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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Novos olhares, novas abordagens: a América portuguesa no
ensino da História
Autora: Claudiane Pereira
1
Orientador: Prof. Tiago Bonato2
Resumo: Contribuir para a formação da consciência histórica do aluno, relacionada com
sua vida prática, é um dos objetivos de todo profissional de História e um dos maiores desafios de um educador. Este artigo busca demonstrar como o uso das mídias tecnológicas presentes nas escolas podem ser uma metodologia auxiliar e diferenciada na prática pedagógica do professor, de maneira reflexiva, a fim de proporcionar aos alunos experiências inovadoras, despertando a curiosidade, mostrando como os recursos tecnológicos podem ser utilizados como ferramentas para a construção do conhecimento. Este trabalho analisou algumas abordagens historiográficas atuais com ênfase ao ensino relativo ao império ultramarino português e à América Portuguesa, considerando a dinâmica de relações nas colônias. Participaram dessas reflexões alunos do Ensino Fundamental do Centro de Jovens e Adultos (CEEBJA) de Laranjeiras do Sul.
Palavras chave: América Português; Ensino de História, tecnologias.
O maior desafio enfrentado pelos professores de História é contribuir para a
formação da consciência histórica dos alunos. Segundo Rüsen:
a consciência histórica se caracteriza pela percepção das experiências do passado dos seres humanos, investigado por historiadores ou por professores de história e seus alunos, e realiza- se por interpretações feitas no presente à luz de uma expectativa de futuro”. (RUSEN, 2001 apud DCE Paraná, 2009, p.61)
Portanto, fazer esta conexão: passado, presente e futuro, adquirir e
interpretar a experiência histórica é um dos principais anseios do professor.
Este artigo tem por objetivo analisar alguns estudos historiográficos atuais,
com ênfase ao ensino relativo ao império ultramarino português e ao Brasil colonial,
que podem ser trabalhados em sala de aula. E, ainda, discutir os resultados obtidos
1 Professora de História da SEED –PR Núcleo de Laranjeiras do Sul, formada pela
UNICENTRO - 1999; Especialização em Metodologia de Ensino- UNOPAR e em Tecnologia em Educação pela PUC-RJ. 2 Docente do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Mestre em
História pela Universidade Federal do Paraná.
na implementação do projeto e do material didático, realizada no Ensino
Fundamental do Centro de Educação Básica de Jovens e Adultos – CEEBJA – do
município de Laranjeiras do Sul. O estudo procurou buscar uma nova metodologia
para o ensino de história dando ênfase às novas abordagens.
Toda a ação pedagógica está permeada pelos Eixos articuladores da
Educação de Jovens e Adultos - Cultura, Trabalho e Tempo, conforme a LDB e
também as Diretrizes da EJA e Diretrizes de História do Estado do Paraná.
A educação de Jovens, Adultos e Idosos, assim como a disciplina de
História, tem como finalidade e objetivo o compromisso com a formação humana;
isso se dá através da aquisição do conhecimento e aprimoramento da consciência
crítica, para a adoção de atitudes que possibilitem a autonomia dos sujeitos e a
superação do caráter excludente da sociedade. Os alunos necessitam de uma forma
diferenciada de aprendizado, atendendo suas necessidades, tendo em vista que, na
maioria das vezes, este público discente começa a trabalhar muito cedo e,
consequentemente, não frequentou a escola em idade adequada porque
provavelmente estavam iniciando no mercado de trabalho. Segundo as Diretrizes
Curriculares Estaduais da EJA:
Compreender o perfil do educando da Educação de Jovens e Adultos (EJA) requer conhecer a sua história, cultura e costumes, entendendo-o como um sujeito com diferentes experiências de vida e que em algum momento afastou-se da escola devido a fatores sociais, econômicos, políticos e/ou culturais. Entre esses fatores, destacam-se: o ingresso prematuro no mundo do trabalho, a evasão ou a repetência escolar A EJA deve contemplar ações pedagógicas específicas que levem em consideração o perfil do educando jovem, adulto e idoso que não obteve escolarização ou não deu continuidade aos seus estudos por fatores, muitas vezes, alheios à sua vontade (PARANÁ, 2006. p. 29).
O Ensino de História e a tecnologia.
A educação no Estado do Paraná está embasada nas Diretrizes Curriculares
da Educação Básica do Estado do Paraná (DCEs), tendo como objetivo principal a
formação da consciência histórica dos educandos a partir de um “currículo baseado
nas dimensões científica, artística e filosófica do conhecimento” (PARANÁ, 2009, p.
21). O ensino de história, também orientado pela DCE da disciplina, tem como
finalidade:
a busca da superação das carências humanas fundamentadas por meio de um conhecimento constituído por interpretações históricas. Essas interpretações são compostas por teorias que diagnosticam as necessidades dos sujeitos históricos e propõem ações no presente e projetos de futuro. [...] é a formação de um pensamento histórico a partir da produção do conhecimento. Esse conhecimento é provisório, configurado pela consciência histórica dos sujeitos. (PARANÁ, 2009. P.47)
Diferentes autores demonstram que a tecnologia pode ser uma ferramenta
para o auxílio da construção do conhecimento histórico. Sabe-se que o professor
deve buscar novas metodologias para despertar o interesse pelas aulas de História,
encontrando o caminho do ensino, visando o aprendizado e a consciência histórica
como um processo pelo qual ao tempo se atribui significado. O aprendizado histórico
acontece quando o aluno passa a questionar e fazer perguntas sobre o passado, a
partir de motivações de sua própria vivência, ou seja, ele vai além dos
conhecimentos históricos já produzidos.
Afinal, ao que se deve esta “resistência” ao uso da tecnologia nas aulas de
história? Muitas são as causas: entre elas a formação inicial do professor, a
formação acadêmica, a própria personalidade de cada um (uns gostam outros não),
incentivo da equipe gestora da escola, o sucateamento do laboratório, a lentidão da
internet, principalmente em escolas localizadas na zona rural. Elencou-se aqui
alguns problemas, tendo em vista que com certeza outros existem. Para França, o
problema da formação inicial do professor de história poderia ser solucionado se o
olhar fosse voltado para a formação contínua dos educadores, “priorizando a prática
pedagógica em comunicação com as novas tecnologias, compreendendo-as como
potencializadoras da construção do conhecimento histórico” (FRANÇA, 2008, p.04).
Nesse sentido, o professor precisa preparar-se para essa nova demanda,
que requer questionamentos de como explorar as tecnologias dentro de sua
proposta pedagógica. Esta ideia foi amplamente discutida pelos professores
participantes do GTR – Grupo de Trabalho em Rede, o qual tinha por objetivo levar
ao conhecimento dos profissionais da rede o tema do projeto chegando à conclusão
que a metodologia precisa integrar uma nova forma de ensinar/aprender. Para que
suas aulas não passem de mera distração, precisam desencadear uma curiosidade
frente às informações que se apresentam e atribuir a isso um significado. Segundo
França:
As mudanças pedagógicas serão necessárias para o desenvolvimento de novas competências na escola. No caso específico do uso do computador, como ferramenta pedagógica, esta mudança tem sido lenta, ora ainda não foram incorporadas nas práticas pedagógicas ora prevalece com uso inadequado. (FRANÇA, 2008, p.04).
Inúmeras possibilidades são oferecidas pelas ferramentas tecnológicas,
sendo algumas essencialmente interativas, as quais poderão auxiliar o professor a
realizar a reflexão didática sobre a sua prática em sala de aula. A escola não pode
ficar de fora das mudanças deste momento atual, onde as tecnologias de informação
e comunicação apresentam novas abordagens de construção e reconstrução de
conhecimentos. Na visão de Moran:
Muitas formas de ensinar hoje não se justificam mais. Perdemos tempo demais, aprendemos muito pouco, nos desmotivamos continuamente. Tanto professores como alunos temos a clara sensação de que muitas aulas convencionais estão ultrapassadas. Mas, para onde mudar? Como ensinar e aprender em uma sociedade mais interconectada? (,,,) Temos informações demais e dificuldade em escolher quais são significativas para nós e conseguir integrá-las dentro da nossa mente e da nossa vida. A aquisição da informação, dos dados dependerá cada vez menos do professor. As tecnologias podem trazer hoje dados, imagens, resumos de forma rápida e atraente. O papel do professor - o papel principal - é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los, a contextualizá-los. (MORAN,2001, p.01 )
Percebemos que mudanças deverão ocorrer, precisamos compreender o
real papel do professor. E, para que o professor desperte curiosidade frente às
novas informações que as tecnologias podem proporcionar em seus alunos, e para
que esteja preparado para esta nova forma de trabalho, precisa respeitar o
conhecimento tecnológico de seus alunos. Deve explorar novas metodologias
pedagógicas e ser responsável por desenvolver uma boa educação a ponto de
comprometer-se com sua própria formação, esta que o leve a efetivar no chão da
escola/sala de aula. Um projeto de educação que proporcione ao aluno poder
dialogar com a consciência histórica, articulada ao presente, passado e futuro de
forma que promova novas perspectivas de saber histórico, em outras palavras, que
este seja capaz de lutar pela transformação social.
É através da formação continuada que o professor poderá sanar suas
dificuldades. Nos encontros de formação, ele falará com seus pares, trocará
experiências e debaterá sobre o assunto. Entende-se que é necessário interagir com
os diferentes recursos tecnológicos, para que assim aprenda suas principais
propriedades e potencialidades para o uso pedagógico.
Essa preparação não irá somente trazer aprendizado, mas também
possibilitará que os recursos existentes nas escolas tenham uma conservação e
uma facilitação em seu uso diário. Ao fazer um trabalho com tecnologia com alunos
é preciso saber direcioná-los para que o trabalho aconteça e as “máquinas” possam
ter ainda assim uma longa vida útil para que os demais possam também usufruir
dessas tecnologias.
Pensar o ensino de história em integração com a tecnologia é uma
preocupação presente na escola. Segundo Ferreira (1999), existem várias
iniciativas, individuais e coletivas, que visam incorporar ao ensino novas abordagens
que resgatam a história numa perspectiva crítico-dialética, possibilitando uma nova
concepção de fazer história e tornar o ato do ensino-aprendizagem mais
interessante e criativo, contrapondo-se à história tradicional. Ou seja, os professores
estão preocupados e procuram novas alternativas superando os aspectos da
transmissão do conhecimento de forma factual, porém, desistem facilmente perante
as dificuldades que encontram no caminho.
Sabe-se que somente a inserção do recurso tecnológico não garante
qualidade ao ensino, ou que possam mudar a postura do professor, mas pode
contribuir para a mudança da realidade, desde que propicie a construção de
conhecimento histórico e não somente a transmissão unilateral de fatos, datas e
nomes. Para Ferreira:
ao discutir novas abordagens para o ensino de história, consideramos as contribuições metodológicas decorrentes das novas tecnologias como elementos importantes para o fazer histórico. Os recursos de multimídia, fotografia, vídeo, imagens, sons, filmes e computação gráfica, quando usados corretamente, constituem-se em ferramentas de apoio para a apresentação, construção e transmissão do conhecimento histórico produzido na academia, resultante da investigação científica, possibilitando novas formas de apreensão, uma vez que estes recursos audiovisuais despertam a atenção dos alunos, tornando-os mais interessados e contribuindo para a melhoria da aprendizagem, estabelecendo uma relação de interação com o conteúdo entre professores (FERREIRA, 1999, p.149-150).
Essas abordagens são necessárias para que possamos tornar a disciplina
cada vez mais dinâmica, reflexiva e não somente repetir os fatos e atos dos grandes
heróis impostos pela visão tradicional da história. Para isso é necessário pensar no
ensino de História em integração com a tecnologia, segundo Frigotto:
o uso da tecnologia ultrapassa as fronteiras de uma educação baseada na exposição e repetição para uma concepção de educação na qual a construção seja o foco da aprendizagem, possibilita, também, ensinar de forma diferente, transformando a aula em investigação (FRIGOTTO, 2004, p. 20 )
Este trabalho procurou buscar novas abordagens/investigações no ensino de
história integrando a tecnologia à disciplina, pensando a história como tendo por
objeto de estudo os processos históricos relativos às ações e às relações humanas
praticadas no seu tempo. Assim, o professor de história tem como finalidade formar
cidadãos capazes de construir uma nova consciência histórica, relacionando-a à sua
vida prática e ao meio em que ele vive.
A formação do professor de história
Evidentemente não basta equipar a escola com as novas tecnologias, é
preciso que todos participem desta mudança. Os professores devem incorporar de
forma reflexiva os avanços tecnológicos da educação, repensando os métodos de
ensino-aprendizagem utilizados. E cabe aos professores incorporar metodologias
que envolvam as TIC s nos conteúdos da disciplina de História.
Assim, deve-se buscar formação para trabalhar com a tecnologia e introduzir
uma nova metodologia de trabalho que inclua a tecnologia nos conteúdos de
História, tornando-os significativos aos olhos dos alunos. Nesse sentido, as
tecnologias presentes nas escolas estaduais do Paraná, principalmente nos
laboratórios de informática Paraná Digital, Proinfo e TV Multimídias, podem contribuir
para um ensino mais dinâmico e significativo.
Nessa perspectiva, Schmidt afirma que o ensino tradicional da disciplina de
História precisa mesmo ser superado porque
vem provocando o desinteresse por parte dos jovens alunos, quando lhes são apresentados um amontoado de fatos históricos destinados a ser memorizados sem que saibam para que e sem significado. Esse ensino exclui a possibilidade de compreensão da globalidade real, dificultando o estabelecimento de relações entre a história estudada e a história vivida no presente. (SCHMIDT,2005, p. 204).
As considerações feitas pela autora despertam o interesse pela mudança e
nos fazem repensar a prática do ensino de História, buscando novos significados
que poderão responder a questões atuais vivenciadas por toda sociedade.
Observando-se as discussões realizadas no GTR nota-se que os
professores da disciplina, realmente buscam repensar suas práticas e também as
novas abordagens no ensino de História. Diversos comentaram sobre a sua prática
e as dificuldades encontradas, nos laboratórios ou em salas de aula. Discutimos a
importância dos conteúdos serem revisados, pois o conhecimento histórico deve ser
desconstruído, questionado e revisado.
Outro ponto discutido, principalmente nos fóruns, foi o fato de que o
professor necessita de maior embasamento teórico e prático sobre as novas
concepções históricas e que é preciso manter diálogo com esta nova visão.
Levantou-se também a importância da formação continuada tanto ligada à
tecnologia quanto à nova historiografia. Toda esta análise foi muito importante para
fortalecer a preocupação em relação a otimizar o uso das mídias tecnológicas
presentes nas escolas como uma metodologia auxiliar e diferenciada na prática
pedagógica do professor, de maneira reflexiva, a fim de proporcionar aos alunos
experiências inovadoras, despertando a curiosidade do aluno frente ao
conhecimento conteúdo.
Uma nova América portuguesa
As discussões abordadas nesse trabalho giraram em torno da América
colonial e do império marítimo português como um todo, partindo da Expansão
Portuguesa e aprofundando o conhecimento histórico sobre o Império Português – o
Brasil como espaço colonial, mostrando por meio de pesquisas atuais que a
expansão foi algo muito mais dinâmico e complexo do que se pensou em décadas
anteriores. Trazendo questões sobre o que é colonização e rompendo com a história
linear de narrativa única e carregada de fatos.
Ultrapassar o ensino tradicional de história é um anseio expresso pela
maioria dos professores da disciplina. Muitos demonstram por meio de suas
experiências que já realizam esforços nesse sentido, contribuindo assim, para a
formação do raciocínio histórico do aluno, visando o aprendizado real e crítico.
Iniciamos refletindo que a historiografia vem sofrendo mudanças cruciais de
referências sobre o tema. Segundo Antonio Manuel Hespanha vários historiadores
estão desafiando a visão estabelecida de monarquia centralizada: “algumas
concepções correntes sobre a história política e institucional do império português
carecem de uma profunda revisão, já que a visão dominante é a da centralidade da
coroa” (HESPANHA, 2009. p.167). A visão de uma monarquia centralizada está
sendo revista e contestada. A imagem de colonização ligada a essa mesma
concepção sobreviveu por inúmeros anos devido a interpretações ingênuas e
preconceituosas sobre a colônia. Ainda segundo Hespanha:
Do ponto de vista do colonizador, a imagem de um Império centralizado era a única que fazia suficientemente jus ao gênio colonizador da metrópole. Em contrapartida, admitir um papel constitutivo das forças periféricas reduziria o brilho da empresa imperial. (HESPANHA 2001, p. 167)
A historiografia atual busca desmistificar esta visão de centralização,
proporcionando profundas mudanças na concepção do mundo colonial. Ao mesmo
tempo também busca novos referenciais para nortear os estudos.
Em 1415, com a conquista de Ceuta, foram iniciados os processos de
navegação e exploração da costa africana pelos portugueses, dando início a
chamada expansão ultramarina europeia. Questionando se realmente os
portugueses deram início à expansão - ibérica ou nacional -, Thomaz sugere que a
expansão portuguesa se explica pela interação de três fatores:
Primeiro: a necessidade de uma reconversão que assegure a sobrevivência a uma nobreza em crise porque hipertrofiada e porque entalada entre as classes burguesas em ascensão e uma realiza em crescente afirmação; segundo, o desejo de abertura de novas rotas de comércio, que permitam às classes mercantis reinvestir os lucros provenientes do incremento das trocas, no período imediatamente anterior, ao rei e à a aristocracia imitá-los e assim garantir a liquidez pela posse de bens móveis; terceiro, a política de afirmação de um Estado nacional que, recém saído de uma grave crise e dirigido por uma dinastia jovem, intenta por um lado evitar o cerco ou a absorção por um vizinho poderoso, no momento crucial da formação dos grandes espaços políticos, por outro garantir a paz interna, aliviando as tensões sociais e drenando para o exterior a conflitualidade latente própria de uma época de rápida mutação socioeconômica. (THOMAZ, 1994, p. 38)
Estes três aspectos se fundem em um só e mais real: a revolução
demográfica e econômica do século XI, vista como um dos fatores do
desenvolvimento deste período. Seguindo na perspectiva de Thomaz
As relações entre a expansão portuguesa e a expansão europeia em geral parecem assim extremamente complexas e subtis – nem meramente externas e acidentais, nem intrínsecas e necessárias, mas, por assim dizer, dialogais.(THOMAZ 1994, p. 36).
Ou seja, embora a expansão portuguesa pareça como um fenômeno próprio
ela se interliga ao crescimento orgânico da expansão europeia, tanto no aspecto
comercial quanto no financeiro, pois torna-se viável colocar nos mercados europeus
os produtos ultramarinos, utilizando os seus capitais pra isso.
Segundo a historiografia atual não havia um projeto colonial para a
expansão portuguesa, mostrando falhas e aberturas nos primeiros espaços
coloniais, como podemos observar quando percebemos a falta de homogeneidade,
de centralidade e até de hierarquias rígidas na colônia. Para Hespanha “embora os
estabelecimentos coloniais portugueses tenham estado sempre ligados à metrópole
por um laço de qualquer tipo, faltou, pelo menos até o período liberal, uma
constituição colonial unificada” (HESPANHA, 2001, p. 170). Faltava, portanto, um
estatuto constitucional claro, não existia uma regra uniforme de governo. Assim, a
desigualdade e os laços políticos não tinham limites, podendo ser classificados
como laços flexíveis. Também a estrutura administrativa tinha problemas, a
centralização não era total, o poder estava dividido – compartilhado – entre vice-reis,
governadores, donatários, governadores locais e juízes. É importante ressaltar,
porém, que todos esses deviam obediência ao Rei e, devido a esta situação
estavam sob constante vigilância de seus pares e do próprio rei.
A descentralização ou hierarquização do poder, segundo Hespanha
fortalece um rastreio dos nichos institucionais de onde o poder pode ser construído,
desmistificando a visão de um Império centrado pela metrópole, pois ela sozinha não
conseguiria dirigir todos os nichos de poder constituído. (HESPANHA, 2001, p. 187).
Esta abordagem mostra como eram as relações de poder construídas e a relativa
autonomia que as colônias – e, por conseguinte, os colonos – partilhavam.
Analisamos ainda as principais estruturas do período de colonização
portuguesa em seu território na América, o atual Brasil. O engenho de açúcar, os
trabalhadores escravos, os seus donos e suas relações foram elementos
constituintes da vida colonial. O engenho, conforme explica Schwartz é “a
característica fundamental da vida brasileira, era uma combinação complexa de
terra, habilidades técnicas, trabalho forçado, administração e capital” (SCHWARTZ,
1999, p. 347). No engenho era mobilizada uma série de afazeres que poderia até
sugerir o trabalho de uma fábrica, misturada ao trabalho de uma fazenda,
impressionando os observadores pré-industriais. Os engenhos também
empregavam homens livres como artesãos, gerentes ou trabalhadores
especializados, embora segundo Publicações do Arquivo Nacional “mede-se a
riqueza de um homem pela quantidade maior ou menor de escravos que possui [...]
pois muitas são as terras, mas só pode cuidar delas quem tem escravos”. Ainda
segundo o autor:
Por volta de 1580, a escravidão já estava firmemente estabelecida como principal força de trabalho na colônia. A expansão inicial da indústria do açúcar resultou do trabalho tanto do índio escravo quanto dos trabalhadores sob contrato recrutado (SCHWARTZ, 1999, p. 353).
Com a devastação das populações indígenas provocada pelas epidemias, a
pressão dos jesuítas, a baixa produtividade e também a resistência das populações
de índios, tornou-se mais viável a escravidão africana. Finalmente seguindo o
raciocínio de Hespanha:
No meio de todo este emaranhado de relações humanas, encontraremos seguramente este sobre-investimento na violência que caracterizou a história da colonização, como empresa ao mesmo tempo de exploração e de conversão cultural forçada que, não raramente, culminou em genocídios tão subtis e tão peritos que ainda hoje podem ser descritos sob a etiqueta de “missão civilizadora”, de que alguns, nas ex-colonias, ainda hoje se reclamam portadores. Mas, ao mesmo tempo, poderemos dar o seu a seu dono, o que, além de uma obra de justiça, é também a marca de uma obra de história não mistificadora, ou seja, bem feita. (HESPANHA, 2009 p. 23)
O mundo colonial da América portuguesa não se limitou ao cultivo da cana
de açúcar e ao engenho. Tendo outras atividades econômicas subsidiárias, sua
importância também foi fundamental para economia colonial. Schwartz deixa claro
que a
hierarquia agrícola oscilava de acordo com as possibilidades de exportação das safras predominantes na colônia. As terras melhores e mais valiosas eram sempre deixadas para o cultivo dos produtos de exportação, de preferência a cana-de-açúcar e o fumo. A agricultura de subsistência, especialmente o cultivo da mandioca, era considerada ocupação "menos nobre", e em geral era relegada às terras marginais e muitas vezes deixada a cargo dos lavradores mais humildes. (SCHWARTZ, 1999, p. 353).
A agricultura de produtos alimentícios de subsistência dos camponeses, os
quais plantavam para alimentar sua família e/ou vender em feiras, também a
produção da farinha de mandioca foram marcantes. De acordo com o mesmo autor:
na verdade, houve no Brasil colonial dois tipos de agricultura de produtos alimentícios. Um deles foi a agricultura de subsistência dos camponeses o outro foi a produção de grandes quantidades de farinha de mandioca que eram vendidas aos engenhos e às cidades (SCHWARTZ, 1999 p 381 e 382)
A criação de gado, pra consumo interno e depois para exportação ou para o
trabalho nos engenhos (como os carros ou como força motriz), foi mais uma forte
atividade no período. Portanto a América portuguesa não sobrevivia somente do
setor canavieiro. É preciso pensar que para além dos engenhos, existiam muitos
outros atores na sociedade luso americana.
Durante este estudo, percebeu-se outro ponto fundamental desse momento
histórico. A historiografia atual mostra, como um ponto cada vez mais importante,
que para entender a história do mundo colonial é necessário entender a história das
populações: todos que aqui viveram e teceram relações tanto horizontais, quanto
verticais. Nesse sentido, muitos trabalhos se debruçam sobre o estudo dos escravos
e da população livre pobre, os dois maiores grupos sociais do período colonial.
A complexidade do emaranhado de relações sociais presentes na sociedade
colonial segue sendo pesquisada e descoberta pelos historiadores. As novas
descobertas fazem com que a história desse período - assim como de qualquer
outro - nunca seja estática, pronta, cristalizada. Todo este contexto não pode ser
reduzido a uma visão generalizada, singular, preconceituosa e com estereótipo de
hierarquização da sociedade.
Percebemos o dinamismo social quando abordamos o olhar da sociedade
escravista e a visão de escravidão dos negros e pardos explicada pela diversidade
que caracterizou a escravidão brasileira. Nas palavras de Cacilda Machado
quando da abordagem das relações entre senhores e escravos, já há algum tempo nossa historiografia vem procurando ir além das noções extremas de escravo-mercadoria e escravo-rebelde. Busca-se agora, e de diferentes formas, descobrir as variantes das ações de resistência, compreender seus significados, perceber mudanças ao longo do tempo (MACHADO, 2008 p. 130)
Em seu livro A trama das Vontades, Cacilda Machado realizou um estudo
sobre a história de São José dos Pinhais, área rural que pertenceu à antiga
Capitania de São Paulo e hoje pertence ao estado do Paraná. A autora aborda as
relações entre os habitantes do mundo colonial. Procura revelar como foram
construídas as posições raciais e sociais, como foram tecidas as relações de
dependência e também de resistência nas posições hierárquicas na sociedade
paranaense.
Enquanto na região nordeste a maior parte da economia estava centrada
nos grandes engenhos e propriedades, no interior da grande parte do restante do
território português na América, a maioria das propriedades eram pequenas e
voltadas para a agricultura direcionada ao mercado interno ou de subsistência.
Ainda assim, havia a escravidão e as distinções raciais enfatizando o caminho das
posições raciais e sociais que foram construídas e modificadas na região.
Essa visão historiográfica faz “emergir o escravo como um agente social
ativo”, participante da construção de sua história, sem negar a violência, mas
demonstrando a dinâmica das relações pessoais. Para Cacilda “no Brasil a
designação da cor das pessoas tinha mais relação com a sua inserção social do que
propriamente com a ascendência étnica” (MACHADO, 2008, p.213), demonstrando
que o status social e econômico era o que ditava a hierarquia que os diferenciava.
Seguindo as observações da autora, em São José dos Pinhais, a cor negra era
atribuída a escravos recém-chegados, e a cor parda aos cativos ali nascidos e
integrados socialmente. A complexidade desta sociedade dinâmica, indo além da
discussão escravo versus senhor, é demonstrada pela autora deixando clara sua
contribuição a cerca do dinamismo hierárquico social, da história das pessoas que
viveram esse momento, suas relações de dependência.
Estas questões devem ser refletidas, para compreendermos a importância
da visão da nova historiografia, que busca dar outro enfoque, diferente da história
tradicional, contribuindo para a história da sociedade brasileira.
Análises
Diante do exposto, este artigo buscou apresentar os resultados obtidos por
meio do trabalho com alunos do Ensino Fundamental da EJA. A Produção Didático
Pedagógica revelou-se eficiente para apontar a complexidade e a dimensão de
abordar o mundo colonial, demonstrando a importância da História. O material
didático iniciou abordando as fontes históricas e num segundo momento as
navegações e o imaginário e, por fim o cotidiano da América Portuguesa.
Como introdução foi aplicado um questionário para verificar os
conhecimentos prévios, com a finalidade de determinar o que os alunos conheciam
sobre o uso do laboratório de informática, sobre a América Portuguesa e como
conciliar a tecnologia e o ensino de história. Trabalhar com trechos de autores
consagrados, que fizeram uma reflexão sobre o passado e sobre a teoria de se
estudar História, foi muito proveitoso. Despertou o interesse pela História, sendo um
dos objetivos mostrar a importância da fonte histórica para o historiador.
Durante muito tempo, a história utilizou somente as fontes escritas
(documentos ou documentos oficiais) para fundamentar as pesquisas históricas.
Hoje, utiliza-se muito as demais fontes para o conhecimento da história. Segundo o
historiador francês Lucien Febvre “a história faz-se com documentos escritos, sem
dúvida, quando estes existem. Mas pode fazer -se sem documentos escritos,
quando não existem [...]” e, posteriormente Le Goff comenta citando Samaran: “Há
que tomar a palavra documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado,
transmitido pelo som, imagem, ou de qualquer outra maneira” (LE GOFF, 1994
p.539), ou seja, todos os vestígios deixados são importantes e úteis, desde que
possam ser questionados e desconstruídos da montagem daquela sociedade,
daquela época. Para a historiadora Kalina Silva,
a fonte histórica passou a ser a construção do historiador e suas perguntas, sem deixar de lado a crítica documental, pois questionar o documento não era apenas construir interpretações sobre eles, mas também conhecer sua origem, sua relação com a sociedade que o produziu. (SILVA, 2006 p 162)
Um documento (vestígio de qualquer espécie) pode ficar escondido por
diferentes motivos e a história é construída mesmo sem esse elemento, que poderia
ser muito útil à pesquisa. Os motivos desse “documento ser esquecido” (LE GOFF,
2003, p. 525) poderia ser, inclusive, o interesse de alguém para que aquela parte da
história fosse realmente esquecida.
Durante o trabalho sobre as fontes, os alunos contribuíram muito e
trouxeram-nas nas diversas formas, como fotos, documentos, alguns utensílios, até
mesmo uma joia de família e demonstraram muito interesse nessa atividade.
Nas atividades propostas sobre as Navegações e o imaginário, demonstram
surpresa em relação aos trechos do material apresentado e mais ainda quanto aos
textos sobre os desafios e as dificuldades encontradas pelos navegantes. A
atividade sobre a comparação do cotidiano da América Portuguesa gerou muitos
debates. Ficou claro que retratar o cotidiano da época é uma tarefa muito difícil, pois
por diversos anos foram abordados de forma simples, respondendo apenas as
questões dos historiadores daquele momento histórico e, muitas vezes, enfatizando
a visão da metrópole explorando a colônia, sem lembrar do processo histórico que
ocorria no dia a dia da colônia.
Considerações finais
A Produção Didático Pedagógica que embasou o presente artigo mostrou-se
bem elaborada e eficiente para o desenvolvimento do objeto principal do tema. A
utilização das fontes históricas também auxiliou muito para a construção do
conhecimento. Percebeu-se que esse foi transformado, evidenciando mudanças
quanto aos fatos apresentados no início.
Visamos trabalhar o cotidiano do mundo colonial, os entraves do poder
constituído nas ligações dos escravos, enfim das pessoas que faziam parte da
história. Por trabalhar com generalizações, a historiografia tradicional tende a deixar
de lado as relações entre a população que, de alguma forma, constituiu o processo
que chamamos de colonização.
Essa perspectiva está de acordo com as Diretrizes Curriculares do Ensino
de História, já que relaciona os três eixos: relações de trabalho, com as questões
referentes à escravidão e ao trabalho livre no Brasil colonial; relações de poder,
quando se analisa a dinâmica inerente ao mundo colonial português, seus
funcionários, oficiais e colonos; e, por fim, relações culturais, a partir das
construções de sentidos da colonização no cotidiano dos espaços ultramarinos
portugueses. Por fim, é importante destacar o quanto as atuais abordagens
históricas auxiliaram para se ter uma leitura crítica e dinâmica do Mundo colonial,
das relações de poder e sociais existentes na América Portuguesa.
Referências
FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Ensino de História e a Incorporação das Novas
Tecnologias da Informação e Comunicação: uma reflexão. Revista da História
Regional. v.4, n.2 1999. Disponível em:
www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/2087/1569. Acesso em:
02/abril/2013
FRANÇA, Cyntia S. F.; SIMON, Cristiano B. Como conciliar o ensino de história e
novas tecnologias? 2008 Disponível em:
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