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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · real, como a teoria de Aristóteles, a sociologia literária e a estética da recepção. As teorias literárias possibilitam variadas

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

¹Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, pós-graduada em Tecnologias Aplicadas à Educação e participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – turma 2013. ²Mestre em Mídia e Conhecimento pela UFSC, graduado em Letras Português/Francês pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná desde 1979.

O MÉTODO RECEPCIONAL COMO ALTERNATIVA PARA FORMAR LEITORES

Daisy Bonfim Faria Cardoso¹ Prof. MSc. Silvino Iagher²

RESUMO

O presente artigo apresenta os resultados obtidos na implementação do projeto de intervenção pedagógica “A leitura ampliando horizontes”, o qual buscou despertar o gosto e o prazer pela leitura de textos literários em alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual José Ermírio de Moraes. Para tanto, apresenta uma fundamentação teórica sobre a abordagem da leitura literária no contexto escolar, além de uma pesquisa bibliográfica sobre a Estética da Recepção de Jauss e o Método Recepcional, proposto por Bordini e Aguiar e sugerido pelas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do Paraná. A partir de tal teoria foi elaborada uma sequência didática de acordo com as etapas do método em questão. Para a implementação do projeto de intervenção pedagógica foram utilizados diversos gêneros textuais, como: charge, notícia, conto, poema, música e o clássico da literatura universal “Os Miseráveis”.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura literária. Formação de leitor. Método Recepcional.

1 INTRODUÇÃO

A partir da experiência de quinze anos como professora do Ensino

Fundamental, fase 2, a pesquisadora constatou que, ao chegar à escola, a maioria

dos alunos demonstra grande interesse na leitura de textos literários. No entanto,

ao longo do Ensino Fundamental, muitos alunos perdem gradativamente tal

motivação, demonstrando, em alguns casos, total aversão a esse tipo de texto.

Muitos fatores podem interferir para esse desinteresse crescente: os pais

não estimulam a leitura de textos literários, pois não vivenciam o hábito da leitura;

as práticas realizadas na escola são descontextualizadas e desmotivadoras; o

aluno está imerso num mundo onde existe a concorrência com outros meios mais

atraentes, como a televisão, o celular e o computador.

A partir das constatações da pesquisadora e da afirmação de Silva (1998),

segundo a qual “diante do desgosto e da aversão pela leitura, incorporados pelos

alunos ao longo da trajetória escolar, veremos que é urgente uma revisão de

nossas posturas e dos métodos que utilizamos para a orientação e formação de

leitores” (SILVA, 1998, p. 38), é evidente a relevância e a importância de um

projeto que tenha como finalidade intervir em tal realidade.

Além disso, percebe-se certa ausência de metodologia nessa área, pois a

atuação do professor ora é mediada pela espontaneidade e intuição, ora pela

análise estrutural do texto, enfocando apenas os elementos ou etapas, no caso

das narrativas, ou elementos formais, no caso dos poemas. Sendo que tais

práticas pedagógicas são aplicadas sem qualquer embasamento teórico.

Portanto, a finalidade principal desse estudo foi buscar um referencial

teórico capaz de embasar práticas que aproximem e motivem os alunos a serem

de fato leitores.

A principal contribuição deste estudo não foi apenas pesquisar e aplicar a

metodologia para solucionar o problema apresentado, mas, principalmente, a

socialização dos resultados, mediante o grupo de trabalho em rede e a produção

do presente artigo científico. Isso possibilita aos demais professores da área

realizar novas ações nesse sentido, seja adaptando as estratégias e material

produzido, seja na busca de novas abordagens.

Em segundo lugar, e não menos importante, teve um papel relevante para o

público-alvo da escola onde foi realizada. O objetivo principal da aplicação do

Projeto de Intervenção Pedagógica foi desenvolver estratégias para despertar o

gosto e o prazer pela leitura de textos literários em alunos do 9º ano, buscando

modificar a forma como se vem trabalhando a leitura literária nesse contexto,

transformando-a em fonte de prazer e, principalmente, como meio de percepção e

transformação da realidade.

A leitura é condição para a formação de um cidadão crítico, pois viabiliza

ao indivíduo pensar a respeito de si, de sua vida e da sociedade em que está

inserido. De acordo com Silva (1998), a leitura possibilita, pela compreensão do

presente e do passado, a transformação sociocultural futura, assim como a

participação do indivíduo na vida em sociedade. E utilizada de forma crítica e

reflexiva, como um instrumento de aquisição, transformação e produção do

conhecimento, e pode se constituir como uma forma de combate à alienação.

Dessa forma, a leitura do texto literário possibilita ao leitor crescer

pessoalmente e transformar-se politicamente, mediante a consciência de outras

possibilidades de ser e existir. “A partilha da experiência criadora, própria da

leitura da obra de arte, permite, como diz Jorge Amado, uma viagem a ‘mundos

diversos’, uma percepção mais aguçada de nossa possibilidade de transformação

da realidade” (SILVA, 1998, p. 90).

A partir de tais afirmações pode-se constatar que a leitura da literatura,

pela sua natureza e força estética, contribui de forma significativa para a formação

da pessoa, interferindo na sua forma de pensar e de encarar a vida.

A formação de leitores é papel da escola, em especial da disciplina de

Língua Portuguesa. No entanto, percebe-se que, no contexto atual, tal finalidade

não vem se efetivando. Prova disso é o baixo desempenho dos alunos em

avaliações institucionais, como: PISA, SAEB e PROVA BRASIL, e também os

índices de leitura dos brasileiros.

Diante desse cenário, o foco do projeto de intervenção foi buscar

respostas para a seguinte indagação: Como despertar o gosto e o prazer pela

leitura de textos literários em alunos do 9º ano?

A partir desse contexto, optou-se por abordar tal problema partindo do viés

da Estética da Recepção de Jauss e do Método Recepcional de Bordini e Aguiar.

Tais teorias serão abordadas ao longo da Fundamentação Teórica. Em seguida,

serão relatadas as experiências vivenciadas em sala de aula, resultantes da

implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica no Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE, realizada no primeiro semestre de 2014.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

É por meio da linguagem que o indivíduo se comunica com os demais e

assim se reconhece como homem. A linguagem verbal é a mais utilizada, entre as

demais formas de comunicação, e o livro é o documento que, registrando tal

linguagem, mediante o código escrito, conserva a expressão do conteúdo de

consciência humana individual e social de modo cumulativo.

Portanto, ao ler um texto e estabelecer elos com as manifestações

socioculturais que lhe são distantes no tempo e no espaço, o indivíduo amplia o

seu conhecimento de mundo e compreende melhor o presente e seu papel como

sujeito histórico. “O acesso aos mais variados textos, informativos e literários,

proporciona, assim, a tessitura de um universo de informações sobre a

humanidade e o mundo que gera vínculos entre o leitor e os outros homens”

(BORDINI & AGUIAR, 1993, p. 10).

Apesar de os livros de uma forma em geral propiciarem a descoberta de

sentidos, os literários o fazem de modo mais abrangente, pois como constata

Bordini e Aguiar (1993, p. 15)

A riqueza polissêmica da literatura é um campo de plena liberdade para o leitor, o que não ocorre em outros textos. Daí provém o próprio prazer da leitura, uma vez que ela mobiliza mais intensa e inteiramente a consciência do leitor, sem obrigá-lo a manter-se nas amarras do cotidiano.

A partir dessa afirmação é possível deduzir que a leitura literária

proporciona a ampliação das fronteiras existenciais, ao permitir a reconstrução do

universo simbólico das palavras e a concretização desse universo com base nas

vivências pessoais do sujeito.

Ao ler uma obra literária, o indivíduo, por meio das informações fornecidas

pelo escritor e os conteúdos de sua consciência, vai construindo imagens que se

interligam. O que demonstra que “a fruição plena do texto literário se dá na

concretização estética das significações” (BORDINI & AGUIAR, 1993, p. 16).

Para Candido (1972), a literatura é vista como arte que

transforma/humaniza o homem e a sociedade. O autor atribui à literatura três

funções: a psicológica (quando permite ao homem a fuga da realidade,

possibilitando momentos de reflexão, identificação e catarse); a formadora (ao

atuar como instrumento de educação, retratando realidades não reveladas pela

ideologia dominante); e a social (ao retratar os diversos segmentos da sociedade).

Nesse contexto, o primeiro passo para a formação de leitura é a

disponibilidade de livros próximos à realidade do leitor, que levantem questões

significativas para ele. “A familiaridade do leitor com a obra gera predisposição

para a leitura e o consequente desencadeamento do ato de ler” (BORDINI &

AGUIAR, 1993, p. 17).

No entanto, isso não significa que as leituras devam versar sempre em

torno desse universo. Silva (1998) aponta que, se considerarmos que o texto deve

remeter os leitores a referenciais de sua experiência existencial imediata, “(...) isso

pode prender o leitor em quatro paredes, fazendo-o permanecer no mundo de sua

proximidade e não possibilitando o alargamento de suas experiências através da

leitura e conhecimento de outros contextos” (SILVA, 1998, p. 55).

O autor ainda salienta que, “em certo sentido, a leitura de textos se coloca

como uma ‘janela para o mundo’. Por isso mesmo, é importante que essa janela

fique sempre aberta, possibilitando desafios cada vez maiores para a

compreensão e decisões do leitor” (SILVA, 1998, p. 56).

A partir de tais proposições, pode-se deduzir que o ato de ler acontece de

forma a desencadear o processo de identificação do sujeito com os elementos da

realidade representada, quando atende os interesses do leitor. “Por outro lado,

quando a ruptura é incisiva, instaura-se o diálogo e o consequente

questionamento das propostas inovadoras da obra lida, alargando-se o horizonte

de cultura do leitor” (BORDINI & AGUIAR, 1993, p. 26).

De acordo com as autoras, a leitura pode ser prazerosa, tanto quando há

uma identificação do leitor com a história, como quando ocorre uma apropriação

de um mundo inesperado.

O ato de ler pode ser duplamente gratificante. No contato com o conhecido fornece a facilidade da acomodação, a possibilidade de o sujeito encontrar-se no texto. Na experiência com o desconhecido, surge a descoberta de modos alternativos de ser e de viver (Bordini & Aguiar, 1993, p. 26).

A partir de tais pressupostos, Bordini & Aguiar (1993) elencam dois

princípios básicos que norteiam o ensino de literatura: o atendimento aos

interesses do leitor e a provocação de novos interesses que lhe agucem o senso

crítico e a preservação do caráter lúdico da literatura. Para tanto, é imprescindível

ao professor conhecer de forma ampla o objeto de estudo, que, nesse caso, é o

acervo de títulos da literatura com que poderá trabalhar em sala de aula.

Silva (1998, p. 22) corrobora com essa posição ao afirmar que “sem

professores que leiam, que gostem de livros, que sintam prazer na leitura, muito

dificilmente modificaremos a paisagem atual da leitura escolar”.

A metodologia de ensino é outro pré-requisito para o trabalho com o texto

literário; no entanto, é importante destacar que a escolha de um método

pressupõe determinada teoria literária, pois toda prática pedagógica está

embasada em alguns pressupostos teóricos.

Segundo uma distinção apontada por Bordini & Aguiar (1993), as mais

correntes concepções do literário podem ser agrupadas em duas classes

principais: as que valorizam o discurso linguístico e suas representações ideais,

como a estilística, a fenomenologia, o formalismo russo, o estruturalismo e a

semiologia, e as que valorizam a equivalência entre o universo criado e o universo

real, como a teoria de Aristóteles, a sociologia literária e a estética da recepção.

As teorias literárias possibilitam variadas visões do objeto de ensino do

professor – a literatura. Por meio delas, a seleção dos textos pode ser realizada,

segundo a ótica que melhor se adaptar às necessidades dos alunos e do projeto

de educação pelo qual o professor opta.

Portanto, como não é o objetivo deste trabalho descrever as diferentes

teorias literárias, vamos nos ater a explanar a respeito apenas da Estética da

Recepção de Jauss e do Método Recepcional de Bordini e Aguiar, já que essas

são as opções que sustentaram as práticas pedagógicas realizadas durante o

projeto de intervenção.

A Estética da Recepção, elaborada por Hans Robert Jauss e seus colegas

da Escola de Constança, no final da década de 60, de acordo com Zilberman

(1989), apresenta-se como uma teoria que tem como principal foco o leitor, que é

designado por Jauss de “Terceiro Estado”, e não sobre o autor e a produção.

Nesse sentido, a Estética da Recepção de Jauss encara o leitor como

principal elo do processo literário. “O leitor converte-se numa peça essencial da

obra, que só pode ser compreendida enquanto uma modalidade de comunicação”

(ZILBERMAN, 1989, p. 15).

Para Jauss et al. (1979), o estudo da literatura deve comparar o efeito atual

de uma obra de arte com o desenvolvimento histórico de suas experiências e

formar o juízo estético, com base nas duas instâncias de efeito e recepção. Nessa

perspectiva, o trabalho com a prática da leitura parte do interesse dos alunos.

As professoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar elaboraram, a

partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito, o

Método Recepcional, o qual consiste em refletir o fenômeno literário a partir da

ótica do leitor, solicitando assim a atitude participativa do aluno em contato com os

diferentes textos.

Partindo do horizonte de expectativas do grupo, em termos de interesses literários, determinados por suas vivências anteriores, o professor provoca situações que propiciem o questionamento desse horizonte. Tal atitude implicaria um distanciamento do estudante, uma vez que revisa criticamente seu próprio comportamento, redundando na ruptura do horizonte de expectativas e seu consequente alargamento. Com o ajustamento a essa nova situação, o passo seguinte é a oferta pelo professor de diferentes leituras que, por se oporem às experiências anteriores, problematizam o aluno, incitando-o a refletir e instaurando a mudança através de um processo contínuo. Como o sujeito é entendido como um ser social, sua transformação implica a alteração do comportamento de todo o grupo, atingindo a escola e a comunidade (BORDINI & AGUIAR, 1993, p. 85).

De acordo com Bordini & Aguiar (1993), a aplicação do Método Recepcional

de Jauss pressupõe os seguintes objetivos: efetuar leituras compreensivas e

críticas; ser receptivo a novos textos e a leituras de outrem; questionar as leituras

efetuadas em relação ao seu próprio horizonte cultural; transformar os próprios

horizontes de expectativas, bem como os do professor, da escola, da comunidade

familiar e social.

O Método Recepcional de Jauss compreende as seguintes etapas:

- 1ª etapa: A determinação do horizonte de expectativas consiste em

diagnosticar a realidade sociocultural do aluno, preferências, seus interesses e

nível de leitura, quanto a gênero e temas, mediante observações, conversas,

questionários, debates, entre outros.

- 2ª etapa: O atendimento ao horizonte de expectativas quando o professor

deve levar para a sala textos que satisfaçam as expectativas dos alunos em

relação aos temas e/ou gêneros escolhidos.

- 3ª etapa: A ruptura do horizonte de expectativas pressupõe que o

professor deva trabalhar com obras que abalem as certezas e costumes dos

alunos, seja em termos de literatura ou de vivência cultural. É importante que

nessa fase o professor trabalhe com textos semelhantes aos anteriores, quanto ao

tema ou estrutura, por exemplo. Para que ocorra o rompimento, o professor deve

trabalhar com obras que, partindo da vivência dos alunos, aprofundem seus

conhecimentos, propiciando o distanciamento do senso comum e a consequente

ampliação do horizonte de expectativas.

- 4ª etapa: O questionamento do horizonte de expectativas é o momento de

comparação e discussão a partir das leituras realizadas na segunda e na terceira

etapas, levando o aluno a perceber quais textos lidos na etapa da ruptura

exigiram-lhe um nível mais alto de reflexão, proporcionando-lhe mais

conhecimento e ampliando seu horizonte de expectativas.

- 5ª etapa: Ampliação do horizonte de expectativas é quando os alunos

tomam consciência das mudanças, aquisições e ampliação de conhecimentos,

obtidas por meio da experiência com a leitura.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica, é importante

que, ao trabalhar com esse método, o professor considere as diferenças entre o

Ensino Fundamental e Médio, pois no Ensino Médio, além do gosto pela leitura,

existe a preocupação em garantir o estudo das Escolas Literárias. “Contudo,

ambos os níveis devem partir do mesmo ponto: o aluno é o leitor, e como leitor é

ele quem atribui significados ao que lê, é ele quem traz vida ao que lê, de acordo

com seus conhecimentos prévios, linguísticos, de mundo” (Diretrizes Curriculares

da Educação Básica, 2008, p. 75). Assim, o educador deve partir da recepção dos

alunos para, em seguida, aprofundar a leitura e ampliar os horizontes de

expectativas dos mesmos.

2.2 DEMONSTRAÇÃO DOS RESULTADOS

O foco principal do presente trabalho foi despertar o gosto pela leitura do

texto literário e o senso crítico dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do

Colégio Estadual José Ermírio de Moraes. Por meio do Projeto de Implementação

na Escola foi realizada uma sequência de atividades baseadas no Método

Recepcional de Bordini & Aguiar.

Como o método propõe a determinação do horizonte de expectativas dos

alunos, no final do ano de 2013 foram realizadas visitas aos alunos do 8º ano,

período da tarde, turma que seria escolhida para a aplicação do Projeto de

Intervenção. Nesta visita, percebeu-se o interesse dos alunos por gêneros textuais

curtos e informativos, além de textos contendo imagens.

A partir de tal sondagem foi elaborada a Produção Didático-Pedagógica “A

leitura ampliando horizontes”, de acordo com as etapas do Método Recepcional.

Para determinar o horizonte de expectativas foram apresentadas, por meio

do multimídia, as charges que estão na Produção Didático-Pedagógica. Após a

observação de tal material, os alunos foram questionados oralmente. A

participação foi um tanto tímida. Como esperado, os alunos que mais

participavam, respondendo e opinando, eram os mais desinibidos. Ficou evidente

que a maioria dos alunos não tinha o hábito de ler charges e não conheciam muito

a respeito desse gênero. O interessante é que, a partir de então, todos passaram

a prestar mais atenção em charges, buscando relacioná-las aos assuntos

veiculados nos jornais. Quanto ao tema, os alunos perceberam imediatamente que

as charges abordavam a questão da desigualdade social. Os comentários de

alguns alunos evidenciaram certa criticidade, mas a grande maioria não

demonstrou preocupação em relação ao problema apresentado.

Na 2ª etapa, para o atendimento ao horizonte de expectativas, a turma foi

dividida em equipes de, no máximo, cinco alunos, foram distribuídas notícias e

reportagens que, de alguma forma, tinham relação com o tema da desigualdade

social. As matérias selecionadas abordavam: preconceito racial, morte de morador

de rua, superlotação nos presídios, estrutura precária de um bairro populoso,

violência urbana, entre outras. Essa etapa foi muito produtiva, pois os alunos,

mesmo aqueles que não costumavam prestar muita atenção nas aulas

expositivas, realizaram a leitura e participaram ativamente respondendo as

questões em grupo. As questões enfocavam não apenas os aspectos estruturais

nos gênero notícia e reportagem, mas principalmente a interpretação do texto e

sua análise crítica. Após a apresentação de cada notícia lida, os alunos

comentavam qual era a relação do fato apresentado no texto com a desigualdade

social. Isso gerou debates e discussões que possibilitaram à pesquisadora

perceber qual era visão dos alunos em relação ao tema. Apesar do aparecimento

de opiniões bastante simplistas, sem fundamentação, baseadas totalmente no

senso comum, a questão não foi aprofundada, pois isso seria objetivo das etapas

posteriores.

Para provocar a ruptura do horizonte de expectativas dos alunos, que viam

a desigualdade social como algo inerente ao ser humano, foi realizada a leitura do

conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunga. O conto é protagonizado por dois

amigos da escola, Rodrigo e Tuca, e enfoca as diferenças sociais, econômicas e

culturais desses dois personagens. Tais diferenças geram tensões que causam o

conflito da narrativa, porém não impedem a amizade das personagens, que, por

meio do reconhecimento de si e do mundo em que estão inseridos, superam o

distanciamento social.

Para despertar a curiosidade dos alunos para realizar a leitura do conto,

foram levantadas as seguintes questões: O que o título sugere? Que tipo de

história é essa? Quais as relações entre o bife e a pipoca?

Dessa forma os alunos foram motivados a iniciarem a leitura da narrativa.

Como se trata de um conto bastante longo – dez capítulos – foi realizado um

intervalo após o capítulo cinco. O que chamou a atenção foi o fato que muitos

alunos não queriam parar de ler, pois se envolveram de tal forma com a narrativa

e queriam descobrir logo o seu desfecho.

Neste intervalo, foram levantadas questões de interpretação. Tais questões

permitiram perceber não apenas se os alunos estavam compreendendo o texto,

mas principalmente se haviam percebido a crítica social presente em diversos

trechos da narrativa.

Após essa parada, os alunos finalizaram a leitura do conto e então

realizaram uma análise de toda a narrativa, enfocando os seguintes aspectos:

personificações que aparecem ao longo da narrativa; o uso e o efeito da

linguagem informal; a função do gênero carta; a relação entre o foco narrativo e os

espaços onde ocorre a narrativa; os problemas sociais abordados; etc.

Após toda a discussão suscitada a partir da leitura do conto “O bife e a

pipoca”, os alunos leram o poema “Além da imaginação”, de Ulisses Tavares,

realizaram a interpretação em grupo e produziram um mural com as estrofes do

poema.

É importante destacar que essa etapa foi muito produtiva, pois os alunos

realizaram a leitura do conto sem reclamar da sua extensão e realizaram todas as

atividades com envolvimento.

Para realizar o questionamento do horizonte de expectativas os alunos

ouviram e analisaram a música “Comida”, da banda Titãs. Nessa etapa também

foram retomadas a estrutura e a abordagem do tema desigualdade social

realizada por meio da notícia, do conto, do poema e da música. Durante a

realização das atividades para a confecção do mural, e também a partir da

apresentação dos cartazes, foi possível perceber, mediante a fala dos alunos, que

muitos já haviam mudado o discurso a respeito da desigualdade social,

demonstrando maior criticidade em relação ao tema.

Para ampliar o horizonte de expectativa, os alunos leram o clássico “Os

Miseráveis”, de Victor Hugo, adaptação de Walcir Carrasco dos Reis. É importante

destacar que nem todos os alunos leram de fato o livro. Isso foi percebido a partir

de um pequeno teste realizado pela professora. Apesar de se pensar que esse

tipo de atividade contraria o método em questão, foi importante realizar tal teste

para verificar quem realmente havia lido o livro. No entanto, percebeu-se que mais

da metade da turma de 32 alunos havia de fato lido o livro.

Em seguida, foram realizadas as demais atividades referentes à

interpretação e análise da narrativa “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. A grande

maioria participou das atividades ativamente.

Após a leitura do livro, os alunos realizaram atividades de interpretação e

análise da narrativa, enfocando a contextualização histórica da obra; a

personalidade de Jean Valjean e Fantine; as questões sociais e morais presentes

na narrativa; entre outros. Ao longo da resolução das atividades foi debatida

amplamente a questão da injustiça social, vivenciada pelos protagonistas da

narrativa. Percebeu-se que muitos alunos tiveram dificuldade para compreender

alguns capítulos do livro, principalmente aqueles que abordavam a

contextualização histórica.

A seguir, foi realizada a dinâmica descrita na Produção Didático-Pedagógica,

cuja finalidade era compreender a importância de ajudar o próximo. Como se trata

de uma dinâmica, todos os alunos participaram ativamente. Ao final da dinâmica,

alguns alunos prontamente apontaram a importância de “nos ajudarmos” e “parar

de pensar só na gente”, parar citar as palavras dos próprios alunos.

Após as conclusões dos alunos, a professora explicou sobre o significado da

palavra alteridade, usando o multimídia e em seguida exibiu o filme “Corrente do

Bem”. Tais práticas reforçaram a percepção dos alunos a respeito da importância

do outro e de como é bom ajudar o próximo.

Na semana seguinte, os alunos apresentaram a pesquisa que a professora

havia solicitado anteriormente a respeito de pessoas que “fizeram a diferença” no

mundo. Foram apresentadas as biografias das seguintes personalidades: Gandhi,

Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá, Malala Yousafazai, Nelson Mandela,

Papa Francisco e Zilda Arns.

Após todas essas atividades foi realizado um debate sobre as questões

propostas ao longo do projeto de intervenção, como: desigualdade social,

individualismo, alteridade, preconceito, solidariedade, finalizando com uma

produção textual.

A partir da produção de texto foi possível perceber que muitos alunos

passaram a perceber que a questão da desigualdade social é uma questão muito

complexa, produto de um conjunto de relações que abrangem as diversas esferas

da vida social.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto atual, despertar o gosto pela leitura do texto literário é um

grande desafio para os professores de Língua Portuguesa. Tal constatação

evidencia a necessidade de práticas pedagógicas que despertem o gosto e o

prazer em ler uma obra de literatura, com todo o envolvimento que ela necessita.

A implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica foi importante na

medida em que procurou compreender, a partir da realidade específica dos alunos

do 9º ano do Colégio Estadual José Ermírio de Moraes, como o método e a teoria

escolhida podem interferir na experiência com a leitura.

A implementação da Produção Didático-Pedagógica “A leitura ampliando

horizontes” teve como finalidade principal repensar a formação de leitores,

utilizando teorias e estudos realizados acerca da Estética da Recepção e do

Método Recepcional.

Nesse contexto, constatou-se que o Método Recepcional é uma

alternativa possível para despertar o gosto e senso crítico dos alunos em relação

ao texto literário. O método em questão, conforme preconizado pelas Diretrizes

Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná, auxilia na organização e

seleção de textos, exigindo do professor planejamento de atividades sequenciadas

e um vasto conhecimento do acervo literário.

O projeto se mostrou relevante e viável, pois permitiu ao professor,

perceber as visões de mundo dos alunos, e a partir das atividades realizadas

ampliar os “horizontes de expectativas” dos mesmos.

A principal contribuição do método é a valorização do leitor e do processo

de recepção do texto literário, pois toda a sequência de atividades e escolha de

leituras é definida a partir dos conhecimentos prévios e o diagnóstico do horizonte

de expectativas do leitor. E a aplicação das etapas permite ao professor fornecer

não apenas texto que atendam ao horizonte de expectativas, mas também que

causem a ruptura e a consequente ampliação do horizonte de expectativas do

leitor.

Percebeu-se que os alunos, a cada etapa trabalhada, foram-se tornando

mais críticos e ampliando o horizonte de expectativas em relação ao tema da

desigualdade social.

Percebeu-se, por meio da observação do comportamento dos alunos e

também das atividades realizadas, ao longo da implementação, que as etapas

previstas no método em questão podem ampliar o horizonte de expectativas do

leitor, pois proporcionam um amplo conhecimento literário não apenas para o

aluno, mas também para o professor.

O método também permite a democratização da leitura e a formação de

um leitor autônomo, visto que a “recepção” se fundamenta na atitude participativa

do aluno em contato com os diferentes textos.

É importante destacar que durante a aplicação do projeto ocorreram

muitos desafios, dificuldades e até momentos de desânimo, pois toda mudança

traz dificuldades a serem superadas. Ao longo da implementação foram

necessárias mudanças de curso, pois é na concretização das ações que as

dificuldades e as limitações de qualquer planejamento aparecem.

Após a implementação e a reflexão de todo esse processo, por meio do

presente artigo, constata-se que é possível promover mudanças na formação de

leitores na escola. Apesar de todas as dificuldades inerentes ao universo da

escola pública é imprescindível que o professor assuma a responsabilidade de

possibilitar aos alunos um encontro prazeroso com a literatura.

REFERÊNCIAS

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alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. São Paulo: Ciência e

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HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução e adaptação de Walcyr Carrasco. 1. ed.

São Paulo: FTD, 2002.

JAUSS, Hans Robert et al. A literatura e o leitor: Textos da Estética da

Recepção. Coord. e Trad. Luis Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.

43-82.

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SILVA, Ezequiel T. Elementos de Pedagogia da Leitura. 3. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1998.

ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São

Paulo: Ática, 1989.