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1 Os Aspectos Contábeis Internacionais nas Demonstrações Financeiras da AMBEV: Verificando US & BR GAAP’s em Combinação de Empresas Autoria: André Luiz Bufoni, José Augusto Veiga da Costa Marques Resumo: No decurso dos anos de 1999 e 2000, os acionistas da Brahma e Antarctica trocaram suas ações fundindo-se na AmBev, a terceira maior cervejaria do mundo. Desde o princípio, a AmBev tem buscado novos mercados para financiar suas atividades e os Estados Unidos é, obviamente, o objetivo principal. Para os American Depositary Receipts (ADR) serem bem sucedidos na emissão e aceitos naquele mercado, as demonstrações financeiras consolidadas devem ser preparadas de acordo com os princípios contábeis americanos geralmente aceitos (U.S.GAAP). Este artigo se propõe, neste específico contexto, a analisar as mais importantes diferenças resultantes da aplicação destes e os princípios contábeis brasileiros na conversão, consolidação e combinação das demonstrações financeiras do grupo AmBev. Concluímos por um baixo grau de verificabilidade, dada a disparidade entre os tratamentos dispensados, somente com as informações financeiras publicadas, das demonstrações da mesma empresa em ambos os países. INTRODUÇÃO A principal finalidade da Teoria da Contabilidade é gerar um referencial para o desenvolvimento de novas idéias e novos procedimentos e ajudar na escolha de procedimentos alternativos. É provável que usuários específicos tenham objetivos diferentes o que, por isso podem resultar em princípios distintos (Hendricksen, 1999). A uniformidade e a consistência, duas das qualidades úteis pois tornam a informação contábil comparável, apesar de desejáveis por si próprias, podem variar caso haja “circunstâncias específicas relevantes” (Wolk, 1989). Assim é que encontramos práticas, procedimentos, metodologias e normas que variam de país a país, obedecendo a impositivos da adaptação dos conceitos ao ambiente econômico em que a contabilidade atua. No caso dos mercados de capitais, pela sofisticação de seus usuários ou pelo seu volume de recursos, os Estados Unidos têm uma razoável influência na demanda dessas informações, sejam contábeis ou não. Em nosso caso, para entidades internacionalizadas como a AmBev viabilizarem uma parte importante da decisão estratégica, principalmente a baseada na liderança nos custos totais (Porter, 1980), sem a postergação de metas, não devem mais contar apenas com os recursos disponíveis em economias periféricas ao centro financeiro internacional. Entretanto, o acesso a esta importante fonte de recursos apenas está disponível àqueles que, em defesa dos stakeholders, adequarem suas demonstrações contábeis aos padrões aceitos por aquele mercado. Comparamos então, mediante a análise da fusão efetuada pela Brahma e a Antarctica em 1999/2000 os diversos aspectos que diferem os princípios americanos e brasileiros emitidos respectivamente pelo FASB –Financial Accounting Standards Board e pela Comissão de Valores Mobiliários, encarregados de normatizar os procedimentos a serem

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Os Aspectos Contábeis Internacionais nas Demonstrações Financeiras da AMBEV: Verificando US & BR GAAP’s em

Combinação de Empresas Autoria: André Luiz Bufoni, José Augusto Veiga da Costa Marques

Resumo: No decurso dos anos de 1999 e 2000, os acionistas da Brahma e Antarctica trocaram suas ações fundindo-se na AmBev, a terceira maior cervejaria do mundo. Desde o princípio, a AmBev tem buscado novos mercados para financiar suas atividades e os Estados Unidos é, obviamente, o objetivo principal. Para os American Depositary Receipts (ADR) serem bem sucedidos na emissão e aceitos naquele mercado, as demonstrações financeiras consolidadas devem ser preparadas de acordo com os princípios contábeis americanos geralmente aceitos (U.S.GAAP). Este artigo se propõe, neste específico contexto, a analisar as mais importantes diferenças resultantes da aplicação destes e os princípios contábeis brasileiros na conversão, consolidação e combinação das demonstrações financeiras do grupo AmBev. Concluímos por um baixo grau de verificabilidade, dada a disparidade entre os tratamentos dispensados, somente com as informações financeiras publicadas, das demonstrações da mesma empresa em ambos os países.

INTRODUÇÃO A principal finalidade da Teoria da Contabilidade é gerar um referencial para o desenvolvimento de novas idéias e novos procedimentos e ajudar na escolha de procedimentos alternativos. É provável que usuários específicos tenham objetivos diferentes o que, por isso podem resultar em princípios distintos (Hendricksen, 1999). A uniformidade e a consistência, duas das qualidades úteis pois tornam a informação contábil comparável, apesar de desejáveis por si próprias, podem variar caso haja “circunstâncias específicas relevantes” (Wolk, 1989).

Assim é que encontramos práticas, procedimentos, metodologias e normas que variam de país a país, obedecendo a impositivos da adaptação dos conceitos ao ambiente econômico em que a contabilidade atua. No caso dos mercados de capitais, pela sofisticação de seus usuários ou pelo seu volume de recursos, os Estados Unidos têm uma razoável influência na demanda dessas informações, sejam contábeis ou não.

Em nosso caso, para entidades internacionalizadas como a AmBev viabilizarem uma parte importante da decisão estratégica, principalmente a baseada na liderança nos custos totais (Porter, 1980), sem a postergação de metas, não devem mais contar apenas com os recursos disponíveis em economias periféricas ao centro financeiro internacional. Entretanto, o acesso a esta importante fonte de recursos apenas está disponível àqueles que, em defesa dos stakeholders, adequarem suas demonstrações contábeis aos padrões aceitos por aquele mercado.

Comparamos então, mediante a análise da fusão efetuada pela Brahma e a Antarctica em 1999/2000 os diversos aspectos que diferem os princípios americanos e brasileiros emitidos respectivamente pelo FASB –Financial Accounting Standards Board e pela Comissão de Valores Mobiliários, encarregados de normatizar os procedimentos a serem

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obedecidos em ambos os países. As demonstrações em questão são de uma riqueza de eventos que envolvem, entre outras: a conversão de e para moeda estrangeira, a consolidação das demonstrações do grupo econômico e a combinação (incorporação) da Antarctica.

Os dados aqui apresentados foram retirados das demonstrações estatutárias e do formulário 20-F apresentado pela companhia na Security Exchange Comission doravante denominada SEC.

METODOLOGIA DE ESTUDO Assim como nas demonstrações financeiras traduzidas, os termos ou conclusões encontrados neste estudo – que recebem esta denominação por serem o fim de um processo – são exatamente o que se deseja verificar. Para tanto se faz necessária à explícita manifestação da estratégia a ser aplicada.

Segundo Cone e Foster (1993), a regra fundamental a ser adotada aqui é a replicabilidade, isto é, a metodologia do projeto deve ser exposta de modo suficientemente clara e detalhada para que qualquer pessoa que a leia seja capaz de reproduzir os aspectos essenciais do estudo.

Nossa estratégia foi a de colocarmos ambas as demonstrações (2000), em dólares americanos e em reais, lado a lado e, comparativamente, tentar retroagir os valores encontrados de uma para outra e vice e versa. O quadro abaixo resume o assunto:

Logo de início nos foi imposta uma limitação: o método de conversão em moeda estrangeira não nos permitiu a verificação seu impacto no resultado, já que sua conversão pelo método translation obedece a médias que nos são desconhecidas e não verificáveis.

Quanto a combinação das empresas, a forma jurídica predominante no Brasil e a essência econômica dos Estados Unidos da América, fizeram o fato ocorrer em tão diferentes épocas que também faliu a intenção inicial de compara-las, de tão distintas que se tornaram.

Por fim, quanto a consolidação, a abrangência dos detalhes bem como a quantidade, não nos possibilitou abordar todas as suas facetas que, caso tentássemos, o faríamos

não

COMBINAÇÃO

CONSOLIDAÇÃO

não

não

não

não

DÓLARES 20 - F

CONVERSÃO

DIF??

DIF??

REAIS CVM

DIF??

DIF??

DIF??

DIF??

DIF??

DIF??

não

não

não

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ampliando de tal forma o escopo deste estudo que se tornaria amorfo. Optamos por mostrar os principais.

PRINCIPAIS CONCEITOS ENVOLVIDOSi Vamos no decorrer desta parte introduzir o leitor, ou relembra-lo, de alguns conceitos que se atirados diretamente em nossa análise causariam mais confusão que benefícios. Usuários sofisticados podem tranqüilamente, e sem prejuízo do entendimento, se abster desta parte; praticantes podem consulta-la caso haja dúvidas no decorrer da leitura. Estes conceitos fazem parte da prática, proporcionalmente, de poucas empresas no Brasil e, por isso, temos razões para crer que seja melhor apresenta-lo informalmente para facilitar a compreensão deste estudo-análise.

Moeda Funcional – é a moeda na qual as operações são registradas. No Brasil a maioria das grandes empresas já possui sistemas de registro em duas e às vezes até três moedas funcionais. É comum também (antigamente obrigatório), o registro em índices como UMC, IGP-DI e UFIR. Em economias hiperinflacionárias as moedas locais/funcionais sem qualquer tipo de tratamento, não são adequadas pois comparam em igualdade de valor coisas que, no tempo, possuem valores bem distintos. Neste caso temos duas opções: ou bem indexamos a moeda local/funcional ou bem adotamos uma moeda forte (e.g.: dólar, libra) como moeda funcional. A adoção de uma moeda funcional indexada é para nós fato comum, mas, para países onde não há sistemas organizados e eficientes de medição de inflação, adota-se a moeda forte.

Moeda de Relatório – é a moeda na qual as demonstrações serão apresentadas. A moeda de relatório pode ser a moeda local ou uma estrangeira a entidade que apresenta o relatório. Por exemplo: A Empresa Brasileira X apresenta suas demonstrações nos Estados Unidos. Sua moeda de relatório deverá ser dólares americanos. A empresa Francesa Y também apresentará suas demonstrações em dólares americanos. As moedas funcionais serão diferentes mas a de relatório serão iguais.

Economia Hiperinflacionária – moedas de economias hiperinflacionárias não são adequadas para a tradução direta das demonstrações. Entretanto, quando uma economia é ou não hiperinflacionária? No Brasil, uma questão de bom senso como veremos a seguir; nos Estados Unidos mais de 100% (cem por cento) de desvalorização nos últimos 3 anos. A partir de 1997 o Brasil, apesar dos 37% acumulados de inflação nos três anos, se enquadrou fora desta classificação.

Políticas de Evidenciação – (all-inclusive, modified all-inclusive e the current-operating-performance) Há uma discussão a respeito do que deve ser incluído na evidenciação do lucro da empresa. Alguns acreditam que deste lucro deve apenas constar àquelas receitas e despesas das quais a administração tenha controle; assim procedendo estariam favorecendo a descrição das causas de sucesso e insucesso na gestão da entidade (current-operating-performance) em detrimento de fatores fortuitos ou da sorte. Outros defendem a idéia de que as demonstrações com conceitos de lucros abrangentes (all-inclusive), são mais verificáveis, e que a completa evidenciação das experiências passadas da entidade podem melhorar os resultados futuros. O FASB – Financial Accounting Standards Board resolveu adotar uma política intermediária onde restringe a classificação do all-inclusive, denominado modified all-inclusive, onde itens são evidenciados, porém segregados em regulares e extraordinários (SFAS16; APB 30).

Valor Justo – Fair value é definido no APB 29 como “o valor realizável na negociação do mesmo ou similar ativo, no mercado organizado, pareceres

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independentes, valores justos estimados dos ativos ou serviços recebidos em troca ou outra evidência disponível.” O Valor Justo somente é aplicável a operações não monetárias e, “onde não existam incertezas razoáveis sobre a realização do valor designado a um ativo registrado por seu valor justo, recebido em uma transação não monetária.” Neste caso utiliza-se valor contabilizado nos livros (book value). Sua aplicação obedece a uma série de complicados procedimentos e verificações que, não sendo a matéria de nosso estudo, não abordaremos aqui.

CONVERSÃO DE / PARA MOEDA ESTRANGEIRA FASB (SFAS 52, F60)

BRA (Lei 6404/76, CVM 28/86, XVIII IBRACON)

Um dos aspectos importantes da análise das demonstrações é a metodologia para conversão das demonstrações das coligadas para a moeda nacional e posteriormente para moeda estrangeira.

PARA MOEDA NACIONAL

A AmBev mantém seis unidades distribuídas da seguinte forma:

• Companhia Cervejaria Brahma Argentina – Inaugurada em novembro de 1994 tem capacidade para a produção de 2.100.000 hl de cerveja/ano.

• Compania Cervecera Nacional – Adquirida em novembro de 1994 e localizada na cidade Barquisimeto, Venezuela, tem capacidade para a produção de 2.500.000 hl de cerveja/ano.

• Maltaria Pampa – Argentina (Puan)

• Maltaria Pampa – Uruguai (Palmira)

• Compañia Salus – Uruguai participação na Salus e Cympay que juntas, perfazem 39,2% do mercado de cerveja e 50% do mercado de água Cerveceria y Malteria Paysandú S/A - Uruguai

Das unidades acima citadas, a única que esta estabelecida em uma economia hiper-inflacionária é a Venezuelana Compania Cervecera Nacional. Segundo as práticas contábeis emitidas pelo CFC os efeitos da inflação devem ser reconhecidos quando forem relevantes, embora não seja discricionário a respeito do que seja relevante, deixando a cargo do “julgamento profissional e bom-senso” (FIPECAFI, 2000).

A metodologia utilizada na Venezuela, pela declaração de princípios contábeis de agosto de 1991 (DPC-10), para o reconhecimento da inflação é bastante semelhante ao da correção monetária integral (CMI), aplicada até 1995 no Brasil, inclusive quanto à divisão dos ativos e passivos em monetários e não monetários e o tratamento diferenciado para cada um deles (Amenabar, 2001). Não fosse este um método adequado para o reconhecimento dos efeitos da inflação, o IBRACON recomendaria a utilização do método da conversão em duas etapas ou ainda taxa histórica ou histórica corrigida. Para CVM trata-se de resultado operacional como ganho ou perda cambiais no investimento, ou ajuste atribuível à participação no resultado da coligada ou controlada e a outros acréscimos ou reduções patrimoniais, na Demonstração de Resultado da investidora no Brasil.

A conversão em duas etapas consiste na utilização de uma moeda intermediária (e.g.: UMC, UFIR, IGP-DI) e depois a conversão a taxas correntes. As taxas históricas, e

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históricas corrigidas, consistem no registro das operações na moeda que se pretende converter com ou sem a correção monetária. (FIPECAFI, 2000)

PARA MOEDA ESTRANGEIRA (DOLAR) Das normas existentes hoje a única que trabalha com o conceito de moeda funcional é a americana. Moeda funcional é a moeda de registro ou seja na qual as operações deverão estar. No caso brasileiro a moeda de relatório deve ser a do país que está apresentando as demonstrações financeiras, o pronunciamento XVIII do IBRACON adota o real como moeda de relatório.

O SFAS 52 estipula que em economia hiperinflacionárias a moeda funcional deve ser a moeda de relatório, então, por exemplo, se as demonstrações serão apresentadas em dólar esta deve ser a moeda funcional (remeasurement), cujo resultado de sua aplicação é evidenciado em uma única alínea da Demonstração de Resultado denominada Net Gain or Loss in Translation. As instruções para aplicação desta metodologia estão descritas no Apêndice B do SFAS 52 nos parágrafos 47 a 54. A conversão em duas etapas com a utilização do método de correção monetária integral, também é reconhecida adequada neste caso.

Desde de 1998, para o FASB, o Brasil não se enquadra mais nesse caso pois possui taxas de inflação que não superam 100% em 3 anos. Desde então as demonstrações da AmBev foram traduzidas pela metodologia do valor corrente, algumas vezes chamada de translation, onde as contas do balanço são simplesmente convertidas pela taxa de câmbio na data do relatório e as de resultado pela sua média anual. As diferenças ocasionadas pela aplicação deste método são evidenciadas diretamente no Patrimônio Líquido numa alínea denominada de CTA – Cumulative Translation Adjustment como podemos ver aqui no 20-F:

AmBev - Dezembro 31 2000 1999

Patrimônio Líquido Milhares de Dólares Capital US$ 632.058 US$ 928,372

Ações em Tesouraria (523.200) (46,155)

Acréscimo de capital 525.776 -

Vantagens para aquisição por empregados (84,460) (49,770)

Lucros Acumulados (apropriados e ñ apropriados) 1.378.358 547,382

Cumulative translation adjustment (660,636) (542,938)

1,267,896 836,89

Note-se que por esta metodologia não encontramos qualquer reconhecimento dos efeitos inflacionários no resultado da empresa, isto porque, teoricamente, estas perdas não seriam permanentes (Szuster, 1998) apesar de “regulares”. Estatisticamente a metodologia não é adequada a realidade brasileira pois a probabilidade de recuperação em médio prazo é demonstrada nula.

As variações entre as diversas evidenciações dos países dependem também da política contábil adotada. Uma discussão detalhada das políticas de evidenciação do resultado é

Figura 1

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encontrada no APB n°30 e no SFAS 16 e podem ser: all-inclusive, modified all-inclusive e the current-operating-performance. ( Hendricksen, 1999)

COMBINAÇÃO DE EMPRESAS

FASB (SFAS 79, SFAS 109, B50, APB 16, EITF 95-3, EITF 95-19, SFAS 141, SFAS 142)

BRA (Lei 6404/76, Instrução CVM 319/99, CVM 320/99, CVM 349/01)

Passamos agora a abordar os aspectos relacionados diretamente com o tratamento dispensado à combinação de empresas nas normas americanas e brasileiras com a utilização do caso prático da AmBev.

A ESSÊNICA E A FORMA Em 1° de julho de 1999 os acionistas controladores da Brahma e da Antarctica trocaram suas ações ordinárias por ações da AmBev que passou a deter respectivamente 55,1 e 88,1 por cento do capital votante de ambas as empresas. Em 15 de setembro do mesmo ano os minoritários da Antarctica trocaram também suas ações e ela se tornou subsidiária integral da Ambev. Por deter, após a fusão, 70% do mercado de cerveja, a operação sofreu intervenção do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica que pelo o cumprimento de uma série de exigências, autorizou-a em 7 de abril de 2000. Os minoritários da Brahma, incluindo ADR’s, na mesma época em setembro deste mesmo ano (2000), trocaram suas ações e ela se tornou também subsidiária integral da AmBev.

Brahma Antarctica Hohneck(ii)

2000 1999 2000 1999 2000 1999

Quantidade de ações possuídas - em milhares

Ações ordinárias 2.628.452 1.451.916 10.726 10.726 10.000 10.000

Ações preferenciais 4.465.839 13.581 1.274 1.274

Total de ações 7.094.291 1.465.497 12.000 12.000 10.000 10.000

Percentual de participação no capital social

Em relação às ações ordinárias 100,0 55,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Em relação às ações preferenciais 100,0 0,3 100,0 100,0

Em relação ao total de ações 100,0 21,2 100,0 100,0 100,0 100,0

Note-se que as normas americanas priorizam a essência econômica sobre a forma jurídica. “A tendência no mundo, já há um bom tempo, é a de se trabalhar com os valores de mercado quando, antes desses processos formais, houve mudança de controle acionário” (takeover) (FIPECAFI, 2000). Assim, definida a data da mudança do controle acionário das Empresas em questão, as normas americanas determinam que seja procedida a fusão das duas entidades.

Na legislação societária brasileira a incorporação só se deu, de direito, em 2 de abril de 2001 quando a Antarctica incorporou-se legalmente a Brahma e mudou para Companhia Brasileira de Bebidas. Até lá a AmBev foi tratada como empresa controladora e suas subsidiárias integrais tratadas como investimento em conta pertinente no

Fonte: Notas explicativas 2001 Figura 2

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imobilizado, o que não invalida o tratamento dispensado a diferença (ágio ou goodwill). Aqui, vale ressaltar, pesa muito a legislação fiscal.

MÉTODO, DATA DE AQUISIÇÃO E SUCESSORA De acordo com o parágrafo 93 do SFAS 141iii, a data de aquisição de ordinário é a mesma do termo em que transfere o controle para a entidade adquirente ou que os ativos e passivos são transferidos. A combinação em questão representa caso sui generis pois as demonstrações só puderam reconhecer a aquisição (01/07/99) com a autorização dada pelo CADEiv para a fusão em 7 de abril de 2000.

Até a emissão do SFAS 141 existiam dois métodos de contabilização da combinação de empresas: o método de aquisição e o método de comunhão de interesses. Este último poderia ser aplicado caso a operação atendesse a doze critérios chaves estipulados pelo FASB que basicamente serviam para caracterizar uma operação cuja essência fosse patrimonial e não financeira. A operação em análise não atende a todos os critérios e, por isso, o pooling como é conhecido, não pode ser aplicado.

O método de aquisição, único remanescente pela nova norma americana pois a comunhão de interesses foi extinta, requer a definição da empresa adquirente, o que nem sempre é fácil. Na business combination em questão foi criada “uma nova entidade (...) para emitir ações para efetuar a combinação e uma das entidades combinantes deve ser determinada para ser a entidade adquirente baseada nas evidências disponíveis”. Alguns critérios devem ser usados para fazer esta determinação (16:18) (SFAS 141, 19). A Brahma foi escolhida:

• Por possuir patrimônio líquido 4 vezes maior que a Antarctica (17);

• Por possuir maior parcela de direito a voto na AmBev (17a);

• Ter grande influência em eleger o conselho e a administração; (17c & 17d);

ÁGIO X GOODWILL Pelas normas americanas, “o excesso de custo de uma entidade adquirida sobre o valor líquido designado aos ativos adquiridos e passivos assumidos devem ser reconhecidos como um ativo chamado Goodwill”. Segundo a nova norma americana (SFAS 141), esse intangível, a exemplo do IASB, deve ser amortizado no máximo em 20 anos contra os anteriores 40 anos do Opinion 16.

Compra da Antarctica 1 Julho 1999 Preço de compra: US$ 281,118Patrimônio Líquido da Antarctica: (51,536)Excesso de custo: 229,582

Anteriormente (Opinion n°16) Goodwill e Intangible Assets eram evidenciados em uma única linha com esta denominação. Hoje, apenas um ativo intangível adquirido que não atende os critérios de contrato e separabilidade (SFAS 141: 39), deve ser incluído no montante reconhecido como Goodwill. Na Ambev os ativos adquiridos foram reconhecidos e estão distribuídos da seguinte forma:

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Ativos Adquiridos 1 Julho 1999 Tangíveis – Imóveis, Instalações... US$ 72,737Trademarks 175,000Rede de Distribuição 50,000Softwares 7,607Diferença escritural de impostos (75,762) US$ 229,582

Note que uma parte foi designada aqui aos ativos tangíveis, esta diferença (72,737) ocorre porque o US-GAAP determina que os ativos adquiridos devem ser registrados pelo seu valor justo ou fair value. Pela nova norma americana a AmBev não teria Goodwill.

O mesmo não acontece na prática nacional onde os ativos podem ser registrados por seus valores contábeis (custo histórico) como demonstra a AmBev em suas notas explicativas ao Relatório de 2000:

Repare que, de acordo com o art. 26 da instrução CVM n° 247/96, a AmBev demonstra que procedeu reavaliação dos ativos adquiridos e o resultado da diferença entre o valor de mercado e o histórico segregado na conta de ágio. Pela instrução, este será segregado do fundamentado pela expectativa de rentabilidade futura e tratado como acréscimo ao custo do ativo que o originou. Se houvesse provas concretas de cessação da expectativa de rentabilidade futura, todo o montante (702.760) seria levado a resultado (art. 14, § 5º). Foi estabelecido, ainda, pela norma brasileira, um prazo máximo de 10 (dez) anos para amortização do ágio decorrente de perspectiva de rentabilidade futura (art. 14, § 3º). A amortização do ágio pela mais valia segue a vida útil do bem que lhe associa.

PATRIMÔNIO LÍQUIDO O Manual da FIPECAFI nos lembra bem que, quando as entidades são negociadas pelo método de compra (purchase) a valores de mercado, existindo uma reavaliação positiva do patrimônio, ajustes devem ser feitos para que a participação percentual continue a refletir, com justiça, a contribuição das partes reavaliadas na nova entidade. Assim um aumento de capital é feito e distribuído de forma que isso ocorra:

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AmBev - Dezembro 31 2000 1999

Patrimônio Líquido Milhões de Dólares Capital US$ 632,06 US$ 928,37

Ações em Tesouraria (523,20) (46,16)

Ágio na emissão de ações 525,78 -

Vantagens para aquisição por empregados (84,46) (49,77)

Lucros Acumulados (apropriados e ñ apropriados) 1.378,35 547,38

Cumulative translation adjustment (660,64) (542,94)

1.267,89 836,89

Um tratamento divergente entre a norma brasileira e internacional é justamente com relação a despesas com a emissão de ações que, segundo a brasileira, é tratada como despesa mas pela americana é redutora de patrimônio líquido. Mais uma vez diferem aqui quanto a política all inclusive.

CONSOLIDAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES

FASB (SFAS 94, SFAS 125, C51, APB 18, ARB 51, EITF 96-20)

BRA (Instrução CVM 247/96, CVM 269/97)

A consolidação de balanços, como já é conhecida, já é adotada em muitos outros países há muitos anos. (FIPECAFI, 2000). Mais especificamente no caso americano o reconhecimento de que “a mais significativa representação da substância econômica de uma afiliada será através de uma demonstração consolidada” foi introduzida pela APB 51.

Analisamos a seguir os principais aspectos relativos a legislação brasileira e aos princípios contábeis geralmente aceitos nos Estados Unidos. Podemos assim dividi-los:

NECESSIDADE DE UNIFORMIDADE A legislação societária brasileira exige a uniformidade dos princípios contábeis. A idéia principal envolvida na exigência é apenas uma conseqüência lógica do objetivo da consolidação, que é apresentar as demonstrações da controlada e da controladora como se o grupo fosse uma única empresa (FIPECAFI, 2000). A Security Exchange Comission exige apenas que as demonstrações estejam de conformidade com o US-GAAP não havendo exigências naquele país da uniformidade de princípios contábeis (SUZUKI, 2001).

Com a aquisição a Antarctica teve de se adequar às práticas adotadas pela sua controladora o que, isoladamente, reduziram o patrimônio líquido contábil da controlada em R$ 815.557 e foram refletidos em 10 de julho de 1999, apenas nas demonstrações financeiras da AmBev, sem correspondência contábil nas demonstrações financeiras da Antarctica e suas controladas, em virtude do impedimento ao processo de integração das controladas imposto pelo CADE até a aprovação final da associação.

Posteriormente, até 31 de dezembro de 2000, parte significativa desses ajustes foi registrada contabilmente pela Antarctica e suas controladas, para atender à disposição da CVM, sendo identificado ainda o valor líquido de R$ 31.782, lançado como ajuste complementar ao ágio no investimento na Antarctica.

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CONTROLADAS CONSOLIDADAS O Art. 21 da Instrução 247/96 estabelece:

“Art. 21. Ao final de cada exercício social, demonstrações contábeis consolidadas devem ser elaboradas por:

I – companhia aberta que possuir investimento em sociedades controladas, incluindo as sociedades controladas em conjunto referidas no art. 32 desta instrução; e

II – sociedade de comando de grupo de sociedades que inclua companhia aberta”.

Ampliar a obrigatoriedade de consolidação as sociedades controladas em conjunto pelo método proporcional (joint ventures) foi uma inovação implementada pela CVM na legislação brasileira que não é comum em outras economias. A legislação americana somente permite que sejam utilizados os métodos de equivalência patrimonial nestes casos e por isso foram excluídas. Além disso, pelos critérios de controlabilidade e benefícios futuros algumas entidades foram incluídas na demonstração em US-GAAP mas não puderam ser consolidadas pela legislação societária brasileira

Como conseqüência verificou-se divergências que foram reconhecidas e apresentadas no 20-F em atendimento ao SFAS 131 - "Disclosures about Segments of an Enterprise and Related Information":

É importante salientar que os custos acompanham o mesmo raciocínio. As demonstrações consolidadas ainda sofrem a ação de outras metodologias divergentes entre as duas normas.

A primeira no custo das vendas é decorrente da reavaliação dos ativos pelo fair value e do reconhecimento do goodwill que resultam em valores diferentes de depreciação. A

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segunda é o tratamento diferenciado dado as despesas de embarque e manuseio que pelo US-GAAP é tratada diretamente como custo das vendas.

Metodologias de reconhecimento de fundos de pensão, classificação em operacional e não operacional contribuem para aumentar as divergências entre os lucros operacionais, como pode ser visto aqui:

CONCLUSÃO

O projeto inicial deste estudo era a comparação objetiva dos valores exibidos nas demonstrações contábeis das economias salientando as divergências. Verificamos que a tarefa seria por demais inglória dado as dificuldades de acesso as informações que possibilitariam maiores digressões neste sentido. A nova Lei das Sociedades Anônimas promete reduzir a distância entre os extremos.

Se entendermos a verificabilidade como sendo o “atributo da informação que permite a indivíduos qualificados, trabalhando independentemente um do outro, chegar a medidas ou conclusões essencialmente iguais, a partir do exame da mesma evidência” não alcançamos um nível satisfatório apenas com as informações divulgadas.

A simples tradução das demonstrações pelo método translation dificultou a comparação, tornando-se impossível pelo tratamento dado as business combinations. Intuitivamente acreditamos que se revelariam mais viáveis, neste mister, as demonstrações elaboradas em moeda constante e/ou traduzidas utilizando-se o remeasurement. Esta é uma sugestão para pesquisas futuras: estudar a variação na verificabilidade das demonstrações financeiras na aplicação dos dois métodos.

As maiores divergências encontradas referem-se ainda a predominância da forma jurídica sobre a essência econômica e na política de tratamento contábil do resultado sendo predominante o modified all inclusive.

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i A primeira versão deste artigo não possuía esta parte. Fomos orientados a adiciona-la pois entendemos que muitos de nossos leitores não estarão familiarizados com conceitos que são, para alguns contadores, corriqueiros e relembrar a outros que há muito não os utilizam. ii Subsidiária no exterior. iii Na fusão foi utilizado o Opinion 16. Como o método purchase, utilizado para a contabilização da fusão e previsto no SFAS 141 foi quase que inteiramente transladado daquela norma, referir-nos-emos a nova sempre que possível. iv Órgão antitruste subordinado ao Ministério da Justiça

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