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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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JOGOS E MANIFESTAÇÕES CORPORAIS DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA E

AFRICANA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Autor: Reginaldo da Silva1

Orientador: Gustavo André Borges2

RESUMO: O artigo apresenta uma breve reflexão sobre os jogos e as manifestações corporais da cultura afro-brasileira e africana no contexto da Educação Física escolar. O intuito foi desenvolver uma proposta educacional de modo que houvesse uma integração entre a valorização da cultura afro-brasileira vinculada às atividades corporais de movimento. A cultura africana possui grande influência na cultura brasileira, visto ao processo histórico de imigração de escravos africanos, contribuindo no enriquecimento cultural da nossa sociedade. No entanto, diante do processo de libertação da escravatura, os afrodescendentes sofreram uma marginalização social, o que gerou e ainda tem gerado inúmeras formas de preconceito. A intervenção proposta mediante as pesquisas qualitativa e quantitativa teve por objetivo apresentar a contribuição desses povos e principalmente a contribuição das práticas corporais dentro do contexto escolar na disciplina de Educação Física. Palavras-chave: Cultura Africana; Cultura Afro-Brasileira; Educação Física; Jogos.

1 Pós- graduação: Especialização em Didática – Fundamentos Teóricos da Prática Pedagógica (pela

Faculdade de Educação São Luís), Especialização em Educação Especial (pela FACEL), Graduação em Educação Física (pela FAEFIJA), Professor QPM de Educação Física no Colégio Estadual Ângelo Antônio Benedet. Ensino Fundamental II e Médio. E-mail: [email protected]. 2 Professor Adjunto do Centro de Ciências Humanas, Educação e Letras da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná (UNIOESTE). Orientador do Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Educação do Estado do Paraná (SEED/PR)

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1. Introdução

A formação do povo brasileiro é originada pela miscigenação de diferentes

povos e etnias de todo o mundo e dos povos indígenas, que aqui estavam antes

mesmo do processo colonizador e migratório. Depois da colonização dos

portugueses, diferentes povos africanos vieram pelo processo escravagista, por

quase três séculos. Com a abolição da escravatura, no final do século XIX,

imigraram para o Brasil diferentes povos europeus e asiáticos.

Contudo, devido aos povos africanos chegarem ao Brasil pela força da

escravização, esses povos e seus descendentes nascidos no Brasil, os afro-

brasileiros, se tornaram extremamente estigmatizados pelas classes burguesas,

sofrendo ao final do século XIX e durante todo o século XX um preconceito racial e

cultural, além da discriminação de classes sociais, comum em países capitalistas.

Para Souza (2006, p. 47), “a escravidão é: (...) situação na qual o escravo não

é visto como membro completo da sociedade em que vive, mas como ser inferior e

sem direitos (...)”. Assim, os resquícios de preconceito duraram e perduram até a

atualidade. No entanto, para a formação do povo e da cultura brasileira, não há

como negar a importância das culturas africanas e da sua contribuição para a

miscigenação do nosso povo.

A escola tem um importante papel na discussão do reconhecimento pelos

povos não afrodescendentes dessa importância. Portanto, é na escola que deverá

haver o (re) conhecimento e a valorização dos povos negro-africanos no

desenvolvimento social e na formação da cultura brasileira.

Para tanto, uma lei federal (Lei n° 10.639/2003), alterou a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Brasileira n° 9.394/1996, para incluir no currículo oficial da Rede

de Ensino pública e privada a obrigatoriedade da introdução da temática "História e

Cultura Afro-Brasileira" nas disciplinas curriculares da escola. Embora a publicação

da Lei, a temática ainda não é realidade no chão escolar. Os professores e alunos,

por não conhecerem a fundo esse tema, ou por temor a reações negativas ao

mesmo, preferem não abordar esse assunto.

Apesar da lei não ser uma realidade cotidiana das escolas, não se pode negar

que a formação da cultura brasileira está intimamente ligada à história do negro no

Brasil. Por exemplo, observa-se que vários jogos, brincadeiras, comidas, temperos,

ritmos, músicas, danças, compõem um vasto espólio cultural brasileiro, que

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descendem diretamente deste povo quando foram trazidos de suas terras na África.

Assim, a escola tem a obrigação moral, além da legal, de elencar e valorizar todas

essas absorções e conquistas desses povos na formação da nossa cultura, a fim de

diminuir, e até mesmo erradicar, os preconceitos e desigualdades observadas desde

o fim da escravidão.

2. Os jogos e as brincadeiras de origem africana nas aulas de Educação Física

Para Huizinga, o jogo é uma:

Atividade livre, conscientemente tomada como „não séria‟ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticado dentro de limites espaciais e temporais próprios, seguindo uma certa ordem e certas regras (1971, p.16).

Sob este ponto de vista, pode-se observar que os jogos, assim como as

manifestações corporais, são atividades que envolvem o jogador em sua totalidade,

atribuindo ao mesmo tempo que de forma lúdica, regras que fazem com que o

mesmo as cumpra e obedeça.

A partir desse princípio, fora interessante pesquisar e conhecer jogos e

manifestações corporais que tem sua origem vinculada à cultura africana e

consequentemente à brasileira e transpô-las para uma intervenção dentro da

disciplina de Educação Física. Já que diferentemente das outras disciplinas

curriculares, essa permite contato corporal e principalmente afetivo entre os jovens.

Podendo então, ser utilizada como ferramenta no combate a todo tipo de

discriminação, especificamente ao elencado, o racial.

A cultura africana é possuidora de um riquíssimo ornamento lúdico, podendo

citar jogos tais como: Kebeto, Kukulo, Labirinto, Mankala, entre outras, e, ainda

manifestações como a Capoeira, as Danças, enfim, variadas propostas.

O jogo africano Mancala é também conhecido como o pai dos jogos, originário

do Egito e criado a aproximadamente cerca de 7.000 anos. Antes conhecido e

jogado somente pelos africanos e hoje difuso em todos os continentes e praticado

por muitos, apreciadores, educadores de escolas e universidades. Seu nome, assim

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como as regras podem variar de um local para outro, porém a dinâmica é sempre a

mesma.

Em seus primórdios, esse jogo era caracterizado por um sentido mágico,

diretamente ligado a rituais sagrados, direcionado somente aos homens e aos

sacerdotes. Atualmente, esse caráter mágico e religioso fora perdido, a não ser para

os Alladians3, da Costa do Marfim, que ainda mantêm o sentido religioso, podendo

somente ser jogado Mancala à luz do sol, pois a noite, são os deuses que fazem uso

dos tabuleiros.

Esse jogo possui estratégias relacionadas à semeadura, pois foi inspirado em

técnicas agrícolas de semeadura e colheita, justificando mesmo a origem da palavra

que vem do árabe nagaala, ou seja, mover. Tendo como base um tabuleiro com

cavidades, que se dividem em duas ou quatro fileiras é utilizado sementes para o

jogo, sendo de feijões ou até mesmo pedras ou outros adereços pertinentes. O

movimento das sementes pelo tabuleiro é direcionado a partir de um processo de

semeadura, tendo por objetivo capturar o maior número de sementes.

O Mancala é um jogo que exige muita agilidade ao pensar devido a finalidade

de criar estratégias e de fazer boas jogadas. Para muitos, esse jogo compete em

complexidade com o xadrez, devido a uma dinâmica de atualização de jogadas. O

Mancala, além de ser um possuidor de grande historicidade, também oferece

enorme potencial de aprendizagem e principalmente raciocínio.

A partir disto, foi desenvolvido um projeto de intervenção pedagógica no

Colégio Estadual Ângelo Antônio Benedet – Ensino Fundamental e Médio, cujo

objetivo foi desenvolver o conteúdo de jogos africanos para os alunos do 9º ano do

ensino fundamental. A esses jogos e manifestações corporais das diferentes

culturas africanas foram propiciadas às aulas de Educação Física, como forma de

conhecimento e possível desconstrução de uma visão preconceituosa que abrange

grande parte da sociedade sobre o continente africano.

3. Desenvolvimento A implementação do projeto de intervenção na escola, foi iniciada com a

apresentação ao corpo docente, equipe pedagógica e professores, sobre a proposta

3 Alladians – tribo da Costa do Marfim que utilizava a mancala para nomear o sucessor do rei, quando

este morria. Forma de privilegiar a inteligência do novo líder.

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a ser desenvolvida com os estudantes. A propósito, o projeto foi muito bem aceito,

visto que o assunto abordado é pertinente ao cotidiano e currículo escolar, assim

como a necessidade de trabalhar com a temática da cultura africana e afro-brasileira

em sala de aula; e, consequentemente ajudar no combate ao preconceito racial e

social dentro da nossa sociedade.

É cabível salientar que a sociedade ocidental contemporânea, a qual estamos

integrados, vive uma afirmação das culturas tradicionais, como necessidade de

modificar pensamentos racionais advindos com a modernidade e principalmente de

preconceitos e discriminação iniciadas em épocas passadas e cristalizadas com o

tempo. Nesse momento é como se houvesse uma necessidade de humanizar o

homem que se perdeu mediante a metáfora do “ter” em uma era capitalista. Vive-se

um estágio de observar o outro e sua cultura de modo diferenciado, acolhendo-o e

não o afastando como durante a muito fora feito.

Segundo Silva (2012, p. 5), em uma observação sobre a sociedade e a

variação de pensamentos e ideologias, “o elemento principal da modernidade era o

racionalismo, enquanto que o elemento principal da pós-modernidade ou

contemporaneidade converte-se no ser sensível”. A partir dessas transfigurações

dos pensamentos sociais, a sociedade atual busca por um novo paradigma, no qual

Maffesoli, sociólogo e pensador francês, apud Santos, afirma que:

A modernidade elaborou um pensamento do cérebro e agora eu digo que é necessário um pensamento com a força do ventre. Essa metáfora do ventre remete à realidade social e ao que estamos vivendo. É preciso refletir essa conjunção da razão e dos sentidos. É isso o novo paradigma (2002, p. 6).

Esse novo paradigma, ao qual Maffesoli se refere, compete para também à

valorização e aceitação da cultura africana e afro-brasileira em nossa sociedade.

Como percebido durante a apresentação do projeto de intervenção, pode-se

ressaltar que ainda falta informação e há conceitos destorcidos de muitos docentes

para com essas culturas. Mesmo assim, encontrei grande interesse por parte de

professores e funcionários em conhecer o assunto melhor e ajudar na

implementação do projeto.

O segundo momento da implementação foi a escolha da turma, a qual optou-

se pelo 9º ano. A proposta foi recebida com muito interesse e todos se

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comprometeram a envolverem-se ao máximo para o sucesso do trabalho.

Inicialmente fez-se uma sondagem entre os alunos dessa turma sobre o

conhecimento que os mesmos obtinham a respeito da história do negro no Brasil,

até mesmo para saber em qual nível de conhecimento perante o assunto eles

estavam. Surpreendentemente, foi perceber que muitos não possuíam nenhuma

noção sobre a real história do negro em terras brasileiras, e, ainda estavam

imbuídos de preconceitos reproduzidos ao longo da história, passados de geração

em geração, com a única finalidade de negar o espaço, que é de direito do afro-

brasileiro também.

Paralelo ao processo de sondagem, também foi marcada uma reunião com os

pais dos alunos dessa turma, como forma de integração da sociedade com a

comunidade escolar; e, especialmente para que os pais tivessem conhecimento

sobre o assunto e fortalecesse o desenvolver do projeto. No entanto, esse primeiro

encontro não teve sucesso, pois poucos compareceram.

Mesmo diante do insucesso em relação aos pais, é pertinente fazer uma

ressalva, o desenvolver do projeto pôde contar com o apoio dos professores das

disciplinas de Arte, História e Geografia, num processo interdisciplinar.

Figura 1 - Elaboração de máscaras africanas na disciplina de Arte (Fonte: Arquivo

pessoal).

Diante da proposta didático-pedagógica posto em prática a primeira atividade

competiu a um questionário com questões sobre o continente africano, a chegada e

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a permanência desse povo no Brasil. A atividade de sondagem já citada teve a

finalidade de visualizar o nível de conhecimento da turma para com o assunto. Fora

então aplicado as seguintes questões:

O Continente Africano, te faz lembrar do quê?

“Muitos bichos e pobreza”.

Cite alguns países do Continente Africano.

“Lá só tem a África”.

Você conhece algum jogo ou brincadeira de origem do continente Africano?

“Capoeira”.

Na sua escola existe preconceito ou discriminação racial?

“Não, aqui somos todos iguais”.

Mediante as respostas, ficou visível observar a falta de conhecimento dos

alunos sobre a temática. Os alunos que por sua vez detinham pouco conhecimento

sobre o continente africano, sua cultura e sua influência na sociedade brasileira, do

momento que iniciaram as atividades propostas foram construindo e ampliando seu

conhecimento.

Neste momento, aproveitei para abranger a questão étnico-racial e expliquei

que a África possui pessoas com a cor da pele branca também, e, salientei que não

devemos nunca generalizar nada, primeiro devemos buscar ter conhecimento sobre

o assunto em questão. Outros ainda, numa roda de discussão sobre o vídeo

ressaltaram que achavam que na África só tinham escravos, que não sabiam que

haviam negros com outras funções sociais como: reis, rainhas, princesas,

comerciantes, professores, entre outros. Este foi o princípio no qual, alguns alunos

começaram a perceber o continente africano em relação a parte física, social e

cultural.

A partir das respostas obtidas por meio do questionário, a segunda atividade

foi passar um vídeo, no qual apresentava a beleza, riqueza, história e cultura do

continente Africano. A finalidade a partir desse momento era quebrar o horizonte de

expectativas dos alunos, como forma de desconstruir os conceitos precipitados

sobre a história desse povo. Por exemplo, a atividade que visava o vídeo apresentou

para os estudantes uma África diferenciada dos resquícios de preconceitos que

obtinham. Um aluno fez o seguinte questionamento durante a aula: “Professor mais

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na África também tem gente branca? ”. Um segundo aluno ficou abismado ao saber

que o Egito era um país africano. “Mas como pode, toda vez que assisto ou vejo no

livro alguma coisa sobre o Egito só tem gente branca e rica! Achei que todo o

continente africano fosse negro e pobre! ”

Figura 2 - Imagem representativa da cultura africana4

Outra atividade envolveu a produção de um trabalho de pesquisa, em que

cada grupo escolheu um país do continente africano para nominar seu grupo e

pesquisar sobre ele. Assim, uma pesquisa com apresentação de cartazes sobre

países do continente africano enfatizando cultura, povo, jogos, brincadeiras, danças,

religião, ritmo e personalidades, pôde abranger melhor essa esfera sobre o

continente africano e apresentar as contribuições culturais desse povo para a cultura

brasileira. Cada grupo de alunos pesquisou sobre um país e tiveram que apresentar

para os outros grupos essas especificidades, como por exemplo, falaram sobre

comidas típicas do continente africano e que são cultivadas no Brasil. Aproveitando

o espaço desencadeei o assunto afunilando para personalidades negras na

formação histórica e cultural brasileira e possíveis contribuições na área da

Educação Física. Neste momento, os meninos relacionaram as personalidades

brasileiras negras ao esporte, surgindo assim nomes como o de Pelé. É interessante

observar que a visão desses adolescentes é circuncidada pelo esporte ou então à

4Fonte:<https://www.google.com.br/search?q=imagens+sobre+a+africa&biw=1366&bih=667&sou

rce=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj4pMSn5rPJAhXNK5AKHetoAFEQ_AUIBigB#tbm=isch&q=imagens+nova+africa+diversidade+cultural&imgrc=gGCMoYerVe3fhM%3ª>; 2015.

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música somente, eles não conseguem alavancar para áreas como da política,

literatura, pintura, entre outros.

Após trabalho realizado, os grupos fizeram a apresentação com cartazes,

para que todos pudessem compartilhar o conhecimento sobre cada país africano

escolhido e consequentemente um pouco mais do continente africano.

Com essa proposta didática, os alunos puderam ampliar seu conhecimento

histórico e cultural sobre a África e ainda, criar uma ponte lógica sobre os variados

jogos, brincadeiras, danças e ritmos que são parecidos ou já conhecidos pelos

mesmos, porém no Brasil. Isso fez com que repensassem sobre as origens de

alguns jogos e brincadeiras praticadas aqui.

Nesta etapa do trabalho ainda, após o embasamento teórico pesquisado,

houve a confecção e apresentação de jogos, fatos importantes e brincadeiras da

cultura africana.

Figura 3 - Destaques de personalidades negras pesquisado e apresentado por um

dos grupos de alunos (Fonte: Arquivo pessoal).

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Figura 4 - Destaques de personalidades negras pesquisado e apresentado por outro

dos grupos de alunos (Fonte: Arquivo pessoal).

Na sequência das atividades, o próximo passo foi conhecer um pouco mais

sobre o principal jogo, elencado pelo projeto de intervenção a Mancala. Novamente,

foi optado pela didática da pesquisa, pois assim, os alunos trabalham a prática de

pesquisadores de seus conhecimentos, enquanto tem o professor como mediador

dos mesmos.

Após a pesquisa, foi feito uma roda de discussão, para que os alunos

entendessem melhor a dinâmica do jogo e regras. Dando continuidade, estes

partiram para confecção dos tabuleiros que foram confeccionados em casa. Os

estudantes criaram os tabuleiros de materiais diversificados, tais como a madeira,

isopor, plástico e cimento. A escolha partiu de cada grupo, de acordo com o que

achavam que seria propício a eles.

Segue o depoimento de uma aluna sobre o jogo “é melhor do que jogar

xadrez, é mais prazeroso e menos complexo”. No entanto, muitos pontos negativos

sobre um todo podem ser apontados no decorrer do desenvolvimento do projeto,

como a falta de interesse dos pais em relação à educação dos filhos, lembrando que

fora marcada uma reunião para apresentar o projeto e poucos apareceram; e, a falta

de interesse por parte de professores de outras disciplinas que poderiam agregar ao

projeto e ao conhecimento dos alunos maior abrangência. Um professor quando

convidado à interdisciplinaridade ao projeto disse “não tenho tempo para fazer essas

coisas, minhas aulas são pelo livro didático mesmo”.

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Terminado o tabuleiro, os alunos o levaram para a sala de aula e colocaram

em prática o jogo. Puderam conhecer na prática as regras e consequentemente

desenvolver ou aprimorar a habilidade lógica, contribuindo para a aprendizagem dos

próprios.

A partir desse momento, houve ainda um processo de socialização do jogo

Mancala com toda a escola, em que os alunos do 9º ano passaram a ensinar os

colegas no intervalo. Além de todo conhecimento sobre a cultura africana e afro-

brasileira adquirido por essa turma, também puderam enriquecer suas práticas de

aprendizagem e principalmente mobilizar mais alunos para em torno do projeto.

Nesse momento, foi aproveitado que a escola se preparava para uma reunião

pedagógica, em que os pais dos alunos do 9º ano estariam presentes e foi proposto

uma exposição do projeto. O objetivo maior era desconstruir o conhecimento que

alguns pais possuíam sobre a cultura africana e afro-brasileira, já que os filhos já

haviam passado por esse processo.

Figura 5 - Confecção dos tabuleiros de Mancala pelos estudantes (Fonte: Arquivo

pessoal).

Como complemento da intervenção, ainda houve uma palestra e

apresentação de um grupo de capoeira. As apresentações serviram para que

pudessem ver de perto um dos símbolos da resistência do povo negro durante o

período de escravização no Brasil, que é a capoeira, e vivenciassem o ritmo da

batida africana.

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Na palestra sobre capoeira fora apresentado conceitos sobre a temática

enfatizando suas verdadeiras raízes e desmitificando concepções equivocadas

desenvolvidas durante o tempo. Já que é importante compreender que a capoeira é

uma manifestação cultural afro-brasileira criada pelos escravos negros que a

utilizavam lutando contra toda a opressão que sofriam. No entanto, a mesma é

composta de vários elementos como a musicalidade, a religiosidade, movimentos

acrobáticos, e assim muitos a denominam como jogo, luta ou mesmo dança.

O palestrante optou por apresentar primeiramente uma visão física e cultural

do continente africano e após mostrou o percurso da capoeira e sua possível divisão

em “Capoeira Regional” e “Capoeira Angola” visando suas semelhanças e

diferenças. Terminada a fala e exposição do palestrante, os alunos puderam assistir

a tais apresentações e consequentemente puderam aprender alguns movimentos.

Diante de todo o processo dirigido do projeto desde os estudos teóricos à

prática é possível salientar que tudo ocorreu dentro do previsto. No entanto, é

cabível enfatizar os resultados obtidos tanto no decorrer, quanto no final da

intervenção com vistas que houve mais pontos positivos do que negativos.

O início da aplicação do projeto nos causou uma certa preocupação, pois

percebemos a falta de conhecimento tanto dos alunos, pais e até mesmo alguns

professores sobre as culturas africanas e a própria cultura afro-brasileira, já que

todos, de certa forma, descendem da mesma. É interessante observar como o ser

humano é provido de preconceitos sobre qualquer e toda situação ou tema. Fora

possível perceber que os alunos, por exemplo, sabiam enfatizar a questão do

preconceito racial, mas não percebiam como eles estavam imbuídos de conceitos

preconceituosos e de muita falta de informação.

Com a primeira atividade desenvolvida, numa abordagem diagnostica, pôde-

se observar a superficialidade que tinham em relação à temática. E a partir disso, foi

possível saber o que deveria ser feito como forma de abrir o horizonte de

expectativas deles, mediante ao conhecimento sobre o continente africano e todo o

processo escravagista e consequentemente a fusão da cultura afro e brasileira.

Após essa etapa inicial, donde os estudantes já apresentavam um certo nível

de conhecimento sobre o tema, foi posto em prática toda a proposta da intervenção

de construir o material para jogar “Mancala”. O mais importante no desenvolvimento

do projeto foi constatar que muitos paradigmas foram quebrados, principalmente o

do preconceito étnico-racial. Com o decorrer das aulas práticas de “Mancala”, os

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alunos se envolveram e passaram a levar o conhecimento do que haviam aprendido

uns para os outros.

Os resultados obtidos com o projeto, de maneira geral foram satisfatórios.

Todos os alunos da turma do 9º ano se envolveram com a proposta e essa foi uma

experiência na qual pode-se evidenciar que uma semente foi semeada e cultivada

tanto para os alunos quanto para os professores que aderiram ao trabalho numa

proposta interdisciplinar e a todos aqueles que direta ou indiretamente envolveram-

se. Trabalhar a temática, cultura africana, em sala de aula é vivenciar a construção

de uma mudança humanitária. Já que a educação escolar:

Deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a diferença entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é preciso valorizá-las para garantir a democracia que, entre outros, significa respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características próprias e individualizadoras; que buscar soluções e fazê-las vigorar é uma questão de direitos humanos e cidadania. (Lopes, 2001, p. 188)

É importante ressaltar algumas situações e depoimentos decorrentes na

desenvoltura do trabalho. O primeiro ocorreu quando foi apresentado o projeto para

os professores e uma professora ao tentar se integrar ao assunto disse: “mas eu não

sou racista, até trato tal aluno (negro) igual aos outros”.

Foi então que aproveitei seu apontamento e discursei sobre o preconceito

intrínseco que muitas vezes achamos não possuir. A fala da professora foi

preconceituosa, pois ela se referia a um aluno negro, que possui um forte odor e o

mesmo fora orientado pela equipe pedagógica em relação a possuir um cheiro mais

forte, para que fizesse uma higiene íntima adequada para ir à escola e relacionar-se

bem em sociedade. A professora então referiu-se ao mesmo rotulando-o e

relacionando o odor à cor da pele, dizendo “[...] até o trato igual”, como que se ele

não merecesse o devido respeito como os demais, independentemente da cor de

sua pele. Esse foi um episódio que marca a falta de compreensão pelos nossos

próprios atos, o preconceito muitas vezes está imbuído em nós e nem percebemos.

Outra situação que me chamou muita atenção, foi quando outra professora,

ao adentrar na sala que estava sendo desenvolvido o projeto, disse: “como vocês

estão bonitos”! Uma aluna negra agradeceu o elogio. Foi quando um outro aluno em

tom alto disse: “para essa ficar bonita vai um balde de tinta branca”! A professora

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que presenciou a situação não soube o que fazer, como agir naquele momento

sobre aquele ato que era racista e ignorou o ocorrido, atitude que muitas vezes

temos. Nessa situação, os alunos puderam perceber que muitas vezes aquilo que

consideram brincadeiras, são na verdade atos racistas, e, assim puderam observar o

processo de marginalização social que seus colegas afrodescendentes sofrem,

desvelando preconceitos.

4. Considerações Finais

A proposta educacional apresentada neste projeto, que visava a integração

entre a valorização da cultura afro-brasileira às atividades corporais do movimento

na disciplina de Educação Física, fora enriquecedora tanto para os alunos quanto

para a comunidade escolar envolvida. Todos puderam assimilar a contribuição

cultural dos povos africanos e afro-brasileiros para a constituição da cultura

brasileira.

A partir do estudo sobre a Mancala fora possível relacionar a cultura afro-

brasileira à Educação Física visando a cultura corporal do movimento. O aspecto

mais importante foi o de conseguir que toda a turma se envolvesse na construção do

tabuleiro e interagissem entre eles e com outros alunos da escola, numa prática

desportiva da aula de Educação Física.

Finalmente, vale ressaltar que durante todo o processo de desenvolvimento

do projeto tivemos pontos positivos e negativos. Muitos alunos e professores

conseguiram assimilar a proposta em si, como aqueles que não construíram nenhum

saber sobre o assunto. No entanto, ainda fica aqui o respaldo de que devemos ver a

escola como potencial talvez único para reconhecer a afro descendência e acabar

com o preconceito.

Referências

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: USP, 1971.

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LOPES, Vera Neusa. Racismo, Preconceito e Discriminação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001. RANGEL, Irene Conceição Andrade; SILVA, Eduardo Vinicius Mota. Educação Física Escolar e multiculturalismo: possibilidades pedagógicas. Motriz, Rio Claro, v. 14, n. 2, p. 156-67, abr./jun. 2008.

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