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OS DESAFIOS EDUCACIONAIS DE UM SÉCULO: A SAGA DAS
TRANSFORMAÇÕES “CONTADAS” PELOS COMANDANTES DA ESCOLA DE
APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS (1919 – 1923)1.
FABIO DA SILVA PEREIRA2
VALDENORA OWERNEY3
RESUMO
A investigação diz respeito ao período que compreende as mudanças ocorridas no plano
educacional com a introdução do aperfeiçoamento militar no Exército Brasileiro (EB) a partir de
1920, com o apoio da Missão Militar Francesa (MMF). O referencial bibliográfico e empírico
em que se apoia e com que trabalha este estudo centra-se em documentos pessoais dos
comandantes da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), em documentos educacionais
gerados no sistema de ensino militar, além da bibliografia especializada de autores militares e
civis. A partir da revisão histórica, foram analisadas as ações ocorridas no processo de condução
do ensino na EsAO, estabelecendo elementos essenciais para a compreensão do objeto do estudo.
Este estudo tem como objeto de pesquisa contextualizar as transformações e os desafios
enfrentados por esses comandantes em momentos críticos da história nacional. O estudo
biográfico de 53 (cinquenta e três) chefes militares propicia a tônica do discurso, ora legalista,
ora em prol de mudanças nos destinos do país. O EB, sintonizado com as conjunturas, percebeu a
inadiável necessidade de promover um processo de atualização no seu Sistema de Ensino e
elevar a EsAO à condição de uma das escolas mais importantes da Força Terrestre. Esta pesquisa
justifica-se como contribuição à literatura acadêmico-científica e técnica da área de História do
Brasil.
Palavras-chave:Exército Brasileiro. Educação Militar. Transformações no Sistema de Ensino.
Missão Militar Francesa. Estudo Biográfico.
1. INTRODUÇÃO
A iniciativa deste estudo partiu de uma pesquisa biográfica4 de 53 (cinquenta e três)
oficiais do Exército Brasileiro (EB) que comandaram a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
(EsAO) desde a sua criação em 19195 até os dias atuais. A EsAO, também conhecida atualmente
1 A produção do presente artigo contou com a orientação do Prof. Dr. Fernando da Silva Rodrigues, professor e
pesquisador na Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). 2Fabio da Silva Pereira é professor de História Militar da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
Licenciado em História (UNIRIO) e Doutorando em História (UNIVERSO). 3Valdenora Owerney é Licenciada em História (UNIVERSO) e Mestre em História (UNIVERSO). 4Trabalho técnico de levantamento biográfico que servirá de base para o capítulo do livro dedicado ao centenário da
EsAO (1919-2019) a ser lançada pela Biblioteca do Exército (BIBLIEx) no ano de 2018. 5As suas atividades tiveram início em 8 de abril de 1920, nas instalações do antigo 1º Regimento de Artilharia
Montada (1º RAM), atual 15º Regimento de Cavalaria Mecanizado, sediado na Vila Militar, Rio de Janeiro.
como a “Casa do Capitão”, é um estabelecimento pertencente à linha de ensino militar bélico.
Seu objetivo é aperfeiçoar os capitães do Exército Brasileiro, habilitando-os a comandar e
integrar Estados-Maiores de Organizações Militares por meio dos cursos de aperfeiçoamento de
oficiais em nível de pós-graduação lato sensu (BRASIL, 2014).
Nesses quase 100 (cem) anos de existência, a EsAO teve 3 (três) denominações. A
primeira foi “Escola de Aperfeiçoamento para Officiaes” (EAO), termo que durou desde a sua
criação com o decreto legislativo nº 13.4516, de 29 de Janeiro de 1919 (BRASIL, 1919) até a sua
extinção em 1933.
Em 1934 a Escola das Armas (E. Arm.) é criada sob o prisma da reformulação
curricular de 1929, cujo alvo era proporcionar maior dinamismo nas armas (qualificações
militares) com a fusão de exercícios teóricos e práticos no campo de instrução. A sua
metodologia se estendeu até o início dos anos 1940, quando, em plena Segunda Guerra Mundial
(1939 – 1945), a E. Arm. deixou de aperfeiçoar militares (oficiais e sargentos) em sua sede.
Logo após o término do maior conflito bélico global, a Escola de Aperfeiçoamento
de Oficiais (EsAO) é recriada para trazer os conhecimentos adquiridos e compartilhados pelos
militares que participaram da Força Expedicionária Brasileira (FEB), desencadeando a mudança
na doutrina militar vigente desde a criação da EAO em 1919. Assim, o nome da EsAO
permanece desde 1945 até os dias atuais.
O presente artigo terá como limite temporal os cinco primeiros anos (1919 – 1923) e
os três primeiros comandantes do período da primeira denominação - EAO (1919 – 1933) -
tempo em que a jovem escola militar apresentou a proposta doutrinária vencedora praticada pelo
exército francês na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). Em face do exposto, a justificativa
do presente trabalho residiu na necessidade de compreender os comandos pelos quais a EAO
passou no período considerado, compreendendo os impactos no sistema de ensino do Exército
Brasileiro.
Fazendo um parêntese, cabe afirmar, ainda, que o processo de transformação do
Exército seja um compromisso institucional na atualidade, seja o desafio do progresso no ensino
militar não é uma novidade. De acordo com Jehovah Motta “transformar é alterar a realidade ao
6 O artigo nº 54 do decreto legislativo n° 3.674, de 7 de janeiro de 1919 do governo de Delfim Moreira da Costa
Ribeiro (1918 – 1919) estabelecia “contractar uma missão de officiaes estrangeiros para a instrucção do Exército,
devendo o respectivo chefe servir junto ao Estado Maior como assistente-technico; e a abrir os créditos necessários
para a execução desse serviço, de occôrdo com a regulamentação que expedir” (BRASIL, 1919a). Seria o início da
Missão Militar Francesa (MMF) no Brasil.
mesmo tempo em que se muda a maneira de pensar; é crer no poder das ideias, nos limites da
realidade e na capacidade infinita de os seres humanos buscarem novas formas de ser e de agir”
(MOTTA, 1998, p. 59).
O ensino militar do Exército Brasileiro, cujas origens remontam ao ano de 1698, tem
buscado a interação do Exército com a sociedade brasileira e com os diversos campos de
expressão que configuram uma dada realidade – militar, econômica, científico-tecnológica,
social e política. Após a Guerra do Paraguai, os debates políticos em torno dos assuntos
concernentes à Abolição da Escravatura e da República tornaram-se rotineiros e, aos poucos,
adentraram as Forças Armadas.
A Revista do Exército Brasileiro, de cunho doutrinário, criada em 1882, e A Defesa
Nacional, criada em 1913, tinham como finalidade expressar o pensamento dos militares sobre
assuntos de sua área técnica profissional. Além disso, contemplavam assuntos referentes à
necessária modernização, ao comparar o Exército Nacional aos outros exércitos, especialmente
ao alemão, e a clamar pela reformulação das Forças Militares. No início do século XX, “a
educação era a chave da disciplina e do desempenho dos oficiais” (MC CANN, 2007, p. 314).
Nesse sentido, o general Tasso Fragoso recomendou que “se houvesse verba, o Exército
construísse uma escola nos moldes da academia militar americana de West Point, como a
República Argentina estava fazendo”. Adicionalmente, MC CANN (2007, p. 315) abordou que
as disposições curriculares “com poucas exceções” buscavam retirar o “tom livresco e desligado
dos objetivos traçados”. Segundo Motta:
Era linguagem nova, no ambiente do Exército. Era bandeira desfraldada em prol de
instituições militares renovadas e modernas, e empunhada, não de cima para baixo, por
generais ou ministros, mas por oficiais ainda nos primeiros postos. De início,
meramente formuladora e até otimista, não atendida, essa linguagem; com o tempo,
passou a resmungona, ácida, e esforçando-se embora por situar-se em campo
politicamente neutro, na verdade acabou descrendo de qualquer ação do Império, e
sensível ao aceno de abolicionistas e republicanos (MOTTA, 1998, p. 149).
Outro momento importante na história da educação no Exército foi a ação da Missão
Militar Francesa (MMF) entre 1920 e 1940, sendo um dos canais que possibilitou o fervilhar das
ideias europeias no centro das escolas militares. Essa influência foi materializada, em parte, pelo
material didático escolar na forma de exemplares europeus, principalmente franceses.
A fim de viabilizar a consecução da pesquisa em questão, foram elaborados alguns
objetivos específicos, cuja organização está baseada da seguinte maneira: contextualizar os
comandos militares sob a ótica de suas biografias, valendo-se, para isso da consulta aos
documentos pessoais dos comandantes (fé de ofício), cujas cópias estão disponíveis no Arquivo
Histórico do Exército (AHEx); consultas aos jornais da época, disponíveis na Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional (BN); consultas em sites de internet especializados em árvores
genealógicas e biografias; consultas aos documentos pessoais disponíveis nas Seções de Inativos
e Pensionistas do Exército (SIP) de todo o Brasil; consultas aos boletins internos da EsAO, de
cópias de ações judiciais da Advocacia Geral da União (Montepio Militar), além da consulta ao
Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro (DHBB) do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).
No que diz respeito à metodologia, o presente trabalho está baseado nas
contribuições de José D’ Assunção Barros (2013) e de Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo
Vainfas (2012), de acordo com as seguintes classificações: quanto ao tipo de pesquisa (ou
objetivo), trata-se de uma pesquisa descritiva, e, no que diz respeito aos procedimentos
metodológicos, constitui-se num estudo de caso fundamentado em pesquisa bibliográfica e
documental.
2. A ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO PARA OFFICIAES (EAO) POR SEUS
COMANDANTES
Com a criação da EAO por decreto da vice-presidência em janeiro de 1919, ficou a
cargo do Ministro da Guerra General de Brigada Alberto Cardoso de Aguiar a escolha do
primeiro comandante da escola, “cujos instructores pertencem à missão estrangeira contractada
em virtude da autorização conferida pelo decreto legislativo n. 3.674, de 7 de janeiro de 1919”
(BRASIL, 1919). Essa missão era originária da França e teve por meta aperfeiçoar, durante os
períodos de instrução, capitães e primeiros tenentes, pertencentes às quatro armas7 do Exército.
A MMF seria incumbida especialmente da direção da EAO, da Escola de Intendência e da
Escola de Veterinária, além da Escola Superior de Guerra (Escola de Estado-Maior)
(RODRIGUES, 2017, p. 119). Apesar de ter em seus quadros oficiais franceses, a EAO sempre
esteve sob o comando de um oficial superior brasileiro, onde seriam resolvidas as questões
administrativas e pessoais dos alunos, além de servirem com elo entre os militares franceses e os
brasileiros.
7 A Escola de Aperfeiçoamento para Officiaes dispõe de tropas de infantaria, cavallaria, artilharia e engenharia, pois
ella é destinada a completar a instrucção dos officiaes do Exercito e aperfeiçoal-os como instructores como
commandantes das pequenas unidades (BRASIL, 1919).
A MMF chegou ao Brasil em 1920 e foi chefiada pelo general Maurice Gustave
Gamelin8 e integrada por 20 oficiais, que ministravam instruções “para oficiais brasileiros
selecionados que haviam concluído o curso da EsAO ou da Escola de Estado Maior” (MC
CANN, 2007, p. 317). O objetivo era pôr fim à confusão causada pelo uso de diferentes
regulamentos e métodos, pois alguns militares receberam influências da Alemanha, outros
receberam influências da Missão Indígena9, dentre outras contribuições das distintas unidades.
A coordenação e a implementação da reforma básica do Exército de orientação
francesa estiveram a cargo desse general, cuja finalidade era criar meios para garantir a defesa
territorial, condições para ministrar as instruções e treinamento da tropa e ainda meios de
mobilização e concentração de efetivos. A missão forneceu instrutores para a Escola do Estado-
Maior, a Escola de Aperfeiçoamento para Officiaes, as Unidades Escola10 de Infantaria,
Cavalaria, Artilharia e Engenharia, a Escola de Aviação militar, o Curso de Oficiais Intendentes,
o Curso de Saúde e Veterinária e o Curso de Equitação.
A interação entre os oficiais brasileiros e franceses revelou-se um desafio
protagonizado até mesmo pelos comandantes, selecionados pelo Estado-Maior do Exército
(EME) dentre os mais destacados, com experiência no Brasil e no exterior. A seguir, serão
analisados os perfis dos militares escolhidos, a começar pelo Major de Cavalaria José Maria
Franco Ferreira.
2.1. MAJOR JOSÉ MARIA FRANCO FERREIRA (1920)
José Maria Franco Ferreira nasceu em 12 de abril de 1876 em Assunção, capital da
República do Paraguai. Filho do primeiro-tenente Joaquim Antônio Pinheiro Ferreira, estava no
contexto de uma força de ocupação brasileira em território paraguaio. As forças terrestres que
permaneceram desde o fim do conflito em 1870 constavam de uma divisão de exército,
comandado pelo general de divisão José Auto da Silva Guimarães (Barão de Jaguarão),
8 Militar francês, herói da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). 9A Missão Indígena iniciou as suas atividades também no ano de 1919, após um grupo de jovens oficiais subalternos
sob a liderança do capitão Bertholdo Klinger (outro “jovem Turco”, grifo nosso) ser aprovados em um concurso de
seleção para instrutor na Escola Militar do Realengo (PINTO, 2016, p. 96 - 97). Isso lhes permitiu a condução das
atividades em consonância com o ensino prático de caráter militar, inteiramente de acordo com as normas e
regulamentos do Exército, sob a influência do rígido modelo alemão de instrução (ROESLER, 2015, p. 9). 10As Unidades Escola eram as organizações militares destinadas ao suporte doutrinário dos estudos da EAO, onde
estas tropas eram desdobradas no Campo de Instrução de Gericinó (CIG), comprado pelo EB em 1908. Isso
facilitava a visualização dos capitães-alunos da manobra de uma brigada (com efetivo aproximado de 5.000 homens)
como um todo e apresentava a oportunidade de correção dos rumos, se fosse o caso.
atingindo o efetivo de 3.772 militares e de uma flotilha, que ficava fundeada na baía de
Assunção, contando com reforços alocados na Província de Mato Grosso, com tropas e
canhoneiras (DORATIOTO, 2008, p. 233).
Ingressou no Exército Brasileiro em 25 de setembro de 1891, no 4º Batalhão de
Infantaria e, no mesmo ano seguiu para a Escola Militar do Brasil. Durante o seu período de
formação como aluno participou ao lado das forças legalistas na Revolta Federalista e na
segunda Revolta da Armada (1893 – 1894), sendo promovido, em campanha, a alferes de
Cavalaria em 14 de agosto de 1894. Concluiu seus estudos na Escola Militar do Brasil em 1898.
Serviu em unidades regulares do EB até o posto de capitão em setembro de 1909. No ano de
1910 foi designado para servir no exército da Alemanha. Incorporou ao 10º Regimento de
Hussardos em Stendal, permanecendo por três anos11.
Promovido ao posto de major no ano de 1918, foi nomeado “segundo comandante da
EAO” em 17 de novembro de 1919 pelo Ministro da Guerra João Pandiá Calógeras. Porém, não
constam registros da nomeação de outro militar brasileiro antes do major Franco Ferreira. Nesse
sentido, os entendimentos sobre a hierarquia e disciplina entre os membros da MMF e os
militares brasileiros foram para que houvesse a melhor interação possível, tendo em vista que o
general Gamelin e o tenente-coronel Albert Barat, instrutor mais antigo na EAO eram mais
antigos na hierarquia militar do que o major Franco Ferreira.
A MMF contou com a colaboração de alguns militares brasileiros de renome, como o
general Cândido Mariano da Silva Rondon, cujos esquemas de manobra defensiva se encontram
no espaço cultural da EsAO. Além disso, o Presidente da República Epitácio Pessoa (1919-
1922) buscou apoio político, militar e, sobretudo financeiro. Além da criação e da construção
EAO, realizou a aquisição de material bélico e a construção de unidades militares no sul do país:
A opção pela França naquele momento não significou que houvesse um consenso
dentro do Exército. A decisão resultou, entre outros, de fatores políticos e conjunturais
externos. Devem-se citar aqui ao menos cinco fatores: a presença do influente senador
paraibano Epitácio Pessoa na Conferência de Paz de Paris, aberta em 18 de janeiro de
1919, que sancionou a Alemanha e limitou o desenvolvimento de seu exército; a
presença em Paris desde 1917 de uma importante missão de compra de material bélico e
de oficiais que combateram nas fileiras do Exército francês; a influência de importantes
políticos do estado de São Paulo, que desde 1905 contavam com uma missão militar
francesa para treinar a Força Pública estadual; o vínculo pessoal entre o então ministro
da Guerra, Pandiá Calógeras (1918-1922), e a França; e o fato, mais contundente, de ter
o Brasil declarado guerra à Alemanha (ARAUJO, 2009, p. 67-68).
11 BRASIL. Arquivo Histórico do Exército. Fé de Ofício do general de divisão José Maria Franco Ferreira, de 1891
a 1940.
Cabe lembrar que as instalações da EAO ainda seriam construídas na Vila Militar do
Rio de Janeiro. As atividades da escola iniciaram em 8 de abril de 1920, em parte das instalações
do 1º RAM. O major Franco Ferreira tinha a experiência de ter estagiado no exército alemão,
fato que o classificaria em uma das três vertentes do EB: um “jovem turco” 12. Além dessa
denominação, outra corrente de pensamento doutrinário-militar caminhava em paralelo na
disputa por corações e mentes da oficialidade brasileira nos anos 1920: a “missão indígena”. Em
contraponto ao pensamento da MMF, as demais correntes aplicavam o pensamento alemão,
adaptado à realidade brasileira. Nesse ambiente, apesar da derrota alemã na Primeira Guerra
Mundial, o movimento dos “Cavaleiros da Ideia”13 era muito forte, sobretudo na Escola Militar
do Realengo. Como resultante desse estado de coisas, em seus cinco meses de comando,
procurou conciliar os interesses do Ministério da Guerra e dos integrantes da MMF com os
primeiros alunos.
O major Franco Ferreira terá outra oportunidade de estar à frente da EAO, nos anos
1930, sendo o único militar a comandar a Escola em mais de uma oportunidade. Para facilitar o
encadeamento do raciocínio na linha do tempo, será abordada a parte final da sua biografia, bem
como as estratégias de busca dos dados e pesquisa em seu segundo comando mais adiante, no
próximo artigo.
2.2. TENENTE-CORONEL JOÃO BAPTISTA MACHADO VIEIRA (1920 - 1922)
Para ajustar às necessidades de compatibilidade hierárquica entre o tenente-coronel
Barat e os militares brasileiros, foi nomeado o tenente-coronel João Baptista Machado Vieira.
Nascido no Rio Grande do Sul em 22 de dezembro de 1870, incorporou na Escola Militar de
Porto Alegre (EMPA) em 24 de março de 1887. Sua trajetória como discente contrastou o
excelente desempenho acadêmico e atos de indisciplina, conforme trechos extraídos da “Fé de
Ofício” do militar em tela:
“Foi preso por faltar a revista do recolher” (18 de novembro de 1887);
“Foi louvado pela perícia que revelou no exercício combinado” (16 de janeiro de 1888);
12 No Brasil, já antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o então ministro da Guerra Hermes da Fonseca
(1906-1909) tomou iniciativas no sentido de transformar o ensino militar e enviou alguns grupos de oficiais para
estagiar no Exército alemão. A esse grupo de tenentes e capitães deu-se o nome de “jovens turcos”, devido a seu
projeto modernizador e por analogia aos jovens oficiais otomanos que haviam estagiado no Exército alemão e
regressado à Turquia dispostos a modernizar o Exército e o regime (ARAÚJO, 2009a, p. 1-2). 13 Os Cavaleiros da Ideia, como pretensiosamente se autointitulavam os “Turcos”, era “indesejada por perturbar a
rotina dos quartéis a que se tinham habituado. Mas aos poucos os “Turcos” foram vencendo” (CARVALHO, 2005,
p. 28).
“Foi elogiado pelo modo digno de louvor com que se houve no policiamento da Praça
Pedro II” (26 de maio de 1888);e
“Ficou preso por 3 (três) dias no Estado Maior da Escola, por mostrar-se pouco
respeitoso na ocasião em que o Oficial de Dia ensinava-lhe os deveres de Comandante
da Guarda e o Senhor Coronel (Comandante da Escola Militar de Porto Alegre, grifo
nosso) declarou não ser mais rigoroso na pena imposta em atenção ao bom
comportamento que tem tido e ser esta a primeira falta que comete14” (18 de abril de
1889).
Declarado cadete de primeira classe em 29 de janeiro de 1891, ficou por seis meses
em unidades de Infantaria e de Artilharia até ser reincluído na EMPA em dezembro do mesmo
ano. Em janeiro de 1893 foi declarado alferes-aluno de Artilharia e em maio daquele ano seguiu
destino para a Escola Militar do Brasil, no Rio de Janeiro. De setembro a dezembro de 1893
atuou como aluno da referida Escola em serviço do Governo federal, contra os revoltosos da
armada, tendo esse período as seguintes alterações na sua fé de ofício:
“Tendo sido por artigo primeiro das diversas ordens do detalhe de 7 de novembro, do
Comando da Primeira Brigada em operações de Guerra na cidade de Nictheroy,
mandado servir no 1º Batalhão de Engenharia que se achava acampado na mesma
cidade, foi incluído como adido à 1ª Cia, cujo comando assumiu interinamente,
acumulando, posteriormente as funções de Ajudante interino e agente de
rancho”(BRASIL, 1893).
Após os incidentes de 1893, incorpora novamente as fileiras do 30º Batalhão de
Infantaria para combater os revoltosos na Revolta Federalista em 1º de junho de 1894. Ao final
daquele, ano retorna à EMPA para continuar os seus estudos, sendo declarado segundo-tenente
de Artilharia em 20 de novembro. Em 1895 é designado para o Curso das Três Armas, sendo
promovido a primeiro-tenente em fevereiro de 1897 e aprovado em primeiro lugar ao final
daquele ano.
Em 1899, o tenente Machado Vieira foi nomeado Diretor da Colônia Militar de Alto-
Uruguay, saindo da função no ano seguinte. Ficou por seis meses afastado por motivos de
doença. Apresentou-se pronto para o serviço em 1901, no 2º Batalhão de Engenharia, onde foi
nomeado ajudante na Construção da Estrada de Ferro Cacequi-Inhanduí. Promovido ao posto de
capitão, teve a obra concluída em 1906. Nomeado para comandar a Fortaleza de Coimbra no
Mato Grosso em 1907, foi designado também, para, cumulativamente com auxiliar da Delegacia
de Engenharia do 7º Distrito Militar, se encarregar das obras do Forte Coimbra, dos
levantamentos topográficos em alguns afluentes do rio Paraguai. Em 1910 foi nomeado Ajudante
na Comissão Especial das Obras Militares do Estado de Mato Grosso, onde contribuiu para a
14 BRASIL. Arquivo Histórico do Exército. Fé de ofício do general de brigada João Baptista Machado Vieira, de
1887 a 1931.
construção do 37º Batalhão de Infantaria, do 13º Regimento de Infantaria (RI) e da Linha de Tiro
de Corumbá. Em dezembro de 1912, o Inspetor Geral das Armas de Mato Grosso, “lamentando
profundamente que praças do 13º RI haviam sido arrastadas por alguns inferiores desbriados e
sem dignidade, a um movimento subversivo, louva o capitão Machado Vieira por ter
comparecido ao quartel e restabelecer a ordem” (BRASIL, 1912).
Após um longo período em Mato Grosso, foi transferido para a Capital Federal em
1914, onde foi posto a disposição do Ministério do Interior e Justiça como encarregado geral do
material do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. No ano seguinte, retorna às fileiras do EB,
sendo designado assistente do General Inspetor de Material Bélico. Promovido a major em
setembro daquele ano, foi classificado para comandar o 2º Grupo do 1º Regimento de Artilharia
Montada em 1916. Em 1919, o tenente-coronel Machado Vieira foi transferido para o Forte de
São João onde foi classificado para o comando do 2º Grupo do 1º Distrito de Artilharia de Costa,
cargo que ocupou até sua nomeação como comandante da EAO em 26 de julho de 1920.
Sob o comando do tenente-coronel Machado Vieira, a EAO deu continuidade na
aquisição de recursos materiais para apoiar os trabalhos da MMF, chefiados pelo tenente-coronel
Barat. Deixou o legado do trabalho em conjunto entre alunos e instrutores na difusão das
doutrinas e dos novos regulamentos do Exército alinhados com a doutrina francesa, detalhado a
seguir por Rodrigo Nabuco de Araújo:
“A influência militar francesa concretizou-se ainda, em 1921, com a adoção de novos
regulamentos destinados à Direção e Emprego das Grandes Unidades, ao Exercício e
Emprego da Artilharia e ao Serviço de Estado-Maior em Campanha” (ARAÚJO, 2009a,
p. 6).
Ao se despedir da Escola em 1922, exaltou a tenacidade e a harmonia de seus
precursores e foi elogiado pelo Chefe do Estado Maior do Exército, “pela dedicação e lealdade
que se houve durante a administração, mostrando-se à altura da árdua e nobre tarefa que lhe foi
imposta, enaltecendo a função e orgulhando a sua classe15”. No final da sua carreira, o coronel
Machado Vieira comandou a Fabrica de Pólvora de Piquete, em São Paulo e como general-de-
brigada foi nomeado chefe da Missão Militar Brasileira na Europa, passando para a reserva
remunerada em 1931.
2.3. TENENTE-CORONEL JOSÉAPPOLONIO DA FONTOURA RODRIGUES (1922 - 1923)
15 BRASIL. Arquivo Histórico do Exército. Fé de Ofício do General de Brigada João Baptista Machado Vieira, de
1887 a 1931.
Com a meta de proporcionar a continuidade ao projeto da adoção de novos manuais
técnicos inspirados no modelo francês, o tenente-coronel Fontoura foi selecionado pelo Estado
Maior do Exército. Nascido no Rio Grande do Sul em 9 de fevereiro de 1871, apresentou-se no
3º Regimento de Cavalaria em 16 de julho de 1890. Dois meses mais tarde foi matriculado na
Escola Militar do Rio Grande do Sul. Nessa instituição de ensino foi louvado por ter sido
aprovado com distinção em dois dos três anos de curso. Foi obrigado a interromper os estudos
para lutar com os legalistas na Revolta Federalista, apresentando-se no 13º Batalhão de Infantaria
em 5 de outubro de 1893. Ao final daquele mês, foi designado pelo Ministro da Guerra para
proceder algumas diligências16 relacionadas à Segunda Revolta da Armada. A bordo no vapor de
guerra Itaipú, realizou passagens por Rio Grande, Montevidéu, Salvador, Recife e Maceió,
recebendo soldo de aspirante-a-oficial da Marinha.
Promovido a segundo-tenente de Artilharia em fevereiro de 1894, prosseguiu nos
combates contra os marinheiros revoltosos. Após realizar expedições a cargo da Esquadra nos
litorais da Bahia, Cabo Frio e da Capital, recebeu ordens para atacar o cruzador Tamandaré, que
ainda não tinha se rendido; seguiu, ainda nesse mesmo dia, em direção à Ilha de Paquetá em
perseguição aos revoltosos no final de março. Em 8 de abril de 1894 seguiu para Santa Catarina,
chegando em Porto Bello em 10 de abril de 1894. No dia seguinte, fez o reconhecimento no
porto de Desterro (atual Florianópolis, grifo nosso), identificando o couraçado Aquidaban
fundeado próximo à Fortaleza de Santa Cruz. Em 15 de abril de 1894 partindo de Tijucas,
realizou ataque contra à Fortaleza e contra o couraçado Aquidaban, sendo elogiado pelo
Comandante da Esquadra.
Após a vitória nos combates de Anhatomirim (como ficou conhecido o episódio),
retornou para Santos para buscar mais tropas (alunos da Escola Militar do Brasil, grifo nosso)
para guarnecer a cidade de Desterro, após constatar a fuga dos revoltosos. No caminho de volta
para Santa Catarina desembarcou, no Porto de Paranaguá, 24 alunos da Escola Militar a fim de
guarnecer aquele sítio no final de abril. No mês de maio de 1894, saiu com destino à Buenos
Aires a fim de conduzir para o Rio de Janeiro os navios que estavam em poder dos rebeldes e
que foram entregues por eles (revoltosos) ao Governo Argentino. Voltou da Argentina
comboiando o vapor Meteoro até o Rio de Janeiro, chegando em 23 de maio 1894. Permaneceu a
16 As diligências por navio foi uma determinação do governo de Floriano Peixoto (1891 – 1894) para conter os
ataques da Esquadra revoltosa. Nesse sentido, militares do Exército Brasileiro foram selecionados para compor as
tripulações dos navios da federação.
bordo até outubro daquele ano, quando, por ordem superior, desembarcou do vapor de guerra
Itaipú, sendo enviado para o 1º Regimento de Artilharia.
Retornou à Escola Militar do Rio Grande do Sul para concluir os seus estudos, que
foram interrompidos pelas revoltas Federalista e da Armada. Em 1897 tornou-se bacharel em
Ciências Físicas e Matemáticas com distinção, sendo matriculado no Curso das Três Armas em 2
de abril daquele ano. Aprovado no Curso das Três Armas foi classificado no 2º Batalhão de
Engenharia (2º BEng), onde assumiu as funções comandante da 4ª Companhia, de tesoureiro e de
instrutor do 2º BEng.
Nomeado instrutor da Escola Preparatória e de Prática do Rio Pardo em 1900,
exerceu as funções de instrutor e de secretário geral da escola. Em virtude da reorganização em
que passaram os institutos militares de ensino, a Escola Preparatória e de Prática do Rio Pardo
foi suprimida, sendo transferido para Porto Alegre em 13 de fevereiro de 1906, sendo promovido
a capitão em 1909. Com o fechamento da Escola Militar de Porto Alegre, seguiu para Cruz Alta,
assumindo a 1ª Bateria do 3º Regimento de Artilharia Montada (3º RAM) em 1911.
No ano de 1913 foi elogiado pelo Comandante da 3ª Brigada Estratégica (3ª Bda
Etta) pela dedicação em conter os amotinados nos acontecimentos envolvendo praças em Cruz
Alta: “por ter ficado provado, que foi devido à coragem invejável e arrojo extremo desse oficial
que não teve consequências mais graves a revolta acima, pois foi ele que sozinho enfrentou os
amotinados e conseguiu trazê-los em direção ao quartel, e que por isso louvava pela inigualável
coragem alto critério e inexcedível bravura com que arriscou a sua vida em prol da sociedade
ofendida pelos revoltosos, dando um belo exemplo de oficial compenetrado dos seus deveres e
auxiliar destemido e enérgico17”. Com a extinção da 3ª Bda Etta e do 3º RAM, por reestruturação
do EB, foi transferido para o 4º RAM (Regimento Mallet) em São Gabriel. Em 4 de junho de
1916 ficou preso por 10 dias, por responsabilidade de um fato grave no 4º RAM. Promovido a
major em 1918, foi elogiado por publicar um Manual de Artilharia de Campanha (2º volume).
Promovido a tenente-coronel em 1921, foi designado para a comissão de reavaliação do
regulamento de Material Bélico.
Nomeado para a Escola de Aperfeiçoamento para Officiaes (EAO) em 1º de maio de
1922, seu comando ficou marcado pelas revoltas ocorridas na Escola Militar e no Forte de
Copacabana. Naquela oportunidade, foi elogiado pelo Ministro da Guerra (general Setembrino
17BRASIL. Arquivo Histórico do Exército. Fé de Ofício do Coronel de Artilharia José Appolonio da Fontoura
Rodrigues, de 1890 a 1931.
de Carvalho) por ter se mantido fiel ao governo durante os movimentos ocorridos nos dias 4 e 5
de julho de 1922. Em períodos de forte agitação com a eclosão do movimento tenentista, buscou
manter a escola afastada da política. Em novembro do mesmo ano foi louvado novamente pela
competência com que havia agido, imprimindo à escola a sua ação moralizadora e honesta.
Outro desafio imposto ao seu comando foi a interação entre os militares da MMF e
os alunos da EAO. As principais reclamações estavam por conta da hierarquia e da falta de
visualização prática dos exercícios adotados pelos oficiais franceses. Nesse sentido, novas ações
foram adotadas:
Para melhorar essa situação, em 1923 foram inseridas novas cláusulas que
especificavam a posição dos franceses na hierarquia e definiam seus papéis como
consultores técnicos. Aliás, o chefe do EME e o ministro da Guerra discutiram então
acerca da autoridade dos oficiais franceses, e optaram por restringir a participação
destes na elaboração dos planos de defesa nacional (ARAÚJO, 2009a, p. 3).
Com pouco mais de um ano à frente da EAO, o tenente-coronel Fontoura deixou o
comando da Escola a pedido, sendo exonerado em 12 de setembro 1923 e permanecendo adido
no Departamento de Guerra. Promovido a coronel em 5 de outubro daquele ano, passou a reserva
remunerada em 1931.
3. POR TRÁS DOS LIVROS: A PESQUISA NOS ACERVOS
O cerne desse estudo partiu da necessidade da elaboração de um livro comemorativo
ao centenário da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Essa obra, com a previsão da sua
publicação em 2018/2019 procurou abordar o protagonismo da Escola durante toda sua história.
Para atingir esse objetivo, vários professores e pesquisadores foram convidados com o intuito de
lançar um olhar sobre os diversos períodos da história militar e política nacional. A par dos
novos domínios da história, outros domínios muito tradicionais, quase canônicos, têm sido objeto
de renovação nas últimas décadas, como a chamada “nova história política”, a “biografia
histórica” e a “história das relações internacionais” (CARDOSO & VAINFAS, 2012, p. XI).
Quando recebemos o convite para fazer a pesquisa biográfica de todos os
comandantes da EsAO por um período de cem anos, aceitamos pelo desafio de “entrar em tantas
vidas particulares de homens em seu tempo histórico”, exercendo o papel de agentes históricos.
José D´Assunção Barros levanta o interesse pela pesquisa biográfica no últimos anos, depois da
quarentena instalada pela crítica proposta pela escola dos Annales18e dos novos marxistas da
primeira metade do século XX. Barros destaca a relação entre as instituições e o Estado, onde os
agentes exercem relações de poder entre grupos sociais de diversos tipos (BARROS, 2013, p.
109). Benito Bisso Schmidt discorre sobre o interesse pela pesquisa biográfica:
Sempre houve um público leitor ávido por biografias, seja em busca de modelos (ou
contra modelos) de conduta, seja a procura das “verdades” íntimas dos personagens
retratados, sobretudo dos mais famosos, que permitissem saciar sua curiosidade
voyeurista, desnudando-os no seu lado “demasiadamente humano”, trazendo-os como
que para mais perto do “comum dos mortais” (CARDOSO & VAINFAS, 2012, p. 187).
A temporalidade da experiência, onde as informações prestadas pelas diversas fontes
completam a experiência individual além da dimensão espaço-tempo. Segundo Christine Delory-
Momberger, “as ciências sociais têm dificuldade de dar conta da dimensão temporal da
experiência individual: ainda, quando recorrem ao material biográfico, sua forma mais habitual
de encaminhamento é colocar o tempo entre parênteses para reencontrar o “terreno” de uma
geógrafa ou de uma cartógrafa do social” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524). Roger
Chartier discorre sobre a perspectiva de Pierre Bourdieu no diálogo entre a Sociologia e a
História em três dimensões: sociológica, em suas técnicas e conceitualizações; antropológica, em
suas descrições; e histórica, em suas perspectivas:
Com a maioria dos historiadores, esta relação nem sempre foi fácil. Isso porque os
historiadores, por um lado, têm tendência a repelir o que consideram uma
conceitualização excessiva, e têm sempre a referência empírica muito forte nas suas
perspectivas (CHARTIER, 2002, p. 148).
Os assentamentos (ou fé de ofício) dos militares oferecidos pelo Exército são os
extratos das atividades exercidas por toda uma vida. Neles, observamos a data de nascimento, as
principais atividades exercidas nos quartéis, a constituição familiar e parte de seus méritos e
punições até a passagem para a reserva ou por reforma, no caso de alguma doença ou moléstia
grave. A partir do momento em que acessamos as fontes primárias no Arquivo Histórico do
Exército, logo percebemos que não se tratava de uma tarefa fácil. Isso porque os dados
oferecidos na “fé de ofício” nem sempre estão completos, tendo que recorrer a outras fontes.
Nesse aspecto, Jacques Le Goff mostra a complexidade na busca por dados completos:
18A partir das últimas décadas do século XX, depois de quatro décadas de quarentena, os historiadores profissionais
retomam o gênero. De novas maneiras eles dirão. Agora os mais variados sujeitos históricos merecem ser
biografados: não apenas os heróis e as grandes individualidades políticas, mas também indivíduos anônimos que
jamais saíram dos arquivos empoeirados se de lá não os estivessem arrancado os historiadores – um moleiro
herético, um padre exorcista de segundo plano, um impostor que se faz passar por um marido desaparecido até ser
desmascarado, e que carrega em sua própria vida um enredo tão novelesco que se tornou matéria-prima para uma
produção cinematográfica (BARROS, 2013, p. 188).
“Transmite-nos a biografia dos profetas, a crônica dos reis, suas dinastias e política.
Assim, quem quiser pode obter bons resultados, pela imitação dos modelos históricos,
religiosos e profanos. Para escrever obras históricas é preciso dispor de numerosas
fontes e variados conhecimentos. É também preciso um espírito reflexivo e profundo:
para permitir ao investigador atingir a verdade e defender-se do erro" (LE GOFF, 1990,
p. 81).
Para completar as lacunas deixadas pelos assentamentos, arquivos disponíveis na
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional contribuíram na identificação de traços culturais. Um
exemplo ficou por conta da data de falecimento do general José Maria Franco Ferreira, o
primeiro comandante da EAO. Essa data estava indisponível no sistema integrado das Seções de
Inativos e Pensionistas (SIP), bem como nos arquivos do AHEx. A partir da suposição do
costume da época em divulgar falecimentos e missas de sétimo dia nos jornais de grande
circulação, procedeu-se uma busca pelos obituários nos jornais de grande circulação entre abril
de 1940, data da passagem para a reserva remunerada como general de divisão até o dia 19 de
agosto de 1946, quando foi identificada uma breve nota no jornal carioca “A Noite”
comunicando a data de falecimento do ex-comandante da EAO.
Quanto aos tenentes-coronéis Machado Vieira e Fontoura, os dados foram
completados pelos boletins internos da EAO e das referências bibliográficas. A data de
falecimento deste último foi extraída de uma ação familiar na Advocacia Geral da União para a
revisão de pensão por morte, por parte da instituição Monte Pio em fevereiro de 1936. Isso nos
ajuda a revelar parte das estratégias adotadas na busca por informações, fato que corrobora a
afirmação de Marc Bloch: “São os homens que (a história, grifo nosso) quer capturar. Quem não
conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece
com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” (BLOCH, 2001, p.
54).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a iniciativa de contratar uma missão militar de cunho renovador, a jovem
república brasileira buscou lançar as bases da reconstrução doutrinária e da segurança nacional.
Em um espaço de trinta anos (1890 – 1920), verificamos o processo de formação e de
aperfeiçoamento dos oficiais do Exército Brasileiro sofreu importantes mudanças, passando pela
mudança do regime monárquico, onde seu prisma institucional era secundário para o
protagonismo e as tensões carregadas nos mandatos presidenciais de Manuel Deodoro da
Fonseca (1889 –1891) e de Floriano Vieira Peixoto (1891 – 1894). Após a consolidação
republicana pela espada, abriu-se o horizonte para a política dos governadores centradas na
representatividade paulista cafeeira. As províncias experimentaram um nível de autonomia maior
nesse período, libertando-se da centralidade acordada com a elite saquarema ao final do Império.
No entanto, a centralidade burocrática do ethos militar foi de encontro às aspirações estaduais,
resultando uma série de conflitos e rupturas no pacto político então existente. Nesse sentido, os
militares que foram alvo da nossa pesquisa biográfica protagonizaram alguns desses fatos
históricos, onde a postura em prol da legalidade contribuíram para a escolha futura na
representação da Escola de Aperfeiçoamento para Oficiais, idealizada por franceses no final da
década de 1910 e que serviu para unir as três correntes de pensamento existentes: o pensamento
alemão, cultuado pelos “jovens turcos”, onde o primeiro comandante da EAO José Maria Franco
Ferreira foi um representante desse impulso renovador; os militares da “Missão Indígena”, que
buscavam a profissionalização militar e o afastamento das questões políticas e do cientificismo
propagado no final do século XIX; além do pensamento francês vencedor da Primeira Guerra
Mundial.
Vimos no referencial teórico que, na história do ensino militar, o Exército Brasileiro
buscou a modernização desde os seus primórdios e que o processo de modernizador do ensino
ocorrido nos anos 1920 foi mais um capítulo dessa enorme saga. A discussão entre as ciências
sociais, sobretudo a história e a sociologia podem oferecer uma nova lente sobre o protagonismo
de seus atores na constituição dos destinos institucionais. O elo entre o comando da EAO e os
consultores da MMF foi, sem dúvida, um importante laboratório para a observação do know-how
no compartilhamento do saber adaptado às condições brasileiras fragmentadas na doutrina, nos
estados da federação e nas pessoas como agentes históricos. A mudança proposta com a criação
da EAO foi despertar a necessidade de estimular os militares na procura por novas informações e
soluções naquele ambiente cada vez mais complexo e incerto. A reflexão em torno do caminho a
seguir ganhou de importância naquele contexto. Isto, porque, além da participação militar na
sociedade civil, o paradigma, no momento de transição das escolas para o novo modelo de
ensino, buscava a medida adequada entre o profissionalismo exigido pelos tarimbeiros e da
representatividade política aspirada pelos doutores e pela “mocidade militar”.
Por fim, o trabalho em conjunto trouxe as experiências nacionais e estrangeiras como
estratégias importantes nesse processo modernizador. Assim, o conhecimento e a experiência dos
comandantes da EAO, nos mais variados matizes, alia-se à capacidade de aplicação da doutrina e
da mudança do pensamento militar nos anos seguintes.
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