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Análise do conto “Saga” de Sophia de Mello Breyner Andresen Resumo: Numa ilha no mar do Norte, de nome Vig, vivia Hans um jovem com catorze anos que não temia as tempestades e que adorava ver o mar, a sua grande paixão. Hans vivia, no interior da ilha, com a sua família: a sua irmã Cristina, o seu pai Sören e a sua mãe Maria. Hans já tivera dois irmãos mais novos, Gustav e Niels, que morreram num naufrágio de um veleiro que pertencia ao seu pai. Hans queria ser um homem do mar e viajar por outras terras do Sul no seu próprio barco, mas o pai queria que ele fosse estudar, que se afastasse do mar, porque já tinha perdido dois filhos. Contudo, Hans era um sonhador destemido e adorava o mar. Então fugiu de Vig num cargueiro, “Angus”. Chegou a uma cidade, que Hans adorou. Quando o barco iria partir da cidade, alguns dias depois de chegar, o capitão chicoteou Hans e ele abandonou o navio. Viveu como vagabundo na cidade. Hoyle, um homem inglês de negócios levou-o para sua casa, onde ficou a viver como “filho adoptivo”. Aí aprendeu tudo e em sonhos preparava-se para regressar a Vig. Escreveu várias vezes para casa, mas a resposta era sempre a mesma: a mãe dizia-lhe que o pai nunca o receberia em Vig. Os anos passaram e com vinte e um anos, Hans era já capitão de um navio e com ele muitas viagens realizou. E sonhava com o que levaria para Vig. Mandava cartas enquanto estava fora, mas quando regressava a resposta era sempre a mesma. Algum tempo depois, Hoyle, velho e cego pediu a Hans que tomasse conta dos seus negócios e ele aceitou. Então escreveu para casa que já não era homem do mar, mas a mãe respondeu-lhe a dizer o mesmo. Hans casou com Ana e pouco tempo depois Hoyle acabara por morrer. Teve o seu primeiro filho a quem deu o nome de Sören, o qual acabou por morrer ainda recém-nascido. Construiu a sua riqueza, era agora um homem de negócios, possuidor de fortunas. Maria, mãe de Hans morreu e ele escreveu ao pai, mas o este nunca lhe respondeu. Então percebeu que jamais voltaria a Vig. Foi construindo a sua casa, para onde mandou fazer grandes obras. Tinha já filhos e netos, haviam grandes jantares em família e o tempo passava! E as memórias de Vig surgiam, Hans ficara velho, acabando por adoecer. Pouco depois morrera… A sua sepultura tinha um navio em cima, pedido de Hans à família antes e falecer. Segundo ele, era um navio naufragado. Navio esse, em que nas noites de temporal rumava para Norte, regressava a Vig. Explanação do vocábulo ‘saga’: > Classificação morfológica: nome feminino no singular; > Classificação etimológica: do gótico saega, com o sentido de ‘o que se diz’, do qual deriva a palavra islandesa saga (plural sögur). O vocábulo é relacionado com o inglês say e com o alemão sagen ("dizer"); > Classificação semântica: tradição lendária dos escandinavos; narrativa baseada em tais lendas; história de uma família abrangendo várias gerações; história longa e muito movimentada; > Saga, no contexto em questão, pode significar «tradição lendária dos escandinavos; narrativa baseada em tais lendas; história de uma

Saga - Análise do conto

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Análise do conto “Saga” de Sophia de Mello Breyner Andresen

Resumo:Numa ilha no mar do Norte, de nome Vig, vivia Hans um jovem com catorze

anos que não temia as tempestades e que adorava ver o mar, a sua grande paixão. Hans vivia, no interior da ilha, com a sua família: a sua irmã Cristina, o seu pai Sören e a sua mãe Maria. Hans já tivera dois irmãos mais novos, Gustav e Niels, que morreram num naufrágio de um veleiro que pertencia ao seu pai. Hans queria ser um homem do mar e viajar por outras terras do Sul no seu próprio barco, mas o pai queria que ele fosse estudar, que se afastasse do mar, porque já tinha perdido dois filhos. Contudo, Hans era um sonhador destemido e adorava o mar. Então fugiu de Vig num cargueiro, “Angus”. Chegou a uma cidade, que Hans adorou. Quando o barco iria partir da cidade, alguns dias depois de chegar, o capitão chicoteou Hans e ele abandonou o navio. Viveu como vagabundo na cidade. Hoyle, um homem inglês de negócios levou-o para sua casa, onde ficou a viver como “filho adoptivo”. Aí aprendeu tudo e em sonhos preparava-se para regressar a Vig. Escreveu várias vezes para casa, mas a resposta era sempre a mesma: a mãe dizia-lhe que o pai nunca o receberia em Vig. Os anos passaram e com vinte e um anos, Hans era já capitão de um navio e com ele muitas viagens realizou. E sonhava com o que levaria para Vig. Mandava cartas enquanto estava fora, mas quando regressava a resposta era sempre a mesma. Algum tempo depois, Hoyle, velho e cego pediu a Hans que tomasse conta dos seus negócios e ele aceitou. Então escreveu para casa que já não era homem do mar, mas a mãe respondeu-lhe a dizer o mesmo. Hans casou com Ana e pouco tempo depois Hoyle acabara por morrer. Teve o seu primeiro filho a quem deu o nome de Sören, o qual acabou por morrer ainda recém-nascido. Construiu a sua riqueza, era agora um homem de negócios, possuidor de fortunas. Maria, mãe de Hans morreu e ele escreveu ao pai, mas o este nunca lhe respondeu. Então percebeu que jamais voltaria a Vig. Foi construindo a sua casa, para onde mandou fazer grandes obras. Tinha já filhos e netos, haviam grandes jantares em família e o tempo passava! E as memórias de Vig surgiam, Hans ficara velho, acabando por adoecer. Pouco depois morrera… A sua sepultura tinha um navio em cima, pedido de Hans à família antes e falecer. Segundo ele, era um navio naufragado. Navio esse, em que nas noites de temporal rumava para Norte, regressava a Vig.

Explanação do vocábulo ‘saga’:> Classificação morfológica: nome feminino no singular;> Classificação etimológica: do gótico saega, com o sentido de ‘o que se diz’, do

qual deriva a palavra islandesa saga (plural sögur). O vocábulo é relacionado com o inglês say e com o alemão sagen ("dizer");

> Classificação semântica: tradição lendária dos escandinavos; narrativa baseada em tais lendas; história de uma família abrangendo várias gerações; história longa e muito movimentada;

> Saga, no contexto em questão, pode significar «tradição lendária dos escandinavos; narrativa baseada em tais lendas; história de uma família abrangendo várias gerações; história longa e muito movimentada». Além disso, ainda quer dizer «bruxa; feiticeira; alcoviteira» (in Dicionário da Porto Editora). O Dicionário Electrónico Houaiss define assim a palavra saga: «qualquer das antigas narrativas e lendas escandinavas, redigidas principalmente nos séculos XIII e XIV»; «canção popular que tem como tema alguma dessas lendas»; e, por extensão de sentido, «canção lendária ou heróica» ou «narrativa fecunda em incidentes». No entanto, saga é também, de acordo com este dicionário, «nome dado pelos romanos às bruxas e feiticeiras».

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A narrativa fechada tem uma estrutura bem demarcada, com introdução, desenvolvimento e conclusão. O leitor fica a conhecer o destino de todas as personagens. Pelo contrário, numa narrativa aberta, o leitor não chega a saber a sorte final das personagens.

Categorias da narrativa

1. ACÇÃO (momentos determinantes)Introdução: apresentação da ilha – Vig, de Hans, do seu pai, da sua mãe e irmã;

descrição gradativa de uma tempestade, desde o seu início até ao seu desenvolvimento e culminar com o naufrágio do navio Elseneur, com os seus efeitos manifestados na natureza; proposta do pai de Hans para estudar em Copenhaga e a recusa dele.Engloba desde o 1º até ao 37º parágrafo: “O mar do Norte, verde e cinzento… Hans estava de pé na penumbra, encostado ao armário de madeira lavrada.”

Desenvolvimento: acontecimentos que levam à consumação da recusa de estudar expressa ao pai e do desejo de querer ser marinheiro:

fuga de Hans no navio “angus”, viagem para Sul.; desentendimento com o capitão do navio e consequente fuga do “Angus”; Hans vagueia pela cidade, encantado com as novidades; Hans reconhece o seu exílio e fraqueza. Hoyle encontra Hans encostado ao

muro da sua quinta. Apresentação de Hoyle. “Adopção” de Hans pelo inglês; Hans estuda, torna-se marinheiro e capitão de um navio; Hans escreve para sua casa a pedir perdão, promete regressar a Vig como

capitã de um navio. Recebe as respostas de sua mãe a dizer que não devia regressar porque o seu pai não o perdoaria e não o queria ver;

Realiza o seu sonho de viajar pelo mundo como capitão de um navio; Hoyle adoece e fica cego. Hans deixa de ser empregado de Hoyle para ser seu

sócio; Hans casa com Ana; Passado pouco tempo do seu casamento Hoyle morre e Hans funda a sua

própria firma; Hans é pai, o seu filho morre e o seu primeiro barco é lançado à água; Hans tem mais filhos e torna-se rico, próspero e um comerciante competente; A sua mãe morre. Compreende que jamais regressará a Vig; Compra uma quinta e estabelece lá a sua morada;Engloba desde o 38º até 105º parágrafo: “Em Agosto, chegou a Vig, vindo da

Noruega, um cargueiro inglês… E os anos começaram a passar muito depressa. E uma certa irrealidade começou a crescer.”

O climax do desenvolvimento situa-se no final do 89º parágrafo quando a sua mãe morre e Hans compreende que jamais regressaria a Vig, jamais poderia concretizar parte do seu sonho de ser acolhido pelas pessoas da ilha, contar as suas histórias e ser perdoado pelo seu pai: “Quando a mãe morreu, mais uma vez ele escreveu ao Pai. Mas do Pai nunca veio resposta e foi então que Hans compreendeu que jamais regressaria a Vig.”

Conclusão: Hans apercebe-se que já não poderá seguir o seu desejo, o seu Destino, já não viajava e apresenta-se como um velho barco encalhado que está pronto para ser desmantelado prancha por prancha. Hans não oferece resistência à morte; Apresenta um último desejo aos seus filhos e à esposa: construir um navio

naufragado em cima da sua sepultura. O seu desejo é concretizado e torna-se um monumento da cidade visitado pelas pessoas das localidades vizinhas.

Ao identificarmos os acontecimentos que constituem a acção deste conto, conclui-se que os mesmos são narrados por ordem cronológica, ou seja, surgem encadeados uns nos outros. Diz-se, então, que o processo de organização das sequências narrativas é o encadeamento.

Tendo em conta o desenlace do conto, classifica-se esta acção (classificação da narrativa quanto à sua delimitação) como fechada, visto conhecer-se ao pormenor o fim da história e do destino da personagem central: Hans.

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Na introdução, mais propriamente no 9º parágrafo, surge uma história que se apresenta por encaixe na acção principal. Trata-se de uma breve explicação para o facto das portas das casas de Vig serem baixas.

Para concluir, posso dizer que ao longo do texto surgem vários indícios que evidenciam o final trágico da personagem principal: a negação do perdão por parte do pai e a recusa em recebe-lo no seu lar, na sua ilha; o adiar do seu sonho para se aliar ao Hoyle; o ter deixado de ser marinheiro e capitão de um navio para ser sócio de Hoyle; o facto de se ter casado e ter comprado uma quinta; a morte da sua mãe; o passar incessante do tempo manifestado por expressões e advérbios de tempo: “Os anos passaram”, “ao fim de longos meses”, “Quando já tinha passado a primeira mocidade”, “algum tempo depois”, “Pouco tempo antes do seu casamento”, “E foi no fim das últimas camélias”, “no tempo das primeiras camélias”, “em Novembro do seguinte ano”, “se foram passando os anos”, “embora fosse já tarde”, “Passados alguns meses”, “Agora os filhos cresciam”, “Os filhos tinham crescido”, “E os anos começaram a passar depressa”…

2. PERSONAGENS E A SUA CARACTERIZAÇÃO

Nos cinco primeiros parágrafos do conto, é apresentado Hans como uma personagem fulcral de toda a história. É apresentada a sua relação de intimidade e quase cumplicidade entre ele e o mar. É igualmente apresentada a sua capacidade para perscrutar o mar e prever uma tempestade. Esta é a personagem principal, uma vez que todos os acontecimentos se desenrolam à sua volta.

Como personagens secundárias, são apresentadas o pai de Hans - Sören, a sua mãe - Maria, o capitão do navio inglês, o inglês Hoyle, a sua neta Joana, o seu filho mais velho.

Verifica-se a existência de alguns figurantes na história: a sua irmã Cristina, Knud, os colegas marinheiros do navio inglês, a sua esposa Ana.

O levantamento das expressões textuais que indicam as características físicas, psicológicas, comportamentais e sociais das personagens permite elaborar o retrato de cada uma delas e perceber se as suas características, o seu comportamento e as suas atitudes evoluíram ao longo da história.

Ao nível social, estas personagens (principal e secundárias) apresentam características comuns entre si, pois representam uma classe possuidora de terras, casas e navios, se bem que continuam o seu trabalho com afinco e dedicação.

Quanto à caracterização física e psicológica, cada personagem apresenta características próprias. As tabelas seguintes – Hans, Sören, Maria, capitão do navio inglês, Hoyle, Joana – exemplificam o levantamento de expressões textuais, a partir das quais se conclui acerca dos traços dominantes de cada personagem.

A personagem central é protagonista de cinco fugas relatadas na história:1. Fuga de Vig: “Foi no Angus que Hans fugiu de Vig, alistado como grumete.”2. Fuga do navio Angus, depois de ter sido chicoteado pelo capitão: Mas nessa

madrugada, em segredo, Hans abandonou o navio.”3. Fuga do seu destino, do seu sonho de ser homem do mar, conhecer muitas

terras e ser capitão de um navio: “A sua antiga fuga de Vig fora, de certa forma, inútil. Nem a traição lhe dera o seu destino.”

4. Fuga de regressar a Vig: “Quando a Mãe morreu, mais uma vez ele escreveu ao Pai. Mas do Pai nunca veio resposta e foi então que Hans compreendeu que jamais regressaria a Vig.”

5. Fuga no seu sonho, depois de ter sido chicoteado pelo seu pai: “Mas outras noites acordava chorando e soluçando, pois o seu pai era o capitão do navio e o chicoteava brutalmente no convés e ele fugia e de novo ficava sozinho e perdido numa cidade estrangeira.”

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O retrato de Hans

Físico PsicológicoAinda jovem, em VigCaracterização directa:- “catorze anos”- “já tinha quase a altura de um homem”

Caracterização indirecta:

Foragido no “Angus”Caracterização directa:

Caracterização indirecta:

Ainda jovem, em VigCaracterização directa:

Caracterização indirecta:- “Hans viu que estava formando a tempestade” perspicaz e sabedor- “ele não temia a tempestade”- “Hans concentrava o seu espírito o seu espírito para a exaltação crescente do grande cântico marítimo.” sensível, concentrado- “Para resistir ao vento, estendeu-se ao comprido no extremo no promontório.” conhecedor- “Ali, no respirar da vaga, ouvia o respirar indecifrado da sua própria paixão.” incerto quanto ao futuro- “Carregado de imaginações queria ser, como os seus tios e avós, marinheiro.” decidido, resoluto, audaz- “Imaginava… Imaginava… Imaginava…” sonhador, pensador- “Queria ser um daqueles homens…” sonhador, decidido- “- Quero ser marinheiro.”, “-Não, quero ser capitão de um navio.”, -“Não posso.” decidido, resoluto, audaz

Caracterização indirecta:- “Foi no Angus que Hans fugiu de Vig, alistado como grumete.” aventureiro, corajoso, inconsequente- “Os seus ouvidos escutavam a força viva do navio que galgando a onda reencontrava o equilíbrio sobre o desequilíbrio das águas.” sensível, perspicaz- “Mas Hans sentia a elasticidade do barco, a sua precisão de extremo a extremo e o equilíbrio que, entre vaga e contra-vaga, não se rompia.” inteligente, sensível- “Hans amou desde o primeiro momento a respiração rouca da cidade…” jovem apaixonado- “Hans estava de pé no cais, vestido com uma pele de urso branco…” brincalhão, divertido- “Hans, sozinho, no meio do círculo vazio, suportou com um sorriso calmo

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Hans abandona o navio e embrenha-se na cidade desconhecida. É encontrado e “adoptado” pelo Hoyle.Caracterização directa:- “Aos 21 anos, …”- “Quando estava já passada a sua primeira mocidade…”

Caracterização indirecta:

Depois do seu casamento e morte de HoyleCaracterização directa:

Caracterização indirecta:

o rosto irado que o fitava.” forte, personalidade forte, decidido, temerário, imprudente, destemido- “Hans, devagar, com um sorriso petulante, despiu a pele do urso e estendeu-a a outro grumete…” irónico, imprudente, destemido- “Hans sustentou o olhar e o seu sorriso tornou-se duro e teimoso.” teimoso, inconsequente, audaz

Caracterização directa:- “homem de confiança”- “homem de negócios hábil.”

Caracterização indirecta:- “Hans abandonou o navio…” irresponsável, fugaz- “Assim, diz-se, terá vagueado quatro dias, tonto de descobrimento, de espanto e de solidão.” aventureiro, destemido, audaz- “De repente, reconheceu o seu exílio, a sua fraqueza.” consciencioso- “De um barco ele sabia tudo desde o porão até ao cimo do mais alto mastro.” sabedor, inteligente- “…estudando, sonhando e praticando, ele preparava-se para cumprir o seu projecto…” lutador, esperançoso- “Hans escreveu para casa: pediu com ardor perdão da sua fuga, dizia as suas razões, as suas aventuras, o seu paradeiro. Prometia que um dia voltaria a Vig e seria o capitão de um grande veleiro.” sensível, consciencioso, decidido, audaz- “…Hans aprendeu a arte de navegar e a arte de comerciar.” inteligente, habilidoso- “«Um dia levarei estes búzios para Vig.” saudoso, sensível- “Hans ficou. Deixou de ser empregado de Hoyle e tornou-se seu sócio.” amigo, compreensivo, nobre de carácter- “As suas narinas tremiam quando no gabinete entravam gentes vindas de bordo.” sensível- “A renúncia endurecia os seus músculos.” determinado, audaz- “Hans começou a construir uma

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Os cinco filhos iam crescendo.Caracterização directa:

Caracterização indirecta:

Os filhos tinham crescido.Caracterização directa:- “Estava velho como um barco que não navegava mais e prancha por prancha se vai desmantelando.”- “Tinha as mãos um pouco trémulas, o azul dos olhos desbotado, fundas rugas lhe cavavam a testa, os cabelos e as compridas suíças completamente brancas. Mas era um velho imponente e terrível, alto e direito em seu pesado andar…”- “homem robusto”

Caracterização indirecta:

fortuna pessoal que nunca tinha projectado.” habilidoso, inteligente- “homem de negócios hábil porque se apercebia da natureza das coisas e da natureza das pessoas e negociava com paixão. A sua fortuna não era nem a sua ambição, nem a sua aventura, nem o jogo e nela nada ed si próprio envolvia. Enriquecia porque a sua percepção e os seus cálculos estavam certos.” perspicaz, sensível, determinado, humilde

Caracterização directa:- “Era agora um homem rico e também respeitado e escutado. A sua honestidade era célebre e a sua palavra era de oiro.” honesto, homem de palavra, nobre de espírito- “ele próprio era agora um dos notáveis do burgo.” habilidoso, lutador

Caracterização indirecta:- “Mas não deixou adiar o lançamento do navio e no dia seguinte desceu a pé desde o cemitério até à doca.” decidido, determinado- “Em rigor ele já não era quem era e tinha encalhado em sua própria vida.” fracassado, triste, frustrado- No entanto, parecia a Hans que algo em sua vida, embora fosse já tão tarde, era ainda espera e espaço aberto, possibilidade.” esperançoso, sensível

Caracterização directa:

Caracterização indirecta:- “Hans gostava de longos jantares.” bom conviva, boa companhia- “Hans precisava da diversidade das companhias, de conversas que lhe trouxessem um eco de terras e vidas diferentes. E gostava da animação, das vozes…” simpático, falador

Caracterização directa:- “burguês próspero, comerciante competente…”- “…autoritário nas ordens que dava e sempre um pouco impaciente e taciturno.”

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Caracterização indirecta:- “Hans não reconhecia o tempo.”- “deitava-se tarde.”- “cismava vagamente, nem sequer sabendo que cismava…”- “de súbito estremecia e passava para além do próprio cismar…”- “levantou-se pesadamente e atravessou como estrangeiro a sua casa.”- “…sereno e consciente pareceu resistir...”- “parecera semi-adormecido”

O retrato de Sören

Físico PsicológicoCaracterização directa:- “era um homem alto, magro, com os olhos cor de porcelana azul, os traços secos e belas mãos sensíveis.”- “[mãos] eram belas, belas e penetradas de domínio.”- “[mãos] tremiam um pouco”

Caracterização indirecta:- “Sob os seus passos ouviam-se gemer os degraus da escada.”

Caracterização directa:- “havia algo de austero e solene, apaixonado e frio.”- “em sua austera e contida paixão.”

Caracterização indirecta:- “À casa e à família imprimia uma inominada lei do silêncio e reserva onde o espírito de cada um concentrava a sua força.” dominador, sabedor- “reconhecia o risco que corria: sabia que é no silêncio que se escuta o tumulto, é no silêncio que o desafio se concentra.” sabedor, audaz, dominador- “ele impunha a si mesmo e aos outros uma disciplina de responsabilidade e de escolha.” disciplinado, regrado, responsável- “Havia porém, algo de taciturno e ansioso em Sören.” taciturno, ansioso- “ele próprio inspeccionara com minúcia casa cabo e cada tábua, sabia que os seus jovens irmãos eram perfeitos homens do mar.” minucioso, responsável, sabedor- “Dizia-se que nunca olhara o mar. Dizia-se mesmo que nesse dia tinha chicoteado o mar.” determinado, resoluto- “Não. Escolhe outra coisa. Podes estudar leis ou medicina ou engenharia. autoritário, protector- “[mãos] tremiam um pouco e Sörem apertava-as uma contra a outra enquanto falava.” ansioso, triste, aflito- “Não hás-de ser marinheiro, Hans.

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Escolhe outro ofício. Promete-me que nunca serás homem do mar. Dá-me a tua palavra.” preocupado, ansioso, autotitário- “Manda-me o teu pai que te diga que não voltes a Vig, pois não te receberá.” determinado, resoluto- “Mas do Pai nunca veio resposta.” determinado

O retrato de Maria

Físico PsicológicoCaracterização directa:

Caracterização indirecta:

Caracterização directa:

Caracterização indirecta:- “Sören, que notícias ouviste hoje na vila?” interessada pela vida da terra- “Deus os guarde.” religiosa- “Deus te perdoe, Hans, porque nos injuriaste e abandonaste. Manda-me o teu pai que te diga que não voltes a Vig pois não te receberá.” mulher submissa ao marido, obediente, pois limita-se a transmitir a vontade do seu marido, Sören.- “Deus te proteja e te dê saúde. Mas não voltes a Vig porque o teu pai não te quer receber.” mãe que deseja o bem para o seu filho, mas que é submissa ao seu marido.

O retrato de capitão do navio inglês Angus

Físico PsicológicoCaracterização directa:- “homem de barba ruiva e aspecto terrível”- “A sua barba vermelha brilhava de fúria.”

Caracterização indirecta:

Caracterização directa:

Caracterização indirecta:- “de súbito, irrompeu no convés.” impetuoso e imprevisível.- “Apanha a pele - ordenou o capitão. E vai para bordo, tu e os outros, todos para bordo.” autoritário, firme nas suas decisões, vertical.- “No porão o capitão chicoteou Hans em frente dos homens calados.” disciplinador, sancionador.

O retrato de Hoyle

Físico PsicológicoCaracterização directa:- “…Hans encontrou o inglês doente. O mal atacara os seus olhos e a cegueira avançava rápida.”

Caracterização directa:

Caracterização indirecta:- “Vivia naquela cidade há trinta anos,

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- “estou velho e cego”

Caracterização indirecta:

mas sempre como estrangeiro,… e onde pairava sempre um cheiro inglês a farmácia.” selectivo, não se intrusa no meio onde vive- “…Hoyle levou-o ao centro da cidade e comprou-lhe as roupas de que precisava e também papel e caneta.” preocupado com o futuro de Hans, bondoso, amigo, compreensivo, fraterno- “Hoyle nunca casara e, numa terra para ele estrangeira, não tinha família e as suas raras amizades eram pouco íntimas.” selectivo, não se intrusa no meio onde vive- “No adolescente evadido ele via agora um reflexo da sua própria juventude aventurosa… vigiando a competência dos superiores sob suas ordens a bordo o colocava.” sensível, bondoso, desejoso de um futuro melhor para ele.- “Deixou de ser empregado de Hoyle e tornou-se seu sócio.” bondoso, solidário

O retrato de Joana

Físico PsicológicoCaracterização directa:

Caracterização indirecta:

Caracterização directa:- “a neta mais velha”

Caracterização indirecta:- “que achava na torre grande aventura e mistério, e a quem ele ensinava o nome e a história dos navios.” interessada, empenhada, boa aprendiz- “Mas Joana desenhava pouco. Levantava a cabeça e fitava intensamente Hans pois algo na sua cara a fascinava e inquietava. E via então que também ele não trabalhava: para além da barra, para além da rebentação, os seus olhos fitavam os verdes azuis do horizonte marinho.” perspicaz, observadora

No que diz respeito à concepção das personagens, conclui-se que algumas mantêm o mesmo comportamento ao longo da história, classificando-se como personagens planas. É o caso de Sören e Hoyle. No entanto, somente Hans, se classifica como personagem modelada ou redonda, pois o seu comportamento, as suas vontades, o seu sonho, a sua perspectiva da vida alteram-se ao longo da história; revela igualmente ser detentor de uma grande e rica densidade psicológica.

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RELEMBRA:A personagem principal é o herói da acção; as personagens secundárias aparecem com um menor relevo; os figurantes representam o espaço social, ilustram determinada atmosfera e caracterizam o ambiente.

As personagens modeladas são dotadas de densidade psicológica; muitas vezes, o leitor fica surpreendido com as suas reacções perante os acontecimentos.

A personagem plana não altera o seu comportamento ao longo do romance; nenhuma das suas reacções surpreende o leitor.

Quanto aos processos de caracterização das personagens, coexistem os dois tipos: caracterização directa e indirecta, onde prevalece a heterocaracterização realizada pelo narrador.

É utilizado o processo de caracterização directa, quando o narrador caracteriza as personagens. Contudo, o retrato das personagens completa-se através das conclusões do leitor, acerca da sua evolução comportamental [Hans] – caracterização indirecta.

Caracterização das personagens quanto ao papel

NomesPapel Composição

Principais Secundárias Figurantes Modeladas Planas

Hans X X

Sören X X

Maria X

Capitão do navio inglês X

Hoyle X X

Joana X

Filho mais velho X

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Aspectos comuns e distintos entre o Hans e Hoyle

Aspectos comuns Aspectos distintos

HANS HOYLE HANS HOYLE

Ligação ao mar e ao comércio Estado Civil

Ex.: “Hoyle era armador e negociava no transporte de vinho para os países do Norte.”, “Hans aprendeu a arte de navegar e a arte de

comerciar.”

Ex.: “Algum tempo depois casou” Ex.: “nunca casara”

Ambos numa terra estrangeira Família

Ex.: “numa terra para ele estrangeira”[Hoyle]; “Caminhou ao acaso na cidade desconhecida,

perdido no som das palavras estrangeiras” [Hans]

Ex.: “A família de Hans”; “Sören, pai de Hans”; “Sören e Maria

jantavam com os filhos, Hans e Cristina”;

“Agora que os filhos cresciam”; “A mulher e os filhos debruçaram-se sobre ele para o ouvir.”

Ex.: “não tinha família”

Destino AmigosEx.: [Hoyle] “Hans era a sua nova possibilidade, o destino outra vez oferecido, aquele que iria viver por ele a verdadeira vida, que nele, Hoyle, estava já perdida como se o destino, tendo falhado seus

propósitos, fizesse, com uma nova mocidade, uma nova tentativa.”; [Hans] “ele já não era quem era e tinha encalhado em sua própria vida. Já não era o navegador que no barco e no mar está em sua própria casa, mas apenas o viajante que por uns

tempos deixou a sua própria casa aonde vai regressar. Já não era como se o barco fosse o seu corpo, como se o emergir das paisagens fosse a

sua alma e o seu próprio rosto, como se o seu ser se confundisse com as águas.”

Ex.: “Além da família, sempre havia amigos e

convidados”

Ex.: “as suas raras amizades eram pouco

íntimas”

Juventude aventurosaEx.: [Hoyle] “sua própria juventude aventurosa”; [Hans] “Foi no Angus que Hans fugiu de Vig, alistado como grumete.”

3. TEMPO

As referências textuais a alguns espaços e acontecimentos permitem definir com clareza o tempo histórico de uma narrativa. Neste conto, a história desenrola-se num período indeterminado. Sabe-se que a acção se situa num tempo em que os barcos são construídos por pranchas de madeira (“bom barco onde ele próprio inspeccionara com minúcia cada cabo e cada tábua”, “Todas as madeiras gemiam como se fossem despedaçar-se e sentia-se a tensão dos cabos repuxados.”) e movimentam-se pela força do vento, com recurso a velas (“Manobrou velas e dirigiu a manobra das velas,…”). Salienta-se igualmente a sua actividade social prioritária, marinheiros, armadores e comerciantes: “…um veleiro que lhe pertencia. Sören sabia que o seu barco era um bom barco…”, “…Sören vendeu os seus barcos e comprou terras no interior da ilha.”, “Carregado de imaginações queria ser, como os seus tios e avós, marinheiro.”, “…Elseneur era o melhor navio de Vig e a sua tripulação era formada por gente da ilha, homens jovens que ela conhecia desde o berço, ou velhos lobos-do-mar que a conheciam desde a própria infância.”, “Não hás-de ser marinheiro, Hans.”, “Hoyle era armador…”, “…ele preparava-se para cumprir o seu projecto: regressar a Vig como

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capitão de um navio,…”, “Prometia que um dia voltaria a Vig e seria o capitão de um grande veleiro.”, “Aos 21 anos, já Hans era capitão de um navio de Hoyle e homem de confiança nos seus negócios. Assim, desde muito cedo, Hans conhecera as ilhas do Atlântico, as costas de África e do Brasil, os mares da China. Manobrou velas e dirigiu a manobra das velas, descarregou fardos e dirigiu o embarque e desembarque de mercadorias.”, “Era um homem de negócios hábil…”, “…Hans fundara a sua própria firma cuja prosperidade crescia. Era agora um homem rico…”, “Mas não deixou adiar o lançamento do navio…”, “…eram viagens de negociante que vai estudar mercados, abrir sucursais, estudar contratos e contactos.”, “…Hans, burguês próspero, comerciante competente,…”, “Segundo disse para ver a entrada e a saída dos seus barcos.”

Observando as referências textuais relativas ao tempo, podemos concluir que a acção apresenta uma grande extensão temporal, uma vez que narra a vida de Hans, desde os seus catorze anos (“…aos catorze anos já tinha quase a altura de um homem…”), até à sua morte (“Hans foi enterrado no lado sul do cemitério…”).

As primeiras referências temporais são: “Havia nesse começo de tarde…”, “De repente…”, “…só em dias de temporal…”, “Nesse dia, quando ao cair da noite…”, “Mal a notícia do naufrágio foi confirmada…”. Estes elementos servem para apresentar o tempo, a personagem Hans e a sua relação com o mar, enquanto o narrador conta o desenvolvimento da tempestade que culmina com o naufrágio do navio Elseneur.

A partir da referência “nas longas noites de Inverno” sabemos que a acção inicial da história passa-se a estação do Inverno, época em que se desenvolvem grandes tempestades no mar de Vig.

As referências “…a meio da tarde mas, ao pôr-do-sol,…”, “nessa noite”, “de manhã”, “Um instante passou…” servem para o narrador apresentar o tempo em que o navio Elseneur está preso no mar, sem poder entrar na barra e, logo, na segurança desejada, acabando por naufragar. Este acontecimento faz reflectir Sören sobre o futuro do seu filho, Hans, uma vez que já tinha perdido dois irmãos, Gustav e Niels. Não desejando uma vida de ansiedade e medo e um desfecho trágico idêntico para o seu filho, resolve decidir pelo seu futuro, encaminhando-o para um futuro com menos riscos. É no diálogo entre pai e filho que vemos mais referências temporais: “Hoje… No fim deste Verão”, “Esta manhã”.

É em pleno Verão que surge a próxima referência temporal “Em Agosto”, para nos anunciar a chegada do navio Angus, no qual Hans decide fugir, marcando irremediavelmente para sempre toda a sua vida e Destino.

A apresentação da terra onde Angus vai aportar é precedida por uma referência temporal “ao cair de uma tarde”, como o surgimento de uma recompensa por tanto esforço e dedicação dos marinheiros.

As referências seguintes, enquadram-se no estado de tensão criado entre Hans e o capitão do navio Angus: “Na véspera da partida”, “A tarde corria”.

As próximas referências temporais dizem respeito à fuga de Hans do navio Angus e à sua vida errante imediatamente a seguir: “Mas nessa madrugada”, “da manhã”, “quatro dias”, “Mas ao quinto dia”.

Nos próximos elementos temporais, Hoyle encontra Hans e acolhe-o em sua casa. Há uma breve apresentação desta nova personagem: “trinta anos”, “A sua adolescência cresceu”, “Dois dias depois de ter recolhido”.

A partir deste momento, o narrador apresenta-nos várias referências temporais, que se podem subdividir do seguinte modo: uma onde o narrador apresenta-nos a acção da personagem num curto espaço de tempo e uma outra onde se pode constatar que o tempo avança a uma grande velocidade, havendo mesmo “saltos” devidamente enquadrados na ordem cronológica dos acontecimentos:

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Curto prazo Longo prazo“Dois dias depois”“Aos 21 anos”“E à noite, já a bordo, escrevia”“Um dia contarei em Vig”“No dia seguinte escrevia para casa”“E, no dia seguinte, escrevia”“À noite”“Agora”“Algum tempo depois casou”“Pouco antes do seu casamento”“Era agora um homem rico”“desde Novembro até Maio”“E foi no tempo das últimas camélias”“no seu sétimo dia de vida”“no sexto dia”“no dia seguinte”“Na manhã de Maio”“no tempo das primeiras camélias, em Novembro do seguinte ano”“E mais uma vez”“à noite”“de súbito”“passados alguns meses”“E agora deitava-se tarde.”“Em Novembro, as primeiras camélias”“Quando adoeceu para morrer, ia Novembro perto do fim”“Durante seis dias”“Mas ao sétimo dia”“Ao cair da noite… durante longas horas”

“A resposta só veio meses depois.”“Os anos passaram e Hans aprendeu a arte de navegar e de comerciar.”“desde muito cedo, Hans conhecera”“quando ao fim de longos meses regressou”“Quando já estava passada a sua primeira mocidade, um dia”“Os anos foram passando”“se foram os anos passando”“Agora os filhos cresciam”“Entretanto, à medida que a vida ia cumprindo os seus ciclos”“Os filhos tinham crescido. As quatro estações giravam.”“E ritmados pelas quatro estações, os anos passaram”“E os anos começaram a passar muito depressa.”

Ao longo da narração da história, o narrador avança no tempo, com a intenção de transmitir ao leitor que o tempo voava sem que a personagem central realizasse o seu sonho e os seus propósitos.

Ao longo da história, a narração dos acontecimentos (tempo do discurso) segue a ordem cronológica dos mesmos. No entanto, destaca-se o recurso ao processo da analepse (recuo na acção), para explicar o facto das portas, na ilha de Vig, serem baixas: “Assim é desde o tempo antigo das guerras quando os invasores que ocupavam a ilha penetravam nas casas de cabeça erguida mas exigiam que a gente da ilha se curvasse para os saudar. Então, os homens de Vig baixaram o lintel das suas portas para obrigarem o vencedor a baixar a cabeça.” E um avanço na acção da narrativa – prolepse, para predizer que Hans será um armador cujos navios manter-se-ão sempre à superfície da água, devido à sua imensa experiência na observação dos barcos: “Mais tarde os navios de Hans nunca naufragaram.”

4. ESPAÇO

São várias as referências textuais aos lugares onde os acontecimentos se desenrolam. O espaço físico mais alargado é o mar.

Num primeiro momento, o narrador apresenta Vig, a sua localização no mar do Norte e, de seguida, a vila onde mora Hans, como se estivesse a focar

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lentamente (desde o mar do Norte, a Ilha de Vig, interior da ilha, floresta, pequena vila costeira, ruelas, casa de Hans), num processo de gradação.

À medida que o narrador descreve o espaço físico no interior da casa de Hans, os momentos preparativos e da própria conversa que Sören quer ter com o seu filho, no exterior há uma intensificação da tempestade, que acaba por culminar no naufrágio do Elseneur e na narrativa da recolha dos corpos dos náufragos.

Curiosamente só nos momentos em que Hans está a realizar o seu sonho de ser marinheiro, de percorrer e conhecer o mundo a bordo de um navio, é que o espaço físico é narrado em extensões de grandes dimensões, como o mar, “Ilhas do Atlântico, as costas de África e do Brasil, os mares da China”, “praias brancas”, “promontórios e costas desertas”, “ruelas das cidades desconhecidas”, “portos e nas fronteiras”.

No momento em que Hans regressa das suas viagens de negócios e encontra Hoyle cego, quando este lhe pede para ficar com ele, a personagem central aceita. A partir deste momento, sente-se que o espaço físico à sua volta encolheu, para encolher também o seu sonho e o seu Destino adensa-se: “em frente a uma mesa de carvalho”, “armazéns”, “Mindelo”, “desde o cemitério até à doca”.

Após a morte da sua mãe, Hans apercebe-se que estava destinado a ficar ancorado à cidade de Mindelo. É então que resolve comprar uma quinta “comprou uma quinta que do alto de uma pequena colina descia até ao cais da saída da barra. Entrava-se na quinta, pelo lado dos campos, por um portão de ferro que, depois de o passarmos, ao fechar-se batia pesadamente. Em frente, surgia a casa, enorme, desmedida, com altas janelas, largas portas e a ampla escadaria de granito, abrindo em leque. Na parte de trás, corria uma longa varanda debruçada sobre os roseirais do poente.”, mas não uma quinta qualquer, terá de ser um espaço tão amplo como o seu sonho: “Tudo na casa era desmedidamente grande desde os quartos de dormir onde as crianças andavam de bicicleta até ao enorme átrio para o qual davam todas as salas”, onde encontrará peças de arte um pouco de todo o mundo: “Boémia, Alemanha, França, Itália…”. Esta casa com espaços desmesuradamente grandes, de certo modo, têm a função de compensar a vastidão dos mares que seriam o realizar pleno do seu sonho suspenso.

À medida que vai envelhecendo, o seu espaço físico também se vai confinando a uma ínfima parte daquilo que desejava ser o seu horizonte. Manda construir a torre no fundo da quinta para assim poder alcançar o mar, a vastidão do

(no) exterior

Narrativa do naufrágio do

Elseneur

Narrativa da recolha dos corpos dos náufragos

Tempestade

(no) interior

Momentos de tensão e de expectativa

Conversa de Sören com

Hans

Page 15: Saga - Análise do conto

horizonte e o caminho por onde pode rumar à sua ilha: “No fundo da quinta, para os lados da barra, Hans mandou construir uma torre.”. À questão da sua neta, perspicaz e observadora “Avô, porque é que está sempre a olhar para o mar?”, ele responde com alguma nostalgia: “Ah! Porque o mar é o caminho para a minha casa.”

Por último, o espaço social da personagem principal e secundárias observa-se através da sua actividade social prioritária: marinheiros, armadores e comerciantes: “um veleiro que lhe pertencia. Sören sabia que o seu barco era um bom barco”, “Sören vendeu os seus barcos e comprou terras no interior da ilha.”, “Carregado de imaginações queria ser, como os seus tios e avós, marinheiro.”, “Elseneur era o melhor navio de Vig e a sua tripulação era formada por gente da ilha, homens jovens que ela conhecia desde o berço, ou velhos lobos-do-mar que a conheciam desde a própria infância.”, “Não hás-de ser marinheiro, Hans.”, “Hoyle era armador”, “ele preparava-se para cumprir o seu projecto: regressar a Vig como capitão de um navio”, “Prometia que um dia voltaria a Vig e seria o capitão de um grande veleiro.”, “Aos 21 anos, já Hans era capitão de um navio de Hoyle e homem de confiança nos seus negócios. Assim, desde muito cedo, Hans conhecera as ilhas do Atlântico, as costas de África e do Brasil, os mares da China. Manobrou velas e dirigiu a manobra das velas, descarregou fardos e dirigiu o embarque e desembarque de mercadorias.”, “Era um homem de negócios hábil”, “Hans fundara a sua própria firma cuja prosperidade crescia. Era agora um homem rico”, “Mas não deixou adiar o lançamento do navio”, “eram viagens de negociante que vai estudar mercados, abrir sucursais, estudar contratos e contactos.”, “Hans, burguês próspero, comerciante competente”, “Segundo disse para ver a entrada e a saída dos seus barcos.”

Deste modo, através do seu trabalho e dedicação, as personagens são recompensadas com uma vida social notável que lhes permite um nível de vida elevado.

5. NARRADOR

Quanto à sua presença na história, o narrador é não participante ou heterodiegético, porque não é uma personagem da história. A narrativa está escrita na terceira pessoa, o que se comprova pela utilização das formas verbais relativas à terceira pessoa do singular e do plural e dos pronomes pessoais “ele” / “eles”: “Hans viu que se estava formando a tempestade. Mas ele não temia a tempestade”, “Hans concentrava”, “estendeu-se”, “via”, “ele vinha…esgueirando-se…caminhava…ouvia…da sua própria paixão”.

Quanto à ciência, o narrador é omnisciente, porque conhece tudo sobre a história e as personagens. Manipula o tempo cronológico dos acontecimentos, fazendo um recuo na acção – analepse, bem como um avanço na acção - prolepse, para dar a conhecer um antecedente e um avanço que justifica o facto que está a ser relatado (consultar o item “Tempo”).

Para além disto, este narrador parece conhecer profundamente o interior das suas personagens, revelando o que pensam e sentem relativamente aos acontecimentos ou às outras personagens, tal como se pode verificar nestes excertos:

“Ali, no respirar da vaga, ouvia o respirar indecifrado da sua própria paixão.”

“Nele, como na igreja luterana, havia algo de austero e solene, apaixonado e frio. A casa e à família imprimia uma inominada lei de silêncio e reserva onde o espírito de cada um concentrava a sua força. De certa forma Sören reconhecia o risco que corria: sabia que é no silêncio que se escuta o tumulto, é no silêncio que o desafio

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se concentra. Mas ele impunha a si mesmo e aos outros uma disciplina de responsabilidade e de escolha dentro da qual cada um ficava terrivelmente livre. Havia porém algo de taciturno e ansioso em Sören: ele pensava talvez que a integridade humana, mesmo a mais perfeita, nada podia contra o destino. Do dever cumprido, da liberdade assumida, não esperava sucesso nem prosperidade, nem mesmo paz.”

“Queria ser um daqueles homens que a bordo do seu barco viviam rente ao maravilhamento e ao pavor, um daqueles homens de andar baloiçado, com a cara queimada por mil sóis…”

“aspirava a veemência da vasta respiração marítima. Os seus ouvidos escutavam a força viva do navio que galgando a onda reencontrava o equilíbrio sobre o desequilíbrio das águas.”

“Hans sentia a elasticidade do barco, a sua precisão de extremo a extremo e o equilíbrio que, entre vaga e contra-vaga, não se rompia. Mais tarde os navios de Hans nunca naufragaram.”

“ora a bordo ora em terra, ora debruçado nos bancos da escola sobre mapas e cálculos, ora mergulhado em narrações de viagens, estudando, sonhando e praticando, ele preparava-se para cumprir o seu projecto: regressar a Vig como capitão de um navio, ser perdoado pelo Pai e acolhido na casa.”

“Para ele, Hans era a sua nova possibilidade, o destino outra vez oferecido, aquele que iria viver por ele a verdadeira vida, que nele, Hoyle, estava já perdida como se o destino, tendo falhado seus propósitos, fizesse, com uma nova mocidade, uma nova tentativa. Assim, Hans era para ele não o herdeiro daquilo que possuía e fizera mas antes o herdeiro daquilo que perdera.”

“E Hans compreendeu que, como todas as vidas, a sua vida não seria mais a sua própria vida, a que nele estava impaciente e latente, mas um misto de encontro e desencontro, de desejo cumprido e desejo fracassado, embora, em rigor tudo fosse possível. E compreendeu que as suas grandes vitórias seriam as que não tinha desejado e que, por isso, nem sequer seriam vitórias.”

“Era um homem de negócios hábil porque se apercebia da natureza das coisas e da natureza das pessoas e negociava sem paixão. A fortuna não era nem a sua ambição, nem a sua aventura nem o seu jogo e nela nada de si próprio envolvia. Enriquecia porque a sua percepção e os seus cálculos estavam certos.”

“reencontrava a voz, a fala do seu destino. Mas era só o fantasma do Seu destino. Em rigor ele já não era quem era e tinha encalhado em sua própria vida. Já não era o navegador que no barco e no mar está em sua própria casa, mas apenas o viajante que por uns tempos deixou a sua própria casa aonde vai regressar. Já não era como se o barco fosse o seu corpo, como se o emergir das paisagens fosse a sua alma e o seu próprio rosto, como se o seu ser se confundisse com as águas. A sua antiga fuga de Vig fora, de certa forma, inútil. Nem a traição lhe dera o seu destino.”

É de salientar que, por vezes, o narrador assume uma postura muito próxima dos acontecimentos que narra e da própria personagem Hans, que parece confundir-se com ela:

“ele preparava-se para cumprir o seu projecto: regressar a Vig como capitão de um navio, ser perdoado pelo Pai e acolhido na casa.”

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“E Hans compreendeu que, como todas as vidas, a sua vida não seria mais a sua própria vida, a que nele estava impaciente e latente, mas um misto de encontro e desencontro, de desejo cumprido e desejo fracassado, embora, em rigor tudo fosse possível. E compreendeu que as suas grandes vitórias seriam as que não tinha desejado e que, por isso, nem sequer seriam vitórias.”

“reencontrava a voz, a fala do seu destino. Mas era só o fantasma do Seu destino. Em rigor ele já não era quem era e tinha encalhado em sua própria vida. Já não era o navegador que no barco e no mar está em sua própria casa, mas apenas o viajante que por uns tempos deixou a sua própria casa aonde vai regressar. Já não era como se o barco fosse o seu corpo, como se o emergir das paisagens fosse a sua alma e o seu próprio rosto, como se o seu ser se confundisse com as águas. A sua antiga fuga de Vig fora, de certa forma, inútil. Nem a traição lhe dera o seu destino.”

“De súbito, Hans não reconhecia o tempo. Como alguém que distraído deixa passar a hora em que devia comparecer em determinado jardim e se espanta que seja já tão tarde, assim agora ele se espantava como se não tivesse à passagem reconhecido os dias e, por descuido, tivesse deixado passar os anos sem comparecer à sua própria vida. E não sabia bem como tanto se atrasara, encalhado em hábitos, afazeres e demoras sem jamais surgir, assomar, à proa do navio, no horizonte de Vig. Faltava algo que lhe era devido.”

“E no canto do átrio vazio cismava vagamente, nem sequer sabendo que cismava, debruçado sobre papeladas, contas e jornais ingleses. Mas de súbito estremecia e passava para além do próprio cismar: a memória de Vig subia à flor do mar.”

“Mas dele, Hans, burguês próspero, comerciante competente, que nem se perdera na tempestade nem regressara ao cais, nunca ninguém - contaria a história, nem de geração em geração, se cantaria a saga.”

“E uma certa irrealidade começou a crescer.”

6. MODOS DE REPRESENTAÇÃO E DE EXPRESSÃO DO DISCURSO

Modos de RepresentaçãoNesta narrativa existem momentos de narração, de descrição e reflexão.

Nesta história predominam os momentos de descrição e de reflexão, pois o narrador, como omnisciente, ao longo da história traça o retrato das personagens, incidindo sobretudo nas personagens principais, visto a características atribuídas perspectivarem os seus comportamentos, atitudes, pensamentos, escolhas, ambições e o seu Destino (consultar item “Personagens e sua caracterização”).

Na descrição sobressai claramente o uso do adjectivo, a utilização de formas verbais no pretérito imperfeito e, às vezes, a utilização de recursos estilísticos, os quais se exemplificam através da transcrição parcial de algumas passagens:

“O voo das gaivotas era cada vez mais inquieto e apertado, o ímpeto e o tumulto cada vez mais violentos e os longínquos espaços escureciam. A tempestade, como uma boa orquestra, afinava os seus instrumentos.”

“Ali, no respirar da vaga, ouvia o respirar indecifrado da sua própria paixão.”

“Sören, pai de Hans, era um homem alto, magro, com os olhos cor de porcelana azul, os traços secos e belas mãos sensíveis que mais tarde, durante gerações, os seus descendentes herdaram. Nele, como na igreja luterana, havia algo de austero e solene, apaixonado e frio.”

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adjectivos: “inquieto”, “apertado”, “violentos”, “longínquos”, “boa”, “indecifrado”, “alto”, “magro”, “cor de porcelana azul”, “secos”, “belas”, “sensíveis”, “austero”, “solene”, “apaixonado”, “frio”.

formas verbais (predomínio do pretérito imperfeito): “era”, “escureciam”, “afinava”, “havia”.

recursos estilísticos: a comparação – “A tempestade, como uma boa orquestra”, “Nele, como na igreja luterana”; a dupla adjectivação: “inquieto e apertado”, “alto, magro”, “austero e solene, apaixonado e frio.”; aliteração em “r”: “Ali, no respirar da vaga, ouvia o respirar indecifrado da sua própria paixão.”; personificação: “A tempestade, como uma boa orquestra, afinava os seus instrumentos.”

Outras passagens, onde se pode constatar a presença da descrição e da reflexão por parte do narrador:

“O mar do Norte, verde e cinzento, rodeava Vig, a ilha, e as espumas varriam os rochedos escuros. Havia nesse começo de tarde um vaivém incessante de aves marítimas, as águas engrossavam devagar, as nuvens empurradas pelo vento sul acorriam e Hans viu que se estava formando a tempestade.”

“O voo das gaivotas era cada vez mais inquieto e apertado, o ímpeto e o tumulto cada vez mais violentos e os longínquos espaços escureciam. A tempestade, como uma boa orquestra, afinava os seus instrumentos.”

“Sören, pai de Hans, era um homem alto, magro, com os olhos cor de porcelana azul, os traços secos e belas mãos sensíveis que mais tarde, durante gerações, os seus descendentes herdaram. Nele, como na igreja luterana, havia algo de austero e solene, apaixonado e frio. A casa e à família imprimia uma inominada lei de silêncio e reserva onde o espírito de cada um concentrava a sua força. De certa forma Sören reconhecia o risco que corria: sabia que é no silêncio que se escuta o tumulto, é no silêncio que o desafio se concentra. Mas ele impunha a si mesmo e aos outros uma disciplina de responsabilidade e de escolha dentro da qual cada um ficava terrivelmente livre. Havia porém algo de taciturno e ansioso em Sören: ele pensava talvez que a integridade humana, mesmo a mais perfeita, nada podia contra o destino. Do dever cumprido, da liberdade assumida, não esperava sucesso nem prosperidade, nem mesmo paz.”

“Carregado de imaginações queria ser, como os seus tios e avós, marinheiro. Não para navegar apenas entre as ilhas e as costas do Norte, seguindo nas ondas frias os cardumes de peixe. Queria navegar para o Sul. Imaginava as grandes solidões do oceano, o surgir solene dos promontórios, as praias onde baloiçam coqueiros e onde chega até ao mar a respiração dos desertos. Imaginava as ilhas de coral azul que são como os olhos azuis do mar. Imaginava o tumulto, o calor, o cheiro a canela e laranja das terras meridionais.

Queria ser um daqueles homens que a bordo do seu barco viviam rente ao maravilhamento e ao pavor, um daqueles homens de andar baloiçado, com a cara queimada por mil sóis, a roupa desbotada e rija de sal, o corpo direito como um mastro, os ombros largos de remar e o peito dilatado pela respiração dos temporais. Um daqueles homens cuja ausência era sonhada e cujo regresso, mais navio ao longe se avistava, fazia acorrer ao cais as mulheres e as crianças de Vig e a história que eles contavam era repetida e contada de boca em boca, de geração em geração, como se cada um a tivesse vivido.”

“Nenhum homem se salvou. O vento espalhou os gritos no clamor da escuridão selvagem, a força das braçadas desfez-se nos redemoinhos, a água tapou as bocas. Nem os que treparam aos mastros se salvaram, nem os que se meteram nos botes, nem os que nadaram para terra. O mar quebrou tábua por tábua o casco, os mastros, os botes e os marinheiros foram rolados entre a pedra e a vaga.”

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“Hoyle era armador e negociava no transporte de vinho para os países do Norte. Vivia naquela cidade há trinta anos, mas sempre como estrangeiro, sem aprender decentemente a língua da terra nem se habituar à sua comida. Só ao clima e aos vinhos se habituara. Para além das relações com empregados, criados e alguns comerciantes não convivia com indígenas. As suas relações e amizades eram só com ingleses, só falava bem inglês, só lia jornais ingleses e comia só comida inglesa com mostarda inglesa, na sua casa mobilada com mesas, cadeiras, armários, camas e gravuras inglesas e onde pairava sempre um cheiro inglês a farmácia.”

“Hoyle nunca casara e, numa terra para ele estrangeira, não tinha família e as suas raras amizades eram pouco íntimas. No adolescente evadido ele via agora um reflexo da sua própria juventude aventurosa que, há muito tempo, naquela cidade ancorara. Para ele, Hans era a sua nova possibilidade, o destino outra vez oferecido, aquele que iria viver por ele a verdadeira vida, que nele, Hoyle, estava já perdida como se o destino, tendo falhado seus propósitos, fizesse, com uma nova mocidade, uma nova tentativa. Assim, Hans era para ele não o herdeiro daquilo que possuía e fizera mas antes o herdeiro daquilo que perdera.”

“A vida de Hans mais uma vez tinha virado. Já não eram as longas navegações até aos confins dos continentes, o avançar aventuroso ao longo de costas luxuriantes e de costas desérticas, de povo em povo, de baía em baía. Agora verificava a ordem dos armazéns, o bom estado dos navios, a competência das equipagens, controlava as cargas e descargas, discutia negócios e contratos. As suas viagens iam-se tornando rápidas e espaçadas.

E Hans compreendeu que, como todas as vidas, a sua vida não seria mais a sua própria vida, a que nele estava impaciente e latente, mas um misto de encontro e desencontro, de desejo cumprido e desejo fracassado, embora, em rigor tudo fosse possível. E compreendeu que as suas grandes vitórias seriam as que não tinha desejado e que, por isso, nem sequer seriam vitórias.”

Nesta narrativa, os momentos de narração estão, essencialmente relacionados com a personagem principal. É durante estes momentos de narração que a acção avança, daí recorrer-se à utilização de verbos de acção conjugados no pretérito perfeito e, por vezes, no pretérito mais que perfeito (sempre que se pretende relatar um facto anterior a um acontecimento passado, presentes a título explicativo nos seguintes excertos:

“Mas ele vinha muitas vezes até à pequena vila costeira e, esgueirando-se pelas ruelas, caminhava ao longo do cais, ao lado de botes e veleiros, atravessava a praia e subia ao extremo do promontório.”

“Nesse dia, quando ao cair da noite entrou em casa, Hans curvou a cabeça.”

“Sören vendeu os seus barcos e comprou terras no interior da ilha.”

“Sören apertou uma contra a outra as mãos, levantou-se em silêncio e saiu sem fechar a porta. Sob os seus passos ouviram-se gemer os degraus da escada.”

“Navegaram primeiro com bom tempo e o veleiro corria esticado no vento. Unido ao balanço, Hans, enquanto lavava o convés, polia os metais ou enrolava os cabos, aspirava a veemência da vasta respiração marítima. Os seus ouvidos escutavam a força viva do navio que galgando a onda reencontrava o equilíbrio sobre o desequilíbrio das águas.

Depois atravessaram as tempestades da Biscaia. Ali a vaga media dez metros e a água tornara-se espessa, pesada e brutal em seu cinzento metálico.

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Todas as madeiras gemiam como se fossem despedaçar-se e sentia-se a tensão dos cabos repuxados. As ondas varriam o convés e o navio, ora erguido na crista da vaga ora caindo pesadamente, parecia a cada instante tocar o seu ponto de ruptura e desmantelamento. Mas Hans sentia a elasticidade do barco, a sua precisão de extremo a extremo e o equilíbrio que, entre vaga e contra-vaga, não se rompia. Mais tarde os navios de Hans nunca naufragaram.

Contornaram a terra, navegaram para o Sul e, ao cair de uma tarde, penetraram sob o arco das gaivotas, na barra estreita de um rio esverdeado e turvo, flutuante de imagens entre as margens cavadas. À esquerda, subindo a vertente, erguia-se o casario branco, amarelo e vermelho, misturado com os escuros granitos.”

“Mas nessa madrugada, em segredo, Hans abandonou o navio. Caminhou ao acaso na cidade desconhecida, perdido no som das palavras estrangeiras, perdido na diferença dos sons, da luz, dos rostos e dos cheiros, carregando o seu pequeno saco, procurando nas ruas o lado da sombra. Através de grades de ferro pintadas de verde, espreitou o interior sussurrante de insondáveis jardins onde sob enormes arvoredos se abriam trémulos junquilhos. Parou em frente dos ourives para olhar as montras, à porta das adegas respirou a frescura sombria e o cheiro do vinho entornado. Caminhou ao longo do rio, na margem onde as mulheres, descalças, carregavam cestos de areia enquanto outras discutiam, aos magotes, cortando com grandes brados e largos gestos o ar liso da manhã. Penetrou nas igrejas de azulejo e talha que não eram claras e frias como as igrejas do seu país, mas doiradas e sombrias, numa penumbra trémula de velas onde negrumes e brilhos, animavam o rosto das imagens que num incerto sorriso pareciam reconhecê-lo. Dormiu nos degraus de uma escada, sob os arcos da praça, nos bancos do jardim público e as noites pareceram-lhe mornas e transparentes.”

Modos de Expressão do DiscursoIdentificam-se alguns momentos de diálogo, nos quais se reproduz a fala

das personagens, utilizando-se, portanto, o discurso directo. Estes momentos permitem o avanço da acção e imprimem bastante autenticidade a esta história. Contudo este modo de discurso não é muito utilizado, apenas sobressaindo em momentos muito pontuais na história. Acresce o facto de o diálogo permitir enriquecer a caracterização das personagens da sua personalidade.

“- Sören, que notícias ouviste hoje na vila? - perguntou Maria. - Más notícias. O Elseneur devia ter entrado a barra a meio da tarde mas, ao

pôr-do-sol, ainda não se avistava. Vão ser obrigados a passar o temporal e a noite no mar.

- É um bom barco - disse Hans que conhecia o Elseneur palmo a palmo. - É um navio que aguenta muito mar. - Deus os guarde - murmurou Maria.”

“- Hoje escrevi para Copenhague. No fim deste Verão vais para lá estudar. Escolhe o que queres estudar.

- Quero ser marinheiro - respondeu Hans. - Não. Escolhe outra coisa. Podes estudar leis ou medicina ou engenharia. - Quero ser capitão de um navio. - Ouve - disse ele. - Esta manhã fui ao lugar do naufrágio, à Ponta do Norte.

Fui acompanhar Knud que ia em busca do corpo dos seus dois filhos. O mar já tinha atirado muitos dos corpos para a praia. Mas estavam quase todos completamente desfigurados de tanto terem sido batidos contra os rochedos da falésia. A praia estava cheia de gente. Cada um procurava os seus mortos. Knud só pôde

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reconhecer os filhos pelo anel de prata que ambos usavam no terceiro dedo da mão direita. Disse: «Maldito seja o mar». Não hás-de ser marinheiro, Hans. Escolhe outro ofício. Não quero amaldiçoar o mundo onde nasci nem acusar o Deus que me criou. Muda de ideias. Promete-me que nunca serás homem do mar. Dá-me a tua palavra.

- Não posso.”

“- Avô - disse Joana - porque é que está sempre a olhar para o mar? - Ah! - respondeu Hans. - Porque o mar é o caminho para a minha casa.”

Identificam-se, igualmente, alguns momentos de monólogo, nos quais se reproduz a fala da personagem:

“«Um dia levarei estes búzios para Vig.», «Um dia contarei em Vig este brilho, esta escuridão transparente, este silêncio», «Levarei para Vig esta loiça e estas especiarias para alegrar e aquecer as ceias do Inverno»”

“- Vai, Sören, Deus te proteja e navega por todo o mar.”

7. LINGUAGEMRecursos estilísticos

Metáfora: “a sua tripulação era formada por (…) velhos lobos do mar”.

Comparação: “A tempestade, como uma boa orquestra”; “Nele, como na igreja luterana”; “Estava velho como um barco que não navega mais”.

Personificação: “Sob os seus passos ouviam-se gemer os degraus da escada.”; “A tempestade, como uma boa orquestra, afinava os seus instrumentos.”; “a cidade parecia carregada de memórias”; “Todas as madeiras gemiam como se fossem despedaçar-se”; “A sua barba vermelha brilhava de fúria.”; “espreitou o interior sussurrante de insondáveis jardins”

Enumeração: “casa mobilada com mesas, cadeiras, armários, camas e gravuras inglesas”

Adjectivação: As camélias brancas estavam em flor, levemente rosadas, macias, transparentes”; “Ali a vaga media dez metros e a água tornara-se espessa, pesada e brutal em seu cinzento metálico.”

Aliteração (em “r”): “Ali, no respirar da vaga, ouvia o respirar indecifrado da sua própria paixão.”

Anáfora: “«Um dia levarei estes búzios para Vig.». E à noite, já a bordo, escrevia para casa uma longa carta que falava de búzios do Índico. Encostado à amurada do navio em noite de luar e calmaria, com os olhos postos no grande olhar magnético da lua cujo rasto trémulo de brilho como o dorso de um peixe cortava a escuridão estática das águas, pensava: «Um dia contarei em Vig este brilho, esta escuridão transparente, este silêncio».”; “No dia seguinte escrevia para casa, contando a noite, o mar, o luar. Num porto distante, sentado a cear na varanda da hospedaria, sob a luz das lanternas de cor, enquanto se deslumbrava com a beleza das loiças, com seus desenhos azuis e seu branco azulado e descobria o sabor sábio dos temperos exóticos, pensava: «Levarei para Vig esta loiça e estas especiarias para alegrar e aquecer as ceias do Inverno». E, no dia seguinte, escrevia”; “E Hans

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compreendeu que, como todas as vidas, a sua vida não seria mais a sua própria vida, a que nele estava impaciente e latente, mas um misto de encontro e desencontro, de desejo cumprido e desejo fracassado, embora, em rigor tudo fosse possível. E compreendeu que as suas grandes vitórias seriam as que não tinha desejado e que, por isso, nem sequer seriam vitórias.”

A SIMBOLOGIA NA HISTÓRIA

Simbologia da tempestade: A tempestade significava perigo e morte, pois os seus tios (Gustav e Niels) tinham morrido no mar, devido a uma tempestade; todos os tripulantes do navio Elseneur morreram no mar.

Simbologia do sonho: O maior sonho de Hans era ser marinheiro, foi essa a razão pela qual ele fugiu de Vig e abandonou a sua família, mas após alguns anos deixou o seu sonho para realizar o projecto de Hoyle e tornou-se num homem de negócios.

Simbologia do jazigo: Hans pediu que construíssem um navio naufragado em cima da sua sepultura, pois significava, o seu sonho naufragado: fugiu de Vig com o intuito de ser marinheiro, contrariando a vontade do seu pai e partiu em busca do seu sonho. Depois de deitar fora a oportunidade de ser marinheiro, durante todos os anos o maior sonho já era o regresso a Vig e ser perdoado pelo seu pai.No início, o seu maior sonho era sair de Vig para ser marinheiro, depois, no final da história, o seu sonho era regressar a Vig, ser reconhecido pelos seus habitantes, cujas histórias andariam de boca em boca e ser perdoado pelo seu pai.

Simbologia da torre: A torre que ele mandou construir ao fundo da quinta fazia-o viajar pelo tempo. Através dela, ele entrava em contacto com o mar, com as viagens e vislumbrava o caminho para a sua terra natal, Vig.