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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · ALGUNS CONTOS DE CLARICE LISPECTOR MARILENA Pereira do Nascimento Ferreira1 Orientador: ... a qual é fundamental na constituição

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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PERFIS FEMININOS: GÊNERO E IDENTIDADE A PARTIR DA LEITURA DE

ALGUNS CONTOS DE CLARICE LISPECTOR

MARILENA Pereira do Nascimento Ferreira1

Orientador: Prof. Dr. Márcio Matiassi Cantarin2

Resumo

O presente artigo tem como finalidade discorrer sobre o tema da condição fe-minina na literatura e apresenta o relato da aplicação da proposta de Interven-ção Pedagógica, realizada no primeiro semestre de 2014 nas turmas de 2º anos do Ensino Médio, em um colégio da rede estadual do Paraná, localizado no município de Fazenda Rio Grande. A legitimidade deste se deu em virtude da necessidade de se ampliar o debate acerca das questões de gênero nas escolas públicas do estado do Paraná. O mesmo propiciou reflexões sobre a importância da valorização e do respeito à mulher. Para isso contamos com a contribuição da literatura brasileira, através de leitura e análise de alguns con-tos da escritora Clarice Lispector: “Restos de Carnaval”, “Preciosidade”, “Amor”, “A procura de uma dignidade” e “Feliz Aniversário”. Tais contos relatam histórias de personagens femininas e as diferentes fases da vida da mulher: infância, adolescência, vida adulta, maturidade e velhice. Pelo viés da literatu-ra, fornecemos ferramentas para que nosso aluno pudesse debater com critici-dade a questão do gênero, representação e identidade. Palavras-chave: Literatura brasileira; Valorização da mulher; Identidade de gênero. INTRODUÇÃO

As constantes transformações pelas quais a sociedade contemporânea

vem atravessando, sobretudo aquelas inscritas no campo das questões sobre

gênero e identidade, fazem ressoar a urgência em ampliar o debate do assunto

para o ambiente escolar. E esse debate deve abrir espaço para a percepção

política, a qual é fundamental na constituição dos saberes que levarão o aluno

1 Professora da rede estadual de ensino do Paraná. Integrante do Programa de Desenvolvimento Educa-

cional (PDE-2013). Graduada em Letras pela FECILCAM. Pós-Graduada em Magistério da Educação Bási-ca pelo IBPEX. 2 Doutor em Letras – Professor efetivo da UTFPR.

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para uma atuação verdadeiramente crítica, reflexiva e cidadã, tal qual pressu-

põem as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio.

Apesar de tratar-se de um tema recorrente na atualidade, a discussão

sobre gênero e identidade ainda figura como tópico quase ausente da maioria

das escolas, sendo, quando muito, timidamente levantado em discursos vela-

dos.

Por essa razão, a escola deve agir no sentido de promover o não apa-

gamento das formações discursivas pertinentes a gênero e identidade no am-

biente pedagógico. Portanto, é possível partir do debate sobre as condições de

gênero para a construção de um pensamento crítico e reflexivo no sentido de

acolher e respeitar as diversidades.

O presente projeto objetivou discutir questões relacionadas ao gênero e

a identidade, tomando a literatura como ponto de partida para tratar sobre o

assunto. Para tanto, selecionamos cinco contos de Clarice Lispector, os quais

abordam momentos distintos da vida das mulheres: infância, adolescência, vida

adulta, maturidade e velhice.

Há muito se tem falado acerca da necessidade das escolas não se furta-

rem ao debate das questões de gênero. Porém a nossa prática, muitas vezes,

tem sido omissa. O que vemos é ainda um desenrolar amador desse assunto,

ou seja, o trabalho efetivo e constante ainda não foi implementado em nossas

salas de aula. Um dos marcos dessa pesquisa foi compreender e discutir essa

temática, pois acreditamos que é possível torná-la uma práxis. Nesse sentido,

a literatura nos pareceu o meio mais apropriado para tornar esse debate real e

sistemático.

Por outro lado, ao longo dos tempos, nos servimos da literatura para co-

nhecer, analisar e debater a história da humanidade. O universo literário de

nosso país é amplo e rico em abordagens de questões políticas e sociais. Tal

potencialidade nos permite o enriquecimento de nossas aulas, pois possibilita

discutir temas clássicos ou atuais com a mesma qualidade.

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Em face da urgência em aprimorar discussões acerca da mulher nas es-

colas, pensamos na literatura como um dos meios mais viáveis para colocar-

mos em prática nosso trabalho. Inúmeros escritores abordam a questão da mu-

lher como o grande tema de suas obras, de forma ficcional, é claro, mas muito

próxima da realidade.

Cabe a nós, enquanto sujeitos ativos da educação, explorar de forma

sistematizada o assunto, propiciando leituras significativas e trazendo o debate

para a sala de aula.

Ao nos dispormos a isso, propiciamos o acesso dos alunos aos bens cul-

turais que a literatura do país oferece e o aprimoramento de nosso objeto de

estudo, tal como preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, capítulo

II, em seu art. 3º: “II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a

cultura, o pensamento, a arte e o saber.”

Para tanto, foi necessária a leitura integral dos contos, a análise dos

elementos de sua narrativa, a ação ou não de suas narradoras. Direcionamos

tais leituras, mediando às impressões do aluno, ajudando-o a interpretar como

se dão as ações e pensamentos dessas mulheres no decorrer da história.

A Constituição Federal de 1988 não se refere de forma clara a questão

de gênero, mas ela o faz de maneira implícita no art. 3º, capítulo IV, ao referir-

se à questão da igualdade de direitos entre todos os seres humanos no sentido

de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A ação do professor só será válida se, de alguma forma, ele conseguir

provocar em seus educandos inquietações que visem à reflexão e a transfor-

mação do que está posto. Por meio da literatura foi possível contribuir de forma

sistemática com o debate de gênero em sala de aula.

Após pensar em vários autores nacionais, optou-se por Clarice Lispec-

tor, tendo em vista o refletido gosto dos alunos pela autora. Mas também por-

que ela escreve, na maioria das vezes, sobre a mulher e para as mulheres.

Podemos dizer que Clarice conseguiu, ao longo de sua produção, traçar um

perfil muito peculiar da mulher.

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Escolhemos cinco contos da autora, os quais possuem enredos onde a

mulher figura como protagonista. Por meio deles, pôde-se conhecer e pensar

sobre as diferentes fases da vida da mulher: infância, adolescência, vida adul-

ta, maturidade e velhice, assim representadas nos contos: “Restos de Carna-

val”, “Preciosidade”, “Amor”, “A procura de uma dignidade” e “Feliz Aniversá-

rio”.

Tais temas ganham vida nesses contos e, portanto, permitiram ampliar a

reflexão sobre a realidade da mulher de nossa comunidade escolar, seja ela:

aluna, amiga, mãe, irmã, vizinha, professora, funcionária, avó.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Pensar o ensino de gênero na escola hoje é também colocar em

discussão as ideologias que perpassam pelos discursos da sociedade

contemporânea. Vivemos num momento de degradação da figura da mulher

que pode ser verificada nos mais diferentes segmentos, tais como, na música,

no cinema, na propaganda etc.

O presente artigo segue a linha dos Estudos Culturais. Escolhemos

partir de uma visão mais ampla, os Estudos Culturais, para em seguida

chegarmos aos conceitos de gênero e identidade.

Tendo em vista essa percepção, passamos a analisar alguns

pressupostos teóricos que fundamentam esse estudo com vistas a delimitar um

panorama histórico sobre ações políticas e sobre os estudos literários que

evidenciam a valorização do gênero e os discursos voltados para a inserção da

mulher nos mais diversos campos do conhecimento humano.

2.1 OS ESTUDOS CULTURAIS E A SOCIOLOGIA DA LITERATURA

Os Estudos Culturais nasceram da necessidade de se estabelecer uma

educação democrática para a educação de trabalhadores que tinham sido

privados dessa oportunidade, Cevasco (2003) afirma que essa linha teórica

nasceu com um grupo de professores de ensino superior Hoggart, Williams e

Thompson, os quais criaram uma organização de esquerda que

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defendia uma educação pública e igualitária que promulgasse os valores de uma cultura em comum, (...) procurava construir uma nova consciência social e uma nova civilização que incluísse a classe trabalhadora como um todo. Parte importante dessa iniciativa era pensar que uma nova sociedade só podia ser criada de baixo para cima, e a educação era a ocasião de troca entre intelectuais e trabalhadores, cada um educando o outro, na medida em que os professores tinham de se esforçar para explicar suas disciplinas em termos que fossem entendidos por pessoas comuns e pudessem ser utilizados em movimentos reais. Esse tipo de atividade impunha a superação do antigo dilema da educação tanto como um mecanismo de imposição de valores da classe dominante como um modo de superar esses valores. (CEVASCO, 2003, p. 62-63).

Nesse sentido, o ensino da literatura oportuniza ao professor comparti-

lhar o conhecimento com os alunos e a possibilidade de se discutir a condição

da mulher real, o que pode tornar a prática pedagógica muito enriquecedora.

Pois, há muito, a literatura de ficção contribui com a análise das questões histó-

ricas da humanidade, uma vez que por meio dela não discutimos apenas o que

já foi, mas também analisamos como se configura a condição feminina no con-

texto atual.

Partindo deste pressuposto básico e ampliando a discussão em torno

das relações entre literatura e sociedade, é também necessário que se faça

uma reflexão sobre como a sociologia da literatura entende a abordagem do

texto literário e o problema da representação da realidade pela literatura. Sen-

do assim, essa a abordagem privilegia a análise das especificidades da repre-

sentação do fato social pela literatura.

O estudo do texto literário, segundo essa abordagem teórica, é marcado,

entre outros aspectos, pelo exame, e pelo relacionamento, entre um determi-

nado corpus no âmbito literário e as condições histórico-sociais, segundo expli-

ca Antonio Candido (2000), um de seus maiores críticos. É o caso, por exem-

plo, da proposta de leitura realizada no presente trabalho, em que se analisa

uma determinada manifestação num dado estilo de época e um determinado

gênero, etc.

A criação literária corresponde a certas necessidades de repre-sentação do mundo, às vezes como preâmbulo a uma práxis socialmente condicionada. [...] na medida em que suscita uma visão do mundo. [...] aspecto de derivação e retorno em face da realidade. (CANDIDO, 2000, p.49).

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Entendendo essa necessidade, nesse estudo, propôs-se aliar a literatura

ao debate de gênero por meio de alguns contos de Clarice Lispector. Diante

dessa proposta, levantaram-se questionamentos e provocações quanto à

possibilidade de discutir a condição da mulher dentro da literatura, numa

relação dialógica com outras áreas do conhecimento e com temas sociais

contemporâneos.

2.2 A QUESTÃO DE GÊNERO E IDENTIDADE E SUA CONFIGURAÇÃO NO

CONTEXTO CULTURAL E HISTÓRICO

Segundo Przybycien (2004, p. 51), os estudos de gênero foram iniciados

a partir das décadas de 60 e 70, já no século XX, fomentadas por um período

político de “intensa fermentação”, que se refletiu, em parte, nos estudos

literários e cuja finalidade era reivindicar a participação da mulher em um

contexto mais amplo da sociedade tanto nas mais diversas áreas do mercado

de trabalho como nos diversos campos do conhecimento.

Esse contexto histórico foi permeado por manifestações públicas,

passeatas e discussões polêmicas encampadas nos espaços midiáticos e

acadêmicos.

Entretanto, a luta das mulheres pela sua afirmação no espaço social já

vem de longa data. No Brasil, no final do século XIX, já havia uma imprensa

feita por e para as mulheres. Esses movimentos reivindicatórios alcançaram o

século XX e conquistaram, ainda que tardiamente, em 1932, o direito das

mulheres ao voto. É a partir desse cenário que pontuamos a atuação de uma

mulher em especial: Clarice Lispector. Sua atividade no campo profissional tem

início, no período do Estado Novo, em 1934, na Agência Nacional – órgão

oficial da imprensa brasileira - como tradutora e logo em seguida é transferida

para o jornal A Noite, atuando como repórter (GOTLIB, 1995).

2.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MULHER

A mulher vem buscando incessantemente a sua afirmação no espaço

social predominantemente masculino.

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Os historiadores sociais, por exemplo, cogitavam as “mulheres” como

uma categoria homogênea; eram pessoas biologicamente femininas que se

moviam em papéis e contextos diferentes, mas cuja essência, enquanto mu-

lher, não se alterava. Essa leitura contribuiu para o discurso da identidade cole-

tiva que favoreceu o movimento das mulheres nos anos 70. (CARVALHO &

TORTATO, 2009)

Carvalho e Tortato (2009) retomam os pressupostos de Paulo Freire

com relação ao papel libertador da educação no sentido de que essa libertação

seja abrangente a homens e mulheres de modo que esses possam reconhecer

historicamente a sua participação social, observando a sua identidade cultural

de forma individual e coletiva.

Na escola, da mesma forma, deve-se pensar com criticidade, os espa-

ços sociais onde se constroem e se solidificam os conceitos e pré-conceitos

relacionados à representação social da mulher desde as instâncias mais parti-

cularizadas, como a família, até as mais amplas como o mundo do trabalho e a

participação política, conforme lembra Aguiar (1994) o direito ao voto só foi al-

cançado ao nível nacional em 1932, após muita resistência dos que achavam

que não era atribuição feminina preocupar-se com os destinos da nação.

Nesse sentido, a literatura manifesta-se como um importante referencial

para a discussão sobre como são construídas as representações sociais sobre

os modos de ser homem e mulher.

2.4 RESPEITO À DIFERENÇA

Contrariamente à visão sexista recorrente na prática social vivenciada, a

escola precisa aflorar em seu interior a reflexão sobre tais práticas sociais que

naturalizam o discurso predominantemente masculino.

A escola é o espaço social da igualdade no respeito às diversidades. E

um pensamento que bem ilustra essa afirmação está contido na obra de Simo-

ne Beauvoir (1980, p. 21): “Se quisermos ver com clareza devemos sair dos

trilhos; precisamos recusar as noções vagas de superioridade, de inferioridade,

igualdade que desvirtuaram todas as discussões e reiniciar do começo”.

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Essa divisão sexista nem seria possível sustentar-se se fosse analisada

sob a perspectiva não material, não física, mas espiritual, segundo discorre

Woolf.

E continuei amadoristicamente a esboçar uma planta da alma, de tal modo que, em cada um de nós, presidiriam dois sexos, um masculino e um feminino; e, no cérebro do homem, o ho-mem predominava sobre a mulher, e no cérebro da mulher, a mulher predominava sobre o homem. O estado normal e con-fortável é aquele em que os dois convivem juntos em harmonia, cooperando espiritualmente. Quando se é homem, ainda assim a parte feminina do cérebro deve ter influência; a mulher deve também manter relações com o homem em seu interior. (WO-OLF, 1985, p.128-129).

Assim entendida essa concepção espiritualista também pode ser perce-

bida na visão de Simone de Beauvoir (1980, p.7), quando afirma “todo ser hu-

mano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher: cumpre-lhe

participar dessa realidade misteriosa e ameaçadora que é a feminilidade”.

Nesse sentido, a literatura é um instrumento indispensável ao trabalho

educacional, utilizada para abordar, debater e refletir sobre conceitos e pré-

conceitos em relação a certas práticas sociais em vários setores da sociedade

que tematizam a dicotomia masculino/feminino.

3. METODOLOGIA - DESCRIÇÃO DA APLICAÇÃO

Ao refletir sobre as ações dentro da escola, percebeu-se que havia uma

lacuna quanto ao debate sobre a questão da mulher. Daí, portanto, surgiu a

urgência de sistematizar no contexto escolar as questões de gênero nas aulas

de Língua Portuguesa. A relação interdisciplinar foi estabelecida com as disci-

plinas de Arte, Filosofia, História e Sociologia.

A implementação do projeto na escola, conforme já mencionado, discutiu

questões relacionadas ao gênero e a identidade, tomando a literatura como

ponto de partida para tratar sobre o assunto.

Na Semana Pedagógica apresentei-o aos meus colegas de trabalho

(professores, funcionários e direção). Depois, nos primeiros dias de aula, apre-

sentei-o aos alunos. Os quais nada comentaram, nem a favor nem contra. O

que já era de se esperar. Quando passei um vídeo com a entrevista da Clarice

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Lispector, percebi que eles ficaram “incomodados”. Pois ela não lhes pareceu

alguém comum.

Ressalta-se que a escolha da turma se deu em virtude de ser esta uma

série intermediária, o aluno já estar adaptado a esse nível de ensino e ainda

não ter a preocupação imediatista com os vestibulares e com o ENEM.

Na sequência, mesmo sem se conhecerem, tiveram que se juntar em

grupos para que acontecessem as leituras, as conversas, as relações entre

eles e reflexões acerca das narrativas, das personagens, femininas.

Entretanto, como mencionei meus colegas das disciplinas de Arte, Filo-

sofia, História e Sociologia aceitaram fazer um trabalho interdisciplinar. Isso

contribuiu muito para a compreensão do tema e criticidade das discussões.

A implementação do projeto na escola, teve início com apresentação

formal do projeto, direcionada aos professores, funcionários equipe pedagógica

e direção. Nesse momento, foi possível partilhar com todos a possibilidade de

se trabalhar a questão de gênero pelo viés da literatura.

Na primeira semana de aula, realizou-se a apresentação do projeto e da

unidade didática para os alunos do 2° ano do Ensino Médio. Nessa etapa, foi

feita uma sondagem informal em relação aos conhecimentos dos alunos sobre

o assunto a ser trabalhado e qual o gênero textual que mais lhes chamava a

atenção.

A aplicação da proposta de Intervenção Pedagógica foi realizada no pri-

meiro semestre de 2014, em quatro turmas de 2º ano do Ensino Médio, no Co-

légio Estadual Desembargador Cunha Pereira, localizado no município de Fa-

zenda Rio Grande. O material utilizado foi Unidade Didática, estruturada em

etapas. Ao todo foram realizadas 64 aulas.

Nossa perspectiva foi instigar a reflexão sobre a condição feminina alia-

da a disciplina de literatura. O desenvolvimento do projeto aconteceu em seis

etapas descritas a seguir.

Na primeira etapa realizamos as leituras necessárias ao embasamento

teórico para a construção, mediação e aplicação do projeto PDE. Tais leituras

foram necessárias para melhor conhecer a linha de estudo, a vida e as caracte-

rísticas da obra de Clarice Lispector e as discussões acerca de gênero.

Na segunda etapa houve o aprofundamento da teoria para melhorar a

prática, buscando observar as DCES de Língua Portuguesa do Estado do Pa-

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raná (p.57) no que diz respeito à necessidade do repensar a teoria e a prática

do ensino de literatura.

Na terceira etapa ocorreu a seleção dos textos que foram trabalhados na

implementação do projeto. Como critério de escolha dos textos considerou-se a

preferência dos alunos por contos e a identificação deles com a escritora Clari-

ce Lispector, mas também, por ser um tipo de leitura que pode ser feita de for-

ma integral e rápida. Isso possibilitou o conhecimento dos enredos e associa-

ção destes com o debate de gênero feminino.

Na quarta etapa, a sala de aula foi divida em cinco grupos. Os alunos, a

princípio, leram os contos e depois fizemos a nossa intervenção docente no

sentido de direcionar, incentivar e mediar as discussões preliminares nos gru-

pos. Em seguida, no grande grupo, ocorreram os seminários a fim de socializar

as diferentes interpretações dos enredos e a relação destes com a condição

feminina hoje.

Na quinta etapa, procuramos aliar teoria à prática, buscamos associar

ficção à realidade. Para tanto, enriquecemos as discussões com análises de

textos e gêneros textuais diversos, conforme segue: contos de Mia Couto, mú-

sicas, poesias, fotografias, filmes etc. Tais interpretações serviram, também,

como base para a produção de textos reflexivos sobre a realidade da mulher

atual e para o roteiro de uma peça teatral. Os quais visaram partilhar o conhe-

cimento adquirido em sala de aula com a comunidade escolar.

Na sexta e última etapa, houve a preocupação em retribuir, de certa for-

ma, a comunidade escolar como um todo, oferecendo-lhes, além da melhoria

na qualidade das aulas, a socialização do conhecimento adquirido durante todo

o desenvolvimento do projeto PDE. A partir disso, surgiu, portanto, a ideia de

encenar a peça teatral, na qual as pessoas se identificaram e refletiram sobre a

importância de respeitar e valorizar a mulher. A peça foi elaborada, a partir do

conhecimento interdisciplinar, adquirido pelos alunos com a execução do proje-

to .

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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A receptividade durante a apresentação e a implementação do projeto,

por parte dos professores, diretores, funcionários e a toda equipe pedagógica,

foi bastante motivadora. Tudo ocorreu dentro do esperado. Os quais receberam

muito bem, ressaltando a relevância deste para escola. Enfim, tive incentivo e

apoio, suportes necessários/ imprescindíveis à sua aplicabilidade.

A realização do projeto contou com o envolvimento direto ou indireto de

diversos profissionais da escola: professores, alunos, equipe pedagógica, dire-

ção, bibliotecários e atendentes de pátio. Vale ressaltar que algumas vezes, os

alunos precisaram ocupar outros espaços da escola, e não somente a sala de

aula. Além disso, diversos recursos materiais foram utilizados, tais como: livros

de contos da autora em questão, papel, caneta, data show, máquina fotográfi-

ca, aparelho de som etc.

As leituras integrais dos contos despertaram a reflexão acerca das dife-

rentes fases da vida da mulher. Além disso, possibilitaram a aproximação da

realidade das alunas e alunos, e também enfatizou a consciência do respeito e

valorização da mulher, traçando um parâmetro do referencial de mulher veicu-

lado nos contos com a realidade da mulher comum a nossa volta. Essa apro-

ximação nos trouxe ganhos extraordinários, tanto na leitura quanto em mudan-

ças do modo de pensar literatura.

O trabalho interdisciplinar fez toda a diferença. Pois, os profissionais en-

volvidos não mediram esforços para contribuir com o projeto. Todos foram

beneficiados. No entanto, quem mais ganhou com isso, certamente, foram os

alunos, pois puderam trabalhar o tema por diferentes enfoques, fomentados por

leituras e encaminhamentos diversos. O comprometimento de todos propiciou

importantes reflexões e debates, percebidos, também, nas atividades e nos

trabalhos das equipes.

A relação entre professores e alunos, hoje, é ótima. É visível a sensibili-

zação desses alunos para os compromissos com a escola e em relação ao

respeito para com os colegas e professores. De certo modo, eles começaram

a transformar-se a partir do envolvimento no projeto. Os conselhos de classe,

desses 2º anos, têm sido bastante positivos.

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Praticamente todas as atividades foram desenvolvidas satisfatoriamente.

No entanto, em algumas, pudemos ir além do esperado. Não encontramos re-

sistência ao projeto por parte de nenhum aluno. Pelo contrário, era visível a

satisfação e empenho na realização das atividades. Ao término das apresenta-

ções, pudemos perceber a satisfação deles em fazer parte daquele trabalho.

Os alunos estavam felizes por verem seus trabalhos e atuações serem reco-

nhecidos por outros professores. Aliás, um dos grupos de teatro vem se conso-

lidando em outras apresentações, nas quais levamos a discussão de gênero

para o período noturno, a pedido da professora de Literatura, a qual solicitou

que apresentássemos o projeto a seus alunos, a fim de que eles pudessem

conhecer um pouco mais sobre Clarice Lispector e a possibilidade de se discu-

tir gênero a partir de sua obra. Além disso, dando continuidade ao projeto, in-

corporamos as discussões de gênero, por meio de teatro, nos trabalhos da

Equipe Multidisciplinar.

Para finalizarmos o projeto, promovemos um encontro dessas quatro

turmas, no qual os alunos mostraram aos colegas e professores resultados de

pesquisas, vídeos, entrevistas e teatros.

Mesmo consciente de que muito temos a avançar, podemos dizer que

nossas expectativas iniciais foram superadas, pois quase todos os alunos de-

monstraram estar motivados. Percebemos neles interesse e conhecimento

acerca do tema. Inclusive, algumas alunas solicitaram sugestões de outras

obras de Clarice Lispector e de Simone de Beauvoir, manifestando assim, que

desejavam conhecer algumas das referências que usamos para o projeto.

É importante ressaltar que os alunos demonstraram bastante interesse

nas atividades que permitiram o trabalho integrado as outras áreas. Percebe-

mos que eles conseguiram interagir de modo mais produtivo, graças à intertex-

tualidade propiciada pelas demais disciplinas, o que tornou a prática docente

mais produtiva e o ambiente escolar mais leve e agradável.

Mas a peça teatral foi a atividade que mais despertou atenção da garota-

da. Tanto é que não saiu apenas uma, mas quatro peças com estilos diferentes

e todas muito interessantes.

A desconstrução de estereótipos da mulher e a busca pelo respeito são

os elementos que mais têm chamado atenção nas discussões de sala de aula,

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até esse momento. Os contos de Clarice Lispector, entre outras possibilidades,

propiciam a percepção da existência feminina em diferentes fases.

O GTR-2014 (Grupo de Trabalho em Rede), uma espécie de curso onli-

ne, no qual o Professor-PDE socializa o seu Projeto com outros professores da

rede estadual, estruturou-se em três temáticas: 1ª Projeto de Intervenção Pe-

dagógica na Escola, 2ª-Produção Didático-Pedagógica e 3ª- Implementação do

Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola. Nestas etapas foram desenvol-

vidas atividades, diários e fóruns, através de leitura, análise e execução das

atividades propostas. A participação das cursistas no GTR foi de extrema im-

portância. As mesmas apresentaram significativas contribuições em relação ao

Projeto, à Produção Didático-Pedagógica e à Implementação Pedagógica. In-

clusive, no anexo desse artigo, selecionamos alguns comentários relevantes,

postados nos fóruns, sobre a validade do projeto. A interação entre professo-

ras cursistas e a professora-tutora trouxeram diversas contribuições, sugestões

e esclarecimentos, acerca do tema e do projeto.

Em relação aos Diários, os textos produzidos mostraram comprometi-

mento com as questões educacionais, conhecimento da realidade de sala de

aula e importantes reflexões sobre o assunto. Além do embasamento teórico,

acrescentaram outros argumentos, pesquisados em outras fontes.

As participantes reiteraram a viabilidade e a necessidade de efetivação

do projeto e, ainda, socializaram suas significativas experiências. Em virtude de

acreditarem no projeto, mas também, por já terem trabalhado ou, ainda, traba-

lharem com as questões de gênero feminino a partir da literatura ou outras ex-

pressões artísticas, em suas respectivas escolas.

Quanto à Produção Didático-Pedagógica, as participantes apresentaram

valiosas considerações e mostraram conhecimento teórico sobre o tema e o

material. Além disso, fizeram comentários favoráveis as atividades, afirmando

que usariam essa produção em suas aulas por ser de fácil compreensão e inte-

ressar ao aluno.

Entre outros aspectos, ressaltaram a importância do tema e do material

didático, o qual facilitará a leitura reflexiva sobre os papéis femininos na socie-

dade, possibilitando o debate crítico sobre a história de luta das mulheres e,

também, por possibilitar analisar os perfis femininos por meio dos contos de

Clarice Lispector. Destacaram que tal material está em consonância com o pro-

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jeto. Além de atender as necessidades da educação básica, contemplar ativi-

dades diversificadas e bastante explicativas. As quais possuem relação com as

práticas discursivas de leitura, oralidade e escrita. Portanto, sua aplicabilidade

é viável e indispensável.

Quanto à Implementação Pedagógica na Escola, apresentaram impor-

tantes reflexões nos Fóruns, propiciando discussões e troca de experiências.

Por fim, acrescentaram sugestões relevantes que contribuíram e enriqueceram,

ainda mais, o desenvolvimento do projeto em sala de aula. Aliás, essas experi-

ências foram bastante produtivas por serem de fácil aplicabilidade e possuírem

estreita relação com o tema.

Finalmente, ressaltamos a expressiva participação feminina nesse GTR,

ou seja, apenas professoras se inscreveram. Será que esse é um tema que só

interessa as mulheres? Por outro lado, o GTR foi um sucesso, 99% das partici-

pantes concluíram o curso, contribuindo com novas práticas pedagógicas e

atendendo as expectativas.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aliar a literatura à questão do gênero feminino é contar com uma possi-

bilidade imensa de diálogo que o tema nos propicia. A literatura contribui de

forma magnífica para esse debate, tendo em vista essa ser um instrumento

indispensável ao trabalho pedagógico de Língua Portuguesa. Ela nos possibili-

ta a reflexão e o debate crítico em relação a certas práticas sociais de desres-

peito, nas quais muitas vezes, prevalece o masculino em detrimento do femini-

no.

A implementação do projeto buscou atender as demandas e as necessi-

dades de professores e dos alunos no que diz respeito às metodologias e re-

cursos do ensino de literatura. Para tanto, foi elaborada com base nos pressu-

postos teóricos de PRZYBYCIEN (2004) e nos quatro pilares da Língua Portu-

guesa: ler, ouvir, falar e escrever, conforme as Diretrizes Curriculares da Edu-

cação Básica (2008).

Por meio desse trabalho disponibilizamos meios para que o aluno seja

capaz de interagir criticamente nas aulas e na sociedade e para que tenha, efe-

tivamente, compreendido a importância do respeito e da valorização da mulher,

percebendo as diferentes fases de sua vida, bem como o perfil apresentado,

pelas mais distintas representações artísticas, confrontando estas com as da

realidade a sua volta. Provocou nele o repensar acerca dos estereótipos vigen-

tes e suas próprias atitudes sem relação à questão do gênero feminino.

Além disso, foi possível estudar os fatores geradores dos conflitos relati-

vos ao universo feminino relacionando-os com a vivência de meninos e meni-

nas, que ora se reconhecem na arena desses conflitos, sem saber como lidar

com suas opiniões e sentimentos. Nessa perspectiva, foi também, possível cri-

ar na sala de aula um ambiente livre e favorável à expressão dos alunos no

sentido de tentar buscar sugestões, alternativas para seus conflitos pessoais e

também para levá-los a um posicionamento ativo frente às questões mais

abrangentes, na sua inter-relação com o outro.

Sendo assim, resta-nos reafirmar, a partir da reflexão proposta por meio

dos temas literários, que a leitura literária, segundo o que afirma BEAUVOIR

(1980), provoca o sentimento de recusa aos (pré) conceitos estabelecidos pela

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cultura dominante no que se refere às noções de superioridade, inferioridade e

igualdade. Ela cria, então, uma ponte para o debate sobre as questões análo-

gas evidenciadas no contexto social dos próprios alunos, levando-os a contra-

por essas duas perspectivas: a literatura e a vida real.

Dessa forma, também foi possível mostrar ao aluno que a leitura literária

é um campo vasto para o conhecimento da alma humana, da história das soci-

edades e para o entendimento das lutas constantes que os homens travam

entre si, sobretudo no campo ideológico, tendo em vista a busca pela sua afir-

mação, como é o caso da luta feminina.

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REFERÊNCIAS

AGUIAR, Neuma. Gênero e Ciências Humanas. Volume 5 – Editora Rosa dos

Tempos, Rio de janeiro.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 5ª Edição: Nova Fronteira. Tradu-

ção de Sérgio Milliet, 1980.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: Estudos de teoria e história

literária. 8. ed. Publifolha: São Paulo, 2000.

CARVALHO, M.; TORTATO, C.. Gênero: Considerações Sobre o Conceito. In:

STANCKI, N. & CARVALHO, M. & CASAGRANDE, L. (org.). Construindo a

Igualdade na Diversidade: gênero e sexualidade na escola. Curitiba: UTFPR,

2009.

Cadernos Temáticos da Diversidade – Sexualidade. Secretaria de Estado

da Educação do Paraná, 2009.

CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre Estudos Culturais. São Paulo: Boi-

tempo, 2003.

Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Secretaria de Estado da Edu-

cação do Paraná. Língua Portuguesa, 2008.

GOTLIB, Nádia Battella. Clarice Uma vida que se conta. Ed. Ática – 3ª edi-

ção, 1995.

LUZ, Nanci Stancki Da; CARVALHO, Marília Gomes de; CASAGRANDE, LIN-

DAMIR Salete (orgs.). Construindo a Igualdade na Diversidade: gênero e

sexualidade na escola. Ed. UTFPR, 2009

LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. 1ª Edição, 1998.

_________________Felicidade Clandestina, 1998.1ª Edição, 1998.

_________________Onde estivestes de noite. Ed. Rocco. 1ª Edição, 1998.

MORAES, Maria Lygia Quartim de. Brasileiras: Cidadania no feminino. In:

História da Cidadania. Jayme Pinski; Carla Bassanezi Pinski (orgs.). 3ª ed. –

São Paulo: contexto, 2005.

PRZYBYCIEN, Regina. Representações de gênero na Literatura, Do femi-

nismo ao gênero plural. In: Discutindo as Representações de Gênero na

Literatura, Teatro e Propaganda. Coletânea de Juliana Schwartz – (org.) Ed.

UTFPR, 2004.

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SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB Trajetória Limites e

perspectivas. Editora Autores Associados, 1997.

WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução de Vera Ribeiro. 2º edição. Rio

de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

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ANEXOS

TEXTOS DE ESTUDANTES

ALUNA 1 - Durante um longo período da história, as mulheres não eram reco-

nhecidas por seu gênero, mas consideradas "segundo sexo" e "sexo frágil",

pois só eram úteis para reproduzir a espécie e realizar os afazeres domésti-

cos. Aos poucos, esta realidade foi se transformando.

Desde o princípio, o objetivo das mulheres era conquistar a igualdade,

enfrentaram muitas barreiras, mas persistiram na luta. Na Revolução Industrial

a mulher pôde trabalhar fora de casa, mas mesmo sendo uma grande conquis-

ta acarretou ainda mais desigualdades. Por esse motivo cerca de 400 mulheres

participaram de um protesto que ficou conhecido como “queima de sutiãs". A

partir deste movimento outras mulheres começaram a lutar por seus direitos e

isso resultou na posição que a mulher ocupa atualmente.

Hoje, a posição que a mulher ocupa na sociedade é muito favorável,

pois ela conquistou a tão desejada liberdade, pode estudar, trabalhar, votar,

pode escolher por si própria, e conquistar o que almeja. No entanto, muitas mu-

lheres, ainda, são tratadas com se fossem inferiores aos homens, o salário de-

sigual, a violência constante, a falta de tempo livre, entre outros problemas que

enfrentam diariamente.

Ainda há muito a ser conquistado, para isso é preciso a conscientização

da nova geração, dos futuros homens e mulheres para que destruam as barrei-

ras construídas na história e se unam em prol dessa causa. Pois a luta é de

todos!

ALUNA 2 - Desde a existência do ser humano na terra, foram designadas cer-

tas funções para aquele que era considerado homem e mulher. O homem por

ser mais forte fisicamente fica com o trabalho da caça, e as mulheres designa-

das como seres frágeis ficam cuidando de seu lar e de seus filhos.

Com o passar do tempo o macho, passa a exercer sua força sobre a

fêmea, considerando-a como o nada! Essa intensa repressão às mulheres se

torna pior com a interferência da Igreja, pregando uma ideologia de que a mu-

lher foi criada apenas para reprodução.

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Cansada de toda essa violência a mulher resolve sair à procura de sua

liberdade e igualdade de direitos, e é nos gritos agitados nas ruas que ela apa-

rentemente consegue o direito ao voto e a possibilidade de deixar sua casa

para trabalhar, mas isso era só o começo. Segundo a filósofa Simone de Beau-

voir, em seu livro O Segundo Sexo, a mulher nunca teve história e tudo o que

ela conseguiu em sua luta foi porque os homens deixaram.

A mulher sai, então, para a construção de sua história, mas será que, de

fato, ela conseguirá? Será que um dia ela será reconhecida não como o Outro,

mas como o também? As respostas são vagas, elas só existirão com a luta de

todos, com a desconstrução dos estereótipos.

PROFESSORA 1 (Relação Interdisciplinar) - “Que nada nos defina, que nada

nos sujeite, que a liberdade seja nossa única substância. Relata Simone de

Beauvoir em seu livro “O segundo sexo”. E como superar os padrões e este-

reótipos propostos por uma sociedade construída por sujeitos do sexo masculi-

no? Como romper paradigmas sexistas, preceitos machistas e violentos? Atra-

vés de uma educação que emancipa todos os sujeitos envolvidos. E como rea-

lizar isso? Por intermédio do conhecimento historicamente acumulado, afinal

saber é poder já disse o filósofo Bacon, e, sobretudo realizando uma leitura

crítica da realidade. E foi exatamente esse segmento possível com o projeto:

protagonismo juvenil aliado à análise crítica do contexto histórico. Filosofar

também se constitui em perceber sua própria realidade e tentar superá-la. E

creio ter sido possível romper paradigmas, desconstruir estereótipos e propor-

cionar as ferramentas de emancipação aos educandos que tiveram o privilégio

de participar/atuar nesse projeto de vida”.

PROFESSORAS PARTICIPANTES DO GTR

PROFESSORA 1 - “Discutir gênero feminino dentro da literatura passa então a

ser o meio de não permitir que o tema se apague dentro do ambiente escolar,

permitindo uma reflexão sobre o assunto, incentivando a prática da leitura e

sobre tudo contextualizar o tema ligado à sociedade como um todo. Em parale-

lo com a discussão sobre o gênero e identidade, outro fator relevante do proje-

to é o incentivo ao conhecimento da literatura.”

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PROFESSORA 2 - “... inserir o debate e a reflexão sobre as desigualdades de

gênero a partir da literatura constitui um mecanismo de intervenção pedagógica

que contempla as atuais tendências e exigências das práticas educativas.”

PROFESSORA 3 - “A proposta de trabalhar o gênero feminino através da lite-

ratura é bastante relevante, uma vez que temos personagens maravilhosas em

nossa literatura..., as quais nos trazem problemáticas que podem contribuir

muito aos nossos debates em sala de aula e fazer o/a aluno/aluna vera nossa

literatura com um olhar mais crítico, repensando as possibilidades de leitura.”

PROFESSORA 4 - “A obra de Clarice Lispector se encaixa perfeitamente no

projeto. Sua figura gera muito interesse, um dos motivos é o fato dela ter sido

uma mulher forte, muito a frente de sua época, que deu voz ativa às mulheres.

Isso faz com que os alunos analisem, através da sua obra, aspectos relevantes

que possam ser usados no cotidiano.”

PROFESSORA 5 - “A reflexão e o debate acerca do tema são importantes,

pois geram conscientização... Percebo pelos relatos que o tema foi bem aceito

pelos alunos e que forneceu a eles uma nova oportunidade de discutir e de re-

fletir, tendo assim uma nova visão a respeito da questão de Gênero. Também

fez conhecida deles uma grande mulher, Clarice Lispector...”

PROFESSORA 6 - “...quando o projeto começou [...],os alunos se envolveram

por inteiro, buscando entrevistas, ensaios no contra turno da escola, pesquisas

na biblioteca. Enfim, você soube envolver os seus alunos e motivá-los. Temos

certeza de que com seu projeto, as alunas refletiram sobre o papel da mulher

no mundo atual e buscarão ser mais valorizadas e respeitadas em todos os

setores da sociedade. Tudo isso graças a um trabalho bem direcionado, partin-

do das obras de Clarice Lispector, a qual teve sobre sua obra um olhar cari-

nhoso de uma professora movida pelo desejo de ensinar e aprender.”

PROFESSORA 7 - “... posso dizer que seu trabalho contribuiu muito para nos-

sa escola e para a formação crítica de nossos alunos, os quais fizeram refle-

xões e debates de extrema importância, além da relevância da interdisciplinari-

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dade que se estabeleceu no desenrolar do seu projeto. Essa inter e multidisci-

plinaridade fizeram com que o aluno percebesse, em todas as disciplinas, a

fundamentação e a contextualização de um trabalho bem aplicado.”

PROFESSORA 8 - “... as reflexões que partiram do estudo da obra literária em

questão, bem como do trabalho integrado junto com as demais disciplinas, ilus-

tra muito bem para os alunos o diálogo vivo que existe entre a literatura e a

vida social e com as particularidades de cada sujeito nela representado. Sabe-

mos que há divergências entre as várias correntes teóricas acerca dessa ques-

tão, como é o caso do formalismo russo, em que o valor artístico da obra reside

naquilo que causa o estranhamento. Essa teoria se prende muito mais à forma

do que ao conteúdo da obra. E por tal razão, privilegia a natureza estética e

estilística do texto literário. Contudo, não há como não dizer do estranhamento

causado nos alunos em razão do seu contato com um texto, uma linguagem e

um tema tão distantes temporalmente da sua realidade social. Entretanto, pa-

radoxalmente, esse conjunto de elementos torna-se, tão instigante e dialógico

com seu contexto, que ao meu parecer, esse estranhamento tem levado os

alunos, principalmente as alunas, a um despertar de consciência sobre sua

própria condição feminina.”