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C M Y K C M Y K E Ed di it to or r: : José Carlos Vieira [email protected] [email protected] 3214-1178 • 3214-1179 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, terça-feira, 12 de agosto de 2014 Direção 8 84 4% % são homens brancos 1 13 3% % são mulheres brancas 2 2% % são homens negros Atores e atrizes 8 80 0% % do elenco dos filmes de maior bilheteria são de cor branca 4 44 4% % são homens brancos 1 14 4% % são homens negros 3 36 6% % são mulheres brancas 4 4% % são mulheres negras No cinema INVISIBILIDADE negra www.correiobraziliense.com.br C Co on nf fi ir ra a i in nf fo og gr rá áf fi ic co o s so ob br re e a a r re ep pr re es se en nt ta aç çã ão o n ne eg gr ra a n na as s a ar rt te es s. . Leia mais na página 3 » A ausência de artistas afrodescendentes permeia toda a cultura brasileira, do cinema à música » ADRIANA IZEL » MAÍRA DE DEUS BRITO D urante muito tempo, o Brasil ostentou a crença de ser um paraíso racial que teria escapado do racismo. Essa ideia surgiu, prin- cipalmente, por conta da com- paração com outras nações em que o preconceito e a discrimi- nação racial eram mais expostas. Essa ausência de questionamen- to sobre o assunto dificultou o enfrentamento do racismo no país (que sempre existiu). Nos últimos meses, a Copa do Mundo foi responsável por des- pertar esse debate. A chamada diversidade brasileira foi contes- tada pela falta de negros nas ar- quibancadas dos estádios. Den- tro do campo, a pouquíssima presença de crianças negras, que entravam ao lado dos joga- dores, confrontou o evento que teve como um dos temas “Copa sem racismo”. A ausência de afrodescen- dentes no Mundial também é vista em outros ambientes como em cargos de chefia de empresas públicas e privadas, setores da educação e da saúde, e ainda no ambiente artístico. Na sétima ar- te, a situação foi comprovada por meio da pesquisa A cara do cinema nacional, desenvolvida no Grupo de Estudos Multidisci- plinar da Ação Afirmativa (Ge- maa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O estudo analisou os filmes nacionais de maior bilheteria en- tre os anos de 2002 e 2012 e mos- trou que apenas 14% dos atores são negros e 4% das atrizes tam- bém. Os números ficam ainda mais alarmantes quando investi- gada a participação em roteiro e direção: 4% dos roteiristas e 2% dos diretores são homens negros. Nesses ambientes, não existe ne- nhuma mulher negra. “O cinema é um microcosmo da sociedade brasileira, atraves- sada por desigualdades e meca- nismos discriminatórios estrutu- rais. No Brasil, os espaços de sta- tus e prestígio são reservados aos brancos. A baixa presença de rea- lizadores e roteiristas negros é um sintoma disso. As mulheres negras são o maior exemplo des- se processo: exaltadas como íco- nes de beleza e sensualidade no carnaval, elas estão excluídas da moda, da publicidade, da televi- são e do cinema”, explica Marcia Rangel, ao lado deVerônicaToste, as autoras da avaliação. Além da pouca presença nas produções, a pesquisa indica que os 31% dos negros re- presentados nos filmes estão sempre caracterizados a partir de estereótipos associados à po- breza e à criminalidade. “Os meios propagam um ideal de beleza inspirado nos padrões europeus. O racismo estético é muito presente, assim como a idealização da branquitude. O fato de o cinema ser dirigido, produzido e roteirizado, predo- minantemente por homens brancos, faz também com que o elenco dos filmes reflita a visão de mundo desse grupo e que os protagonistas escolhidos sejam parecidos com eles”, defende a dupla de estudiosas. Pior, a so- ciedade cobra esse padrão. Presença mínima na literatura A literatura parece espelhar o cine- ma. Entre os autores, há a predominân- cia dos brancos, principalmente, os ho- mens. Os personagens também são ma- joritariamente centrados no padrão es- tético branco. “Vejo um padrão de histó- rias e de personagens que não aborda a experiência do negro contada por ele mesmo”, comenta a autora de Um defei- to de cor, Ana Maria Gonçalves. No livro Literatura brasileira con- temporânea: Um território contestado, a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Grupo de Estudos de Literatura Brasi- leira Contemporânea, Regina Dalcas- tagnè, comprova os poucos afrode- scendentes na narrativa brasileira. Dos 258 romances pesquisados, 79,8% dos personagens são brancos; 56,6% são de classe média; 81% são he- terossexuais; 71,1% dos protagonistas são homens; e 56,3% dos adolescentes negros retratados nos romances atuais são dependentes químicos contra 7,5% de adolescentes brancos na mesma situação. Quando a porcentagem anali- sa os autores, o quadro não se altera: 72,7% são homens; 93,9% são brancos; e 8,8% possuem ensino superior. Já a música brasileira, para Marcia Rangel e Verônica Toste, é um terreno perigoso. As pesquisadoras acreditam que é um espaço com uma aparência mais democrática, porém, perpassada por mecanismos de apropriação da in- dústria cultural. “Basta recordar que muitos dos compositores negros da década de 1920 tiveram seus sambas levados para o rádio por intérpretes brancos e não chegaram nem mesmo a gravar as próprias músicas”, analisam. Marcia eVerônica também apontam o apoderamento do axé e do funk por artistas não-negros. “O axé baiano se nacionalizou por meio de uma cantora branca, Daniela Mercury, assim como o funk chegou aos espaços mais elitiza- dos na voz da Anitta, que tem passado até mesmo por transformações físicas para melhor se adequar a um padrão estético branco”.

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EEddiittoorr:: José Carlos [email protected]

[email protected] • 3214-1179

CORREIO BRAZILIENSEBrasília, terça-feira, 12 de agosto de 2014

Direção8844%% são homens brancos1133%% são mulheres brancas22%% são homens negros

Atores e atrizes8800%% do elenco dos filmes

de maior bilheteriasão de cor branca

4444%% são homens brancos1144%% são homens negros3366%% são mulheres brancas44%% são mulheres negras

No cinema

INVISIBILIDADEnegra

www.correiobraziliense.com.brCCoonnffiirraa iinnffooggrrááffiiccoo ssoobbrree aa rreepprreesseennttaaççããoo nneeggrraa nnaass aarrtteess.. Leia mais na página 3»

A ausência de artistas afrodescendentes permeiatoda a cultura brasileira, do cinema àmúsica» ADRIANA IZEL

»MAÍRA DE DEUS BRITO

D urante muito tempo, oBrasil ostentou a crençade ser um paraíso racialque teria escapado do

racismo. Essa ideia surgiu, prin-cipalmente, por conta da com-paração com outras nações emque o preconceito e a discrimi-nação racial eram mais expostas.Essa ausência de questionamen-to sobre o assunto dificultou oenfrentamento do racismo nopaís (que sempre existiu).

Nos últimos meses, a Copa doMundo foi responsável por des-pertar esse debate. A chamadadiversidade brasileira foi contes-tada pela falta de negros nas ar-quibancadas dos estádios. Den-tro do campo, a pouquíssimapresença de crianças negras,que entravam ao lado dos joga-dores, confrontou o evento queteve como um dos temas “Copasem racismo”.

A ausência de afrodescen-dentes no Mundial também évista em outros ambientes comoem cargos de chefia de empresaspúblicas e privadas, setores daeducação e da saúde, e ainda noambiente artístico. Na sétima ar-te, a situação foi comprovadapor meio da pesquisa A cara docinema nacional, desenvolvidano Grupo de Estudos Multidisci-plinar da Ação Afirmativa (Ge-maa), da Universidade Estadualdo Rio de Janeiro (UERJ).

O estudo analisou os filmesnacionais de maior bilheteria en-tre os anos de 2002 e 2012 e mos-trou que apenas 14% dos atoressão negros e 4% das atrizes tam-bém. Os números ficam aindamais alarmantes quando investi-gada a participação em roteiro edireção: 4% dos roteiristas e 2%dos diretores são homens negros.Nesses ambientes, não existe ne-nhuma mulher negra.

“O cinema é um microcosmoda sociedade brasileira, atraves-sada por desigualdades e meca-nismos discriminatórios estrutu-rais. No Brasil, os espaços de sta-tus e prestígio são reservados aosbrancos. A baixa presença de rea-lizadores e roteiristas negros éum sintoma disso. As mulheresnegras são o maior exemplo des-se processo: exaltadas como íco-nes de beleza e sensualidade nocarnaval, elas estão excluídas damoda, da publicidade, da televi-são e do cinema”, explica MarciaRangel, ao lado deVerônica Toste,as autoras da avaliação.

Além da poucapresença nasproduções, a pesquisaindica que os 31% dos negros re-presentados nos filmes estãosempre caracterizados a partirde estereótipos associados à po-breza e à criminalidade. “Osmeios propagam um ideal debeleza inspirado nos padrõeseuropeus. O racismo estético émuito presente, assim como aidealização da branquitude. Ofato de o cinema ser dirigido,produzido e roteirizado, predo-minantemente por homensbrancos, faz também com que oelenco dos filmes reflita a visãode mundo desse grupo e que osprotagonistas escolhidos sejamparecidos com eles”, defende adupla de estudiosas. Pior, a so-ciedade cobra esse padrão.

Presençamínima na literaturaA literatura parece espelhar o cine-

ma. Entre os autores, há a predominân-cia dos brancos, principalmente, os ho-mens. Os personagens também são ma-joritariamente centrados no padrão es-tético branco.“Vejo um padrão de histó-rias e de personagens que não aborda aexperiência do negro contada por elemesmo”, comenta a autora de Um defei-to de cor, Ana Maria Gonçalves.

No livro Literatura brasileira con-temporânea: Um território contestado,a pesquisadora da Universidade de

Brasília (UnB) e coordenadora doGrupo de Estudos de Literatura Brasi-leira Contemporânea, Regina Dalcas-tagnè, comprova os poucos afrode-scendentes na narrativa brasileira.

Dos 258 romances pesquisados,79,8% dos personagens são brancos;56,6% são de classe média; 81% são he-terossexuais; 71,1% dos protagonistassão homens; e 56,3% dos adolescentesnegros retratados nos romances atuaissão dependentes químicos contra 7,5%de adolescentes brancos na mesma

situação. Quando a porcentagem anali-sa os autores, o quadro não se altera:72,7% são homens; 93,9% são brancos;e 8,8% possuem ensino superior.

Já a música brasileira, para MarciaRangel e Verônica Toste, é um terrenoperigoso. As pesquisadoras acreditamque é um espaço com uma aparênciamais democrática, porém, perpassadapor mecanismos de apropriação da in-dústria cultural. “Basta recordar quemuitos dos compositores negros dadécada de 1920 tiveram seus sambas

levados para o rádio por intérpretesbrancos e não chegaram nem mesmo agravar as próprias músicas”, analisam.

Marcia eVerônica também apontamo apoderamento do axé e do funk porartistas não-negros. “O axé baiano senacionalizou por meio de uma cantorabranca, Daniela Mercury, assim como ofunk chegou aos espaços mais elitiza-dos na voz da Anitta, que tem passadoaté mesmo por transformações físicaspara melhor se adequar a um padrãoestético branco”.