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OS ACAMPADOS DA TO-050 E A LUTA PELA TERRA
Marta Sônia Alves Lima Silva Universidade Federal do Tocantins-UFT
Campus de Porto Nacional [email protected]
Ariovaldo Umbelino de Oliveira - Orientador
Resumo O objetivo deste artigo é revelar a realidade das famílias acampadas no Acampamento Sebastião Bezerra da Silva, do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Movimento dos Atingidos por Barragens, localizado às margens da TO-050, entre Porto Nacional e Palmas-TO. Busca-se identificar o nível de organização em que se encontram os acampados e quais suas perspectivas em relação à luta pela terra e a desapropriação da Fazenda Dom Augusto, para o futuro assentamento. Para tanto, a pesquisa a campo se fez necessário, visando à identificação do espaço ocupado, e como os movimentos MST/MAB, estão articulados na constituição do acampamento. Nesse sentido, foi necessário realizar entrevistas com militantes e acampados, as quais foram de fundamental importância no entendimento do processo de luta dos movimentos sociais pela conquista de direitos. Palavras- chave: Acampamento. Camponeses. Movimentos Sociais e Luta pela Terra. Introdução
Historicamente a luta pela terra tem sido marcada por vários conflitos e por apropriação
de grandes áreas do território por uma pequena parcela de privilegiados. Ao longo do
tempo, os camponeses a partir de suas lutas, conquistas e resistência têm construído seu
lugar na sociedade como classe social dotada de direitos garantidos pela Constituição, e
que devem ser respeitados.
Dessa forma, o objetivo deste artigo é revelar a realidade das famílias acampadas no
Acampamento Sebastião Bezerra da Silva, e suas constantes lutas pela terra, movidos
pela certeza de um dia conquistá-la. O acampamento é articulado pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento dos Atingidos por Barragem
(MAB) e, está localizado às margens da rodovia TO- 050 entre a cidade de Porto
Nacional e a capital do Estado do Tocantins, Palmas.
Os problemas evidenciados nos conflitos pela terra mostram a necessidade de um III
Plano Nacional de Reforma Agrária, visando uma maior distribuição de terra a quem de
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fato necessita trabalhar e produzir alimentos para sua família e também suprir as
necessidades da sociedade com a venda dos excedentes produzidos. Como é do
conhecimento geral a maioria dos produtos que chegam à mesa da sociedade brasileira é
produzida pelo pequeno agricultor.
No cenário de luta pela terra, os acampados do referido acampamento desde o inicio de
sua formação estão organizados politicamente e socialmente, e, a partir do primeiro
contato com a realidade desses sujeitos sociais foi possível aferir que suas ações se
constroem de forma coletiva e suas estratégias de luta e organização poderão possibilitar
o acesso a terra.
Nesse contexto a formação do acampamento configura-se como espaço de luta onde os
acampados reúnem forças e lutam coletivamente de forma organizada na reivindicação
da terra para o futuro assentamento, rompendo assim, o domínio dos pretensos donos da
terra, pois, trata-se de área grilada.
Como os procedimentos téricos-metodologicos norteiam os caminhos a serem seguidos
na pesquisa, neste trabalho foram desenvolvidos dois tipo de pesquisas:
Pesquisa teórica: em que os aspectos abordados neste trabalho tiveram como
procedimentos e técnicas, primeiramente o embasamento teórico, parte fundamental da
pesquisa, realizada a partir de autores que se dedicam a pesquisar e entender a luta pela
terra. Dentre eles, destaca-se Ianni (2004), Fernandes (2008), Oliveira (2002, 2007,
2010).
Pesquisa de campo: em que o universo de estudo constituiu-se junto ao Acampamento
Sebastião Bezerra da Silva, localizado na TO-050, entre Porto Nacional e Palmas,
capital do Estado do Tocantins. A coleta de dados foi feita em dois momentos distintos:
o primeiro realizado no dia 04 de maio e o segundo no dia primeiro de agosto de 2011.
Também nas técnicas de pesquisa, contou-se com entrevistas realizadas com militantes
dos movimentos, MST e MAB, coordenador do MST no Tocantins e vários acampados, as quais foram de fundamental importância no entendimento do processo de luta dos
movimentos sociais pela conquista de direitos, bem como a formação do acampamento e como
tem transcorrido a luta pela terra às margens da TO-050, no acampamento Sebastião Bezerra
da Silva. Foi utilizado recurso fotográfico, através de fotos, para registro e visualização
de pontos importantes da pesquisa.
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Referencial Teórico
A luta pela terra tem se configurado ao longo do tempo em um grande desafio, campo
de forças onde se insere um clima de tensão sempre conflituoso, entre aqueles que não
possuem terra e os grandes latifundiários que detém o poder sobre a mesma. Cabe
destacar que grande parte destas terras foi adquirida ilegalmente, ou seja, pela forma da
chamada “grilagem”.
As lutas camponesas sempre estiveram presentes na história do Brasil, visto que a sua
formação sempre foi marcada pela invasão dos territórios indígenas, pela escravidão e
pela produção do território capitalista. Esse processo foi também marcado pela grande
concentração de terra nas mãos de poucos, originando assim os grandes latifúndios. De
acordo com dados apresentados pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (2010, p. 8):
O Brasil é um dos países com maior concentração de terra do mundo. Em nosso território, estão os maiores latifundiários. Concentração e improdutividade possuem raízes históricas, que remontam ao início da ocupação portuguesa deste território no século XVI. Combina com a monocultura para exportação e a escravidão, a forma de ocupação de nossas terras pelos portugueses estabeleceu as raízes da desigualdade social que atinge o Brasil até os dias de hoje.
Essa realidade construiu uma formação territorial que se encontra em ininterrupta
disputa. Uma das frentes dos movimentos sociais no campo que tem desempenhado
papel fundamental face à luta pela terra e que ganhou destaque nacional é o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Foi fundado em 1984 em Cascavel - PR, durante o
Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. (OLIVEIRA, 2002,
p. 83).
A forma de organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e sua
própria história de luta geraram condições de tomada de consciência dos sujeitos sociais
envolvidos, e assim, abriu caminho por onde enraizaram suas estratégias e
concretizaram-se seus propósitos que são a luta pela terra, conseqüentemente a reforma
agrária, bem como a construção de uma sociedade mais justa.
A partir desse movimento, Oliveira (2002, p.83) escreve que “os acampamentos têm se
constituído numa espécie de nova forma de luta pela terra no país”, congregando em
nível nacional a ação de organização desses acampamentos. Uma vez que o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é fruto das lutas pela democratização do acesso a
terra como também da sociedade brasileira. Portanto, a luta pela terra e pela reforma
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agrária são fatores importantes para a territorialização do campesinato brasileiro
(FERNANDES 2008, p. 86), uma vez que a posse da terra e o desenvolvimento dos
assentamentos são partes intrínsecas desse processo.
De acordo com Fernandes (2001 p.11-12): Os acampamentos são espaços e tempos de transição na luta pela terra. São, por conseguinte, realidades em transição. São forma de materialização da organização dos sem-terra e trazem em si, os principais elementos organicionais do movimento. Predominantemente, são resultados de ocupações. São, portanto, espaços de luta e de resistência.
Nesse contexto, tanto a ocupação como a formação do acampamento se configuram
como forma de enfrentamento e contestação, primeiro passo de conquista da terra.
Frente à questão da luta pela terra, desencadeiam-se os conflitos e a violência constitui
sua principal característica no campo brasileiro, de acordo com Oliveira (2007, p.135).
Tanto os conflitos como a violência não são características exclusivas do século XX,
“são, marcas constantes do desenvolvimento e do processo de ocupação do país. Os
povos indígenas foram os primeiros a conhecerem este processo”.
Esses conflitos têm levado à morte muitos camponeses que anseiam de certa forma, pelo
seu único meio de produção, a terra. Juntamente com eles são sacrificados os que se
constituem como líderes sindicais, religiosos, agentes pastorais entre outros
(OLIVEIRA, 2002 p.13).
Todavia, mesmo com tais perdas pode-se dizer que até mesmo a partir delas, os
camponeses vêm construindo outros/novos espaços de luta. De acordo com os dados do
MST (2010, p. 09) desde a metade do século XX, surgiram novas feições e formas de
organização na luta pela terra e também pela reforma agrária. Ou seja, a partir de
contínuos conflitos e eventos se deu a formação do campesinato em várias regiões do
Brasil.
O MST, em relação aos demais movimentos sociais de luta pela terra, tem ocupado um
lugar de destaque, (OLIVEIRA, 2007, p.139) e, isso se deve ao fato de que sua forma de
organização foi sendo construída no decorrer do tempo. De acordo com o autor, “O
MST como movimento socio-territorial rural mais organizado no final do Século XX e
inicio do Século XXI, representa no conjunto da história recente do país, mais um passo
na longa marcha dos camponeses brasileiros em sua luta cotidiana pela terra”.
No contexto das lutas sociais no campo, onde se insere diferentes manifestações e
sujeitos sociais, do ponto de vista da própria luta pela democracia é importante salientar
5
que no Brasil, segundo (IANNI, 2004 p. 155): “[...] a democracia nunca chegou ao
campo, nem como ensaio; apenas como promessa. O pouco que fez, em favor da
democracia, foi e continua a ser o resultado das lutas de camponeses, operários rurais e
índios”.
Dessa forma, pode-se constatar, portanto, a imprescindível participação da luta
camponesa na conquista dos direitos da sociedade brasileira. Essa situação nos dias
atuais é fortemente visível, devido o estabelecimento dos grandes projetos e o avanço do
agronegócio.
No Brasil, a cada dia as lutas crescem, de um lado estão os indígenas (comunidades
originárias) que buscam a defesa de seus territórios. De outro, estão os trabalhadores
rurais sem terras e, somados a eles estão outros sujeitos sociais, também chamados de
(comunidades tradicionais) que lutam por um pedaço de chão para trabalhar, entre
outros que lutam para sobreviver em meio à desigualdade e injustiças que predominam
sobre a parcela do território capitalista no Brasil.
De acordo com Oliveira (2007 p. 09) os estudos clássicos sobre o campesinato teorizam
sobre a extinção dessa classe social, que se daria pela transformação do camponês em
pequeno capitalista ou proletário. Há que se destacar nesse ponto que tais teorias não
conseguiram abarcar todas as especificidades do campesinato existente em diferentes
regiões do planeta. No entanto, números bem mais significativos de estudiosos da
agricultura buscam explicar não só a permanência como também o aumento do
campesinato na agricultura. (OLIVEIRA, 2007, p.09).
Dessa forma, Oliveira (2007, p.09) afirma que: “é o próprio capitalismo dominante que
gera relações de produção capitalistas e não-capitalistas”. Ou seja, isso implica ressaltar
que tanto o campesinato como o latifúndio deve ser considerado de dentro do
capitalismo e não fora dele. Nesse contexto, a formação de acampamentos atualmente
em vários estados, e de forma particular no Tocantins, tem mostrado que a luta pela
terra se fortalece e o campesinato continua existindo e resistindo.
Várias são as formas de manifestação que no século XXI continuam a ser produzidas e
reproduzidas no território nacional, como fruto do descontentamento dos subjugados
pelo modo capitalista de produção, especificamente da contraditória relação entre o
capital e a produção camponesa, indispensável para manutenção e sobrevivência da
sociedade brasileira.
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A atuação do MST no Estado do Tocantins
Antes de abordar as ações do MST no Tocantins, é necessário lembrar como o MST
vem atuando no Brasil desde a década de 80, como movimento de massa que sempre
contribuiu para a conquista de direitos relacionados à classe camponesa. Em sua recente
história embora tenha enfrentado resistência em relação ao acesso a terra, fortaleceu-se
e conseguiu avançar nos debates sobre a questão agrária tornando-se uma referencia
nacional em termos de conquista e organização.
È importante ressaltar que a luta pela terra por envolver vários sujeitos sociais em vários
estados da federação, configura-se também, em uma série de conflitos cuja distribuição
territorial apresenta-se de forma distinta. O mapa a seguir mostra em 2010, essa
evidência.
Fonte: OLIVEIRA, 2011.
Analisando a ação dos sem terra, os dados do mapa evidenciam os conflitos ocorridos
no Estado do Tocantins, e em outros estados que de acordo com Oliveira (2010 p. 6)
foram 638 conflitos em 2010. Os Sem Terra ocupam a segunda posição com 185
conflitos representado 29% do total de conflitos. Outra questão a ser destacada é que em
2010, ocorreu o retorno dos posseiros no contexto da luta pela terra e conseqüentemente
seu envolvimento nos conflitos. Portanto, é importante a revisão das Medidas
Provisórias 422 (Lei n° 11.763-1°/o8/2008) e depois a 458 (Lei nº 11.952-25/06/2009),
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pois, possivelmente essas políticas possibilitam a regularização das terras griladas na
Amazônia Legal. (OLIVEIRA, 2010).
Obviamente esses dados podem ser claramente entendidos quando se reporta a atual
organização do MST no Estado do Tocantins, onde atua há 13 anos. O MST iniciou
seus trabalhos no Estado em 1998 e tem sua sede localizada na capital - Palmas-TO.
Sua maior área de atuação é a região denominada Bico do Papagaio, com vários
assentamentos, e acampamentos. Esta região é considerada como região de conflitos e
morte de camponeses conhecida em nível internacional. Dessa forma, de acordo com
(CHAVES, 2011):
Nessa região, Os primeiros conflitos se deram durante a abertura de frentes pioneiras, que ali chegaram ocupando as terras de seus antigos habitantes – os povos indígenas – o que provocou inúmeros e intensos confrontos pela posse da terra, entre eles. Posteriormente, foram as políticas públicas de desenvolvimento para Amazônia dos governos que vinham se instalando no Brasil.
Através das palavras da autora pode-se observar que os conflitos pela terra na região
acompanham toda uma trajetória da territorialização dos processos ensejados pela
economia capitalista na região.
O MST no Tocantins atualmente conta com trabalho que vem sendo desenvolvidos na
coordenação geral da Educação no MST no Estado, e desempenha um papel
considerado fundamental junto ao movimento em favor da educação dos sem terra. Seu
objetivo é atingir um modelo de sociedade onde alfabetização e escolarização sejam
metas que pretende alcançar.
A dinâmica de organização do MST no Brasil depende das conjunturas políticas em
nível de Estado, e, mais ainda do Governo Federal. Nessa perspectiva, convém ressaltar
a afirmação de Oliveira (2002, p.54) de que: “A posição do Estado tem sido buscar a
desarticulação dos movimentos [...] o Estado tem atuado de modo a tentar conter seus
avanços.” Mas mesmo assim o movimento tem se destacado em meio à luta pela
conquista da terra.
Segundo também, a coordenação geral da educação no MST, a principal conquista do
movimento no Tocantins, foi à implantação de assentamentos em vários municípios,
como se pode ver no quadro a seguir:
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ASSENTAMENTOS
MUNICÍPIOS-TO
1° de Janeiro e 2 de Janeiro
Palmeiras
Palmares
Araguatins
Osiel
Cachoeirinha
Onalício Barros
Caseara
Che Guevara
Goianorte
Padre Josimo I e II
Nova Rosalândia e Criatalândia
Paulo Freire
Rio dos Bois
Mártires a terra
São Bento
Fonte: Dados da coordenação da educação no MST. (Org.) SILVA, 2011.
A luta do MST no Tocantins segue a linha política construída pela articulação conjunta
com a política nacional e, de outros seguimentos, ou seja, não trabalhar de forma
isolada. Nos últimos anos o movimento tem mudado e vem perdendo força em termo de
luta pela terra, devido às contradições e conflitos existentes entre seus integrantes, mas,
ainda se mantêm como movimento de massa. Essa mudança na postura da ação política
do MST reflete na luta pela terra que de acordo com Oliveira (2010) “[...] desde seu
quinto congresso em 2005, vem sistematicamente adotando novas formas de ação que
demandam a luta contra o capital em geral, admitida como mais importante que a luta
pela terra”.
Em entrevista realizada com as lideranças do MST, pode-se verificar que a coordenação
regional do MST no Tocantins, tem estado presente nestes últimos anos colaborando na
formação de militância. Conforme lideranças, o Estado do Tocantins, foi dividido em
duas regionais: Regional Padre Josimo, com acampamentos no Bico do Papagaio,
União e Bom Jesus e, a regional Sebastião Bezerra da Silva, com o acampamento que é
o objeto deste estudo.
Uma das dificuldades do movimento no Tocantins é não possuir a estabilidade existente
em outros Estados, além dos problemas de relacionamento com o Sindicato de
Trabalhadores Rurais e a falta de apoio do governo do Estado.
O movimento procurou expandir-se, formar alianças, mas, no Estado essa questão é
bastante complicada. Dessa forma, o que se conseguiu foi apenas uma articulação com
outros movimentos: Movimento de Luta pela Moradia em Palmas, Comissão Pastoral
da Terra - CPT e MAB- Movimento dos Atingidos por Barragem. Com esse último
movimento, o MAB, tem sido possível manterem-se relações mais próximas.
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Também foi mencionado em entrevista, que no governo Luis Inácio não teve muita
conquista, mesmo sendo ele “defensor” da reforma agrária. Isso se deve ao fato de que
na presidência de Luis Inácio, em seu primeiro mandato criou-se a expectativa de que
aconteceria a reforma agrária, mas isso não aconteceu. No entanto, para Oliveira (2010)
o que houve em seu segundo mandato foi o início de uma contra-reforma agrária
conectada à expansão do agronegócio no Brasil.
Torna-se conveniente ressaltar que, o agronegócio não produz alimentos para a
população brasileira e sim o pequeno agricultor. Nesse contexto, Oliveira (2007, p.135)
afirma que os camponeses “São, portanto uma classe em luta permanente, pois os
diferentes governos não lhes têm considerado em suas políticas publicas.”
Segundo a coordenação da educação do MST no Tocantins, o movimento possui os
seguintes setores de atuação: educação, produção, e frente de massa, e, outros como:
juventude, saúde. Estão também articulando a criação de setores como comunicação e
direitos humanos.
O movimento tem discutido também, uma parceria com a UFT - Universidade Federal
do Tocantins, articulada em Porto Nacional, sobre a possibilidade de se criar um projeto
que possa contemplar o ensino no campo. Há também outra parceria que está em
andamento com o Campus de Tocantinópolis da UFT, onde a idéia é implantar um
curso de graduação - licenciatura em educação no campo até 2012 via PRONERA-
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Essa parceria representaria uma
das conquistas do movimento junto à luta pela reforma agrária.
Realidade do Acampamento Sebastião Bezerra da Silva
A formação do acampamento Sebastião Bezerra da Silva, nasceu com o intuito de se
promover a Reforma Agrária em terras da União que foram griladas. De acordo com a
coordenação do MST no Tocantins, a área em questão é fragmentada e diz respeito à
fazenda conhecida como Dom Augusto, reivindicado como de propriedade de Alcides
Rebeschini, e está localizada entre Palmas e Porto Nacional.
De acordo com a coordenação do MST, o proprietário não possui a documentação de
toda a área, e sim de apenas 1.200 hectares de um total de aproximadamente 6.000
hectares. Mas, de acordo com os dados do INCRA, a propriedade está dividida
conforme quadro 2, da seguinte forma:
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NOME DO IMÓVEL
ÁREA CATEGORIA FUNDIÁRIA
NOME DO DECLARANTE
Fazenda Novo Horizonte
3.194 ha
Grande propriedade produtiva
Frigovale Norte Agropecuária Ltda.
Fazenda Chupé
968 ha
Média propriedade produtiva
Frigovale Norte Agropecuária Ltda.
Fazenda Taquary
48 ha
Minifúndio
Frigovale Norte Agropecuária Ltda.
Fonte: INCRA, 2011. (Org. SILVA, 2011)
A área reivindicada pelos acampados de acordo com a coordenação do MST , possui
características que favorece a desapropriação tais como: consta na lista suja do
Ministério do Trabalho pela pratica de trabalho escravo, além do que a propriedade não
cumpre a função social.
As figuras 1 e 2 apresentam a área ocupada pelo acampamento do Movimento Sem
Terra e Movimento de Atingidos por Barragens, ao longo da rodovia TO-050.
Figura 1 e 2.: Acampamento Sebastião Bezerra da Silva. MST/MAB à margem direita e esquerda da Rodovia TO-050, no sentido Palmas - Porto Nacional.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, capítulo III que dispõe sobre a Política
Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, em seu Art.184: “Compete a União
desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não
esteja cumprindo sua função social [...]”. Portanto, a propriedade deve seguir os
Fonte: SILVA, Agosto de 2011.
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seguintes critérios que constam nos ínscios I, II, III e IV do art. 186 da Constituição (
OLIVEIRA 2007) que são:
I- Aproveitamento racional e adequado;
II- Utilização adequada dos recursos; naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III- Observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV- Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Atualmente de acordo com do MST (2010) no Brasil, 90 mil famílias estão acampadas
em mais de mil acampamentos distribuídos em 23 Estados e no Distrito Federal. Eles
constituem-se em camponeses, trabalhadores rurais, arrendatários, bóias frias, meeiros
que lutam pela terra. Também fazem parte dos acampados famílias que foram
desapropriadas do meio rural e tentam retornar ao campo, encontrando no movimento a
única alternativa de conseguir a terra para trabalhar.
Diante do exposto, atualmente conforme metodologia e conceitos utilizados pela CPT -
Comissão Pastoral da Terra, “Acampamentos são espaços de luta e formação, fruto de
ações coletivas, localizados no campo ou na cidade, onde as famílias sem terra,
organizadas, reivindicam assentamentos”.
No inicio houve a ocupação da fazenda em questão, porem, as famílias foram expulsos
do local formando-se então o acampamento. Conforme Fernandes (2001) “A ocupação,
como forma de luta e acesso a terra, é um contínuo na história do campesinato
brasileiro”.
O nome do acampamento foi escolhido em homenagem ao militante Sebastião Bezerra
da Silva, coordenador do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia-TO e secretário
do Regional Centro-Oeste do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH),
defensor dos direitos humanos que foi assassinado em Gurupi-TO.
No primeiro dia de visita ao acampamento, constatou-se que, apenas vinte e cinco
famílias estavam cadastradas pelo MST e a estrutura do acampamento estava ainda em
processo de formação. No entanto foi possível observar nesse primeiro momento a luta
pela sobrevivência, pois, os acampados com toda sua humildade e simplicidade, falaram
expondo suas histórias de vida, suas angustias e anseios a respeito da terra que estão
aguardando a liberação para o futuro assentamento. Alguns já estão no movimento há
bastante tempo e outros entraram no movimento por influencia de familiares que foram
acampados em outros momentos e hoje se encontram assentados.
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No segundo momento da pesquisa, o acampamento já apresentava outra estrutura e o
número de famílias aumentou consideravelmente nos últimos meses. Já eram
aproximadamente 670 famílias, e a cada dia várias famílias chegam ao acampamento,
vindas de várias localidades do Tocantins e de outros Estados. Esta realidade pode ser
visualizada na Figura 3.
Figura 3.: Interior do Acampamento MST/MAB Sebastião Bezerra da Silva, à
margem da Rodovia TO-050.
Esse aumento rápido no número de famílias deve-se ao fato de que as informações de
que a terra será desapropriada de fato, se espalhou por várias regiões do Estado, fazendo
com que muitas famílias se destinassem ao local para construir seu “barraco” na
esperança de conseguir a terra para trabalhar.
Um ponto importante que foi destacado no acampamento, diz respeito ao processo de
desapropriação da fazenda que foi renovado no INCRA e que agora é uma questão de
tempo e “boa vontade” do INCRA em liberar a terra que já foi vistoriada. A expectativa
é de cadastrar todas as famílias que estão no acampamento.
Outra questão que chamou a atenção foi a respeito da alimentação, quando informaram
que possui um fomento e as vinte e cinco famílias que se encontrava no acampamento
no primeiro dia de visita, já estavam cadastrados para receber a cesta básica, porém,
essas cestas ainda não tinham chegado.
Esse problema só se agravou, pois com o passar do tempo o numero de famílias
aumentou, e, a situação estava complicada, pois o governo ainda não tinha liberado a
Fonte: SILVA, Agosto de 2011.
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distribuição das cestas aos acampados. Segundo as lideranças do MST, as cestas básicas
estavam retidas na CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento.
Diante dessa situação, os militantes do movimento acreditam que seja uma forma de
repressão para frear o avanço do acampamento, pois o mesmo se configuram como
forma de afrontar e pressionar o governo que de qualquer forma terá que atender os
anseios dos acampados.
Essa questão das cestas básicas estava na pauta de uma reunião que se realizou dia
02/08/2011, como também a questão do cadastramento das famílias no acampamento,
que muitas delas não estavam assentadas, mas constam nos dados do INCRA como
assentadas. Conforme as lideranças do acampamento sobre estas questões, até o
presente momento nada foi resolvido devido o não comparecimento dos órgãos
envolvidos (INCRA e CONAB) nessa reunião.
Diante do exposto, fica visível a falta de compromisso na busca de melhores condições
de vida para os acampados que sãos constituídos de homens mulheres e crianças. O
MAB tem ajudado na questão da alimentação, os acampados pedem ajuda à própria
família, e, como dizem os acampados “um companheiro ajuda o outro”, e nessa questão
a união do grupo é fundamental.
Com relação à organização do acampamento, segundo Fernandes (2011): Ao organizar um acampamento, os sem terra criam diversas comissões ou equipes, que dão forma à organização. Participam famílias inteiras ou parte de seus membros, que criam as condições básicas para a manutenção das suas necessidades: saúde, educação segurança, negociação, trabalho etc.
No acampamento Sebastião Bezerra da Silva, a organização é constituída a partir de
uma divisão do trabalho, que se encarrega da organização interna do acampamento, na
qual é escolhido entre um grupo de 10 famílias, um coordenador para fazer parte da
organização da infra-estrutura do acampamento que é dividida em quatro setores: saúde,
educação, finanças e segurança.
Há também o remanejamento das lideranças em termos de trabalho, pois a liderança
exige tempo integral e trabalhar se torna difícil, por isso há um acordo entre os
“companheiros”, que enquanto uns ficam na liderança outros vão à busca de empregos
para manter a família.
É importante ressaltar que dentro dessa divisão do trabalho há a equipe que trabalha na
segurança do acampamento como guarda não armada, devido às ameaças as lideranças,
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pelo fato de que o acampamento está incomodando não somente o governo, mas
também empresas e fazendeiros da região.
Quanto à formação política dos acampados, segundo um dos líderes, a consciência
política é livre, a liderança apenas busca fazer um trabalho mostrando quem de fato irá
apoiar o movimento. O acampamento também conta com uma liderança feminina tendo
como represente a coordenadora Estadual do MST, que desenvolve trabalho na frente de
massa. De acordo com seus dados no acampamento hoje existem aproximadamente 230
mulheres e 110 crianças, podendo esse número ser bem maior, devido à permanência só
do marido no acampamento.
De acordo com as lideranças, o plano de trabalho para o futuro assentamento, ainda não
está determinado, porém já existe a organização de três projetos (lavoura, gado e
piscicultura) que será discutido com as famílias depois da criação do assentamento. A
esperança de um dia conseguir um pedaço de terra é o que os faz resistir frente a todas
as dificuldades, e, a idéia de desistir às vezes se faz presente, mas a certeza da conquista
da terra é o que os faz lutar cada vez mais.
Quanto à violência, de acordo com as lideranças do acampamento, até o presente
momento a situação está sobre controle, foram registradas apenas algumas violências
verbais por pessoas que passam pelo acampamento. No período noturno os acampados
ficam em alerta para manter a segurança do acampamento.
Também já se fez presente no acampamento a Policia Militar, o IBAMA - Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente, CIPAMA - Companhia Independente de Policia Militar
Ambiental, NATURATINS - Natureza do Tocantins, com o objetivo de analisar e
averiguar questões ambientais.
De acordo com as lideranças do acampamento, quando a terra for liberada e o
assentamento formado, representará uma conquista muito importante do movimento,
devido à ocupação de um espaço próximo ao centro administrativo do Estado,
quebrando a lógica da ocupação que tenta manter as pessoas pobres longe dos centros
urbanos, para não afrontar a especulação imobiliária.
Sobre o número de famílias previsto para a área escolhida, a expectativa é de que sejam
assentadas em torno de 250 famílias. Mas para que essa estimativa concretize-se, os
acampados devem permanecer unidos no acampamento como forma de acelerar o
processo de desapropriação. Conforme Fernandes (2011) “A sustentação dos
acampamentos é uma forma de pressão para reivindicar o assentamento. E essa é uma
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pratica do MST, garantir o acampamento até que todas as famílias sejam assentadas”.
No referido acampamento, existe a atuação apenas do MST (Movimento dos
trabalhadores Rurais sem Terra) e do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)
que trabalham em conjunto na luta pela terra, buscando da melhor forma possível a
articulação com o INCRA e demais órgãos envolvidos, isso mostra a relevância dos
movimentos no processo de luta e conquista da terra.
No acampamento de acordo com os militantes do MAB, o objetivo do movimento é em
conjunto com o MST assentar famílias que foram atingidas e não receberam o beneficio.
No acampamento existem duas famílias que foram atingidas por barragem, uma de São
Salvador-TO e outra de Estreito-MA, mas, a expectativa é de que mais famílias
cheguem. Um dos objetivos do MAB é a formação de militantes.
Na perspectiva da conquista pela terra, famílias de diversas regiões sejam do campo ou
da cidade passam a viver em acampamentos na beira de rodovias, enfrentando
dificuldades, discriminação, mas encontram apoio nos movimentos, pois todos
enfrentam os mesmos problemas.
Essa questão foi evidenciada no acampamento Sebastião Bezerra da Silva, pelo contato
direto com a realidade das famílias que se sujeitam a viver em “barracos” em condições
que demonstram a capacidade de resistir para continuar sobrevivendo, cujo único
objetivo é a conquista da terra. Uma vez que, é a partir dos movimentos que os
acampados encontram apoio e lutam na certeza de serem assentados.
A realidade do acampamento mostra que há famílias de diferentes lugares do Estado,
como Palmas onde moravam de aluguel, alguns desempregados, outros trabalham de
pedreiro, pintor, e outros fazem bicos, alguns com filhos outro não, e vem também de
outros Estados como Maranhão, Brasília, Goiás. Alguns já fizeram parte de outros
acampamentos e não foram assentados, em fim, são várias situações distintas, mas com
um objetivo em comum, conseguir terra para trabalhar com a família. De acordo com
Fabrine (2004) “A força de trabalho da família é o elemento mais importante no
reconhecimento da unidade campesina”.
Considerações finais
Diante da realidade encontrada no acampamento Sebastião Bezerra da Silva, ficou claro
que a luta pela terra através de uma reforma agrária é fundamental e urgente. Tal
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realidade semelhante à de outros acampamentos do Estado, merecem atenção da
sociedade, mesmo por que em todos os governos já existente no Brasil, não foi feita
uma reforma agrária de fato.
A luta pela terra sempre existiu em meio ao avanço do capitalismo, que em toda sua
história encontrou formas de se fortalecer e se expandir, e atualmente o agronegócio
está se mostrando como uma dessas formas, pois avança e ocupa áreas que deveriam ser
destinadas para a reforma agrária.
A resistência na luta sempre foi uma das características dos sem terra e de outros
sujeitos sociais frente aos problemas agrários, cujo objetivo principal é a luta por uma
sociedade mais justa onde realmente haja cidadania.
Atuar coletivamente também é uma característica marcante, pois o individualismo não
faz parte da rotina dos acampados, que possuem uma relação social baseada no
companheirismo e solidariedade, e mesmo diante de todas as dificuldades, a maioria dos
integrantes não desistem da luta pela terra.
A vida no acampamento Sebastião Bezerra da Silva, representa a realidade de milhares
de brasileiros que juntamente com suas mulheres e filhos, em condições de
vulnerabilidade e exposto a um clima de tensão e violência, ficam por tempo
indeterminado aguardando a liberação da terra.
Neste acampamento, são várias história de luta, dias de incertezas e preocupação, em
meio à precariedade das habitações que não oferece nenhuma segurança, mas mesmo
assim resistem, e, encontra nos companheiros força para seguir a diante e “desistir da
luta” não faz parte do cotidiano dos acampados.
A área a ser ocupada se configura como fração do território importante para a produção
de alimentos, cujo excedente da produção poderá abastecer a cidade de Palmas, pois a
mesma se localiza em uma área estratégia devido à sua localização e facilidade de
escoamento da produção pela TO-050. Dessa forma, essa é atual realidade do
Acampamento Sebastião Bezerra da Silva, onde camponeses constroem suas esperanças
de sobrevivência, na beira do asfalto, ás margens da TO-050.
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Referências
CHAVES, Patrica Rocha. Projeto de pesquisa. A luta pela terra e as transformações territoriais no Bico-do-Papagaio: expropriação e reconstrução da fração camponesa do território. 2011. CPT – Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no campo Brasil 2010. CPT: Goiânia, 2011. FABRINI, João Edmilson. A contradição como parâmetro de compreensão da resistência camponesa. Geografia-Volume 13- nº 2 Jul/Dez. 2004. Disponível em http://www.geo.uol.br/revista FERNANDES, Bernardo Mançano. Território da Questão Agrária: Campesinato, reforma agrária e agronegócio. Associação Brasileira de Reforma Agrária, São Paulo: 2008. ______,Ocupação como forma de acesso à terra. Disponível em: http://www.2.fct.unesp.br> Acesso em 03 mar. 2011. IANNI, Octávio. Origens Agrárias do Estado Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 2004. MST: Lutas e Conquistas. Reforma agrária: Por justiça social e soberania popular. 2ª Ed. São Paulo: 2010. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Geografia da lutas no campo. 11ª Ed. São Paulo: Contexto, 2002. _______, Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH, 2007. ________, Os Posseiros voltam a assumir o protagonismo da luta camponesa pela terra no Brasil. 2010.