Os Baniwa e a Escola Educação Indígena Rbe

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  • 7/23/2019 Os Baniwa e a Escola Educao Indgena Rbe

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    Os Baniwa e a escola

    Revista Brasileira de Educao 5

    Os Baniwa e a escola:sentidos e repercusses

    Valria Augusta Cerqueira de Medeiros WeigelUniversidade Federal do Amazonas, Programa de Ps-Graduao em Educao

    Da problemtica e seu estudo

    Por que um povo indgena se mobiliza e empreen-

    de lutas por escola? Quais sentidos e repercusses a

    educao escolar tem tido para o povo Baniwa? Esse

    povo habitante milenar da bacia do rio Iana, afluente

    da margem direita do rio Negro, no noroeste do esta-

    do do Amazonas.

    Essas perguntas motivaram a realizao de estu-

    dos sobre a escola na rea Baniwa. Neste texto apre-

    sento alguns resultados polticos e socioculturais des-

    ses estudos, mostrando os Baniwa em suas relaes

    com os outros atores sociais existentes na regio do

    Alto Rio Negro, especificando as relaes concernen-tes produo de diferentes formas de educao es-

    colar (em sua essncia, significados e repercusses),

    ligadas a diferentes interesses e sentidos, representa-

    es de mundo e projetos polticos.

    Estudos recentes revelam um processo acelera-

    do de transformao das culturas orais na regio do

    Alto Rio Negro (Oliveira, 1981, 1992; Ribeiro, 1970;

    Wright, 1981, 1994, entre outros). Tal processo de-

    terminado por relaes polticas, relaes de fora e

    condies materiais, no qual os segmentos indgenas,

    entre eles os Baniwa, operam mudanas em: sua

    cosmologia, suas concepes mticas e estticas, sua

    magia, seus ritos, suas bases materiais e lnguas, apro-

    priando-se mas tambm recriando e reelaborando,

    de acordo com critrios e paradigmas de suas pr-

    prias culturas dos elementos da cultura dominante.

    Esse modo de entender descarta uma concepo pu-

    ramente receptora e inativa das culturas indgenas. A

    referncia a esse processo feita para destacar a cria-

    o de espaos de educao dos Baniwa atravs da

    implantao dos colgios salesianos, das escolinhas,

    de cursos e mesmo das associaes indgenas.

    O estudo de Weigel e Ramos (1991) sobre os in-ternatos salesianos para os ndios do Alto Rio Negro,

    implantados na regio de 1915 a 1953, mostrou que a

    escola indgena pode ser um espao ambivalente e

    contraditrio, em que, tanto do ponto de vista do n-

    dio quanto do no-ndio, efeitos antagnicos podem

    ser produzidos.

    No caso dos internatos, na qualidade de institui-

    o da cultura ocidental imposta s populaes ind-

    genas, pode-se afirmar que facilitou a difuso de cer-

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    tos elementos dessa cultura (como, por exemplo, a

    escrita em lngua portuguesa), o que contribuiu para

    o fortalecimento da ideologia modernizante, hegem-

    nica, na sociedade nacional, ao mesmo tempo em que

    colocava esses elementos ao alcance de membros do

    grupo indgena, de modo que pudessem transform-

    los em instrumentos para suas aes. O estudo mos-

    tra que a lngua portuguesa aprendida nos internatos

    foi utilizada, em vrios momentos, em suas defesas,

    denncias e reivindicaes. Desse modo, a escola,

    como todo espao socialmente construdo, um es-

    pao em aberto, onde as prticas nele empreendidas

    produzem efeitos resultantes de um feixe de relaes

    que poderamos denominar de negociaes entre as

    foras sociais envolvidas.Para efeito desta investigao, privilegiei os es-

    paos educativos que se instituem nas escolas das

    comunidades, no colgio religioso e nas associaes

    Baniwa. Esses espaos vm sendo povoados por di-

    ferentes atores: professores Baniwa e Tukano, catli-

    cos e protestantes, religiosos salesianos, padres, mis-

    sionrios protestantes das Novas Tribos do Brasil,

    funcionrios de rgos pblicos, militares, agentes de

    entidades no-governamentais, e os diversos mem-

    bros das famlias Baniwa.Nas interpretaes sobre a implantao da edu-

    cao escolar na regio do rio Iana, tem sido

    enfatizado seu carter de instrumento de imposio

    da cultura ocidental, mediando, pela fora das idias

    e da pedagogia, a destruio da identidade tnica e a

    assimilao do Baniwa sociedade nacional, como

    nas afirmaes de Oliveira (1992):

    Frente ideolgica de expanso, [...] processo de

    catequizao missionria, cuja principal caracterstica foi a

    [...] incluso da populao indgena no contexto civilizatrio

    regional, atravs do processo de educao formal nas esco-

    las. (p. 51)

    Esse entendimento focaliza o poder poltico, eco-

    nmico e simblico dos agentes promotores da esco-

    la, minimiza a atuao e a reao dos prprios ind-

    genas e no considera o movimento que engendra

    criao/destruio/recriao de significados dentro do

    espao escolar. Em contrapartida, preciso avaliar

    tambm a posio da escola na hierarquia das rela-

    es que tecem as estruturas sociais e culturais, bem

    como as transformaes que vo se operando nessas

    relaes, redefinindo-se o prprio significado da es-

    cola para o povo Baniwa. Em outras palavras, o sen-

    tido da escola no tem sido o mesmo, porque as rela-

    es vividas pelos Baniwa tambm se transformaram.

    A escola Baniwa, ento, configura-se como uma

    situao de confronto intercultural, na medida em que

    tem sido espao de conflitos entre as culturas, os in-

    teresses e o poder dos diferentes atores sociais envol-

    vidos. essa natureza conflituosa que modifica o sen-

    tido vertical de imposio atribudo educao escolare evidencia seu carter de possibilidade. As possibili-

    dades existentes so engendradas por conexes e su-

    bordinaes a condicionamentos mais amplos, como

    prprio das relaes pedaggicas.

    Desse modo, as relaes estabelecidas entre os

    atores para tecer a educao dos Baniwa devem ser

    entendidas e explicadas no mbito da histria do

    povo e contextualizadas com estruturas sociais, eco-

    nmicas e culturais da sociedade capitalista com a

    qual se estabelecem as relaes interculturais, bemcomo com as estruturas especficas do campo da edu-

    cao.

    Colocou-se, ento, como questo central desta

    pesquisa a anlise dos significados e repercusses que

    a educao seja nas escolas introduzidas pelos no-

    ndios, seja nos espaos educativos criados pelos pr-

    prios indgenas tem produzido na cultura e na vida

    dos Baniwa do Alto Rio Negro. Investigar essa ques-

    to representou compreender e explicar, entre outros

    aspectos, os diferentes projetos educativos que se con-

    figuram na diversidade das prticas educativas, o modo

    como os processos educativos afirmam a heterogenei-

    dade e a homogeneidade desse povo, os resultados dos

    processos educativos empreendidos pelos agentes da

    cultura ocidental, e a multiplicidade de efeitos e reper-

    cusses das prticas educativas heterogneas.

    Metodologicamente, a investigao efetivou-se

    pela articulao da observao participante com a

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    anlise de mbitos sociais que extrapolam o campo

    localizado da pesquisa, alm do exame de documen-

    tao histrica. A abordagem do povo Baniwa e de

    suas formas de educao escolar deu-se como apreen-

    so de aes humanas, concebidas, essencialmente,

    como a expresso de estados de conscincia, como o

    produto de um conjunto de valores e o resultado de

    variadas motivaes polticas, econmicas, ideol-

    gicas, simblicas e imagticas.

    Foram envolvidos os atores sociais articulados

    s mltiplas relaes que tecem os processos de edu-

    cao dos Baniwa. Num primeiro nvel de aborda-

    gem, a nfase foi dada a indivduos, com o intuito de

    apreender a heterogeneidade das formas de insero,

    de interesses e de projetos constitutivos das suas aes.Num segundo nvel, a nfase foi dada aos atores so-

    ciais em movimento, nas diferentes relaes que es-

    tabelecem para produzir o campo especfico da edu-

    cao escolar Baniwa. Os critrios do domnio da

    histria e de pertinncia na estrutura do campo social

    especfico da educao escolar Baniwa, ento, foram

    usados para identificar os principais atores do drama

    escolar Baniwa: o av e a av da comunidade, os pa-

    js, o professor ndio, os pais, as mes e os alunos das

    escolas Baniwa, os dirigentes das trs associaesBaniwa e os capites das comunidades, os religiosos

    catlicos e os missionrios evanglicos.

    Os diferentes projetosde educao entre os Baniwa

    Examinar a histria da educao formal entre os

    Baniwa revela a existncia de projetos de educao

    diferentes, ligados a diferentes interesses e vises de

    mundo. Podemos distinguir um projeto articulado por

    missionrios catlicos e outro (se que se pode deno-

    minar de projeto de educao), por missionrios evan-

    glicos.

    O trabalho educacional de maior repercusso foi

    encetado pelos religiosos salesianos. no sentido de

    procurar aprofundar e consolidar entre os indgenas a

    produo de um estilo de vida e de um imaginrio

    adequados aos interesses dos grupos sociais dominan-

    tes que o Estado brasileiro acolhe, respalda e apia a

    fundao da escola e de um vasto trabalho mission-

    rio no Alto Rio Negro, pelos religiosos salesianos, na

    segunda dcada do sculo XX. Por outro lado, a ao

    missionria foi fundamental para assegurar o dom-

    nio do territrio e a ampliao das fronteiras nacionais,

    implantando povoados, convencendo os indgenas a

    habit-los e desenvolvendo atividades produtivas.

    Ningum melhor do que os missionrios para ocupar

    a regio do Alto Rio Negro e, com suas aes, con-

    trabalanar as aes dos comerciantes, nem sempre

    muitopatriticos, e assegurar a permanncia dos in-

    dgenas que sempre emigraram do pas, fugindo das

    perseguies ou buscando vida melhor.

    O ano de 1915 apontado como a data de funda-o do primeiro centro missionrio salesiano, no Alto

    Rio Negro. Dom Pedro Massa, o prefeito apostlico

    que substituiu Monsenhor Giordano em 1919, deno-

    minou esses centros de ncleos de civilizao. Cons-

    trudos em locais estrategicamente escolhidos, pela

    proximidade das reas com maior densidade popula-

    cional, os centros missionrios, imponentes conjun-

    tos de grandes prdios, reuniam escola, internato, ofi-

    cina, maternidade, ambulatrio, hospital, dispensrio,

    igreja, alm da residncia dos religiosos e at, em al-guns casos, estaes meteorolgicas. Ao todo, at o

    incio da dcada de 1950, foram instaladas sete gran-

    des sedes de misso.

    O empreendimento salesiano no rio Iana, j tar-

    dio, s comea em 1953. Est claro que os Baniwa

    discerniam benefcios que adviriam da ao missio-

    nria e, ao mesmo tempo, percebiam que os religio-

    sos tambm extrairiam lucros dessa empreitada. Ha-

    via vontade e empenho dos indgenas na concretizao

    da obra missionria, pois a ao missionria dos

    salesianos foi vista como mediadora de desenvolvi-

    mento, sendo a principal manifestao a escolaridade

    e o domnio da escrita em portugus. Vemos assim

    que razes histricas levaram os Baniwa a responde-

    rem positivamente convocao dos salesianos para

    a efetivao da empresa missionria.

    Mesmo sem dominar a lngua portuguesa (mui-

    to menos as lnguas indgenas), irmos e irms

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    salesianos vieram para efetivar com os indgenas o

    projeto educacional de Dom Bosco: constituir obom

    cristo e obom cidado. Para isso, instituram em

    seus asylos e escolas um sistema educacional (ba-

    seado naquele desenvolvido em Turim para os fi-

    lhos de lavradores), ministrando o curso primrio

    (at a 5 srie), o ensino religioso e a formao para

    o trabalho. Dependendo da oficina existente na Mis-

    so, os jovens ndios poderiam desenvolver ativida-

    des ligadas carpintaria, marcenaria, olearia e

    alfaiataria, para meninos; e bordado, artesanato e cor-

    te e costura, para meninas. Alm disso, todos os alu-

    nos e alunas envolviam-se com agricultura, traba-

    lhando nas roas da Misso, na faina necessria

    produo agrcola destinada ao consumo. As alunasndias tambm eram responsveis pelo empreendi-

    mento das atividades de cozinha, limpeza e lavagem

    de roupa do alunado.

    Alm de utilizar o brao ndio, os missionrios

    tinham para os ndios um projeto civilizador. De acor-

    do com seu modelo de civilizao, condenavam a vida

    tribal, a habitao em malocas e a economia de auto-

    sustentao. Nesse sentido, no apenas atraam os in-

    dgenas para a circunvizinhana das Misses, como

    tambm trataram de criar aldeias nas proximidades,como fizeram os missionrios do passado.

    Como educadores experientes, os salesianos

    apostavam na formao das crianas e jovens, por

    estarem convencidos de que adultos e idosos j esta-

    vam viciados e no responderiam positivamente aos

    seus ensinamentos civilizatrios, conforme orienta-

    o do mestre Dom Bosco.

    O processo para formar o bom cidadonesse con-

    texto rionegrino inclua a imposio da lngua portu-

    guesa. Mesmo que alguns padres tivessem que apren-

    der a lngua indgena da regio onde atuavam, para

    serem compreendidos, na escola estudava-se exclusi-

    vamente o idioma nacional, sendo ele de uso obriga-

    trio nas comunicaes dentro do internato. Alm dis-

    so, a lngua configurava-se como uma instituio

    fundamental das identidades tribais, sendo, por isso,

    incompatvel com o modelo de cidadoque era obje-

    tivo formar.

    Na rea dos Baniwa, como vimos anteriormente,

    o internato salesiano somente foi implantado no in-

    cio da dcada de 1950, perodo ps-guerra, quando a

    regio do Iana vivia uma fase de grande converso

    ao protestantismo. Se, por um lado, foram as relaes

    com os Baniwa que levaram ao desaparecimento dos

    internatos e ao definhamento do Centro Missionrio,

    por outro, podemos distinguir, a partir da dcada de

    1970, condies de ordem estrutural, ligadas ao reor-

    denamento econmico mundial, s transformaes

    ideolgicas dentro da prpria Igreja catlica e cres-

    cente politizao de fraes sociais oprimidas, favo-

    recida pela aliana de setores intelectualizados da so-

    ciedade civil nacional e internacional.

    Em meados da dcada de 1970, a escola salesianado Iana tornou-se mista, passando ao controle total

    das Filhas de Maria Auxiliadora, as irms salesianas.

    Em 1977, a resoluo n 114 do Conselho Estadual

    de Educao, publicada no DirioOficialde 27 de

    janeiro, aprova o regimento escolar da Unidade Edu-

    cacional Dom Pedro Massa, da qual faz parte a pr-

    escola e a escola de primeiro grau Nossa Senhora de

    Assuno, no rio Iana, funcionando sob o controle e

    a fiscalizao da Secretaria Estadual de Educao do

    Estado do Amazonas. Encerrou-se, ento, a fase dosasyloseescolas profissionalizantes. Restaram daquela

    poca apenas os grandes prdios.

    Com a extino dos internatos, os missionrios

    salesianos foram levados a pensar em outra estrat-

    gia para a educao escolar que consideravam neces-

    srio ministrar s crianas ndias. Desse modo, na

    dcada de 1970, Irm Teresa e Padre Carlos criaram

    escolinhasnas vrias comunidades catlicas, desti-

    nadas alfabetizao em lngua portuguesa e ensino

    das primeiras contas. Semelhantes s casas de mora-

    dia das famlias, essas antigas escolas so constru-

    das de taipa, cobertas de palha caran e possuem dois

    ou trs cmodos. Para o funcionamento das escolas,

    Irm Teresa contou com os ex-alunos do Colgio de

    Assuno, que, tendo concludo a quinta srie, passa-

    ram a atuar como professores.

    Na dcada de 1980, foi institudo o rgo muni-

    cipal de educao de So Gabriel da Cachoeira, um

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    setor da prefeitura com poderes e responsabilidades

    relativos organizao e administrao do sistema

    escolar do municpio. As escolas das comunidades

    indgenas oficializaram-se, passando para a jurisdi-

    o municipal, mesmo que as irms salesianas conti-

    nuassem a supervision-las at o incio dos anos 1990.

    Nelas so ministradas as quatro primeiras sries do

    ensino fundamental, em classe multisseriada.

    No final da dcada de 1940, o protestantismo

    instalou-se no Alto Rio Negro, principalmente na rea

    dos Baniwa do rio Iana e seu maior afluente, o rio

    Aiari. Segundo distingue Wright (1981), em 1976

    havia trs misses protestantes no rio Iana e somen-

    te duas no rio Uaups. A pioneira foi a americana

    Sofia Mller, missionria fundamentalista da NewTribes Mission.

    O processo de converso dos ndios, para os pro-

    testantes da New Tribes Mission, exigia a mediao

    de prticas pedaggicas de ensino de leitura em ln-

    gua indgena. O objetivo precpuo era de que pudes-

    sem ler a Bblia, cuja traduo para o idioma nativo

    havia sido feita pelos prprios missionrios, e, desse

    modo, salvarem suas almas. Para isso, aulas foram

    improvisadas, no sentido de viabilizar a alfabetiza-

    o. De acordo com os prprios relatos de Sofia Mller(1952), o ensino se processava debaixo das rvores,

    nas casas, nas canoas, onde fosse possvel. Ficou tam-

    bm evidente que Sofia no pretendia escolarizar os

    ndios, mas to somente fazer os velhos decodificarem

    a escrita, a fim de poderem ler a Bblia para os de-

    mais. Alm da leitura e escrita na lngua, o ensino

    visava tambm preparar os mais velhos para ocupa-

    rem os cargos de ancio, dicono e pastor. Estes iriam

    assegurar a preservao da crena, dando continuida-

    de realizao dos rituais evanglicos. A escola no

    fazia parte do projeto evanglico.

    Depois de Sofia Mller, os Baniwa lembram-se

    que um pastor americano veio morar no rio Iana: e

    depois foi Henrique que fez casa em Seringa-rupit,

    na boca do Cuiari. [...] Henrique convidava pessoal

    do rio para ensinar na casa dele, conta o av dzawinai,

    da comunidade Arapaso, rio Iana. Pastor Henrique,

    colaborador do Summer Institute of Linguistic (SIL),

    entidade americana de igrejas protestantes, no ape-

    nas ensinou os velhos a ler e escrever Baniwa, mas

    tambm viabilizou a elaborao de duas cartilhas e

    dois livros de exerccios para serem usados no pro-

    cesso de alfabetizao da lngua indgena. Foi a pri-

    meira proposta de grafia do Baniwa falado no Brasil,

    que diferente do que falado na Colmbia.

    Na comunidade de Jandu-cachoeira funcionava,

    desde 1970, uma escola bblica, fundada pelo pastor

    Jaime, missionrio americano que ficou quase vinte

    anos evangelizando no rio Iana. A escola regular,

    que significava escolaridade de 1 a 4 srie, s foi

    criada em 1975. Para trabalhar nessa escola vieram

    mais duas missionrias, uma americana e uma

    paulista. No incio da dcada de 1980, alguns alunosj haviam concludo a 4 srie na escola de Jandu, e

    ento foram organizadas escolas em outras duas co-

    munidades protestantes, onde esses ex-alunos foram

    lecionar.

    A escola de Jandu fechou em 1988. Todas as

    escolinhas organizadas pelos protestantes desde que

    o rgo Municipal de Educao foi criado, em 1983,

    passaram para a jurisdio da Prefeitura de So

    Gabriel. Gradativamente, os missionrios protestan-

    tes foram se desobrigando da superviso das escolasfundadas por sua iniciativa. Atualmente, eles no tm

    mais nenhuma atividade ligada escolarizao regu-

    lar. A escola dever do Estado, diz o pastor que

    mora no rio Iana.

    Fica evidente que a estratgia dos missionrios

    protestantes, para divulgao de suas idias evange-

    lizadoras e cristianizao dos Baniwa, diferia subs-

    tancialmente da catlica. Enquanto os salesianos

    seguiam a orientao de Dom Bosco, que dizia

    ocupai-vos primeiro das crianas e ganhareis depois

    os adultos, e investiam no projeto educativo desen-

    volvido em seus internatos e escolinhas, a estratgia

    dos protestantes era bem diferente. Consistia em, usan-

    do a hierarquia da sociedade indgena, conquistar pri-

    meiro os mais velhos, os que tinham a autoridade e o

    respeito dos demais, os que eram ouvidos e, por isso,

    tinham influncia sobre a formao das novas gera-

    es. Mas o fato de no terem desenvolvido a educa-

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    o escolar e de terem ensinado a ler na lngua ind-

    gena, em detrimento do portugus, avaliado hoje,

    pela maioria dos velhos, chefes e professores Baniwa,

    catlicos, como um prejuzo para o povo.

    Os catlicos consideram que o protestantismo foi

    umatrasopara os Baniwa. Dos velhos e chefes pro-

    testantes com quem conversei, certamente nenhum se

    considera atrasado.Essa uma idia muito trabalha-

    da pelos salesianos: progredir, ir pra frente, atra-

    vs da escolarizao. Porm, alguns tm um posicio-

    namento favorvel em relao necessidade de mais

    escolarizao para suas crianas. Se, por um lado, as

    escolinhas improvisadas de Sofia Mller ensinavam

    a escrita da lngua indgena e isso pode representar

    uma forma de valorizao da cultura, por outro lado,esto ligadas apenas leitura da Bblia, significando

    uma restrio e uma imposio cultural, tal qual a

    escola dos missionrios catlicos.

    Sentidos e repercusses da educao escolar

    O sentido da escola para os Baniwa transformou-

    se medida que foram se transformando as relaes

    vividas com os brancos, as condies histricas des-

    sas relaes e os interesses Baniwa em jogo. No cur-so do processo cotidiano das experincias sociais e

    histricas, as idias Baniwa sobre a escola assumem

    um carter pragmtico, uma vez que esto ligadas a

    intenes e finalidades concretas.

    possvel distinguir trs momentos na histria

    Baniwa, marcados por interesses distintos quanto

    escolaridade. O primeiro desses momentos correspon-

    deria ao perodo de implantao e funcionamento do

    internato salesiano, transcorrido ao longo da dcada

    de 1950. O segundo seria relativo fase de implanta-

    o das escolinhas nas comunidades, na dcada de

    1970. Um outro seria perceptvel a partir da segunda

    metade da dcada de 1980, quando se consolida a

    educao escolar e comea a aumentar o nmero de

    escolas na regio do Iana.

    Na dcada de 1950, os chefes Baniwa permitem

    que seus filhos ingressem no colgio salesiano de As-

    suno do Iana. Longe de ser simplesmente fruto de

    uma coao ou resultar de uma imposio absoluta

    dos salesianos sobre os Baniwa (entendimento que,

    metodologicamente, seria um reducionismo, pois dei-

    xaria de tratar os Baniwa como atores sociais efeti-

    vos), a permisso para o ingresso dos jovens no col-

    gio de Assuno enquadra-se mais como uma

    estratgia Baniwa diante de exigncias e desafios apre-

    sentados pelo processo histrico. Os Baniwa procu-

    ravam meios de adaptarem-se situao irreversvel

    de dependncia em relao aos brancos, visto que

    eram alvo da violncia de muitos deles (comercian-

    tes, seringalistas, militares, entre outros).

    A multiplicao das escolinhas pelas comunida-

    des, nos anos de 1970, opera a consolidao da esco-

    la como um espao em que seria possvel aos Baniwatomarem posse de cdigos e linguagens, to necess-

    rios para as relaes com os brancos. Segundo depoi-

    mentos, atravs disso seria possvel conhecer a vida

    dos brancose, ento, saber como lidar com eles; po-

    deriamfalar portugus, isto , comunicar-se com os

    brancos e no deixar-se confundir por eles. O dom-

    nio desses elementos simblicos significava no s

    um instrumento de defesa, mas tambm de autocon-

    fiana e de auto-estima, na medida em que podiam

    colocar-se em p de igualdade com os brancos, tran-sitando nos mesmos campos simblicos e manipulan-

    do os mesmos cdigos.

    Na segunda metade da dcada de 1980, criou-se a

    primeira associao na regio do Iana, a Associao

    das Comunidades Indgenas do Rio Iana (ACIRI).

    Gradativamente, alguns Baniwa comearam a interio-

    rizar o submundo1 das organizaes polticas e, por

    conseguinte, a aprender a linguagem e os conhecimen-

    tos do subuniverso de significados prprios da esfera

    poltica.

    A entrada das associaes indgenas no submun-

    do, habitando o subuniverso da ao poltica, possibi-

    1O conceito de submundo de Berger eLuckmann (1985,

    p. 184-185), consistindo em campos institucionais especficos,

    constitudos de conhecimentos, vocabulrio, regras de comporta-

    mento, rotinas e padres estticos prprios.

  • 7/23/2019 Os Baniwa e a Escola Educao Indgena Rbe

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    Os Baniwa e a escola

    Revista Brasileira de Educao 11

    litou, ento, aos Baniwa encarregados de dirigi-las, in-

    teriorizar e objetivar as condutas institucionalizadas:

    reunies polticas (assemblias, encontros, confern-

    cias) e tcnicas (discusso de oramentos e projetos),

    alm dos rituais burocrticos (relatrios, ofcios, atas,

    projetos, prestao de contas).

    No se pode desconsiderar o fato de que, con-

    cretamente, os Baniwa esto vivendo relaes sociais

    mais amplas, esto inseridos na estrutura de classes

    da sociedade brasileira e participam, embora de modo

    desigual, dos processos de produo, distribuio e

    consumo dos bens simblicos e materiais. Fazem par-

    te, portanto, da sociedade capitalista em que vivemos.

    Aqui, um outro ponto que se impe e merece ser

    focalizado a questo da identidade sociocultural.Permanecem em curso movimentos, processados pela

    dinmica das relaes travadas no contexto das es-

    truturas da sociedade nacional, forjando a reconstru-

    o de uma identidade coletiva que se fortalece como

    referncia para os subgrupos Hohodene, Dzawinai ou

    Uaripere-dakenai, sejam catlicos ou protestantes:

    a identidade Baniwa. Essa identidade vem, gradati-

    vamente, ganhando nova conformidade, consistncia

    e validade medida que o povo se defronta com pro-

    blemas e presses criados pelas estruturas sociais eculturais da sociedade de classes, no processo de in-

    tegrao nao brasileira.

    Se antes essa autodesignao genrica no exis-

    tia entre os ndios Baniwa do Brasil, agora j se pode

    verificar no discurso dos dirigentes das associaes,

    dos professores e dos capites a referncia ao povo

    Baniwa: expresses como artesanato caracterstico

    dos Baniwa, professores Baniwa, pensadores

    Baniwa e povo Baniwa esto sendo usadas noIn-

    formativoe em outros documentos da Associao das

    Organizaes Indgenas da Bacia do Iana (OIBI).

    Nesse sentido, quando o interesse pela escola se ma-

    nifesta com base no argumento da promoo do

    desenvolvimento do povo Baniwa, penso que isso

    significa estar o trabalho da escola articulado a pro-

    cessos mais complexos de afirmao e constituio

    dessa identidade Baniwa, no mbito da sociedade

    nacional. Tais processos compreendem e implicam,

    ao mesmo tempo, a formulao de utopias e de proje-

    tos polticos coletivos, delineados no quadro sociopo-

    ltico da nao brasileira.

    Quando focalizada no sentido de produo e

    manuteno da identidade Baniwa, a educao esco-

    lar configura-se como um instrumento instaurador de

    unidade, isto , funciona como mediadora de elemen-

    tos homogeneizadores e centralizadores de energia que

    contribuem para manter o povo unido.

    Simultaneamente, a educao escolar tambm

    pode produzir resultados que tm repercusses

    heterogeneizadoras e descentralizadoras, potencial-

    mente criadoras de divises internas do grupo. A es-

    cola determina o acesso e a distribuio de bens cultu-

    rais muito valorizados, em virtude dos condicionantesque delimitam as relaes vividas pelos Baniwa nas

    formas atuais de integrao social. Bourdieu (1992)

    pode iluminar o entendimento dessa dimenso

    disjuntora da escola, quando afirma que

    A escola no cumpre apenas a funo de consagrar

    a distino no sentido duplo do termo das classes

    cultivadas. A cultura que ela transmite separa os que a

    recebem do restante da sociedade mediante um conjunto

    de diferenas sistemticas: aqueles que possuem como

    cultura (no sentido dos etnlogos) a cultura erudita vei-

    culada pela escola dispem de um sistema de categorias

    de percepo, de linguagem, de pensamento e de aprecia-

    o que os distingue daqueles que s tiveram acesso

    aprendizagem veiculada pelas obrigaes de um ofcio ou

    a que lhes foi transmitida pelos contatos sociais com seus

    semelhantes. (p. 221)

    Assim, o domnio de diferentes formas de lin-

    guagem, de determinados hbitos e atitudes, e a posse

    de conhecimentos dos subuniversos de significao

    prprios do mundo dos brancos transformam-se em

    capital simblico acumulado por aqueles Baniwa que

    passaram pela escola os jovens, na maioria catli-

    cos. nesse sentido que a escola produz resultados

    que apresentam repercusses heterogenizadoras.

    proporo que os Baniwa so enredados no tecido

    social mais amplo, aqueles que passaram pela esco-

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    Valria Augusta Cerqueira de Medeiros Weigel

    12 Jan/Fev/Mar/Abr 2003 N 22

    la encontram-se em posio mais vantajosa, pela

    posse de bens culturais valiosos tanto do ponto de

    vista do reconhecimento social, quanto do ponto de

    vista prtico.

    Desse modo, as crianas Baniwa, durante sua

    primeira socializao, entre outras normas e valores

    institucionais, apreendem os significados da obedin-

    cia e respeito aos pais, avs e tios, estabelecidos por

    normas Baniwa tradicionais. Essas normas consti-

    tuem-se em valores e convices morais na orienta-

    o das aes e regulamentao do consenso entre os

    membros da famlia Baniwa. Nas relaes geracionais,

    dentro da hierarquia familiar, as diferenas produzi-

    das pela educao escolar, no que concerne a criar

    um adicional de poder simblico para os mais jovens,esto sendo superadas por essas normas que orientam

    as relaes de parentesco.

    Nas relaes estabelecidas entre catlicos e pro-

    testantes, os conflitos so mais evidentes, porque tam-

    bm esto associados a divises e disputas tradicio-

    nais entre os grupos. Em razo da antiga aliana com

    os salesianos, as famlias catlicas tm maior nmero

    de filhos escolarizados. A posse desse valioso bem

    cultural a instruo escolar apresenta-se como fa-

    tor intensificador da diferena e diviso entre os gru-pos, que os catlicos escolarizados externam ao evo-

    car o atrasotrazido pelo protestantismo.

    Entre os Baniwa protestantes, por terem aban-

    donado essas tradies, de fato as geraes mais

    novas parecem desconhecer as antigas instituies

    da sua cultura, como os mitos de origem, os rituais

    de iniciao, os rituais xamansticos e as festas do

    dabakuri e pudare.2 bem verdade que os jovens

    protestantes escolarizados, que esto frente da as-

    sociao, vm buscando transformar esse modo de

    pensar e agir dos Baniwa protestantes, por compreen-

    derem a importncia desses elementos culturais para

    o movimento poltico de afirmao sociopoltica do

    povo Baniwa. Querem introduzir as histrias mticas

    no currculo da escola. Mas referem-se s institui-

    es tradicionais Baniwa como uma coisa j morta,

    existente num passado longnquo.

    guisa de concluso

    Todas as formaes sociais tm a percepo da

    possibilidade do seu desaparecimento, identificado

    com o caos e a desordem. Por isso, principalmente

    nas conjunturas de crise, suas foras se colocam no

    sentido de impulsionar modos de recriao e renova-

    o da sociedade. Para os Baniwa, penso que o medo

    da entropia e a percepo da vulnerabilidade da es-

    trutura tradicional, diante da fora dos dinamismosde fora (expresso de Balandier, 1969), compeli-

    ram-nos a criar mecanismos capazes de restaurar a

    unidade social, embora em outras bases impostas pelo

    processo histrico.

    No cabendo mais os rituais e ensinamentos tra-

    dicionais, a escolaridade assumiu essa funo de res-

    taurao da sociedade, pois o estado de plenitude e

    de cidadania (no sentido de tornar-se membro daque-

    la sociedade) a que ela permite acesso est sendo per-

    cebido como condio de vida e de ordem da socie-dade. A educao escolar renascimento.

    Nesse sentido, a escola representa tanto a luta

    pela sobrevivncia Baniwa, contribuindo para a cons-

    truo de uma nova identidade, quanto a esperana

    de felicidade no futuro. Os Baniwa buscam na escola

    meios linguagens, conhecimentos e cdigos que

    contribuam para a produo de um ajustamento e uma

    organizao social modificada, para melhor se adap-

    tarem s novas condies histricas.

    Essas novas condies histricas impem um fato

    inquestionvel: os Baniwa existem num tecido social

    mais amplo, a sociedade brasileira. O empreendimento

    da luta pela identidade sociocultural significa cons-

    truir uma visibilidade da sua presena no conjunto

    desse tecido social, de modo a garantir um espao e

    um tempo: os pajs mesmo vem isso... vo vir mui-

    tos brancos, vo encher aqui... muita coisa vai mudar

    ainda... (ndio Baniwa).

    2Dabakurie Pudareeram cerimoniais de troca, realizados

    sempre que houvesse um excedente de peixe, frutas e caa, em

    que eram convidados os parentes de outras comunidades.

  • 7/23/2019 Os Baniwa e a Escola Educao Indgena Rbe

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    Os Baniwa e a escola

    Revista Brasileira de Educao 13

    VALRIA AUGUSTA CERQUEIRA DE MEDEIROS

    WEIGEL, doutora em antropologia pela Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo, professora do Programa de Ps-Gradua-

    o em Educao da Universidade Federal do Amazonas. Entre

    outros textos sobre educao escolar indgena, publicou Escolas

    de branco em malokas de ndio (EDUA, 2000). Coordena a pes-

    quisaIdentidades amaznicas, meio ambiente e educao, estudo

    da mediao da escola nas relaes homem/meio, com povos in-

    dgenas e grupos caboclos da regio. E-mail : [email protected]

    Referncias bibliogrficas

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    Recebido em setembro de 2002

    Aprovado em novembro de 2002