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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · estruturantes. Em virtude disso, ... seleção do gênero em pauta assinalando tratar-se de uma narrativa de fácil compreensão

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

PRÁTICAS DE LEITURA, ANÁLISE LINGUÍSTICA E PRODUÇÃO TEXTUAL COM FÁBULAS NO ENSINO FUNDAMENTAL

Francisca Fernandes de Carvalho Rodrigues1

Patrícia Cristina de Oliveira Duarte2

RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar e avaliar a Implementação de uma Proposta de

Intervenção Pedagógica, em uma escola pública do Estado do Paraná, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). Na proposta metodológica em pauta adotamos o gênero discursivo fábula como eixo articulador do conteúdo, abordando atividades integradas de leitura, escrita e análise linguística, por meio do Plano de Trabalho Docente (PTD), de Gasparin (2009), metodologia que se fundamenta na Pedagogia Histórico-Crítica. Os textos enunciados pertencentes ao gênero em tela foram abordados nas três dimensões propostas por Bakhtin (2003) – conteúdo temático, construção composicional e estilo (marcas linguístico-enunciativas), em consonância com as condições de produção. Com a implementação, pretendemos evidenciar que a proposta metodológica adotada promove a motivação à leitura e à escrita, resgatando valores essenciais aos seres humanos. Além disso, acreditamos que o gênero em foco poderá auxiliar na realização de uma leitura dialógica, reflexiva e responsiva, levando ao desenvolvimento da criticidade, pois a fábula constitui-se uma narrativa de fácil compreensão, com reconhecido valor pedagógico. Em virtude disso, escolhemos realizar a nossa proposta de trabalho em uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental.

Palavras-chave: Leitura; Oralidade; Escrita; Gênero Fábula; Plano de Trabalho Docente.

INTRODUÇÃO

Consoante as Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa – DCE

– (PARANÁ, 2008, p. 48), vive-se numa era denominada “era da informação”, mas,

mesmo em meio a tantas informações, convive-se com um índice crescente de

analfabetismo funcional e um baixo desempenho dos alunos em relação à

compreensão de textos, dos mais diferentes gêneros, revelados pelos resultados

negativos das avaliações educacionais (PARANÁ, 2008, p. 48).

A falta de motivação, a dificuldade em adquirir o hábito de ler, interpretar e

produzir textos, enfim, apropriar-se do conhecimento trazido pela leitura, tem sido

uma inquietante preocupação dos professores, principalmente de Língua

Portuguesa. Afinal, são tais profissionais quem mais presenciam a baixa proficiência

em leitura dos alunos, vista em sala de aula, comprovada pelos exames externos.

1 Professora de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Educação Básica do Estado do Paraná.

Participante do programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – Edição 2013/2014. Graduada em Letras pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho. Atua na Escola Estadual Francisco Inácio de Oliveira, em Tomazina – PR. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Letras pela Universidade Estadual de Maringá. Doutoranda em Estudos da Linguagem

na Universidade Estadual de Londrina. Graduada em Letras pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho. Professora efetiva do Centro de Letras, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Norte do Paraná. E-mail: [email protected]

Não obstante essa preocupação, muitos professores, arraigados na tradição

de ensino gramatical, ainda sentem dificuldades para abordar a análise linguística

contextualizada às práticas de leitura e de produção textual, focalizando, quase

sempre, o trabalho com frases soltas e descontextualizadas. Nesse prisma, não

conseguem desenvolver atividades articuladas com os demais conteúdos

estruturantes. Em virtude disso, acabam utilizando metodologias ultrapassadas, que

não permitem a interação em sala de aula e, por isso, não propiciam uma

aprendizagem significativa, na qual o aluno constitua-se um sujeito ativo.

Considerando, então, a necessidade de práticas pedagógicas inovadoras,

pautadas por uma didática que, de fato, considere o aluno como sujeito ativo do

processo de ensino-aprendizagem, buscamos respaldo na teoria dos gêneros

discursivos (Bakhtin, 2003) e na proposta metodológica de Gasparin (2009) – o

Plano de Trabalho Docente –, uma vez que ambas fundamentam as concepções

teórico-metodológicas das DCE (PARANÁ, 2008). A primeira, por conceber a

linguagem como forma de interação humana, ressaltando sua natureza sócio-

histórica e ideológica, permite que se devolva à voz ao aluno, sujeito ativo, nas

interações em sala de aula. A segunda, ao fundamentar-se na Pedagogia Histórico-

Crítica, postula um ensino que considere o conhecimento empírico dos alunos,

visando transformá-lo em conhecimento científico, por meio da ação mediadora do

professor.

Nessa perspectiva, optamos por mobilizar o gênero discurso fábula como eixo

de progressão e articulação curricular, tendo por objetivo desenvolver um trabalho

que visa minimizar os problemas em relação à leitura e à escrita. Justificamos a

seleção do gênero em pauta assinalando tratar-se de uma narrativa de fácil

compreensão para os alunos, com reconhecido valor pedagógico, à medida que,

mesmo tendo perpassando várias gerações, ainda não perdeu seu encanto.

Acreditamos, assim, que o trabalho com fábulas tradicionais e contemporâneas

permite o desenvolvimento da criticidade, uma vez que a moral contida nas histórias

propicia a construção/desconstrução de valores e o desenvolvimento de leituras

reflexivas, dialógicas e responsivas.

Nossa proposta didática para os enunciados concretos dos supracitados

gêneros, via Plano de Trabalho Docente gaspariniano, foi levada a efeito no 6º ano

do Ensino Fundamental da Escola Estadual Francisco Inácio de Oliveira, Tomazina,

Paraná, por meio do PDE, em 2013/2014, e o material pedagógico empregado foi

uma Unidade Didática, com o título “Práticas de leitura, análise linguística e

produção textual com fábulas no ensino fundamental”.

Este trabalho, portanto, tem o objetivo de apresentar os resultados obtidos no

processo de implementação da proposta didática em tela. Para isso, o artigo

organiza-se da seguinte forma: na seção 1, apresentamos considerações acerca da

teoria bakhtiniana e suas implicações pedagógicas ao ensino de língua portuguesa.

Na seção 2, apresentamos um breve histórico do gênero fábula, discorrendo sobre

seu valor pedagógico. Finalizando a seção, versamos sobre transposição didática e

o Plano de Trabalho Docente (GASPARIN, 2009), que fundamentou a Unidade

Didática. Seguindo os passos pedagógicos propostos no PTD, apresentamos, na

seção 3, as atividades trabalhadas com os discentes e os principais resultados

obtidos com a implementação do projeto na escola.

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 OS GÊNEROS DO DISCURSO E O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA

PORTUGUESA

Bakhtin (2003) assegura que para interagir utilizamos os gêneros do discurso,

materializados em enunciados concretos e únicos proferidos pelos sujeitos, nos mais

diversos campos da atividade humana. Segundo o teórico, todos os nossos

enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação

de um todo. Assim, possuímos um rico repertório de gêneros do discurso orais e

escritos.

Nessa perspectiva, a língua materna e sua estrutura gramatical não podem

ser apreendidas nos dicionários e nas gramáticas, nós as adquirimos mediante

enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal

viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. Consoante o autor, os

gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que organizam as

formas gramaticais e sintáticas. Logo, aprender a falar, é aprender a estruturar

enunciados (BAKHTIN, 2003).

Na linguagem, o homem se reconhece como ser humano, interage e troca

experiências, compreende a realidade em que está inserido e o seu papel como

participante da sociedade. A partir desse caráter social da linguagem, os teóricos do

Círculo de Bakhtin postulam conceitos de dialogismo e de gêneros discursivos,

possibilitando novos caminhos para o trabalho pedagógico com e sobre a linguagem

verbal, demandando uma nova abordagem para o ensino da língua materna.

Ao empreender estudos sobre os gêneros, Bakhtin (2003, p. 261) afirma que

eles possuem três dimensões caracterizadoras: conteúdo temático, estilo e

construção composicional, que devem ser analisadas à luz das condições de

produção, conforme se pode comprovar, por exemplo, no seguinte fragmento:

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinado pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado considerado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.

Fiorin (2006), fundamentado no pensamento bakhtiniano, afirma que os

gêneros sempre estão sofrendo alterações, de forma individual, no que tange à sua

própria constituição, bem como, de forma coletiva, já que à medida que as esferas

de atividade humana evoluem e ficam mais complexas, novos gêneros surgem,

outros se modificam e alguns deixam de ser utilizados. Isso porque são reflexos das

necessidades sociais, são formas de apreender a realidade. Por serem

relativamente estáveis, permitem uma maior agilidade nos processos interativos.

Assim, se o sujeito não tiver domínio do gênero que pretende (ou necessita)

usar, encontrará dificuldade em participar de determinada esfera de comunicação,

mesmo que domine bem a língua, uma vez que os gêneros funcionam como balizas

das interações humanas, permitindo a construção e o acabamento dos enunciados.

Necessário ressaltar que Bakhtin (2003, p. 263) dividiu os gêneros discursivos

em primários e secundários. Os primários referem-se às situações cotidianas; já os

secundários, acontecem em circunstâncias mais complexas de comunicação,

relativamente mais desenvolvidas e organizadas. São constituídos, principalmente,

pelos gêneros escritos.

Fiorin (2006) explica que os gêneros secundários absorvem os primários,

transformando-os; assim, há uma interdependência entre os gêneros. Os

secundários valem-se dos primários para se formarem e, em outros casos, os

primários são influenciados pelos secundários, como, por exemplo, uma conversa

entre amigos – gênero primário –pode transformar-se em uma dissertação filosófica

– gênero secundário.

Frente ao exposto, pode-se concluir que os gêneros são infinitos, não

havendo possibilidade de enumerá-los. Em contrapartida, Bakhtin (2003) assegura

que quanto melhor se domina um gênero, mais se tem condições de empregá-lo

livremente. Nessa direção, Bunzen (2006) pondera que “as práticas discursivas

presentes nos diversos gêneros que fazem parte do cotidiano dos educandos podem

ser legitimadas na escola” (apud DCE 2008, p. 52).

Depreende-se também que a definição de gênero, em Bakhtin,

compreendendo mobilidade, dinamicidade, fluidez, a imprecisão da linguagem, não

aprisiona os textos em determinadas propriedades formais. Vale ressaltar que, para

o teórico, um gênero não se constitui apenas de forma, mas de forma e conteúdo,

indissociadamente.

Para os teóricos do Círculo de Bakhtin, o enunciado é a real unidade de

comunicação discursiva, uma vez que o discurso só pode existir de fato na forma de

enunciações concretas dos sujeitos do discurso. (BAKHTIN, 2003). Em

concordância com esse posicionamento, entendemos que um ensino produtivo de

língua materna concebe os enunciados concretos como reais objetos de ensino e os

gêneros do discurso como eixo de articulação e progressão curricular. Nessa

direção, o gênero possibilita a integração das práticas de leitura, produção textual e

análise linguística. É disso que trata a próxima seção.

1.2 IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS: os gêneros do discurso e as práticas de

leitura, produção textual e análise linguística:

A leitura é uma prática sadia e fonte constante de cultura, lazer, conhecimento

e valorização humana; por isso, constitui-se um tema sempre muito preocupante e

questionado em todas as disciplinas. Também é de conhecimento geral, que uma

das funções da escola é ampliar a competência do aluno no uso da língua, nas mais

diversas situações de interação.

Para Silva (2004, p. 16):

A leitura ocupa, sem dúvida, um espaço privilegiado não só no ensino da língua portuguesa, mas também no de todas as disciplinas acadêmicas que objetivam a transmissão de cultura e de valores para as novas gerações. Isso porque a escola é, hoje e desde há muito tempo, a principal instituição responsável pela preparação de pessoas para o adentramento e a participação no mundo da escrita, utilizando-se primordialmente de registros verbais escritos (textos) em suas práticas de criação e recriação de conhecimentos. Mais especificamente, a leitura, enquanto um modo peculiar de interação entre os homens e as gerações, coloca-se no centro dos espaços discursivos escolares, independentemente da disciplina ou área de conteúdo.

De acordo com os PCN (BRASIL, 1998), a leitura é uma prática indispensável

para o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Por meio dela, o leitor realiza

um trabalho ativo de compreensão e interpretação de textos, a partir de seus

objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe

sobre a linguagem.

Sabe-se que uma das maiores preocupações do educador, é ensinar a ler e

escrever de forma competente, uma vez que tais habilidades são fundamentais para

a vida escolar e também para além dos muros escolares. Nesse sentido, avulta-se a

importância de a escola investir na formação e desenvolvimento de um leitor

proficiente e um produtor de textos que maneja habilmente os recursos oferecidos

pela língua.

Segundo Solé (1998), construir significados em um texto depende da

competência do leitor. O sentido varia de leitor para leitor, já que cada ser é único,

possuindo conhecimentos diferentes sobre um mesmo tema. Nesse sentido, pode-

se afirmar que ler é uma atividade idiossincrática, individual de cada leitor. Nessa

direção, a autora ressalta que “a leitura é um processo de interação entre o leitor e o

texto; neste processo tenta se satisfazer [obter uma informação pertinente para] os

objetivos que guiam sua leitura” (SOLÉ, 1998, p. 22).

De acordo com as DCE (PARANÁ, 2008, p. 48),

é tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação. Se a escola desconsiderar esse papel, o sujeito ficará à margem dos novos letramentos, não conseguindo se constituir no âmbito de uma sociedade letrada. Dessa forma, será possível a inserção de todos os que frequentam a escola pública em uma sociedade cheia de conflitos sociais, raciais, religiosos e

políticos de forma ativa, marcando, assim, suas vozes no contexto em que estiverem inseridos.

Dessa forma, assumindo a dimensão interacionista da linguagem

(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992), o documento concebe a leitura como um processo

de produção de sentido, que se dá a partir de interações sociais ou relações

dialógicas que acontecem entre leitor/texto/autor.

Em relação à oralidade, Soares (1993) afirma que é função da escola e do

professor trabalhar o bidialetalismo, preparando o aluno para o uso da língua

padrão, e sabendo que, em situações informais, ele poderá usar o dialeto que lhe é

peculiar.

Quanto à escrita, ressalta-se que as condições em que a produção acontece

determinam o texto: quem escreve, o que, para quem, para que, por que, quando,

onde e como se escreve. Assim, postula-se que “a escrita, na diversidade de seus

usos, cumpre funções comunicativas socialmente específicas e relevantes”

(ANTUNES, 2003, p. 47).

No que tange à análise linguística, as DCE (PARANÁ, 2008, p. 61) assinalam

que tal prática

(...) constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e/ou falado, um trabalho no qual o aluno percebe o texto como resultado de opções temáticas e estruturais feitas pelo autor, tendo em vista o seu interlocutor. Sob essa ótica, o texto deixa de ser pretexto para se estudar a nomenclatura gramatical e a sua construção passa a ser o objeto de ensino.

Os PCN (BRASIL, 1998, p. 52) postulam que o aluno atinja os seguintes

objetivos, quanto à prática de análise linguística:

Constitua um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico relevantes para as práticas de escuta, leitura e produção de textos; Aproprie-se dos instrumentos de natureza procedimental e conceitual necessários para a análise e reflexão linguística (delimitação e identificação de unidades, compreensão das relações estabelecidas entre as unidades e das funções discursivas associadas a elas no contexto); Seja capaz de verificar as regularidades das diferentes variedades do Português, reconhecendo os valores sociais nelas implicados e, consequentemente, o preconceito contra as formas populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos.

Esse mesmo documento ressalta:

Um dos aspectos fundamentais na prática de análise linguística é a refacção dos textos produzidos pelos alunos. Tomando como ponto de partida o texto, trabalhar as características estruturais de diferentes textos para chegar à compreensão de como a escrita da língua funciona, para que o ensino de definições e regras gramaticais possa instrumentalizar o aluno no domínio dessa modalidade (BRASIL, 1998, p. 80).

As considerações arroladas evidenciam que não há como empreender um

ensino produtivo de Língua Portuguesa sem considerar a integração entre as

práticas de leitura, incluindo-se aqui a oralidade, escrita e análise linguística. No viés

teórico-metodológico tomado, conforme anteriormente comentado, tal integração é

viabilizada por meio dos gêneros discursivos, concebidos, segundo Dolz e

Schneuwly (2004), como eixo de articulação e progressão curricular.

Sob tal enfoque, podemos depreender que a concepção interacionista de

linguagem, sustentada pelos teóricos do Círculo de Bakhtin, trouxe novas

possibilidades de abordagem ao ensino de língua portuguesa, propiciando um

ensino mais produtivo e significativo, à medida que o trabalho com gêneros

discursivos/textuais contribui para o aprimoramento da compreensão e produção de

textos.

Segundo as DEC (PARANÁ, 2008), cabe ao professor escolher qual gênero

deve ser ensinado e em que profundidade ele pode ser abordado. Seguindo essa

orientação, neste trabalho, conforme já mencionado, selecionamos o gênero

discursivo fábula, abarcando principalmente as fábulas tradicionais, mas não

deixando de considerar as fábulas contemporâneas, para a realização de práticas de

leitura, produção de textos e análise linguística.

2 O GÊNERO DISCURSIVO FÁBULA E SUA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA PARA

A SALA DE AULA

2.1 BREVE HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO

Do latim, a palavra fábula significa conversar, narrar, contar. Pertencente à

esfera literária, é um gênero muito antigo, encontrado praticamente em todos os

períodos da história e em várias culturas.

Segundo Fernandes (2001), a fábula é um tipo de história ficcional, contada

há mais de 2.800 anos. As histórias pertencentes a tal gênero apresentam

linguagem simples, uma cena vivida por animais que agem como se fossem

pessoas, com o objetivo de dar conselho, alertar sobre algo que pode acontecer,

transmitir algum ensinamento, fazer uma crítica, sátira, ironia, etc. Apesar de

antigas, seus temas são atuais, pois a maioria delas retratam atitudes humanas

como por exemplo, disputa entre fortes e fracos, esperteza de alguns, gratidão,

bondade, etc.

São narrativas curtas, nas quais se apresenta sempre uma lição de moral ou

provérbios de caráter instrutivo. Consoante Fernandes (2001), os principais

fabulistas foram o grego Esopo, o latino Fedro, o francês La Fontaine e o brasileiro

Monteiro Lobato, dentre outros.

Segundo a autora, Esopo viveu no século VI a.C. Era um escravo muito

inteligente e de tanto livrar seus senhores de embaraços, com sua sabedoria,

conquistou a liberdade, viajou muito e ganhou prestígio. Gostava de dar conselhos

por meio de suas fábulas. Tais conselhos, geralmente, destinavam-se aos adultos;

por isso, tais histórias não foram pensadas/criadas para o público infanto-juvenil.

Fedro introduziu as fábulas de Esopo na literatura latina. Todavia, coube a La

Fontaine, no século XVII, reescrever e adaptar as fábulas de Esopo, além de criar

novas histórias. Como não poderia dizer, de forma clara, tudo o que pensava, ele

utilizava as fábulas para denunciar as misérias e as injustiças de sua época,

criticando com ironia o comportamento daqueles que o ouviam. Também escrevia

fábulas em versos. E foi nesse tempo que se iniciou a separação entre mundo

infantil e mundo adulto e as crianças passaram a ser preparadas para se tornar

adultos melhores.

No entanto, as fábulas, inicialmente contadas para os adultos, começaram a

ser adaptadas para as crianças, retirando-se delas os elementos nocivos para a

educação, como a violência.

Foi o que fez também Monteiro Lobato, por volta dos anos 1920-1940, com

suas histórias infantis, tornando-se famoso por isso. Ele recriou e recontou as

fábulas de Esopo e La Fontaine.

Fernandes (2001) relata que as histórias narradas nas fábulas são produzidas

de acordo com o contexto sócio-histórico em que foram escritas. Dessa forma, é

possível conhecer um pouco os valores das sociedades retratadas, ou seja, o que as

pessoas acreditavam ser o melhor modo de agir para viver em sociedade.

Quem conta ou escreve uma fábula tem alguma intenção, seja de ensinar,

aconselhar, convencer, divertir ou criticar de modo indireto o ouvinte. Logo, o

objetivo de tal gênero é propiciar reflexão, por meio de uma linguagem figurada.

Os fabulistas escolhem animais como personagens de suas histórias, devido

a algumas características que servem para a comparação com as atitudes humanas.

Outra característica das fábulas é que não há nenhuma indicação precisa do tempo

nessas histórias, recurso utilizado justamente para fazer que o ensinamento seja tido

como válido em qualquer época.

Diante do exposto, depreende-se que a fábula possui valor pedagógico,

disciplinar e social, que pode possibilitar ao professor rever, com os alunos,

conceitos, princípios e valores. Também é possível trabalhar a intertextualidade e

interdiscursividade por estar presente em diferentes textos verbais e não verbais.

Nesse sentido, o trabalho com o gênero discursivo fábula, no espaço escolar,

tem intenção de motivar os educandos à leitura e à escrita de maneira lúdica,

possibilitando o surgimento de uma atitude crítica e reflexiva diante dos valores que

agora permeiam a sociedade.

2.2 A TRANSPOSIÇÃO DODÁTICA DO GÊNERO FÁBULA

O material produzido para implementação do Projeto de Intervenção

Pedagógica foi uma Unidade Didática, que tinha por objetivo contribuir para um

processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa mais eficiente.

Em consonância com as orientações das DCE (PARANÁ, 2008), conforme

anteriormente explicitado, adotamos a proposta de transposição didática laborada

por João Luiz Gasparin (2009), que construiu uma didática para a Pedagogia

Histórico-Crítica, no viés do materialismo histórico-dialético. A Unidade Didática

contemplou todas as dimensões bakhtinianas dos gêneros: conteúdo temático, estilo

e construção composicional, associadas às condições de produção (Bakhtin, 2003).

Segundo Gasparin (2009), o Plano de Trabalho Docente volta-se às três

grandes fases do método dialético – prática/teoria/prática – que se desdobram em

cinco passos, conforme demonstra o quadro abaixo:

PRÁTICA Nível de

desenvolvimento atual

TEORIA

Zona de desenvolvimento imediato

PRÁTICA

Novo nível de desenvolvimento

atual

Prática Social Inicial do Conteúdo

Problematização

Instrumentalização

Catarse

Prática Social Final do Conteúdo

1) Listagem do

conteúdo e objetivos:

Unidade: objetivo geral.

Tópicos objetivos específicos.

2) Vivência cotidiana do conteúdo:

a) O que o aluno já sabe: visão da

totalidade empírica.

Mobilização. b) Desafio: o que gostaria de saber

a mais?

1) Identificação e discussão sobre

os principais problemas postos pela prática social e pelo conteúdo.

2) Dimensões do conteúdo a serem

trabalhadas.

1) Ações docentes e

discentes para construção do conhecimento.

Relação aluno x objeto do

conhecimento pela mediação docente.

2) Recursos humanos e materiais.

1) Elaboração

teórica da síntese, da

nova postura mental.

Construção da nova totalidade

concreta.

2) Expressão prática da síntese.

Avaliação: deve atender às dimensões

trabalhadas e aos objetivos.

1) Intenções do

aluno. Manifestação da

nova postura prática, da nova atitude sobre o conteúdo e da nova forma de

agir.

2) Ações do aluno. Nova

prática social do conteúdo, em

função da transformação

social.

Fonte: GASPARIN, J. L. Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas: Autores Associados, 2009, p. 159.

Gasparin (2009) assinala que o trabalho está estruturado em quatro níveis

descendentes. O primeiro, o mais amplo e profundo, tendo como base a teoria do

conhecimento do materialismo histórico-dialético, cuja diretriz fundamental, no

conhecimento, consiste em partir da prática, ascender à teoria e descer novamente

à prática com uma nova compreensão da realidade e da ação humana.

O segundo tem como suporte a Teoria Histórico-Cultural de Vigotski que

explicita o nível de desenvolvimento atual e a zona de desenvolvimento imediato. O

Terceiro compreende os cinco passos da Pedagogia Histórico-Crítica, de Saviani,

apresentados mais adiante. No quarto nível, o autor buscou transpor os

fundamentos teórico-metodológicos de Marx, Vigotski e Saviani, para uma didática

teórico-prática.

A implementação ocorreu no primeiro semestre do ano 2014, na Escola

Francisco Inácio de Oliveira - Ensino Fundamental, localizada no município de

Tomazina PR, em uma turma do 6º ano, constituída de 30 alunos, de faixa etária que

variava entre 10 a 13 anos, no período matutino.

A Unidade Didática apresentava atividades que exploravam todos os passos

do método dialético de construção do conhecimento escolar: prática/ teoria/prática,

na abordagem dos cinco passos da Pedagogia Histórico-Crítica, didatizada por meio

do Plano de Trabalho Docente.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 APRESENTANDO O PLANO DE TRABALHO DOCENTE

O Plano de Trabalho Docente constitui uma proposta metodológica que pode

ser utilizada em qualquer área do conhecimento. Conforme visto anteriormente, o

PTD apresenta cinco passos pedagógicos: Prática Social Inicial, Problematização,

Instrumentalização, Catarse e Prática Social Final.

Cada um desses passos em que se divide a nova didática tem como objetivo

envolver o educando na aprendizagem significativa dos conteúdos. Dessa forma, os

conteúdos e os procedimentos didáticos são estudados na interligação que mantêm

com a prática social dos alunos.

3.1.1 PRÁTICA SOCIAL INICIAL DO CONTEÚDO

Gasparin (2009) assinala que, no primeiro passo do método, Prática Social

Inicial do Conteúdo, “uma das formas para motivar os alunos é conhecer sua

prática social imediata a respeito do conteúdo curricular proposto”. (GASPARIN,

2009, p. 13).

Este passo é o ponto de partida, a investigação sobre o que os alunos já

sabem do conteúdo a ser estudado. É o momento de mobilizar e instigar o aluno

para a construção do conhecimento do conteúdo a ser trabalhado.

A Prática Social Inicial do Conteúdo foi organizada da seguinte forma:

3.1.1.1 Anúncio dos conteúdos:

Preparando a abordagem do conteúdo. (Atividade desenvolvida oralmente).

a) Vocês já ouviram histórias ou assistiram desenhos e filmes nos quais os

personagens são animais que falam e agem como se fossem pessoas?

b) Como chamamos as histórias em que os personagens são animais?

c) Alguém se lembra de alguma história assim? Quem é capaz de contar para

a turma uma dessas histórias que ouviu ou leu?

Após essa breve contextualização, apresentamos o conteúdo, de forma mais

detalhada, por escrito, na lousa:

- o gênero discursivo fábula,

- o contexto de produção,

- o conteúdo temático;

- a organização textual e as marcas linguístico-enunciativas, que contribuem

para a construção de efeitos de sentido do texto.

O Projeto de Implementação foi bem recebido pelos alunos, os quais se

mostraram animados em participar.

3.1.1.2 Vivência cotidiana dos conteúdos – O que o aluno já sabe.

a) Em que contexto você ouviu falar sobre fábulas? Quando? Onde? De que

maneira?

b) Qual a diferença entre uma fábula e um conto?

c) Quais fábulas você conhece?

d) Quem são geralmente os personagens das fábulas?

e) As histórias geralmente são curtas ou longas?

f) Você sabe nomes de autores de fábulas?

g) O que as fábulas nos ensinam?

h) Quem você acha que gosta de ler fábulas?

i) O que geralmente aparece escrito no final das fábulas?

j) Qual é a sua fábula preferida?

Para melhor aferir o conhecimento sobre o gênero fábula, a vivência cotidiana

do conteúdo foi realizada de maneira escrita e individualmente. Nessa fase, é

importante que o educador valorize o conhecimento prévio do aluno, para

desenvolver o teórico- científico, oportunizando a aprendizagem.

3.1.1.3 que você gostaria de saber a mais sobre fábulas?

Nesse momento instigamos, de maneira dinâmica, a participação de todos na

elaboração de questões, anotando as sugestões na lousa com o fito de documentar

a familiaridade, ou não, dos alunos com o gênero. Listamos todas as suas possíveis

curiosidades.

Por meio do estímulo ao conteúdo, os alunos evidenciaram estarem bastante

motivados em aperfeiçoar o conhecimento, com muitos questionamentos, referentes

ao conteúdo proposto.

3.1.2 PROBLEMATIZAÇÃO

O segundo passo constitui o momento do educador levantar e selecionar as

questões definidas na prática inicial, lançando questões desafiadoras aos discentes.

Nessa direção, procuramos desafiá-los a pensar criticamente os conteúdos a serem

trabalhados, depois de realizarem a seleção junto com o professor.

Esta etapa é o momento de identificação, discussão e questionamentos dos

principais problemas referentes ao conteúdo proposto, postos pela Prática Social

Inicial. Aqui o conteúdo foi problematizado por meio de diferentes dimensões:

conceitual, histórica, social, legal, filosófica, cultural, educacional, religiosa, política,

ética e ideológica.

As atividades foram realizadas por meio de pesquisas à internet, dicionários

e enciclopédias. O resultado da pesquisa foi anotado no caderno para posterior

discussão em sala, na tentativa de resolver os problemas diagnosticados na prática

social inicial, conforme segue:

a) Conceitual: O que é fábula?

b) Histórica: Qual a origem da fábula?

c) Social: Qual a importância das fábulas para a sociedade?

d) Legal: O que os fabulistas querem transmitir por meio das fábulas? Que

valores as fábulas nos ensinam?

e) Filosófica: Por que há lição de moral ou provérbios nas fábulas?

f) Cultural: Quem são os fabulistas mais importantes?

g) Educacional: Como as fábulas nos educam? Você sabe escrever uma

fábula? Por que estudar fábulas?

h) Religiosa: Que animais das fábulas são considerados sagrados para

alguns povos?

i) Política: Como a compreensão da moral presente nas fábulas pode auxiliar

o leitor no seu cotidiano como cidadão?

j) Ética: O que é possível aprender com a conduta dos animais nas fábulas?

k) Ideológica: Por que os personagens de fábulas que não tinham lazer eram

considerados trabalhadores e os que tinham eram considerados preguiçosos?

Apesar de o gênero discursivo fábula ser apresentado desde as séries iniciais

do Ensino Fundamental, percebemos que os alunos apresentam lacunas de

conhecimento a respeito das diferentes dimensões do conteúdo. Em virtude disso,

fez-se necessária uma maior mediação do professor.

3.1.3 INSTRUMENTALIZAÇÃO

De acordo com Gasparin (2009), no terceiro passo, Instrumentalização,

ocorre “a análise, como uma das operações mentais básicas para a construção do

conhecimento” (2009, p. 123).

Este terceiro passo do método realiza-se nos atos docentes e discentes necessários para a construção do conhecimento científico. Os educandos e o educador agem no sentido da efetiva elaboração interpessoal da aprendizagem, através da apresentação sistemática do conteúdo por parte do professor e por meio da ação intencional dos alunos de se apropriarem desse conhecimento (2009, p. 49).

Por intermédio da mediação pedagógica do professor, é nesse momento que

o aluno apropria-se dos saberes científicos necessários para o desenvolvimento de

sua aprendizagem, apoiando-se nos seus conceitos vividos, cotidianos.

“Este terceiro passo do método realiza-se nos atos docentes e discentes

necessários para a construção do conhecimento científico” Gasparin (2009, p.49),

por isso tais ações são denominadas didático-pedagógicas. Nessa etapa, o gênero

fábula foi abordado em todas as dimensões que o constituem. Por isso, foram

apresentadas questões de leitura (conteúdo temático), análise linguística (estilo) e

produção textual (construção composicional).

O Plano de Trabalho Docente proposto para os alunos, nesta Implementação,

contou com nove atividades diferenciadas, relatadas brevemente na sequência.

Na primeira atividade propomos aos alunos que pesquisassem, junto aos

membros de sua família, sobre fábulas conhecidas por eles. Feito isso, os alunos

escreveram um texto que consideravam uma fábula. Após as produções, solicitamos

que os alunos fizessem a leitura de seus textos, de forma organizada.

Os alunos iniciaram as atividades do terceiro passo “Instrumentalização”

super animados em fazer a pesquisa, pois é uma turma que gosta de interagir. A

maioria trouxe textos que era do gênero discursivo fábula tradicional, mas houve

alunos que trouxeram contos de fadas que envolviam animais e também houve texto

descritivo de animais. Logo, precisamos mobilizar explicações, no sentido de

diferenciar os gêneros apresentados.

Para concretizar a segunda atividade, entregamos aos alunos cópias do texto

“De onde vem a Fábula?” (Adaptado de Fernandes, 2001), que trazia algumas

informações básicas sobre a sócio-história do gênero discursivo fábula e seu valor

pedagógico. De posse dos textos, realizamos a leitura e discussão sobre as

informações veiculadas. Necessário esclarecer que outras fontes foram

pesquisadas, a fim de aprofundar essas informações.

Por meio da terceira atividade, solicitamos que os alunos fizessem leitura

silenciosa de duas fábulas de Esopo com personagens diferentes e respondessem

as questões que abordavam o conteúdo temático dos respectivos textos.

Na quarta atividade, com o objetivo de ampliar os conhecimentos dos

discentes, apresentamos textos com a biografia dos seguintes autores: Esopo,

Fedro, La Fontaine e Monteiro Lobato. Pedimos que realizassem a leitura silenciosa

dos textos, uma vez que, partindo da concepção interacionista, consideramos que a

leitura constitui uma atividade idiossincrática.

Efetivando a quinta atividade, distribuímos aos alunos uma fábula tradicional

“O rato do campo e o rato da cidade” fábula de Esopo, adaptação de Ruth Rocha e

uma fábula contemporânea “A galinha do mato e a galinha da granja”, de Sérgio

Capparelli. Solicitamos que fizessem a leitura, a representação não verbal do texto e

respondessem às atividades propostas, fazendo comparações entre elas.

Dando continuidade, na sexta atividade, foram apresentadas duas versões da

fábula A raposa e as uvas, fábula bastante conhecida. A versão de Esopo era em

prosa e a versão de La Fontaine, em verso. O objetivo era estabelecer comparações

entre as duas versões, principalmente quanto à forma composicional.

Após a leitura dos textos, estimulamos um debate sobre os textos. Na

sequência, solicitamos que os alunos respondessem às questões preparadas para

os textos, sempre com a nossa mediação.

Na sétima atividade, propomos um trabalho de leituras, para conhecer várias

versões da fábula “A Cigarra e a Formiga”. Uma versão de Esopo, duas versões

diferentes de Monteiro Lobato, uma versão com a Formiga boa e a outra com a má,

história em mp3 de autor desconhecido e um vídeo. Com o objetivo de analisar as

diferenças entre elas, propomos atividades abordando conteúdo temático,

construção composicional e as marcas linguístico- enunciativas.

Na penúltima e última atividade, apresentamos duas fábulas “O pequeno

Hércules” e “Um cavalinho diferente”, de Simone Pessoa (2011), que revelam vários

valores da sociedade contemporânea. Valores que atualmente, às vezes, são ditos

nas entrelinhas de diferentes e criativas formas e linguagens.

“Um cavalinho diferente” é uma fábula contemporânea de extensão longa, por

isso fizemos uma leitura em forma de narração dramatizada, a fim de que o texto se

tornasse mais atrativo, motivando a compreensão.

Durante a realização das atividades, observamos ótimo envolvimento e

interação dos alunos, principalmente nas atividades que apresentaram fábulas

contemporâneas e vídeo. Avaliamos que, por serem fábulas diferenciadas em vários

aspectos das tradicionais, que os alunos já conheciam, as contemporâneas

despertaram significativamente o interesse dos alunos; era um gênero ainda

desconhecido. Dessa forma, por meio dos textos pertencentes ao gênero em pauta,

foi possível gerar debates, inferências, opiniões, contrapalavras, criando situações

de aprendizagem colaborativas, que propiciaram a construção do conhecimento.

Mesmo com a participação ativa por parte dos alunos nas leituras e atividades

escritas, houve dificuldades nas atividades que abordam a construção composicional

e marcas linguístico-enunciativas, merecendo maior mediação pedagógica do

professor, que os instigou para a aprendizagem.

3.1.4 CATARSE

O quarto passo, a Catarse, representa uma operação fundamental; é a

síntese. “Esta é a fase em que o educando sistematiza e manifesta que assimilou,

isto é, que assemelhou a si mesmo os conteúdos e os métodos de trabalho usados

na fase anterior” (GASPARIN, 2009, p. 123).

Conforme Wachowicz (apud Gasparin, p. 125), “a Catarse „é a verdadeira

apropriação do saber por parte dos alunos‟. Isso significa que o estudante não

apenas aprendeu de cor a lição, mas constituiu para si uma nova visão da

realidade”. O aluno mostra, nesse momento, se de fato compreendeu ou não os

conteúdos trabalhados e se expressa em um novo patamar, mais consistente e

estruturado. É o momento de verificar se o conteúdo foi assimilado.

Para mensurar o novo nível de aprendizagem dos alunos, propomos cinco

diferentes atividades, envolvendo as práticas de leitura e produção de texto.

Na primeira atividade, levamos os alunos à biblioteca da escola e ao

laboratório de informática para pesquisarem e lerem uma fábula de sua preferência.

Em seguida, pedimos que digitassem ou copiassem essa fábula e fizessem a leitura

aos colegas. Feito isso, solicitamos aos alunos que respondessem às questões

propostas, as quais abordavam o conteúdo temático, a construção composicional e

as marcas linguístico- enunciativas do gênero em pauta. Na sequência, os discentes

fixaram, em um mural, os textos copiados e digitados sobre os nomes dos diferentes

fabulistas pesquisados.

Na terceira atividade, solicitamos a produção de uma fábula. Para isso, os

alunos deveriam imaginar ou relembrar uma situação do seu cotidiano, como, por

exemplo, o caso de uma pessoa que eles conheciam que foi egoísta, mentirosa,

violenta, ou fofoqueira com outra e por um desses motivos perdeu amigos e se deu

mal. Frisamos que, nas fábulas, os personagens, embora possuam características

humanas, são sempre animais. Nessa direção, os alunos escolheram animais como

personagens das histórias imaginadas ou lembradas. Imaginaram o cenário da

história. Criaram uma situação inicial, um problema e a resolução do problema e

finalizaram a fábula, escrevendo uma “Moral da história” de acordo com a história

narrada, transmitindo um ensinamento.

O trabalho de produção foi bastante produtivo. Percebemos que a motivação

foi mantida durante todas as etapas da implementação, à medida que as propostas

foram bem aceitas. Todavia, percebemos algumas dificuldades em vários alunos

quanto à escrita e à organização do texto, sendo necessário um trabalho

individualizado a cada um desses alunos, com atividades extraclasse.

Mas mesmo com as dificuldades apresentadas, o resultado foi satisfatório,

como podemos observar, por exemplo, no texto abaixo:

“Em uma escola havia animais de várias espécies em uma mesma

sala. Nessa escola existia uma cobra jiboia que era intrigante e mentirosa,

que sempre aprontava com o coelho, a ursa, a gata malhada, a

cachorrinha Lili e outros bichos de sua sala.

Quando a cobra coral chegou à escola, encontrou a cobra jiboia e

disse a ela:

- Você é uma mentirosa! Não se arrepende e se envergonha em

mentir tanto assim?

- Eu não menti nada!

- Mentiu que o coelho falou que não iria conversar com o urubu, só

porque ele era negro. Para a ursa, você disse que a gata malhada não

queria a amizade dela, porque rica e metida. E para a cachorrinha Lili,

disse que seus pais estavam em uma cachoeira, correndo risco de vida.

Ela foi até lá e tudo estava tranquilo. Mentiu aos meus irmãos que tinha

que levá-los a um passeio a meu pedido. Mas o coelho ouviu, pressentiu

que era mentira e aconselhou-os a não ir.

- Ah! E você mentiu também para todos os animais que era seu

aniversário e pediu para comprarem presentes. No dia seguinte estava na

rua, vendendo os presentes que lhe deram.

- Claro que não.

- Você ainda nega suas mentiras?

- Eu nunca menti.

A cobra jiboia continuou a mentir e depois de certo tempo, os

animais que eram seus amigos, cansaram de suas mentiras e foram

afastando-se dela.

Com isso a cobra jiboia começou a ficar solitária e doente, porque

ninguém queria sua amizade. Então ela resolveu chamar a bicharada e

falou:

- Me desculpe pelas mentiras que contei, eu preciso da amizade de

vocês.

Eles aceitaram as desculpas da cobra jiboia, mas não conseguiam

acreditar mais nela.

Um dia a cobra jiboia ficou doente e viu o coelho passando por perto

dela e pediu ajuda, dizendo que se ele não a ajudasse a ter amigos, ela

iria morrer. Mas o coelho não acreditou, pois ela sempre mentia.

Pela solidão, foi ficando doente cada vez mais. Alguns anos depois,

ela morreu só e abandonada por todos. Mesmo desta vez estando falando

a verdade, ninguém acreditou”.

Moral: Quem muito mente, só acaba na pior.

Por meio desse exemplo, é possível perceber que o aluno apropriou-se das

características do gênero fábula, conseguindo construir uma história, no plano

ficcional, que, por meio de animais, transmite um ensinamento aos homens: a

mentira pode fazer as pessoas perderem as amizades. Avaliamos que o aluno

escolheu abordar esse tema por considerá-lo significativo em suas relações

interpessoais. A moral apresentada, de forma explícita, evidencia a reflexão crítica e

criativa empreendida pelo discente, que poderá levá-lo, em sua prática social, a ter

mais respeito com o próximo.

Na penúltima atividade, propomos aos alunos um trabalho de revisão da

produção da fábula e também de compreensão da revisão como um processo

natural e constante da atividade de escrita. Os critérios foram apresentados em uma

tabela, baseados em Fernandes (2001). Os alunos fizeram, com a nossa mediação,

todas as adequações necessárias e entregaram o texto para a avaliação final.

A última atividade foi de ilustração da fábula. Os alunos que não possuíam

aptidão para o trabalho artístico foram orientados a fazer colagens, usando recortes

de gravuras. Nesta etapa, os alunos manifestaram boa assimilação dos conteúdos,

evidenciando um novo nível de aprendizado.

3.1.5 PRÁTICA SOCIAL FINAL DO CONTEÚDO

Finalmente, o quinto passo, Prática Social Final do Conteúdo, evidencia “o

novo agir do educando, seu retorno à pratica inicial, vista agora de uma nova

perspectiva, uma vez que passou pelo estudo teórico, implicando uma nova forma

de ação, unindo teoria e prática”. (GASPARIN, 2009, p. 10).

Saviani (1999) assinala que a Prática Social inicial e a Final, são a mesma,

quando se constituem:

O suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. (E não são a mesma prática) se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática social, é lícito concluir que a própria pratica social se alterou qualitativamente (apud Gasparin 2009, p.139).

Assim, o último passo da metodologia é caracterizado pelo retorno do

educando à prática social, a transposição do teórico para o prático, já que adquiriu

novos conceitos. Ele consiste em uma nova proposta de ação a partir do conteúdo

sistematizado.

A partir do gênero estudado, os alunos confeccionaram um fabulário e, por

meio das lições de moral ou provérbios que escreveram e leram nas fábulas,

poderão desenvolver a criticidade, tornando-se pessoas mais conscientes e

reflexivas, cidadãos ativos na sociedade atual.

Por meio da implementação, percebemos a importância de um projeto bem

elaborado, com o qual o professor se comprometa, de fato, em despertar, no aluno,

o gosto pela leitura e escrita, concebidas como práticas sociais.

O trabalho com fábulas desencadeou múltiplos debates, resgatando valores,

muitas vezes, relegados a um plano inferior na fluida sociedade atual, como, por

exemplo, a ética, a cidadania, a responsabilidade e o respeito ao próximo. Princípios

estes que, para além das atividades de leitura, foram ressignificados na prática de

produção textual e de análise linguística, as marcas linguístico-enunciativas

mobilizadas pelo enunciador para a construção dos efeitos de sentido.

Imprescindível destacar que a intervenção em sala de aula fez aflorar, de

forma mais acentuada, a necessidade de se compreender que todo planejamento,

por mais bem delineado que esteja, deve ser flexível à realidade de cada contexto

de interação.

Pelo caráter interativo e ético da proposta, que permitiu e considerou as vozes

sociais dos sujeitos da interação, houve uma participação ativa da maior parte dos

alunos, na realização das atividades de todas as etapas do PTD gaspariniano.

Dessa forma, houve uma efetiva assimilação dos conteúdos trabalhados.

O envolvimento discente no desenrolar das atividades permitiu a constatação

de que a fábula ainda se revela um instrumento motivador do ensino-aprendizagem

de língua portuguesa. De forma processual, os conhecimentos espontâneos dos

discentes, considerados na prática social inicial do conteúdo, foram

ampliados/ressignificados, transformando-se em conhecimentos sistematizados,

teorizados.

Por fim, ficou evidente o novo agir do educando, seu retorno à pratica inicial,

visto agora de uma nova perspectiva, implicando uma nova forma de ação nos

relacionamentos. Dessa forma, acreditamos que as ações dos discentes dentro e

fora da escola sejam, de fato, mais a críticas e solidárias para com seus colegas,

professores, funcionários da escola e familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que uma proposta metodológica, tendo o gênero discursivo

fábula como eixo articulador deverá fazer parte do plano de trabalho docente do

professor, principalmente no 5º/6º ano do ensino fundamental, embasado na

proposta de transposição didática elaborada por João Luiz Gasparin (2009).

Por se fundamentar na Pedagogia Histórico-Crítica, o Plano de Trabalho

Docente propicia um trabalho pedagógico de cunho includente e emancipador, à

medida que a pedagogia histórico-crítica vê a educação como mediação da prática

social. (PARANÁ, 2008, p. 45). Nesse sentido, constatamos que não basta

conhecermos teoricamente a proposta, é necessário assumirmos e dominarmos uma

nova prática pedagógica. Percurso no qual o docente exerce a função de mediador

de ações cuja crescente complexidade segue em direção à desejável proficiência da

leitura e escrita.

As estratégias aqui propostas envolveram o educando numa aprendizagem

significativa dos conteúdos, pois propiciou mais motivação para a leitura, análise

linguística e escrita de fábulas, despertando o pensamento reflexivo e crítico dos

alunos. Por meio da implementação em pauta, aluno e professor tornaram-se

parceiros da interação efetivada em sala de aula, ressignificando as relações

interpessoais dos sujeitos da educação.

Finalizando este trabalho, ressaltamos que o Plano de Trabalho Docente

poderá ser mobilizado para abordagem de diferentes gêneros do discurso, assim

como nas demais áreas do conhecimento.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, I. Aula de português: Encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. CAPPARELLI, S. 30 fábulas contemporâneas para crianças. 2ª. ed. Porto Alegre – Rio Grande do Sul : L&PM Editores, 2011. DOLZ, J. et al. Gêneros orais e escritos na escola/ tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. FERNANDES, M. T. O. S. Trabalhando com os gêneros do discurso: narrar: Fábula. São Paulo: FTD, 2001. FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. GASPARIN, J. L. Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 5. ed. Campinas - São Paulo: Autores Associados, 2009. PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica - Língua Portuguesa. Curitiba, SEED, 2008. PESSOA, S. O pequeno Hércules e outras fábulas contemporâneas. Fortaleza-Ceará: Armazém da Cultura, 2011. SILVA, E. T. A produção da leitura na escola: pesquisa x propostas. São Paulo: Ática, 2004. SOARES, M. B. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1993. SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

Site acessado

http://sugestoescolaresdiversas.blogspot.com.br/2011/03/o-rato-do-campo-e-o-rato-da-cidade.html. Acesso em 14 de novembro de2013.