profundo abismo se abriu entre estas duas

mulheres. Rosa de Mello Costa é a preta forra de maior fortuna que encontramos em nossa

amostragem, seu patrimônio foi avaliado em 5:308$560.

Histórias como as dessas libertas ficaram, durante muito tempo, escondidas nos

porões dos arquivos, sem despertar o interesse de nenhum pesquisador.

Surpreendentemente, um país de tradição historiográfica tão envolvida com a escravidão e

suas singularidades, negligenciou os estudos sobre a vida da população livre de cor. Mas

não se pode, de forma alguma, negar a importância e o significado dessa instituição na

sociedade colonial, pois até mesmo o mundo desses livres de cor foi marcado pela

escravidão. No entanto, parece-nos que a base do desinteresse por essa parcela da

população estava na convicção de que a sociedade e a economia colonial se reduziam ao

tripé da grande propriedade, da monocultura exportadora e do trabalho escravo. Afinal,

este setor social não teria um papel fundamental na produção para a exportação.

Recentemente, o desenvolvimento de pesquisas sobre o mercado interno

acenou para a existência de atividades produtivas diversificadas. Descobriu-se ainda a

1 Inventário de Rosa de Mello Costa, preta forra, 1760. Caixa 430, AMRSJDR. 2 Inventário de Maria do Rosário, preta fora, 1779. Caixa 223, AMRSJDR.

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partir de estudos sobre a posse de escravos, uma organização social complexa e

estratificada. Isto porque, embora boa parte da população brasileira se constituisse de não-

proprietários de escravos, pelo menos até 1850 a oferta era elástica e o baixo preço das

peças facilitava sua compra.

A partir dessas constatações ficou quase impossível considerar que a sociedade

colonial era polarizada entre senhores e escravos. Nesse sentido, a chamada camada

intermediária, constituída pelos livres e libertos pobres, não podia mais ser vista como

“desclassificados sociais”, impossibilitados de se inserirem na sociedade.

Dessa forma, nosso objetivo é mostrar que na dinâmica sociedade colonial os

diversos grupos se inter-relacionavam. Acreditamos que mesmo sob as limitações

impostas por um “sistema normativo” que excluía e hierarquizava, havia trocas de valores,

mudanças de conceitos e simbioses de culturas. Ao privilegiar a análise da população forra,

primeiramente pretendemos observar o processo de integração desses indivíduos na

sociedade, quais ocupações exerceram, como se organizaram socialmente e qual sua

relação com a escravidão, para finalmente tentar sistematizar seu papel na economia e na

sociedade da capitania mineira. Para tanto, escolhemos trabalhar apenas com as mulheres,

pois a falta de documentação acerca dos libertos do sexo masculino nos levou a crer que as

mulheres conseguiam se inserir com mais facilidade no mundo dos livres.

Estudar a sociedade escravista das Minas Setecentistas a partir da ótica da

mulher africana liberta significa uma oportunidade de recuperar a diversidade de atuações

que se forjaram no interior do universo colonial. A mulher negra, enquanto agente

construtor da sua própria história, está inserida no seio de relações das quais emergem

situações de conflito e adequação que resultam na transformação do tempo e do espaço.

Suas trajetórias ajudam a desvendar a verdadeira face da sociedade colonial, que se

apresenta múltipla e complexa, assim como as histórias de Rosa de Mello Costa e Maria do

Rosário.

Pretendemos, com este estudo, acrescentar novos dados que contribuam para a

compreensão do papel desempenhado pelas africanas forras na estrutura da sociedade

colonial, levando-se em conta as peculiaridades da região e período estudados. O enfoque

regional pode colaborar para o preenchimento de lacunas existentes na historiografia e, ao

mesmo tempo, renovar nossas percepções de um passado remoto.

Assim, nosso estudo tem como recorte espacial a comarca do Rio das Mortes,

uma localidade de grande importância para a capitania de Minas Gerais no final do século

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XVIII e início do XIX, mas ainda pouco contemplado pela historiografia. A principal

justificativa para esta escolha reside no fato de que esta região contava com uma

considerável participação de pessoas em atividades mercantis e de produção agrária. Esta

característica a transformava em um “locus” privilegiado para o estudo das mulheres

africanas forras, já que acreditamos que estas conseguiram ascender economicamente

através da comercialização de gêneros alimentícios.

A escolha de nosso recorte temporal levou em questão a queda da produção

aurífera e a conseqüente valorização da economia agrária. Com isso resolvemos começar a

pesquisa no ano de 1750, entendendo que a partir deste período o eixo econômico da

capitania estaria sendo deslocado para o sul levando consigo aventureiros de todas as

regiões, principalmente ex-escravos, que buscavam no comércio de abastecimento uma

forma de se inserir na sociedade colonial. A outra baliza temporal vai até o ano de 1810,

período em que as atividades mercantis e agrícolas encontravam-se consolidadas na região

do Rio das Mores, devido, principalmente, ao intenso intercâmbio de mercadorias com a

corte carioca.

Para a realização deste estudo, utilizamos como método de abordagem o

paradigma indiciário proposto por Carlo Ginzburg. No que concerne à pesquisa histórica

esse método pode ser assemelhado a atividade de um detetive em busca de pistas ou

indícios com os quais procura recompor teias de relações e eventos pouco ou nada

esclarecidos. De fato, vasculhamos a vida das mulheres africanas forras da comarca do Rio

das Mortes procurando por vestígios que nos ajudasse a compreender a diversidade de

atuações que se forjaram no interior desse grupo. Para tanto, foi imprescindível a utilização

de inventários post-mortem, testamentos e registros paroquiais de casamentos.

Para elucidarmos as questões propostas por esta pesquisa fizemos o

levantamento de todos os inventários de mulheres africanas forras presentes no acervo do

Arquivo do Museu Regional de São João Del Rei, para o período de 1750 a 1810. No total,

foram coletados, em fichas por nós elaboradas, os dados de 46 documentos. Quanto aos

testamentos, foram transcritos um total de 70 documentos. Desses, 31 pertenciam aos

Livros de Testamentos do Arquivo do Museu; 28 estavam anexos aos inventários citados

acima e 11 pertenciam ao Arquivo da Matriz de Nossa Senhora do Pilar. Os registros

paroquiais de casamentos estão organizados em um banco de dados que nos foi cedido pela

Professora Doutora Sílvia Brugger.

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O trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro, procuramos, a partir

da reconstrução do espaço urbano da comarca do Rio das Mortes, especialmente da vila de

São João Del Rei, apresentar as personagens que compuseram esta história. Para um

conhecimento mais aproximado dos lugares sociais ocupados pelas libertas africanas

tornou-se essencial a análise da historiografia acerca da composição social da colônia.

Com vistas, no processo de inserção social dessas mulheres, no segundo

capítulo, fizemos uma análise da composição das fortunas e da hierarquia característica da

região. Dessa forma, tivemos a oportunidade de perceber em qual faixa econômica as

libertas tinham maior expressão. Além disso, vimos que as oportunidades de mobilidade

estavam abertas para esse grupo, porém nem todas conseguiam alcança-la.

No terceiro capítulo procuramos demonstrar que as estratégias de mobilidade

social, no interior desse segmento, congregavam estabilidade familiar e inserção em redes

de sociabilidade. Ademais, estes aspectos se mostraram fundamentais para a sobrevivência

das libertas no universo livre.

No último capítulo, nos propusemos a analisar o papel da escravidão nos

processos de hierarquização e estratificação social. Apesar de não considerar a posse de

cativos como um parâmetro absoluto para a compreensão desses processos, acreditamos

que este ativo foi um dos principais responsáveis pela diferenciação social presente entre

as libertas.

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Capítulo I

A comarca do Rio das Mortes: notas acerca de uma região agrícola e mercantil

Por muito tempo, acreditou-se que a economia colonial brasileira se resumia a

uma plantation escravista. A produção em larga escala de um único produto, a utilização

de mão-de-obra escrava e a exportação faziam parte de um projeto de colonização.

Considerava-se, também, que a sociedade era composta basicamente por senhores e

escravos. Somente nesta relação que se podia encontrar a lógica do “sistema colonial”, os

demais grupos sociais que foram se formando ao longo do tempo, eram informes devido a

fluidez e ambigüidade de comportamento na produção e nas atividades sociais.3

No topo destas discussões está Caio Prado Júnior. Para ele, o processo de

colonização do Brasil possuía um “sentido” que pode ser apontado como responsável pela

conformação social contemporânea. Nas palavras do autor:

Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamante; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem de interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras.4

Segundo este autor, é através deste “sentido” que podemos explicar o processo

de exclusão social presente neste período. A maior parte dos lucros gerados pela atividade

agro-exportadora era apropriada pelos comerciantes estrangeiros, a outra parcela ficava

detida nas mãos dos grandes senhores, restando poucas oportunidades para os outros

segmentos da população livre. Desta forma o modelo de colonização instalado no Brasil,

sustentava uma dicotomia social representada por senhores e escravos, os dois grupos

“bem classificados da hierarquia e na estrutura social da colônia”5. Em meio a essas duas

3 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 17ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. Outros autores também analisaram a organização social do Brasil colonial partindo desse pressuposto: FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 2 ed. São Paulo: Ática, 1974; SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986. 4 PRADO JÚNIOR, Caio. Op. Cit., p. 282-283 5 Ibidem, p. 289.

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categorias “nitidamente definidas e entrosadas”, abre-se um “vácuo imenso”, ocupado pela

camada “dos desclassificados, dos inúteis, e inadaptados; indivíduos de ocupação mais ou

menos incertas e aleatórias ou sem ocupação alguma”.6

A explicação para a instabilidade, fluidez e desclassificação desse setor social,

que vive “à margem da ordem social”, segundo Caio Prado, além de estar no “sistema

econômico da produção colonial”, encontra-se também na onipresença da escravidão. Para

o autor, “a utilização universal do escravo nos vários misteres da vida econômica e social

acaba reagindo sobre o conceito do trabalho que se torna ocupação pejorativa e

desabonadora”.7 Vistos dessa forma, os trabalhadores livres acabam sendo deslocados para

“situações em que a ociosidade e o crime se tornam imposições fatais”.8

Influenciada por esta vertente historiográfica, Laura de Mello e Souza, em seu

livro “Desclassificados do ouro” recusou a noção de opulência da sociedade mineira,

destacando a constituição de uma sociedade marcada pela pobreza, pela conturbação social

e por uma composição social heterogênea marcada pelo aparecimento de uma camada

fluída e indefinida de indivíduos que alijados do processo produtivo exportador se

arrastavam para a marginalização e desclassificação social9.

Esta camada, formada quase em sua totalidade por forros, freqüentemente era

vista pelas lideranças política, econômica e eclesiástica como vadios, um mal para a

sociedade. Indivíduos de ocupações incertas ou sem ocupação alguma, eram referência nos

discursos das autoridades administrativas para justificarem a utilização de mão-de-obra

cativa.

Para a autora, enquanto seres livres, os homens pobres eram destituídos de

consciência de grupo e procuravam cada vez mais estabelecerem relações com a camada

dominante, buscando reforçar a fronteira que os separavam dos cativos. Por outro lado, a

camada dominante buscava sua identidade e a consolidação de sua dominância, procurando

sublinhar as diferenças entre si e os dominados num sentido lato.10

Porém, as múltiplas situações acabavam atirando esses homens livres pobres de

encontro ao universo dos cativos. A miséria, os crimes, as transgressões nivelava os

libertos e os escravos fugidos, na medida em que um e outro eram inimigos da ordem e da

segurança. Segundo Laura de Mello, o que diferenciava estes dois elementos era apenas o 6 Idem. 7 Ibidem, p.286. 8 Ibidem, p. 292. 9 SOUZA, Laura de Mello e, op. cit., p. 63. 10 Ibidem, p. 218.

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fato de que uns eram donos de si, e outros eram propriedades alheias, esta diferença nem

sempre podia ser assegurada, já que não impedia que, momentaneamente, os forros fossem

identificados como escravo.11

Por outro lado, ainda segundo Mello e Souza, a camada dominante procurava

recriar e lembrar a cada momento, a diferença que os separava dos homens livres pobres.

Para eles, a sociedade estava rigidamente hierarquizada, e as características estamentais

apagavam de imediato as indefinições que eventualmente surgissem. Estes grandes

proprietários utilizavam o luxo e a ostentação como sinais distintivos do status social e

como garantia da manutenção do poder de mando. A acumulação de escravos e luxo

aparece como características de uma sociedade escravista específica, própria ao sistema

colonial e indicam seu caráter extremamente restritivo.12

Ressalta, dessas pesquisas, uma realidade muito mais complexa que a simples

redução da sociedade colonial a uma visão bipartida. Podemos perceber, que apesar de

concentrarem suas atenções nos indivíduos que participavam diretamente da economia de

exportação, elas admitem a constituição de outros grupos. Porém, por sua indefinição

diante da rígida hierarquia senhores e escravos, estes grupos acabam sendo nivelados e

igualados pela pobreza e subordinação. A inexistência de elementos definidores da

diferenciação social leva à percepção da dificuldade de visualizar os contornos de uma

sociedade multigrupal.

A produção dessa imagem, como observamos acima, está intrinsecamente

vinculada à compreensão da economia escravista como um “apêndice” da economia

européia. Esta ligação era sustentada por uma lógica restrita assentada na produção de

mercadorias exportáveis e na transferência de excedentes para a metrópole. A formação

dessa economia agroexportadora que visava o mercado internacional e às suas variações se

subordinava, inibia a estruturação de um mercado interno forte. O desenvolvimento desse

mercado interno colonial estaria limitado às produções mercantis para o abastecimento dos

incipientes centros urbanos, porém grande parte desta produção se destinaria à auto-

subsistência. Esses setores voltados para a subsistência tinham, contudo, seu grau de

mercantilização dependente das flutuações do mercado internacional, ou seja, em

momentos de alta dos preços externos esses segmentos encontrariam sua própria expansão.

11 Ibidem, p.218. 12 Ibidem, p. 27.

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Esse mercado interno com pouca expressão e relativamente dependente do mercado

internacional limitava as possibilidades de participação daquela massa desclassificada.13

A primeira crítica à vertente do “sentido da colonização” surgiu na década de

1970, com os trabalhos de Ciro Flamarion Cardoso e, mais tarde, de Jacob Gorender.14

Estes autores buscaram desenvolver a hipótese de um modo de produção escravista

colonial no Brasil. Esse novo modelo, embora considere a vinculação à economia européia

critica a excessiva ênfase dada pelos modelos anteriores à transferência do excedente

colonial e ressalta a criação de uma lógica própria das estruturas internas. Além disso,

esses autores enxergam a possibilidade de acumulação endógena, resultante da atividade

agrícola e do comércio. Essa possibilidade acena para uma economia mais dinâmica e

complexa rompendo de vez com o esquema do latifúndio monocultor escravista.

Nas últimas décadas vem sendo desenvolvida uma nova abordagem sobre a

economia colonial, nela os pesquisadores buscam aprofundar os estudos sobre o mercado

interno e as atividades a ele ligadas. Estas pesquisas apontam para um modelo de economia

colonial mais dinâmico em que a dependência externa em relação à metrópole não é

ignorada, porém destaca-se um grau de autonomia frente às flutuações externas explicada

pela acumulação mercantil endógena e pela inversão deste capital na expansão do setor

agroexportador.

Nesta linha de pesquisa podemos destacar o trabalho de João Luís Ribeiro

Fragoso que analisa os comerciantes da praça mercantil do Rio de Janeiro nos séculos

XVIII e XIX, destacando as formas de acumulação que perpassam a economia escravista

colonial neste período. Partindo da análise da economia metropolitana portuguesa, o autor

aponta algumas restrições à plena execução do exclusivo colonial enquanto mecanismo de

apropriação e transferência de excedente econômico da economia colonial.15 Segundo

Fragoso, o sistema de comércio atlântico desenvolvido pelos portugueses se assentaria,

particularmente, na posição intermediária entre as áreas coloniais e os mercados europeus,

ou seja, seus lucros estavam na revenda de mercadorias coloniais para os mercados

13 Os principais representantes dessa vertente são: PRADO JR., Caio, op.cit.; FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 21 ed. São Paulo: Nacional, 1986; NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. 14 Um comentário sobre esta crítica bem como um balanço hisoriográfico dos modelos explicativos da economia colonial encontram-se em FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 25-41. 15 FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 84.

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europeus e na importação-exportação de têxteis europeus para o mercado colonial.16 Além

disso, o comércio lusitano necessitava da presença de estrangeiros nos seus negócios

ultramarinos levando à perda do volume de mercadorias e à diminuição dos lucros. Para

Fragoso esse quadro:

criava condições para a implementação, no Brasil, de uma produção mercantil de alimentos, de uma camada de mercadores residentes, e, ainda, a possibilidade de retenção de excedente colonial, permitindo, consequentemente, a realização de acumulações internas.17

Nesta medida, segundo o autor, o escravismo colonial em sua reprodução “gera

formas de produção não-capitalistas, ligadas ao seu abastecimento”. São elas o trabalho

camponês, livre e não-assalariado, e o trabalho escravo na produção de alimentos. Esse

processo, de acordo com Fragoso “introduz (ou redimensiona) três categorias da economia

colonial: acumulação endógena, mercado interno e capital mercantil colonial residente”18.

Para ele a conjugação desses fenômenos:

Dá à economia colonial a possibilidade de ter flutuações econômicas próprias, ou melhor, permite-lhe um ritmo próprio de reprodução, não totalmente determinado por injunções externas.19

Apesar de reconhecermos a ligação entre estas três categorias analisadas pelo

autor, gostaríamos de enfatizar aqui o mercado interno. Para Fragoso, esse mercado

colonial podia ser caracterizado como não-capitalista, isto é, possuía uma frágil divisão

social do trabalho (predominantemente escravos, camponeses, peões) e um precário índice

de circulação de mercadorias e moedas.20 Essas características dariam, portanto, um caráter

restritivo e imperfeito para esse mercado. Sua importância e dinamismo podem ser

verificados com a intensa utilização da mão-de-obra escrava em atividades não-

exportadoras e em produções voltadas para o abastecimento interno, sugerindo o fim da

idéia de auto-suficiência e exclusividade da empresa agroexportadora.

16 Idem. 17 Idem. 18 Ibidem, p. 26. 19 Ibidem, p. 28. 20 Ibidem, p. 184.

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Na verdade, estes estudos sobre o desenvolvimento de um mercado interno

colonial acenam para uma diversificação das atividades produtivas bem maior do que a

historiografia tradicional admite. O caso da sociedade escravista mineira é um exemplo

elucidativo, pois mesmo no auge da produção aurífera não houve uma exclusividade da

economia aurífera.

Carlos Magno Guimarães e Liana Reis21 alertam para a importância do estudo

de determinados aspectos da estrutura agrária, principalmente as atividades agro-pastoris

para a compreensão da sociedade mineira na primeira metade do século XVIII. Segundo os

autores:

Resgatar a importância da agricultura na sociedade mineira colonial, bem como entender sua inserção no processo da colonização, necessariamente nos leva a repensar este processo, e aquela sociedade. Trata-se no caso de reconhecer a existência e a importância de um setor produtivo, na sociedade mineira, que absorve expressivo contingente populacional de todas as condições.22

Analisando cartas de sesmarias concedidas para Minas no século XVIII,

Guimarães e Reis, demostram a inconsistência das teses que negam a existência ou a

importância da agricultura na capitania ou consideram o desenvolvimento da agricultura a

partir da decadência da mineração. A utilização massiva dessa fonte23 revelou questões

importantes acerca da associação da atividade agrícola com a mineração e do emprego em

quantidade expressiva da mão-de-obra escrava no trato com a terra. Os autores

demonstram também a partir da documentação, o desenvolvimento de unidades agrícolas

de caráter escravista e mercantil responsáveis pela viabilização da montagem e expansão

da atividade mineradora, para eles:

Se a agricultura é por um lado uma atividade subsidiária da empresa mineradora, por outro lado, a permanência da atividade mineradora depende da sustentação que lhe dá atividade agrícola. Se a mineração está na gênese da agricultura, esta por sua vez se constituiu em base da preservação da atividade mineradora.24

21 GUIMARÃES, Carlos Magno, REIS, Liana Maria. Agridultura e escravidão em Minas Gerais (1700-1750). Revista do Departamento de História. UFMG, Belo Horizonte, n. 2, p. 7-37, 1996. 22 Ibidem, p. 8 23 Os autores trabalharam com um total de 1247 cartas de sesmarias concedidas para Minas Gerais na primeira metade do século XVIII, que se encontram na Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro. 24 Ibidem, p. 34.

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Ressalta desse estudo a idéia de que se conseguirmos dimensionar a

importância das atividades agro-pastoris no período minerador compreenderemos a

vitalidade da economia mineira quando da crise dessa mesma atividade.

A historiografia tradicional considera que Minas Gerais, no período pós-auge

minerador, viveu um processo de decadência econômica, de dispersão da população e de

descapitalização.25 O predomínio de uma visão cíclica da economia, o fascínio pela

atividade exportadora, a sedução que exerceu o esplendor da idade do ouro sobre os

historiadores explica, em grande medida, a incapacidade desses autores em conceber a

existência de uma atividade econômica voltada para o mercado interno na região das

Gerais, desenvolvida concomitantemente com a extração aurífera e, ainda mais, a idéia de

que essa atividade pudesse gerar algum tipo de desenvolvimento auto-sustentado. Dessa

forma, o único diagnóstico viável para a segunda metade do século XVIII foi o de

estagnação ou involução da economia mineira.

Essa tese que defende a decadência econômica de Minas Gerais foi questionada

a partir da constatação de que no final do século XVIII e início do XIX a capitania foi a

maior importadora de escravos da colônia. A existência de um contingente significativo de

cativos na região suscitou um intenso debate acadêmico acerca do desenvolvimento

econômico que estava se processando nas Gerais neste período26. Somente uma economia

dinâmica seria capaz de absorver tamanho número de escravos. Restava, então, investigar

quais atividades produtivas geravam divisas para a importação dessa mão-de-obra.

Os irmãos Martins lançam mão de profundos estudos estatísticos para

demonstrarem o crescimento da população escrava na capitania de Minas Gerais, seus

dados desafiam a visão tradicional sobre a economia mineira, questionando a associação

que normalmente se fazia entre o trabalho escravo e a economia de exportação do tipo

plantation.

Em “A economia escravista de Minas Gerais no século XIX”, Roberto Borges

Martins inicia sua argumentação mostrando que no início do século XIX, Minas não mais

podia ser caracterizada como uma economia mineradora. Já na segunda metade do século

25 Os principais representantes dessa vertente são: CANO, Wilson. Economia do ouro em Minas Gerais. In: Contexto Nº 3. São Paulo: Hucitec, 1977. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1977. ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: USP/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1951. 26 O artigo de LIBBY, Douglas Cole. Historiografia e formação social escravista mineira. Acervo, Rio de Janeiro. V.3, n.1, p. 7-20, jan-jun, 1988, traz um balanço da produção historiográfica sobre a história de Minas setecentista e oitocentista e aponta algumas possibilidades de pesquisa para o período.

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XVIII a produção de ouro caíra drasticamente e a presença das empresas estrangeiras

somente desacelerou o declíneo, não revertendo o processo.27

Apesar da extração de ouro e diamantes se constituir na única atividade de

grande relevância no século XVIII, Roberto Martins constatou que o número de escravos aí

empregados representava apenas 5% da população servil de Minas. Com a crise no setor

extrativo a população cativa dirigiu-se para a zona rural, dedicando-se a agricultura e a

pecuária. Porém, este processo não influiu no volume desta mão-de-obra, ao contrário a

população escrava sofreu um significativo crescimento até o século XIX.

Partindo destes dados, Martins afirmou que o contingente escravista de Minas

Gerais não era herança da idade do ouro, mas o resultado de importações recentes. O autor

não admite, como muitos historiadores, uma associação entre a expansão da economia

agroexportadora cafeeira e a absorção de grande quantidade de mão-de-obra. Para ele a

demanda interna de escravos teria origem na alta razão terra/população.

A análise da dinâmica da economia mineira, feita por Martins, é caracterizada

pela existência de unidades auto-suficientes produzindo para o auto-consumo e para venda

de excedentes no mercado local. O autor caracteriza Minas no século XIX como uma

economia vicinal, formada basicamente por unidades produtivas agrícolas diversificadas

internamente. Não teria faltado a essa economia um componente mercantil, contudo essa

economia teria sido menos mercantilizada do que a de outras regiões do país, e muito

menos do que a economia do complexo cafeeiro de São Paulo e Rio de Janeiro.

Assim, o estudo de Martins avança na constatação de que não houve involução

econômica após a crise da mineração, mas um crescimento acelerado da economia de

subsistência, responsável pela importação e emprego de tantos cativos.

A análise de Martins é revista por Robert Slenes que, considera exagerada a

ênfase no caráter não-mercantil da economia mineira. Slenes levanta a seguinte questão: se

a economia mineira não produzia para exportação, em que atividades ela absorvia tantos

escravos? Em resposta o autor demonstra que o setor exportador de Minas era bastante

dinâmico e capaz de gerar os capitais necessários à importação de tão grande contingente

escravista. Além disso, a produção para a exportação (produção não só de café, mas

também de gado vacum e suíno, pano de algodão, toucinho, queijo e tabaco) gerava uma

renda monetária significativa, que não só teria incentivado a procura de escravos na

27 MARTINS, Roberto Borges. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1980.

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economia de exportação, mas teria criado também uma forte demanda dentro da província

para mantimentos, bens de consumo e matérias-primas utilizadas pelo setor exportador e

pelas atividades internas ligadas a esse setor. Segundo Slenes, a produção voltada para fora

teve um impacto sobre a economia interna que não é visível nos dados sobre exportação,

porém são essenciais para testar a hipótese de que o centro dinâmico da economia de

Minas se encontrava no setor exportador.28

Como podemos ver, a força de trabalho cativo não foi empregada

exclusivamente no setor exportador estando bastante difundida pelas demais atividades

ligadas ao mercado de abastecimento interno. Nas regiões urbanas também concentrava-se

um número significativo de cativos. Para Hebe Mattos

Até a primeira metade do século XIX, a força de trabalho escrava respondia pela quase totalidade dos serviços urbanos. Escravos “ao ganho” e cativos alugados faziam funcionar os portos, o transporte, o comércio ambulante, o serviço doméstico e os mais variados ofícios artesanais especializados.29

Sabemos que a oferta de escravos no Brasil, até a extinção do tráfico africano

em 1850, era extremamente elástica. Tal fato, se opõe a teoria difundida pela historiografia

tradicional de que a propriedade cativa, em todo o período escravista, era concentrada. As

novas pesquisas sugerem que a propriedade escrava era bastante difundida e acessível não

apenas à população branca abastada como também aos pretos forros e seus descendentes e

aos brancos pobres. Este quadro acena para uma série de questões relativas à pesquisa

histórica, principalmente no que se refere às relações entre homens livres. A imagem

rigidamente hierarquizada que a muito se faz da sociedade escravista começa a ser

alterada, consequentemente, a divisão da sociedade entre senhores, escravos e homens

livres pobres começa a parecer pouco realista.

Grande parte da historiografia ao privilegiar os discursos da elite da época

apresentou a figura do homem livre pobre sempre associada à imagem do vadio, ocioso,

desclassificado. Este fato ocorria porque em termos econômicos e sociais essa parte da

população encontrava-se despossuída de terras e escravos, sendo por isso dominada e

dependente dos grandes senhores. Segundo Hebe Mattos, pesquisas recentes têm 28 SLENES, Robert. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Campinas: Cadernos IFCH/UNICAMP, 1985. 29 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Novas perspectivas acerca da escravidão no Brasil. In: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana (org). Escravidão e abolição no Brasil: Novas Perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 32.

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demonstrado que o acesso à terra e à propriedade escrava não configuram um parâmetro

absoluto para se estabelecer a estratificação social entre homens livres sob o escravismo.30

O caso de Minas Gerais é um exemplo elucidativo.

A estratificação da sociedade mineira seria relativamente simples, não fosse o

padrão de posse de escravos revelado para a região. A maior parte dos proprietários de

escravos eram pequenos proprietários de escravos. Segundo Francisco Vidal Luna, em

1804, para diversas localidades mineiras, a média de posse situou-se entre 2 e 3 escravos31.

Dessa forma, ser um senhor de escravos, a não ser pelo status conferido pela posse, não

significava fazer parte da elite local da sociedade escravista. Ainda mais se levarmos em

conta que significativa parcela da população mineira não possuía escravos.32

Em estudo sobre os não-proprietários de escravos de diversas localidades

brasileiras, Iraci Del Nero da Costa33 revela muitos dados que nos ajudam a pensar

algumas questões acerca das limitações em se perceber a sociedade escravista estratificada

entre senhores, escravos e homens livres. Ao analisar uma localidade mineira chamada

Passagem, pertencente à comarca de Vila Rica, utilizando-se do critério cor do

proprietário, o autor encontrou a seguinte conformação:

30 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Op. Cit. p. 41. 31 LUNA, Francisco Vidal. Minas Gerais: escravos e senhores. São Paulo: IPE/USP: 1981. p. 133. 32 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 98. De acordo com o autor, a grande maioria dos domicílios mineiros no século XIX (66,7%) não posuía nenhum escravo. O acesso aos cativos era possível para apenas um terço da população livre. COSTA, Iraci Del Nero da. Arraia-Miúda. São Paulo: MGSP Editores, 1992. p. 11 Este autor também afirma que em Minas Gerais os proprietários de escravos e seus familiares constituíam parcela minoritária da população. Iraci Del Nero da Costa faz parte de um grupo reduzido de estudiosos que ressaltam a importância dos não-proprietários de escravos para a estrutura sócio-econômica de uma determinada região. “Para estes pesquisadores, os não-proprietários de escravos representariam parcela significativa da população e parte de seus integrantes dedicar-se-ia à produção de bens comercializáveis, inclusive à de gêneros de exportação”. 33 COSTA, Iraci Del Nero da. Op. cit. p. 11.

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Tabela 1 Passagem: Distribuição da população livre, segundo a cor

(1804)

Proprietários e dependentes Não-proprietários e dependentes Cor

Nº absoluto % Nº absoluto % Brancos 64 20,3 18 4,2 Pretos 78 24,8 223 51,9 Pardos 166 52,7 183 42,5

Não consta 7 2,2 6 1,4 TOTAL 315 100 430 100

FONTE: Apud: COSTA, Iraci Del Nero da. Arraia-Miúda. São Paulo: MGSP Editores, 1992. p. 55.

Segundo Costa, o distrito de Passagem apresentava uma estrutura demo-

econômica urbana, com um grande percentual de livres e um valor pequeno para o número

médio de escravos (1,3)34. Antes de analisarmos a tabela é importante frisarmos que em

1804 a extração aurífera tinha uma participação ínfima na economia mineira e que as

atividades ligadas produção e comercialização de gêneros de abastecimento estava em

franco crescimento.

Passagem em 1804 possuía cerca de 745 habitantes livres, de acordo com a

tabela. Desse total, 87,2%, ou seja, 650 era constituído por pretos e mulatos. Essa

significativa participação dos homens de cor na população livre demonstra a importância

da escravidão para essa sociedade, não somente a partir da representatividade do cativeiro,

mas também através da inserção desses livres e libertos de cor na estrutura sócio-

econômica da região. Outra questão revelada pela tabela acima é que 77,5% dos

proprietários de escravos eram representantes desse grupo, ou seja, proprietários livres e de

cor.

Estes dados tornam-se mais interessantes quando percebemos que esta

conformação parece ser uma particularidade da capitania de Minas. Iraci Del Nero da

Costa pesquisou os não-proprietários de escravos sob este mesmo aspecto para outras

regiões, no entanto, a porcentagem de brancos no grupo dos proprietários, para o século

XVIII, nunca foi inferior a 76,8%.35

Pela tabela 1 podemos perceber que entre os proprietários, os grupos que de

alguma forma possuíam um laço com a escravidão, os pretos e os pardos (24,8% e 52,7%

34 Ibidem. p. 31. 35 Ibidem, p. 55.

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respectivamente), têm uma representatividade maior que os brancos (20,3). A ocorrência

deste fato não significa que os livres de cor dessa região fossem privilegiados do ponto de

vista da riqueza, já que eles aparecem mais fortemente representados no conjunto dos não-

proprietários (51,9% de pretos e 42,5% de pardos). Pela discrepância nos números de não-

proprietários brancos e não-proprietários de cor podemos afirmar que apesar da posse de

escravos ser difundida, a probabilidade de um homem branco não ser proprietário de

escravos era reduzida. Enquanto os não proprietários brancos representam 4,2%, os

segmentos preto e pardo somam 94,4%.

Àqueles pretos e pardos que possuíam escravos, apesar de não termos

condições de precisarmos sua situação econômica, podemos dizer que eles ocupavam uma

posição privilegiada no interior da sociedade. Seus escravos, aumentavam suas

possibilidades de participarem mais amplamente da economia mercantilizada e ainda lhes

proporcionavam um relativo status. Ao contrário dos homens livres não-proprietários de

escravos. Estes, por se encontrarem à margem da estrutura do regime escravista, estavam

ausentes das atividades mais dinâmicas. Este quadro nos faz pensar que o número de

pessoas indicadas como pobres presentes no grupo dos proprietários de escravos era muito

pequeno. Iraci Del Nero da Costa analisando as listas nominativas para Vila Rica em 1804,

encontrou 206 pessoas pobres, entre elas apenas 8,3%, ou seja 17, eram proprietárias de

escravos e 91,7% (189 pessoas) não os possuía.

Ressalta desses dados a impossibilidade de considerarmos o grupo dos homens

livres, principalmente os de cor, como um todo homogêneo. O fato deles estarem presentes

no grupo dos proprietários e no dos não-proprietários de escravos, em percentual

significativo, nos faz pensar que a sociedade mineira era muito mais complexa do que foi

demonstrado por grande parte da produção historiográfica. Além disso, a não alocação

desses indivíduos em grupos estanques, ou são ricos ou são pobres, nos faz perceber a

possibilidade, mesmo que incipiente, de mobilidade social vertical presente em Minas

Gerais.

Diante das inúmeras especificidades que marcaram a sociedade mineira

setecentista, podemos dizer que o conhecimento mais adequado de sua história será viável

somente com a realização de estudos regionalizados. Desse modo, torna-se relevante

dirigir nossa atenção para a comarca do Rio das Mortes e investigar o papel desempenhado

pela região no contexto específico da decadência da mineração, atentando para as

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características de sua população e para os espaços de mobilidade social abertos para seus

habitantes.

Situada na parte mais sudeste da Capitania de Minas, a comarca possuía uma

localização privilegiada. Segundo Saint-Hilaire seus limites eram: a leste a comarca de

Vila Rica; ao norte as de Sabará e Paracatu; a oeste as províncias de Goiás e São Paulo e

ao sul a do Rio de Janeiro.36 A geografia da região também era favorecida pelas estradas.

Sua localização no centro do Caminho Novo contribuiu para caracteriza-la como

importante ponto de entreposto comercial. A referida Comarca era composta pelos

seguintes termos: São João Del Rey, São José Del Rey, Barbacena, Campanha, Baependi,

Jacuí, Tamanduá e Queluz. Para fins de nossa pesquisa, nos deteremos basicamente ao

termo de São João Del Rey.

Essa região caracterizava-se por uma vigorosa atividade comercial,

constituindo-se num importante entreposto. Possuía um setor exportador especializado em

gêneros de abastecimento ao lado de um pequeno comércio intra-regional de víveres.

Exportava para o Rio de Janeiro vários tipos de produtos como toucinho, bovinos, suínos

queijos e tabaco.37 Sua ligação com as atividades agrícolas foi diversas vezes ressaltada,

tanto por contemporâneos quanto por renomados historiadores. Em sua “Instrução para o

Governo da Capitania de Minas Gerais”, em 1780, José João Teixeira Coelho que fora

intendente em Vila Rica, assim descreve a região:

A Comarca do Rio das Mortes é a mais vistosa e a mais abundante de toda a Capitania em produção de grãos, hortaliças e frutas ordinárias do país, de forma que, além da própria sustentação, provê toda a Capitania de queijos, gados, carne de porco, etc.38

Sérgio Buarque de Holanda afirma que:

(...) para o antigo arraial do Rio das Mortes a cessação da exploração aurífera não impede que muito ouro continue a fluir, mesmo nos tempos de depressão, pois abastece toda a capitania do fruto de sua atividade agrária, pastoril e ate manufatureira.

36 SAINT-HILAIRE, August de. Viagens pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1974. 37 PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996. Tese de doutoramento. p. 114. 38 COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, p.79.

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Alem da produção da lavoura saem em grandes quantidades, toucinhos, queijos, chapéus e tecidos de algodão.39

Embora a região possuísse um considerável número de núcleos urbanos, São

João Del Rei se destacava, pois apresentava uma infra-estrutura urbana consolidada, com

um aglomerado de mais de mil casas, um número expressivo de artesãos e vendas bem

supridas de produtos importados. As atividades agropecuárias de exportação

predominavam nas áreas mais afastadas das vilas.40 Neste ponto, não podemos deixar de

assinalar as diferenças existentes entre o universo urbano e o mundo rural. Porém,

primeiramente, torna-se necessário ressaltar o que estamos considerando como uma

estrutura urbana em Minas Gerais no século XVIII.

O processo de urbanização da capitania41 deve ser visto como um processo

diversificado e complexo em que o influxo inicial foi dado pela mineração e sua

constituição foi sendo moldada pelas atividades agrícolas e manufatureiras. No entanto,

não devemos pensar que a rápida urbanização mineira é resultado apenas da riqueza

produzida na região, mas sim da forma como esta riqueza foi produzida e destribuida, da

estrutura da propriedade e da renda, do padrão monetário e mercantil prevalecentes.42

São vários os indicadores que nos permitem caracterizar a capitania de Minas

como urbana. Há, além do próprio inventário de ereção de vilas e do crescimento

demográfico, as inovações políticas, administrativas trazidas com a efetiva imposição do

Estado; a própria ampliação da estrutura judiciária que terá em Minas Gerais quatro

comarcas durante o período colonial. Ainda durante este período, registre-se a importância

das irmandades religiosas enquanto instituições da sociedade civil e espaços capazes de

garantir algum grau de organização autônoma, de busca de defesa de interesses coletivos.

São também indicadores não menos importantes do processo de urbanização da região, as

evidências de uma diversificada estrutura ocupacional urbana e as atividades artístico-

culturais que foram praticadas de forma a configurar um verdadeiro sistema cultural.43

39 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: Historia Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1985; vol. 2, p. 307. 40 PAIVA, Clotilde. Op. cit. p. 115. 41 Sobre o processo de urbanização na capitania de Minas Gerais ver: PAULA, João Antônio de. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. CUNHA, Alexandre Mendes. Vila Rica – São João Del Rei: as voltas da cultura e os caminhos do urbano entre o século XVIII e o XIX. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2002. 42 PAULA, João Antônio de. Op. cit. p. 41-43. 43 Ibidem, p. 49.

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Tendo em consideração estes indicadores podemos dizer que a capitania de

Minas, no século XVIII, foi uma região bastante urbanizada, e que este processo foi muito

mais complexo que a simples aglomeração demográfica, pois o universo urbano mineiro

foi marcado pela qualidade nos padrões construtivos, pela ampliação de serviços e

equipamentos urbanos e pelo incremento da sociabilidade e das relações simbólicas.44

A região urbana de Minas Gerais apresentava algumas particularidades em sua

organização que a distinguia das áreas rurais. Na comarca do Rio das Mortes, por exemplo,

as localidades rurais são predominantemente agrícolas, embora exista um grupo importante

de artesãos, de pessoas ligadas ao comércio e de trabalhadores livres prestadores de

serviços, além das pessoas que se dedicavam à mineração. Essas atividades eram

desempenhadas majoritariamente por homens. As mulheres se dedicavam à fiação e à

tecelagem, aos serviços domésticos e aos trabalhos em tecidos.45 Ao contrário, a cidade era

marcada por uma atividade comercial intensa, oferecia uma gama de oportunidades a seus

moradores. A população não se concentrava apenas em algumas atividades nem

apresentava uma segmentação por sexo tão forte, com ocupações masculinas e femininas

rigidamente marcadas.46

Diante desse universo geográfico diversificado, não podemos deixar de ressaltar

a composição social da população da comarca. Sobre a população dessa região, não

possuímos dados para todo o período estudado. A documentação censitária nem sempre

traz informações precisas sobre a realidade estudada. Assim, diante da inexistência de

documentação mais completa e exata, utilizaremos dados retirados de viajantes e também

de informações organizadas por outros historiadores.

Até o final do século XVII, havia entrado no Brasil milhares de africanos, todos

destinados ao trabalho escravo nas plantations açucareiras do norte da colônia. Com a

descoberta de ouro, no então sertão da capitania de São Paulo, ampliou-se abruptamente

este comércio de almas. Quase 2 milhões desses negros entraram nos portos brasileiros até

o final do século XVIII, mais que o triplo das cifras dos períodos precedentes.

Diz-se que entre um quarto e um terço desses escravos importados durante o

setecentos eram destinados a Minas Gerais, uma vez que a região tornara-se o centro

44 Ibidem, p. 45. 45 MARTINS, Ângela M. Século XIX: estrutura ocupacional de São João del-Rei e Campanha. V Seminário sobre Economia Mineira, CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, 1990. p. 31-51. 46 Ibidem, p. 41.

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econômico de maior importância para o Império Português.47 Este fluxo de importações de

cativos para a capitania intensificou-se nas duas últimas décadas do século XVIII e início

do XIX, isto porque a região passou a abastecer quase toda colônia de produtos

agropecuários. Segundo Manolo Florentino, na “segunda metade da década de 1820 e a

primeira da seguinte, Minas Gerais, com sua economia voltada para o abastecimento (isto

é, com a predominância de camponeses donos de pequenos plantéis de cativos), aparecia

como pólo de absorção de 40% a 60% dos escravos que saíram do Rio de Janeiro”.48

Neste período, a comarca do Rio das Mortes transformou-se na região mais

importante e populosa da capitania. Nas palavras de Manolo Florentino:

A comarca do Rio das Mortes (...) passou de aproximadamente 83 mil habitantes em 1776 para cerca de 214 mil em 1821 (de 20% para mais de 40% da população da Capitania). Entre estes dois anos, a população das Gerais cresceu 61%, enquanto que naquela comarca tal índice alcançou 158%, dados que indicam tanto o deslocamento demográfico das antigas áreas de mineração para o Sul como também o incremento das importações de escravos.49

A região se destacou entre as outras áreas das Minas por sua numerosa

população branca. No mapa de habitantes feito em 1766, do total de 82.781 pessoas,

29.781 (36,15%) fora caracterizada como branca50. Saint-Hilaire afirma que em nenhum

outro lugar da província viu tantos brancos e tão poucos mulatos; para o viajante a

explicação seria:

Não há a mesma necessidade de introduzir negros escravos numa região onde se dedica, sobretudo ao negócio e a criação de gado, como naqueles em que se extrai o ouro e se cultiva a terra. Além disso, como o Rio das Mortes é mais vizinho do Rio de Janeiro que as outras partes da Província de Minhas, os emigrantes europeus receiam menos se estabelecerem aí, ademais eles têm melhores oportunidades de fazer alguma fortuna, no meio de um povo dado ao comércio e á agricultura, que nas zonas auríferas, onde não se pode esperar um verdadeiro sucesso senão com auxílio de um capital já adquirido.51

47 PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995. p. 66. 48 FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras: Uma História do tráfico entre a África e o Rio de Janeiro: São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.38. 49 Ibidem, p. 39 50 MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira; Brasil e Portugal – 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 51SAINT-HILAIRE. Op. cit. p. 106

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Talvez Saint-Hilaire esteja certo no que tange a migração européia para a

comarca do Rio das Mortes, sobretudo portuguesa. Em seu trabalho sobre os homens ricos

das comarcas de Vila Rica e Rio das Mortes, Carla Almeida apontou para o fato de que no

universo de 169 inventários post-mortem de indivíduos radicados na comarca, 84 (49,7%)

eram naturais de Portugal e ilhas; o estudo chama a atenção também para a estreita relação

destes lusos com a atividade agrícola mercantil.52

Porém, quanto à idéia do Botânico sobre a menor necessidade de cativos na

região, acreditamos que sua explicação deve ser matizada Segundo quadro montado por

Carla Almeida para a população da Capitania, a Comarca do Rio das Mortes, em 1767,

tinha um total de 49.485 habitantes, destes 26.891, ou seja, 54,3 % eram escravos53.

Segundo a mesma autora, em 1766, em um total de 978 unidades produtivas definidas

como roças havia 9.266 escravos, enquanto que no mesmo período em 370 lavras havia

5.976 trabalhadores cativos54.

Este quadro demonstra a importância da comarca no quadro geral da capitania,

pois sua economia fortemente dinamizada atraía investimentos para os diversos setores.

Por outro lado, sugere que a necessidade de escravos não parecia ser tão pequena, como

afirmou Saint-Hilaire. “O número expressivo de cativos não era incompatível com a maior

presença de brancos na região”.55

Todavia, é importante observar que a diminuição no percentual de mão-de-obra

servil no conjunto da população da comarca ocorreu, porém não foi uma conseqüência da

diminuição do número de escravos, e sim do surpreendente crescimento da população

livre. Entre os anos de 1767 e 1821 a população escrava de Minas Gerais cresceu 43,65 %,

enquanto que a livre atingiu a incrível taxa de 305,17 %. Estes dados apontam para a

importância cada vez maior que a camada livre e pobre passou a ter no contexto

socioeconômico de Minas Gerais.56 Podemos observar a evolução populacional da

Capitania a partir de uma tabela organizada por Kenneth Maxwell que inclui as categorias

livres e escravos.

52 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, Homens bons: produção e hierarquização social em Minas colonial, 1750-1822. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2001. Tese de doutoramento. p. 209. 53 Ibidem p. 53. 54 Ibidem p. 57. 55 BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal: Família e sociedade (São João Del Rei, Séculos XVIII e XIX) . Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2002. Tese de doutoramento. p.40 56 ALMEIDA, Op. cit. p. 52.

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Tabela 2 Porcentagem de escravos e livres na população de Minas Gerais 1786-1823

Ano Livres % Escravos % Total 1786 188.712 52,0 174.135 47,9 362.847 1805 218.223 53,6 188.761 46,4 407.004 1808 284.277 65,6 148.772 34,3 433.049 1823 343.333 66,7 171.104 33,3 514.537 1827 378.620 72,9 140.365 27,0 518.985

FONTE: Apud: MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: A Inconfidência Mineira; Brasil e Portugal – 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 341.

As informações acima podem ser completadas com dados organizados pelo

viajante Barão De Von Eschewege para o ano de 1821 e discriminados em categorias

idênticas, porém com uma divisão feita por Comarcas que nos permitirá observar também

a evolução populacional da região do Rio das Mortes.

Tabela 3 Distribuição da população da capitania de Minas Gerais por comarcas – 1821

População Total Livres Escravos Comarcas Nº absolutos % Nº absolutos % Nº absolutos % Vila Rica

Rio das Mortes Rio das Velhas

Serro Frio

75.573 213.617 141.312 83.592

14,7 41,5 27,5 16,3

48.637 128.622 96.015 58.952

14,6 38,7 28,9 17,8

26.936 84.995 45.297 24.640

14,8 46,7 24,9 13,6

Totais 514.094 100 332.226 100 181.868 100 Fonte: ESCHEWEGE, Wilhem L. von. Notícias e reflexões estatísticas sobre a Província de Minas Gerais. RAPM, v. 4, n. 4, 732-62, 1899. In: Almeida, Op. Cit. p. 51.

Ao observarmos a tabela 3 podemos perceber a destacada posição da comarca

do Rio das Mortes quanto a sua população. Nela concentrava-se a maior porcentagem de

livres e escravos. Acreditamos que este fato pode estar relacionado com as características

econômicas da região que, com o decréscimo da produção aurífera, passou a representar

uma alternativa viável para pessoas de diferentes regiões e condições econômicas

investirem capital e aumentarem seus padrões de vida.

Sabemos que na Segunda metade do setecentos, a população forra cresceu

sobremaneira. Em Vila Rica “no início do século XVIII, esse segmento representava 0,7%

da população; ao passo que entre 1769 e 1773, essa presença havia subido para 14,9% e,

no início do século XIX, ela atingia a casa dos 22,5%. Um fantástico crescimento de

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3200%”.57 Segundo Eduardo França Paiva “na década de 1780 a população negra liberta e

livre alcançou a marca de 103 mil indivíduos, o que equivalia a mais de 70% do conjunto

mancípio mineiro, chegando na primeira metade do século XIX, a ultrapassar a

escravaria”.58 Estes dados no levam a crer que boa parte da população livre da comarca do

Rio das Mortes tinha alguma ligação com o cativeiro.

Segundo um mapa de população feito para o termo da vila de São João Del Rei

no ano de 1808, a região possuía um total de 25.451 habitantes, destes 15.721 (61,77%)

eram livres e 9.730 (38,23%) eram escravos. Entre a população livre 9.064 (57,66%) eram

brancos e 6.657 (42,34%) eram pretos e mulatos59. Para a vila de São José e seu termo, o

mapa indica um total de 21.550 habitantes sendo 9.467 (43,93%) escravos e 12.083

(56,07%) livres, destes 6.199 (51,30%) eram brancos e 5.884 (48,70%) eram livres de cor.

Diante dessas observações podemos supor que a comarca do Rio das Mortes

oferecia maiores oportunidades de participação a seus habitantes e provavelmente

apresentava peculiaridades quanto à estratificação social, os espaços de inserção sócio-

econômicos da população, os lugares sociais ocupados por brancos, mestiços e negros,

livres, forros, e escravos. A melhor forma encontrada para demonstrar estes aspecos é a

análise de alguns setores ocupacionais em que estava alocada a população.

Na documentação do Conselho Ultramarino, encontra-se uma relação dos

homens abastados de diversas vilas mineiras60, em 1756, em alguns casos com indicação

da atividade a que se achavam ligados. No entanto, parece ser um indício das atividades

lucrativas e prestigiadas da região. Na lista relativa a São João Del Rei, do total de 41

homens arrolados, 33 tinham a ocupação identificada, ou seja, 12 eram apontados como

vivendo de negócios61, 7, ligados à mineração, 5, identificados como mercadores e 9, como

roceiros.62 Infelizmente, a documentação relativa ao século XVIII, que relata a estrutura

ocupacional da comarca do Rio da Mortes é escassa.

57 VENÂNCIO, Renato Pinto. Compadrio e Rede Familiar entre as forras de Ouro Preto Colonial. In: Congresso de Ciências Humanas, Letras e Arte, 5, 2001. Ouro Preto (Mimeo). P.5 58 PAIVA. Op. Cit. P. 91 59 APM, SG, Caixa 77, Doc 69. 60 AHU, Cx. 70 doc. 40, cód. 6.034. Microfilme, rolo 62, CD-ROM nº 20. Carta de Domingos Nunes Vieira, Desembargador e Intendente da Comarca do Sabará, informando Diogo de Mendonça Corte Real sobre a remessa da relação das fazendas que entravam nas Minas, assim como sobre a relação dos homens mais abastados da referia capitania, 1756. Apud: BRUGGER, Sílvia Maria Jardim. Op. cit. p. 29. 61 Segundo Sílvia Brugger a expressão “viveno de negócio” é muito imprecisa, porém pode identificar uma pessoa que desempenhava várias atividade que resultavam em lucros. 62Idem.

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No entanto, Edna Maria Resende, em seu trabalho de mestrado, faz uma análise

a partir de Listas Nominativas referentes à São João Del Rei do início do século XIX. A

autora encontrou uma grande participação das atividades ligadas ao comércio. Das 968

pessoas das quais se tem informação sobre a ocupação, 16% são negociantes. Certamente,

apenas uma parcela desses negociantes dedicava-se ao comércio de fazendas secas,

vendendo tecidos, ferramentas e produtos importados trazidos da Corte, fazendo parte da

elite da sociedade são-joanense. Participavam ainda desse grupo social os negociantes de

secos e molhados, vendedores de alimentos e “gêneros da terra”. 63

A ligação da cidade com o comércio também pode ser confirmada com a

presença de pessoas trabalhando como caixeiros, farmacêuticos, mascates, padeiros,

carniceiros, a presença de arreadores, carreiros, ferradores atestam a importância das tropas

na vida da cidade e os vínculos com os mercados mais distantes.64

As funções públicas também ofereciam um leque de oportunidades aos homens

livres, desde ocupações mais prestigiosas, como advogados, eclesiásticos, médicos, juízes,

professores, administradores, cobradores, escrivães, até atividades mais humildes, que

empregavam soldados, carcereiros, porteiros. As atividades mecânicas e manuais

ocupavam uma parcela expressiva da população, apresentando uma grande diversificação

com inúmeros ofícios especializados. A maioria das atividades artesanais constituía-se de

ofícios usuais, como sapateiros, carpinteiros, padeiros, latoeiros, funileiros, alfaiates,

ferreiros, atividades estas indispensáveis em centros urbanos. Porém, existiam também os

artesãos que exerciam um ofício tido como nobre como ourives, relojoeiro, pintor e

escultor.65

Segundo Resende, o cruzamento de dados referentes a cor e ocupação indica

que algumas ocupações eram desempenhadas predominantemente pela população branca,

outras pela população de cor e uma minoria tanto por brancos quanto por mestiços,

crioulos e pretos. As atividades ligadas ao comércio claramente eram desempenhadas de

modo majoritário pelos brancos. Dos 155 negociantes listados no censo de 1838, 115

(74,2%) eram brancos. O mesmo ocorre com os caixeiros: dos 75 identificados, 69 (92%)

eram brancos, conta apenas 6 (8%) de cor.66

63 RESENDE, Edna Maria. Entre a solidariedade e a vilência: valores, comportamentos e a lei em São João de-Rei, 1840-1860. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1999. Dissertação de mestrado. p. 33. 64 Ibidem, p. 34. 65 Ibidem, p. 34-35. 66 Ibidem, p. 39.

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As funções públicas mais importantes, sobretudo as que exigiam um mínimo de

instrução, empregavam preferencialmente brancos. É o caso de juízes, eclesiásticos,

comandantes, professores, médicos, escrivães. Também entre estudantes e mendigos a

maioria era branca (94,7% e 85,7% respectivamente). As funções públicas mais humildes

abriam espaços para a participação da população de cor, abarcando 61,5% dos soldados e

todos os oficiais de Justiça registrados. As atividades artesanais eram mais comum à

população negra, mestiça e crioula. Eram alfaiates (75,8%), barbeiros (100%), carpinteiros

(86,6%), latoeiros (60%), pedreiros (92,3%), sapateiros (94,8%).67

As mulheres também tinham uma importante participação no mercado de

trabalho de São João Del Rei. Resende percebeu em sua análise que existiam ocupações

predominantemente femininas, ligadas aos trabalhos manuais em tecidos e ao serviço

doméstico. Porém, as mulheres também estavam presentes em ocupações masculinas,

contudo em um número pouco expressivo. A autora encontrou mulheres ocupadas no

comércio, como negociantes (10,3%) e como caixeiras (1,3%), além de estarem

desempenhando os ofícios de alfaiate (15,2%), sapateiro (7,9%), seleiro (16,7%) carapina

(14,3%) e padeiro (33,3%). O número de mulheres assalariadas é significativo. A Lista

Nominativa registra 217 mulheres arroladas que viviam de suas agências (73,3%) contra

79 homens (26,7%).68

Como podemos ver, é notável a participação de mulheres em ofícios urbanos.

Dividindo espaços com homens, elas se destacam em diversas ocupações. Porém, é

necessário ressaltar que segundo a historiografia, nas Minas Gerais o pequeno comércio

era uma atividade essencialmente feminina.69 Esta atividade teve um papel fundamental

para a economia mineira do século XVIII, amenizando o problema do abastecimento a

partir da distribuição de mercadorias às populações dos núcleos urbanos.

Assim como a divisão sexual apontada para o pequeno comércio mineiro é

evidente, a disseminação dessa atividade entre os elementos forro e escravo também é

marcante. Desde os primeiros tempos da colonização, em lugares como a Bahia e o Rio de

Janeiro, a presença de mulheres forras nesse tipo de comércio já era significativa. A

participação quase exclusiva no comércio ambulante transformou essas mulheres em

personagens importantes para a história do Brasil Colonial. 67 Ibidem, p. 40. 68 Ibidem, p. 36. 69 Ver: FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Edunb, 1993. p. 33. MOTT. Luís R. B. Subsídios a história do pequeno comércio no Brasil. Revista de História. Vol. 53. nº 105. p. 81-106.

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Na Idade do Ouro, nas Minas Gerais, esta presença não ocorreu em menores

proporções, escondidas atrás de designações como “Negras de tabuleiro”, essas mulheres

circulavam nos centros urbanos mineiros com seus apetitosos quitutes. É muito sugestivo a

presença de bacias, tachos, tabuleiros, chocolateiras, fôrmas, balanças e outros utensílios

utilizados na fabricação e venda de quitutes, registrados nos inventários das africanas

forras de nossa pesquisa. Gracia Dias de Oliveira70, natural de Angola e moradora da vila

de São João Del Rei, faleceu no ano de 1768 deixando vários bens avaliados em

1:645$983. Entre seus utensílios estavam colheres e garfos de prata, tachos de cobre,

garrafas de vidro, pratos de estanho, tabuleiros e balanças.

A presença do elemento feminino no pequeno comércio é algo de

desenvolvimento recente pela historiografia. As justificativas para esta forte participação

são buscadas, primeiramente, na observação das atividades desenvolvidas pelo sexo

oposto. O emprego de enorme contingente masculino em trabalhos braçais leva a crer que

não poderia ser diferente tal divisão de tarefas. Para outros autores, a explicação estaria em

uma transposição da estrutura do comércio varejista africano para o Brasil colonial.

Segundo Selma Pantoja:

A venda de gêneros básicos foi uma tarefa das mulheres que garantiam o feijão, a farinha, a carne e o peixe seco para a própria continuidade do tráfico de escravos. (...) Para a região da África Central Ocidental, as quitandeiras são o exemplo de como atuava essa rede comercial de gêneros de primeira necessidade, registrando-se também, como as migrações transatlânticas trouxeram para as cidades coloniais brasileiras essas comerciantes.71

Analisando os condicionantes sociais e o pequeno comércio de Bento

Rodrigues e Camargos, ambas freguesias de Vila Rica, no período de 1718 e 1755, Flávio

Rocha Puff escreveu que, de forma geral, o homem que trabalha no comércio é o livre e a

mulher, forra ou escrava.72 Utilizando-se de registros de almotaçarias, Puff constatou que,

os livres com quase 93% de comerciantes masculinos, representam quase a totalidade

70 Inventário de Gracia Dias de Oliveira, preta forra, caixa 291, AMRSJ. 71 PANTOJA, Selma. Dimensão Atlântica das Quitandeiras. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p.46 72 PUFF, Flávio Rocha. Os pequenos comerciantes nas Minas Gerais Setecentistas: Bento Rodrigues e Camargos (1718-1755). Monografia de Bacharelado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e sociais da Universidade Federal de Ouro Preto. Mariana, 2003. p. 60.

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desse seguimento social. Já os comerciantes escravos e forros são em 74,3% dos registros

compostos por mulheres.73

Segundo Sheila de Castro Faria, o comércio era o meio de acumulação mais

próximo à precária situação financeira da população forra na Colônia, uma vez que, não

requeria grandes investimentos.74 Talvéz esta seja a informação necessária para explicar o

porquê que estes forros, em nenhum caso aparecem como donos de lojas de fazenda seca,

os únicos investimentos ao alcance do seu nível econômico eram o comércio varejista ou

as vendas de molhados.

Porém, pela mobilidade e facilidade de interação as mulheres forras

congregavam em torno de si segmentos variados da população pobre mineira, muitas vezes

prestando solidariedades a práticas de desvio de ouro, contrabando, prostituição e

articulação com quilombos.75 Essas práticas motivaram dores de cabeça constantes às

autoridades administrativas e religiosas.

A presença de negras quituteiras ao redor das lavras despertava inúmeras

reclamações por parte dos proprietários de escravos que aí mineravam. Geralmente, a

presença dessas mulheres era motivo para conflitos e desordens, prejudicando o andamento

dos trabalhos da mineração. Além disso, elas eram freqüentemente acusadas de desvio de

jornais, pois consumindo os quitutes e aguardentes vendidos pelas negras, os escravos

debilitavam o volume do ouro recolhido, que deveria ser canalizado para pagamento de sua

obrigação, fazendo diminuir o quinto e, portanto, a ação das negras de tabuleiro ao

contribuir para que parcela do ouro extraído escapasse aos mecanismos legais,

configurava-se como crime de contrabando.76

A prostituição parece ter sido outra atividade atribuída às africanas libertas.

Muitos autores amparados quase sempre em relatos de viajantes ou documentação das

Devassas, generalizaram o fenômeno para todas as mulheres negras do Brasil colonial,

chegando a admitir que a prostituição constituía-se na pobreza e miséria social feminina.

Para Caio Prado Júnior a função dessas mulheres era satisfazer as necessidades sexuais dos

homens brancos que se encontravam privados de mulheres de sua raça. Segundo o autor:

73 Ibidem, p. 61. 74 FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p.113 75 FIGUEIREDO,Luciano Raposo. Mulheres nas Minas Gerais. In: PRIORE, Mary Del (org). História das mulheres no Brasil. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 146. 76 SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do ouro. Op. cit. p. 57.

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O traço mais pungente da presença da mulher na história do Brasil talvez tenha sido a enorme proliferação da prostituição entre mulheres escravas, livres e pobres, não havendo recanto na colônia em que não houvessem penetrado.77

O fausto produzido pelo ouro e diamante das Minas e as preocupações da coroa

com o seu desvio constituíram uma imagem depreciativa das forras e fizeram parecer que a

região era um território da prostituição. Centros urbanos importantes como Vila Rica, o

arraial do Tejuco, São João Del Rei e Barbacena, tornaram-se famosos pela suposta

proliferação de meretrizes. O viajante Saint-Hilaire chegou a tratar a vila de Barbacena

como:

(...) célebre entre os tropeiros, pela grande quantidade de mulatas prostituídas que a habitam, e entre cujas mãos estes homens deixam o fruto do trabalho. Sem a menor cerimônia vêm oferecer-se essas mulheres pelos albergues; muitas vezes os viajantes as convidam para jantar e com elas dançam batuques, essas danças lúbricas.78

A prostituição também foi vista como atividade complementar ao comércio de

abastecimento. Eram as dificuldades de sobrevivência que empurravam as libertas direto

para as práticas escusas e amorais. Segundo Laura de Mello e Souza, “vivendo numa

sociedade iníqua e desigual as mulheres tiveram que deixar de lado os pruridos morais para

poderem sobreviver”.79 Porém, segundo Sheila de Castro Faria, ao que tudo indica, mesmo

consorciando atividades como prostituição, prestação de serviços domésticos, costura,

preparação de alimentos, etc., foi no comércio que os alforriados, principalmente as

mulheres, conseguiram melhores chances de sobreviverem no universo colonial.80

Na verdade, os núcleos urbanos, ao concentrarem um grande número de

atividades, exerciam um papel fundamental na vida dessas mulheres, na medida em que

oferecia um quadro de relativa abertura para esse grupo, representando uma opção para

romperem com a situação de indefinição e marginalidade, estabelecendo relações

econômicas e garantindo um lugar social no mundo dos livres.

77 PRADO JÚNIOR. Op. cit. p. 354. 78SAINT-HILAIRE, August de. Viagem à Província do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p. 64. 79 SOUZA, Laura de Mello e. Op. cit. p. 184. 80 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas:acumulação de pecúlio e transmissão de bens de mulheres forras no sudeste escravista. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira; FRAGOSO, João Luís; CASTRO, Hebe de (orgs). Escritos sobre história e educação: uma homenagem a Maria Ieda Linhares. Rio de Janeiro:Mauad-FAPERJ,2001. p. 306

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Essa influência das atividades urbanas na vida das mulheres de cor, certamente,

remontava do período de cativeiro. Em Minas Gerais, o dinamismo econômico das áreas

urbanas atuou como um fator importante para a conquista da alforria pelos cativos e

continuou essencial para que os libertos enfrentassem as dificuldades de sobrevivência.

Especialmente a vida quotidiana das vilas e arraiais, ao garantir maior mobilidade e

maiores chances de participação informal na economia, oferecia aos escravos a

oportunidade de trabalharem nas mais diversas ocupações, possibilitando-lhes acumular

pecúlio, colocar-se sob coartação e desenvolver estratégias para adquirir a alforria.81

Nesse sentido, faz-se necessário apreender a dinâmica das concessões de

alforrias na sociedade mineira, pois somente dessa forma conseguiremos dimensionar a

importância desse grupo para a sociedade em questão.

Em estudo sobre o arraial do Tejuco, Júnia Furtado encontrou um total de 387

forros, sendo que 63% era mulher e 37% homem82. Em pesquisa desenvolvida por Libby e

Alencastro, sobre as alforrias na freguesia de São José Del Rei (freguesia contemplada em

nosso estudo), entre 1750 e 1850, corrobora os demais estudos na medida em que

encontram uma predominância feminina entre os forros durante todo o período; “as

mulheres compunham 59,8% e os homens 40,2% dos indivíduos que receberam cartas de

alforria; entre 1751 e 1799 as porcentagens correspondentes eram 60% e 40%; e de 1800 a

1847, 58,8% e 41,2%.As razões de sexo se computam da seguinte forma: 68 (1751-1847),

67 (1751-1799) 70 (1800-1847)”83.

Esta predominância de mulheres no grupo dos alforriados já foi explicada pela

historiografia de diversas formas. O argumento mais corrente é que as escravas utilizavam

seus atrativos femininos para seduzir seus senhores e manter com eles relações de

concubinato e mancebia. O objetivo a ser alcançado com estes relacionamento ilícitos era a

própria alforria e a de seus filhos. Tal argumentação pode nos levar à conclusão de

passividade e subordinação dos homens brancos frente aos truques sexuais de suas

escravas ou a julgamentos condenatórios a respeito da conduta destas mulheres, o que não

nos parece muito adequado, pois se levarmos em conta a escassez de mulheres brancas nas

81 PAIVA, Eduardo França. Op cit. p. 77. Segundo o autor: “a junção entre a ampla rede urbana, a diversificação precoce da economia e o mercado consumidor daí emerso formam um dos elementos determinantes do movimento de manumissões presente na capitania”. p. 76. 82 FURTADO, Júnia Ferreira. Pérolas Negras: mulheres livres de cor no Distrito Diamantino. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 86. 83 LIBBY, Douglas Cole; GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Reconstruindo a liberdade: Alforrias e forros na freguesia de São José do Rio das Mortes, 1750-1850. Varia História: Julho, 2003. p.124

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Minas Gerais setecentistas veremos que nestas uniões multirraciais não havia vítimas nem

algozes, pelo contrario, eram acontecimentos quase que naturais.

Apesar dessas afirmações os dados de Libby e Alencastro indicam que as

mulheres tanto quanto os homens da vila de São José compraram suas alforrias. Segundo

os autores “até 1799, 65% das transações que libertavam mulheres envolviam pagamento,

enquanto 68,2% dos homens tiveram que comprar suas cartas de alforria”84.

Outra questão que gostaríamos de destacar aqui é a designação racial e a origem

das mulheres forras da comarca do Rio das Mortes. Segundo Libby e Alencastro, em São

José, os crioulos superavam os escravos africanos no que diz respeito à obtenção da

alforria. Segundo os autores:

Para o período de 1751-1799, os africanos representavam 37,4% de todos os escravos alforriados e os nativos, 62,6%. A partir de 1800, os nativos constituiriam nada menos que 85,1% dos libertos, enquanto os africanos, 14,9%. Para todo o período 1751-1847, os nativos representavam um pouco mais que dois terços (68,8%) dos ex-escravos e os africanos um pouco menos que um terço (31,2%).85

Para a comarca do Rio das Mortes como um todo, temos motivos para acreditar

que esta situação era invertida. Apesar de desconfiarmos que os libertos estão sub-

representados, em uma tabela presente na documentação do Arquivo Ultramarino

encontramos para a região 246 pardos forros e 667 pretos forro no ano de 1767.86

Sugerimos que o mercado favorável para a importação de escravos africanos durante todo

o século XVIII somado a pré-disposição destes para o trabalho com mineração e

agricultura foram pontos importantes para acreditarmos na superioridade numérica dos

escravos africanos sobre os crioulos.

O fato é que, na sociedade mineira, o trabalho representado pelo pecúlio foi

responsável pelo aumento demográfico das mulheres libertas. Portanto, acreditamos que a

vida destas ex-escravas foi modulada pelo universo urbano-comercial e que as

possibilidades encontradas no período pós-manumissão, as conquistas, a criação de um

espaço e de uma cultura própria deste grupo, foram mediadas por este universo.

XXX

84 Ibidem. p. 131. 85 Ibidem. p. 128. 86 AHU, Cx. 93, Doc. 58, Cód. 13.665, Microfilme rolo 84, CD-ROM nº 27.

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A discussão apresentada neste capítulo deixa as claras que o dinamismo

econômico presente em Minas Gerais desde meados do século XVIII, foi um dos

elementos responsáveis pela formação de uma estrutura social complexa e diversificada. O

desenvolvimento de atividades agrícolas e mercantis fez crescer oportunidades para um

número maior de pessoas, que alijados do sistema de extração mineral devido aos altos

investimentos que a atividade exigia, encontram na produção e comercialização de gêneros

alimentícios melhores condições de sobrevivência.

Estas transformações tiveram seu reflexo imediato na pirâmide social da região.

Minas Gerais desde os primórdios de sua ocupação constituía-se em um universo marcado

pela forte hierarquização e reconhecido pela intensa rigidez estamental. Com a

inconstância do ouro e o desenvolvimento de outras atividades econômicas, pouco a pouco

a capitania foi ampliando seu tecido social, conseqüência do surgimento de diversas

categorias sócio-econômicas intermediárias.

Estas mudanças no setor econômico e no mundo do trabalho refletiram de

forma incisiva na organização da sociedade. O surgimento de novas relações sociais

apontavam para certa fluidez em sua estrutura, as oportunidades que se abriram a um

grande número de indivíduos fizeram com que estes adquirissem recursos sociais e

financeiros que os levaram à uma considerável mobilidade social. Assim, a sociedade

mineira colonial, apesar de se manter hierárquica e estamental, dispunha de mecanismos

por meio dos quais os indivíduos podiam melhorar as condições adversas em que

nasceram.

Foi neste contexto que um significativo número de mulheres alforriadas

conquistaram seu espaço na sociedade da comarca do Rio das Mortes, ocupando um papel

importante em todas as suas instâncias. Examinaremos mais de perto algumas dessas

negras libertas que, entre 1750 e 1810 morreram nesta região e ali deixaram suas histórias

retratadas em inventários post-mortem e testamentos. São 46 mulheres que nos ajudarão a

compreender um pouco a trajetória deste grupo que deixou profundas marcas na formação

da capitania de Minas Gerais. Considerar o papel desempenhado pelas libertas na

economia da região constitui o objetivo do próximo capítulo.

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Capítulo II

Mulheres africanas forras: acumulação de pecúlio e prestígio social

Um dos primeiros relatos sobre a mulher negra foi o do jesuíta italiano Antonil.

Contemporâneo do rush minerador, o cronista deixou marcado em sua obra as péssimas

impressões que teve em relação à sociedade mineira após as descobertas auríferas. Para

ele, a desordem e a anarquia reinavam dentro da Capitania, sendo a mulher escrava

responsável direta por este estado de desorganização social. Como resultado de sua leitura

da realidade mineira, relatou:

Não há cousa tão boa que não possa ser ocasião de muitos males, por culpa de quem não usa bem dela. E até nas sagradas se cometem sacrilégios... convidou-os o ouro a jogar largamente e a gastar em superfluidades quantias extraordinárias, sem reparo, comprando (por exemplo) um negro trombeteiro por mil cruzados, e uma mulata de mau trato por dobrado preço, para multiplicar com ela contínuos e escandalosos pecados.87

Nesta passagem percebemos claramente a indignação de Antonil frente aos

desperdícios da civilização do ouro que gasta tudo o que encontra em supérfluos além de

utilizar da riqueza vinda do metal para cometer o sacrilégio de se envolver com mulheres

de cor espalhando pelas Minas a desordem e a anomia social. Mais a frente, o autor reforça

sua idéia de culpar a mulher negra pelos descaminhos do ouro:

E o pior é que a maior parte do ouro que se tira das Minas passa em pó e em moedas para os reinos estranhos e a menor é a que fica em Portugal e cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões, arrecados e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver, e as negras muito mais que as senhoras.88

Já na década de 1930, Gilberto Freire se tornou um dos precursores do

revisionismo que perpassa a historiografia brasileira. Em sua obra “Casa-grande e

Senzala”, o sociólogo discute a formação da sociedade brasileira a partir da articulação de

três elementos: patriarcado, interpenetração de etnias e culturas e o trópico. Freire, também

87 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1967. p. 303. 88 Ibidem, p. 304.

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deixou claro em sua obra as importantes contribuições dos negros para a formação da

sociedade brasileira. Segundo o autor:

Uma circunstância significativa resta-nos destacar na formação brasileira: a de não se ter processado no puro sentido da europeização. Em vez de dura e seca, rangendo do esforço de adaptar-se a condições inteiramente estranhas, a cultura européia se pôs em contato com a indígena, amaciada pelo óleo da mediação africana (...). A mediação africana no Brasil aproximou os extremos, que sem ela dificilmente se teriam entendido tão bem, da cultura européia e da cultura ameríndia, estranhas e antagônicas em muitas de suas tendências.89

Porém, assim como Antonil, Gilberto Freire ainda deixava transparecer o forte

apelo sexual ao se referir às negras escravas. Segundo o mesmo,

Pode-se, entretanto, afirmar que a mulher morena tem sido a preferida dos portugueses para o amor, pelo menos para o amor físico. A moda de mulher loura, limitada aliás às classes altas, terá sido antes a repercussão de influências exteriores do que a expressão de genuíno gosto nacional. Com relação ao Brasil, que o diga o ditado: “Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar”, ditado em que se sente, ao lado do convencionalismo social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da preta, a preferência sexual pela mulata.90

Outro autor deste período de transformação na historiografia brasileira que

também escreveu sobre as mulheres de cor da colônia foi Caio Prado Júnior. Para este

autor a função das escravas era satisfazer as necessidades sexuais de seus senhores que, na

ocasião encontravam-se privados de mulheres de sua raça. Em suas palavras:

O traço mais pungente da presença da mulher na história do Brasil talvez tenha sido a enorme proliferação da prostituição entre as mulheres escravas, livres e pobres, não havendo recanto na colônia em que não houvessem penetrado.91

Acreditamos que esta interpretação do universo feminino fortemente ligada à

função sexual teria empurrado para debaixo do tapete da história tudo que a mulher negra,

89 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Cículo do Livro, s/d.. p. 87-88. 90 Ibidem, p. 48. 91 PRADO JÚNIOR, Caio. Op. cit. p. 354.

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escrava ou não, poderia ter trazido de valor para a formação de nossa cultura. Infelizmente

esta idéia perdurou por muito tempo na historiografia.

Ainda na década de 1980, Laura de Mello e Souza, ao analisar a população

forra de Minas setecentista, considera-os como desclassificados sociais associando-os à

pobreza da região. Segundo a autora, a prostituição constituía-se na miséria social

feminina, pois vivendo em uma sociedade iníqua e desigual as mulheres tiveram que deixar

de lado os pruridos morais para poderem sobreviver.92

Considerando a análise do discurso das autoridades coloniais a autora reproduz

o preconceito e a exclusão sofridos pelas mulheres negras e utiliza-se do fator econômico

para justificar os crimes e arruaças cometidos por elas. Na verdade, Laura de Mello e

Souza trata essas mulheres como desclassificadas por considerar que estas não eram

partícipes das atividades voltadas para o mercado externo, negando que estas poderiam ter

um lugar dentro da sociedade.

Seguindo a mesma matriz teórica de Laura de Mello e Souza, podemos

encontrar Luciano Figueiredo, que apesar de ressaltar a força de trabalho da mulher negra

ao exercer as mais variadas funções ainda as considera à margem do sistema produtivo.

Em sua obra “O avesso da memória”, o autor afirma que essas mulheres eram agentes

pródigos na trama da desordem social excessiva e cotidianamente latente no transcurso

daquele intranqüilo século XVIII.93 Para Figueiredo, o acesso ao mundo dos livres fez

com que essas mulheres mergulhassem num universo de desclassificação que trazia

instabilidade e incertezas. Em suas palavras:

As mulheres libertas ou forras, que adotaram a prostituição como modo de vida, o fizeram não só como meio de resistir à pobreza, intrínseca aos desclassificados sociais, mas como forma de sobrevivência diante dos estreitos canais existentes na sociedade mineira para o trabalho feminino.94

A partir da década de 1990, baseados em novas correntes historiográficas

americanas e européias, os historiadores brasileiros romperam com estereótipos e

reverteram o quadro teórico e metodológico utilizado para analisar as mulheres negras. As

pesquisas têm demonstrado que a participação feminina no sistema escravista se deu de

forma marcante. Começa-se a perceber os papéis destas mulheres dentro deste universo até 92 SOUZA, Laura de Mello e. Op. cit. p. 184. 93 FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória. Op. cit. p.34. 94 Ibidem, p. 95.

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então constituído por fortes braços masculinos. Descobriu-se que além dos trabalhos no

campo e domésticos para os senhores, também delas dependia a vida familiar dos escravos.

Consideram-na a principal guardiã da cultura africana e, assim, responsável pela

preservação da identidade cultural deste grupo.

Estas abordagens trouxeram à tona também as estratégias de sobrevivência

desenvolvidas por estas mulheres. Nessa perspectiva destaca-se o estudo de Sheila de

Castro Faria95 que discorre sobre acumulação de pecúlio e transmissão de bens entre

mulheres forras de São João Del Rei e do Rio de Janeiro, nos séculos XVIII e XIX. A

autora procurou desvendar as relações sociais estabelecidas entre estas libertas e as suas

possibilidades de acumular excedentes. Para ela:

Várias pretas forras que conseguiram enriquecer após a alforria apresentaram uma estrutura domiciliar muito semelhante, composta majoritariamente por mulheres, além de realizarem os mesmos investimentos: escravos, jóias e casas e deixar como herdeiras de seus bens essas mulheres.96

Segundo Sheila de Castro, “as mulheres forras tinham condições sociais e

econômicas especiais que as tornavam detentoras de um poder econômico só muito

recentemente detectado”97. Faria acredita que este fato esteja relacionado com as práticas

culturais africanas:

muitas mulheres alforriadas conheciam a forma eficaz de sobreviver e enriquecer dentro das condições econômicas vigentes no Brasil (...). Quero crer que suas opções, assim como as de inúmeras outras, foram ditadas por experiências mais profundas e que as escolhas faziam parte do universo cultural de suas terras de origem, embora tivessem como limite a realidade da sociedade escravista do Brasil que, com certeza, elas também ajudaram a construir.98

Aqui, a autora demonstra preocupação com os condicionantes culturais que

regem a vida dessas libertas. Este tipo de abordagem sobre a mulher negra é importante na

medida em que não vê suas práticas apenas como uma resposta ao ambiente hostil em que

foram forçadas a viver. Ao considerar estes aspectos Faria começa a delinear os contornos

do lugar social ocupado por essas negras forras.

95 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás Pretas. Op. cit. p. 289-329. 96 Ibidem, p.290. 97 Ibidem, p.305 98 Ibidem, p. 291-292.

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Apesar de a autora apresentar uma análise focada na inserção das libertas na

sociedade contrariando a historiografia que teimava em considerá-las como agentes da

desordem, vadias e desclassificadas, em seu trabalho vemos que há uma certa valorização

da dicotomia entre a vitimização ou a rebeldia. Este ponto fica claro nos momentos em que

a autora ressalta a presença de estigmas sociais, que impediam o sucesso absoluto dessas

libertas. Queremos crer que as dificuldades para essas mulheres se inserirem na sociedade

existiram, porém estavam muito além dos preconceitos raciais ou de gênero. Gostaríamos

de lembrar que Minas Gerais não era uma capitania rica e opulenta como quis a

historiografia, então as oportunidades e os espaços sociais precisariam serem criados por

grande parte da população.

Igualmente importante é o trabalho de Eduardo França Paiva99 que ao dedicar-

se ao estudo dos escravos e libertos da capitania de Minas Gerais, no século XVIII, faz um

pequeno passeio pelo universo feminino. O autor afirma que as mulheres forras se

preocupavam em assumir uma posição de destaque no mundo dos dominantes e como a

ascensão social lhes era dificultada pelo estigma da cor “elas não titubearam em valer-se de

todas as atividades que pudessem lhes proporcionar melhores condições de vida”.100

Assim, Paiva considera que todas as práticas e opções dessas negras forras estavam ligadas

às estratégias de resistência e adaptação às relações escravistas. Neste sentido, tenta

analisar os fatores que permitiram a inserção das libertas na economia e no contexto

histórico do termo de Sabará. Porém, considera que embora formassem um conjunto de

atitudes semelhantes, esse tipo de resistência feminina não era, exatamente, coletivo. As

conquistas se davam na esfera do particular101.

França Paiva admite que a história da mulher negra no Brasil não é única, pois

apesar de semelhantes, as estratégias empregadas causavam efeitos diferentes de acordo

com o contexto sócio-econômico em que estavam inseridas. Porém, o autor considera que

as práticas e as estratégias faziam parte de um plano de resistência ao sistema escravista e

que inclusive as experiências de suas terras de origem, sua bagagem cultural deveriam ser

camufladas, mascaradas para que as libertas se posicionassem melhor na sociedade.

Ao trabalhar com as negras de tabuleiro nas Minas Gerais do século XVIII,

Liana Reis procurou desvendar as relações sociais estabelecidas entre essas mulheres e a

sociedade, suas possibilidades, em função da atividade de vendedoras ambulantes, de 99 PAIVA, Eduardo França. Op. cit. p. 105-144. 100 Ibidem, p. 129 101 Ibidem, p. 107.

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acumular excedente (pecúlio) usados para a compra de alforria, no caso da escrava, ou para

a aquisição de bens, no caso da forra. A autora discorda de um grande número de

historiadores que justificam a predominância feminina entre os alforriados devido o

contato mais direto com o senhor através do intercurso sexual não reconhecendo a força de

trabalho destas mulheres.102

Entre os estudos que destacam as mulheres negras como agentes de suas

próprias histórias, encontramos o livro “Chica da Silva e o Contratador dos diamantes”, de

Júnia Ferreira Furtado.103 Através da história dessa crioula que viveu no arraial do Tejuco

no século XVIII, a autora analisa o universo social em que viviam as mulheres negras e

mulatas forras, na região produtora de diamantes. Utilizando-se de inventários e

testamentos, Furtado observa as estratégias desenvolvidas por essas mulheres para

inserirem-se na sociedade hierárquica da época e, assim, apagar o estigma da cor e da

escravidão de seus antepassados. Para Júnia Furtado, o principal mecanismo de promoção

social encontrado por elas era o casamento, em suas palavras: “certamente, os casamentos

conferiram a inserção social, pois a igreja procurava normatizar e regrar a sociedade pelos

laços sagrados do casamento cristão”.104

Neste caso, apesar de a autora admitir o sucesso destas mulheres no que tange a

inserção na sociedade, ela concede o mérito ao casamento, perpetuando a idéia de que o

trabalho exercido por estas libertas não teve importância para a sua vida no período pós-

manumissão. Em contrapartida, um estudo que valoriza a mulher enquanto sujeito

histórico, capaz de se auto-sustentar através de seu esforço é a dissertação de mestrado de

Cláudia Cristina Mol.105

Através do estudo da cultura material, Cláudia Mol, buscou reconstituir o

cotidiano das mulheres forras da sociedade de Vila Rica, no período de 1750 a 1800. Para a

autora, tal cotidiano era marcado pelo trabalho e permitiu a elas exercerem diversas

atividades, assumindo muitas vezes funções preponderantemente masculinas e, com isso,

ocupar o espaço social, burlar as regras vigentes, numa sociedade detentora de valores

patriarcais.

102 REIS, Liana Maria. Mulheres de Ouro: as negras de tabuleiro em Minas Gerais do século XVIII. Revista do Departamento de História. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, v. 8,1989, p.72-85. 103 FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o Contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 104 ______. Pérolas Negras: mulheres livres de cor no Distrito Diamantino. Op. cit. p. 97. 105 MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras: cotidiano e cultura material em Vila Rica (1750-1800). Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2002. Dissertação de mestrado.

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Tendo em vista as considerações realizadas a partir da bibliografia constatamos

que os historiadores que se dedicaram ao estudo das Minas Gerais resgataram aspectos

importantes no que tange a inserção das libertas na sociedade colonial. Entretanto,

percebemos a necessidade de se lançarem novas luzes sobre os lugares ocupados por essas

mulheres no interior da sociedade mineira setecentista. Neste sentido, este estudo pretende

compreender o comportamento das escravas após a manumissão, a fim de perceber se elas

efetivamente tiveram oportunidades de melhorar as condições de vida e alcançarem certa

mobilidade social.

Torna-se de extrema relevância observar que em todos os trabalhos aqui

analisados, não foi feita uma distinção étnica entre as mulheres forras. Acreditamos que

estas formaram um grupo imensamente diverso e que esta diversidade muito influencia na

análise de seus destinos. Ao tratarem sem maiores distinções mulheres africanas e crioulas,

estas pesquisas desconsideram a existência de uma bagagem cultural capaz de moldar seus

universos de várias maneiras, impedindo, assim uma compreensão mais efetiva de suas

práticas e opções.

Nosso objetivo primordial será o de ressaltar e valorizar as peculiaridades e

particularidades inerentes ao grupo composto por libertas africanas. Temos consciência

que mesmo com este recorte étnico ainda corremos o risco de generalizações, já que entre

as mulheres escolhidas há uma diferença de origem. Mas como temos uma maioria

pertencente à mesma localidade do Continente Africano: a Costa da Mina, acreditamos ser

possível aproximarmos da realidade por elas vivida.

Escolhemos trabalhar com mulheres forras africanas por considerá-las um caso

excepcional, pois mesmo longe de seus lugares de origem conseguiram romper algumas

barreiras culturais aproveitando as oportunidades oferecidas pelo novo ambiente para se

libertar da escravidão e ainda ter condições de sobrevivência, no período pós-manumissão,

bastante favoráveis.

Através dos inventários e testamentos estaremos dando voz a essas libertas e,

assim, poderemos recuperar as experiências cotidianas e a diversidade de atuações que se

forjaram no interior de uma sociedade escravista e excludente. A utilização desta fonte

documental nos permitirá romper com os estereótipos construídos pelos discursos das

autoridades coloniais e propagados ao longo do tempo pela historiografia. Segundo

Eduardo França Paiva, foram as mulheres que desfrutaram de condições menos rígidas

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para enfrentarem as dificuldades de sobrevivência no período posterior a libertação. Em

suas palavras:

Para se constituírem na maioria da população forra mineira as escravas contaram com um elenco diversificado de estratégias que, combinadas à dinâmica econômica das áreas urbanas possibilitaram mobilidade social e abriram caminhos para as alforrias.106

Embora o autor afirme que as mulheres libertas conheciam as formas para

sobreviverem na sociedade escravista das Minas Gerais, gostaríamos de manter claro em

nossa argumentação que as conquistas e as trajetórias de sucesso se davam na esfera do

particular. A verdade é que essas mulheres dividiam um espaço social em que as

oportunidades eram restritas, não apenas para elas como também para toda a população

livre, de cor ou não. Em seu livro, “Chica da Silva e o Contratador de diamantes”, Júnia

Furtado ressalta que:

Ponto igualmente importante no que diz respeito à condição de forra é que nem sempre a obtenção da liberdade implicava uma vida melhor para os ex-escravos, principalmente quando não dominavam algum ofício. Após alforriarem-se, as mulheres viam juntar-se o estigma do sexo ao da cor e da condição. A situação marginal a que ficavam relegadas era pior que aquelas a que estavam submetidas alguns tipos de escravos, como os domésticos.107

Mesmo para as que conseguiam se sobressair, as possibilidades de inserção

eram limitadas e a sua riqueza, muitas vezes, não era reconhecida, posto que seus

contemporâneos “insistiam em vê-las pelo seu passado como escravas e pela forma com

que tiveram acesso aos bens”.108 Em última instância, pobres ou ricas, as mulheres

africanas forras enfrentaram inúmeras dificuldades para serem reconhecidas como

participantes da sociedade colonial. Eram os traços expressivos e visíveis da

hierarquização característica do Antigo Regime português modificado e transportado para

os trópicos.

Neste contexto, tornava-se necessário a elaboração de estratégias que

possibilitassem o mínimo de reconhecimento. Para tanto, estas libertas fizeram-se

106 PAIVA, Eduardo França. Op. cit. p. 106. 107 FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva... Op. cit. p. 111. 108 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas... Op. Cit. p. 305.

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presentes no comércio local, exploraram os segredos da cozinha, transformaram-se em

solicitadas parteiras, impuseram-se como guardiãs principais das tradições culturais

africanas e afro-brasileiras, estabeleceram, na medida do possível, laços de amizade e de

interesse com os mais bem classificados na escala social setecentista.109

Para apreendermos o elenco diversificado de estratégias com as quais as libertas

contavam para sobreviver e se inserir no universo colonial devemos considerar

primeiramente as possibilidades econômicas que serviram como alicerce para a criação de

uma estrutura de vida que lhes garantia um certo posicionamento na hierarquia social.

Para atingirmos nossos objetivos, utilizaremos inventários post-mortem como

base documental do presente trabalho. Mas como toda documentação, os inventários

possuem um limite: eles não permitem visualizar um número considerável de africanas

libertas alijadas de nosso estudo. Por isso ressaltamos desde já que a composição da

riqueza e sua distribuição entre estas mulheres são muito mais excludente e desigual que a

visualizável pelos inventários.

Em face desta documentação, considera-se como parâmetro a riqueza possuída,

medida em libras, como um primeiro enfoque. A divisão pelo monte bruto possuído

permite delimitar padrões de riqueza e pobreza inegáveis grosso modo. É uma forma

inicial de classificação que apresenta um pequeno problema, não permite visualizar as

influências que as relações interpessoais exercem nas distinções entre grupos. Porém, é

uma classificação satisfatória e operacional para os objetivos desta primeira parte da

pesquisa.

Em um primeiro momento utilizaremos alguns dados organizados por Carla

Almeida para a comarca do Rio das Mortes110. Em trabalho já citado, a autora analisa,

através de inventários post-mortem, a hierarquização social advinda da estrutura

econômica vigente na região, para então compreender os meandros da riqueza e da pobreza

produzidas pela distribuição da renda naquela sociedade.

O objetivo principal da apresentação destes dados em nossa pesquisa é

compreender a disparidade econômica presente na comarca do Rio das Mortes, destacando

a posição ocupada pelo grupo das mulheres forras nesta sociedade. A partir desta

constatação faremos uma análise da distribuição da riqueza dentro do grupo das libertas,

para assim verificarmos o processo de inserção engendrado no seu interior.

109 PAIVA, Eduardo França. Op. cit. p. 129. 110 ALMEIDA. Carla. Op. cit. p. 191.

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As faixas de fortuna que aparecem nas tabelas 4 e 5 foram estabelecidas a

partir do trabalho de Carla Almeida. Segundo a autora, as duas primeiras englobam os

pequenos proprietários, ou seja, aqueles indivíduos possuidores de um patrimônio avaliado

em até 500 libras esterlinas. Os médios proprietários tinham fortunas que oscilavam entre

501 e 2000 libras e nas demais faixas estão presentes as grandes fortunas.

Tabela 4111 Distribuição da riqueza na Comarca do Rio das Mortes (1750-1822)

Faixas de

fortuna em Libras

Nº de inventários % Soma dos montes

brutos %

0 – 200 87 32,7 8824,3 4,2

201-500 78 29,5 26428,2 12,5

501-1000 40 15,0 31201,1 15,0

1001-2000 36 13,5 49626,7 23,6

2001-5000 18 6,7 49237,4 23,5

+ 5000 7 2,6 44497,1 21,2

Totais 266 100 209814,8 100 FONTE: Apud: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, Homens bons: produção e hierarquização social em Minas Colonial, 1750-1822. Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 2001. p. 191

111 A conversão para libra foi feita usando a tabela de flutações cambiais do real no século XIX elaborada por Kátia Mattoso. Para o século XVIII usamos referência feita por Miercea Buescu dizendo que o valor do real ficou constante durante todo o século, “à razão 3,555 réis por libra esterlina-ouro”. Buescu, Mircea. 300 anos de inflação. Rio de Janeiro: APEC, 1973. p. 106. MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser Escravo no Brasil. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 54. Utilizamos destas conversões seguindo o trabalho de Carla Almeida para compararmos as mulheres forras com os homens ricos da região da Comarca do Rio das Mortes.

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Tabela 5 Distribuição da riqueza entre as forras da Comarca do Rio das Mortes (1750-1822)112

Faixas de

fortuna em Libras

Nº de inventários % Soma dos

montes brutos %

0 – 200 41 77,3 2584,0 33,3

201-500 9 17,0 2377,3 30,6

501-1000 2 3,7 1289,3 16,6

1001-2000 1 2,0 1493,2 19,5

2001-5000 - - - -

+ 5000 - - - -

Totais 53 100 7743,8 100 FONTE: Inventários post-mortem do AMRSJDR.

Os dados apresentados no tabela 4 indicam que estamos diante de uma

sociedade em que as médias e pequenas fortunas são muito mais evidentes. A presença de

fortunas maiores que 2001 libras é muito pequena em relação às outras faixas. Estas

informações servem para percebermos que apesar do fausto propagado, Minas Gerais

setecentista era uma sociedade com poucos homens muitos ricos e muitos homens muito

pobres113. Apesar da distribuição da riqueza ser menos desigual que do que a do Rio de

Janeiro, como veremos mais a frente, tratou-se mais de uma distribuição de baixos níveis

de renda.

Podemos perceber, ainda em relação ao tabela 4, que a comarca do Rio das

Mortes apresentava uma sociedade extremamente desigual. Havia uma forte concentração

da renda nas mãos de poucos. Os dados indicam que 44,7% (somando-se as duas maiores

faixas) da riqueza total encontrava-se sob a posse de apenas 9,5% dos inventariados,

enquanto que 16,7% (somando-se as duas menores faixas) desta renda pertencia a 62% dos

inventariados. Ao contrário do que já foi dito sobre Minas Gerais do século XVIII, não

havia uma riqueza bem distribuída, o que ocorria era uma monopolização desta por um

pequeno grupo.

112 O período e o número de inventários foram alterados para melhor efetuarmos a comparação com o trabalho de Carla Almeida. Infelizmente não mantivemos este período em todo o trabalho, pois acreditamos que a documentação não seria suficiente para embasar os argumentos construídos para o período de 1810 a 1822. 113 Aqui a palavra homem não está se referindo ao gênero masculino, mas sim ao homem ser humano em geral.

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Estes números nos remetem ao estudo de João Fragoso e Manolo Florentino

para o Rio de Janeiro no período de 1790 a 1840114. Ao analisarem a distribuição da

riqueza entre as pessoas que abriram inventários post-mortem nos meios rural e urbano da

capitania, os autores constataram que, em diversas conjunturas, reiterou-se um perfil no

qual os 10% mais ricos do campo e da cidade controlavam pouco mais de 2/3 do valor total

das fortunas recenseadas; aos cinco décimos mais pobres cabia entre 4% e 6% das mesmas.

O mesmo foi observado por Maurício Martins Alves para Taubaté no período

de 1680 a 1729.115 A vila de Taubaté, no final do século XVII tinha sua economia voltada

para a produção agrícola comercial a partir da exploração do trabalho de uns poucos

escravos indígenas. Nas duas últimas décadas do seiscentos apenas 11% das pessoas que

deixaram inventários detinham de 40% a metade da riqueza arrolada; os 55% mais pobres

tinham acesso a apenas 10% ou 20% do valor desta riqueza. Com a descoberta de ouro em

Minas Gerais, Taubaté especializou-se em prover a região mineradora de gêneros

alimentícios, o que incentivou a mudança da mão-de-obra nativa para a africana e a

instalação de plantations açucareiras. Independente das mudanças, a elite local seguiu

representando 11% dos inventariados, que continuaram a deter de 40% a 55% da riqueza.

Porém, a introdução do ouro na economia gerou um empobrecimento relativo das faixas

menos privilegiadas, que, embora continuassem a representar 57% dos inventariados,

passaram a deter apenas 13% da riqueza.116

A conseqüência imediata desta desigualdade na distribuição da riqueza é a

perpetuação da diferença. O poder econômico está intrinsecamente vinculado às

possibilidades de investimento, ou seja, quanto maior for a riqueza de um indivíduo

maiores serão suas probabilidades de aumentar essa riqueza. Este fato faz com que a

diferença social se reproduza no tempo e no espaço. Essa processo de diferenciação ocorre

para fortalecer as fronteiras entre os segmentos sociais e, está presente não apenas na

fronteira que separa ricos e pobres, como também no interior destes grupos.

Pela tabela 4 , percebemos que uma grande parcela da população da comarca do

Rio das Mortes pode ser caracterizada como pobre, porém não há uma pobreza

universalizada, o que existe é uma diversidade de setores de baixa renda. O grupo

114 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. Op. Cit. p. 171. 115 ALVES, Maurício Martins. Caminhos da pobreza: A manutenção da diferença em Taubaté (1680-1729). Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1995. 116 Idem. p. 72-78.

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representado pelas mulheres africanas forras constitui um bom exemplo desta gradação da

pobreza.

Neste contexto, verificaremos que nem todas as libertas de nossa pesquisa

partilharam da mesma história. A realidade a que elas estavam relegadas apresentava-se

como um universo complexo e impossível de ser reduzido a uma visão uniforme e

homogênea. Ao contrário de uma pobreza que nivelava e igualava por baixo, aparece um

quadro de diferenciação social que reproduzia (guardadas as proporções), características da

sociedade colonial. Havia uma certa pobreza, mas não absoluta, o que ocorria era uma

produção desta – já que a riqueza era possível, mas nem todas a alcançavam.

A primeira constatação que a tabela 5 nos permite fazer é que entre as mulheres

africanas forras da comarca do Rio das Mortes a distribuição da renda não era muito

desigual, se comparada com o quadro geral da região presente na tabela 4, visto que 94,3%

das inventariadas possuíam 63,9% da “riqueza” total, enquanto que 36,1% desta renda

pertencia a 5,7% das inventariadas, ou seja, apenas 03 mulheres. A primeira vista não há

uma clara distinção entre as libertas; parece-nos que havia muitas mulheres dividindo uma

pequena riqueza, ou melhor, uma grande pobreza.

Se nos atentarmos na análise das duas tabelas em conjunto perceberemos que é

na primeira faixa de fortuna que se encontra a maior parte das mulheres forras; da mesma

forma, é onde está concentrada grande parte dos homens livres. Este fato deixa claro as

limitações de se considerar a camada formada pelos livres de cor como marginais. Dizer

que estas pessoas são “vadias” e “ociosas” seria, no mínimo condenar milhões de pessoas,

livres e libertas a uma “não-sociedade”.117 Vimos que a população de cor da comarca do

Rio das Mortes teve acesso aos recursos que a economia local podia oferecer e muitas

vezes tiveram ocupações profissionais que confluíam com as ocupações da população

branca.

Por outro lado, a pequena participação das mulheres forras nas faixas de fortuna

maiores que 500 Libras demonstra que o processo de inserção social desse grupo foi

marcado pela hierarquização própria do sistema escravista. Apenas 03 (5,7%)

inventariadas alcançaram tamanho sucesso. Estas poucas exceções servem para mostrar

que a mobilidade era possível, porém muito limitada. Percebemos que as maiores

possibilidades de ascensão eram abertas para o grupo dos homens livres, haja vista 28,5%

destes ocupam as camadas intermediárias da distribuição da riqueza e 9,3% estão no topo 117 Termo utilizado por RESENDE, Edna Maria. Op. cit. p. 22.

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da hierarquia. Já para as africanas forras, constatamos uma ausência de inventariadas que

tivessem seus montes brutos somando mais que 2001 libras. Numa sociedade em que as

hierarquias de sangue e pertencimento faziam-se presentes, a falta destes atributos podem

justificar esta ausência.

A análise das tabelas também indica uma estratificação social muito mais

complexa que a simples bipolarização entre senhores e escravos. A sociedade da referida

comarca apresenta uma certa fluidez marcada pela possibilidade de mover-se na pirâmide

social. No entanto, não nos parece possível determinar parâmetros definidores desta

estratificação. Se considerarmos que uma sociedade está em constante mudança,

especificar um único elemento pode parecer insuficiente. Acreditamos que a diferença

social, neste período, esteve calcada na posse da vários mecanismos capazes de gerar um

padrão de riqueza significativo. Um grupo está em condições de se afirmar como

dominante economicamente no momento em que detém o controle dos meios produtores

de maior riqueza, impedindo os demais grupos de ascenderem socialmente por relega-los à

posse de instrumentos geradores de menor riqueza.118

No interior do grupo das mulheres forras, o fato de algumas terem subido na

escala econômica ressalta a produção de uma estratificação. Estratificação esta que não

deve ser definida apenas pela riqueza possuída. Uma mulher africana recém egressa do

cativeiro, em busca de uma reinserção na sociedade, procurava, principalmente ter acesso a

uma casa para morar, a escravos para trabalhar por ela e jóias para exibir seu poder e

socorre-la nos momentos difíceis.

O que pretendemos com essa discussão é analisar os mecanismos geradores de

riqueza presentes nas Minas Gerais no período especificado para, então compreendermos

as estratégias utilizadas pelas libertas para se inserirem na sociedade.

Analisando 5.078 escrituras públicas de compra e venda com o objetivo de

captar os investimentos dos agentes econômicos mais ricos e mais pobres da hierarquia

social do Rio de Janeiro (1790-1840), João Fragoso e Manolo Florentino constataram que

os negócios registrados em cartório eram majoritariamente acessíveis aos mais pobres.

Porém, eles movimentavam a minoria absoluta dos valores transacionados, de 12% a 17%.

No que se refere a bens rurais esses pobres participavam de 64% a 90% das transações,

cifras que, na média, caíram para 30% no que se refere às operações relativas ao capital

mercantil em geral. No entanto, os homens mais ricos participavam de apenas 3% a 18% 118 ALVES, Maurício Alve. Op. cit. p. 79.

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das transações envolvendo bens rurais, cifras que aumentavam bastante quando

consideramos os negócios mercantis (compra de lojas e aquisições de naus) – em média

respectivamente, 35% e 31%. Segundo Fragoso e Florentino este quadro revela o

mecanismo mais efetivo de reprodução da pobreza do homem livre, da perpetuação e

petrificação de uma hierarquia enormemente diferenciada entre os próprios homens

livres.119

Com o objetivo de analisar este processo de hierarquização social em Minas

Gerais, Carla Almeida, utilizando-se de um universo de 566 inventários post-mortem,

comparou a composição da riqueza dos habitantes das comarcas de Vila Rica e do Rio das

Mortes. Embora se tratasse de uma região mineradora e de outra essencialmente agrária e

escravista, os dados organizados pela autora sugerem que o capital mercantil e usurário

compunha a maior parte das fortunas arroladas nas regiões. Imóveis, dívidas ativas e

escravos, representavam de 77,4% a 80,7% do total da riqueza de Vila Rica e de 80,9% a

83,4% da riqueza presente nos inventários do Rio das Mortes.120

Ao analisar a composição da riqueza do grupo mais rico e compara-la a do mais

pobre, Carla Almeida observou que, assim como João Fragoso e Manolo Florentino

constataram para o Rio de Janeiro, as maiores possibilidades de diversificação dos

negócios estavam abertas para os indivíduos mais abastados que podiam investir tanto na

produção, quanto nas atividades mercantis. Aos mais pobres ficavam relegadas as

atividades menos lucrativas, neste caso, a agropecuária e a pequena exploração aurífera.

Para a autora, os altos percentuais ocupados pelos escravos e pelos imóveis nas fortunas

dos menos abastados podem ser explicado pela oferta elástica e relativamente barata destes

bens.121

Carla Almeida utilizou-se também da naturalidade dos inventariados para

caracterizar os pobres e os ricos das duas comarcas por ela estudadas. Dos 209 inventário

analisados, a autora percebeu que predominava entre os mais abastados a naturalidade

portuguesa (50%) e entre os homens pobres 46,4% eram naturais de Minas Gerais. Em

suas palavras,

Muitos eram homens de cor nascidos livres, filhos naturais de pretas forras, alguns eram ex-escravos que por diversos caminhos, tiveram condições de escapar do

119 FRAGOSO; FLORENTINO. Op. cit. p. 181-184. 120 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit. p. 172. 121 Ibidem, p. 215.

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cativeiro, outros, eram descendentes de europeus que tiveram pouca sorte nas Minas.122

Dentre os homens pobres, 10,1% tinha origem africana. A autora afirma que

para estes africanos que obtinham a liberdade, a possibilidade de ascender socialmente era

muito relativa, pois suas opções de acumulação eram extremamente restritas.123

Podemos analisar estas interpretações através da composição da riqueza de 46

mulheres africanas forras que tiveram seus inventários post-mortem abertos, no período de

1750 a 1810, na Comarca do Rio das Mortes. Assim, teremos a oportunidade de verificar

as condições em que eram produzidas a hierarquização e diferenciação social no interior

deste grupo. Para atingirem estes objetivos classificamos as fortunas dessas libertas em três

faixas: na primeira estão contidas os patrimônios que variavam de 10$000 a 500$000; na

segunda estão os valores entre 501$ e 1:000$000 e a última compreende as fortunas acima

de 1:000$001.

122 ALMEIDA. Op. Cit. p. 222. 123 Idem, p. 266

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Tabela 6

Composição da riqueza, em mil-réis, por faixa de fortuna nos inventários das mulheres africanas forras da Comarca do Rio das Mortes no período de 1750 a 1810.

Ativos 1º Faixa % 2º Faixa % 3º Faixa %

BP124 490$085 7,8 574$038 8,9 1:128$609 8,5

Utensílios 293$764 4,7 176$801 2,7 196$135 1,5

Animais 30$095 0,5 157$600 2,5 135$300 1,1

Escravos 3:402$005 55,0 3:709$825 57,5 7:078$000 53,2

Imóveis 1:487$800 24,0 1:526$800 23,7 2:418$000 18,1

Dívidas 341$146 5,4 270$697 4,2 2:089$052 15,7

Dinheiro 51$750 0,8 - - 209$362 1,5

Outros 112$450 1,8 34$625 0,5 44$312 0,4

Totais 6:209$095 100 6:450$386 100 13:298$770 100

Inventários 32 - 9 - 5 -

FONTES: Inventários post-mortem do AMRSJDR.

O peso dos ativos escravos, imóveis e dívidas ativas nos bens das libertas

sugere a reiteração dos padrões de investimento econômico da elite escravista. Dada a

natureza mercantil da colônia, estes eram os bens capazes de gerar maior riqueza. Apesar

das mulheres forras movimentarem apenas 25% do total absoluto investido nestes ativos

pelos homens ricos da comarca do Rio das Mortes, as opções eram as mesmas. Ao

contrário do que foi observado para o Rio de Janeiro por Fragoso e Florentino e em Minas

Gerais por Carla Almeida, as mulheres forras, embora fizessem parte do grupo menos

abastado, não investiam apenas em bens rurais.

Podemos perceber pela análise da tabela 6 que na medida em que aumenta a

renda, a soma destes ativos se mantém estável, passa de 84,4% na primeira faixa para

85,4% e 87% nas duas seguintes. Isto pode significar que as ex-escravas conheciam a

forma eficaz para melhorar suas condições de vida neste tipo de sociedade, porém nem

todas participavam destas transações com os mesmos valores. Os estratos mais baixos da

hierarquia não possuíam renda suficiente para realizar grandes movimentações. Desse

124 Bens de prestígio = Móveis+jóias+roupas+enxoval

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modo, perpetuava-se a pobreza e a reiteração da diferenciação social no interior desse

grupo.

Entre as mulheres forras das três faixas de fortuna era predominante o

investimento em imóveis, as cifras variam de 18,1% no total da riqueza das mais abastadas

para 23,7% e 24% entre as medianas e as mais pobres, respectivamente. Segundo Carla

Almeida, houve um aumento significativo dos investimentos em imóveis na comarca do

Rio das Mortes, de 28,6% no período de 1750 a 1779 passou a representar 37,4% do

patrimônio entre 1780 e 1822. A autora explicou este fato pela dinamização da economia

de produção de alimentos, que tornava as fazendas localizadas em terras mais propícias ao

seu desenvolvimento, cada vez mais valorizadas.125

No entanto, entre os mais pobres, Carla Almeida, verificou a presença maciça

de imóveis urbanos (40,4%), número extremamente superior ao encontrado entre os ricos,

que não passava de 2.2%. Segundo a autora,

Vários desses homens pobres urbanos eram proprietários exclusivamente de uma modesta casa e, às vezes, de um ou dois escravos. Provavelmente viviam de vender sua força de trabalho ou a de seus escravos para outros proprietários.126

Entre as mulheres forras os imóveis urbanos eram em maior número como

mostra a tabela 7.

Tabela 7

Investimento em imóveis entre as mulheres forras por faixa de fortuna.

Faixas de fortuna

Imóveis urbanos

Imóveis rurais Imóveis rurais/minerais

Total de inventários

1º Faixa 20 2 - 19

2º Faixa 10 5 - 10

3º Faixa 8 3 4 5

Totais 38 10 4 34

FONTES: Inventários post-mortem do AMRSJDR.

125 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit. p. 175 126 Ibidem, p. 217.

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Algumas dessas mulheres possuíam mais de um imóvel. Este fato sugere que

elas podiam aumentar seus rendimentos através do aluguel de casas. Porém, a tabela 7 nos

mostra que quanto maior a faixa, maior a possibilidade de diversificação dos

investimentos. Entre as mulheres mais abastadas podemos perceber uma média de 3

imóveis para cada. Apesar da maior concentração urbana, essas forras possuíam imóveis

rurais e terras minerais.

O bem mais importante no patrimônio das mulheres forras era, sem dúvidas, os

escravos. Tal comportamento, apesar de parecer contraditório era comum a toda população

de cor alforriada que conseguia reunir algum pecúlio. Nada mais esperado, numa sociedade

escravista e hierárquica possuir escravos era condição de sobrevivência e acúmulo de

renda.

A tabela 6 nos permite perceber que o acúmulo de escravos entre as mulheres

forras não variou de acordo com a faixa de fortuna. Entre as mulheres da primeira faixa a

participação deste ativo foi de 55%, entre as da segunda faixa foi de 57,5% e na última a

participação foi de 53,2%. Esta pequena variação sugere que os escravos eram um bem de

acesso fácil e imprescindível na vida das africanas forras127.

Entre as mulheres africanas forras, era comum a dedicação ao comércio

volante. Segundo Luciano Figueiredo, as vendas eram quase sempre o lar de mulheres

forras ou escravas que trabalhavam no trato com o público.128

Apesar de, muitas vezes, não conseguirem grandes fortunas através desta

profissão, as libertas demonstravam um certo orgulho de terem formado seus pecúlios com

o próprio trabalho. As palavras de Quitéria da Silva, falecida em 1794, ilustram esta

situação:

Declaro que sou natural da Costa da Mina e fui escrava de Tenente Caetano da Silva já falecido do qual alcancei liberdade por dinheiro que lhe dei, sou solteira não tenho herdeiros ascendentes ou descendentes e os bens que possuo são adquiridos por minha indústria e trabalho.129 (grifo meu)

De acordo com a tabela 6, entre as mulheres consideradas possuidoras de um

patrimônio pequeno, a participação dos utensílios em seus bens era de 4,7%, em

127 Analisaremos a composição deste ativo mais detidamento no capítulo IV. 128 FIGUEIREDO, Luciano. Mulheres nas Minas Gerais. In: PRIORE, Mary Del (org). História das mulheres no Brasil. 2ed. São Paulo: Contexto, 1997. 129 Inventário de Quitéria da Silva, preta forra, 1794, caixa 529, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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contrapartida, ao aumentar os valores dos seus montes brutos o percentual dos utensílios no

total dos bens diminui, ou seja, entre as forras com patrimônios médios e grandes os

utensílios representam, respectivamente, 2,7% e 1,5% do total de seus montes. O

patrimônio da preta forra Tomásia Maria da Silva foi avaliado em 59$618. Quando faleceu

em 1793, possuía a quantia de 5$134, ou seja, 8,7% do total de seus bens investidos em

utensílios130.

Josefa Pinta, natural da Costa da Mina e moradora de Itaberava, subúrbio de

São João Del Rei, faleceu no ano de 1785 deixando vários bens avaliados em 833$675.

Entre seus utensílios estavam 2 tachos de cobre, 3 pratos de estanho e 1 gamela grande,

representando 0,9% da soma de seu monte.131

Uma análise mais detida dos dados da tabela nos permite verificar que esta

queda no percentual dos utensílios é acompanhada pelo aumento da participação do ativo

referente as dívidas. Este fato sugere que a produção e comercialização de gêneros

alimentícios eram atividades desempenhadas sobretudo por mulheres mais pobres. A

medida em que o patrimônio aumenta estas libertas passam a diversificar seus

investimentos optando por atividades que geram mais renda, neste caso a concessão de

créditos.

Este mecanismo, ainda pouco estudado pela historiografia, esteve presente na

Capitania desde primórdios da ocupação. O costume era de comprar e vender tudo a prazo,

o que culminou com o nascimento de uma sociedade com altos índices de endividamento e

totalmente dependente do crédito. Para Neuza Fernandes este fato é conseqüência imediata

da “escassez do meio circulante e da proibição da circulação de ouro em pó”.132

Júnia Furtado ao estudar os negociantes de Minas Gerais alertava para a

presença de uma rede de endividamento na região, durante o século XVIII, que

transformava o comerciante no grande controlador da economia. A autora, utilizando-se da

documentação da seção colonial do Arquivo Púbico Mineiro, afirma que

Embora os mineiros tivessem acesso direto ao ouro, referência universal de troca, ‘o estilo observado nestas Minas, depois que elas se descobriram até o presente, foi sempre o comprar-se tudo fiado, a pagamento de um ano, ano e meio e dois anos, e não há cousa nenhuma que se compre que seja com pagamento á vista, senão

130 Inventário de Tomásia Maria da Silva, preta forra, 1793, caixa 258, AMRSJDR. 131 Inventário de Josefa Pinta, preta forra, 1785, caixa 196, AMRSJDR. 132 FERNANDES, Neuza. A inquizição em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000. p. 135.

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fiada’. O mecanismo de endividamento que a população se encontrava em relação aos comerciantes era enorme”.133

Ao analisar os inventários post-mortem de alguns ricos negociantes de São João

Del Rei do século XIX, Afonso de Alencastro chama a atenção para a presença de grandes

valores em dívidas ativas no conjunto de seus bens.134 Para o autor este pode ser mais um

indício da restrição do numerário em Minas, mas também, era essa característica de seu

alto comércio que transmutava a praça mercantil de São João Del Rei em centro financeiro

para uma ampla região da capitania.

Segundo as informações da tabela 6, as dívidas ativas também estiveram

presentes nos inventários das mulheres forras, o que nos leva a crer que o sistema de

créditos não estava restrito ao universo dominante, pelo contrário, segundo Carla Almeida,

na comarca do Rio das Mortes, um maior número de pessoas passou a controlar o

percentual das dividas ativas, isto indica que a economia mercantil de subsistência levou a

uma baixa difusão da liquidez.135

Ao comparar o papel do crédito entre as libertas das três faixas de fortuna

constatamos que as dívidas ocupavam um papel importante na composição da riqueza de

todas as ex-escravas. A participação desse ativo em seus bens foi de, respectivamente,

5,4% (1º faixa), 4,2% (2º faixa) e 15,7% (3º faixa). No testamento de Rosa de Mello Costa

podemos comprovar a participação das africanas forras nesta atividade:

Declaro que não devo coisa alguma a Leandro Ribeiro Moreira das contas que com ele tive porque de tudo está pago e nada lhe devo, antes o dito senhor tem em seu poder vários créditos meus que lhes entreguei para os cobrar dos meus devedores como consta de um recibo que deles me passou que se acha em meu poder pelo qual meu Testamenteiro fará arrecadação.136

O maior peso deste ativo entre as libertas da última faixa corrobora a afirmação

de que quanto maior o patrimônio mais oportunidades de investimentos se abriam para o

grupo. 133 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: HUCITEC, 1999. p. 120 134 GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A princesa do Oeste e o mito da decadência de Minas Gerais: São João Del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p. 72. 135 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Op. cit. p. 183. 136 Inventário de Rosa de Mello Costa, preta forra, 1760, caixa 430, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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A análise de alguns testamentos nos permitiu concluir que as dívidas

constatadas não eram advindas somente da atividade comercial, mas também do que

pareceu ser um outro setor da economia da comarca do Rio das Mortes em que estas

libertas se fizeram presentes: a concessão de empréstimos a juros.

No testamento de Joana de Moraes, preta forra, natural da Costa da Mina e

falecida em 1763 podemos ler:

Deve-me a parda Maria uma Senhora da Conceição que pesa duas oitavas e um cruzado de ouro que lhe emprestei cuja diz a perdeu, meu testamenteiro cobrará dela o seu valor, e assim mais tenho uns brincos em meu poder pertencentes a Diadósia de Moraes, mulher bastarda dando ela três oitavas que lhe emprestei meu testamenteiro lhes entregará.137

As práticas usurárias eram muito comum nas Minas Gerais, e através delas

muitas pessoas enriqueciam. Uma das funções dessa atividade era a criação de uma rede de

clientes. A concessão de empréstimos era mais comum entre forros e escravos do que entre

aqueles e os brancos, ainda que esta última tenha existido. Esta atividade permitia uma

livre circulação das libertas entre os dois pólos da sociedade colonial, ou seja, estreitava os

laços com a senzala e ao mesmo tempo facilitava relações com a casa grande.

Vemos que as palavras da preta forra Joana de Moraes apontam não somente

para a força da atividade usurária na comarca do Rio das Mortes, mas também para outra

característica, que tem sido pouco explorada pela historiografia: o papel dos bens de

prestígio como investimento de capital.

Embora constituíssem em adornos para o corpo ou para a casa, estes

dispositivos estiveram presentes tanto no espólio das libertas mais afortunadas como no

das pobres. Este fato nos ajuda a compreender a importância deste investimento para as

libertas. A ostentação do luxo auxilia na determinação do lugar ocupado na sociedade.

Sendo assim, podemos considerar a possibilidade de utilização dessa estratégia como

forma de estabelecimento de fronteiras de diferenciação social. Segundo a tabela 6 a

participação desse ativo nos bens das forras da primeira faixa foi de 7,8%, aumentando um

pouco nas duas outras faixas, respectivamente, 8,9% e 8,5%. A explicação dada por

Beatriz Ricardina Magalhães foi que os bens de prestígio, principalmente as jóias “tinham

137 Inventário de Joana de Moraes, preta forra, 1763, caixa 89, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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constituído uma forma de entesouramento e investimento improdutivo, cujos valores eram

relativamente baixos”.138

Estes dispositivos usados como investimento de capital, garantiam uma reserva

para os momentos de dificuldades. No presente poderiam ser penhoradas, vendidas ou

trocadas por outros produtos que necessitassem, e no futuro, após a morte da inventariada,

serviriam para cobrir as despesas do testamento, do inventário, as dívidas passivas caso

houvesse e também podiam ser um excelente legado.

A ostentação e o luxo fizeram parte do cotidiano das sociedades de Antigo

Regime. A aristocracia desejando demonstrar sua posição social investia constantemente

em acessórios variados que realçavam seu poder e prestígio. Os grupos inferiores, ávidos

por ascender socialmente iniciaram um processo de imitação rivalizando em elegância com

a nobreza de sangue. Segundo Sílvia Lara:

Num mundo em que a maior parte das pessoas era analfabeta, ver era experiência das mais importantes: o poder e o prestígio deviam saltar aos olhos; a condição social inscrita no vestuário constituía uma linguagem que não permitia dúvidas, dada a força das alegorias.139

Esta disputa com pedaços de panos e ornamentos, fez com que as autoridades

interviessem para garantir os privilégios da fidalguia e mostrar a cada indivíduo o lugar

que ocupava na sociedade. A necessidade de distinção transformou os trajes e ornamentos

em legítimos demarcadores de fronteiras, traços visíveis da hierarquia social.

Desde a segunda metade do século XV, vigeram nas legislações portuguesas

códigos que determinavam os tipos de vestimentas e a qualidade dos tecidos que cada

grupo social poderia usar. Esta preocupação com a distinção foi explicitada nas leis

pragmáticas, que tinham por objetivo proteger as manufaturas do reino e autorizar ou

proibir o uso de certas roupas ou adereços, conforme a posição dos indivíduos na

hierarquia social.140

138 MAGALHÃES, Beatriz Ricardina. A demanda do trivial. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, nº65, 1987, p.180. 139 LARA, Sílvia Hunold. Sedas, panos e balangandãs: o traje de senhoras e escravas nas cidades do Rio de Janeiro e de Salvador (século XVIII). In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org). Brasil: Colonização e escravidão. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 180. 140 VAINFAS, Ronaldo (dir). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1800). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. pp. 436-437.

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No Brasil colônia, foram as cartas régias de 1696, 1703 e 1709 que delimitaram

o uso de artigos de luxo. Já em 1749 foi elaborado o primeiro documento que tratou

claramente a questão das roupas dos escravos, e, sobretudo das escravas e libertas. Em seu

capítulo IX o Rei comunicava que:

Por ter (sido) informado dos grandes inconvenientes que resultam nas conquistas da liberdade de trajarem os negros e os mulatos, filhos de negro ou mulato, ou de mão negra, da mesma sorte que as pessoas brancas, proíbo aos sobreditos, ou sejam de um ou de outro sexo, ainda que se achem forros ou nascerem livres, o uso não só de toda a sorte de seda, mas também de tecidos de lã finos, de olandas, esguiões e semelhantes, ou mais finos tecidos de linho ou de algodão e muito menos lhe será lícito trazerem sobre si ornato de jóias, nem de ouro ou prata, por mínimo que seja. Se depois de um mês da publicação desta lei na cabeçada comarca onde residirem, trouxerem mais coisa alguma das sobreditas, lhes será confiscada; e pela primeira transgressão, pagarão em dinheiro; ou não tendo com que satisfaçam, serão açoitados no lugar mais público da vila em cujo distrito residirem; e pela segunda transgressão, além das ditas penas, ficarão presos na cadeia pública, até serem transportados em degredo para a ilha de São Tomé por toda a sua vida.141

O texto da pragmática revela a mesma preocupação em manter a função

simbólica do vestuário como marca das distinções sociais. Mas, uma leitura mais detida do

capítulo informa ainda que a determinação real tratava apenas da distinção entre negros e

brancos. O luxo, neste momento, como observou Sílvia Lara tornou-se atributo exclusivo

dos brancos e os “negros mulatos das Conquistas” fossem, libertos ou cativos não podiam

dele se utilizar sem causar “inconveniências”.142

As manifestações estéticas africanas foram um dos elementos que mais

intrigaram os colonizadores. A música, a dança, a culinária e, principalmente, a

ornamentação do corpo dos escravos e forros muitas vezes passou como ofensa e foi

repreendida com severos castigos. Atualmente, muitos pesquisadores estão buscando

nestas manifestações respostas para vários questionamentos acerca das relações entre a

África e o Novo Mundo.

Para atingirmos os propósitos desta pesquisa utilizaremos uma definição bem

abrangente do termo estética. Acreditamos se tratar de tentativas deliberadas para gerar

141 Pragmática contra o luxo de d. João V (24-05-1749). Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis, I-POB-24.5.749.JV.P.I. p. 35-42. Apud: ESCOREL, Sílvia. Vestir poder e poder vestir: O tecido social e a trama cultural nas imagens do traje negro (Rio de Janeiro – século XVIII). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2000. p. 166-180. 142 LARA, Sílvia Hunold. Op cit. p. 181.

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beleza dentro dos padrões culturais em que se insere. Pode ser a decoração, a combinação

de comidas, a ornamentação do corpo, estendendo à música e à dança.143 Segundo John

Thornton:

Cada um desses itens impõe um padrão arbitrário em algum objeto ou comportamento. Os seres humanos têm necessidade de se cobrir, de se alimentar e de construir moradias, e em todas essas questões qualquer ação tem de cumprir mínimos requisitos, mas a forma e o arranjo ornamental que agradam a cada uma dessas necessidades são de livre escolha (...). Na manipulação dessas possibilidades, a cultura se identifica, assim como identifica seu sentido estético.144

O estudo da construção de uma identidade entre o grupo das mulheres africanas

forras a partir de princípios estéticos faz-se necessário na medida em que estes

caracterizaram o modo pelo qual as culturas africanas misturaram-se e sobreviveram no

Brasil. Considerando que a estética é um elemento que pode ser assimilado ou

transformado em contato com outras culturas, uma análise mais detida das roupas e das

jóias usadas por estas libertas possibilitará compreender o modo pelo qual a interação entre

os diversos grupos africanos e entre estes e os habitantes da colônia foi capaz de gerar

novas formas de organização social.

Sabemos que as condições da escravidão impediram os africanos de realizar em

toda sua plenitude sua própria produção estética, porém tudo nos leva a crer que eles

tiveram oportunidades de escolher entre uma diversidade de elementos aqueles que

estariam próximos das manifestações de suas origens.

Na África, as formas de vestir e adornar o corpo eram utilizadas como

mecanismos de diferenciação social. No período que precedeu o primeiro contato como os

europeus, os africanos já haviam desenvolvido a indústria têxtil, e as descrições mais

antigas mostram toda a variedade de estilos de roupas usados pela população. No entanto,

no período colonial, as elites começaram a se adornarem com alguns tecidos e estilos

europeus. A capacidade de diferenciar que os possuía interessava a um número crescente

de africanos, o que tornou a posse de roupas de estilo europeu um símbolo de status.145

Segundo Sílvia Escorel

143 THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico 1400-1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 297. 144 Idem.. 145 Ibidem, p. 307-311.

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Os detentores do poder reservavam para si as novidades e determinavam padronagens ou texturas que, por serem escassas, eram portadoras de status. Estes panos raros e caros passaram a funcionar como um instrumento de poder manipulado pelos chefes civis e militares, que tanto podiam estocá-los no tesouro, reservá-los para seus pomposos funerais ou presentear um favorito.146

Este consumo de tecidos europeus refletiu no senso estético dos africanos.

Muitas vezes a indumentária multicolorida era resultado da justaposição de elementos

africanos e europeus o que resultou na formação de uma cultura afro-atlântica e foi a marca

do vestuário de escravos e forros na Brasil colonial. Segundo Thornton

Os africanos que criaram essa moda afro-atlântica em geral ocupavam posições proeminentes ou tinham pelo menos liberdade para escolher seu estilo e tecido. Eles escolhiam tecidos locais, da Europa, da Ásia e o novo tecido resultante da mescla de tradições.147

Nas Minas setecentistas, “a mulher negra também exibiu, no colorido dos seus

trajes e na diversidade do vestuário, confeccionados com tecidos nobres, o desejo de

distinção”.148 Entre as forras prevalecia a necessidade de estabelecer um lugar social

entre seus pares e, mais que isto, o luxo era valorizado para demarcar uma posição,

restrita aos homens e mulheres brancos pobres. Na verdade, a linguagem dos trajes era

um espaço minado e escorregadio, em que estavam imbricadas questões morais, raciais,

de gênero e, sobretudo, culturais.149

Entre as africanas forras de nossa pesquisa, a presença de jóias e vestimentas

em seus inventários é muito significativa. Exemplar é o caso de Domingas Araújo,

natural da Costa da Mina e falecida em 1770, que deixou sob a proteção de seu marido, o

preto forro Luiz Matol, um conjunto de bens avaliados em 736$813, sendo 10,7% de seu

monte bruto pertencente às jóias e metais preciosos. A lista dos ornamentos arrolados em

seu inventário informa o luxo com que se enfeitava. Tinha 03 cordões de ouro, 02 pares

de brincos de ouro, 01 fio de contas de ouro, 06 pares de botões de ouro e 01 Senhora da

Conceição também de ouro.150 Segundo Júnia Furtado:

146 ESCOREL, Sílvia. Op. cit. p. 38 147 THORNTON, John. Op. cit. p. 310. 148 MÓL, Cláudia Cristina. Entre sedas e baetas: o vestuário das mulheres alforriadas de Vila Rica. Oficina da Inconfidência. Ouro Preto-MG. Ano 3. Nº 2. p. 65-82. dezembro de 2003. p. 68. 149 LARA, Sílvia Hunold. Op. cit. p. 183. 150 Inventário de Domingas Araújo, preta forra, 1770, caixa 337, AMRSJDR.

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Numa sociedade hierarquizada todos os sinais exteriores anunciam a posição que cada um ocupava. Por essa razão as forras preocupavam-se em vestir-se com luxo tanto para comparecer nas cerimônias como para sair as ruas do arraial, pois a vida transcorria aos olhos de todos e o espaço público fornecia a oportunidade de afirmação do papel social que cabia a cada um desempenhar.151

As jóias e os trajes não representaram para as mulheres africanas forras sinais

evidentes de fortuna, com algumas exceções tratadas mais adiante, mas constituíram-se em

pequenos símbolos da afirmação de suas conquistas e, principalmente, em objetos de

distinção pessoal que as libertas faziam questão de possuir e externar. Podemos perceber

isto através do inventário de Joana Gomes, preta forra da Costa da Mina. Seu patrimônio

foi avaliado em 116$407, um monte-mor relativamente pequeno, porém, 62,7% deste valor

estava investido em jóias e 19% em roupas e tecidos.152

A presença destes objetos entre os bens das libertas foi percebida também na

Bahia pela historiadora Maria Inês Cortes de Oliveira. Em um universo de 147 testamentos

para o período de 1790 a 1850, a autora encontrou 35 mulheres que declararam a posse de

objetos de ouro e 10, de objetos de prata. No período de 1851 a 1890, Maria Inês

encontrou 95 testamentos de forras, dos quais apenas 9 possuíam objetos de ouro e 2

possuíam de prata. A maior incidência de jóias nos testamentos do primeiro período é

justificada por ter sido, segundo a autora, o período de melhores condições para a

mobilidade legal e ocupacional dos libertos, sendo, portanto o que forneceu os maiores

índices de “riqueza”.153

As pretas forras do arraial do Tejuco também se ornavam e vestiam com

bastante luxo. “A mulata Chica da Silva ostentava um vestuário rico e colorido, que incluía

meias brancas e anáguas da mesma cor, para dar volume, e sapatos de seda ornados com

fivelas de prata ou pedras coloridas. A saia, de cetim ou de outros tecidos, era sempre de

cores vibrantes, listadas ou floridas. Para combinar, blusas de chamalote ou algodão em

tons de verde, vermelho ou branco. Os acessórios eram variados: chapéu de copa alta,

brincos de ouro com pedras preciosas e brilhantes, colares e patuás para proteção, nas mãos

um leque de plumas brancas.”154

As mulheres forras da comarca do Rio das Mortes, também se distinguiram

pelo uso de “tecidos nobres” que compunham seu vestuário. No inventário de Joana

151 FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes. Op. cit. p. 137 152 Inventário de Joana Gomes, preta forra, 1755, caixa 98, AMRSJDR. 153 OLIVEIRA, Maria Inês Cortes de Op. cit. p.47. 154 FURTADO. Chica da Silva... Op .cit. p.139.

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Gomes, já citado, encontramos uma cinta de seda encarnada, uma saia de camelão parda e

fina, outra saia de camelão, uma roupinha de pano, dois côvados de pano azul, uma saia de

riscado, um colete ou roupinha de seda de flores, três camisas de punho de mulher e ainda

roupas de cama como duas fronhas, dois lençóis de pano de linho e dois lençóis, um de

caça branca e outro vermelho e uma colcha de chita.

A ostentação de jóias e trajes teve importância significativa na vida das libertas

africanas da comarca do Rio das Mortes. Além de demarcarem sua posição social entre os

seus pares e, também entre os brancos pobres, estes objetos serviram para essas mulheres

inserirem no universo dominante, deixando evidente sua capacidade de assimilar outras

culturas e reelaborar seu modo de vida, isto é o que veremos a partir do estudo de caso

envolvendo a preta forra Rosa de Mello Costa.

O poder do ouro e da seda

Rosa de Mello Costa, natural da Costa da Mina e moradora da vila de São João

Del Rei é uma preta forra que merece um pouco mais de atenção em nossa pesquisa. Seu

patrimônio é o maior, por nós coletado (5:308$560), e está distribuído entre os bens de

maior valor econômico e simbólico. Neste momento, interessa-nos seu investimento em

jóias e roupas para que possamos compreender um pouco mais das estratégias utilizadas

por ela para alcançar ascensão. No testamento de Rosa podemos ler:

Declaro que no tempo presente possuo dezesseis escravos e escravas assim mais cinco moradas de casas e vários trastes de ouro lavrado e de diamantes, roupas de meu uso e mais alfaias de casa, o que tudo se venderá exceto uma saia de cor, uma camisa, uma baeta, um lenço, uma anágua, tudo o que for do meu uso que no dia do meu falecimento se vestirá uma pobre das mais necessitadas que houver nesta Vila como a roupa acima referida.155

Se analisássemos apenas o peso das roupas e jóias no monte-mor da forra

(2,4%) não conseguiríamos entender a importância destes bens em sua vida. Porém, ao

155 Inventário de Rosa de Mello Costa, preta forra, 1760, caixa 430, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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lermos esta passagem de seu testamento podemos nos aproximar do que representou para

Rosa de Mello este investimento.

Em vida, ao vestir suas saias de primavera, de seda ou de veludo, a liberta

soube como marcar seu lugar na sociedade de São João Del Rei. Sob olhares de espanto e

admiração, podia andar pela vila e até freqüentar lugares reservados à elite branca burlando

todas as normas de comportamento. Em uma sociedade de aparências, certamente, por

algumas vezes, sua estreita ligação com o cativeiro foi apagada sob os trajes e ouros que

carregava. Ao falecer, em 1760, a preta forra deu a última amostra do poder conquistado,

mandando vestir a mulher mais pobre da vila com seus trajes.

Através do desejo de Rosa, podemos perceber que nos vestuários, os efeitos da

desigualdade de fortunas, provavelmente, tenham aparecido mais diretamente

materializando-se em marcas de diferenciação social. Tudo que fosse usado no corpo, isto

é, jóias, insígnias, trajes requintados ou simples eram vistos como sinais de distinção, um

modo de sobressair, se distinguir dos mais miseráveis que nada tinham.156

As jóias presentes nos inventários das mulheres forras além de demonstrarem

dignidade, poder e conquistas, possuem um outro significado particular: de proteção

espiritual. Entre brincos e anéis, encontramos no inventário de Rosa de Mello Costa

objetos como: corais, contas, cadeados, crucifixos, rosários, imagens de Santo Cristo e de

Nossa Senhora da Conceição, tudo em ouro e diamante.

Segundo Cláudia Mol, as jóias de cunho religioso foram muito apreciadas na

colônia e em seu estudo sobre as mulheres forras de Vila Rica, encontrou uma diversidade

e quantidade expressiva de pingentes com o formato de menino Jesus, pombinhas do

Espírito Santo, cruzes e rosários.157 Estes adornos religiosos revelavam a presença

cotidiana de devoções e cultos, e o uso disseminado de imagens de santos católicos, em

forma de colares, jóias e amuletos, demonstra que para melhor se posicionarem na

sociedade hierarquizada colonial as libertas adotaram, mesmo que mascaradamente, o

modelo católico de vida.

No inventário de Rosa de Mello Costa, assim como em outros por nós

coletados, percebemos que a devoção aos santos católicos e os objetos característicos de

cultos africanos pareciam dividir o mesmo espaço nos corpos que os levavam. A presença

156 JANUÁRIO, Erlaine Aparecida. A sociedade das aparências: Vila Rica, 1789-1807. Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação Lato-Sensu em História de Minas Século XIX, da Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ, 2003. p.106. 157 Mól, Cláudia. Op. cit. p. 105.

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marcante em quantidade e qualidade de corais e contas entre os bens das libertas possuía

significados que talvez não tenham sido apreendidos por grande parte da população

colonial. Estas peças tornaram-se caras e preciosas para os africanos. Utilizadas

essencialmente pelas mulheres, a estes adornos eram atribuídos poderes mágicos e místicos

capazes de afastar mal olhado, melancolia, medo e esterilidade e de proteger contra as más

influências, discórdias e desarmonia. Para forros e cativos esses objetos possuíam um valor

hierárquico. Trazidos do Oriente Médio e da Ásia pelos portugueses e vindos, também do

Mediterrâneo (Itália, Espanha, Argélia, Tunísia) transformaram-se em objetos de uso

corrente na Corte Benimense, na Costa da Mina e nos reinos do Daomé e Yorubá.158 É

importante ressaltar que estes objetos tiveram seu significado transformado na América

portuguesa, conseqüência última do processo de reconstrução da identidade numa situação

de cativeiro.159

XXX

A partir do estudo que fizemos até aqui, o que se pode dizer com respeito às

mulheres africanas forras é que elas claramente não compunham um grupo marginalizado e

isolado sem acesso aos recursos que uma sociedade de economia dinâmica e diversificada

poderia proporcionar. Um grau significativo de inserção social já se fizera presente para

esse grupo, na medida em que conseguiram conquistar uma pequena fortuna. Ademais, o

alto investimento em escravos e bens de prestígio demonstrou a produção de uma

estratificação no interior do grupo, marcada por um processo de diferenciação social que

nos faz parafrasear Geovani Levi : uma forra não almejava ser uma comerciante pobre,

mas a rainha das forras.

Porém, gostaríamos de ressaltar que apesar da importância inegável dos

aspectos econômicos para a inserção das mulheres africanas forras em uma sociedade

escravista e estamental, a manutenção e/ou redefinição do lugar ocupado na hierarquia

social dependia bastante de fatores extra-econômicos, como por exemplo a estabilidade

familiar e a participação em redes de sociabilidade. Este é o tema do próximo capítulo.

158 PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716 – 1789. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 206. 159 Uma importante análise sobre esse processo de reconstrução da identidade pode ser visto no estudo sobre Irmandades de Mariza Soares. SOARES, Mariza de carvalho. Devotos da cor: Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

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Capítulo III

Liberdade, mobilidade social e família

Pelas idéias apresentadas nos capítulos anteriores percebemos que as

sociedades escravistas possuíam um processo de hierarquização próprio que distinguia

social e juridicamente escravos, livres, libertos e descendentes de escravos. Vimos que não

podemos rotular apressadamente de “pobres” as mulheres africanas forras e muito menos

defini-las como “desclassificadas”, como quer a historiografia tradicional, tendo em vista a

complexidade do contexto econômico e social da capitania. Diante deste quadro torna-se

importante analisarmos os significados de liberdade para a população de cor, objetivando

compreender os lugares sociais ocupados pelas personagens de nossa pesquisa.

Segundo Hebe Mattos, a experiência de liberdade, até o momento da proibição

do tráfico, foi marcada pela mobilidade, associada à possibilidade de fixação. A condição

de liberdade dava ao homem de cor a oportunidade de deslocar-se no espaço e ao mesmo

tempo aumentava a probabilidade de inserção social, ao fixar-se em um determinado local,

estabelecendo laços de família e de amizade e rompendo com a transitoriedade.160 Neste

sentido, podemos dizer que as relações pessoais desempenhavam um papel fundamental na

sociedade escravista na medida em que facilitava a inserção na ordem social e mantinha a

população de cor afastada da desclassificação. Para Lovejoy, nas sociedades

escravocratas, a liberdade envolvia uma posição reconhecida numa casta, numa classe

dirigente, num grupo de parentesco ou em algum tipo de instituição.161

Podemos perceber através de relatos testamentais que esse significado de

liberdade esteve presente entre as mulheres africanas forras da comarca do Rio das Mortes.

Elucidativo é o caso de Ana Maria de Lima162. A preta forra declarou em seu testamento

ser natural da Costa da Mina, de nação Nagô e filha do gentio de Guiné. Foi comprada na

cidade do Rio de Janeiro por Domingos Pinto Carneiro que a “trocou para o comércio do

Sabará destas Minas”. Foi batizada na Freguesia de Santo Antônio da Roça Grande,

Bispado da cidade de Mariana, onde era escrava de Inácio de Lima Rego e sua esposa. O

160 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista, Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 39-40. 161 LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.31. 162 Inventário de Ana Maria Lima, preta forra, 1774, caixa 138, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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casal lhe passou a carta de alforria por duas libras de ouro que Ana Maria se orgulha de ter

conseguido com seu trabalho. Como liberta Ana Maria se moveu mais uma vez, indo

morar na vila de São João Del Rei, onde permaneceu até a morte. Pelos seus legados

percebemos que a forra não teve dificuldades ao se fixar, pois apesar de não ser casada e

nem ter filhos ela constituiu fortes laços de amizade e confiança na região. Como no caso

de seu possível credor Francisco Isaías da Cunha para quem a forra declara não saber se

deve alguma coisa, mas ordena que se for constatada a dívida que seja paga sem contenda

de justiça por ele ser uma pessoa de muita verdade e consciência.

Assim, o sentido de liberdade estava associado a um sentimento de pertença.

Seguindo esta mesma matriz conceitual estão os trabalhos de Frederick Cooper, Thomas

Holt e Rebecca Scott que, citando Igor Kopytoff e Suzanne Miers na introdução do livro

“Além da escravidão”, argumentam que:

no conceito ocidental, a antítese de ‘escravidão’ é ‘liberdade’ e ‘liberdade’ significa autonomia e falta de restrições sociais. Entretanto, na maioria das sociedades africanas, a ‘liberdade’ não está em afastar-se numa autonomia sem sentido e perigosa, mas em apegar-se a um grupo de parentesco, um patrono, um poder – um apego que ocorria dentro de um arcabouço hierárquico bem-definido. É nesta direção que o estrangeiro comprado teria de mover-se para reduzir sua marginalidade inicial. Aqui a antítese de ‘escravidão’ não é ‘liberdade’, no sentido de autonomia, mas sim ‘pertencer’, ‘fazer parte’.163

O estabelecimento de sólidos vínculos familiares e pessoais era fundamental

para a sobrevivência dos libertos na sociedade mineira. Dito isso, o que pretendemos

analisar ao longo deste capítulo são as formas de organização familiar adotadas pelas

mulheres africanas forras, bem como os laços de amizade formados e a influência destes

dois aspectos em suas estratégias de mobilidade social. Para tanto utilizaremos como

fontes testamentos presentes no acervo do Arquivo do Museu Regional de São João Del

Rei e os pertencentes ao Arquivo Eclesiástico da Matriz de Nossa Senhora do Pilar.

Em pesquisa no Arquivo do Museu foram levantados nos Livros de testamentos

um total de 31 documentos referentes a mulheres forras; anexo aos inventários

encontramos um total de 28, somando 59 testamentos. Nestes fizemos uma primeira

filtragem para abarcar somente mulheres africanas, restaram 51. Como nossa proposta era

163 COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C., SCOTT, Rebecca J. Além da escravidão: Investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.45.

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verificar a inserção de mulheres Minas na sociedade da comarca do Rio das Mortes

fizemos um segunda filtragem que resultou em 44 testamentos de libertas da Costa da

Mina.

No Arquivo Eclesiástico da Igreja de Nossa Senhora do Pilar analisamos os

Livros de Óbitos do Tomo I ao Tomo IV e o 6º Livro de Prados e encontramos 11

testamentos de mulheres forras anexos aos óbitos. Destes apenas 8 documentos eram de

libertas da Costa da Mina. Ao todo, tivemos a oportunidade de analisar 52 testamentos que

nos ajudaram muito a observar os aspectos pessoais e sociais que fizeram parte da vida das

personagens de nossa pesquisa.

Organizar o momento da morte e tudo o que dela venha a decorrer era o

objetivo principal dos ex- escravos ao escrever seus testamentos. A preocupação com suas

formas de sepultamento e com os sufrágios ocupava boa parte do documento, porém havia

um grande cuidado com a transmissão do patrimônio.

Os libertos do século XVIII mineiro constituíram um grupo com uma trajetória

de vida singular. Em geral, foram trazidos para a Capitania ainda jovens e passaram boa

parte da vida produtiva em cativeiro. Para muitos, a conquista da liberdade se concretizava

somente em idade muito avançada. Este fato marcou sobremaneira suas estratégias

familiares e atribuiu ao grupo características demográficas próprias como casamentos

tardios e baixa fertilidade.

A utilização dos testamentos nos permitirá uma proximidade com questões

relacionadas a constituição de famílias, além de nos mostrar contornos afetivos das

ligações dentro do lar e das amizades. Estaremos atentos também e principalmente às

determinantes econômicas e sociais que influenciaram as estratégias familiares.

Para esta análise privilegiaremos a parte dos testamentos destinada aos legados

porque consideramos, assim como o antropólogo Jack Goody164, que “a transmissão mortis

causa não é só o meio através do qual se reproduz o sistema social, é também a forma

como se estruturam as relações interpessoais”.165 Igualmente nos explica Michael

Anderson:

164 GOODY, Jack. Familiy and Inheritance: rural society in western europe, 1200-1800. Cambridge University Press, 1976. p. 1. In: LEWKOWICZ. Herança e Relações Familiares: Os pretos forros nas Minas Gerais do século XVIII. Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 0, nº 17. set. 88/ fev. 89. p. 103. 165 ANDERSON, Michael. Aproximaciones a la Historia de la família Occidental (1500-1914). Mexico: Siglo veintiuno editores, 1988. p. 75.

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En la medida em que lo que se hereda tiene una importância essencial para las possibilidades de los que lo reciben , la transmisión de la propriedad no solo permite a algunos (no a todos) acceder a bienes que generam riqueza, sino que también, pelo momento del ciclo vital em que se transmite tirne ramificaciones potencialmente mucho más amplias para la estrutura, la demografía y el carácter de las relaciones familiares.166

Acreditamos que os testamentos constituem uma base documental completa que

nos permitirá vislumbrar a amplitude de atuação das libertas na sociedade colonial.

Segundo Ida Lewkowicz:

A pequena quantidade de testamentos de pretos forros disponível segue proporcionalmente a sua presença no conjunto da população, apresentando, todavia, variações significativas conforme a localidade e a época(...). Sendo assim, é possível concluir que os testamentos constituem uma amostragem significativa das condições de vida de cerca de oitenta por cento da população liberta. Pode-se, portanto, através deles, generalizar e compreender o mundo das forras.167

Dessa forma, acreditamos que estamos diante de situações típicas que devem

ser tratadas não apenas como casos isolados, mas como modelos indicadores de processos

mais gerais entre as mulheres forras.

A série de testamentos estudados fornecem importantes informações acerca dos

indivíduos, de seu relacionamento com o outro seja ele um familiar consangüíneo ou não.

Os dados presentes nesta documentação apresentam um caráter de raridade, pois contêm

depoimentos e impressões de mundo de ex-escravas africanas. De posse destes textos

estamos entrando na vida destas mulheres. Temos a possibilidade de descobrir a real

amplitude da escravidão e as marcas que esta deixou no cotidiano destas libertas, na forma

como elas se organizaram dentro dos padrões sociais vigentes.

Os testamentos nos permitem ainda conhecer as preocupações, os valores,

conflitos, os afetos e desafetos deste grupo. Estamos lidando com o sentimento de

proximidade da morte, momento ainda em que as pessoas realizam o desejo d organizar a

vida dos seus e de colocar um ponto final em antigos dissabores.

As 70 libertas para as quais encontramos testamentos, declararam suas origens

conforme as designações genéricas que eram utilizadas no Brasil: Costa da Mina (52),

Angola (3), Reino do Congo (2), Cabo verde (1), Benguela (1), Courana (1) e crioulas (10).

166 Idem. 167 LEWKOWICZ, Ida. Op. cit. p.104.

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O fato de maior parte das mulheres (74,2%) serem de origem “mina” nos

chamou muita atenção. A Costa da Mina, também denominada Costa dos Escravos,

corresponde hoje ao território do Benin e da Nigéria, habitada por negros do “grupo

sudanês” genericamente designados como minas.168 Esta denominação está ligada ao

Castelo de São João da Mina, que era o ponto de embarque de todos os escravos da costa

nordeste da África, mais conhecida como Costa da Guiné, cuja região de maior

importância era a Costa da Mina, onde já se praticava a exploração do ouro.169

Os escravos desta região foram importados em massa para as Minas Gerais. “

De 1711 a 1720, cerca de 60,2% dos escravos importados para a capitania eram minas.

Diminuíram para 54,1% entre 1721 a 1730 e posteriormente para 34,2%, quando os bantus

e angolenses passaram a vir em maior quantidade para a lavoura de abastecimento.”170 A

preferência dos escravos desta região fazia-se em parte em serem os minas considerados

mais fortes e resistentes às doenças, mas por outro lado esta aceitação era devido ao fato de

estes dominarem as técnicas de extração do ouro.

Por sua vez, as mulheres minas eram conhecidas por sua beleza,

“freqüentemente elogiada pelos viajantes estrangeiros que percorreram o Brasil no século

XIX: de pele mais clara e corpo esguio, eram sempre as primeiras a serem escolhidas como

as concubinas dos homens brancos.”171

Em 1725, o então governador do Rio de Janeiro Luís Vaia Monteiro assim

descreveu a relação dos mineiros com os escravos e escravas minas:

As minas, é certo que não se podem cultivar senão com negros(...) os negros minas são os de maior reputação para aquele trabalho, (...) mas eu admito que adquiriram aquela reputação por serem tidos como feiticeiros, e tendo introduzido o diabo, que só eles descobrem ouro, e pela mesma causa não há mineira que se possa viver sem uma negra mina, dizendo que só com ela tem fartura. 172

Em um estudo sobre mulheres forras Cláudia Mol diz que “em Vila Rica, as

mulheres oriundas da Costa da Mina forma maioria: do total de 74 mulheres, 45% eram

africanas provenientes desta região.”173 Sheila de Castro Faria encontrou para o Rio de

168 FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes... Op. cit. p. 66. 169 KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro, 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 64. 170 FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamentes... Op.cit. p. 67. 171 Idem. 172 Idem. 173 MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras... Op. cit. p. 25.

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Janeiro, dentre 54 testadoras forras, 27, ou seja, 84% se declarando provenientes da África

Ocidental (22 minas e 5 guinés).174

Acreditamos que esta forte presença de mulheres minas entre as libertas não

pode ser explicada pela massiva entrada de escravos desta região nas Minas Gerais e nem

pela beleza destas. Sugerimos que este fato esteja intrinsecamente ligado à relação destas

mulheres com o comércio. É de conhecimento de todos que na África Ocidental o

comércio, principalmente de gêneros alimentícios, estava entregue às mulheres. Ao

chegarem no Brasil como escravas, seus senhores aproveitavam de seus conhecimentos

mandando-as para as vilas e arraiais venderem seus quitutes. Assim, as minas tinham a

oportunidade de arrecadarem o pecúlio necessário à compra de sua alforria e muitas

conseguiam juntar uma pequena fortuna.

Este envolvimento com práticas comerciais e a conseqüente acumulação de

pecúlio permitiu uma livre circulação dessas mulheres entre os dois pólos da sociedade

mineira, ou seja, estreitava laços com a senzala e ao mesmo tempo facilitava relações com

a casa-grande. Em uma sociedade escravista e hierarquizada como a do Brasil colonial

ascender socialmente não era necessariamente conseqüência imediata da aquisição de

riqueza, ao contrário, a mobilidade social estava intrinsecamente vinculada às redes de

sociabilidade. Desse modo, para alcançar certa proeminência social, um indivíduo

necessita estabelecer mecanismos próprios e informais que o ajude a se inserir no universo

dominante. Em si tratando dos recém egressos do cativeiro, segundo Roberto Guedes:

Afirmar-se na nova condição e, dar o primeiro passo de ascensão social, requeria o reconhecimento da comunidade, o que podia ser palco de conflito. Os ex-escravos precisavam reatualizar laços engendrados no cativeiro para continuar a ascender na escala social, sejam herdados do senhor ou da própria vivência com outros grupos.175

Neste sentido, gostaríamos de encarar a ascensão social não apenas do ponto de

vista individual. Nossa intenção é mostrar a contribuição das relações de amizade,

parentesco e vizinhança neste processo. No entanto, precisaremos caracterizar o grupo

formado pelas libertas e conhecer os tipos de relações engendradas no seu interior.

Segundo Hebe Mattos, para os livres de cor,

174 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas... Op. cit. p. 316. 175 FERREIRA, Roberto Guedes. Pardos: trabalho, família, aliança e mobilidade social, Porto Feliz, São Paulo, c.1798 – c. 1850. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005. p. VI da Introdução.

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a família nuclear como unidade de produção e consumo e a reciprocidade entre iguais eram a base econômica da sobrevivência. (...) À solidariedade vertical cabia, fundamentalmente, o papel de sustentar as condições costumeiras que davam estabilidade a todo o sistema. Assim, a maneira culturalmente esperada de um migrante integrar-se numa nova área não era pedindo emprego ou acolhida a um potentado local, mas travando relações duradouras com os que ali viviam, baseadas em relações costumeiras. Do ponto de vista do homem livre, a solidariedade vertical era, assim, herdada de relações horizontais anteriores.176

O estabelecimento de vínculos familiares e pessoais era fundamental para que

os libertos rompessem com os processos de desenraizamento e desclassificação. Nesse

sentido, as vidas de livres, libertos e escravos entrelaçavam-se em relações cotidianas, na

busca pela inserção social. Casamentos, batismos, dívidas fazem parte de uma intrincada

rede de relações pessoais de onde emergem laços recíprocos de favores e obrigações.

O casamento foi uma das formas encontradas pelas mulheres forras para

garantir a segurança econômica e o apóio mútuo necessário diante das inúmeras

dificuldades por que passavam cotidianamente. Para as 74 mulheres analisadas por Cláudia

Mol, em Vila Rica, na segunda metade do século XVIII, os dados indicam que 20 mulheres

(27,4%) eram casadas, 38 (52%) eram solteiras e 07 (10%) eram viúvas enquanto 8

(10,9%) não tinham declarada a sua condição civil.177 No trabalho de Ida Lewkowicz para

Mariana, no período de 1730 a 1800, em um total de 38 libertas, 17 (44,7%) eram casadas

e 21 (55,3%) eram solteiras.178 Os dados obtidos por Sheila de Castro Faria para o Rio de

Janeiro e São João Del Rei, apontam, também, para uma maioria de mulheres forras

casadas. Entre as 22 originárias da Costa da Mina 7 (32%) eram casadas, 7 (32%) viúvas e

8 (36%) solteiras. Segundo a autora, apesar do número de solteiras elas casaram em 64%

dos casos, o que demonstra que o casamento era uma situação querida e corrente.179

Para Inês Côrtes de Oliveira o casamento entre crioulos surge como um acordo

de ajuda mútua entre as partes, significando uma troca de serviços, enquanto para o

africano significava, além de apoio mútuo, identidade étnico cultural. Em seu estudo para a

Bahia, no período de 1790 a 1890, Oliveira encontrou um média de 72,8% de mulheres

solteiras e viúvas; 23,1% de mulheres casadas e 4,1% sem declarar o estado civil.180

176 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio... Op. Cit. p. 74-75. 177 MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras... Op. cit. p. 41. 178 LEWKOWICZ, Ida. Op. cit. p. 110. 179 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas... Op. cit. p. 316. 180 OLIVEIRA, Inês Côrtes de. Op. cit.

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Segundo Luciano Figueiredo, o casamento para a constituição de famílias legais

foi uma das formas encontradas pelo Estado e pela Igreja para manter sob controle as

comunidades que se formaram rápida e atropeladamente nas Minas Gerais. A disciplina, a

definição dos papéis, a austeridade e a tolerância subjacentes ao modelo cristão de

organização familiar tornavam-se elementos que justificavam os esforços da ordem

temporal e espiritual. Cabia disciplinar não apenas os papéis sociais, mas também os afetos

e o uso do corpo.181

O matrimônio passara a ser incentivado na Capitania, principalmente entre a

população de cor, pois “ a miscigenação poderia acabar comprometendo a continuidade da

comunhão de interesses na relação Colônia – Metrópole. Chega a ser desnecessário

lembrar que para a ideologia colonialista os mestiços, em geral libertos, representavam

uma população indisciplinada e inquieta socialmente, desclassificados e desligados do

sistema escravista-exportador. O casamento traria para estes grupos estabilidade, amor à

terra e disciplina moral”.182

Para as 52 mulheres minas analisadas na Comarca do Rio das Mortes, no

período de 1750 a 1810, os dados indicam que 29 (55,7%) eram solteiras, 9 (17,3%) eram

casadas, 12 (23%) viúvas e 2 (4%) eram divorciadas. Podemos perceber que 44,3% destas

mulheres se casaram, porcentagem bastante significativa, porém inferior ao número de

solteiras (55,7%). Entretanto, ao analisar o banco de dados referente aos registros de

casamento da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João Del Rei, cedido gentilmente

pela Professora Doutora Sílvia Brugger, percebemos que o grupo de mulheres africanas

forras que mais se casava era o das naturais da Costa da Mina. Vale considerar que no

cômputo geral eram as crioulas que mais contraíam matrimônio. Do total de 300 mulheres,

192 eram crioulas e para 32 não tivemos identificação da origem. De qualquer forma, a

distribuição segundo a etnia no grupo das africanas que se casaram seguiu conforme o

gráfico abaixo:

181 FIGUEIREDO, Luciano. Mulheres nas Minas Gerais... Op cit. p. 167. 182 Ibidem, p. 170.

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Gráfico 1

% das Mulheres Africanas Forras Casadas segundo a Etnia

24%

13%

4%

1%

58%

AngolaBenguelaCongoReboloMinas

Fonte: Registro de casamentos AMNSP-SJDR.

No geral, as mulheres forras casavam-se com homens forros. Das 268 para as

quais temos indicação da origem, 66,7% tiveram maridos forros, 7,8% casaram-se com

escravos e 25,5% não indica a condição dos maridos. Quanto a origem dos cônjuges

percebemos que há uma certa preferência por aqueles pertencentes ao mesmo grupo étnico.

Para as 44 mulheres forras da Costa da Mina, encontramos entre seus maridos 19 minas, 10

crioulos, 9 angolas, 1 benguela, 1 cobu e 4 sem identificação; para as 18 mulheres angolas,

encontramos 6 minas, 5 angolas, 6 crioulos e 1 sem identificação; as 10 libertas benguelas

casaram-se com 4 homens benguelas, 2 angolas, 2 crioulos, 1 congo e 1 mina; as 3

mulheres naturais do Reino do Congo casaram-se com 2 homens congos e 1 crioulo; a

única mulher de nação rebolo casou-se com um homem benguela; enquanto as 192

crioulas casaram-se com 151 homens crioulos, 13 angolas, 9 minas, 8 benguelas, 1 congo,

1 moçambique, 1 guiné e 8 não identificaram a origem.

Podemos perceber que as mulheres africanas preferencialmente casavam-se

com homens africanos, enquanto as crioulas procuravam maridos também crioulos. Este

fato demonstra que a estratificação social presente na colônia se manifesta principalmente

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quando estava em jogo uma aliança formal.183 Ressalta também desses dados que a

endogamia social prevaleceu entre esses dois grupos. Está claro que o casamento com

escravos não era preferencial. Isto porque “quanto mais afastada da condição cativa,

melhor estaria a pessoa situada socialmente”.184

Para as mulheres forras o casamento entre iguais poderia lhes proporcionar

vantagens tanto econômicas quanto sociais. Segundo Ida Lewkowicz “o matrimônio entre

libertos contribuiu significativamente para o aumento da riqueza, pois casados possuíam o

maior número de escravos, embora o estado civil não fosse determinante da posse, já que

solteiros também detinham”.185

No entanto, apesar do casamento envolver ajuda mútua, laços de solidariedade e

amizade, muitas vezes foi marcado também por situações de extremo descontentamento.

Como o caso da preta forra Josefa Gonçalves de Matos, natural da Costa da Mina e

moradora do arraial da freguesia de Santo Antônio da Itaberava, comarca do Rio das

Mortes. A liberta declara ter contraído matrimônio, já depois de alforriada, com Euzébio

Monteiro, crioulo, cuja liberdade Josefa comprou de Manoel Monteiro “com tão má sorte”

que em 1753 entrou com o pedido de divórcio. A forra alega que o marido contraiu vários

empenhos gastando tudo o que havia acumulado através de sua “indústria e trabalho” em

vícios e adultérios com “mulheres de vida licenciosa”, tratando-a com “rigorosas pancadas

e injúrias desordenadas”. Josefa declara ainda que o crioulo nunca “fez vida marital” com

ela, estando ausente desde que se casaram, não a “socorria nas gravíssimas enfermidades”

pelas quais padecia e nem acrescentou bem algum para o casal “antes extraindo dele ,

roubando, empenhando e destruindo”. 186

Em outro caso a forra, Teresa de Moura, também natural da Costa da Mina,

declara ser viúva de José Brás da Silva, preto forro. Porém, a mesma contraiu segundas

núpcias com Antônio de Oliveira Santos, o qual libertou “às custas de sua fazenda” antes

da formalização da aliança. Segundo a forra, depois de anos de ausência de Antônio de

Oliveira, ela entrou com o pedido de divórcio no Juízo Superior da cidade de Mariana,

alegando não ter com o marido atos conjugais e que este além de não trazer bem algum

183 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 143. 184 Ibidem, p. 145 185 LEWKOWICZ, Ida. Op. cit. p. 108. 186 Testamento de Joseja Gonçalves de Matos. Livro de Testamentos nº 02, f/ 150v a 152. AMRSJDR.

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para o casal, destruiu grande parte do patrimônio que ela conquistou com o suor do

trabalho em “seu mau viver”.187

A descrição destes casos, primeiramente, corrobora a idéia de que havia uma

tendência pela endogamia, ou seja, a mulher africana forra preferencialmente se casaria

com um liberto. No limite, era preferível pagar pela alforria do futuro marido do que

constituir uma aliança desta natureza com um cativo. Por outro lado, pelo desenrolar das

histórias, esta pode ter sido uma estratégia utilizada pelos escravos para conseguir a

liberdade e condições materiais para sobreviver, sem ter que trabalhar novamente. O fato

de elas procurarem o divórcio e deixar claro em seus testamentos a não participação dos

maridos na construção do patrimônio demonstra o caráter econômico da união. È melhor

perder o marido do que os bens. A presença de um recasamento é um outro dado que

demonstra a importância da instituição para as libertas. Ademais, comprova a posse

significativa de recursos por essas mulheres, que além de comprarem a liberdade dos

maridos ainda os sustentavam.

Pela leitura de outros testamentos, percebemos também, que algumas libertas

viam o casamento como um bom negócio. Descobrimos que elas incentivavam suas filhas,

afilhadas e até escravas a se casarem. Observamos em muitos casos que a condição básica

para uma herdeira mulher receber sua herança era que a mesma contraísse núpcias.

Exemplar é o testamento de Gracia Dias de Oliveira, no qual podemos ler:

Deixo a minha afilhada Marcela moradora nesta vila filha de minha comadre Brígida de Jesus a quantia de uma quarta de ouro por esmola, tomando ela o estado de casada não tomando não lhe deixo nada.188

A certeza de que o casamento lhes proporcionaria melhores condições de vida,

na medida em que traria estabilidade e possibilitaria o alargamento das redes de

solidariedade e amizade, fazia com que as libertas mais velhas, antes de morrer,

recomendassem o estabelecimento dessa aliança. Podemos perceber ainda que estas negras

forras tinham a preocupação de que suas afilhadas arranjassem um bom casamento e para

isso lhes deixavam alguns bens para que servissem de dote, assim vemos no testamento de

Rosa de Mello Costa:

187 Testamento de Teresa de Moura. Livro de Testamentos nº 02 f/186. AMRSJDR. 188 Inventário de Gracia Dias de Oliveira, 1769, caixa 95, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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Deixo às minhas afilhadas abaixo nomeadas: Thomásia, filha de minha comadre Josefa; a Ângela, filha da minha comadre Maria da Assunção; a Antônia e Maria filhas de minha comadre Domingas da Silva, preta forra; a Rosa, filha de Joana Fernandes Bastos; a Luzia, filha de Antônio Rodrigues Costa cinqüenta mil réis a cada uma para ajuda de seus dotes por esmola pelo amor de Deus.189

Apesar da necessidade do casamento entre as libertas, ressalta dessa declaração

de doação as dificuldades enfrentadas para conseguir um bom marido. Em um universo

marcado pela estratificação e a hierarquização social, as melhores chances de acesso ao

casamento se abriam com maior probabilidade para aquelas que alcançavam um

patrimônio significativo ou então para as que possuíssem um dote que assegurasse um

início de vida conjugal mais confortável.

A preocupação com o casamento aliada a existência de dominação pessoal

podia gerar alguns sérios conflitos entre as libertas e seus protegidos. Estas podiam chegar

ao extremo de escolher com quem suas afilhadas deveriam se casar e se por algum acaso

não fosse atendida em sua escolha tinha autoridade suficiente para castigar a ingrata, ainda

mais se a afilhada fosse uma escrava. No testamento de Ana Maria da Silva, preta forra de

nação mina, encontramos um bom exemplo. Nas palavras da liberta:

Declaro que trago um pleito com uma mulata Bernarda e seu marido Matheus chamando-a a cativeiro e seus filhos, a qual nunca lhe passei carta alguma de liberdade e suposto fizesse esse intenção era no caso de que ela procedesse bem e me não fosse ingrata, e eu a casasse com o marido do meu gosto, e eleição; mas como ela casou contra a minha vontade, fugindo para esse fim de minha casa, e com marido que não foi do meu gosto escolha e aprovação lhe não faço mais a esmola que lhe pretendia fazer em outros testamentos em que a deixava forra por minha morte, cuja determinação revogo inteiramente porquanto a minha última vontade, que pela ingratidão e pouco respeito com que por vezes me desatendeu, não só de palavras, como por obras, seja vendida, para o que a declaro isenta da esmola da liberdade que por minha morte lhe pretendia dar(...).190

Como podemos observar, as relações verticais eram marcadas pelo princípio da

solidariedade, porém supunham a existência de relações de contraprestação. Entretanto,

podemos dizer que essas relações de reciprocidade coexistiam com rupturas e tensões. A

história de Ana Maria da Silva e sua escrava Bernarda é bastante elucidativa dessa

189 Inventário de Rosa de Mello Costa, 1760, caixa 430, AMRSJDR. (testamento anexo ao processo) 190 Óbito de Ana Maria da Silva. AMNSP-SJDR, Livro de Óbitos – Tomo IV 1792 a 1796. (testamento anexo ao processo)

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situação. Como vimos, a liberta tinha planos de alforriar sua escrava e deixar para ela

alguns bens que a ajudasse a se reinserir na sociedade. A exigência para que isso ocorresse

era que a escrava se casasse com um homem do agrado de sua senhora. Talvéz, Ana Maria

fizesse questão da escolha por saber as dificuldades de se conseguir um bom casamento

para uma recém liberta sem posses. Por outro lado, a senhora poderia querer continuar

com sua relação de dominação, mantendo a cativa sempre perto de seus olhos e lhe

devendo um grande favor.

A declaração de Ana Maria supõe que o poder exercido pelas libertas no

domínio da família e dos afilhados era privado e pessoal. Os dependentes, principalmente

os escravos, não podiam apelar para nenhuma instituição pública em sua defesa. Ao

contrário, o exercício de seu poder individual era corroborado pelas tradições e reforçado

pelas práticas locais da escravidão.191

Um dado importante que não podemos deixar de ressaltar é que, ao que parece a

constituição de uma família por uma liberta nem sempre contou com a presença de filhos.

Isto pode ser explicado pelo fato de que na maioria das vezes os laços do matrimônio eram

estabelecidos tardiamente, quando muitas dessas mulheres já se encontravam no final de

seu ciclo de vida e algumas vezes com alguma doença. No entanto, a opção pela

maternidade também não fez parte do universo das forras solteiras.

191 GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro, 1860-1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 15.

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Gráfico 2

% em relação ao estado civil e presença de filhos

2%15%

12%

44%

2%

21%

4%

Casadas com filhosCasadas sem filhosSolteiras com filhos Solteiras sem filhosViúvas com filhosViúvas sem filhosDivorciadas sem filhos

Fonte: Registro de casamentos AMNSP-SJDR.

Segundo Sheila de Castro Faria, podemos pensar em duas hipóteses para

explicar a freqüente ausência de filhos entre as mulheres forras. A primeira é a de que a

criação de filhos, de alguma forma, impedia que estas libertas acumulassem pecúlio, seja

pelas despesas com crianças não produtivas, seja pela impossibilidade de exercer certos

ofícios.192 Acreditamos que a ausência de filhos não as impossibilitava para o trabalho e

nem impedia que elas adquirissem alguns bens. Pode ser que a maternidade dificultasse um

pouco a vida das forras enquanto os filhos fossem crianças, mas não constituíam em um

empecilho para o desenvolvimento de suas estratégias de sobrevivência.

A outra hipótese, segundo Faria, a mais provável, é que essas mulheres teriam

optado por não ter filhos e, assim, possuíam alguma prática anticonceptiva ou evitavam

relacionamentos sexuais. Esta nos parece uma explicação razoável para as solteiras.

192 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas... Op. cit. p. 298.

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Quanto as casadas, continuamos a acreditar que a idade se constituiu em um grande

empecilho.

Entretanto, a leitura desses relatos testamentais nos revelam traços importantes

acerca da organização familiar dessas negras libertas. Percebemos que entre elas havia uma

forte tendência para o desenvolvimento de relações pessoais. Acreditamos que estes

constituíam-se de uma extensão da família, eram espaços de construção de solidariedades,

de cuidados e de proteção.

Estes grupos eram formados basicamente a partir da constituição de algum laço

de parentesco, o mais comum era o de compadrio. Estes eram um dos mecanismos de

sociabilidade da época, responsáveis por criar redes de dependência entre diferentes

segmentos sociais. Estratégia eficaz, inseria não apenas o afilhado como seus pais na órbita

de alguém mais poderoso, cuja proteção era invocada nas horas de necessidade. O

compadre tornava-se alguém próximo, mas igualmente alguém a quem se devia respeito.

Uma característica que podemos facilmente identificar no interior dessas

organizações era a presença de uma hierarquia semelhante à relação dos pais com os filhos.

Este tipo de relacionamento era bastante procurado entre o grupo das africanas libertas.

Isto porque ser afilhada de uma forra significava a garantia de liberdade do cativeiro ou de

uma vida melhor no período pós-manumissão.

Em uma sociedade escravista e hierarquizada como a do Brasil colonial mover-

se na escala social não era necessariamente conseqüência imediata da aquisição de riqueza,

ao contrário, mobilidade social estava intrinsecamente vinculada às relações de poder.

Desse modo, para alcançar certa proeminência social, um indivíduo necessita estabelecer

mecanismos próprios e informais que o ajude a se inserir no universo dominante, como por

exemplo aos laços de dependência verticalizados. Assim, nos mostra o relato testamental

de Josefa da Costa. A preta mina, moradora da Vila de São João Del Rei ressalta como

uma de suas últimas vontades que:

(...) tenho uma afilhada por nome Ana de nação angola escrava do senhor Antônio Gonçalves Gomes lhe deixo por esmola para ajuda de sua liberdade vinte oitavas.193

193 Óbito de Josefa da Costa. AMNSP-SJDR. Livro de Óbitos. Tomo II, 1786 a 1790, F/202v a 208v. (testamento anexo ao processo)

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Encontramos também no testamento de Quitéria Fernandes legados para

afilhados escravos:

Deixo por legado a Manoel crioulo meu afilhado escravo de Dona Francisca de Souza Caldas duas oitavas de ouro, outras duas oitavas se darão a Manoel Mina, meu afilhado, escravo da casa do falecido Machado duas oitavas de ouro.194

O fato de as mulheres deixarem alguns bens para seus afilhados escravos

demonstra o reconhecimento pelos bons serviços prestados e pelo cuidado do escravo em

atender prontamente as diligências de sua senhora, ao caracterizar gratidão e respeito. No

geral, as relações estabelecidas entre as negras forras e seus cativos não diferiam muito das

relações tradicionalmente estabelecidas entre senhores brancos e escravos.195 Porém, ser

afilhado de uma senhora forra podia ser uma grande chance de adquirir a liberdade.

Os legados para os afilhados, principalmente afilhadas, não se constituía apenas

em ouro. Muitas africanas forras deixavam para as mulheres de seu grupo roupas, jóias,

móveis, ou seja, bens que lhes trouxessem algum prestígio perante a sociedade. É o caso de

Antônia da Silva, preta mina, natural do Gentio da Guiné e falecida na Vila de São João

Del Rei. Em seu testamento podemos ler:

Deixo a minha afilhada Rosa Mina Escrava de Maria Pereira e a minha afilhada Thomásia crioula forra e outra do mesmo nome, e à minha afilhada Ana Caetana crioula forra que foi escrava de Ana Maria de Lima já defunta; e a Maria da Silva forra, escrava que foi de Jerônimo da Silva Guimarães toda a mais roupa branca que se acharem por meu falecimento que meu testamenteiro repartirá por todas atualmente como bem entender e a mesma Maria da Silva lhe deixo mais uma caixa ou baú de Mascovia.196

As palavras dessas mulheres dão a impressão de que este não era um arranjo

familiar incomum. O parentesco espiritual esteve presente na vida da maior parte das forras

de nossa pesquisa. Acreditamos que ao ampliarem as relações de solidariedade passando a

constituir relações de parentesco generalizadas entre pares da mesma condição social, ou

não, dilatavam-se as redes de amizades e aumentavam-se as possibilidades de efetivação

de uma mobilidade social. 194 Óbito de Quitéria Fernandes. AMNSP-SJDR. 6º Livro de Óbitos de Prados, 1789 a 1816, F/10 a 11. (testamento anexo ao processo) 195 MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras... Op. cit. p. 32. 196 Óbito de Antônia da Silva. AMNSP-SJDR. Livro de Óbitos, Tomo IV, 1792 a 1796, F/449 – 450v. (testamento anexo ao processo)

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A relação estabelecida entre as mulheres libertas e seus testamenteiros também

é um exemplo da construção e da extensão das redes de relacionamento. Ao analisar as

opções de pessoas para organizar o cumprimento de suas últimas vontades encontramos

algumas especificidades. Quanto ao sexo do testamenteiros, encontramos 3 (2,3%)

mulheres e 132 (97,7%) homens. Com relação à ocupação exercida encontramos: dez

alferes, nove capitães, cinco tenentes, dois sargentos-mores, , um ferreiro, sete padres, um

guarda-mor, um tesoureiro do juízo dos ausentes, três licenciados e dois furriéis. Uma

pequena minoria era constituída por parentes diretos, ou seja, cinco maridos e três filhos; e

uma outra minoria era constituída por Irmandades: uma referência à Irmandade do

Rosário,uma à Irmandade das Almas e outra à Ordem terceira de São Francisco de Assis. E

ainda, duas ex-senhoras, um ex-senhor, oito homens forros, setenta homens com apenas o

tratamento “Senhor” à frente do nome, uma escrava e um crioulo. A partir desses dados

podemos dimensionar a importância das relações estabelecidas pelas mulheres forras e o

livre trânsito obtido por elas pelos vários segmentos sociais, demonstrando a busca por

melhores condições de sobrevivência.

Outro exemplo de organização social que parece ter sido muito utilizado pelas

libertas africanas e, que de uma certa forma lhes trazia prestígio e estima eram as

Irmandades. Em Minas Gerais, essas associações religiosas tinham por objetivo não apenas

os assuntos espirituais, mas também tinham como pauta a resolução de problemas

temporais. Fazer parte destes grupos era a garantia de manter vivos os interesses comuns e

suprir aquelas necessidades vitais. Segundo Caio César Boschi “os problemas do cotidiano

eram assunto de discussão e análise nas salas de reunião das irmandades. Participar de uma

ou mais irmandades tornava-se condição de vida e de morte para os habitantes das

Minas”.197

A participação em uma confraria representava a fuga à marginalização. Era uma

forma de se considerar parte e de se inserir na sociedade. Para os negros estes constituíam

lugares de proteção e mais do que isto, era quase a única forma de associação permitida

entre eles. Por isso, não é difícil de se imaginar a Irmandade como um espaço de

sociabilidade geradora de solidariedades, onde os negros tinham a oportunidade de tornar

suas vidas mais suportáveis.

197 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais.São Paulo: Editora Ática, 1986. p. 150.

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Pertencer a uma Irmandade também era garantia de sepultamento. Praticamente

só aqueles indivíduos que se filiassem a uma irmandade tinham a referida garantia, pois os

cemitérios se localizavam em seus terrenos, quase sempre dentro dos próprios templos,

mediante o estabelecimento de um certo número de sepulturas que lhes eram concedidas

pelas autoridades eclesiásticas.198 Nesse sentido, não havia enterro sem o hábito de irmão.

Este fato explica as declarações de pertencimento à confrarias presentes nos testamentos e

também, em boa parte, a escolha da mortalha. Como no caso da preta mina Maria Pereira

de Souza, que entre suas últimas vontades declarou que:

Sou irmão das Irmandades seguintes: de Nossa Senhora do Rosário, de Santo Elesbão e de Santa Efigênia(...). Ordeno que meu corpo seja sepultado na Capela de Nossa Senhora do Rosário, envolta no Hábito de São Francisco levado na Esquife da Irmandade da dita Senhora.(...).199

As irmandades também estiveram presentes em outras partes dos testamentos

das libertas: entre os herdeiros. Algumas forras deixavam boa parte do que tinham para

ajudar as confrarias em algum encargo. Eram vestes para as santas, diamantes e ouro para

as coroas dos santos e outras esmolas para a manutenção dos templos. Este fato é passível

de duas interpretações. A primeira de cunho religioso está ligada ao medo da morte e do

que ela reservava, assim as mulheres acreditavam que se agradassem aos santos poderiam

ter uma passagem tranqüila e abençoada. A segunda explicação tem mais ligação com a

estima social, ou seja, até no momento da morte as forras procuravam mostrar seu poder

perante a sociedade em que viviam. Não podemos afirmar a real intenção destas mulheres,

porém pela generosidade das ofertas, chegamos a pensar que elas buscavam as duas coisas:

salvação da alma e prestígio do corpo.

Podemos ter uma idéia destas doações a partir do testamento de Rosa de Mello

Costa, que como já vimos, é a forra mais rica de nossa pesquisa. Não tinha herdeiros

forçados, teve como testamenteiro os “Senhores da Mesa da Venerável Ordem Terceira do

Patriarca São Francisco de Assis”, e se mostrou extremamente generosa com as confrarias

de São João Del Rei. Em seu testamento podemos ler:

198 Idem. 199 Inventário de Maria Pereira de Souza, 1786, caixa 270. AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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Deixo uma morada de casas à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário desta Vila cujas casas estão citas no beco chamado João Machado (...). Deixo mais a mesma Irmandade do Rosário, São Benedito para as suas obras cem oitavas de ouro por esmola. Deixo a Irmandade do Santíssimo Sacramento trinta e duas oitavas; à Irmandade de Nossa Senhora do Pilar dezesseis oitavas, à Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia trinta e duas oitavas; a da Senhora Santa Ana oito oitavas, (...). Deixo a Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmo quarenta oitavas de ouro por esmola (...). Deixo a venerável Ordem Terceira de meu Padre São Francisco uma libra de ouro com a obrigação de ser minha testementeira, (...). Deixo mais para adorno de Nossa Senhora do Rosário um rociclé grande e um par de brincos também grandes tudo de diamantes dos melhores e maiores que possuo que se porão no pescoço e orelhas da imagem de Nossa Senhora nos dias das funções e festas da mesma Senhora.200

Depois desta leitura faz-se necessário ressaltar que Rosa de Mello Costa não

apenas participa como também deixa legados generosos para duas ordens terceiras. Como

se sabe ser membro de ordens terceiras era sinônimo de status e privilégio das pessoas

mais abastadas. Ser aceito em uma delas demonstrava prestígio e a obtenção de

reconhecimento público de êxito pessoal. A incorporação desta liberta nestes segmentos

significa que ela conseguiu melhorar sua posição na hierarquia social, e sugere também

que a mobilidade vertical para os recém egressos do cativeiro era possível, mas não estava

aberta a todos.

Dessa forma, a integração de Rosa de Mello endossa nossa hipótese de que a

estratificação social era reiterada no interior do grupo das mulheres africanas forras. O fato

de que um número muito pequeno de negras libertas se faziam presentes em ordens

terceiras clarifica a desigualdade no interior do grupo. Desigualdade esta, que não se

manifestava apenas no nome ou na ordem da Irmandade, pois no interior delas é possível

ver um nítido processo de hierarquização, é o que lemos no testamento de Joana Gomes,

quando a mesma diz em seu testamento que,

(...) meu corpo será sepultado dentro da capela da mesma Nossa Senhora do Rosário no lugar que me pertencer como rainha que servi na Irmandade vários anos.201

E também no testamento de Quitéria Fernandes:

200 Inventário de Rosa de Mello Costa, 1760, caixa 430. AMRSJDR. (testamento anexo ao processo) 201 Inventário de Joana Gomes, 1761, caixa 98. AMRSJDR. (testamento anexo ao processo)

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Declaro que ao depois do meu falecimento se dará do monte dos meus bens por esmolas a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dez oitavas de ouro mesada do lugar de rainha que ocupei; (...) O meu corpo será envolto em um lençol e sepultado dentro da Capela de Nossa Senhora do Rosário, na sepultura que me tocar (...).202

A forma como estas libertas reivindicam pelo lugar de seus sepultamentos

indica que havia um espaço específico para cada tipo de irmão. Como elas faziam parte da

realeza da Irmandade deviam ocupar um lugar de destaque mesmo depois de morta, e o

interior da Capela parece ter sido o mais indicado. O que queremos demonstrar com estes

relatos é que a estima, mesmo que seja apenas no interior do grupo, de certa forma,

representava um tipo de reconhecimento social que inseria algumas mulheres no topo da

hierarquia.

XXXX

As considerações desenvolvidas ao longo deste capítulo nos faz acreditar que

para uma africana forra, a definição de um lugar no interior da sociedade mineira esteve

intrinsecamente vinculada à possibilidade de romper com o desenraizamento e a

provisoriedade, associados ao significado de liberdade. Para este fim, o estabelecimento de

laços familiares e a inserção em redes de solidariedade contribuíram muito. Estes tipos de

relacionamento desempenharam um papel fundamental na vida dessas libertas, na medida

em que as inseriam na ordem social e cooperavam para a fuga dos processos de

desclassificação e marginalidade.

Assim como a estima social, outros mecanismos foram utilizados para definir a

participação das libertas africanas na sociedade mineira. Nesse sentido destaca-se a posse

de escravos. Apesar de não se constituir em um eficiente parâmetro para se compreender a

estratificação social, quando tomado de forma absoluta, pode nos ajudar, quando analisado

em conjunto com outros aspectos, a definir os contornos dos processos de reprodução da

diferença no interior da sociedade. A análise da importância desse ativo para as mulheres

africanas forras será o objetivo do próximo capítulo.

202 Óbito de Quitéria Fernandes. AMNSP-SJDR. 6º Livro de Óbitos de Prados, 1789 – 1816 F/10 – F/11. (testamento anexo ao processo)

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Capítulo IV

As negras forras e seus cativos

Conforme analisamos nos capítulos anteriores a capitania de Minas Gerais do

século XVIII estava longe da imagem de um lugar rico e opulento divulgado durante muito

tempo pela historiografia. Na realidade, estamos diante de uma sociedade em que a

desigualdade na distribuição da renda produzia vários níveis de estratificação social. No

topo da hierarquia estava o pequeno grupo dos homens de negócio, indivíduos mais

abastados que tinham o controle dos meios produtores de maior riqueza. Podiam investir

tanto na produção quanto nas atividades mercantis. Isto significava manter sempre pobre a

maior parte da população, que relegada à participação em atividades geradoras de menor

lucro, era impedida de ascender-se socialmente e também impedida de se extinguir devido

ao acesso a mecanismos de produção baratos (terras e escravos). Dessa forma, mostra-se a

insuficiente pensarmos as Minas como um lugar onde havia uma riqueza bem distribuída

ou uma pobreza universalizada, ao contrário, sugerimos que ali havia uma produção da

pobreza e uma diversificação dos setores de baixa renda.

Partimos da idéia de que a reprodução dessa diferença econômica assentava-se

em critérios não econômicos, pois tratando-se de uma sociedade de regime de trabalho

compulsório, o controle do senhor sobre o escravo perpetua a diferença entre os indivíduos

livres. Em outras palavras, a posse de escravos diferencia os indivíduos livres entre si, uma

vez que a maior ou menor posse de mão-de-obra cativa ajudava a definir o status de um

indivíduo no interior do grupo. Podemos dizer, então, que na sociedade mineira

setecentista, o tamanho do plantel e a dimensão da fortuna eram expressão de uma mesma

hierarquia sócio-econômica.

Visto isso, nesta parte da pesquisa estudaremos as mulheres africanas forras da

comarca do Rio das Mortes enquanto proprietárias de escravos. Tema de maior

importância para a análise das possibilidades de mobilidade vertical abertas para este

grupo.

O bem mais importante no patrimônio das mulheres forras, sem dúvidas, eram

os escravos. Se voltássemos à tabela 6 do capítulo II perceberemos que entre as 32 libertas

da primeira faixa de fortuna 3:402$005, ou 55% de seus montes estava investido em

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escravos; entre as 9 mulheres da segunda faixa 3:709$825, ou 57,5% do total de seus bens

estava investido neste ativo e entre as forras da última faixa os escravos perfaziam 53,2%

(ou 7:078$000) da soma total de seus montes brutos. Para além da divisão por faixas,

podemos constatar que 79,3% das libertas eram senhoras de escravos.

A observação destes dados nos permite sugerir que entre as libertas havia um

certo projeto de vida que não destoava do modelo seguido pelos demais grupos sociais.

Segundo Carla Almeida, entre os inventariados da comarca do Rio das Mortes, por ela

analisados, aproximadamente 90% eram proprietários de escravos.203 Este fato nos permite

afirmar que nesta sociedade a posse de cativos era difundida entre todos os seguimentos, o

que demonstra sua importância para a dinâmica sócio-econômica da região.

No entanto, o que chama atenção para este tema é que estamos trabalhando com

um grupo de mulheres, africanas, que passaram por todas as experiências da vida em

cativeiro e que mesmo assim, continuaram, elas mesmas, contribuindo para a difusão da

instituição escravista. Gostaríamos de ressaltar que não é nosso objetivo tratar este caso

como uma exceção ou como uma cópia fiel da lógica de um sistema adotado por toda a

sociedade. Acreditamos que na colônia um sem número de libertas africanas foram

senhoras de escravos, mas também confiamos que o que legitimava a relação entre elas e

seus cativos eram regras ditadas por experiências muito mais profundas, que acabarão por

nos remeter ao universo cultural de suas terras de origem.

Para tanto, torna-se necessário a análise do sistema escravista da capitania de

Minas, bem como da estrutura de posse das mulheres africanas libertas para que possamos

compreender os meandros da composição de sua escravaria e a legitimidade da

perpetuação da escravidão dentro deste segmento.

A mão-de-obra escrava em Minas Gerais

A mão-de-obra escrava esteve presente nas Minas desde os primórdios da

ocupação de seu território. Sua Importância para a economia da capitania foi celebrada

inúmeras vezes pela historiografia. Esta teve sua atenção despertada em razão do volume

de cativos da região, que por muito tempo superou a população livre. Segundo Carla

Almeida, em 1776 os escravos representavam 52,2% dos seus habitantes, sendo que em

203 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens Ricos, Homens bons... Op. cit. p. 206.

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períodos anteriores esta predominância numérica havia atingido níveis muito mais

elevados.204

O envolvimento em atividades de extração mineral, à princípio, requeria a

participação de um grande número de escravos. Podemos perceber este fato através das leis

que regiam a atividade mineratória. Visando a legalização das lidas extrativas, durante o

século XVIII foram introduzidas normas reguladoras da atividade, e entre essas está o

“Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais Deputados para as Minas de

ouro de 19 de abril de 1702”. O ponto mais importante desse documento é a orientação

sobre o modo de repartição das terras de mineração. Nele é estabelecido como fator

determinante da extensão das datas o tamanho da força de trabalho. Segundo Alice

Canabrava:

A legislação discriminava de início os que possuíam de 12 escravos para cima, dando-lhes direito a uma data inteira; àqueles cujos escravos se contavam em menor número caberiam duas braças e meia por escravo. (...) Nas partes de sobejo faziam-se novas distribuições, sempre na base prevista de duas braças e meia por escravo, atendidos primeiramente os mineradores de 12 escravos para cima.205

Contudo, foi a partir da década de 1750, período em que a mineração começava

a deixar de ter o papel principal na economia mineira, que podemos perceber o maior

crescimento da população escrava. Como pode ser visto na tabela 8, mesmo com o grande

crescimento da população livre em meados do setecentos, a mão-de-obra escrava

continuou sendo o eixo central da economia da capitania até os momentos finais da

escravidão no Brasil.

204 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana – 1750 – 1850. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói: 1994. 205 LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Op. cit. p. 3.

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Tabela 8

Crescimento da população livre e escrava em Minas Gerais 1718 - 1872

População escrava População livre População Total Ano

Nº Cresc Nº Cresc. Nº Cresc.

1718/19 34.475

1735 96.541

1745 95.366

1749 88.286

1776 166.995 100 152.774 100 319.769 100

1786 174.135 + 4,28 188.712 + 23,52 393.698 + 23,12

1805 188.781 + 13,05 218.223 + 42,84 407.004 + 27,28

1808 148.772 + 10,91 284.277 + 86,08 433.049 + 35,43

1819 168.543 + 0,93

1821 171.204 + 2,52 343.333 + 124,73 514.797 + 60,99

1823 188.595 + 12,93 375.076 + 145,51 563.671 + 76,27

1842 847.430 + 165,01

1848 998.616 + 212,29

1854 1.042.742 + 226,09

1866 300.000 + 79,65 1.150.000 + 652,75 1.450.000 + 353,45

1872 373.193 + 123,48 1.729.505 +1032,07 2.102.698 + 557,57 FONTE: Apud: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidade produtivas mineiras: Mariana – 1750 – 1850. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói: 1994. p. 105.

Conforme explicamos ao longo deste trabalho, a economia mineira, na segunda

metade do século XVIII, sofreu uma mudança em seu eixo, passando a ter como atividades

principais a produção e a comercialização de gêneros alimentícios. A historiografia há

muito tem se preocupado em analisar o crescimento da mão-de-obra escrava neste

contexto. Resumidamente poderíamos identificar algumas das principais interpretações

acerca desta questão, surgidas nos idos de 1980.

A tese de Roberto Borges Martins é um marco para essas discussões. Para o

autor a economia mineira do pós-auge minerador pode ser caracterizada como vicinal,

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formada basicamente por unidades produtivas agrícolas diversificadas internamente,

produzindo para o autoconsumo e para a venda em mercados locais. Segundo Martins este

tipo de economia foi capaz de transformar o sistema escravista das Minas oitocentistas no

maior existente em toda a história do Brasil. Esse grande número de escravos não era nem

remanescente da economia do ouro nem fruto da procriação natural, mas antes originado

de importações recentes.206

Para Roberto Borges Martins o que teria levado Minas a um apego tão grande à

mão-de-obra escrava era o fato de haver uma enorme abundância de terras livres na região.

O camponês não se submetia ao trabalho assalariado porque ele tinha acesso a outras

alternativas econômicas. Cada família camponesa poderia se apossar de um pedaço de terra

cultiva-lo, e subsistir sem ter que vender seu trabalho.207

Robert Slenes endossa a afirmação de Martins no que tange a participação de

Minas Gerais no comércio de cativos. O autor apresenta dados sobre a população de vários

distritos mineiros em 1804, os quais revelam que uma proporção razoável de escravos era

de origem africana, com uma notável superioridade no número de homens e uma pirâmide

de idade com base pequena e uma concentração anormal de pessoas nas faixas de 20 a 39

anos. Estas evidências sugerem que a participação no tráfico africano era extremamente

importante para as Gerais.208

Porém Slenes critica Martins quanto à importância do setor exportador em

Minas e de seu impacto na economia interna, da província, que não apenas permitia uma

relevante participação no tráfico de escravos, como também constituíam o centro dinâmico

da economia mineira. O autor demonstra em sua argumentação que Minas no período pó-

auge minerador, longe de ser uma região pouco voltada “para fora”, era uma economia de

exportação209 bastante significativa. Além disso, o setor exportador tinha “efeitos

multiplicadores” sobre o mercado interno, na medida em que “gerava uma renda monetária

significativa, que não só teria criado também uma forte demanda dentro da província para

mantimentos, bens de consumo e matérias-primas utilizados pelo setor exportador e pelas

206 MARTINS, Roberto Borges. Op. cit. p. 37 207 Ibidem, p. 51-53. 208 SLENES, Robert W. Op. cit. p. 14 209 Slenes entende exportações à maneira de Roberto Borges Martins, como produtos remetidos para fora da província, mesmo se destinados ao mercado brasileiro. Porém, para o autor a produção para exportação não era restrita ao café, ouro ou diamante, mas também de gado vacum e suíno, panos de algodão, toucinho, queijo e tabaco.

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atividades internas ligadas a esse setor. Isto, por sua vez, teria aumentado a utilização de

mão-de-obra livre e escrava na produção para o mercado interno de Minas”.210

Slenes dá exemplos concretos de como a relação entre os setores exportador e

interno se concretizava. O caso da criação de porcos nos parece bastante esclarecedor:

De acordo com Caio Prado Júnior (que segue neste ponto Saint-Hilaire), a criação de porcos no sul de Minas para serem exportados vivos ou em forma de toucinho se fazia em estreita ligação com a produção de milho, que constituía a ração principal desses animais. Os Martins certamente tem razão – e nunca questionei isso – quando afirmam que o comércio de milho para o Rio e São Paulo em lombo de muar era mínimo; mas a exportação indireta desse produto, em lombo de porco, era considerável.211

Dessa forma, a criação de porcos propiciava o estabelecimento de uma

agricultura “paralela” de grande importância enquanto empregadora de mão-de-obra e

como parte da economia monetizada. Tal importância não foi percebida pelos Martins

porque estes se basearam apenas nos dados sobre exportação.

No entanto, Slenes ressalta que nem terra abundante, nem ligações entre o setor

de exportação e o setor interno, nem um mercado interno vigoroso, nem o conjunto de

todas essas condições, teria sido suficiente para produzir um sistema escravista dinâmico

em Minas no período pós-auge minerador. Esses fatores só explicariam a procura de

escravos, e essa procura não teria produzido um grande influxo de africanos se não fosse

pelas características peculiares a oferta de mão-de-obra forçada no período:

(...), os brasileiros antes de 1850 enfrentaram uma situação não só de terra “livre”, mas também de escravos abundantes, cujo preço era acessível a pessoas que não tinham capital para montarem plantations. Vista neste contexto, Minas não representava uma exceção, mas a regra.212

Esta passagem do texto de Slenes contribuiu bastante para o entendimento do

padrão de estrutura de posse de escravos na capitania de Minas Gerais. A partir da

observação do autor, podemos sugerir que a escravidão era muito mais difundida

socialmente do que o comumente suposto pela historiografia. Porém, acreditamos que

210 SLENES, Robert W. Op cit. p. 53. 211 Idem. 212 Ibidem, p. 22.

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apesar da oferta da mão-de-obra forçada ser abundante na região, havia um predomínio de

plantéis de tamanho reduzido. Segundo Iraci Del Nero da Costa e Francisco Vidal Luna:

De modo geral, os resultados apresentados quanto à estrutura de posse de cativo demonstram uma sociedade na qual predominavam, incontestavelmente, os pequenos proprietários; indivíduos possuidores de escravaria de um, dois ou, no máximo cinco escravos. Raros os proprietários de grande escravaria; assim, por exemplo, dentre todos os senhores computados neste trabalho, que compreendem cerca de 3.400, apenas 26 possuíam mais de 40 cativos, acima de 60 anotariam-se 6 pessoas, e com massa superior a 100, encontramos, tão somente 1 proprietário (com 126 cativos).213

A distribuição aparentemente ampla da propriedade de cativos entre a

população torna evidente a característica da escravidão enquanto indicador de riqueza e

definidor dos limites máximos da desigualdade social entre o grupo dos livres da capitania.

Como demonstraram os autores acima citados apenas uma ínfima parcela da população

detinha um número considerável de escravos, enquanto a imensa maioria, apesar de estar

intimamente vinculada ao sistema escravista, tem sua participação individual pouco

relevante.

Esta disparidade na distribuição da mão-de-obra também pode ser observada

entre as atividades principais exercidas em cada comarca. A diversificação das práticas

produtivas característica das Minas Gerais fez com que o número médio de escravos por

plantel variasse de região para região de acordo com o peso dado a cada atividade

econômica.

213 LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Op. cit. p. 40.

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Tabela 9

Número médio e % de escravos nas roças, nas lavras e nas fazendas, por Comarca – 1766

Comarcas* Escravos na roça

Número médio

Escravos nas

lavras

Número médio

Escravos nas

fazendas

Número médio

Total de escravos

CVR 40,5% 8 59,5% 16 - - 24.583

CRM 60,8% 9 39,2% 16 - - 15.242

CRV 40,2% 6 54,4% 20 5,4% 6 20.563

CSF 76,2% 6 23,8% 14 - - 11.272

Total 50,4% 7 48,1% 17 1,5% 6 71.660 FONTE: “Resumo geral de roças, lavras, fazenda e escravos da Capitania de Minas Gerais, extraído em o ano de 1766, por Diogo Lobo da Silva, Governador e Capitão General da dita Capitania”. Apud ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos, Homens bons... Op. cit. p. 60. *CVR: Comarca de Vila Rica; CRM: Comarca do Rio das Mortes; CRV: Comarca do Rio das Velhas; CSF: Comarca do Serro Frio.

Pela tabela podemos perceber que o plantel esteve quase que eqüitativamente

distribuído entre a mineração (48,1%) e a agropecuária (52%). Todavia, fica evidente que

apesar da larga utilização de escravos pela agropecuária, foi na mineração que

encontramos os maiores plantéis. O número médio d escravos nas lavras variou entre 14 e

20, ao passo que nas roças atingia a média de 6 a 9 cativos.

A maior concentração de escravos na atividade extrativa encontra-se na

comarca de Vila Rica. Este resultado era esperado já que os maiores veios auríferos

estavam presentes nesta região. Porém, foi na comarca do Rio das Velhas que percebemos

os maiores plantéis ligados a esta atividade. Este fato pode ser explicado pela descoberta

tardia de ouro nesta região e também pelo forte movimento migratório de grupos fugidos

de Diamantina, em 1744, em razão do decreto que estabelecia o monopólio metropolitano

da extração de diamantes.214 Quanto às atividades agropastoris, destacam-se as comarcas

de Serro Frio (76,2%) e do Rio das Mortes (60,8%), ficando a segunda com os maiores

plantéis devido a uma maior tendência à mercantilização dessa produção.

214 VENÂNCIO, Renato Pinto. Paracatu: movimentos migratórios no século XVIII. DEHIS/UFOP. Relatório de Pesquisa, p. 5 Apud: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens Ricos, Homens bons... Op. cit. p. 61.

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Esta tabela não nos mostra a dimensão da estrutura de posse dos indivíduos

ligados à atividades urbanas. Porém, temos fortes razões para acreditar que o número

médio de escravos entre estes era muito menor. Segundo Francisco Vidal Luna e Iraci Del

Nero da Costa, em estudo sobre Vila Rica e São Caetano:

Os artesãos, nos dois núcleos em apreço, mantiveram média igual a 3; quanto aos comerciantes, os resultados obtidos foram inferiores a 4 para os dois núcleos. Referentemente aos eclesiásticos, as médias alcançaram 2,7 e 4,9 para São Caetano e Vila Rica respectivamente.215

Após termos feito esta análise podemos concluir que apesar de difundida, a

posse de escravos na capitania guardava algumas características próprias aos grupos e às

regiões. Não acreditamos que as disparidades parem por aí, mesmo porque por falta de

documentação e até de espaço não contemplamos amplamente a dimensão da concentração

de cativos por todo o território das Gerais. Mas para os objetivos a que nos propusemos

estas pequenas observações são de grande utilidade, pois nos ajudam a perceber o forte

apego da população da capitania em relação ao trabalho escravo.

Retomando à considerações feitas por Slenes acerca da abundância da mão-de-

obra escrava e seu preço acessível à grande parcela da população das Minas Gerais,

percebemos que há uma necessidade de se refletir um pouco mais sobre as bases do

crescimento da população cativa da capitania no período pós-auge minerador. Acreditamos

que essa oferta maciça de trabalhadores forçados não deve ser analisada apenas através da

ótica da procura ou da necessidade de obtenção dessa mão-de-obra, mas antes devemos

observar a lógica que perpassa o interior dessa intensa produção de cativos.

Até pouco tempo, os historiadores defendiam que à época do auge da faina

aurífera a população mineira dispunha de recursos suficientes para participar do comércio

africano de escravos. Neste período, os proprietários exploravam ao máximo seus cativos,

pois tinham a certeza da possibilidade de reposição caso estes adoecessem ou até mesmo

morressem. Porém, iniciada a decadência da extração mineral a capacidade de adquirir

novos escravos no exterior foi modificada. Os senhores diminuíram os níveis de

exploração eos maus tratos, com medo de não conseguirem repor sua mão-de-obra; foi

então que a composição da escravaria foi sendo gradativamente transformada, e a

participação do cativo colonial ultrapassou o elemento africano nos plantéis da capitania. 215 LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Op. cit. p. 42.

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Seguindo esta vertente historiográfica podemos supor que a base do

crescimento da população escrava e sua conseqüente difusão no período pós-auge

minerador seria resultado de um aumento no crescimento vegetativo desta população. O

trabalho de Francisco Vidal Luna e Iraci Del Nero da Costa nos mostra uma série de dados

que endossam esta argumentação. Segundo os autores, já em 1771, na freguesia de

Congonhas do Sabará, era notório a redução do percentual de africanos (69,4%). Mas a

tese se confirma realmente no ano de 1804 em que São Caetano e Vila Rica apresentavam

um percentual de escravos nascidos na colônia de 59,2% e 59,5%, respectivamente216.

Destaca destas interpretações a idéia de que nos momentos de crise do setor

exportador, a incapacidade de gerar circuitos internos de acumulação causava uma retração

na importação de mão-de-obra africana. No caso de Minas Gerais, com a decadência do

ouro, possuir um grande número de escravos tornou-se desnecessário e a capitania passou a

enviar muitos deles para outras áreas da colônia. Nesse sentido, de grande partícipe do

tráfico transatlântico de almas, a região transformou-se em exímia exportadora de cativos.

Estudos mais recentes, vinculados à idéia de que com a decadência da

exploração aurífera Minas Gerais desenvolveu uma economia agropecuária essencialmente

voltada para o abastecimento, apresentam dados sobre o crescimento da população escrava

e principalmente sobre o crescimento dessa mão-de-obra que vão totalmente de encontro

com as teorias acima analisadas. Para início de conversa, esses autores demonstram que, ao

contrário do que afirma a vertente historiográfica mais tradicional que trata a capitania

como exportadora de escravos no período da crise no setor mineratório, eram freqüentes as

constatações sobre a falta de braços e constantes referências à importação de escravos no

Rio de Janeiro.

O historiador A. J. Russell-Wood, baseando-se nos censos de 1735 e 1786 e nas

declarações de pagamento do “quinto” e do “subsídio voluntário”, além de fontes

secundárias apresenta dados esclarecedores sobre o contingente escravo da capitania

mineira.

216 Ibidem, p.50.

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Tabela 10

O contingente escravo da Capitania de Minas 1698 - 1786

1698 Não havia negros escravos em Minas Gerais

1716/17 27.909

1717/18 35.094

1718/19 34.939

1719/20 31.500

1723 53.000

1728 52.000

1735 96.541

1738 101.607

1739 96.010

1749 88.286

1786 174.135

Fonte: Apud: PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos... Op. cit. p. 63.

A partir da observação da tabela 10 podemos perceber que de 1749 a 1786 foi o

período em que o número de escravos em Minas Gerais encontrou a maior taxa de

crescimento. Nota-se que os anos anteriores referem-se ao momento de descoberta do ouro

e de auge de sua exploração, em nenhum deles o contingente cativo foi tão elevado. Porém,

uma dúvida ainda persiste: esta presença marcante de escravos no período de decadência

aurífera foi fruto de importações ou refere-se ao crescimento vegetativo da população

mancípia?

Para Douglas Cole Libby a ampliação do estoque de escravos da Capitania

estava na conjugação dessas duas séries de fatores, ou seja, importação e taxas crescentes

de reprodução natural.217 Tendemos a concordar com o autor, porém acreditamos que para

a segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do XIX, os níveis de importação

fossem bem mais consideráveis. Analisando a população escrava de Minas, em 1821,

Kenneth Maxwell encontrou dados que endossam nossa hipótese.

217 LIBBY, Douglas Cole. Historiografia e a formação social escravista mineira... Op. cit. p. 16.

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Tabela 11 Quadro da população escrava de Minas Gerais – 1821.

Mulatos Negros

Comarcas Homens Mulheres Homens Mulheres

Ouro Preto 1.672 1.532 15.291 (?)

Sabará 2.274 2.518 22.550 13.898

Rio das Mortes 4.581 3.723 53.506 23.185

Serro Frio 3.418 1.909 11.137 8.176

Paracatu 160 90 1.631 2.176

Total 12.105 9.772 104.115 55.980

Total de homens e mulheres pela

raça:

21.887 160.005

FONTE: Apud: MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: A Inconfidência Mineira. Brasil e Portugal, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 301.

Ao considerarmos o grupo dos mulatos como sendo aqueles escravos nascidos

no Brasil e o dos negros como todos aqueles que foram trazidos do continente africano,

temos a constatação da superioridade no número desses últimos em relação aos primeiros

para toda a capitania. Este fato sugere a participação maciça de Minas Gerais no comércio

transatlântico de almas. Algumas pessoas podem questionar que apenas estes dados não

comprovam que a superioridade africana entre os escravos se manteve durante todo o

período considerado. Infelizmente, não temos documentação que nos certifique deste fato,

porém acreditamos que se as taxas de africanidade entre os escravos tivessem declinado,

isto nada teria haver com o crescimento dos coloniais, mas talvez estivesse correlacionado

com os altos índices de alforria entre os indivíduos desta etnia.

Para termos uma idéia do volume de escravos importados para Minas Gerais,

analisaremos primeiramente sua relação com a Bahia. O porto de Salvador, no início do

século XVIII, foi o principal responsável pelo abastecimento de mão-de-obra para a

capitania. Segundo Alexandre Vieira Ribeiro, no mínimo cerca de 6.000 cativos deve ter

entrado nas Gerais entre 1739 e 1759, sendo a Bahia responsável por aproximadamente

35% (c. de 2.100) do total desse volume.218 O autor ressalta que o padrão de compra e

218 RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador, c.1680 – c.1830. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005. p. 105

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venda de escravos para a região era majoritariamente de africanos novos. Em suas

palavras:

De um total de 10.081 escravos enviados para as Gerais, os novos representavam 9.702, cerca de 96%. Isso reforça a idéia de que a sociedade colonial privilegiava a inserção do cativo boçal por uma questão política. Não sendo interessante para o sistema escravista a circulação do crioulo.219

A partir da segunda metade do século XVIII houve uma considerável redução

no número de escravos importados para Minas Gerais via Salvador. Entre 1760 e 1770,

cerca de 60% dos escravos saídos da Bahia iam para Minas, o que dava uma média anual

de 916. Segundo Alexandre Vieira Ribeiro, se levarmos em conta que todo escravo que

saiu de Salvador para a capitania mineira tenha alcançado a região vivo, teremos uma

queda de mais de 50% dos escravos importados para as Gerais, vindos da Bahia. Porém,

mesmo com essa queda, Minas Gerais continuou sendo o destino que concentrava as

maiores remessas de escravos da cidade de Salvador. Além do mais, o desempenho da

economia mineira fez com que ela permanecesse como um dos grandes pólos de demanda

por africanos.220

Esse declínio no comércio de escravos com a Bahia pode ser explicado pela

crescente participação do Rio de Janeiro como fornecedor de mão-de-obra para as Minas

durante o século XVIII. Mesmo não estando dentro do período que analisamos vale a pena

recorrermos as considerações feitas por João Fragoso para que possamos entender a

importância do porto carioca no comércio de cativos com a capitania mineira. Utilizando

de dados obtidos nos “registros de saída de tropeiros” existentes no Arquivo Nacional do

Rio de Janeiro, o autor afirma que, entre 1825 e 1830, dos 63.586 escravos para os quais

tinha informações, 30.737 foram absorvidos por Minas Gerais, perfazendo 48,3% do total

de africanos aportados naquele porto. Para se ter uma idéia do significado desses números,

Fragoso apresentou dados referentes ao Vale do Paraíba e Norte Fluminense, duas regiões

agroexportadoras, que juntas adquiriram apenas 38,4% desses cativos. Esses dados

“insinuam que os camponeses/senhores de cativos da agropecuária de abastecimento de

Minas absorviam mais escravos que o próprio escravismo colonial”.221

219 Ibidem, p. 110. 220 Ibidem, pp. 105-106. 221 FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura... Op. cit. p. 177-178.

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Depois desta breve análise, podemos perceber que a capitania de Minas Gerais

esteve por grande parte do período escravista brasileiro intimamente vinculada ao

comércio transatlântico de almas. Desta forma acreditamos que a oferta de homens deveria

atender não a uma demanda episódica, mas a uma procura que se prolongou e aumentou no

tempo, por isso essa oferta tinha que ser elástica e barata.222

É dentro deste contexto que pretendemos analisar a posse de cativos pelas

africanas forras. Sugerimos que com todas estas características algumas dessas mulheres

tiveram a oportunidade de participar do comércio transatlântico de cativos e de se tornar

senhoras de um plantel razoável e que a maior ou menor possibilidade de se inserir neste

comércio foi responsável pelo maior ou menor grau de ascensão social entre elas.

Estrutura e posse de escravos

Um dos elementos de maior importância para a definição da estrutura sócio-

econômica de Minas Gerais no século XVIII e início do XIX, certamente era a posse de

escravos. Isto porque, dentre outras coisas, na colônia como em todas as sociedades de

Antigo Regime cultivava-se uma ética do não-trabalho. Nesse sentido, o acesso a escravos

que pudessem pelo menos em tese afastar o trabalho conferia status a uma pessoa e

difundia o apreço pela honra. Porém, a posse de escravos estava sobretudo, ligada ao poder

econômico.

Como vimos no capítulo II, a sociedade mineira setecentista, em termos gerais,

tendia a uma reprodução das hierarquias sociais. Com base nos recursos econômicos,

alguns grupos conseguiam formar grandes plantéis escravistas. Ao mesmo tempo, esta

posse estendida de homens engrandecia ainda mais seu status perante a sociedade,

afirmando sua posição no topo da pirâmide social. Isto fica visível quando analisamos os

inventários post-mortem das mulheres africanas forras.

O bem de maior valor pecuniário no patrimônio das libertas era, sem dúvidas,

os escravos. Tal comportamento, apesar de parecer contraditório, era comum a toda

população de cor alforriada que conseguia reunir algum pecúlio. Francisco Vidal Luna e

Iraci Del Nero da Costa verificaram que em Minas Gerais, no século XVIII, era

significativa a participação dos forros como proprietários de escravos. Os autores

222 ______; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como projeto... Op. cit. p. 127.

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relacionavam esse fato à organização da atividade extrativa, que em fases de maior

produtividade ampliava as oportunidades de alforria e mobilidade social para os cativos.223

Os dados apresentados por Luna e Costa são muito sugestivos: em Serro Frio,

no ano de 1738, de 1.744 proprietários de escravos, 387 (ou 22,2%) eram forros. Em 1771,

em Congonhas do Sabará, dos 231 proprietários 51 (ou 21,7%) eram ex-escravos.224 No

entanto, o que deixou os autores intrigados foi o fato de que entre estes libertos eram as

mulheres que constituíam a maior parte do grupo dos proprietários. Em Serro Frio, dos 387

proprietários forros, 244 eram mulheres, ou seja 63%; em Congonhas do Sabará, 27 (53%)

dos 51 proprietários eram do sexo feminino.

A esta predominância de mulheres no grupo dos forros proprietários de

escravos, os autores atribuíram à facilidade que estas possuíam de manter relações sexuais

com seus senhores ou com outros homens livres. Estas relações teriam propiciado às

africanas uma vivência menos penosa no período do cativeiro e condições básicas para a

vida após a manumissão.

Acreditamos que o intercurso sexual pode ter feito parte das estratégias de

mobilidade social desenvolvidas pelas libertas, porém não foi um fator determinante. Por

mais que o uso da sexualidade parecesse vantajoso para as mulheres conseguirem se

libertar, a exclusiva utilização dessa estratégia resultaria na formação de uma massa

populacional economicamente marginalizada, a falta de um ofício e de condições básicas

para exerce-lo as arrastaria para as fileiras da desclassificação social.

Podemos perceber pelos capítulos anteriores que a história destas mulheres não

foi bem esta. Constatamos que as libertas africanas se orgulhavam de terem conseguido,

através do próprio trabalho, arrecadar algum pecúlio para pagar suas alforrias e ainda

adquirirem condições para sobreviverem após o rompimento com os laços da escravidão.

Parece-nos que o envolvimento no comércio de gêneros alimentícios foi o responsável por

esta captação de recursos. Neste sentido, o trabalho contribuiu muito para que estas libertas

conseguissem alcançar uma certa mobilidade social. Porém, este vínculo com o mundo do

trabalho não se estenderia por um período largo. Como o objetivo destas mulheres era

inserir-se na sociedade, tão logo elas adquiriam um escravo, pois procuravam manter-se

afastadas do defeito mecânico causado pelo labor diário, passando para o cativo a

responsabilidade de suprí-las e de aumentar sua renda.

223 LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Op. cit. p. 47. 224 Ibidem, p.43.

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Um grande número de mulheres libertas contavam com seus escravos para

obterem algum lucro que garantisse a elas melhores condições de vida. Segundo Cláudia

Mol, dos 74 testamentos e inventários post-mortem analisados para a segunda metade do

século XVIII, em Vila Rica, apenas 11 (15,7%) não arrolaram escravos.225 Sheila de Castro

Faria encontrou para o Rio de Janeiro, no período de 1707 a 1812, entre os homens forros

que fizeram testamentos, que 79% tinham escravos. Entre as mulheres, 81% eram senhoras

de homens. Para São João Del Rei, no mesmo período a autora encontrou entre as 31

mulheres forras que deixaram testamentos, que 65% destas declararam a propriedade de

escravos.226 Em estudo sobre os libertos da Comarca do Rio das Velhas, no período de

1720 a 1784, Eduardo França Paiva analisou cerca de 65 testamentos de mulheres forras,

nos quais o autor notou a presença de 350 escravos, uma média de 5,5 escravos por

testadora.227

Em nosso estudo, também observamos a presença de escravos nos inventários e

testamentos das libertas africanas por nós analisadas. Dos 46 processos para o período de

1750 a 1810, apenas 10 (ou 21,7%) não arrolaram escravos. A posse pelo grupo das

africanas forras da Comarca do Rio das Mortes assim se verificou:

Tabela 12

Estrutura e posse de escravos entre as mulheres africanas forras da Comarca do Rio das Mortes (1750-1810)

Faixa de tamanho de

plantel

Número de proprietárias

% Número de escravos

%

1 a 4 25 69,5 48 28,7 5 a 9 6 16,6 34 20,3

10 a 19 3 8,1 37 22,3 Mais de 20 2 5,5 48 28,7

Total 36 100 167 100 FONTE: Inventários post-mortem do AMRSJDR.

Pela tabela 12, podemos observar que havia uma forte desigualdade no que

tange a posse de escravos entre as libertas. Sugerimos que com base nas possibilidades de 225 MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras... Op. cit. p.26. 226 FARIA, Sheila de Castro. Sinhás pretas. Op. cit. p. 310. 227 PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos... Op. cit. p. 187.

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obtenção de recursos geradores de riqueza, algumas mulheres africanas forras conseguiam

reunir um considerável número de escravos para si e suas unidades produtivas. Fica

evidente que a posse de cativos estava concentrada nas mãos daquelas mais abastadas do

grupo.

Este fato pode ser visto como uma reprodução da lógica escravista mineira.

Carla Almeida mostrou em seu trabalho sobre os homens das comarcas de Vila Rica e Rio

das Mortes que entre aqueles que possuíam uma fortuna entre 1 – 200 libras, ou seja, os

mais pobres, uma parcela considerável não possuía escravos, 52 (22,6). Segundo a autora,

estes indivíduos vendiam sua força de trabalho para outros ou desenvolviam algum tipo de

atividade produtiva com base na mão-de-obra familiar. Quase metade dos proprietários

desta faixa de fortuna, 88 (49,4%), possuíam de 1 a 2 escravos, 65 (36,5%) tinham plantéis

de 3 a 5 escravos e somente uma pequena parcela destes homens, 25 (14,1%) eram

possuidores de 6 a 9 cativos.228

Segundo Carla Almeida, entre as maiores fortunas (> 200 libras)

predominavam os grandes plantéis: 20 (ou 48,8%) dos proprietários possuíam mais de 30

escravos e 9 (ou 22%) tinham entre 21 e 30 escravos; nove (ou 22%) dos homens mais

abastados eram detentores de plantéis de 10 a 20 escravos. Somente 3 (ou 7,2%) destes

inventariados possuíam pequenos planteis, todos comerciantes.229

Acreditamos que a posse de escravos contribuiu significativamente para a

definição da riqueza entre as africanas forras e na mesma medida foi responsável pelo

status adquirido por algumas perante a sociedade, já que por muitas vezes o fato de ser

senhora de homens garantia a afirmação de sua condição e demarcava uma posição na

hierarquia social.

Porém, a tabela 12 nos permite perceber que, no geral, o acúmulo de escravos

entre as mulheres forras seguiu o padrão de pequenos plantéis. Entre as 46 libertas por nós

analisadas, apenas 10 (ou 21,7%) não possuíam escravos, enquanto 36 (ou 78,3%) os

possuía. Entre estas últimas, a imensa maioria, 25 (ou 69,5%) possuía de 1 a 4 escravos, 6

(ou 16,6%) tinham plantéis de 5 a 9 escravos, 3 (ou 8,1%) possuíam de 10 a 19 cativos e

apenas 2 (ou 5,5%) destas mulheres eram senhoras de 20 ou mais escravos.

Olhando para este quadro poderíamos pensar que esta diferença na posse de

cativos indicaria um maior grau de pobreza entre as negras libertas. Porém, quando

228 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens Ricos, Homens Bons... Op. cit. p. 221. 229 Ibidem, p. 222.

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comparamos o nosso quadro com os dados informados por Carla Almeida percebemos que

estas mulheres estavam inseridas em uma lógica social escravista típica da região estudada,

reiterando, em certa medida, seu padrão. Ao mesmo tempo, percebemos também que as

dificuldades de acumulação de riqueza, assim como as de tornar senhor de homens

estavam presentes tanto no grupo das alforriadas como no dos brancos livres.

É preciso ressaltar que a inserção das libertas no que convencionados chamar de

lógica social escravista não ficou apenas na estrutura de posse, mas também pode ser

verificada a partir da análise da composição da escravaria. Segundo Francisco Vidal Luna

e Iraci Del Nero da Costa, no período ascensional da atividade mineira verificava-se a

marcante predominância do elemento africano entre os escravos. Para os anos de 1718,

1723 e 1738, a parcela de africanos na massa escrava colocava-se entre 82,2% e 84,8%, na

Vila de Pitangui, e 94,9% no Serro Frio.230 Para os autores, o maior peso de africanos

entre os escravos neste período devia-se aos altos índices de lucratividade gerados pela lide

mineratória.

Seguindo esta teoria, Luna e Costa, demonstraram que iniciada a decadência

mineira, provavelmente, reduziu-se a capacidade de adquirir novos escravos do exterior;

esse fato, segundo os autores, aliado ao próprio crescimento da massa de coloniais,

modificou gradativamente a composição da escravaria, com aumento proporcional de

cativos nascidos na colônia. Desse modo, já em 1771 o percentual de africanos na

freguesia de Congonhas do Sabará era de 69,4% e, em 1804 no distrito de São Caetano e

em Vila Rica a participação foi de respectivamente, 40,8% e 40,5%.

No entanto, esta teoria nos parece um pouco contraditória com relação a tudo

que apresentamos até aqui, pois os autores utilizam-se da visão tradicional da economia

mineira para analisar a composição da escravaria daquela região. Dentro desta perspectiva,

com a decadência do ouro a capitania estaria desprovida de recursos para participar do

comércio internacional de escravos, passando a incentivar a reprodução natural para suprir

suas necessidades de mão-de-obra.

Em certa medida, temos que concordar que durante a segunda metade do século

XVIII, houve um aumento no número de escravos nascidos na colônia. Porém, acreditamos

que este não foi um processo rápido como muitos a querem. Se nos atentarmos para a

230 LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Op. cit. p. 50.

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tabela 13, retirada do estudo de Rafael Freitas Santos231 sobre a comarca do Rio das

Velhas, perceberemos que a razão de sexo, ainda estava longe de ser equilibrada na década

de 1770, o que impossibilitava altas taxas de reprodução interna naquele momento.

Tabela 13

Origem dos escravos, por sexo, registrados em inventários post-mortem, por períodos, na Comarca do Rio das Velhas (1713 – 1773)

Coloniais Africanos

Masculinos Femininos Masculinos Femininos

Períodos Nº % Nº % Nº % Nº % 1713-1733 47 10,9 55 12,7 263 60,7 68 15,7 1734-1753 276 14,4 218 11,4 1.213 63,2 209 11,0 1754-1773 451 16,0 325 11,6 1.815 64,6 219 7,8

FONTE: Apud: SANTOS, Rafael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias na Comarca do Rio das Velhas – 1713 – 1773. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2005. p. 22

Ainda com relação à tabela 13, podemos observar que o número de escravos

africanos permaneceu alto até, pelo menos, à década de 1780, momento em que a atividade

extrativa já havia declinado. Isso significa que as atividades voltadas para o mercado

interno absorvia grande parte da mão-de-obra escrava presente nas Gerais e ainda era

capaz de gerar lucro suficiente para manter a capitania diretamente ligada ao tráfico

atlântico de escravos. Nesse sentido, podemos dizer que houve um padrão na composição

da escravaria em Minas Gerais este contava com uma significativa superioridade no

número de africanos com relação aos coloniais.

A partir dos dados por nós coletados em relação a composição da escravaria das

mulheres africanas forras da comarca do Rio das Mortes observamos que estas novamente

encontravam-se inseridas neste padrão. Em um total de 163 escravos arrolados em seus

inventários post-mortem 101 (ou 62%) eram africanos, 53 (ou 32,5%) eram coloniais e 9

(ou 5,5%) não possuíam a procedência discriminada. Estes dados demonstram que estas

231 SANTOS, Rafael Freitas. “Devo que pagarei”: sociedade, mercado e práticas creditícias na Comarca do Rio das Velhas – 1713 – 1773. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2005. p. 22

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libertas possuíam um poder econômico suficiente para torná-las partícipes do comércio

internacional de almas.

Outro dados que nos ajuda a perceber este fato é o índice de masculinidade

entre os escravos destas mulheres. Pela tabela 13 percebemos que entre os cativos

importados o número de homens é bem superior ao de mulheres, principalmente, no

período de 1754 a 1773, em que observamos a presença de 1.815 (ou 64,6%) de africanos

do sexo masculino e 219 (ou 7,8%) do sexo feminino. Entre os 163 cativos pertencentes as

mulheres forras de nosso estudo, encontramos 98 (ou 60,0%) de homens, e 64 (ou 39,2%)

de mulheres e 1 (ou 0,8%) com o nome ilegível.

Estes dados se confirmam em outros estudos sobre mulheres forras. Segundo

Cláudia Mol dos 204 escravos arrolados nos testamentos e inventários de libertas de Vila

Rica, 117, ou seja, 57% eram africanos e 79, ou 30% eram coloniais, 8 (ou 4%) estavam

sem procedência definida. Quanto ao sexo da escravaria, a autora encontrou um certo

equilíbrio sendo 103 escravos e 101 escravas.232 Em seu estudo sobre a comarca do Rio das

Velhas, Eduardo França Paiva analisou 65 testamentos de mulheres forras, nos quais o

autor observou a presença de 350 escravos. Desse total 168 eram homens, 179 eram

mulheres e apenas 3 não foi identificado adequadamente. Quanto a origem da escravaria

pertencente às libertas, 23,14% eram africanos, outro tanto idêntico era constituído por

brasileiras, 22,85% eram africanas e 21,42% eram brasileiros; os restantes 9,45% não

tiveram sua origem e/ou sexo registrados.233

Quanto à origem étnica dos escravos arrolados entre os bens das africanas

libertas de nosso estudo observamos assim sua disposição: grupos dos sudaneses (47,5%)

e dos bantos (42,5%). Ironicamente mais uma vez encontramos estas negras alforriadas

reiterando um padrão social de composição da escravaria. Isto porque segundo Iraci Del

Nero da Costa em Minas Gerais no período de 1719 a 1818 há uma predominância do

elemento sudanês (55,31%) sobre o banto (44,69%). 234 O autor explica que a procura

pelos escravos sudaneses era devido a crença de que eles tinham poderes quase

sobrenaturais para descobrir ouro. Quanto as “nações” de origem, Costa afirma que

predominavam na capitania, entre os sudaneses, os “Mina”, “Nagô”, “Cobu” e “Cabo

232 MÓL, Cláudia Cristina. Mulheres forras... Op. cit. p. 27. 233 PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos... Op. cit. p. 120. 234 COSTA, Iraci Del Nero. Vila Rica: População (1719-1826). São Paulo: IPE/USP, 1979. p. 104.

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Verde”; com respeito aos Bantos coube a preeminência aos “Angola”, “Benguela” e

“Congo”.235

Entre os escravos das africanas libertas da comarca do Rio das Mortes

observamos que quanto as “nações” de origem, no grupo dos Sudaneses predominavam os

Minas (75%), seguidos do Cobu (10,5%), dos Nagô (8,5%), dos Cabo Verde (4%) e dos

Courana (2%); no grupo dos Banto a maioria era Angola (51%), depois os Benguela

(18,8%), os Congo (14%), os Monjolo (7%), os Cabinda (4,6%) e os Cassange (4,6%).

Alguns cativos (10) vieram identificados apenas como africanos, eles perfazem 10% do

total de escravos com esta origem.

No estudo de Cláudia Mol, dos 117 escravos africanos arrolados em testamento

e inventários de alforriadas de Vila Rica, 57 (ou 49%) eram provenientes da Costa da

Mina. Os Angolas eram ao todo 30 (ou 15%) do total da escravaria e os Benguelas eram 9

(ou 4%), enquanto as outras etnias perfaziam, juntas, 10% do total da escravaria e eram

assim distribuídos: 01 Cabo Verde, 02 Nagô, 01 Guedá, 01 Congo, 01 Guiné, 01 Rebolo,

02 Cravaris, 01 Courana e 01 Sabarú.

Com base nestes índices poderíamos concluir que as negras libertas possuíam

condições que lhes possibilitaram reproduzir um padrão social de posse de escravos e que

muitas delas através desta posse tiveram a oportunidade de afastar-se do mundo do

trabalho e com isso galgar alguns degraus da escala social. Estas afirmações por si só

poderiam ser suficientes para nossa pesquisa já que comprovam que a mobilidade social

para este grupo era possível. Porém, percebemos que entre os cativos das mulheres

alforriadas tanto da comarca do Rio das Mortes como de Vila Rica havia uma marcante

presença daqueles de nação Mina. A análise deste fato é de extrema importância para o

nosso estudo, pois como vimos a maior parte das africanas aqui estudadas possuem esta

mesma origem.

Acreditamos que havia alguma razão especial que justificasse esta relação e,

por isso optamos fazer de nossa conclusão um ponto de partida para tentar compreender se

o que chamamos de um padrão social de posse não estaria muito mais ligado a um padrão

cultural, e se o fato de ascender socialmente a partir deste padrão fazia parte de uma

estratégia por elas conhecida.

Apesar da marcante presença de escravos de nação Mina em lugares

importantes da colônia, como Minas Gerais e Bahia, alguns poucos historiadores se 235 Idem.

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dedicaram ao seu estudo, salvo o que se refere a participação destes no levante dos Malês.

De acordo com Mary Karasch, alguns viajantes afirmavam que os minas eram

muçulmanos capazes de ler e escrever árabe, da alta Guiné, onde se localizam Bornou

(Bornu) e Timbuctoo (Timbuktu). Sugeriam também, que no rio de Janeiro formavam uma

nação separada devido a sua incapacidade de se unir aos outros escravos, bem como a sua

hostilidade mortal em relação às outras raças. Entre si, os minas tinham um sentimento de

uma única família, falavam sua língua e amavam as mulheres de seu próprio país.236

Visto isso, parece-nos difícil pensar os motivos que levariam uma mulher mina

escravizar uma pessoa do mesmo grupo étnico que o seu. Para entendermos um pouco este

fato, torna-se necessário nos remetermos ao estudo do significado de escravidão para este

povo.

Na África Atlântica, a instituição da escravidão era muito difundida, isto ocorria

porque os escravos eram a única forma de propriedade privada que produzia rendimentos

reconhecida pelas leis africanas.237 Essa ausência de qualquer tipo de propriedade privada

levou a escravidão a exercer um papel extremamente significativo no continente. Se por

um lado os africanos não eram possuidores dos fatores de produção (como a terra, por

exemplo) por outro, poderiam possuir o trabalho. Nesse sentido, a propriedade privada do

trabalho facultou ao empreendedor africano uma geração de riqueza estável. Segundo John

Thornton, os escravos como geradores de riqueza destacaram-se principalmente entre os

julas e outros grupos comerciais islâmicos do oeste do Sudão e Senegâmbia.238

A utilização do escravo como exímios produtores de riqueza talvez tenha sido a

forma mais recorrente de empregar essa mão-de-obra na África. Este fato ocorria de tal

maneira que o desenvolvimento do comércio e a mobilidade social recorrente desta

atividade estavam intimamente relacionados à expansão da escravidão, “pois os escravos

que trabalhavam na agricultura, nas cidades, os que carregavam mercadorias nas caravanas

ou aqueles que trabalhavam nas minas sob supervisão privada eram essencialmente para o

desenvolvimento do comércio privado”.239

A importância da escravidão na África pode ser observada com clareza quando

fazemos um paralelo com as estratégias de nobilitação dos cidadãos comuns do Brasil

colônia. Aqui, esses homens investiam primeiro em terras e depois em títulos de nobreza,

236 KARASCH, Mary. Op. cit. p. 64. 237 THORNTON, John. Op. cit. p. 125. 238 Ibidem, p. 143. 239 Ibidem, p. 144.

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não obstante na África o investimento primordial era em escravos e depois em títulos.

Dessa forma, os escravos eram usados como propriedade geradora de riqueza, mas acima

de tudo era empregado como mecanismo de ampliação de poder.

Nas regiões islâmicas da África, ao mesmo tempo que os escravos

desempenhavam muitas funções econômicas, sua presença estava relacionada com o

desejo das pessoas, fosse individualmente ou de pequenos grupos de parentes, de aumentar

o seu poder. Apesar das variações, segundo Lovejoy, a concepção da escravidão na África

se ajustava mais ou menos à norma islâmica, mesmo nos estados cristãos, cuja maioria dos

mercados e cuja maioria dos comerciantes era, de qualquer forma muçulmana.240

As atitudes muçulmanas em relação à escravidão eram internalizadas no

contexto africano, conseqüentemente a instituição se justificava a partir de uma perspectiva

islâmica: os prisioneiros de guerra podiam ser vendidos, e, como as pessoas capturadas

eram consideradas bens móveis, elas podiam ser utilizadas nas mesmas funções em que

eram empregadas no mundo muçulmano. Podiam ser soldados, administradores,

concubinas, empregados domésticos e trabalhadores agrícolas.241

É incorreto pensar que os africanos escravizassem seus irmãos, na verdade, eles

escravizam seus inimigos. Na tradição islâmica a escravidão é vista como um meio de

converter os não-muçulmanos. Dessa forma podemos dizer que ela é justificada a partir de

uma perspectiva religiosa, tendo o senhor a função de ensinar o islamismo aos pagãos.

Dentro deste contexto podemos afirmar que a emancipação, como um ato de

libertação dos escravos, e de mudança da sua condição, estava claramente definida em

sociedades islâmicas. Na medida em que a religião fosse sendo absorvida pelo cativo, lhe

era garantido melhores tratamentos e um certo grau de assimilação à sociedade do senhor.

Apesar da presença de estados cristãos no continente africano, havia uma

tendência à consolidação do comércio e da sociedade islâmica, e conseqüentemente dos

padrões islâmicos de utilização dos escravos.242 Estes podiam ser utilizados no serviço

militar e no governo, como concubinas; eram empregados na produção e comercialização

de produtos da terra, participavam ativamente da extração aurífera no Sudão, na Etiópia e

no Vale do Zambeze. Também estiveram presentes nas minas de sal de Tagaza e nas minas

de cobre de Teguida.

240 LOVEJOY, Paul E. Op. cit. p. 122. 241 Ibidem, p. 66. 242 Ibidem, p. 71.

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Através destas poucas informações poderemos buscar algumas soluções para os

nossos questionamentos. Como vimos, as negras libertas, em sua maioria estavam ligadas à

produção e comercialização de gêneros alimentícios. Algumas conseguiam conjugar estas

atividades com pequenos investimentos em lavras minerais, imóveis e atividades rentistas.

Este fato nos leva a supor que o investimento em ativos da região da Costa da Mina fazia

parte de uma estratégia elaborada por estas mulheres para obter um sucesso econômico

maior. Reconhecendo as habilidades desses cativos, elas poderiam considerar fato

consumado sua ascensão na sociedade da comarca do Rio das Mortes.

No entanto, ainda continua difícil imaginar o que levaria uma mulher a

escravizar uma pessoa que tem a mesma origem étnica dela. E a situação fica pior quando

pensamos no que legitimaria esta relação. Neste ponto, saber apenas que a escravidão era

uma instituição legal e difundida na África não nos basta porque aqui estamos diante de

um acontecimento que a primeira vista não era comum naquele continente: a escravização

de iguais. Vimos que para os africanos a escravidão era fundamentalmente um meio de

negar aos estrangeiros os direitos e privilégios para que dessa forma pudessem ser

fortemente explorados seja com objetivos econômicos, seja políticos e/ou até sociais.

Exemplo disto são os muçulmanos que escravizavam apenas aqueles que eram contrários

às doutrinas do Islã.

Ao refletir sobre este assunto não conseguimos respostas definitivas,

acreditamos que seriam necessários estudos mais elaborados com a utilização de um

acervo documental mais variado. Porém, pensamos em duas situações que talvez se

aproximem da realidade dos fatos ou pelo menos nos apontem algum caminho. Estas

possíveis respostas estão intimamente relacionadas com o conceito de escravidão citado

acima, em que o sujeito escravizado não é reconhecido como integrante do mesmo grupo

de seu senhor.

Primeiramente, consideramos que o grupo dos mina, por estar localizado em

uma vasta região, não poderia ser um todo coeso e homogêneo, havendo diferenças sociais

e culturais que legitimariam a existência de relações de exploração entre eles. Segundo

Debret, havia claramente muçulmanos e não-muçulmanos entre os mina. Pesquisando as

características deste grupo étnico, o viajante destacou a existência de quatro tipos de minas

no Rio de Janeiro: os minas, os minas néjo, os minas mahij e os minas callava. Para Mary

Karasch, o que estes quatro grupos podem representar é uma divisão da costa em Costa do

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Ouro (minas), Costa do Daomé (mahij = mahi), Oeste da Nigéria (néjo = nagô) e Leste da

Nigéria (callava = Calabar).243

Como a documentação por nós analisada não trouxe discriminada a região exata

de origem das 40 negras forras que se identificaram como Minas, não podemos confiar

totalmente nesta explicação. Da mesma forma, como não encontramos nenhuma referência

que pudesse ligar algumas dessas mulheres ao Islã, não podemos afirmar com certeza que a

relação de exploração entre estas e seus cativos fosse legitimada pela religião.

Em contrapartida a segunda explicação nos parece mais segura, pois de certa

forma encontra-se explícita nos relatos testamentais. A partir de uma leitura atenta dessa

documentação percebemos que estas libertas africanas em muitos aspectos se

identificavam com a sociedade em que estavam inseridas, seja na religião, nos

investimentos econômicos e até na forma de se relacionar com o outro. Na colônia,

observamos que quanto mais essas mulheres dispusessem de si mesmas, de suas culturas

de origem, mais elas eram reconhecidas como partícipes desta sociedade. E, como vimos,

esta noção de pertença era fundamental na vida dessas negras já que estava intrinsecamente

vinculada à noção de liberdade.

Nesse sentido, podemos dizer que essas mulheres eram africanas com fortes

traços culturais brasileiros. Pensando dessa forma estamos irremediavelmente assumindo

que identidade étnica é construída de forma situacional e contrastiva, ou seja, é no

confronto com o outro que cada qual vê julgada sua pertinência à comunidade étnica. Isto

não significa que essas libertas deixaram de ser africanas, mas que sua cultura, sua

identidade passaram a ser manifestadas sob um véu de brasilidade.

Dessa forma, assim como Manuela Carneiro da Cunha identificou que quando

um negro libertado no Brasil retornava a África não era reconhecido como um irmão e sim

como um estrangeiro, consideramos que ao escravizar um africano, até mesmo aqueles da

mesma nação de origem, as mulheres forras não os via como iguais e nem eles assim as

reconhecia. Portanto, através da relação de estrangeiridade a escravidão entre eles poderia

se legitimar.

243 KARASCH, Mary. Op. Cit. p. 65.

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No decorrer do capítulo tivemos a oportunidade de perceber que tanto a

estrutura quanto a composição da escravaria das mulheres africanas forras faziam parte de

suas estratégias de mobilidade social. A concentração da posse nas mãos de poucas denota

a reprodução da lógica escravista mineira, em que a posse de grande quantidade de cativos

propicia a participação em atividades geradoras de maiores lucros. Porém, a expropriação

do sobretrabalho do escravo não era suficiente para proporcionar uma ascensão social

muito significativa. Neste grupo, a posse de escravos funcionava mais como um

mecanismo de diferenciação social.

A legitimidade da relação entre as libertas e seus cativos também foi uma

preocupação do capítulo. Vimos que neste caso, a força da tradição falou mais alto do que

a solidariedade entre companheiros de travessia. O fato de a instituição já existir no

continente africano funcionou como um aspecto importante na definição do tipo de

tratameto que seria dispensado entre senhoras e cativos.

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Considerações finais

Para concluir este trabalho retomaremos as principais considerações que foram

trazidas à tona até este momento. Desde os primórdios da ocupação das Minas Gerais,

houve quem preferisse investir em atividades agropecuárias e mercantis, pois, para

algumas pessoas, estes eram os meios mais seguros de se obter ouro. Esse envolvimento

em atividades econômicas múltiplas foi capaz de absorver os choques das transformações

ocorridas a partir da segunda metade do século XVIII.

O desenvolvimento desses setores representou uma possibilidade de ascensão

para vários segmentos da sociedade. Nas vilas, a expressiva urbanização abria espaço para

o investimento em atividades comerciais de todo tipo, assim como produzia uma imensa

camada que circulava com o objetivo de vender sua força de trabalho; no meio rural, a

constante incorporação de terras e mão-de-obra tornava o acesso a este tipo de atividade

disponível para um grande número de pessoas.

O aumento crescente das populações concentradas nos centros urbanos e o

desenvolvimento de atividades como o comércio e a prestação de serviços geraram, nas

Minas Setecentistas, uma maior liberdade de ação que se refletiu no cerne da pirâmide

social escravista. Se por um lado essas pessoas não faziam parte da elite econômica, por

outro lado não devemos considerá-las à margem da sociedade, numa situação de anomia e

desclassificação.

Grande parte desse aumento demográfico deve-se a contínua produção de novos

livres, em conseqüência dos processos de empobrecimento e das alforrias. Dentro dessa

crescente população livre de cor destaca-se o grande número de mulheres. Essas libertas

souberam aproveitar os recursos que uma economia diversificada poderia proporcionar, e

alcançaram um grau significativo de mobilidade econômica, o que favoreceu a inserção

destas na sociedade escravista estamental da comarca do Rio das Mortes.

No entanto, observamos que este processo de inserção não se deu de maneira

homogênea. Seu alcance variou conforme a fortuna, a participação em redes de

sociabilidade e a posse de escravos. No que diz respeito a fatores econômicos, apenas uma

pequena parcela das libertas conseguiu se mover pela escala social, o que já era esperado,

pois na sociedade colonial a renda era concentrada e desigual. A grande maioria, apesar de

ter um lugar social definido, estava entre a parcela da população mais pobre.

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Quanto aos aspectos extra-econômicos, podemos perceber que apesar da grande

maioria não constituir uma família no modo convencional, com a presença de marido e

filhos, formavam uma família possível com seus afilhados, vizinhos e irmãos das diversas

confrarias mineiras. A participação nestas redes de sociabilidade esteve presente nos

relatos de todas as mulheres forras que deixaram testamentos. A diferença está no prestígio

da pessoa com quem se relacionavam, é claro que as mais abastadas conseguiam se unir às

pessoas mais reputadas.

Os aspectos aqui enfocados nos ajudaram a compreender os meandros da

composição da sociedade mineira. A possibilidade de ascensão social aberta à população

de cor, especialmente as mulheres forras, nos permite dizer que esta era uma sociedade em

constante movimento.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

I- FONTES MANUSCRITAS 1. 1 - Arquivo do Museu Regional de São João del-Rei

- 46 Inventários post-mortem e 24 testamentos de mulheres africanas forras.

1. 2 - Arquivo da Matriz de Nossa Senhora do Pilar da cidade de São João del-Rei

- Banco de dados de registro de casamentos.

- Livros de Óbito. Tomo de I a IV e 6º Livro de Óbitos de Prados.

1. 3 - Arquivo Públio Mineiro

- Mapas de População dos Termos de São João del-Rei e de São José del-Rei do ano de

1808. SG, Cx. 77, Documento 69 e 63.

1. 4 - Arquivo Histórico Ultramarino

- Mapa geral de fogos, filhos, filhas, escravos e escravas, pardos forros e pretos forros,

agregados, clérigos, almas, freguesias, vigários; com declaração do que pertence a cada um

termo e total, e geral de toda a Capitania de Mians Gerais, tirado no ano de 1767. CD-Rom

nº 27. Cx. 93, doc. 58, rolo 84.

II- FONTES IMPRESSAS

2.1 Legislação

- Pragmática contra o luxo de d. João V (24-05-1749). Arquivo do Museu Imperial de

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poder vestir: O tecido social e a trama cultural nas imagens do traje negro (Rio de Janeiro

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– século XVIII). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade

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2. 2 Viajantes, cronistas e publicistas

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