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1 Porto Alegre n o 20 dezembro 2008 Famecos/PUCRS diversidade cinematográfica OS CAMINHOS DE WIM WENDERS Eduardo Wannmacher* Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo O argumento aqui é que a estrutura narrativa da produção cinematográfica de Wim Wenders possi- bilita uma interpretação sociológica dos Estados Unidos, a partir de seus Road Movies. O artigo a seguir procura, ainda, flagrar as tentativas de Wim Wenders de encontrar o equilíbrio entre as mudan- ças do mundo e seu esforço de se manter ancorado a um ponto de vista radical. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Wenders - Road Movie - Cinema The argument here is that the narrative structure of Win Wenders provides a sociological interpretation of the United States, from its Road Movies. The following article seeks, further, focus the attempts to Wim Wenders to find the balance between the changes of the world and his efforts to remain anchored to the point of view radical. Key Words Key Words Key Words Key Words Key Words Desde a produção dos curta-metragens, ainda na Europa, parte importante da filmografia de Wim Wenders carrega um amor sobre os Estados Unidos, país visto e recriado a partir do olhar estrangeiro do diretor. Cinema este que se descobre nas estradas e grandes cenários americanos, universo imagético permanente dos road movies, gênero do qual Wenders mais se apropriou para retratar as relações humanas. A estrada tem sido tema recorrente da cultura americana, inserido tanto na mitologia popular quanto na história social, retornando aos costumes da nação. Esta sofreu transformação profunda pela proliferação de filmes e automóveis do século vinte. Quando Jean Baudrillard equivaleu a cultura americana aos termos “espaço, rapidez, cinema, tecnologia”, ele poderia estar descrevendo justamente as características do road movie. (Cohan e Hark, 1997, p.1) Do fim dos anos 70 ao início dos anos 90, os mais interessantes filmes de estrada foram realizados fora do controle das grandes produtoras de Hollywood. O alemão Wim Wenders, que possui uma companhia chamada Road Movies, pensou o gênero com uma série de filmes essenciais, sempre sob o olhar europeu, que inclui No Decurso do Tempo, Alice nas Cidades, Movimento em Falso, O Amigo Americano, Paris, Texas e Até o Fim do Mundo. O que Wenders busca em sua obra é percorrer a estrada com a liberdade e a ousadia que pretende descobrir o fazer cinematográfico, rompendo fronteiras culturais, pensando linguagens diversas. O cinema contemporâneo mais avançado deixou de ser linguagem - e espetáculo - para tornar- se estilo. O realizador atual dispõe de uma forma de expressão tão ágil e sutil quanto a linguagem escrita. A linguagem, comum a todos os cineastas, é o ponto de encontro entre a técnica e da estética. O estilo, específico de cada diretor, é a sublimação da técnica na estética. Assim, a linguagem não é Wenders - Road Movie - Cinema Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract Wim Wenders

Os Caminhos de WW

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1Porto Alegre no 20 dezembro 2008 Famecos/PUCRS

diversidade cinematográfica

OS CAMINHOS DE WIM WENDERSEduardo Wannmacher*

R e s u m oR e s u m oR e s u m oR e s u m oR e s u m o

O argumento aqui é que a estrutura narrativa daprodução cinematográfica de Wim Wenders possi-bilita uma interpretação sociológica dos EstadosUnidos, a partir de seus Road Movies. O artigo aseguir procura, ainda, flagrar as tentativas de WimWenders de encontrar o equilíbrio entre as mudan-ças do mundo e seu esforço de se manter ancoradoa um ponto de vista radical.

P a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eP a l a v r a s - c h a v eWenders - Road Movie - Cinema

The argument here is that the narrative structure ofWin Wenders provides a sociological interpretationof the United States, from its Road Movies. Thefollowing article seeks, further, focus the attempts toWim Wenders to find the balance between thechanges of the world and his efforts to remainanchored to the point of view radical.

Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words

Desde a produção dos curta-metragens, aindana Europa, parte importante da filmografia deWim Wenders carrega um amor sobre os EstadosUnidos, país visto e recriado a partir do olharestrangeiro do diretor. Cinema este que sedescobre nas estradas e grandes cenáriosamericanos, universo imagético permanente dosroad movies, gênero do qual Wenders mais seapropriou para retratar as relações humanas.

A estrada tem sido tema recorrente dacultura americana, inserido tanto na mitologiapopular quanto na história social, retornando aoscostumes da nação. Esta sofreu transformaçãoprofunda pela proliferação de filmes e automóveisdo século vinte. Quando Jean Baudrillard equivaleua cultura americana aos termos “espaço, rapidez,cinema, tecnologia”, ele poderia estar descrevendojustamente as características do road movie.(Cohan e Hark, 1997, p.1) Do fim dos anos 70ao início dos anos 90, os mais interessantes filmesde estrada foram realizados fora do controle dasgrandes produtoras de Hollywood. O alemão WimWenders, que possui uma companhia chamadaRoad Movies, pensou o gênero com uma série defilmes essenciais, sempre sob o olhar europeu,que inclui No Decurso do Tempo, Alice nasCidades, Movimento em Falso, O AmigoAmericano, Paris, Texas e Até o Fim do Mundo.

O que Wenders busca em sua obra épercorrer a estrada com a liberdade e a ousadiaque pretende descobrir o fazer cinematográfico,rompendo fronteiras culturais, pensando linguagensdiversas. O cinema contemporâneo mais avançadodeixou de ser linguagem - e espetáculo - para tornar-se estilo. O realizador atual dispõe de uma formade expressão tão ágil e sutil quanto a linguagemescrita. A linguagem, comum a todos os cineastas,é o ponto de encontro entre a técnica e da estética.O estilo, específico de cada diretor, é a sublimaçãoda técnica na estética. Assim, a linguagem não é

Wenders - Road Movie - Cinema

A b s t r a c tA b s t r a c tA b s t r a c tA b s t r a c tA b s t r a c t

Wim Wenders

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apenas compreendida em sua acepção restrita,trucagem da realidade que constitui procedimentosde expressão afirmados nos modelos clássicosde realização. Segundo Marcel Martin (1990,p.239):

Podemos constatar, de fato, que a maiorparte dos diretores do pós-guerrapraticamente abandonou todo o arsenalgramatical e estilístico […] Num filme deAntonioni ou Wenders, por exemplo,apenas a montagem (muito lenta) e aexpressão da duração (sua resultante) e doespaço (seu corolário) podem ser objeto deuma análise estética: todos os outroscomponentes da escrita fílmica […] sãopraticamente ignorados, ou melhor dizendo,sublimados.

As obras de Wenders buscam umequilíbrio entre a atenção às mudanças do mundo,com olhar renovador capaz de compreender osentido destas transformações e o esforço demanter o ponto de ancoragem, idéia que misturao cinema (e suas temáticas) com a própria carreirado diretor, ao longo das três últimas décadas. ParaMateus Araújo Silva, observar a obra de WimWenders é revisitar o passado em busca dasindagações sobre o espaço e o tempo presentes.Assim como os personagens percorrem caminhosem busca de identidade e compreensão do mundo,a experiência também se faz pela criaçãocinematográfica do cineasta. Muitos de seus filmesrevelam uma preocupação de diagnosticar umcerto estado das coisas no mundo atual e nasituação do cinema, buscando diálogo com novosinterlocutores a cada filme. Dessa forma, “se todosestes filmes procuram travar um diálogo com ahistória do cinema, salta aos olhos, não obstante,uma grande fidelidade de todos eles a uma certafisionomia estilística própria do cinema de

Wenders e reconhecível pelos espectadores porele familiarizados”. (Silva,1997, p.189).

Deleuze, em A Imagem-Tempo, observana obra de Wim Wenders um processo de criseda imagem-ação, quando reflete melancolicamentesua própria morte: toma a si próprio como objeto,conta sua própria história, pois não há maishistórias pra contar. Igualmente reconhece nesserecurso um meio de constituição para certasimagens especiais. Em todas as artes, a obradentro da obra esteve ligada à investigação,vingança, vigilância. O cinema como arte, por sisó, vive em um complô: a relação que seinteriorizou com o dinheiro e não somente com areprodução mecânica da arte industrial. Analisandoo filme O Estado das Coisas, o autor conclui:

É esse o verdadeiro estado das coisas: elenão está no fim do cinema, como dizWenders, mas sim, como ele mostra, numarelação constitutiva entre o filme se fazendoe o dinheiro como todo do filme. […] E seWenders, como vimos em seus primeirosfilmes, tratava a câmera como equivalentegeral de qualquer movimento de translação,ele descobre em O Estado das Coisas aimpossibilidade da equivalência câmera-tempo, o tempo sendo dinheiro ou circulaçãode dinheiro. (Deleuze, 2005, p.98)

As imagens e lugares captados porWenders também são pensadas por MarceloMoutinho como reflexo do mundo. Roland Barthes,em Semiologia e Urbanismo, situa a cidade comoum discurso, construção de uma verdadeiralinguagem: “a cidade fala aos seus habitantes, nósfalamos a nossa cidade, a cidade onde nós nosencontramos, simplesmente quando a habitamos,a percorremos, a olhamos”. (apud Moutinho,1999, p. 98). Wenders vem tentando compreendermelhor as questões da imagem da cidade e dapossibilidade de sobrevida ao cinema, pelo fascínioàs imagens e à recuperação da memória.Integrando o grupo de cineastas que liderou o NovoCinema Alemão, a partir dos anos 70, movimentoque tinha como objetivo restaurar o cinema apósa queda do regime nacional-socialista, ligou suaobra a uma profunda desconfiança com asimagens, além de um sentimento e uma condiçãode expatriamento de seus personagens.

A identificação com uma pátria cruel, cujossímbolos jaziam intimamente ligados à

Segundo o autor (Alain Badiou), o

cinema é passagem, é o passado

perpétuo: o importante é o que foi

visto e o que permanece como ideia.

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imagem do nazismo e do genocídio,certamente era difícil. Há uma doídaconsciência deste fardo histórico; e ospersonagens de Wenders se caracterizarãopela condição de andarilhos. Talvez àprocura de uma pátria; com certeza denovas imagens. (Moutinho, 1999, p.101)

Em 1975, Wim Wenders realiza um filmena Alemanha: Movimento em Falso. Diferente deoutros filmes rodados como road movie, este nãose estrutura na estrada, ainda que,permanentemente, utilize-a no decorrer danarrativa. Portanto, não é a estrada que se constituicomo espaço primordial dos personagens, mas,antes de tudo, o deslocamento que, a cadamovimento, delineia a travessia (o movimentocomo ato em si, que encerra o vagar dopersonagem Wilhelm pelo interior da Alemanha).Como em outros filmes de Wim Wenders, o vagardefine-se em função do próprio vagar, ainda que,no percurso de Wilhelm, seus anseios estejamvinculados a um dom, possivelmente adormecido.No entanto, a cada seqüência, a angústia que seinscreve na mente do protagonista, porconseqüência, encaminha seus passos e, portanto,o deslocamento: a angústia da ausência de talentopara a literatura. Se a capacidade da escrita nãoexistir, consequentemente outro estado doindivíduo surgirá no caminho: a possibilidade (ounão) do autoconhecimento.

Para Peter Buchka (1987), os filmes deWenders são descrições de um estado, pois seuspersonagens ainda não alcançaram um estado emsi; são complexos e verdadeiros e, se resumissemo caminho, sem empenho a questões periféricas,não trariam consigo toda a intensidade apresentadaao longo das jornadas e das histórias. Wenders seaproxima do tema (e do personagem) de formaintuitiva: como o artista que ainda não está segurode seu tema central. O que acontece com ele é omesmo que acontece com Wilhelm em FalsoMovimento, que não tem necessidade de escrever,mas de querer escrever. Wenders se aproximalentamente dos temas e dos discursos que tem adizer, ao longo de toda a filmografia. Com isso,exercita seu olhar cinematográfico, à medida quevemos o personagem atravessar os cenários daAlemanha derrotada pela memória e pelasconvenções.

Pois para Wenders, a pátria éinvariavelmente também a província, com

as características do modo provinciano – eeste é o alvo do repúdio. De maneira geral,trata-se de não se deixar imbecilizar pelosempre igual, pois “isso não é vida” comodiz a mãe de Wilhelm em Falso Movimento.(Buchka, 1987, p. 39)

Alain Badiou reflete os falsos movimentosno filme de Wenders. Segundo o autor, o cinemaé passagem, é o passado perpétuo: o importante éo que foi visto e o que permanece como ideia.“Eis a operação do cinema, cuja possibilidade éinventada pelas operações próprias de um artista:organizar o afloramento interno ao visível dapassagem da ideia” (Badiou, 2002, p.103). O queWenders busca é justamente sustentar essapassagem, aqui entendida como a visitação dosensível. Em uma cena do filme, Wilhelm tem umadescoberta amorosa, a partir da janela do tremque está em movimento. Ele avista uma mulherque está em um outro trem, que anda paralelo aoseu. A sequência, como é montada, exerceproximidade e afastamento dos personagens,metonímia de todo o espaço de composição. Aação física, sempre paralela, traz em suasubjetividade as possibilidades de contato entreos dois indivíduos, o que sugere a idéia de amorcriada por Wenders.

O movimento local é falso, pois não passade um efeito de uma subtração da imageme também do dizer a eles mesmos.Tampouco há aqui movimento original,

(...) os filmes de Wenders são

descrições de um estado, pois seus

personagens ainda não alcançaram

um estado em si; são complexos e

verdadeiros e, se resumissem o

caminho, sem empenho a questões

periféricas, não trariam consigo toda

a intensidade apresentada ao longo

das jornadas e das histórias.

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movimento em si. O que há é umavisibilidade forçada que, não sendoreprodução do que quer que seja – digamosque o cinema é a arte menos mimética - ,cria um efeito temporal de percurso paraque esse próprio visível seja atestado de certaforma”fora da imagem”, atestado pelopensamento. (Badiou, 2002, p.107)

Nos Estados Unidos, Wim Wendersrealiza, em 1984, Paris, Texas. Em uma época deascensão do capital – a época yuppie, os filmesde estrada ganham um poder de crítica maior.Baudrillard, escrevendo suas impressões sobre aera Reagan, observa: “Dirija dez mil milhas ao longoda América e você saberá mais sobre o país doque todos os institutos de sociologia e ciênciapolítica juntos” (apud Cohan e Hark, 1997, p.210).

A partir do roteiro escrito por SamShepard, dramaturgo da alienação humana, ahistória reflete os temas comuns a toda a carreirade Wenders, atraído pela estrada novamente, omito americano, pelos que ficam à margem etestemunham o vazio e o sofrimento. Wenders foiinfluenciado pela leitura da Odisséia, de Homero,alguns meses antes da filmagem, emboraestivesse convencido de que esse mito já nãotinha lugar nas paisagens européias, e sim nodeserto do oeste americano. Segundo o própriodiretor, a cidade que dá nome ao filme era olugar ideal, que corporifica a Europa e aAmérica, movimento que ele próprio fez ao sairda Alemanha para os Estados Unidos, sua própriaOdisséia.

O filme começa com paisagens desérticas,onde um homem surge de lugar nenhum e regressaà civilização. O local é a fronteira entre o Méxicoe os Estados Unidos, onde imigrantes ilegaistentam fugir da polícia a pé e acabam se perdendo,morrendo de sede. Wenders, em entrevista cedidaa Fernando Eichenberg, relembra a realização deParis, Texas:

Tenho lembranças gloriosas deParis, Texas. […] A qualquer hora oDepartamento de Imigração poderia terinterrompido nosso trabalho e expulsadotoda a equipe. Metade da equipe trabalhoucom visto de turista. Trabalhávamosescondidos. Se não tivéssemos conseguidoterminar o filme, teria sido um desastre.[…]E, vendo agora, mesmo o perigo foi umpouco heróico. (Eichenberg, 2006, p.301)

Nesse cenário de imensidão surge Travis,andarilho solitário e cansado. Sem memória,caminha mudo, como se hipnotizado.Contemplamos apenas imagens, ao som da trilhaigualmente hipnótica de Ry Cooder, seca enostálgica. Travis caminha sem rumo, sem noçãodo tempo e do espaço, fragmentada como aslembranças do personagem. A partir do encontrocom o irmão, revelam-se pouco a pouco, osconflitos internos do andarilho, que procura, acimade tudo, o passado – mulher e filho que não vê háquatro anos - de forma a estruturar o tempopresente.

José Antônio Hurtado vê em Paris, Texas,um definitivo ajuste de contas de Wenders com aAmérica, em um filme de estrada com maior rigidezestrutural em termos narrativos. É uma jornadapor imagens, onde predomina o silêncio e aincomunicabilidade entre os indivíduos, que acabaem um longo ato baseado no diálogo dos doispersonagens concentrados em uma locação – opeep-show, que remete a outra jornadamelodramática ao passado. À sua maneira, Paris,Texas joga com regras mais clássicas, relata umahistória com maior densidade dramática e narrativa,dirige o olhar para ambientes distantes, onde owestern, gênero mítico, é a referência fílmica quesurge como presença de um sentido simbólico.(Hurtado, 1994, p.54)

Na primeira parte do filme, estamosdiante dos contrastes do país, tão amplo no desertoquanto esmagador e claustrofóbico, na medida que

Wim Wenders

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adentramos os ambientes civilizados. O irmão deTravis, adaptado ao universo urbano, possui umapequena fábrica de outdoors, grandes cartazesexpostos em freeways, que exibem uma quantidadetão grande de produtos e imagens que chega acompor uma segunda camada geográfica docontinente. “A amplidão está para o deserto não-domesticado assim como a publicidade para umacivilização consumista virada do avesso, que temuma necessidade evidente de a cada passo fazerpropaganda de si mesma. Isto também pertence àimagem da América”. (Buchka, 1987, p. 134)

O país retratado no filme é vazio, mesmonos lugares urbanos, pois vemos mais os carros,os letreiros, os aviões – tudo em movimento –mas vemos menos as pessoas, imprimindo umaatmosfera derrotada, decadente. O deserto acabapor alcançar a cidade, dando razão ao silêncio deTravis na primeira parte do filme: ele indica umasintonia com as imagens vistas na tela. “A escolhajustamente do deserto para representar a Américase explica por uma característica marcante queWenders nota nos indivíduos americanos: aimpossibilidade de sonhar por si próprios”.(Moutinho, 1999, p.103)

Como mencionado anteriormente, érecorrente em Wenders o uso de metalinguagenspróprias do diretor, sutil em sua construção,permanentemente dialogando com o fazercinematográfico. A célebre cena do peep-show,que mostra Travis e Jane, sua ex-mulher,separados por um vidro que é transparente de umlado e espelhado do outro, remete a exibição e aoespectador no cinema. De um lado, no escuroestá Travis (ou o espectador), de outro, onde háluz, encontra-se Jane (ou o ator) que, no momentode seu trabalho, exibicionista, não pode ver oespectador, mas é visto por ele.

A conversa entre os personagens atesta asolidão absoluta dos dois, da ausência total decomunicação. Jane, durante a conversa, olhadiretamente para a câmera. Assim, Wenders noscoloca íntimos daquele momento emblemático dahistória, triste e confessional. O diálogo se fazcomo um processo analítico, onde um é visto semver o interlocutor. Quando Travis conversa como filho, encontra-se deitado num divã do hotel,inclusive sem conseguir dizer tudo o que pretendia.Por isso, grava uma fita onde se desculpa, dizendoque foi o responsável pela separação da mãe e dofilho e que precisa juntá-los novamente. (FerreiraNetto, 2001, p.161)

NOTAS

REFERÊNCIAS

Mas Travis, assim como Wim Wenders,precisa encontrar a si próprio e, quando reuni aspessoas que ama, segue seu caminho só,procurando um novo rumo – um novo cinema.

Para Peter Buchka, Wenders está sempreatravessando fronteiras. Quando fez Paris, Texas,conquistou uma nova dimensão e se despediu daAmérica.

Depois de ter formulado o que ointeressava nesse país, Wenders se viu emcondições de poder deixá-lo sem se sentirderrotado. É verdade que deixa a Américadesiludido (todas as figuras de peregrinos,desde os românticos, seguiram caminhosdesiludidas), porém não sem esperanças.(Buchka, 1987, p. 134)

*Professor do curso de Produção Audiovisual da PUCRS.

BADIOU, Alain. Pequeno Manual da Inestética. SãoPaulo: Liberdade, 2002.

BUCHKA, Peter. Olhos não se compram. São Paulo:Companhia das Letras, 1987.

COHAN, Steven and HARK, Ina Rae. The Road Movie

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HURTADO, José Antônio. De viajes e nómadas.Nosferatu – Revista de Cine. N° 16. Barcelona: Paidós,1994.

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MOUTINHO, Marcelo. Cegos olhos de tanto ver.Cinemais. N° 17. Rio de Janeiro: Cinemais, 1999.

SILVA, Mateus Araújo. O cinema de Wim Wenders.Cinemais. N° 17. Rio de Janeiro: Cinemais, 1997.