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Segundo as ideias de Roland Barthes, em Introdução à análise estrutural da narrativa. Análise do conto “ A paga”, de Miguel Torga

Análise do conto A Paga (segundo Barthes)

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Segundo as ideias de Roland Barthes, em Introdução à análise estrutural da narrativa.

Análise do conto “ A paga”, de Miguel Torga

O conto narra uma vingança, razão do título “A paga”. O jovem Arlindo é um sedutor sem escrúpulos das mais belas jovens que encontrava, com suas “falas doces” e “manhosão”, desprezando-as depois. Ele age de forma destemida. Mas comete um erro pelo qual pagará muito caro. Ao conhecer Matilde, de Litém, empreende aquela que seria sua façanha mais atrevida. Fora advertido por amigos que com “os de Litém” ninguém brinca, mas não dera ouvidos.

Resumo

Consumada a sedução, foi procurado pelo pai da jovem, que desejava ser justo, mas recusou o casamento. O tempo passa e os dois irmãos de Matildeque estavam no Brasil retornam ao país. A partir desse ponto, a vingança entra em contagem regressiva, marcada pela passagem do tempo que vai acentuando a angústia de Arlindo. O personagem vai se isolando e perdendo a autoconfiança. O acerto de contas acontece no Dia de São Domingos, quando sem pressa, os irmãos de Matilde cercam o rapaz, que acaba reaparecendo no dia seguinte, capado. Eis a paga.

Resumo

1. Quanto às funções1.1. Distribucional (mesmo nível/tem um

correlato)a) Núcleos (cardinais): há três etapas

fundamentais para o desenvolvimento da história:

- A afronta- A preparação da paga- A paga

Análise em três níveis

b)Catálises ( espaços que separam articulações)Expectativa do povo em relação às investidas de Arlindo:

“O poviléu, que não quer senão pândega, claro, a rodeá-lo embascacado”

“Com semelhante conversa, Lintém resolveu aguardar

Momentos que antecedem a vingança: “Começava a cair a noite dos lados de Costantim. A últimas vendeiras tinham partido já. A pipa do vinho, que o Pé-Tolo tivera à sombra do sombreiro, descia o monte vazia, aos solavancos do carro”.

a) Índices/indícios (significados implícitos, deciframento; um caráter, um sentimento, uma atmosfera)

“falas doces de Arlindo” – caráter duplo“Flores, primavera” – retardamento da ação- Avisos de Rodrigo- Narrador alertando sobre os que a gente de

Litém é capaz- Nome da família: “Justos”- “família às vezes dá cada filho” : moral

2. Função Integrativa (de um nível para outro)

Castração # vingança Por isso o personagem não foi morto A paga, título, alude a um preço justo por

quem subverteu a moral.

Julgamento moral em relação a Matilde: “Pensasse no que andava a fazer. Fugisse das tentações” (narrador).

Predisposição de Matilde para acreditar em Arlindo

“Não ouvia ninguém (...) águas passadas não movem moinho”

a) Índices (significados implícitos)Mudança de cenário, festa dá lugar à vingança: “

Agora as festas era para os que tinham contas a ajustar”Transformação do personagem:

“Começou então no adro um drama surdo, só interior”

b) Informações (para situar no tempo e espaço).

Meses, estações do ano, datas, lenta maturação dos fatos.

“Em março, quando Vale de Mendiz se cobriu de camélias e mimosas, o Alfredo, à frente do macho carregado de sacas, deu uma grande notícia: os filhos do Justo tinham chegado do Brasil” (função de mostrar que os irmãos de Matilde não tiveram pressa em urdir a paga.

“Nada mais parecia bulir naquele princípio de primavera”. Novamente uma função catalisadora de marcar o tempo de espera e também integrativa anunciando o estado de espírito de que tudo andaria bem, não fosse a possibilidade da vingança.

b) Informações“Entrou Abril, passou Maio, principiou junho, e o mesmo fado ocorrido” Sequência cronológica que reforça a incerteza que aflige o personagem.

 

“Ao fim de duas horas de suores frios (...)” v

A informação que localiza no tempo e no espaço o desespero do personagem diante da iminente vingança.

 

Arlindo, sujeito, personagem principal Relaciona-se com todos os outros

personagens circunstanciais, articula-se de acordo com o seu desejo: conquistar as mais belas mulheres.

Age de forma destemida, até que movido pela extrema autoconfiança não dá ouvidos ao alerta do amigo e parte para maior conquista, Matilde, de Litém.

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas)

A partir daí, começa a contagem regressiva para a vingança e o personagem é atormentado pelo passar do tempo. Sua tranquilidade vai sendo corroída pelo suspense e pela espera, convertendo-se em medo. “Arlindo, a medida em que a roda ia diminuindo, tinha a sensação de que todos fugiam dele e o deixavam sozinho no mundo”. O personagem de transforma:“Começou então no adro um drama surdo, só interior”.

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas)

Matilde é descrita como tola, com ironia: “A tola, só por ver um fadista daqueles derreter-se por ela, já pensava que tinha li o rei de Portugal!”. A jovem, assim como Arlindo, não dá ouvidos a ninguém e sela sua sorte. “Nada. Não ouvia ninguém. O que lá ia, la ia. Águas passadas não tocavam moinho”. A leitura em outro nível revela que Matilde se julgava capaz de converter o nosso dom Juan em um homem apaixonado e fiel.

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas)

“Nada. Não ouvia ninguém. O que lá ia, la ia. Águas passadas não tocavam moinho”. A leitura em outro nível revela que Matilde se julgava capaz de converter o nosso dom Juan em um homem apaixonado e fiel.

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas)

O narrador é impiedoso e não lhe perdoa a ingenuidade: “Mas a Matilde andava viradinha do miolo”. Ou: “Jurava sobre as falas de Arlindo como sobre os Evangelhos”. Também ela se transforma e acaba admitindo que fora enganada: “Um dia à noite, a Matilde prega-se em casa de Lúcia, põe-se a chorar, a chorar, e acaba por declarar tudo: o ladrão tinha-lho feito. Tantas loas lhe cantara, tantas juras, tantas promessas, que caíra como uma palpava”.

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas)

Rodrigo, o melhor amigo, personagem circunstancial, alterna entre a tentativa de ajudar Arlindo e a decisão de deixar que ele sofra as consequências. No final, ainda faz uma tentativa: “Três para dizerem uma palavra a um homem só? Lê-se em sua fala a acusação de covardia, mas os Justos não lhe dão ouvidos e, com a pistola na mão, encerram a conversa.

 

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas

Litém, a cidade, assume função de personagem, representando um grupo que a tudo testemunha. “Com semelhante conversa, Litém resolveu aguardar. Mas nesse caso, não tem o estatuto de personagem que lhe atribui Todorov e Greimas o de agente, mas apenas de “Ser”, de espectador.

2. Ações (personagens são actantes, segundo Greimas)

Neste conto o narrador tem consciência total e conta a história a partir de uma posição superior que a tudo observa, tanto o exterior quanto o interior dos personagens.

Ao dizer “Ora, isso de mulheres é o que se sabe”, o narrador expõe uma visão moralista sobre as mulheres, a de que ao serem cortejadas ficam cegas e agem como se tivessem diante do Reio de Portugal.

3. Narração/Discurso

O narrador também condena antecipadamente a atitude de Matilde: “Pensasse no que andava a fazer. Fugisse das tentações”.

  Reforçando a ideia de correlação direta

entre causa e consequência, o narrador diz que “não há como dar tempo ao tempo e deixar cada qual aprender à sua custa”.

3. Narração/Discurso

 A forma escolhida nessa narrativa é o suspense, que causa uma perturbação lógica e evidenciada pela espera, que confunde o personagem e provoca incerteza em relação à vingança. Só na última linha é revelada a paga:

“E no dia seguinte, de manhã, o Arlindo entrou em Vale Mendiz numa manta, capado”.

 

3. Narração/Discurso