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O SEGREDO DE JUSTIÇA VALENTIM MATIAS RODRIGUES Dissertação submetida para obtenção do grau de MESTRE EM DIREITO ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL Orientador: Mestre Nuno Brandão MARÇO DE 2009

Orientador: Mestre Nuno Brandão M - verbojuridico.net · 8 Publicidade e segredo de justiça na revisão de 1998 sofreram alterações profundas, onde foram conciliados os interesses

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O SEGREDO DE JUSTIÇA

VALENTIM MATIAS RODRIGUES

Dissertação submetida para obtenção do grau de

MESTRE EM DIREITO — ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL

Orientador: Mestre Nuno Brandão

MARÇO DE 2009

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AGRADECIMENTOS

Foram determinantes os ensinamentos dos professores de Direito e Processo Penal,

transmitidos pelos Professores Doutores, Maria João Antunes e Pedro Caeiro, Mestres Sónia

Fidalgo, Cláudia Santos e Nuno Brandão, este na qualidade de meu orientador.

Não posso deixar de esquecer e agradecer a todos os meus colegas de faculdade que me

apoiaram e forneceram os apontamentos das aulas a que não pude assistir; aos colegas de trabalho

que sempre comigo colaboraram, bem como aos Senhores Magistrados com quem tenho tido o

prazer de trabalhar, sempre me encorajaram e incentivaram, a quem muito devo este passo; a todos

os meus familiares mais próximos, porque isto de trabalhar, estudar e fazer a licenciatura na FDUC

em tempo útil, é tarefa árdua.

A todos o meu muito obrigado.

Viseu, 30 de Março de 2009

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ABREVIATURAS

A.C. – Antes de Cristo

Ac. – Acórdão

AO – Ordem dos Advogados

BE – Bloco de Esquerda

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça

C. Penal – Código Penal

C.C. – Conselho Consultivo

C.P.P. ou CPP – Código de Processo Penal

C.R.P. – Constituição da República Portuguesa

CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CDS – Centro Democrático Social

CEJ – Centro de Estudos Judiciários

Cód. – Código

EOA – Estatuto da Ordem dos Advogados

JIC – Juiz de Instrução Criminal

MP – Ministério Público

OPC – Órgão de Polícia Criminal

PCP – Partido Comunista Português

PGR – Procuradoria Geral da República

PSD – Partido Social Democrata

RLJ – Revista de Legislação e de Jurisprudência

RMP – Revista do Ministério Público

RPCC – Revista Portuguesa de Ciência Criminal

ROA – Revista da Ordem dos Advogados

Séc. – Século

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TC – Tribunal Constitucional

TIR – Termo de Identidade e Residência

TRC – Tribunal da Relação de Coimbra

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TRE – Tribunal da Relação de Évora

TRG – Tribunal da Relação de Guimarães

TRL – Tribunal da Relação de Lisboa

TRP – Tribunal da Relação do Porto

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ÍNIDICE

1.

1.1.

2.

2.1.

2.2.

2.3.

2.4.

3.

4.

5.

5.1.

5.2

5.3.

5.4.

6.

7.

7.1.

8.

9.

10.

10.1.

10.1.1.

10.1.2.

10.2.

10.3.

11.

12.

Agradecimentos

Abreviaturas

Introdução

Apresentação do tema

BREVE REFERÊNCIA HISTÓRICA

No Direito Antigo

No Código Penal de 1852 e 1886

O Nosso Código de Processo Penal de 1929

O Código de Processo Penal de 1987

NOÇÕES DE SEGREDO DE JUSTIÇA

FUNDAMENTO DO SEGREDO DE JUSTIÇA

A PUBLICIDADE

A Publicidade Jornalística

No Inquérito

Na Instrução

No Julgamento

DECISÃO SUJEITA A VALIDAÇÃO

PRAZO PARA VALIDAÇÃO

Levantamento do Segredo de Justiça

DESPACHOS RECORRÍVEIS E IRRECORRÍVEIS

VÍNCULO DOS SUJEITOS PROCESSUAIS

ACESSO AO CONTEÚDO DE AUTOS E DOCUMENTOS

Inacessibilidade Por Quanto Tempo?

A Doutrina

A Jurisprudência

Documentos em Segredo de Justiça

Certidões

VIOLAÇÃO DO SEGREDO

ALTERAÇÕES NO ANTEPROJECTO E NA PROPOSTA

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12.1.

12.2.

13.

14.

15.

No Artº 86º

No Artº 89º

CONSTITUCIONALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE?

TESES

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

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O SEGREDO DE JUSTIÇA

1. INTRODUÇÃO

O trabalho que nos propomos apresentar sobre o segredo de justiça, pretende dar um

contributo e discussão às recentes alterações legislativas introduzidas pela Lei 48/2007 de 29/08,

vinte anos depois de ter sido aprovado o Código de Processo Penal de 1987.

Além de outras, as alterações aos artºs 86º a 89º do CPP foram aquelas que mais

controvérsias têm gerado. Actualmente existe, na fase de inquérito um regime de publicidade,

quando as normas do código sobre esta matéria estão pensadas para a gestão da publicidade na fase

de audiência de julgamento.

O tema que iremos desenvolver, passou por várias metamorfoses até à versão final, surgindo

na lei com uma redacção muito diferente daquela que foi apresentada publicamente no

anteprojecto em Julho de 2007 e da proposta de Lei 109/X. Foi durante a votação na especialidade

que a parte relacionada com o segredo de justiça e acesso aos autos foi alterado, convertendo

aquilo que antes era excepção no inquérito, agora em regra. Para caracterizar tudo isto, em artigo

publicado na RLJ, Costa Andrade afirma: «Não admira, por isso, que a reforma configure nesta

parte um mosaico de impostações e uma espécie de palimpsesto de versões e contraversões» 1.

Tentaremos fazer uma resenha histórica do tema, as fases processuais, as regras do segredo

de justiça, as excepções, a duração, a recorribilidade e a irrecorribilidade, os direitos dos sujeitos

processuais, as principais alterações, a doutrina e a jurisprudência, a constitucionalidade e a

inconstitucionalidade das normas.

1.1 . Apresentação doTema

Versa este tema sobre segredo de justiça, mas afinal o que é o segredo?

Segredo é algo que é secreto, algo que não se deve dizer ou ser do conhecimento de outro.

Temos vários tipos de segredos: o de confissão, o de Estado, o profissional, de justiça, entre

outros, todos eles com enquadramento jurídico penal no nosso sistema.

O Código de Processo Penal de 1987, ao reformular as fases processuais e as formas de

processo em relação ao diploma que o antecedeu, reorganizou igualmente o regime de sigilo a que

se encontravam sujeitos os actos processuais. O regime do segredo de justiça que até então se

desenhou para esse efeito no artº 86º, foi traçado no âmbito da Constituição de 1976, e conferido

na tutela penal no artº 419º do C. Penal de 1982 e 371º depois da reforma de 1995.

Agora, na fase de inquérito, se não houver nenhum impulso processual em contrário, há

publicidade. O juiz não pode ele próprio, oficiosamente, fazer valer a regra do segredo de justiça.

1 Revista de Legislação e de Jurisprudência nº 3949, Março-Abril de 2008, pág. 229.

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Publicidade e segredo de justiça na revisão de 1998 sofreram alterações profundas, onde

foram conciliados os interesses da investigação com o da presunção de inocência do arguido.

Com a revisão de 2007, o segredo de justiça foi colocado como excepção, quando antes era

a regra, praticamente foi suprimido, houve uma compressão do segredo de justiça interno, fazendo

intervir o juiz de instrução na definição do regime a aplicar.

Perante estas premissas deve ou não o segredo de justiça ser a regra?

É uma questão que não é consensual, à qual a doutrina e a jurisprudência têm respondido em

função das normas em vigor. Sem prejuízo de outras opiniões, defendemos que, pelo menos,

durante a fase de inquérito e instrução o segredo de justiça deve ser a regra, salvaguardando

sempre os direitos de defesa do arguido, mas não esquecendo o interesse da investigação e o bom

nome do arguido.

2. BREVE REFERÊNCIA HISTÓRICA

2.1. No Direito Antigo

O dever de guardar segredo para determinados grupos profissionais já vem de há muito,

sendo o preceito conhecido mais antigo sobre o dever médico, cuja descrição se encontra num

texto de aproximadamente 800 anos A.C 2. O primeiro texto sobre o dever de segredo das

profissões jurídicas remonta aos tempos da civilização romana. Com o decorrer do tempo, o

segredo médico foi esvaecendo, apenas o tributo de Cícero fez uma pequena alusão ao segredo

profissional médico, ensinamentos que foram retomados por São Tomé. No Séc. XVI, o Concílio

de Trento 3 confirmava o segredo absoluto da confissão, que nunca poderia ser violado. No

seguimento deste entendimento, o Parlamento de Paris em 23/10/1580 admitiu que os padres não

são obrigados a depor sobre factos que tenham tido conhecimento sob segredo de confissão. No

mesmo sentido temos hoje os artºs 135º, 136º e 137º, do nosso C.P.P.

No ius positivum, nas ordenações já se dava conta do célebre preceito de Zenão e de Cício 4, segundo o qual «se a natureza deu ao homem dois ouvidos mas apenas uma boca, foi com a

finalidade que mais vale ouvir que falar ». Daí também se dizer que o silêncio é de ouro e a

palavra de prata 5.

2.2. No Código Penal de 1852 e 1886

No Código de 1852 a violação do segredo de justiça, por parte de funcionário público que

tenha tido conhecimento no exercício das suas funções, ou a entrega de documentos sujeitos a

2 RODRIGO SANTIAGO, Crime de Violação de Segredo Profissional no C. Penal de 1982, Livraria Almedina - Coimbra 1992, pág. 19 e ss. 3 Décimo nono concílio ecuménico da Igreja Católica, anos 1545-47, 1551-52 e 1562-63. 4 Filósofo Grego (335-264 a.C.). 5 RODRIGO SANTIAGO, ibidem, pág. 20 e ss.

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segredo, mesmo por cópia, de acordo com os artºs 289º e 290º era punida com pena de suspensão

temporária e multa de 3 meses a 3 anos 6.

No Código Penal de 1886, o artº 289º foi objecto de reforma tendo havido um

desagravamento no seu limite máximo da pena de multa, passando esta a ser de 3 meses a dois

anos e no 290º surge a prisão correccional até 6 meses e multa correspondente para funcionários 7.

As normas destes códigos só puniam funcionários e operadores judiciários, tendo-se

esquecido de outros que tenham tido contacto com o processo.

2.3. O Código Processo Penal de 1929

O nosso Código de Processo Penal, iniciou-se em 1929, e este caracterizou-se por uma

produção praticamente ininterrupta de novos diplomas legais em matéria de processo penal, umas

vezes com o propósito de sancionar inovações a inscrever no próprio texto codificado, outras a

engrossar o já incontrolável caudal de leis extravagantes.

Na vigência deste código imperava o segredo de justiça, e podia ler-se no seu artº 70º : O

processo penal é secreto até ser notificado o despacho de pronúncia ou equivalente ou até haver

despacho definitivo que mande arquivar o processo.

Têm obrigação de guardar segredo de justiça os magistrados que dirijam a instrução e os

funcionários que nela participem.

§Iº No despacho da instrução preparatória, o processo poderá ser mostrado ao assistente e

ao arguido, ou aos respectivos advogados, quando não houver inconveniente para a descoberta

da verdade 8.

Nas alterações que teve em 1945 a instrução preparatória era secreta, assim como as

diligências efectuadas pela polícia judiciária, com destino à instrução preparatória de quaisquer

processos, são de carácter secreto.

Com as sucessivas alterações que sofreu, no que concerne ao segredo de justiça, foi

aperfeiçoado, quer através de um complemento necessário de dispositivos, quer através de uma

maior precisão definidora, orientada pela corrente doutrinal e jurisprudencial dominante. Com a

reformulação do artº 70º, o segredo de justiça mantinha-se, relativamente a terceiros durante toda a

instrução, terminando em relação ao arguido com o encerramento da instrução preparatória 9.

2.4. O Código Processo Penal de 1987

6 RODRIGO SANTIAGO, ibidem, pág. 21 e ss. 7 MAIA GONÇALVES, C. Penal Português, Almedina 1968, pág. 423.

8 LAURENTINO DA SILVA ARAÚJO E GELÁSIO ROCHA, Código de Processo Penal de 1929 anotado, Livraria Almedina, pág. 187. 9 LAURENTINO DA SILVA ARAÚJO E GELÁSIO ROCHA, ibidem, pág. 187 e ss. e MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, CPP anotado e comentado, Livraria Almedina de 1972, pág. 154.

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Após a revisão constitucional de 1982, o nosso processo penal, além de contemplar o

segredo de justiça, a CRP veio também introduzir a estrutura acusatória.

O CPP de 1987, ao reformular as fases processuais e as formas de processo do código que o

antecedeu «ficou estruturado em três fases – inquérito, instrução e julgamento – tendo seguido um

modelo em que as fases preliminares decorriam sob o princípio de exclusão da publicidade», e

reorganizou igualmente o regime de sigilo a que se encontram sujeitos os actos processuais10. A

CRP de 1976 no artº 20º nº 3, deixou o caminho aberto para o segredo de justiça previsto no artº

86º do CPP, mas precedido pela tutela penal já conferido ao segredo de justiça no então artº 419º,

do C. Penal e hoje 371º.

Entendia-se que todo o inquérito e toda a instrução estavam cobertas pelo regime do segredo

de justiça, enquanto que a fase de julgamento estava sujeita ao regime da publicidade. Esta

corrente não era completamente exacta. Feita uma leitura atenta à lei processual penal vigente

desde 1987, de acordo com a constituição e apoiada pela jurisprudência do Tribunal

Constitucional, pôs-se em causa essa ideia absoluta do segredo de justiça durante as fases

preliminares do processo penal, mesmo durante o inquérito.

Vedar o segredo de justiça, de acordo com o nº 8 do artº 86º, acarreta proibições de diferente

tipo: proibição de assistir à prática de actos, proibição de tomar conhecimento de conteúdos de

acto e proibição de divulgar a ocorrência de acto processual ou dos seus termos.

Após a revisão de 1998, passou já a haver permissão da publicidade na fase instrutória, se

esta tivesse sido só requerida pelo arguido e este, em requerimento, não declarasse que se opunha à

publicidade, uma vez que nesta fase já não existiam preocupações de investigação, mantendo-se

contudo o princípio da presunção da inocência do arguido caso este pretendesse que o segredo se

mantivesse.

Antes da revisão de 2007, alguns juristas, entre os quais Daniel Proença de Carvalho já

defendia que só excepcionalmente deveria existir segredo de justiça, em casos bem fundamentados

pelo MP, ou seja, em certos processos e por um período limitado 11. A solução adoptada na revisão

do nosso código não andou longe disto.

Outros, como José Miguel Júdice 12, também defendiam a vigência do segredo até à

«constituição de qualquer arguido», cessando com a constituição o segredo interno, excepto para

certos crimes muito graves, mas devendo continuar o segredo de justiça externo, sendo a sua

violação um crime.

10 ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, Processo Penal; Reforma ou Revisão; As Rupturas silenciosas, RPCC, Ano 18, nºs 2 e 3, Abril – Setembro 2008, Coimbra Editora, pág. pág. 349. 11 DANIEL PROENÇA DE CARVALHO, Entrevista ao Jornal Público de 12/12/2005, apud, VINÍCIO RIBEIRO, CPP Notas e Comentários, Coimbra Editora 2008, pág. 143. 12 JOSÉ MIGUEL JÚDICE, ROA, ano 64, Nov. 2004, págs. 49 e 50, apud, VINÍCIO RIBEIRO, pág. 144.

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Adelino Salvado 13 defendia a extinção do segredo de justiça quando as pessoas são

constituídas arguidas, excepto em crimes de terrorismo, associação criminosa e rapto. Na sua

opinião mais de 90% dos processos não exigiam segredo de justiça.

A ausência de segredo de justiça significa publicidade do inquérito, mas pode ser necessário

negar a publicidade total de alguns actos processuais ou de todos, e então aí temos que propor que

o inquérito seja vedado aos sujeitos processuais, mas essa iniciativa está hoje dependente da

intervenção de outros sujeitos processuais, uma vez que não resulta de imposição directa da lei.

3. NOÇÕES DE SEGREDO DE JUSTIÇA

O termo segredo (do latim secretum, arnum) significa coisa que deve conservar oculta

aquele que a sabe. Em processo penal o segredo não tem por finalidade ficar oculto, mas antes

pelo contrário, trazer à luz aquilo que se desconhece 14.

Segredo de justiça é também não divulgar o que se conhece e manter o processo fora do

alcance de pessoas estranhas à investigação.

Na doutrina, e por influência da italiana encontramos diversas classificações de segredo de

justiça15. Fala-se de segredo interno, aquele que é relativo ao processo, onde existe o conhecimento

dos actos e resoluções judiciais pelas partes através da sua participação, e de segredo externo o

extraprocessual, relacionado com quem não é parte no processo, todos os que são estranhos à

respectiva relação processual, de proibição de conhecer, de tornar públicos os actos processuais. O

primeiro está relacionado com os intervenientes processuais e o segundo com todos os cidadãos,

quer o sejam ou não.

Uma das noções de segredo de justiça diz que «é a regra segundo a qual, aos sujeitos

processuais não interessados ou a terceiros, é legalmente proibido conhecer o conteúdo dos actos e

diligências praticadas no processo»16.

Vinício Ribeiro, citando outros autores, define segredo de justiça como «o especial dever

que são investidas determinadas pessoas que intervêm no processo penal, de não revelar factos ou

conhecimentos que só em razão dessa qualidade adquiriram»; «entendemos por segredo interno a

limitação de acesso dos sujeitos e participantes processuais aos elementos probatórios e de outro

tipo constante dos autos, bem como a assistência pelos mesmos a certos actos e sua narração»17.

A tópica segredo de justiça é inseparável do princípio da publicidade, e diz este princípio

que a publicidade do processo penal tem como finalidade evitar a desconfiança da comunidade

13 ADELINO SALVADO, Entrevista ao semanário Expresso de 14/08/2004, apud, VINÍCIO RIBEIRO, pág. 144. 14 AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e Controlo de Dados Pessoais Informatizados, Coimbra Editora, pág.21. 15 MEDINA SEIÇA, Comentário Conimbricense ao CPP, Parte Especial, Tomo III, cit. artº 371, pág. 644, apud VINICIO

RIBEIRO, pág. 156. 16 AGOSTINHO EIRAS, ibibem, pág.8, cit. JOSÉ PIMENTA, Introdução ao Processo Penal 1989, pág. 236. 17 VINICIO RIBEIRO , ibidem, pág. 152, cit. C.C. da P.G.R. parecer nº 121/80 ; cit. André Lamas Leite Segredo de Justiça Interno, Inquérito, Arguido e seus Direitos de Defesa, RCPP, ano 16, nº 4, Out. Dez. 2006, pág. 541.

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quanto ao funcionamento dos tribunais e realização da justiça. Este princípio manifesta-se

sobretudo nos artºs 86º e 321º, do CPP. Isto significa que hoje, por norma, as audiências dos

tribunais são públicas, ressalvadas as excepções previstas na lei, em que o público em geral pode

assistir à realização de actos processuais – em nossa opinião somente julgamento.

Não se pode confundir “segredo de justiça” com ocultação pura e simples de inquérito.

Deve no entanto ter-se presente que os interesses ligados à reserva da intimidade da vida

privada do arguido hão-de ser acautelados por merecerem igualmente tutela constitucional.

Para Simas Santos e Leal Henriques o segredo de justiça deve ser observado sob vários

âmbitos: subjectivo, objectivo e temporal 18.

No âmbito subjectivo, o segredo de justiça consiste numa obrigação de «non facere», é uma

proibição que envolve em primeiro lugar todos os participantes processuais. Ficam vinculados ao

segredo, não só os sujeitos processuais, os participantes no processo, assim como toda e qualquer

pessoa que tenha contacto como o mesmo.

No âmbito objectivo, o segredo de justiça exprime-se também e sempre numa obrigação de

«non facere», portanto numa proibição de assistência ou tomada de conhecimento e proibição de

divulgação, de acordo com as als. a) e b), do nº 8 do artº 86º, do CPP.

No âmbito temporal, o segredo de justiça durante o inquérito, e quando seja essa a opção

tomada, mantém-se até à sua conclusão, podendo em qualquer altura, ser levantado oficiosamente

pelo MP ou a requerimento do arguido, assistente ou ofendido.

4. FUNDAMENTO DO SEGREDO DE JUSTIÇA

O segredo de justiça visava a protecção da investigação, assim como ainda hoje, esta tem

que decorrer com reserva de publicidade, porque ao suspeito pode não interessar a descoberta da

verdade, mas sim o desaparecimento de todas as provas, ocultando-as, destruindo-as ou

dificultando a obtenção dos factos criminosos.

A publicidade é defendida como um princípio fundamental do processo judicial, essencial

ao funcionamento dos regimes democráticos, onde importa ir buscar a justificação da existência

de normas jurídicas determinantes da realização de diligências secretas 19. A regra comum aos

sistemas processuais penais consiste na publicidade na fase de julgamento, podendo também

abranger a fase de instrução, e secretismo durante a fase de inquérito. Numa concepção técnico-

jurídica de instrução criminal, o segredo de justiça baseia-se em motivos de carácter técnico-

processual, o seu fundamento reside na garantia de investigação por forma a evitar que o suspeito

conheça as pistas que estão em curso, baralhando a acção da justiça, «evitar que o arguido, pelo

18 SIMAS SANTOS E LEAL HENRIQUES, CPP anotado, Volume I, 3 ª Edição 2008, Rei dos Livros, pág. 577. 19 AGOSTINHO EIRAS, ibidem, pág. 24.

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conhecimento antecipado dos factos e provas, actue de forma a perturbar o processo dificultando o

apuramento dos factos ou a reunião das provas» 20 .

O segredo é necessário para impedir que desapareçam as provas do crime, para recolher,

inventariar os dados e para comprovar a sua existência, uma vez que a acusação tem que ter uma

base de sustentação. Para o processo penal pode não ser benéfico o conhecimento por terceiros, de

algum ou alguns desses actos, que conduziriam ao resultado final nulo. A publicidade de acto

anterior pode tornar inútil o subsequente, levando ao desaparecimento das provas 21.

Na doutrina encontramos vários fundamentos para o segredo de justiça entre os quais

destacamos os citados por:

Simas Santos e Leal Henriques 22, consideram que «o fundamento da consagração do

segredo de justiça nas fases do inquérito e da instrução assenta numa tríplice ordem de

fundamento:

- Facilitar os objectivos da perseguição e censura criminal;

- Salvaguardar a dignidade da administração da justiça; e

- Preservar a vida privada do arguido, que se presume inocente até haver condenação

transitada»;

José Souto Moura refere, também, uma ordem tríplice de razões23: interesse no bom êxito da

investigação; interesse do denunciado, suspeito ou arguido, que determinados factos que lhes

imputam ou estão envolvidos não venham a público e o interesse das próprias vítimas no sigilo

quando for previsível que haja exclusão de publicidade no julgamento.

Para Frederico da Costa Pinto, a vigência do segredo de justiça é plurisignificativa, por um

lado trata-se de garantir o princípio da presunção de inocência do arguido e, por outro, garantir

condições de eficiência da investigação e da preservação dos meios de prova, e por último, obter

uma garantia para as vítimas e testemunhas que intervêm no processo 24.

Figueiredo Dias refere que o segredo «existe para proteger não só o arguido, mas também e

até, os interesses da investigação» 25.

Medina Seiça entende que «a existência do segredo de justiça decorre primariamente de

exigências de funcionalidade da administração da justiça, particularmente perante o risco de

perturbação das diligências probatórias e de investigação»26.

20 ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem, pág. 350

21 AGOSTINHO EIRAS, ibidem, pág. 24 e ss.

22 SIMAS SANTOS E LEAL HENRIQUES, ibidem, pág. 576.

23 JOSÉ SOUTO DE MOURA, Comunicação Social e Segredo de Justiça Hoje, cit. Pág. 77, apud VINICIO RIBEIRO, pág. 147. 24 FREDERICO DA COSTA PINTO, Segredo de Justiça e Acesso ao Processo, Jornadas de Direito Proc. Penal e Direitos Fundamentais, Almedina 2004, pág. 71. 25 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, apud VINICIO RIBEIRO, pág. 147. 26 MEDINA SEIÇA, Comentário Conimbricense – Coimbra Editora, Tomo III, anotações ao artº 371º do CPP, pág. 646, apud, VINICIO RIBEIRO, pág. 147.

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Germano Marques da Silva afirma que os fins que o segredo de justiça visava realizar eram

também três 27:

- «Eventual prejuízo para a investigação dos factos resultantes do conhecimento das

diligências de investigação planeadas ou em curso de realização;

- O dano para a honorabilidade das pessoas que são objecto da investigação, resultante da

divulgação de factos ainda não suficientemente indiciados e sobretudo antes de o arguido deles se

poder defender; e

- Protecção do público em geral contra os abusos de alguma imprensa que cultiva o gosto

pelo escândalo».

Ainda para este autor, o secretismo na fase de inquérito tem justificação «pela eficácia da

investigação por uma parte, e pela defesa da honra do arguido, por outra».

Maria João Antunes refere que o segredo de justiça no inquérito visa «assegurar uma

investigação da notícia do crime que não corra o risco de ser perturbada, ou mesmo

irremediavelmente prejudicada, por factores exteriores à administração da justiça penal, ao mesmo

tempo que importa tutelar de forma efectiva a presunção de inocência do arguido, o que é também

uma forma de lhe garantir o direito ao bom nome e reputação (…). No inquérito, o princípio da

publicidade é derrogado por ser outra a forma como se procede à concordância prática das

finalidades processuais conflituantes e por ser também outra a forma como se concretiza a

ponderação dos direitos conflituantes que engrossam o catálogo dos direitos dos cidadãos que cabe

ao processo penal salvaguardar»28.

Boaventura Sousa Santos em artigo de opinião sobre o tema escreve que «o segredo de

justiça tem duas vertentes: veda o acesso ao processo a todas as pessoas não autorizadas e obriga

todos os que têm acesso ao dever de guardar segredo, sob pena de incorrerem no crime de violação

do segredo de justiça» 29.

Agostinho Eiras escreve que «aponta-se também, dentro dos fundamentos técnico-

processuais do segredo de justiça, a necessidade de repor a igualdade das forças — Estado/arguido.

Este, ao praticar o crime, fê-lo de modo calculado, sub-repticiamente, colocando-se em situação de

vantagem. Para repor a igualdade das forças, em oposição, numa primeira fase, o Estado vai actuar

sob sigilo, tal como o arguido quando cometeu o crime. O segredo é uma razão de eficácia» 30 . É

essencialmente o perigo do enquadramento do material probatório, susceptível de sofrer prejuízos

27 VINÍCIO RIBEIRO, ibidem, pág. 147.

28 MARIA JOÃO ANTUNES, O Segredo de Justiça e o Direito de Defesa do Arguido Sujeito a Medida de Coacção, in Liber

Discipulorum, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Coimbra Editora 2003, pág. 1244 e ss, apud VINICIO RIBEIRO, pág. 148 e

PAULO PINTO ALBUQUERQUE, pág. 241. 29 BOAVENTURA SOUSA SANTOS, Visão de 6/03/2003 ou in http:/www.ces.uc.pt/opinião/bss/071.php.

30 AGOSTINHO EIRAS, ibidem, pág. 25.

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caso os participantes processuais, sobretudo o arguido, conhecessem na sua plenitude a actividade

da investigação.

Na nossa opinião, a razão essencial do segredo de justiça, consagrado no nº 3 do artº 20º da

CRP, sem descurar os outros aspectos, prende-se com o sucesso da investigação em prol da

verdade material. Quando o segredo de justiça é determinado pelo MP, os direitos dos sujeitos

processuais acabam logo por ficar protegidos, ou seja, a ausência de publicidade implica protecção

do arguido e dos restantes sujeitos processuais.

5. A PUBLICIDADE

Actualmente, o princípio da publicidade constitui regra em processo penal, e encontramo-

lo estatuído no nº 1 do artº 86º, quando estabelece que o processo penal é público, excepto nos

casos previstos na lei. Assim, não sendo accionados os nºs 2 e 3 deste normativo, a publicidade

mantém-se desde o inquérito ao julgamento.

Ora, a publicidade como regra, não significa publicidade durante todo o inquérito na fase de

investigação, embora o segredo deixasse de ser uma determinação legal e passasse a depender da

determinação do MP ou de requerimentos de participantes ou sujeitos processuais.

Estando o inquérito sujeito ao regime de publicidade, para nós, não implica necessariamente

que se apliquem as regras gerais que constam do nº 6, do artº 86, do CPP, tal como os direitos de

assistência, pelo público em geral à realização dos actos processuais; narração destes ou

reprodução dos seus termos pelos meios de comunicação social; consulta do auto ou obtenção de

cópias, extractos e certidões de quaisquer partes deles. Mesmo fora dos casos de primeiro

interrogatório, o juiz de instrução, analisando caso a caso, se assim o entender, pode socorrer-se da

segunda parte do nº 1 do artº 87º, dado que os actos processuais, em fase de inquérito, são os que

se destinam à obtenção de prova que não seja proibida por lei, não é um julgamento, só este é que

pode ser público.

Neste sentido, Frederico da Costa Pinto diz: «a natureza pública do processo não significa

necessariamente nas fases preliminares a possibilidade de assistência do público aos actos

processuais, o que a constituição só exige para a audiência de julgamento - artº 206º»31.

Pedro Vaz Pato 32 já diverge e afirma que podem assistir à inquirição de testemunhas o

arguido, o assistente, ou qualquer outra pessoa, havendo só uma excepção para o primeiro

interrogatório judicial de arguido detido. Nos termos do artº 141º nº 2 do CPP, este é feito

exclusivamente pelo juiz, com a assistência do MP, do defensor, do oficial de justiça, e

eventualmente, se necessário, intérprete e agente responsável pela guarda do detido. Esta excepção

31 FREDERICO DA COSTA PINTO, Publicidade e Segredo na Última Revisão do CPP, Revista do CEJ, nº 9, 2008, pág. 38 e s. 32 PEDRO VAZ PATO, O Regime do Segredo de Justiça no CPP Revisto, Revista do CEJ, nº 9, 2008, pág. 62 e ss.

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tanto tem lugar nos processos onde haja segredo como naqueles em que vigore o regime da

publicidade. Relativamente à publicidade e ao secretismo, de acordo com este autor, há um dado

novo: sendo o processo público, havendo vários arguidos para interrogar com defensores

diferentes, entende-se que neste novo regime os defensores podem assistir aos interrogatórios dos

vários arguidos. No regime anterior, o defensor só podia assistir ao interrogatório do seu arguido,

não lhe parecendo que hoje se justifique esta restrição em virtude de vir a ter acesso aquelas

declarações, pelo que além de outros, este é um dos motivos que justifica o segredo de justiça.

Defendemos a posição do regime anterior, sob pena de não haver protecção da investigação e dos

intervenientes processuais.

Há quem considere que é inconstitucional a publicidade do processo penal ao passar a ser

regra, por violar a protecção devida ao segredo de justiça prevista no nº 3 do artº 20º, a presunção

da inocência, e a estrutura acusatória, prevista nos nºs 2 e 5 do art 32º da CRP 33.

Relativamente à publicidade, a doutrina dividia-se: uns entendiam que publicidade do

processo era regra e o segredo a excepção 34. Uma outra corrente 35, a consagrada no CPP antes da

revisão, defendia que a primeira fase (a do inquérito) é tendencialmente secreta e a segunda ( a

do julgamento) é tendencialmente pública.

Nós partilhamos esta última corrente, uma vez que nenhuma investigação conduz a bons

resultados se não houver secretismo. Publicidade e investigação colidem, são pólos opostos. O

arguido quando se prepara para cometer ou praticar o crime não revela a intenção, assim como a

investigação para ser bem sucedida não se pode dar ao luxo de ser publicitada. Já Cândida

Almeida defendeu que «não pode combater-se o crime, controlar-se a criminalidade, com a

partilha da fase de investigação pela entidade investigadora e o suspeito» 36.

5.1. Publicidade Jornalística

A publicidade tem inconvenientes plúrimos, nomeadamente em relação aos meios de

comunicação social, na fase anterior ao julgamento e até ao trânsito em julgado. Tal como afirma

Germano Marques da Silva, 37 o direito de informar, por vezes, é um mero pretexto, não havendo

qualquer pejo em formular juízos sobre os factos, mesmo até quando são conhecidos superficial ou

parcialmente, antecipando juízos de opinião que directamente afectam o bom nome dos arguidos,

podendo ter consequências muito prejudiciais na investigação, na situação processual dos arguidos

e até nas decisões das autoridades judiciárias e em vez de ser uma garantia dos direitos humanos,

33 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do C.P.Penal, 2ª Edição 2008, Univ. Católica Portuguesa, pág. 240. 34 VINÍCIO RIBEIRO, ibidem, pág. 145 35 FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, ibidem, pág. 71 36 Congresso da Justiça 08/07/2003 37 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal II, Editorial Verbo, 2008, pág. 36 e ss.

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será uma força social contrária à independência e imparcialidade da justiça. Em vez de clarificar os

factos, a publicidade pode confundi-los, pelos seguintes motivos:

- pode baralhar toda a investigação; criar um alarme injustificado na população, exagerando

factos de reduzido alcance devido à necessidade de vender informação;

- pode criar situações embaraçosas ao referir-se à vida privada de personalidades públicas.

A publicidade na comunicação social é susceptível de pôr a opinião pública ao serviço de

interesses materiais ou políticos de qualquer órgão de informação, em prejuízo da justiça. A

referência aos grandes delinquentes pode criar um desejo de imitação na juventude por mera

curiosidade.

Não se pense que há necessariamente incompatibilidade entre a publicação de notícias

acerca de factos criminosos e o segredo de justiça. Podem os sujeitos processuais estar obrigados a

guardar segredo de justiça e, apesar disso, os órgãos de comunicação social divulgarem notícias

obtidas através da sua capacidade de investigação, mas nunca de actos processuais cobertos pelo

segredo de justiça, se por qualquer motivo tiverem tido contacto com actos ou o processo.

5.2. No Inquérito

O carácter secreto do inquérito tem como função principal o bom êxito da investigação,

tendo em vista a recolha dos meios de prova necessários para sustentar acusação. É simplesmente

isto que se pretende da fase de inquérito, porque em qualquer inquérito o arguido só deve ser

acusado se a probabilidade de condenação for superior à de absolvição.

A publicidade só faz sentido se se limitar simplesmente às declarações do arguido, o

problema é depois se este se remete ao silêncio durante a audiência. Também pode fazer sentido

numa fase final decisória, quando todas as provas estiverem recolhidas ou nos crimes de natureza

particular, se o arguido a isso não se opuser, e não nas fases preliminares de investigação

destinadas a averiguar os factos e a recolher provas.

Vinício Ribeiro afirma: «não sei se o legislador previu o alcance da publicidade na fase de

inquérito, dado que deixou inalterados os dispositivos que regulam a publicidade» 38.

As alterações ao CPP vieram “trocar as voltas” à fase de investigação, antecipando a

publicidade e o contraditório para a fase de inquérito, passando como que a haver um julgamento

antecipado 39.

Assim, aquilo que antes se criticava relativamente à fuga do segredo de justiça, por entre

outras, não se proteger o bom nome das pessoas, hoje os suspeitos estão muito mais desprotegidos,

já que a publicidade permite uma devassa de todo o inquérito, o seu bom nome e por vezes até a

sua própria segurança.

38 VINICIO RIBEIRO, ibidem, pág. 155. 39 PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 251.

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5.3. Na Instrução

O nosso actual CPP não faz qualquer menção ao carácter secreto durante a fase de instrução,

tal como constava da anterior redacção no nº 1 do artº 86º, ou seja, a nova lei eliminou o segredo

de justiça da fase instrução. Desta forma, o arguido pode evitar a publicidade, a sua exposição

pública e o direito ao bom nome, durante a fase de inquérito, mas não evita a publicidade na

instrução. A eliminação total do segredo de justiça durante a fase de instrução é uma das novidades

que não se aceita muito bem, no entanto, por analogia, entendemos que, pelo menos, se deveria ter

mantido para os crimes previstos no nº 3 do artº 87º do CPP.

O legislador deixou o suspeito desprotegido na fase de instrução. Este deveria ter a

oportunidade, tal como acontece no inquérito, de requerer que a instrução estivesse sujeita a

segredo, pelo facto de a publicidade prejudicar os seus direitos Tal como afirma Frederico da

Costa Pinto «o arguido passa a ter de se sujeitar a uma fase pública quando pretende evitar um

julgamento público»40. A proposta de Lei 109/X, contemplava a possibilidade de o processo

continuar em segredo de justiça até à decisão instrutória, bastando que o arguido declarasse a sua

oposição à publicidade 41.

Todas as alterações feitas pela Lei 48/2007 de 29/08, foram feitas no sentido de aproximar

a instrução do julgamento, enquanto que na redacção anterior, a instrução se aproximava mais do

inquérito.

A publicidade desta fase só se compreende no sentido de o legislador pretender celeridade

processual evitando assim o recurso à fase de instrução. Figueiredo Dias relembra que «continua a

prever o dia em que a instrução será eliminada como fase processual autónoma; e tanto mais

quando, como agora, já a fase do inquérito se tornou pública e, consequentemente contraditória» 42.

Perante a exposição pública a que o arguido fica sujeito, será possível que numa das

próximas revisões do CPP, o legislador venha a introduzir novamente o segredo de justiça interno,

até porque podem estar em causa meios de prova que não foram levados em conta no inquérito, e

assim à não pronúncia, evitando-se que o arguido fique sujeito a um “julgamento público” que tem

o direito de evitar. Se assim não for, temos que concordar com Figueiredo Dias quando diz que

prevê a sua eliminação. Nada se invertendo este pode ter sido o primeiro passo.

5.4. No Julgamento

40 FREDERICO DA COSTA PINTO, ibidem, pág. 18. 41 NUNO BRANDÃO, A Nova Face da Instrução, RPCC, Ano 18, nºs 2 e 3, Abril-Set. 2008, pág. 241. 42 FIGUEIREDO DIAS, Sobre a Revisão de 2007 do CPP Português, RPCC, Ano 18, nºs 2 e 3, Abril-Set. 2008, pág. 376

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Nesta fase o arguido já tem acesso a todo o processo e é aqui que ele se pode defender de

toda a matéria de facto e de direito.

A fase de julgamento, salvo disposição em contrário, é pública com o contraditório,

dominado pelo juiz de acordo com o princípio da publicidade previsto no artº 321º do CPP,

consagrado na constituição no artº 206º. No mesmo sentido vai a CEDH nos artºs 6º, nº 1 e 40º, e o

Pacto Sobre os Direitos Civis e Políticos, no artº 14º nº 1, e é com publicidade nos julgamentos que

se assegura a plena e ampla autenticidade e independência dos intervenientes processuais, vigiando

a forma como o tribunal se comporta na administração da justiça.

O respeito do princípio da publicidade só é constitucionalmente imposto na fase de

audiência de julgamento. Esta só não é pública quando o tribunal decidir o contrário, em despacho

fundamentado (artº 87º, nºs 1, 2 e 3 e 321º, todos do CPP), com a menção das circunstâncias que

justificam a exclusão de publicidade, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral

pública ou para garantir o seu normal funcionamento, sendo esta uma regra excepcional,

intervindo só as pessoas que nele tiverem que intervir. Este despacho é recorrível com efeito

suspensivo.

A exclusão de publicidade nunca abrange a leitura da sentença.

Sendo, por princípio, o julgamento um acto público, isto significa que o público pode

assistir à realização dos actos processuais, que estes podem ser narrados ou reproduzidos pelos

meios de comunicação social, salvo disposição em contrário (artº 88º, nºs 2 e 3). A este propósito

Frederico da Costa Pinto 43 afirma que «a natureza pública do processo pode estar realizada com a

publicidade plena da audiência de julgamento e a simples ausência de segredo nas fases

preliminares (…) nestes casos, a assistência aos actos processuais é limitada», como resulta nos

casos de primeiro interrogatório de arguido detido e nos actos de instrução, uma vez que estes

actos são restritos, só assiste quem tem mesmo que assistir.

6. DECISÃO SUJEITA A VALIDAÇÃO

Uma das condições para que o processo na fase de inquérito fique sujeito a segredo de

justiça é que o arguido, o assistente ou ofendido o requeiram ao juiz de instrução, ouvido o

Ministério Público44. Outra, é que o Ministério Público o determine.

No primeiro caso, o juiz de instrução valida através de despacho irrecorrível, quando

entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais. No

segundo caso, se o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos

sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo durante o inquérito, se

43 FREDERICO DA COSTA PINTO, ibidem, pág. 38 e s. 44 Artº 86º, nº 2 e 3, do CPP.

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mantenha em segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo JIC. Em qualquer

dos casos a decisão fica sempre sujeita à intervenção do juiz de instrução, com duas diferenças:

- no nº 2, do artº 86º, a determinação parte do juiz do instrução, em que o despacho é

irrecorrível, prevalecendo os interesses dos sujeitos ou participantes processuais;

- no nº 3 a determinação parte do MP, onde temos dois requisitos não cumulativos –

interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais - a decisão é validada pelo juiz

de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas, mas sujeita a recurso por parte do MP. Quer

isto dizer que esta situação tem carácter de urgência, o que implica que quando o Ministério

Público recebe uma participação ou auto de notícia, uma das primeiras avaliações a ser feita é

verificar se há ou não interesse em que o processo, na fase de inquérito, corra sob segredo de

justiça, mas para que o processo seja submetido a este regime, não basta que o MP invoque uma

qualquer directiva emanada da PGR ou um determinado tipo de crime, tem de indicar as razões

que em seu entender justificam a aplicação do segredo de justiça 45.

O Ministério Público quando determina que o processo fica sujeito a segredo de justiça, ou

quando este é requerido, deve entender-se que a partir daí o inquérito deixa de ser público, aguarda

apenas a confirmação do juiz de instrução.

Esta decisão é condição essencial da existência do segredo, e é uma decisão de validação,

e validar é valorar, é confirmar, proferir um juízo de valor, é dizer que existe motivo para a

submissão a segredo. Para isso tem que se saber qual a razão, se o motivo alegado é o que a lei

prevê, ver se ele se verifica no caso concreto e não há uma errada apreciação.

Ao decidir, o juiz procede a uma apreciação do requerimento ou da determinação do MP, e

como as decisões judiciais são sempre fundamentadas (artºs 97º, nº 5, do CPP e 205º da CRP), tem

de constar da decisão do juiz as razões ou os motivos que justificaram a submissão dos autos à

excepção geral (a segredo). Se não diz o motivo, não fundamenta ou não justifica porque quer o

segredo de justiça, não pondera a sua determinação ou os interesses em jogo, o juiz não pode saber

se se justifica ou não a submissão dos autos a segredo.

A nova competência do juiz de instrução é garantir que o processo em regra é público

com algum segredo, e não ao invés, que é secreto com alguma publicidade, ou seja, o processo só é

secreto se o segredo de justiça for aplicado. Se assim não fosse não era preciso o controle judicial

da submissão a segredo, não era preciso validação.

A função do juiz de instrução no nosso sistema, é uma função garantística, o juiz das

liberdades, mas no tocante ao segredo agora concorre, subordina as decisões do Ministério Público

45 Neste sentido Ac. do TRP de 28/05/2008, Proc. 0842007; 25/06/2008, Proc. 0812926; 24/09/2008, Proc. 0814991; 15/10/2008, Proc. 0815570; 22/10/2008, Proc. 0815207; 19/11/2008, Proc. 0815162; e 26/11/2008, Proc. 0845208.

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no inquérito, passou assim a ter que confirmar ou infirmar as decisões do dominus do inquérito, o

que antes não acontecia.

7. PRAZO PARA VALIDAÇÃO

De acordo com o nº 3 do artº 86º do CPP, a decisão do MP que determina que o inquérito

seja sujeito a segredo de justiça tem que ser validado pelo juiz de instrução no prazo máximo de

setenta e duas horas.

Perante isto, algumas questões se levantam: e se o juiz não validar no prazo de setenta e

duas horas? Em que situação fica o processo entre o requerimento dos sujeitos processuais ou do

MP e a decisão do JIC? Quando o arguido, o assistente ou o ofendido requererem que o processo

seja sujeito a segredo de justiça, qual o prazo máximo que o juiz de instrução tem para se

pronunciar?

A decisão de submeter o processo a segredo de justiça tem que ser sempre confirmada

pelo juiz de instrução. Isto significa que o MP determina, mas não pode decidir unilateralmente a

sujeição do inquérito a segredo, apesar de lhe competir dirigir o mesmo.

Mas se o JIC não decidir no prazo de setenta e duas horas a decisão proferida

posteriormente será nula? Entendemos que não. Será apenas um atraso processual que não tem

qualquer consequência jurídica 46, mas que dentro do possível deve ser respeitado. Este prazo é

meramente indicativo.

O período que medeia o requerimento ou a determinação e a decisão do JIC, entendemos

que o processo tem que se considerar já em segredo de justiça, independentemente da decisão que

venha a ser proferida nesta fase, porque este deve iniciar-se com o pedido e não após a decisão, até

para não pôr em causa a própria investigação. Tendo também em conta que o MP é titular do

inquérito deve entender-se que, ao determinar ou ao não se opor, o processo já está excluído da

publicidade, condicionado à validação.

Se o requerimento ou determinação forem indeferidos, então o inquérito volta a ser

público, após trânsito do despacho, mas nada impede que seja apresentado um novo requerimento,

devidamente fundamentado, para submeter os autos a segredo de justiça. Aquilo que antes não se

justificava, agora já se pode justificar.

O nº 2 do artº 86º não estabelece qualquer prazo para o JIC se pronunciar sobre o

requerimento de submeter ou não o processo a segredo de justiça. A única referência que faz é que

tem que ser ouvido o MP e que o despacho da sujeição do processo a segredo de justiça é

irrecorrível, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos dos sujeitos ou participantes

processuais.

46 Tal como defende FREDERICO DA COSTA PINTO, ibidem, pág. 24

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Assim, não havendo qualquer referência ao prazo no nº 2, tal como o faz no nº 3 para o

MP, a sujeição do processo a segredo de justiça, apresentado o requerimento, este sujeitar-se-ia ao

prazo geral – 10 dias (artº 105º, nº 1, do CPP) - mas tendo em conta a delicadeza do acto,

entendemos que o mesmo tem carácter urgente nos termos do artº 320º do CPP, e que neste caso a

validação pelo juiz de instrução não deve ultrapassar as setenta e duas horas, até por uma questão

analogia e equidade.

7.1. Levantamento do segredo de justiça

Mas pode ou não o segredo ser levantado durante o inquérito? E a ser levantado, qual a

melhor oportunidade para o fazer?

Figueiredo Dias entende que «o segredo interno deve existir durante todo o inquérito até à

fase de deduzir acusação» 47.

Ora, de acordo com esta opinião, e outras, às quais juntamos a nossa, poderemos concluir

que independentemente do tempo de duração do inquérito, o segredo deve existir, pelo menos, até

à notificação da acusação ou arquivamento, não podendo nem devendo, ser levantado em qualquer

momento, uma vez que estamos perante uma fase de investigação que tem que ser secreta, sob

pena de a recolha de provas ser obstruída, e assim todos os indícios da prática do crime se

tornarem voláteis.

Actualmente o segredo de justiça pode ser levantado oficiosamente pelo Ministério

Público ou mediante requerimento do arguido, assistente ou ofendido, e neste caso não é

necessário a intervenção do juiz de instrução, basta haver unanimidade. Se forem os três últimos a

requerê-lo, e o Ministério Público não o determinar, os autos já vão ao juiz de instrução para

decisão, por despacho irrecorrível 48.

Frederico Costa Pinto diz que o levantamento do segredo de justiça depende da forma

como foi determinado e que se o segredo tiver sido requerido pelos particulares nos termos do nº 2

o artº 86º, o MP não o pode levantar por sua exclusiva iniciativa 49.

Não havendo oposição por parte dos restantes sujeitos processuais, entendemos que aquele

pode ser levantado, e neste caso sem necessidade de intervenção do JIC, uma vez que o legislador

no nº 4 do artº 86º, não faz qualquer referência à necessidade da sua intervenção.

O levantamento do segredo não tem que ser necessariamente requerido por aquele que o

sujeitou no processo. A iniciativa para o levantamento pode partir de qualquer um, tem é que haver

a concordância de todos. Ao ser assim, esta decisão não necessita de controlo judicial, ela é

unânime.

47 FIGUEIREDO DIAS, Boletim do CD do Porto da OA, nº 21 de Junho de 2002, pág. 27, apud, PAULO PINTO ALBUQUERQUE, pág. 251. 48 Nºs 4 e 5, do artº 86º, do CPP. 49 FREDERICO DA COSTA PINTO, ibibem, pág. 21 e s.

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Isto quer dizer que, quando um dos sujeitos processuais requer o levantamento do segredo

de justiça, os restantes devem ser notificados para, no prazo de 10 dias (artº 105º, nº 1, do CPP), se

pronunciarem. Caso algum deles se oponha o processo deve continuar em segredo, uma vez que

não há consenso. O silêncio equivalerá à não oposição. Na falta de concordância de todos, aquele

que se opõe ao levantamento pode logo de seguida lançar de novo mão do nº 2 artº 86º do CPP.

Não se pode dizer quando é que é mais oportuno levantar o segredo de justiça, nós

entendemos que é quando a investigação estiver concluída, o que por norma só acontece com a

dedução da acusação ou arquivamento.

8. DESPACHOS RECORRÍVEIS E IRRECORRÍVEIS

Nem sempre o legislador diz quais os despachos irrecorríveis, como o fez para os nºs 2 e 5

do artº 86º e nº 2 do 89º, quando diz taxativamente, despacho irrecorrível. Ora, nada dizendo em

contrário entende-se que o despacho é recorrível.

No nosso processo penal vigora o princípio geral da recorribilidade (artº 399º), é permitido

recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na

lei 50. Ao longo do nosso CPP encontramos diversas normas que consagram casos de

irrecorribilidade (86º nºs 2 e 5, 219º nº 3, 310º nº 1), mas a nossa constituição no nº 1 do artº 32º,

assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, mas este só é tolerado quando for

permitido recorrer.

No caso do nº 3 do artº 86º, está ou não o despacho sujeito a recurso? A lei não diz que o

despacho é irrecorrível, à semelhança do que fez com outros, por isso nos termos gerais do CPP

(artº 399º), este despacho é recorrível pelo MP. Neste sentido já se pronunciou o TRE , Frederico

da Costa Pinto e Vinício Ribeiro 51 , com efeito suspensivo, ou seja, em termos práticos o processo

volta a ser público.

Ora, havendo recurso com efeito suspensivo o processo fica parado, a investigação

suspensa, até porque qualquer acto que fosse praticado correria sempre o risco de poder ser

invalidado. Assim, tal como acontece em outros, o recurso deve ter carácter urgente, como o têm

os processos de arguidos presos, estão em causa provas da investigação para a acusação que se

podem lapidar.

Como já referimos, nem sempre o legislador foi claro quanto à recorribilidade ou

irrecorribilidade de alguns despachos, deixou no ar a omissão, como por exemplo no nº 3, do artº

86º, nº 1 do artº 87º, nº 6 do artº 89º, todos do CPP.

50 Artº 399º, do CPP. 51 Ac. de 27/12/2007, Proc. 3209/07-1; Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 9, pág. 25 e VINÍCIO RIBEIRO, CPP Notas e Comentários, Coimbra Editora 2008, pág. 153.

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Nestas normas, o legislador ao não fazer qualquer referência a “despacho irrecorrível”,

como o fez nos nºs 2 e 5 do artº 86º, leva a concluir que o despacho que recai sobre a pretensão do

MP de submeter o processo a segredo de justiça (86º nº 3), não lhe sendo favorável, é um dos que

está sujeito a recurso 52.

Neste sentido vai também Vinício Ribeiro quando refere que «o despacho exarado pelo

juiz de instrução, nos termos do nº 3, deve ser recorrível, nos termos gerais (artº 399º). O

legislador não o taxou como irrecorrível à semelhança do que fez nos nºs 2 e 5» 53.

A mesma omissão verifica-se no nº 1 do artº 87º, o legislador não exprime que este

despacho é irrecorrível. Paulo Pinto Albuquerque 54 entende, assim como nós, que é recorrível

tanto pelo MP, arguido ou assistente, (artº 399º, do CPP), e com efeito suspensivo, sob pena de se

tornar inútil. O mesmo se pode dizer do nº 6 do artº 89º 55, entendemos também que este despacho

é recorrível pelo arguido e assistente quando há prorrogação, e pelo MP da não prorrogação.

Germano Marques da Silva questiona se os despachos proferidos ao abrigo do nº 2 e 3 do

artº 86º são ou não recorríveis, da seguinte forma: «se o nº 5 dispõe que o despacho do juiz de

instrução que decide o requerimento de levantamento do segredo é irrecorrível, não vê razão para

os distinguir, e considerar também que os despachos proferidos no âmbito dos nºs 2 e 3 seriam

também irrecorríveis se não fosse o princípio geral da recorribilidade de todas as decisões que não

forem excluídas por lei (artºs 399º e 400º)» 56.

Quando o processo está em segredo de justiça e o MP se opõe ao requerimento para

consulta, obtenção de cópias ou certidões, o despacho que recai sobre o mesmo é irrecorrível, de

acordo com o nº 2 do artº 89º.

Pedro Vaz Pato afirma que «o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela não

inconstitucionalidade da irrecorribilidade de outros despachos judiciais no âmbito do processo

penal, invocando o carácter não absoluto dessa regra e a necessidade desse princípio com outros

relevantes princípios, como o da celeridade processual» 57. Diz ainda no seu artigo que, em nada o

choca a irrecorribilidade dos despachos nas situações previstas nos nºs 2 e 5 do artº 86º, quando

este nega a publicidade do processo, ou o acesso a elementos do mesmo, por se continuar a

justificar o carácter secreto, assim como a recorribilidade nos termos do nº 2, do artº 89º. O mesmo

já não se poderá dizer quando estão em causa direitos de defesa relativos à aplicação de medidas

de coacção privativas da liberdade, de consequências irreversíveis, aqui não há dúvidas que os

despachos são recorríveis. O legislador ao ditar como irrecorríveis alguns despachos, teve por base

o princípio da celeridade processual. Mesmo assim defendemos que o nº 3 do artº 86º é recorrível

52 Neste sentido vai o Ac. do TRE de 27/12/2007, Proc. 3209/07-1. 53 VINÍCIO RIBEIRO, ibidem, pág. 153, nota nº 9. 54 PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 245. 55 PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 254. 56 GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem, pág. 27 e s. 57 PEDRO VAZ PATO, ibidem, pág. 58.

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por parte do MP, e os nº 1 do artº 87º e 6 do 89º, são recorríveis tanto pelo MP, como pelo arguido

e assistente.

9. VÍNCULO DOS SUJEITOS PROCESSUAIS

O segredo de justiça vincula todos os sujeitos processuais (magistrados, arguido, defensor,

assistente e partes civis) e participantes processuais (autoridades policiais, OPC, funcionários de

justiça, testemunhas, intérpretes, peritos, consultores técnicos e outros), bem como todos aqueles

que, por qualquer motivo, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos

a ele pertencentes. Isso implica a proibição da assistência à prática ou tomada de conhecimento do

conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir e divulgação da

ocorrência do mesmo ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal

divulgação 58.Quem tiver acesso, por qualquer meio, e de forma não lícita, a informação relativa ao

teor de um acto processual sujeito a segredo de justiça não o pode dar a conhecer sem causa

legítima (autorização legal ou judicial), sob pena de incorrer em responsabilidade penal.

Só deixa de haver vinculação dos sujeitos processuais, quando cessar o segredo de justiça

externo, ou seja, quando o processo passar a ser público, o que não acontece durante a fase de

inquérito quando está em segredo de justiça.

Na fase de instrução já não há qualquer vínculo por parte dos sujeitos processuais ao

segredo de justiça, com a nova redacção o arguido já não o pode impedir.

No entanto, a autoridade judiciária pode, fundamentadamente dar, ordenar ou permitir que

seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo do acto ou do documento do segredo

de justiça, se tal não colocar em causa a investigação e se afigurar conveniente o esclarecimento da

verdade ou indispensável ao exercício dos direitos pelos interessados 59. Quer isto dizer que,

alguns intervenientes podem ter acesso ao conteúdo de actos ou documentos em segredo de justiça,

desde que não seja posta em causa a investigação, com vista ao esclarecimento da verdade ou ao

exercício de direitos pelo interessado, mas não deixam de estar vinculados a esse segredo.

Germano Marques da Silva 60, opina que «é inaceitável que um suspeito confrontado com

a divulgação pública de actos ou elementos de prova cobertos pelo segredo de justiça tenha que

aguardar passivamente o termo do segredo para poder defender-se publicamente». Entende o autor

que, neste caso, para defesa da sua honra, se for necessário quebrar o segredo, a quebra encontra-se

justificada pelo estado de necessidade. Em nossa opinião, a quebra só se justifica se o bem lesado,

neste caso o bom nome, for superior ao bem defendido (segredo de justiça), mas para isso temos

que ver em que fase vai a investigação para aquilatarmos se o segredo de justiça pode ser

58 Artº 86º, nº 8, do CPP. 59 Artº 86º, nº 9, do CPP. 60 GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem, pág. 33.

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quebrado. Ou seja, nem sempre a defesa da honra justifica o levantamento do segredo de justiça,

porque em primeiro lugar está a investigação e se não houver fuga o bom nome está sempre

protegido.

10. ACESSO AO CONTEÚDO DE AUTOS E DOCUMENTOS

O arguido, o assistente e as partes civis podem, nos termos do nº 1 do artº 89º, ter acesso

para consulta, obtenção de cópias a fim de prepararem a acusação e a defesa dentro dos prazos

estipulados na lei, salvo se o processo se encontrar em segredo de justiça e o MP a isso se opuser.

As posições mais ligadas à investigação pretendem retardar o acesso aos autos por parte do

arguido e demais sujeitos processuais, enquanto que as posições ligadas à defesa têm a ambição

natural de poder ter um acesso pleno ao processo o mais cedo possível.

Cessando o segredo de justiça interno, os sujeitos processuais podem requerer ao Ministério

Público autorização para consultar ou obter extractos, cópias ou certidões do processo ou de

elementos do mesmo. Caso o Ministério Público se oponha, o requerimento é apresentado ao juiz

para decisão, do qual não há recurso, mantendo-se no entanto para todos o segredo de justiça, caso

haja permissão 61.

Se o processo não se encontra em segredo de justiça, pode também ser consultado por todos

aqueles que revelem ter interesse legítimo, ficando o pedido dependente de despacho da autoridade

judiciária (artº 90º, nº 1, do CPP), e sobre este pedido tanto pode decidir o MP como o juiz de

instrução, ou seja, decide aquele que presidir à fase em que se encontra o processo ou nele tiver

proferido a última decisão. Mas que tipo de interesse legítimo é este?

Entendemos que pode ser certidão ou cópias, para juntar a outro processo, para

investigação jornalística, histórica, ou outras, mas os órgãos de comunicação social não podem

reproduzir peças ou documentos incorporados no processo até à sentença da primeira instância, a

não ser que tenham sido obtidos mediante certidão com indicação do seu fim, ou a reprodução

tenha sido autorizada pela autoridade judiciária, a transmissão ou registo de imagens ou tomadas

de som relativas à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência. Ficam na

mesma impedidos se a pessoa sobre a qual recai a transmissão ou o registo de imagens ou tomada

de som se opuser 62.

O acesso irrestrito aos autos, mesmo requerido por parte dos sujeitos processuais, quando o

processo está em segredo de justiça, não pode ser livre, até porque o acesso a essas peças

processuais pode lesar terceiros, pode comprometer irremediavelmente as investigações, os

direitos das vítimas ou dos participantes processuais. Assim, quando o arguido requer que lhe

sejam facultadas determinadas peças processuais, e estas também digam respeito a outras partes,

61 Artº 89º, nºs 1, 2 e 3, do C.P.P. 62 Al. b), do nº 2, do artº 88º, do CPP.

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não lhe devem ser cedidas. Isto não quer dizer que lhe seja negado o direito de consulta dos autos,

o que pode acontecer é que nem todas as cópias solicitadas sejam obtidas.

Também o defensor, que está obrigado a defender direitos, liberdades e garantias, além de

estar vinculado ao segredo profissional 63, está também vinculado ao segredo de justiça, não tem

um acesso irrestrito aos autos, como muitas vezes gostaria.

Os direitos do arguido nunca são postos em causa mesmo que lhe seja negado o acesso aos

autos ou a documentos, porque quando é feito o primeiro interrogatório judicial, o arguido é

informado pelo juiz de instrução, dos elementos do processo que indiciam os factos que lhe são

imputados, o mesmo acontecendo no despacho que aplica uma medida de coacção, excepto o

termo de identidade e residência, sob pena de nulidade, desde que não seja posta em causa a

investigação que impossibilite a descoberta da verdade, ou crie perigo para a vida ou integridade

física dos intervenientes processuais ou vítima do crime 64.

Os elementos do processo, têm que ser elementos probatórios, onde constem fortes indícios

da prática do crime, que podem ser documentos ou declarações de co-arguidos, ficando os visados

com a percepção que no processo existe prova indiciária contra eles, da qual tomaram

conhecimento.

O acesso ao conteúdo dos autos não tem necessariamente que ser um contacto físico com o

processo, porque nesse caso poderia estar em causa o segredo de justiça. Este acesso pode ser

aquele que já referimos, em que são tiradas cópias das suas próprias declarações e de partes que

não ponham em causa a investigação.

Há que distinguir entre direitos de defesa do arguido, cujo exercício não fica prejudicado

pelo facto de ficar aguardar fases ulteriores do processo, essas já sujeitas a regras de publicidade e

contraditório, do exercício de direitos que fica irremediavelmente comprometido com essa espera,

designadamente porque pode estar em jogo a aplicação de uma medida de coacção privativa da

liberdade de consequências irreversíveis. Neste caso o Ac. do TC. Nº 589/2006, declarou que era

inconstitucional a norma do artº 86º, nº 5, quando interpretada no sentido de que quando o arguido

impugnar a decisão que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, lhe fosse recusado o

acesso a elementos de prova que estiveram na base de tal medida, desde que não houvesse

apreciação concreta da existência de inconveniente grave, na revelação de tais elementos que

justifiquem o segredo. Em sentido semelhante já tinha ido também o Ac. do TRP de 24/01/2001.

Em muitas das situações o tribunal reconhece a necessidade de uma condução eficaz dos

inquéritos penais, o que pode implicar que uma parte das informações recolhidas durante essas

63 Artº 85º, nº 1, 87º e 95º, nº 1, al. a), do EOA. 64 al . d), do nº 3, do artº 141º, e al. b), do nº 4, do artº 194º, ambos do CPP

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investigações devam ser mantidas secretas a fim de impedir os suspeitos de alterar as provas e

prejudicar a boa administração da justiça 65.

10.1. Inacessibilidade Por Quanto Tempo?

O segredo de justiça interno actualmente não pode ir além dos prazos máximos do

inquérito previstos no artº 276º do CPP, acrescidos do adiamento por um prazo máximo de três

meses, o qual pode ser prorrogado. Quanto ao adiamento não há dúvidas, relativamente à

prorrogação é que as opiniões são divergentes.

O nº 6 do artº 89º do CPP, expressa que decorridos os prazos máximos previstos no artº

276º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se

encontrem em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do

Ministério Público, que tal acesso seja adiado por um período máximo de três meses, podendo ser

prorrogado por uma só vez, quando estiverem em causa crimes de terrorismo, criminalidade

violenta, especialmente violenta e altamente organizada.

Colocam-se aqui algumas questões, a saber:

Em todos os inquéritos os prazos de duração máxima podem ser adiados em três meses? A

prorrogação do prazo por uma só vez, referida na parte final do nº 6, é uma renovação do primeiro 66? E qual o prazo objectivamente indispensável?

Do teor literal do nº 6 do artº 89º, do CPP, parece-nos que não restam dúvidas, que quando

todos inquéritos, independentemente dos crimes, esgotarem o seu prazo máximo em segredo de

justiça, este pode ser acrescido em três meses. Se assim não fosse, o legislador não especificaria os

crimes onde ele pode ser prorrogado, ou seja, tipificaria logo os tipos de crime onde poderia haver

adiamento, porque só para a prorrogação é que é dito qual o tipo de criminalidade onde existe um

prazo objectivamente indispensável. Assim, em relação ao adiamento, não há dúvidas que pode ter

um prazo máximo de três meses.

Relativamente à prorrogação do prazo, prevista no nº 6 do artº 89º, a doutrina e a

jurisprudência divergem.

10.1.1. A Doutrina

Frederico Costa Pinto defende que «a duração do adiamento e da prorrogação nunca

podem, no conjunto, exceder os seis meses (…) um prazo objectivamente indispensável à

conclusão da investigação parece que só pode integrar um prazo inferior a três meses e não

65 Ac. do TRL de 13/12/2006, Proc. 9377/2006-3, in www.dgsi.pt, pág. 15 de 17. 66 Três meses de acordo com o nº 6, do artº 89º, do CPP.

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superior» 67. De acordo com esta interpretação, o adiamento e a prorrogação do segredo de justiça

não podiam exceder os seis meses da duração máxima.

Paulo Pinto Albuquerque refere que «o segredo interno nos inquéritos relativos a crimes

das alíneas i) a m) do artigo 1º pode ser prolongado até ao período máximo de seis meses (duas

vezes o prazo de três meses) e nos restantes até ao período máximo de três meses»68.

Pedro Vaz Pato afirma que há dois entendimentos possíveis a propósito do requerimento

do MP de prolongamento de segredo interno, quando estiver em causa a criminalidade prevista nas

als. i) a m) do artº 1º: «pode entender-se que, findo o prazo inicial de três meses, o MP pode

requerer novo prazo que não poderá ultrapassar, no seu limite máximo, outros três meses (…) e

pode entender-se que findo esse primeiro prazo de três meses, poderá ser requerido novo prazo

sem qualquer outro limite que não seja o inerente ao facto de se tratar de prazo objectivamente

indispensável à conclusão da investigação» 69. De acordo com este autor, para o primeiro

entendimento “prorrogação” e “renovação” do prazo de três meses seriam sinónimos. Para o

segundo entendimento estaríamos perante conceitos diferentes.

Vinício Ribeiro também diz que «a prorrogação pode traduzir-se num prazo superior ao

do próprio adiamento (3 meses), desde que claramente necessário à conclusão da investigação»70.

Neste sentido foi também o Despacho nº 2/2008 de 09/01/2008, da Procuradoria Geral Distrital do

Porto.

Germano Marques da Silva entende que «esta prorrogação tem natureza excepcional»71.

Deduz-se que não são três meses.

10.1.2. A Jurisprudência

O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 72 entendeu que o prazo de três meses, só

pode ser prorrogado por igual período, ou seja, para a prorrogação não pode ser fixado um prazo

suplementar superior a três meses. Segundo este entendimento, decorrido o prazo de seis meses

sobre o prazo máximo do inquérito, o segredo de justiça interno passaria a ser irrestrito.

Em sentido oposto vai o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 428/2008 de 12/08, que

diz o seguinte - o artº 89º, nº 6, do CPP, «não está condicionado ao limite de três meses, antes

devendo ter como referência o período objectivamente considerado indispensável para a conclusão

do inquérito, independentemente de este ser superior ou inferior a três meses».

O nº 3 do artº 20º da CRP, diz que “a lei define e assegura a adequada protecção do

segredo de justiça”. O Conselheiro Mário Torres no acórdão supra citado entende que os 67 FREDERICO DA COSTA PINTO, ibidem, Pág. 30. 68 PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 254, nota 15. 69 PEDRO VAZ PATO, ibidem, pág. 65. 70 VINICIO RIBEIRO, ibidem, pág. 188. 71 GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem, pág. 31. 72 Ac. Nº 360/08-2, de 14/04/2008, do TRG.

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aplicadores do Direito nesta matéria podem e devem fazer uma interpretação do artº 89º nº 6, do

CPP conforme a Constituição (artº 20º nº 3), com vista a salvaguardar as condições de investigação

criminal e interesses particulares relevantes nos termos citados.

Nós defendemos que a prorrogação do prazo não é por igual período do adiamento (três

meses), mas sim por um prazo objectivamente considerado indispensável para a conclusão do

inquérito, independentemente de este ser superior ou inferior a três meses. O legislador não definiu

nenhum limite temporal. Um prazo razoável é aquele que deve levar em conta a complexidade dos

autos (tipo de crime, número arguidos envolvidos, domicílio dos mesmos, perícias requeridas,

entre outros) no entanto, em obediência ao princípio da celeridade, entendemos que a prorrogação

deveria ser revista de seis em seis meses, tal como se avaliam os pressupostos da prisão preventiva.

10.2. Documentos em Segredo de Justiça

Durante a fase de inquérito, o Ministério Público, para fundamentar e sustentar os fortes

indícios que recaem sobre o suspeito, para além de outros elementos de prova, podem também

existir documentos, que tenham sido apreendidos quando estes estiverem relacionados com o

objecto do crime, os quais só podem ser do conhecimento público, senão colocarem em causa a

investigação, se forem convenientes para o esclarecimento da verdade, ou indispensáveis ao

exercício de direitos pelo interessado, ficando contudo vinculados ao segredo de justiça 73.

Assim, nem todos os documentos podem ser apreendidos nas buscas, nomeadamente os que

abrangem segredo profissional, excepto se eles mesmos constituírem elemento do crime (artº 180º,

nº 2, do CPP). A natureza reservada desses documentos nos processos, em limitação ao princípio

da publicidade, tem como justificação notória a protecção de interesses particulares, a que o

legislador, nesses casos, atribuiu prevalência.

Estes documentos se tivessem um acesso irrestrito deixariam de ter uma protecção legal

directa do direito à reserva da intimidade da vida privada, que se encontra constitucionalmente

protegida 74.

Relativamente aos documentos que possam ter sido apreendidos em buscas, ou até escutas

telefónicas, o juiz de instrução especifica, através de despacho, oficiosamente ou a requerimento,

quais os que ficam sujeitos a segredo de justiça, ordenando, se for necessário, a sua destruição ou

que sejam entregues à pessoa a quem disserem respeito 75.

Há outras situações em que os documentos apreendidos podem ser juntos por cópia,

restituindo-se nesse caso o original ou sendo necessário conservar o original nos autos, é feita

73 Artº 86º, nºs 9, do CPP. 74 Artº 26º, nº 1, da CRP. 75 Artº 86º, nº 7, do CPP.

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cópia certificada que se entrega ao seu detentor, onde se faz menção expressa da apreensão 76.

Nestes casos, se o processo estiver sujeito a segredo, os documentos dos autos ficam sujeitos a ele,

assim como os restituídos, uma vez que a investigação não pode ser comprometida.

10.3. Certidões

O artº 89º nº 1, disciplina-nos a consulta e obtenção de certidões por parte dos sujeitos

processuais, enquanto que o artº 90º se refere a outras pessoas.

Nos termos do artº 89º nº 1, quando requerida pelos sujeitos processuais, a certidão pode ser

passada, mesmo encontrando-se o processo em segredo de justiça; basta não haver oposição do

MP, nomeadamente, quando esta seja necessária para a instrução de outros processos de natureza

criminal, disciplinar ou ao pedido de indemnização civil.

A autoridade judiciária deve indeferir qualquer pedido de extracção de certidão dos autos,

feito por outras pessoas que não os sujeitos processuais enquanto o processo se encontrar em

segredo externo.

Nos termos do artº 90º, quando vigorar a publicidade externa, qualquer pessoa que revelar

interesse, pode requerer que lhe seja passada certidão de determinado acto, mas não pode narrar

actos processuais em relação aos quais a assistência do público tenha sido judicialmente

restringida, nem pode transcrever peças processuais até à leitura da sentença. Tal proibição deverá

constar de despacho fundamentado da autoridade judiciária e o requerente advertido das

consequências penais do não cumprimento.

Não faz qualquer sentido proibir pessoas de assistir a determinados actos e simultaneamente

permitir que outras pessoas que não são sujeitos processuais possam obter certidão desses mesmos

actos ou também permitir que pessoas possam assistir a actos e depois impedi-las de obterem um

certidão dessas peças processuais.

Pode-se o mesmo aplicar aos jornalistas; podem assistir aos actos e mesmo invocando

interesse legítimo como o acesso às fontes de informação. Ficam, contudo, impedidos de narrar os

actos processuais excluídos de publicidade até à leitura da sentença em primeira instância. O

acesso depende da alegação e da prova de um interesse legítimo e neste caso, os jornalistas,

beneficiam de regime especial previsto no artº 8º nº 2, do Estatuto do Jornalista (Lei 1/99, de

13/01).

Quando extraída a certidão, esta não é mais do que uma cópia de documentos avulsos

arquivados ou apreendidos num organismo público, passada e certificada pelo respectivo serviço,

servindo e substituindo o documento autêntico, destinada a comprovar os actos dele constantes,

76 Artº 183º, nº 1, do CPP.

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podendo esta ser de teor, quando reproduz integralmente o documento original, ou narrativa,

quando transcreve apenas uma parte do documento original ou resume o texto do mesmo.

A jurisprudência no Ac. do TRL de 17/06/2004, Proc. 3550/2004-9, entendeu que, apesar

de naquela altura imperar a regra do segredo de justiça, a obtenção de cópias simples de peças

processuais, não colidia com o segredo de justiça ou prejudicava a investigação, uma vez que o

arguido, aquando do interrogatório, já foi confrontado com os elementos que constavam do

inquérito, quando lhe foram transmitidos os motivos da sua detenção.

11. VIOLAÇÃO DO SEGREDO

É dos institutos mais violados, mas não é um fenómeno só nosso. Medina Seiça 77afirma

que «a violação do segredo de justiça se encontra institucionalizada», assim como Roger Merle e

André Vitu 78 defendem que « infelizmente a imprensa respeita mal as interdições legais: para a

satisfação de um público ávido de notícias escabrosas, os jornalistas, com uma insolente

indiscrição, assaltam polícias, advogados, juízes de instrução e testemunhas e acontece que os

participantes no processo penal fornecem informações e organizam verdadeiras conferências».

Cunha Rodrigues, então PGR, numa Conferência da Universidade Católica do Porto, referiu

que «defender o segredo de justiça é hoje praticamente impossível (… ) às vezes os jornais

investigam melhor do que as polícias»79.

Daqui se depreende que, muitas das vezes o segredo de justiça que vem a público, nem

sempre vem da parte dos sujeitos processuais. Temos é que considerar que a investigação

jornalística palmilha o terreno, vai às fontes e adianta-se. Bem sabemos que o MP manda os OPCs

para o terreno, mas os media, normalmente, fazem primeiro o reconhecimento, por isso os

primeiros chegam a conclusões jornalísticas mais rápidas que a investigação judicial, concluindo-

se que, assim sendo, não há violação. Temos é que ver que a investigação jornalística é diferente

de investigação judicial, porque a primeira visa a especulação informativa, tem uma máquina a

alimentar e a segunda pauta-se por regras do direito com vista ao apuramento da verdade.

O segredo de justiça pode ser violado por revelação ou divulgação, directa ou indirecta. A

revelação consiste em transmitir o conhecimento do facto da esfera do sigilo para o conhecimento

de terceiro. Se alguém comunica o facto a terceiro, de livre iniciativa, ou a mando de outrem é uma

revelação directa; se facilita a terceiro o conhecimento do facto, por acção ou omissão, a revelação

é indirecta. A divulgação consiste em comunicar o facto a um número indeterminado de pessoas.

Pinto Monteiro e outros agentes afirmam: «seja qual for a lei em vigor, o segredo de justiça

será sempre violado (…) mas o facto de ser violado não serve de fundamento para não existir»80.

77 MEDINA SEIÇA, Comentário Conimbricense do C. Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, anotação ao artº 371º, pág. 642, apud, VINIÍCIO RIBEIRO, pág. 143. 78 Citados no parecer CC da PGR 121/80, BMJ 309, pág. 159, apud, VINIÍCIO RIBEIRO, pág. 143. 79 In Jornal Público de 26/02/92, apud, VINIÍCIO RIBEIRO, pág. 143.

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Nós entendemos que mesmo apesar de ser violado, nunca chega a existir uma violação total; o

essencial fica sempre intocável, ou seja, do que temos lido nos jornais, o que aparece mais são

transcrições de escutas e cartas rogatórias. Não têm surgido na praça pública despachos,

depoimentos nem interrogatórios, o que leva a crer, em nossa opinião, que a violação é feita no

exterior do tribunal, nas diligências externas, dado que é impossível no seu todo serem controlados

pelos tribunais. Mesmo assim, a fuga não é uma devassa total. Conforme está é que, havendo fuga

quando o processo está em segredo, não é fácil exigir responsabilidades a alguém.

12. ALTERAÇÕES NO ANTEPROJECTO E NA PROPOSTA

Apresentado pela Unidade de Missão para a Reforma Penal e a Proposta de Lei 109/X, que

esteve na génese da Lei 48/2007, estava longe do alcance que a reforma, no segredo de justiça,

acabou por assumir. Esta proposta mantinha a regra do segredo externo de justiça no inquérito, tal

como se encontrava consagrado. Isso mesmo foi expresso na altura: «mudámos o paradigma do

segredo de justiça, os processos deixaram de estar, por regra, em segredo, para passarem a ser

públicos» 81.

Rui Pereira, na altura Presidente da Comissão, assumiu e justificou a necessidade de revisão

do segredo de justiça «de modo que se obtenha uma concordância prática entre a necessidade de

preservar a investigação e as garantias de defesa» 82. Dos vários juízos de inconstitucionalidade

que tinham sido formulados, por se negar o acesso aos autos, por parte do arguido, nomeadamente

para impugnar a prisão preventiva, era desejável que o legislador levasse em conta um critério, na

medida em que fosse concedido caso a caso, o acesso aos autos para garantias da sua defesa, nunca

pondo em causa a investigação, defendendo que na instrução o processo já deveria ser público.

A Comissão que apresentou em Julho de 2006, o Anteprojecto da Reforma do CPP, nele se

estabelecia que «o processo está sujeito a segredo de justiça até ao termo do prazo para requerer a

abertura da instrução, excepto se o Ministério Público determinar a sua publicidade – esta seria a

redacção do nº 2 do artº 86º - o que poderia fazer em qualquer momento do inquérito com a

concordância do arguido, quando entender que a cessação do segredo não prejudica a investigação

e os direitos dos participantes processuais ou das vítimas – nº 3 - continuando o processo sujeito ao

segredo de justiça até ao trânsito em julgado da decisão instrutória, se o arguido declarar que se

opõe à publicidade – nº 4».

As restantes iniciativas legislativas apresentadas pelos partidos políticos, no âmbito da

revisão do processo penal, todas elas propuseram soluções diversificadas, mas nenhuma delas

defendia a publicidade como regra do processo durante a fase de inquérito.

80 JN de 18/01/2007, in blog vexata quaestio, apud, VINIÍCIO RIBEIRO, pág. 141. 81 Deputado Ricardo Rodrigues, DAR IS, nº 108, 20/07/2007, p. 54. 82 in RMP, ano 25, nº 97, Jan. Março 2004, pp. 17-30, em especial na pág. 25-26 .

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Assim, para o PSD (Projecto de Lei nº 237/X), previa que no caso de crimes puníveis com

pena superior a oito anos, o processo era público apenas a partir do encerramento do inquérito,

excepto se fosse requerida a abertura de instrução e o arguido declarasse que se opunha à

publicidade. Este regime poderia ser extensivo aos processos por crimes puníveis com pena de

prisão superior a três anos, se a requerimento da vítima, do arguido ou do Ministério Público, o

juiz assim o entendesse;

Para o CDS (Projecto de Lei nº 368/X) mantinha-se a regra de que o processo só era público

a partir da decisão instrutória, ou do momento em que a instrução já não pudesse ser requerida ou,

se a instrução fosse requerida apenas pelo arguido, se este, no respectivo requerimento, não

declarasse opor-se à publicidade.

O BE (Projecto de Lei nº 369/X) fazia depender a publicidade do processo da natureza dos

crimes em causa, ou seja, tratando-se de crimes de natureza particular, o processo era sempre

público, de natureza semi-publica, o processo era público a partir do momento em que fosse

deduzida acusação, podendo, durante a fase de inquérito, o segredo ser levantado, desde que a

publicidade não interferisse com a investigação. Tratando-se de crimes públicos, o processo só era

público a partir do momento em que fosse deduzida acusação.

O PCP no seu Projecto de Lei 370/X, não propunha qualquer alteração para o nº 1, do

artigo 86º, então vigente, mas para os nºs 2 e 4 do artº 89º, admitia princípios semelhantes aos dos

nºs 2 e 3 do artº 86º do Projecto de Lei do PSD.

No decurso da discussão e votação na especialidade no seio da Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na reunião final da Comissão, realizada em

18/07/2007, é que foram apresentadas as propostas de alteração aos artºs 86º e 89º, do CPP que

acabaram por ser aprovadas, e que representaram uma alteração radical à proposta inicial, não

tendo o relatório da Comissão fornecido qualquer indicação que permita compreender a sua

justificação.

Pedro Vaz Pato afirma que «a versão que veio a ser aprovada diferencia-se das constantes

dos referidos Anteprojecto e Proposta de Lei, em que o carácter secreto desapareceu e passou a ser

excepção e a regra a publicidade» 83.

A rapidez é inimiga da perfeição, porque a versão aprovada em nada se aproxima, quer da

Proposta de Lei, quer dos Projectos dos partidos políticos da oposição. Entre as datas das reuniões

da Comissão (segunda quinzena de Julho) e a data da publicação da Lei 48/2007, de 29/08, a

vactio legis teve um período de quinze dias, insuficiente para uma remodelação tão profunda.

Uma reforma desta natureza, com alterações radicais, deveria ter obtido um mínimo de

consenso político, onde todas a Propostas de Lei apontavam para o segredo. Até mesmo a

Comissão que apresentou o Anteprojecto tinha uma boa proposta, com a qual nos identificamos. 83 PEDRO VAZ PATO, ibidem, pág. 45 e s.

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Não se tendo avaliado em tempo útil as suas implicações no ordenamento jurídico, deu

origem aos problemas que são do domínio público (presos libertados, inquéritos que se tornaram

públicos, aumento da criminalidade e outras), que importa corrigir o mais breve possível.

12.1. No Artº 86º

A revisão mais profunda operada neste preceito concentra-se, essencialmente, no regime

introduzido nos nºs 2, 3, 4 e 5, que contêm dispositivos vários no sentido de uma maior abertura no

domínio do segredo de justiça externo e de uma compressão do segredo de justiça interno, fazendo

intervir o juiz de instrução na fixação definitiva do regime aplicar. Tal como afirma Vinício

Ribeiro «só existe segredo de justiça por força de requerimento (nº 2), ou por determinação do MP

sujeita a validação (nº 3)» 84, ou seja, o segredo existe sendo requerido ou determinado e validado

pelo JIC.

O Código inverteu a posição tradicional em matéria de segredo de justiça, já que formulou a

publicidade como regra sob pena de nulidade, passando a excepção a ser o segredo, e para que este

exista, a lei exige sempre a concordância do juiz.

O legislador com esta revisão teve a intenção de diminuir o âmbito temporal do segredo,

este deixou de poder ser eterno na fase de inquérito, e para existir tem que ter sempre o aval do

juiz de instrução. Em Março de 2007 já o PGR alertou o Parlamento para o facto de a redução do

segredo de justiça poder prejudicar a investigação da criminalidade mais grave. Em nossa opinião

não se enganou.

Quando o arguido, assistente, ou o ofendido, nos termos do nº 5 do artº 86º, requerem o

levantamento do segredo, é porque a sua sujeição também foi impulsionada pelos mesmos; aquele

não está sujeito a qualquer prazo, ou seja, a lei não permite que o JIC decida sujeitar o inquérito a

segredo de justiça apenas durante um certo período de tempo e nesta situação o MP também não

pode tomar a iniciativa para o levantamento. O único caso em que o MP pode requerer o

levantamento é quando determina, nos termos do nº 3 do artº 86, que o mesmo seja sujeito a

segredo.

A preservação do segredo de justiça não serve só a tutela do princípio da presunção da

inocência do arguido, o seu bom nome, reputação e intimidade da vida privada, serve também a

investigação.

Maia Gonçalves frisa que o artº 86º não necessitava de profundas alterações, e sobretudo,

quando provocadas por ocorrências muito recentes e mediáticas, porque assim fica aberto caminho

para novas dúvidas e incerteza de interpretação 85.

84 VINÍCIO RIBEIRO, ibidem, pág. 154. 85 MAIA GONÇALVES, CPP anotado, 16º Edição, Almedina, Coimbra 2007, pág. 234.

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Em alguns tipos de processos, por via da investigação, não se justifica o segredo de justiça,

nomeadamente nos crimes de natureza particular e nos acidentes de viação.

12.2. No Artº 89º

Esta norma foi uma das que também sofreu uma profunda alteração. Diz o nº 1 e 6 deste

artigo que os sujeitos processuais podem ter a possibilidade de consulta ou acesso de todos os

elementos do processo, mediante requerimento ou findos os prazos previstos no artº 276º do CPP.

Do que se trata aqui é saber se os sujeitos processuais, durante o inquérito ou findo o prazo

previsto para a sua duração máxima, podem consultar ou obter certidão de processo que se

encontre em segredo de justiça, mas no nº 6 este pode ser adiado e prorrogado. No primeiro caso,

havendo oposição e, no segundo, requerimento do MP, a decisão cabe sempre ao JIC, ou seja,

tanto para impedir a obtenção de cópias e certidões (89º nº 1), como o adiamento ou prorrogação

(artº 89º nº 6) o juiz de instrução é chamado a pronunciar-se. Parece-nos que a intenção do

legislador foi no primeiro caso, impedir o acesso aos autos, mas facultar cópias para que os

sujeitos pudessem preparar a defesa. Vinício Ribeiro defende que «negar o acesso aos autos ou o

fornecimento daqueles elementos põe em causa o princípio da igualdade de armas, colocando o

arguido em posição mais frágil»86. Salvo o devido respeito, discordamos em parte, desta posição,

uma vez que o arguido, após a acusação, tem mais do que tempo para consultar e obter tais

elementos, os quais só vai poder contraditar em sede de julgamento.

No segundo caso (artº 89º nº 6), pretendeu-se impor um limite temporal ao segredo de

justiça e de conferir ao JIC o poder de controlar o respeito por esses limites, isto é, o JIC passou a

ter o poder de controlar o inquérito, cujo prazo de duração máxima já foi ultrapassado.

Sobre adiamento e prorrogação do prazo, tanto na doutrina como na jurisprudência, parecem

não se entender.

Para Pedro Vaz Pato87, posição que já o abordamos, mas que convém de novo salientar, há

dois entendimentos possíveis a propósito do requerimento do MP de prolongamento de segredo

interno, quando estiver em causa a criminalidade prevista nas als. i) a m) do artº 1º. De acordo com

este autor, podia-se entender que “prorrogação” e “renovação” do prazo de três meses seriam

sinónimos ou que findo o prazo de três meses do adiamento poderia ser requerido um novo prazo

sem qualquer limite temporal que fosse necessário até concluir a investigação.

A primeira interpretação também é defendida por Frederico da Costa Pinto que diz que «a

prorrogação do adiamento só pode ser feita nos casos dos crimes previstos no artº 1º, als. i) a m), e

que a duração do adiamento e da prorrogação não pode no conjunto exceder os seis meses» 88.

86 VINÍCIO RIBEIRO, ibidem, pág. 191. 87 PEDRO VAZ PATO, ibidem, pág. 65. 88 FREDERICO DA COSTA PINTO, ibidem, pág. 30.

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No mesmo sentido foi o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, nº 360/08-2, de

14/04/2008, no qual se conclui que o adiamento do acesso aos autos é por três meses e a

prorrogação é por igual período.

Também Jorge M. Langweg defendeu que «após a constituição de arguido, o JIC só poderá

manter o segredo de justiça em casos excepcionais, previstos na lei, por um período de três meses,

renovável por períodos iguais, até um prazo máximo de um ano 89.

Porém, para além destes prazos, segundo esta interpretação, os sujeitos processuais

vinculados ao segredo de justiça interno, com as limitações que daí decorrem, passariam a ter

acesso irrestrito aos autos.

O que tem feito correr mais tinta é saber se, decorrido o prazo máximo de duração do

inquérito, previsto no artº 276º do CPP, acrescido de três meses, a prorrogação pode ser igual ou

superior aos três meses do adiamento, para que o arguido, o assistente e o ofendido possam ter

acesso aos autos.

Qual o limite temporal da prorrogação do prazo?

Sabemos que findo os prazos do artº 276º, o acesso aos autos ainda pode ser travado

mediante requerimento do MP, em que o Juiz de instrução pode adiar e até prorrogar o segredo.

No primeiro caso, por um prazo máximo de três meses e, no segundo, pelo tempo necessário à

conclusão da investigação. Neste sentido foi o Despacho nº 2/2008, de 09/01, da Procuradoria

Distrital do Porto que verbaliza: «quanto ao segredo de justiça e prazo de duração do inquérito (nº

6): a prorrogação do prazo de acesso aos autos, na sequência do adiamento (…) não está

condicionada ao limite de três meses, antes devendo ter como referência o período objectivamente

considerado indispensável para a conclusão do inquérito, independentemente de este ser superior

ou inferior a três meses».

A prorrogação do prazo pelo tempo indispensável à conclusão do inquérito tem razão de

ser. Não podemos aceitar que condicionantes anormais ao desenvolvimento normal do processo

corram a favor do arguido; temos que por vezes aguardar pelo resultado de perícias, cartas

rogatórias, situações que não se compadecem com os prazos impostos, sob pena de violarmos o

princípio da verdade material, porque deve ser por este que os OPC e as autoridades judiciárias

orientam a sua actuação.

Assim, para que o segredo de justiça se não quebre, isto é, tanto para o adiamento como para

a prorrogação, entendemos que o MP deve requerer e obter decisão, antes de findo o prazo

máximo previsto no artº 276º, para assim haver continuidade. Neste sentido vai a jurisprudência

mais recente e a doutrina, que referem que estes prazos se suspendem nas férias judiciais, excepto

havendo arguidos presos 90.

89 B.O.A, nº 28º, Set./Out. 2003, pág. 22. 90 Acórdão do TRL de 18/11/2008, Proc. 5793/2008-5 e PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 254.

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Havendo prorrogação dos prazos previstos no artº 276º, nada impede que haja lugar a um

pedido de aceleração processual. São incidentes diferentes, mas compatíveis.

A redacção deste artigo foi pensada para evitar que na fase de inquérito o segredo de justiça

tivesse um prolongamento infinito, em que o Ministério Público decidia unilateralmente, sem

controlo judicial. Com esta nova redacção não há decisões unilaterais.

Como refere Costa Andrade «a lei não pode estorvar» e, tal como esta norma está, conduz a

interpretações díspares, que é preciso mudar e clarificar. A redacção do nº 6 se não tivesse uma

interpretação extensiva, em muitos casos, o sucesso da investigação seria comprometido.

A nossa justiça pauta-se pelo princípio da investigação e da verdade material e é mesmo esta

que nesta altura está ameaçada, dado que nem sempre é fácil obter, em tão curto espaço de tempo,

todos os meios de prova, onde haja indícios suficientes da prática do crime.

13. CONSTITUCIONALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE?

A Lei 48/2007 com as alterações que introduziu no CPP ultrapassou os limites

constitucionais que se impunham. As maiores violações estão subjacentes nos artºs 86º e 89º, se

não vejamos:

O nº 3, do artº 20º da CRP, confere tutela jurisdicional ao segredo de justiça e os nºs 2 e 5 do

artº 32º da nossa lei fundamental garantem presunção da inocência e estrutura acusatória. Ora,

estas normas são incompatíveis, com a agora regra da publicidade no processo penal, porque nem

garantem uma fase de investigação secreta, nem a presunção da inocência.

Estaremos perante normas inconstitucionais?

Na revisão do nosso CPP de 1998 o legislador, na proposta de lei que esteve na base de tal

revisão diz claramente que, o inquérito, em cujo âmbito se desenvolve a investigação é, por

natureza, inquisitório e secreto. Roxin corrobora desta opinião quando refere que o processo de

investigação é secreto, e entre nós Meneses Leitão e Costa Pinto, também defendem que o segredo

é fundamental para a investigação 91.

Com a revisão de 2007 parece-nos que o legislador criou um novo conceito de segredo de

justiça, ou seja, para não afrontar totalmente a constituição, refere que o inquérito é público, mas

não deixa de ser secreto. Temos aqui uma situação de atipicidade, uma figura híbrida no segredo

de justiça, em que o inquérito tanto pode ser secreto como público.

Tendo havido um inquérito sem publicidade, se o arguido requerer a abertura de instrução,

este não pode impedir que aquela seja secreta. Neste sentido Paulo Pinto Albuquerque afirma que

«à violação do conceito constitucional de segredo junta-se então a violação das garantias de defesa

e da presunção da inocência» 92, ou seja, o arguido não pode requerer que a instrução seja secreta,

91 PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 240 e ss. 92 PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 241, notas 8 e 9.

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porque o juiz não pode deferir esse requerimento. O mesmo autor acrescenta que da forma como o

artº 86º, nº 1, está redigido, até parece que antes de o processo ser submetido a segredo de justiça,

qualquer cidadão pode assistir a qualquer diligência no inquérito e que ninguém o pode impedir.

Este entendimento é contrariado pelo nº 2 do artº 141º e 143º, do CPP.

Também Figueiredo Dias em artigo publicado defende que «se o TC for chamado a

pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do nº 1 do artº 86º, na sua

actual redacção, este deve pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade» 93.

Assim, tal como Paulo Pinto Albuquerque, entendemos que os nºs 1, 2, 3, 4 e 5, do artº 86º,

do CPP, estão feridos de inconstitucionalidades, por violarem os artºs 2º, 20º, nºs 1 e 3, 32º, nºs 1,

5 e 7, e 219º, nº 1, todos da CRP, por no inquérito fixar a publicidade como regra, mesmo contra

a vontade do MP, conferir ao juiz o poder de decidir oficiosamente por despacho irrecorrível e não

ter acautelado o segredo de justiça externo da instrução a requerimento do arguido 94.

Há quem entenda, nomeadamente Germano Marques da Silva que o artº 86º não é

inconstitucional, não viola o nº 3 do artº 20º da CRP, porque não impõe que haja sempre segredo,

admite-o desde que adequado 95. Assim como a lei prevê os casos onde pode ser estabelecido, o

tempo da duração, também é o juiz que decide caso a caso.

O Ac. do TC nº 110/2009, de 11/03, também entende que o nº 3 do artº 86º, não é

inconstitucional por não violar os artºs 2º e 219º da CRP, mas tem voto contra de Maria João

Antunes.

Analisemos agora o artº 89º do CPP:

A protecção do segredo de justiça está constitucionalmente consagrada, no entanto, sendo

este agora uma excepção, mesmo requerido, está limitado aos prazos do artº 276º do CPP, mais os

prazos da parte final do nº 6 do artº 89º, isto se não se levar em conta que o referido normativo é

inconstitucional. Ao permitir o acesso a todos os elementos do processo, onde podem constar

dados relativos à vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais, há que

concluir que o requisito constitucional da adequação da protecção do segredo de justiça é

desrespeitado. Estão, assim, em jogo outros valores constitucionalmente protegidos, ligados à

reserva das pessoas em causa a que esses segredos respeitam e nada justifica que sejam sujeitos a

devassa por parte dos restantes intervenientes processuais sem que, previamente, seja proferido

despacho onde se especifique os elementos relativamente aos quais se mantém o segredo de

justiça.

O segredo de justiça é protegido pelo artº 20º nº 3, da CRP, funcionando como um meio de

protecção da investigação penal. O nosso processo penal tem estrutura acusatória (artº e 32º nº 5,

93 FIGUEIREDO DIAS, ibidem, pág. 375. 94 Neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 242, nota 11. 95 GERMANO MARQUES DA SILVA , ibidem, pág. 27 e 28.

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da CRP), que é incompatível com a regra da publicidade, supõe que a fase de investigação seja

secreta (20º nº 3) e depois o legislador permite a consulta do processo na fase de inquérito?

Parece-nos haver aqui alguma incongruência e desrespeito por estas normas constitucionais.

Desta feita, de acordo com Paulo Pinto Albuquerque, os nºs 1 e 2 do artº 89º são

inconstitucionais por violarem os artºs 2º, 20º, nº 3, 32º, nº 5 e 219º, todos da CRP, na parte em

que permite a consulta aos autos e o juiz decidir oficiosamente e por despacho irrecorrível a

publicidade interna contra a vontade do MP 96, assim como o nº 6 do artº 89, sofre de uma outra

inconstitucionalidade que é permitir que o arguido, o assistente e o ofendido, possam ter acesso

aos autos depois de esgotados os prazos previstos no artº 276º. Esta situação constitui uma

violação do princípio da igualdade, bem como uma restrição inadmissível das partes civis ao

processo, o que constitui uma violação do acesso ao direito e aos tribunais, prevista no artº 20º, nº

1, da CRP. Assim sendo, esta norma é inconstitucional por violar os artºs 13º e 20º, nº 1, da CRP.

Neste sentido Manuel Lopes Maia 97, refere que «o nº 6 do artº 89º, em nosso entendimento

sofre de inconstitucionalidade por violar o artº 20º, nº 3 da CRP, na medida que não assegura

adequada protecção do segredo de justiça».

O artº 89º, nº 6, está ferido de uma outra inconstitucionalidade que o TC no Acórdão

428/2008, de 12/08, já se pronunciou pela violação do nº 3 do artº 20º da CRP, por permitir e não

poder ser recusado ao arguido, antes do encerramento do inquérito a que tenha sido aplicado o

segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo. Lê-se neste aresto que

«o artº 89º, nº 6, do CPP não pode permitir o acesso automático aos autos sempre que tal possa pôr

gravemente em causa a investigação, se a sua revelação impossibilitar a descoberta da verdade ou

se a sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos

participantes processuais ou vítimas do crime».

Vimos assim que uma boa parte da doutrina e também o Ac. do TC nº 428/2008, se

inclinam, tal como nós, para a inconstitucionalidade destas normas.

14. TESES

Ao defendermos o segredo de justiça como regra, deixamos aqui a nossa opinião alicerçada

em outras.

Assim:

1 – Controle da criminalidade

Quando temos criminalidade é porque a fase da prevenção não actuou em tempo útil. Ao

passarmos à segunda fase (repressão), para a podermos combater, não podemos partilhar

96 Neste sentido PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ibidem, pág. 253. 97 MAIA GONÇALVES, CPP Anotado, Almedina, 17ª Edição 2009, pág. 266.

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informação, diligências, com quem está a ser investigado, sob pena de este combate estar vencido

e viciado logo à partida e a fase de inquérito não servir para nada. Se numa boa sementeira o cereal

tem que estar escondido até à germinação, também a investigação não deve estar exposta para que

se possa chegar à verdade material, sob pena de a última não dar fruto.

2 – Limite temporal para o segredo de justiça

a) A manter-se a redacção actual do artº 89º, nº 6, do CPP, a prorrogação do segredo de

justiça não pode ser por um prazo máximo de três meses, se assim fosse o legislador teria dito

“prorrogação ou renovação por igual período”. Este prazo é sem duração temporal fixada, não é ad

aeternum, mas tem que ser razoável para concluir a investigação. O legislador podia ter sido mais

claro e defendemos que até podia ter proposto, nesta parte, uma redacção semelhante a isto: (…o

acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado

pelo tempo indispensável à conclusão da investigação, sendo revisto ao fim de seis meses, quando

estiver em causa…).

O poder discricionário ficou nas mãos do juiz de instrução e o prazo ficou ilimitado, quando

até poderia ser revisto para verificar se os pressupostos se mantinham, tal como o previsto no artº

213º do CPP. De nada adiantaria um prazo igual ao primeiro quando as exigências da investigação

forem demasiado complexas onde nem estão excluídos os recursos. O crime violento e organizado

não se pode compadecer com prazos taxativos e o MP ficar refém dos mesmos.

b) Tem-se levantado a questão de saber se os prazos relativos ao adiamento e prorrogação

correm ou não em férias. Em relação à prorrogação, não há dúvidas que não estando fixado, e não

sendo os três meses, o problema não se coloca, deve aplicar-se a continuidade por se preverem ser

superiores a seis meses. Relativamente ao adiamento, o prazo suspende-se nas férias, excepto para

os processos urgentes.

De acordo com o Ac. do TRL, com o qual concordamos, se o MP conferir carácter de

urgência ao inquérito, o prazo de três meses não suspende nas férias 98. Se não lhe conferiu esse

carácter, então suspende-se nas férias de acordo com o nº 1 do artº 103º, do CPP. À contagem dos

prazos aplicam-se as regras da lei processual penal e civil (artº 104º, nº 1do CPP).

3 - Garantias de defesa

Os prejuízos que possam advir para os direitos de defesa do arguido são só aqueles que

estão relacionados com a aplicação de medidas de coacção como a prisão preventiva. Nuno

Brandão defende que apesar de este procedimento ter sofrido uma alteração extensa, com a

revisão do CPP não foram postas em causa as linhas fundamentais do regime anterior no que toca

ao modo de aplicação 99. Ou seja, havendo segredo de justiça, o arguido mantém as mesmas

98 Ac. nº 5793/2008-5 do TRL de 18/11/2008. 99 NUNO BRANDÃO, Medidas de Coacção: o procedimento de aplicação na revisão do CPP, Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, pág. 73.

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garantias de defesa que existem na publicidade, daí que esta nada acrescentou aos seus direitos.

António Henriques Gaspar reforça esta ideia quando afirma que «na publicidade ou no segredo,

não estão, por si mesmos, envolvidos direitos fundamentais que ao juiz de instrução cumprisse

salvaguardar» 100.

Ainda Nuno Brandão 101, citando parte da doutrina e da jurisprudência diz que «estando

assim acautelada a posição de defesa, entendia-se que uma abertura total dos autos ao arguido não

representaria uma solução de compromisso e concordância prática, mas antes um aniquilamento

dos interesses tutelados pelo segredo de justiça à custa dos interesses da defesa», isto é, passariam

a prevalecer os interesses de defesa em prol da investigação, ou seja, direitos particulares a

sobreporem-se aos direitos públicos. Como sabemos, a fase de inquérito é, por excelência, a fase

de investigação, onde devem prevalecer direitos públicos. Nesta fase os direitos particulares não

se podem sobrepor, porque já estão acautelados.

Ainda de acordo com o mesmo autor «no caso de o processo se encontrar em segredo de

justiça, ao abrigo dos nºs 2 ou 3 do artº 86º, esse acesso aos autos estará sempre dependente de um

juízo concreto sobre a sua compatibilidade com a salvaguarda dos interesses em que se funda o

segredo de justiça na fase de inquérito, cessando sempre que a investigação seja posta em causa».

4- Inconstitucionalidades

Como abordámos em lugar próprio, os artºs 86º e 89º do CPP contêm, em nosso entender,

assim como Paulo Pinto Albuquerque, Figueiredo Dias, Manuel Lopes Maia, o Ac. TC nº

428/2008, de 12/08, algumas inconstitucionalidades, nomeadamente aquelas que colidem

directamente com o artº 20º nº 3 da CRP, que devem ser corrigidas, numa das próximas revisões.

São as normas que têm que se adaptar à CRP e não o inverso. Em sentido oposto temos Germano

Marque das Silva.

5 – Segredo como regra

Ao defendermos o segredo como regra, tendo como primeiro fundamento a protecção da

investigação, também o poderíamos defender nas outras vertentes, mas não o fizemos

levianamente. Para reforçar a nossa posição, quisemos juntar também a posição da doutrina e da

jurisprudência.

Boaventura Sousa Santos no artigo já citado, defende que a alteração ao segredo deveria ser

mínima, não devendo por em causa os interesses e o êxito da investigação, por ser mais adequada

às realidades sociológicas e judiciais do nosso país102.

100 ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem, pág. 353. 101 NUNO BRANDÃO, ibidem, pág. 83 e s. 102 Visão de 6/03/2003 ou in http:/www.ces.uc.pt/opinião/bss/071.php.

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Frederico da Costa Pinto também entende que, a vigência do segredo de justiça nas fases

preliminares destina-se a garantir a presunção de inocência do arguido, eficiência da investigação e

de preservação de possíveis meios de prova e de garantia de pessoas que intervêm no processo103.

António Henrique Gaspar, também advoga que a principal finalidade do segredo de justiça é

evitar que o arguido ao tomar conhecimento antecipado dos factos e provas venha a actuar de

forma a perturbar a investigação104.

No Parecer CC da PGR 60/2003 citado por Vinício Ribeiro, diz-se que o valor do bem

jurídico que de forma directa e imediata é protegido é a qualidade e o bom êxito da investigação e

em última instância, da justiça penal105. No mesmo sentido já ia o Parecer 121/80.

Vinício Ribeiro, diz que não há unanimidade entre os mesmos, uns defendem mais o lado do

princípio da presunção da inocência do arguido, outros do lado dos interesses da investigação106.

Já Cunha Rodrigues em 1997 escreveu na RPCC 107 que o segredo de justiça visava, como

ainda hoje, a protecção da investigação.

É certo que não se pode garantir um bom êxito de investigação sem que haja segredo de

justiça, porque senão vejamos: se na fase de inquérito, durante a investigação, o MP apura novos

factos que podem incriminar o suspeito, para que este não perturbe o inquérito, requer ao juiz de

instrução a substituição da medida de coacção inicialmente aplicada. Ora, se houver publicidade

do inquérito o arguido ao consultar o processo toma conhecimento da proposta e perante isto, o

mais provável é que se furte à sua aplicação, indo para paradeiro incerto. O mesmo se pode dizer

em relação à criminalidade organizada, em que nem todos os arguidos são detidos em simultâneo.

A par dos fundamentos técnico-processuais não nos esquecemos que é necessário também

levar em conta a honra do arguido. Este goza de direito fundamental ao bom nome e reputação da

garantia de presunção de inocência. Assim, também por esta via, justifica-se o segredo de justiça,

impedindo que a reputação alheia sofra manchas pela divulgação de notícias falsas susceptíveis de

causar prejuízos irreparáveis em caso de arquivamento dos autos.

Por outro lado, os participantes no processo são seres humanos que, como quaisquer outros,

podem sofrer pressões que conduzam à distorção do objectivo da investigação — a busca da

verdade. A publicidade pode dificultar a recolha de provas através da coacção das vítimas ou

participantes processuais.

Desta feita, em nosso entender, ele justifica-se pelo bom êxito da investigação e pela busca

da verdade material, porque quando se protege a investigação, também se protegem as vítimas e os

participantes processuais, os direitos e o bom nome do arguido. O primeiro implica o segundo e o

103 Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina 2004, pág. 71. 104 ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem pág. 350. 105 VINICÍO RIBEIRO, ibidem, pág. 148 106 VINICÍO RIBEIRO, ibidem, pág. 147 e s. 107 CUNHA RODRIGUES, RPCC, pág. 556, apud, VINICIO RIBEIRO, pág. 149

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inverso não se verifica, ou seja, quando o MP requer o segredo tem sempre em vista a investigação

ou os direitos dos sujeitos processuais. Quando é o arguido, o assistente ou ofendido a requerê-lo,

estes só têm em vista os seus direitos.

15. CONCLUSÃO

Não há investigação criminal bem sucedida, em especial na criminalidade organizada,

complexa ou sofisticada, sem uma envolvente de segredo de justiça, assim como também não pode

haver uma acusação seriamente sustentada se antes da mesma ser deduzida, a investigação de

apoio tiver sido confrontada com manipulação ou destruição das provas, adulteração dos factos e

ocultação de eventuais testemunhas.

Dos vários autores que consultamos verificamos duas realidades:

1 - Tal como nós, a maior parte deles defendem o segredo de justiça como regra e não como

excepção, pelo menos durante a fase de inquérito;

2 – Em todos os sistemas processuais penais existe uma fase secreta de investigação, e pelo

tempo que se mostre necessário, até concluir o inquérito. Mesmo nos sistemas em que,

aparentemente, o processo é aberto ao arguido, há uma fase como que um “pré-inquérito” é de

absoluto secretismo 108.

Figueiredo Dias não conhece o princípio da publicidade no inquérito, mesmo naqueles

processos penais mais caracterizadamente acusatórios como o norte-americano, existindo pelo

menos uma fase pré-processual, de carácter policial, em que vale o princípio do segredo 109.

O poder político teve como preocupação reforçar os direitos dos arguidos, retirar poderes ao

Ministério Público, deu uma volta de cento e oitenta graus, quer na Proposta de Lei, quer na

redacção até aí vigente, não se percebendo muito bem como. Os prevaricadores nada mais fazem

do que aproveitar-se das leis penais. Veja-se o relatório de Segurança Interna de 2008 onde a

criminalidade subiu 10,7% nos crimes violentos e 7,5% na criminalidade em geral. Foi o pior

resultado nos últimos dez anos, continuando a subir no início de 2009 110, onde não podemos

excluir as alterações da nossa legislação penal.

O projecto da Unidade de Missão deu uma cambalhota durante os trabalhos parlamentares.

Tem razão Figueiredo Dias 111 quando diz que «terá sido o desejo de alcançar uma regulamentação

nova do “segredo de justiça”, mas que terá acabado por conduzir, nos trabalhos parlamentares a

uma profunda desfiguração da fase de inquérito» e vai mais longe quando afirma que aquilo que

poderia ter sido uma reforma não foi e lamenta a oportunidade perdida.

108 Congresso da Justiça 08/08/2003. 109 JORGE FIGUEIREDO DIAS, ibidem, pág. 371. 110 MÁRIO MENDES, Entrevista ao Jornal Público e à RR em 28/03/09. 111 JORGE FIGUEIREDO DIAS, ibidem, pág. 371.

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Relativamente ao limite temporal, podemos dizer que a válvula deixada na parte final do nº

6 do artº 89º, apesar de não ser o ideal, deixou algum espaço de manobra, porque caso contrário

muita investigação seria inconclusiva. O Direito não é a Matemática, porque o prazo que é

razoável para alguns crimes é demasiado curto para outros, até porque a criminalidade em causa

pode ter redes internacionais, precisa de cooperação internacional que não se compadece com os

nossos prazos, sob pena até de podermos ser excluídos dos mecanismos de cooperação policial. O

prazo tem que ser de acordo com a complexidade do caso.

Partilhamos a opinião de Costa Andrade quando afirma que «o legislador de 2007

determinou que primeiro se aplicaria a lei e depois se faria o seu estudo» 112.

Mais uma vez reforçamos a ideia de que numa próxima revisão do CPP, o segredo deve ser

regra, não pondo em causa os direitos do arguido, sob pena de sermos ultrapassados pelas teias da

criminalidade. O regime actual veio permitir um maior aproveitamento por parte dos

prevaricadores, e já em 2003 Eduardo Maia Costa tinha razão quando dizia «uma investigação

feita na “praça pública” ou em “colaboração” com os arguidos está destinada ao fracasso» 113 .

112 COSTA ANDRADE, RLJ, nº 3948, Jan. Fev. 2008, pág. 135. 113 EDUARDO MAIA COSTA, O segredo e a justiça, Jornal Público 20/02/2003, apud VINICÍO RIBEIRO, pág. 143

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