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1 INTRODUÇÃO Desde que comecei a fazer o curso de Licenciatura em Letras Português e Inglês na Universidade Federal do Paraná em 2002 me interesso por questões ligadas à educação em geral e, mais especificamente, ao ensino de inglês como língua estrangeira. Em 2003 comecei a fazer a parte do grupo de estudos Identidade e Leitura, formado por alunas de graduação em Letras da UFPR e por professoras de inglês do Estado e da UFPR. A princípio, o grupo investigou questões relacionadas a concepções de leitura e as posições de leitor assumidas por alunos e professores de língua e literaturas de língua inglesa. Com esta primeira fase da pesquisa encerrada no final de 2005, o grupo começou a interessar-se por questões educacionais relacionadas à leitura de mundo. Começamos então a investigar a metodologia Espaços Abertos para Diálogo e Questionamento (OSDE – Open Spaces for Dialogue and Enquiry) 1 e os pressupostos teóricos nos quais está embasada, tais como letramento crítico, relações de poder, noções de conhecimento e noções de alteridade. Como conseqüência das discussões feitas com o grupo, passei a interessar-me por questões concernentes a uma prática pedagógica mais crítica e problematizadora, algo que considero de extrema relevância no ensino de língua inglesa uma vez que esta língua exerce um papel econômico, lingüístico e cultural que não pode ser desassociado de seu ensino. (PENNYCOOK, 1999) A partir de 2004, quando comecei a dar aulas de inglês no Centro de Línguas e Interculturalidade (CELIN), escola de aplicação do curso de Letras da UFPR, meu interesse pelo ensino se intensificou, uma vez que pude começar a aplicar e refletir em sala de aula o que estava aprendendo na faculdade. O CELIN, como uma escola de aplicação onde alunos de graduação e pós-graduação em Letras têm um espaço para formação inicial e continuada, é um ambiente propício a uma prática pedagógica reflexiva, pois dá espaço aos professores experimentarem e partilharem suas experiências dentro e fora de sala de aula. No primeiro semestre de 2007, minha experiência com o ensino de língua inglesa no CELIN tomou um rumo diferente, pois me foi dada a oportunidade de 1 Ver capítulo 5 para um maior detalhamento sobre como a metodologia OSDE está organizada. 1

OS ESPAÇOS ABERTOS: UMA ... - Portal do SCH/UFPR · 6 Vale aqui observar que, para MATURANA (2001, p. 31-42), há dois tipos de domínios ontológicos: a “objetividade sem parênteses”

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1 INTRODUÇÃO

Desde que comecei a fazer o curso de Licenciatura em Letras Português e

Inglês na Universidade Federal do Paraná em 2002 me interesso por questões

ligadas à educação em geral e, mais especificamente, ao ensino de inglês como

língua estrangeira.

Em 2003 comecei a fazer a parte do grupo de estudos Identidade e Leitura,

formado por alunas de graduação em Letras da UFPR e por professoras de inglês

do Estado e da UFPR. A princípio, o grupo investigou questões relacionadas a

concepções de leitura e as posições de leitor assumidas por alunos e professores de

língua e literaturas de língua inglesa. Com esta primeira fase da pesquisa encerrada

no final de 2005, o grupo começou a interessar-se por questões educacionais

relacionadas à leitura de mundo. Começamos então a investigar a metodologia

Espaços Abertos para Diálogo e Questionamento (OSDE – Open Spaces for

Dialogue and Enquiry)1 e os pressupostos teóricos nos quais está embasada, tais

como letramento crítico, relações de poder, noções de conhecimento e noções de

alteridade. Como conseqüência das discussões feitas com o grupo, passei a

interessar-me por questões concernentes a uma prática pedagógica mais crítica e

problematizadora, algo que considero de extrema relevância no ensino de língua

inglesa uma vez que esta língua exerce um papel econômico, lingüístico e cultural

que não pode ser desassociado de seu ensino. (PENNYCOOK, 1999)

A partir de 2004, quando comecei a dar aulas de inglês no Centro de

Línguas e Interculturalidade (CELIN), escola de aplicação do curso de Letras da

UFPR, meu interesse pelo ensino se intensificou, uma vez que pude começar a

aplicar e refletir em sala de aula o que estava aprendendo na faculdade. O CELIN,

como uma escola de aplicação onde alunos de graduação e pós-graduação em

Letras têm um espaço para formação inicial e continuada, é um ambiente propício a

uma prática pedagógica reflexiva, pois dá espaço aos professores experimentarem e

partilharem suas experiências dentro e fora de sala de aula.

No primeiro semestre de 2007, minha experiência com o ensino de língua

inglesa no CELIN tomou um rumo diferente, pois me foi dada a oportunidade de

1 Ver capítulo 5 para um maior detalhamento sobre como a metodologia OSDE está organizada.

1

oferecer o Other Worlds, um curso de conversação avançada em língua inglesa

baseado na metodologia OSDE, onde pude aliar a minha prática pedagógica aos

estudos que venho fazendo junto ao grupo de pesquisa. O Other Worlds teve como

proposta criar um espaço aberto de aprendizagem onde pudesse haver um maior

engajamento crítico com a construção de conhecimento e com as perspectivas

existentes no mundo, e onde o trabalho com a língua inglesa foi feito de maneira

informal. Como este foi um curso que possuía um caráter diferenciado dos demais

cursos de conversação e, por isso, a meu ver, exigia uma maior atenção quanto ao

seu funcionamento, resolvi aliar este momento ao fato de estar cursando

Bacharelado em Estudos Lingüísticos na UFPR e fazer uma reflexão mais

aprofundada sobre o Other Worlds.

Sendo assim, esta pesquisa tem por objetivo investigar a aplicação prática

da metodologia Espaços Abertos para Diálogo e Questionamento no curso de

conversação em língua inglesa Other Worlds. Este estudo, que tem como base

metodológica a prática exploratória, se dará a partir da discussão dos pressupostos

teóricos que embasam a metodologia OSDE, tais como o letramento crítico, a

pedagogia freireana, as relações de poder nos contextos educacionais e a educação

sustentável sugerida por Stephen Sterling. Em seguida, farei uma descrição da

metodologia OSDE, bem como do curso Other Worlds. Por último, farei uma

discussão sobre como a metodologia Espaços Abertos para Diálogo e

Questionamento se deu, analisando a construção do espaço aberto, o papel da

língua inglesa, os princípios utilizados para o funcionamento do espaço, a questão

da aprendizagem, o meu papel como mediadora, bem como a experiência dos

participantes no processo de construção do espaço aberto no Other Worlds.

Penso que esta investigação sobre a aplicação da metodologia OSDE no

curso de conversação Other Worlds, bem como a discussão sobre as implicações do

uso de uma metodologia transformativa2 dentro do contexto educacional formal

vigente, pode vir a contribuir para pensar o ensino de línguas estrangeiras, e mais

especificamente, o ensino de língua inglesa, de uma maneira alternativa. Uma vez

que este contexto educacional, de forma geral, está voltado primordialmente para o

ensino da língua como um código a ser decifrado, que normalmente não leva em

conta

2 Para uma discussão sobre o que é uma metodologia transformativa, ver capítulo 4.

2

conta as subjetividades dos indivíduos que dela fazem parte, as relações de poder

que se fazem presentes nesse contexto e a carga ideológica e cultural que não pode

ser dissociada da língua (JORDÃO, 2006), acredito que a investigação à qual me

proponho neste estudo possa vir a apresentar uma perspectiva e uma proposta

diferenciadas a uma concepção mecanicista de ensino e à prática pedagógica não-

reflexiva e não-problematizadora à qual estamos acostumados.

3

2 LETRAMENTO CRÍTICO

O letramento crítico é uma abordagem pedagógica que visa a uma leitura

crítica não só de palavras, mas também de mundo, através do contínuo

questionamento dos pressupostos e implicações das visões de mundo existentes.

Sua fundamentação teórica é vasta, mas pode ser resumida nas seguintes

influências: a teoria social crítica e sua visão de que os significados são sempre

passíveis de serem contestados e que as desigualdades decorrentes da posse

desigual de saber, poder, status e recursos materiais “podem ser expostas através

da crítica e reconstruídas, parcialmente, através da linguagem”3 (CERVETTI;

PARDALES; DAMICO, 2001); a pedagogia crítica de Paulo Freire e sua proposta

educacional de partir do conhecido para o mais abrangente, estabelecendo assim,

um contínuo diálogo pedagógico entre aluno, professor e conhecimento, levando à

reconstrução social, à emancipação e à justiça (Id.); a concepção de John Dewey

sobre a educação como um meio de fazer com que os alunos adquiram uma maior

”habilidade de compreender, articular e agir democraticamente nas suas

experiências sociais” (SHOR, 1997); e, por fim, o pós-estruturalismo e seu

entendimento de que “os significados somente emergem em relação a outros

significados e práticas dentro de contextos sócio-políticos específicos” (CERVETTI;

PARDALES; DAMICO, 2001), e de que não há neutralidade nos discursos, sendo

eles determinados, construídos e legitimados pelas comunidades interpretativas das

quais fazem parte. (FOUCAULT, 2002)

Do ponto de vista ontológico, o letramento crítico, diferentemente das

abordagens educacionais tradicional e crítica4, parte do entendimento de que a

realidade não é algo que possa ser concretamente capturada e conhecida

definitivamente. A realidade não existe fora do sujeito; ela está intrinsecamente

ligada a ele, sendo construída a partir do olhar do observador e na linguagem, e

determinada histórica, social, política, ideológica e discursivamente. Uma vez que a

realidade não pode ser dissociada do olhar do observador, não há uma única

realidade à qual o observador tem acesso direto; nesta visão, há diferentes

skjsdkljldj3 Esta tradução, do original em inglês, bem como todas as outras presentes neste trabalho,

foram feitas livremente por mim.4 Ver seção 2.1 para uma melhor compreensão das diferenças entre as abordagens.

4

possibilidades de realidades, todas igualmente válidas e legítimas porque coerentes

com a experiência de mundo do observador. (MATURANA, 2001, p. 38) Do ponto de

vista epistemológico, o letramento crítico entende que o conhecimento não é neutro.

Ele é ideológico e é sempre regido pelas regras discursivas e pelas relações de

poder que determinam os contextos nos quais os conhecimentos existem.

(FOUCAULT, 2002) Sendo assim, nas palavras de ARONOWITZ & GIROUX5,

citadas por SHOR (1997), “o letramento crítico [deixa] clara a ligação entre

conhecimento e poder. Ele [apresenta] o conhecimento como construto social ligado

a normas e valores, e [demonstra] modos de crítica que iluminam como (...) o

conhecimento serve interesses econômicos, políticos, e sociais bastante

específicos.”

A proposta educacional do letramento crítico é “desafiar o status quo em um

esforço para descobrir caminhos alternativos para o autodesenvolvimento e para o

desenvolvimento social” (Id.), conectando todos os âmbitos da vida a fim de

repensá-los. De acordo com Shor, o letramento crítico é essencialmente “o uso da

linguagem que questiona a construção social do sujeito, [pois quando agimos dentro

do desse paradigma] (...) examinamos nosso desenvolvimento contínuo para revelar

as posições subjetivas das quais entendemos o mundo e agir nele.” (Id.) O sujeito,

então, é visto como central a este processo de (re)construir o mundo através das

palavras (“words rethinking worlds”) uma vez que o letramento crítico prima pelo

desenvolvimento de uma consciência crítica do sujeito sobre si mesmo e sobre os

contextos dos quais faz parte, permitindo a ele “refazer suas próprias identidades e

realidades sócio-políticas através de seus próprios processos de compreensão e

através de suas ações no mundo”. (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001) Sendo

assim, o sujeito percebe-se como possuidor da construção de seus entendimentos

sobre o mundo e não como um mero receptor de entendimentos construídos

previamente.

Agir dentro do paradigma do letramento crítico é agir dentro da “objetividade

entre parênteses” de MATURANA (2001, p. 31-42), em que a existência de

diferentes realidades legítimas, determinadas pelo olhar do observador, abre um

espaço de convivência no qual há um respeito pelos entendimentos de mundo

5 ARONOWITZ, S.; GIROUX, H. Education under siege. South Hadley, MA: Bergin Garvey, 1985. p. 132.

5

diferentes, e não uma completa negação da legitimidade do outro.6 Agir dentro do

paradigma do letramento crítico significa se colocar numa posição de

questionamento constante, investigando a si mesmo e aos outros a fim de entender

os pressupostos e implicações dos nossos entendimentos e dos entendimentos dos

outros. Em outras palavras, este processo de reflexão crítica nos leva a querer

compreender de onde vêm e para onde nos levam as nossas visões de mundo.

Justamente por causa deste processo de questionamento e compreensão, que no

meu entendimento é cíclico, um sempre levando ao outro, que o letramento crítico é

reflexivo em si e sobre si mesmo. Nas palavras de SHOR (1997), esta abordagem

pedagógica “pode ser vista como uma prática em si mesma e como uma ferramenta

para o estudo de outras práticas sociais, [uma vez que] o uso da linguagem e a

educação são práticas sociais usadas para estudar criticamente todas as práticas

sociais, incluindo as práticas sociais do uso da linguagem e da educação.”

Vejo este processo reflexivo em si e sobre si mesmo como algo essencial

para atender à necessidade tão eminente por um processo educacional mais crítico,

uma vez que o mundo do qual fazemos parte e as relações que estabelecemos nele

e com ele exigem um constante posicionamento reflexivo, pois devem ser

compreendidas na sua parcialidade, complexidade e contingência. Este

posicionamento crítico e reflexivo se dá somente quando percebemos o mundo

como complexo, múltiplo e incerto, composto por uma infinidade de sistemas e

fenômenos que interagem e se entrelaçam, e não como um mundo em que as

relações se estabelecem linear e logicamente. (MARIOTTI, 2000) Tendo isto em

vista, uma educação mais crítica e reflexiva, em oposição a uma educação

mecanicista, teria o papel de ajudar as pessoas a reconhecer e a lidar com a perda

de identidade, a angústia e a ansiedade decorrentes das rápidas mudanças de

6 Vale aqui observar que, para MATURANA (2001, p. 31-42), há dois tipos de domínios ontológicos: a “objetividade sem parênteses” e a “objetividade entre parênteses”. Na “objetividade sem parênteses”, a existência não depende do observador; há uma realidade que é externa ao sujeito e este tem acesso privilegiado a esta realidade pré-existente. Viver neste caminho explicativo é entender que há uma verdade possível e que aquele que não compartilha desta verdade está errado, logo, seu entendimento de mundo é completa e irresponsavelmente negado, num ato de tolerar o outro que não leva em conta a sua visão de mundo. Já na “objetividade entre parênteses”, há o entendimento de que existem diferentes verdades possíveis, determinadas pelo olhar do observador. Sendo assim, viver neste caminho explicativo é reconhecer e respeitar o entendimento do outro, e a negação do entendimento do outro é feita de maneira responsável, sem negar a sua legitimidade. É importante salientar que, para Maturana, na vida cotidiana, não vivemos somente na “objetividade sem parênteses” ou na “objetividade entre parênteses”. Para o autor, nos movemos continuamente de um caminho explicativo para outro, de acordo com o que os contextos nos exigem.

6

ordem social, econômica e tecnológica (STERLING, 2001, p. 23), e com as

profundas implicações do que Sterling chama de “’problemática mundial’, onde cada

assunto, de certa forma, está conectado com todos os outros, e não podem ser

compreendidos ou abordados isoladamente.” (Id.)

2.1 LEITURA TRADICIONAL, LEITURA CRÍTICA E LETRAMENTO CRÍTICO

A fim de poder melhor esclarecer os pressupostos do letramento crítico, farei

aqui uma breve comparação entre letramento crítico, leitura crítica e leitura

tradicional, sendo ‘leitura’ aqui entendida, não só como a de textos, mas também

como leitura de mundo. Vale ressaltar que entendo a leitura tradicional, a leitura

crítica e o letramento crítico não só como abordagens para o ensino de leitura, mas,

de maneira mais ampla, como abordagens educacionais, pois estas, bem como os

paradigmas que as informam, servem de embasamento para os mais diferentes

âmbitos das práticas educativas.

Estas três abordagens educacionais partem de paradigmas epistemológicos,

ontológicos e lingüísticos diferentes, tendo cada uma, conseqüentemente, diferentes

objetivos educacionais.

A leitura tradicional parte do entendimento de que há uma realidade fora do

sujeito e que é facilmente alcançada através de um pensamento racional e objetivo,

e através da língua, que é concebida, nesta visão, como transparente e neutra.

(JORDÃO, 2006, p. 27) O conhecimento, por sua vez, é entendido como universal e

linear, logo, pode ser medido em termos de “certo e errado”. Nesta abordagem, o

objetivo da educação é, então, promover a compreensão “verdadeira” do mundo.

Já dentro da perspectiva da leitura crítica, a realidade pode ser interpretada

a partir de um entendimento correto ou falso da mesma, havendo uma separação

entre o que são fatos e o que são inferências. Aqui também a realidade é percebida

como existente independentemente do sujeito, mas nessa perspectiva ela não é tão

facilmente acessível quanto na leitura tradicional e pode ser representada

erroneamente através de uma linguagem fixa que a traduz. Sendo assim, o valor de

verdade de um saber é estabelecido de acordo com o grau de aproximação das

pessoas em relação à realidade. (Id.) O propósito da leitura crítica é, portanto,

7

desenvolver a habilidade de perceber as intenções e razões por trás daquilo que

existe no mundo “verdadeiro”.

Por fim, como já mencionado na seção anterior, o letramento crítico parte do

entendimento de que há uma realidade inacessível (em termos absolutos), pois é

construída na linguagem, “que é sempre ideológica, ou seja, localizada (isto é,

determinada pela perspectiva de quem a constrói e a utiliza) e com sua existência

baseada em relações estabelecidas culturalmente.” (JORDÃO, p. 29). Sendo assim,

o conhecimento será sempre parcial, contingente, complexo, dinâmico e nunca

neutro. O objetivo do letramento crítico, então, é desenvolver reflexão e

reflexividade, e a habilidade de perceber como os pressupostos e as implicações de

nossas perspectivas e das perspectivas dos outros são construídas, a fim de que

possamos agir no mundo de maneira mais informada, consciente e responsável.7

7 Ver anexo 1 para a tabela comparativa, original em inglês, presente no OSDE Methodology Booklet, na qual me baseei para a comparação feita nesta seção. Esta tabela, por sua vez, foi baseada na comparação entre leitura crítica e letramento crítico feita por CERVETTI; PARDALES; DAMICO (2001)

8

3 PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

A Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, é

o livro em que Paulo Freire reitera e reforça muitos de seus entendimentos sobre

educação, sobre uma educação crítica e humanista, ideologicamente marcada,

nunca neutra.

Central à Pedagogia da Autonomia, bem como a toda sua obra, está a

idéia de que tanto educadores quanto educandos são sujeitos da educação, sendo

um necessário ao outro no processo dialógico que é a educação. Nas palavras de

FREIRE (1996, p. 23), “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus

sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de

objeto, um do outro.” Neste entendimento, o aluno não é objeto do professor, onde

este deposita todos os seus conhecimentos e aquele aprende passivamente todo o

saber do professor, característica da educação chamada “bancária”. Pelo contrário,

tanto o aluno quanto o professor contribuem mutuamente para a construção de seus

entendimentos sobre o mundo, deixando claro que “quem forma se forma e re-forma

ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado,” (Id.) o que faz da

educação um processo dialógico, reflexivo e crítico. Nesta perspectiva, não há uma

mera extensão do conhecimento, mas sim uma construção colaborativa de

conhecimentos.

Neste entendimento de que ensinar não é transferência de conteúdos, o

respeito às leituras de mundo dos educandos se faz essencial, pois não há como

construir conhecimentos sem o reconhecimento do outro. É necessário, então, que

os educadores não ajam como se tivessem e soubessem de todas as verdades do

mundo, simplesmente pelo fato de estarem numa posição de poder socialmente

legitimada.8 Os professores devem reconhecer os saberes socialmente construídos

de seus alunos como válidos e legítimos, a fim de que estes possam também se

sentir sujeitos do processo educacional. Este respeito ao conhecimento do outro

promove uma abertura ao diálogo com outras perspectivas e impede que nos

tornemos absolutamente certos de nossas certezas:

8 Ver p. 11 para uma discussão sobre as relações de poder na escola, baseada nas idéias de Michel Foucault.

9

...o melhor caminho para guardar viva e desperta a minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmáticas, em que me admita como proprietário da verdade. No fundo, a atitude correta de quem não se sente dono da verdade nem tampouco objeto acomodado do discurso alheio que lhe é autoritariamente feito. Atitude correta de quem se encontra em permanente disponibilidade a tocar e a ser tocado, a perguntar e a responder, a concordar e a discordar. Disponibilidade à vida e a seus contratempos. (Ibid., p. 134)

Esta permanente disponibilidade de estar aberto a outras leituras de mundo,

de viver dentro do caminho da “objetividade entre parênteses” de MATURANA

(2001), faz com que estejamos um pouco mais conscientes de que somos seres

sociais, culturais e históricos, ou seja, que somos uma “costura de posição e

contexto”,9 logo, parciais e incompletos. Conscientes disso, assumimos um

posicionamento mais crítico em relação a nós mesmos e aos outros, e, dessa

maneira, o aprender passa a ser uma maneira de construir o mundo, e não uma

forma de se adaptar a ele. A capacidade de construir (e reconstruir) a realidade é

para FREIRE (Ibid., p. 77) “tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de

novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela.” No entanto, esta tarefa

não deve ser movida por uma “curiosidade ingênua”, que não problematiza os

saberes existentes para a geração de novos saberes, mas sim por uma “curiosidade

epistemológica” (Ibid., p. 31), que envolve um processo de critização, e que “nos põe

pacientemente impacientes diante do mundo [e de nós mesmos]”. (Ibid., p. 32)

Ao assumir este posicionamento crítico e ao nos assumirmos como

educadores críticos, que entendem a educação como um processo dialógico e,

também, polifônico, colocamos a autonomia do educando como central à prática

educativa, autonomia esta que é construída nas vivências e interações com os

outros. Esta autonomia é processual e ocorre à medida que a leitura de mundo do

educando é reconhecida como legítima dentro do espaço educacional, o que leva o

aluno a se sentir crescentemente responsável pelo seu próprio aprendizado. A

promoção da autonomia do sujeito parte, primeiramente, da “consciência do

inacabamento” por parte do educador, que, conseqüentemente, acaba sendo

refletida em sua prática pedagógica; e deve “estar centrada em experiências

estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências

lkjddlkjd9 SOVIK, L. Apresentação: para ler Stuart Hall. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e

mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. p. 15.

10

respeitosas da liberdade.” (Ibid., p. 107) Sendo assim, tanto educadores quanto

educandos tornam-se sujeitos de seus próprios aprendizados, construindo e

desconstruindo entendimentos dialogicamente.

Mesmo que soem um pouco idealistas, tendo em vista a educação

mecanicista e pouco humanista tal qual a conhecemos atualmente, as idéias de

Paulo Freire sobre uma educação crítica e reflexiva, são soluções possíveis para se

pensar (e fazer) uma educação voltada para a formação humana. É importante

salientar que, no entanto, essa mudança de paradigma educacional não acontece de

imediato. Assim como a mudança da “curiosidade ingênua” para a “curiosidade

epistemológica”, a mudança de uma educação mecanicista para uma educação

reflexiva requer a critização do sujeitos da educação e a vivência diária da

curiosidade crítica, que nos move a sempre querer saber mais.10 Sendo assim,

Freire tem muito a contribuir com suas “pedagogias possíveis” para a mudança do

status quo no qual a educação se encontra atualmente

3.1 RELAÇÕES DE PODER NA EDUCAÇÃO

Saberes e poderes estão intrinsecamente ligados. Seja na política, na

relação com pessoas ou nas instituições, esta relação está presente e determina a

forma de funcionamento desses espaços. Sendo parte indissociável dos contextos,

na educação esta relação não é diferente. Nela, quem detém maior conhecimento

sobre as coisas está apto a passá-las adiante. No entanto, este saber não é um

saber qualquer; é um saber legitimado pela instituição educacional. Àquele que

possui este saber legitimado, neste caso o professor, é conferida uma posição de

poder privilegiada na escola. Este saber do professor, porém, só é legitimado porque

corresponde àquilo que o código educacional vigente entende como certo, à

“vontade de verdade” do sistema educacional que coloca uma determinada visão de

mundo, de organização das disciplinas e de verdade como paradigmas para a sua

concepção. (FOUCAULT, 2002, p. 15-18) Tendo isto em vista, na escola, na sala de

aula, é o professor quem tem voz; é ele quem pode dizer o que deve ou não deve

ser aprendido, e o que pode e o que não pode ser feito, pois o seu saber é validado

10 Ver capítulo 4 deste trabalho para uma discussão sobre a sugestão de STEPHEN STERLING (2001) para uma mudança de paradigma educacional.

11

dentro do contexto educacional. Por possuir a voz dentro do espaço escolar, cabe a

ele transmitir tudo o que sabe ao aluno. O aluno aqui, é um mero receptor do

conhecimento do professor e não possui uma voz dentro desse contexto, o que o

torna um objeto da educação. Os saberes socialmente construídos dos alunos não

se encaixam naquilo que a escola determina como conhecimento válido e

verdadeiro, o que faz com que eles fiquem à margem do papel central do professor.

Tendo isto em vista, em referência a FOUCAULT (Ibid., p. 10-12), a voz do aluno na

escola pode ser comparada à voz do louco, cujo discurso não é levado em

consideração por ser diferente e dissonante do saber legitimado socialmente. No

entanto, há momentos em que a voz do louco é levada em consideração (ao ser

ouvida por um psiquiatra, por exemplo) e a palavra lhe é simbolicamente conferida,

sem necessariamente se tornar legítima. O mesmo acontece com o aluno na escola:

sob o argumento (legítimo) de que é necessário ouvir o diferente, a palavra é dada

simbolicamente ao aluno, mas ela não é levada em conta em sua totalidade, sendo

silenciada pela palavra prevalecente do professor e da escola. Este silenciamento do

discurso do aluno, do louco ou de qualquer outro discurso à margem do saber

legitimado, ocorre porque há

...em nossa sociedade e, imagino, em todas as outras mas segundo um perfil e facetas diferentes, uma profunda logofobia, uma espécie de temor surdo desses acontecimentos, desta massa de coisas ditas, do surgir de todos esse enunciados, de tudo que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e de perigoso, desse grande zumbido incessante e desordenado do discurso. (Ibid., p. 50)

Sendo assim, o saber legitimado funciona como um mecanismo coercitivo

que delimita aquilo que deve ser aprendido na escola.

As relações de poder sempre irão existir e não podem ser apagadas. Estas

relações, porém, não são estanques, sempre havendo um deslocamento, uma

mudança de posição do que é saber legítimo e do que é saber marginal. Sendo

assim, é importante que estas relações de poder existam, pois somente devido à

impossibilidade de seu apagamento que saberes são questionados e desafiados, em

um processo de reelaboração e de construção de novos conhecimentos. No meu

entendimento, é aqui que se encaixa a proposta de pedagogia dialógica e reflexiva

de Paulo Freire. O educador propõe, com o escutar verdadeiro e não com o

simbólico, que o discurso educacional seja mais polifônico, que voz do aluno seja

12

ouvida e reconhecida como legítima dentro do espaço, não necessariamente

ocupando o lugar do discurso do professor, mas convivendo com ele no espaço.

Neste entendimento, a voz do educador não é a única possível, mas é um dos

discursos possíveis na educação. É importante salientar que, nesta proposta, a

educação não se torna neutra. Saberes mais legítimos que outros continuam a

existir, mas esta diferença entre os saberes não é tão discrepante quanto como

numa educação transmissiva.

13

4 EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL

Partindo do argumento de que “a aprendizagem é a chave para criar um

mundo mais pacífico e sustentável11”, e tendo em vista o caráter paradoxal da

educação, que, se por um lado diz ser humanista e propõe valores democráticos,

por outro, na prática, reforça o caráter mecanicista da educação, voltada para o

cumprimento de metas, que não necessariamente implica em qualidade de ensino e

de aprendizagem, STEPHEN STERLING (2001) sugere que a educação seja

repensada e revista, a fim de que uma mudança no paradigma educacional seja

promovida, estabelecendo, assim, uma “educação sustentável”, que é definida pelo

autor como

...uma mudança da cultura educacional que tanto desenvolve quanto incorpora a teoria e a prática da sustentabilidade de uma maneira criticamente consciente. Este seria um paradigma transformativo que valoriza, sustenta e compreende o potencial humano em relação à necessidade de alcançar e sustentar o bem-estar social, econômico e ecológico, reconhecendo que eles são profundamente interdependentes, (Ibid., p. 22)

levando, assim, a um desenvolvimento ecológico e sustentável, algo de

extrema importância para o mundo complexo no qual vivemos. No entanto, para

passar de um paradigma educacional mecanicista para um transformativo, é preciso

que antes se mude a visão de mundo que sustenta este paradigma. É preciso,

então, que se passe de uma visão de mundo mecanicista, que categoriza as coisas

em compartimentos estanques e dicotômicos e que impede que vejamos as

conexões entre elas, para uma visão de mundo ecológica, cuja ênfase é nas

relações e conexões entre as coisas existentes no mundo, estando estas relações

baseadas em participação, empowerment e auto-organização. (Ibid., p. 49) Nas

palavras de STERLING (Ibid., p. 16), “[o modo de pensar ecológico] é sistêmico ao

invés de linear, integrativo ao invés de fragmentário (...) [e] está voltado tanto para o

reconhecimento quanto para a compreensão da totalidade.”

Para que possamos entender melhor como esta proposta de educação

sustentável pode se dar, o autor analisa o estado atual da educação focando no

aspecto que ele considera fundamental: o propósito da educação. De acordo com

11 ‘Sustentável’ é entendido aqui como “a habilidade de um sistema se manter em relação ao seu ambiente.” (STERLING, 2001, p. 54)

14

Sterling, em todo sistema educacional há funções que partem de diferentes

pressupostos, possuem objetivos diversos, ocorrendo, por vezes, num mesmo

sistema, e podendo ser conflitantes entre si. As funções da educação podem ser

resumidas em quatro principais:

Reproduzir a sociedade e a cultura, e promover a cidadania – função

socializante;

Treinar as pessoas para o mercado de trabalho – função vocacional;

Desenvolver o indivíduo e seu potencial – função liberal; e

Encorajar a mudança para uma sociedade mais justa e para um

mundo melhor – função transformativa.12

Nestas perspectivas educacionais, reconhecem-se dois valores, de ordens

distintas, que os embasam: um valor intrínseco e outro instrumental. As visões

socializante e vocacional são sustentadas por valores instrumentais, uma vez que,

mesmo tendo focos diferentes, enfatizam um produto decorrente da educação. Já a

visão liberal enfatiza valores intrínsecos, pois enfoca no processo educacional e não

leva em consideração suas possíveis implicações. A perspectiva transformativa, por

sua vez, reconhece tanto o valor intrínseco da educação quanto o seu valor

instrumental. (STERLING, 2001, p. 26) Tendo estas perspectivas educacionais em

vista, é possível notar que a educação atualmente é informada eminentemente pela

função vocacional, que é essencialmente instrumentalista e enfoca o

desenvolvimento de habilidades específicas voltadas para o mercado de trabalho. A

perspectiva socializante possui um papel um pouco menor, porém crescente, no

estado atual da educação, pois responde à necessidade de dar conta do âmbito

social, não contemplado pela primeira função. Já a visão liberal está presente em

ambientes restritos, normalmente no setor privado de educação. E, por último, a

visão transformativa existe somente em retórica, mas está se renovando à medida

que corre marginalmente à concepção tradicional de educação. (Ibid., p. 28)

Uma vez que a educação atual é vocacional e voltada para o mercado de

trabalho, podemos notar que ela é eminentemente transmissiva, nos moldes daquilo

que Paulo Freire chama de “educação bancária”, onde o aluno é o recipiente do

jhdkjhd

12 Cf. STERLING, 2001, p. 25 para o original em inglês.

15

conhecimento do professor.13 Stephen Sterling vê a educação transmissiva como

instrutiva, rígida, controladora e impositiva, e que possui as seguintes

características: é instrumental, enfoca a comunicação da mensagem, é voltada para

o produto e para o desenvolvimento de conhecimento e habilidades pontuais

(treinamento). Como já mencionado anteriormente, uma alternativa para esta

perspectiva educacional é uma educação sustentável, que está embasada em uma

visão transformativa de educação. Uma educação transformativa é construtiva e

participativa, e contempla tanto valores intrínsecos quanto instrumentais, visa à

aprendizagem e não o treinamento, enfoca a construção de significados, está

interessada na transformação mútua e leva em conta os saberes construídos dentro

da comunidade.14

A fim de que haja a mudança de um paradigma cultural e educacional

tradicional para um paradigma transformativo, é necessário que se compreenda a

distinção entre o que Stephen Sterling chama de “mudança e aprendizagem de

primeira ordem”, “mudança e aprendizagem de segunda ordem” e “mudança e

aprendizagem de terceira ordem”. A mudança de primeira ordem acontece dentro

dos limites do conhecido; fazemos “mais do mesmo”, porém melhor, mas sem

repensar os pressupostos que informam estas atitudes. Sendo assim, a mudança de

primeira ordem é o que informa a educação tradicional, transmissiva. Já a mudança

de segunda ordem tem como característica a reflexão crítica, que faz com

examinemos os pressupostos que informam o aprendizado de primeira ordem,

processo que pode ser chamado de “pensar sobre o nosso pensar”. A mudança de

terceira ordem, por sua vez, é mais profunda, acontece quando vamos mais a fundo

nas coisas e envolve a percepção e a consciência das diferentes perspectivas

existentes e também da possibilidade de agir de maneiras diferentes. (STERLING,

2001, p. 15) Sendo assim, é na mudança de segunda ordem e na mudança de

terceira ordem que a educação sustentável está pautada, uma vez que a educação

transformativa requer a reflexão sobre o status quo, num processo colaborativo, de

construção de significados, que leva a uma compreensão mais crítica e sistêmica

13 Ver capítulo 2 deste estudo para uma breve explicação sobre a concepção de educação bancária.

14 Cf. STERLING, 2001, p. 38 para tabela comparativa sobre educação transmissiva e educação transformativa.

16

sobre o mundo e, também leva, quando possível, a uma mudança de atitudes

perante os outros e perante si mesmo.

No entanto, a mudança de uma educação mecanicista para uma educação

ecológica e sustentável não é simples e imediata, pois envolve uma mudança de

visão de mundo e de práticas que viabilizem tal mudança, e também uma articulação

entre saberes e poderes, que nem sempre estão pautados em interesses comuns e

mútuos. Como a mudança de um paradigma educacional tradicional para um

transformativo exige também uma mudança de paradigma nos âmbitos cultural,

social e econômico, encontra-se uma certa resistência para que ela aconteça. Além

disso, esta resistência ocorre pois a utilização de uma metodologia transformativa é

mais difícil, leva mais tempo e é imprevisível, características que vão de encontro às

características da educação atual. (Ibid., p. 36) No entanto, mesmo sendo mais difícil

e imprevisível, mudar de paradigmas e de práticas, mesmo que em um nível micro,

se faz essencial se quisermos fazer da educação um espaço onde a aprendizagem

e a construção de significados não são impostas, mas sim feitas pelos seus sujeitos,

levando a uma aprendizagem sustentável, logo, mais significativa.

17

5 A METODOLOGIA OSDE

A metodologia “Espaços Abertos para Diálogo e Questionamento” (OSDE –

Open Spaces for Dialogue and Enquiry), desenvolvida inicialmente pela ONG

MUNDI em seu projeto Otherworlds, e posteriormente pelo Centro de Estudos sobre

Justiça Social e Global, da Universidade de Nottingham, Inglaterra, com a

colaboração de educadores e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento

de diversas partes do mundo, visa à criação de espaços abertos de aprendizagem

nos quais as pessoas são convidadas a engajarem-se criticamente, através do

diálogo, com suas próprias perspectivas e também com as perspectivas dos outros.

A construção de tais espaços abertos, que é feita de maneira colaborativa, tem o

intuito de formar ambientes de aprendizagem nos quais as pessoas, reconhecendo

que todos os conhecimentos são parciais e válidos, possam refletir e discutir suas

visões de mundo, em um constante processo de aprendizagem e

construção/desconstrução de significados. (OSDE METHODOLOGY WEBSITE)

A metodologia tem como objetivo principal o desenvolvimento do letramento

crítico e do pensamento independente. O letramento crítico “ajuda os aprendizes a

analisarem as relações entre linguagem, poder, práticas sociais, identidades e

desigualdades, a imaginarem de outras maneiras, a se engajarem eticamente com

a diferença e a compreenderem as possíveis implicações de seus pensamentos e

ações” (OSDE METHODOLOGY BOOKLET, p. 03). Já o pensamento independente

“é a base para inovação e mudança; é uma proteção necessária contra os

fundamentalismos, dogmatismos e até mesmo contra pressões de contexto e de

semelhantes pois dá aos aprendizes o poder de ter maior autonomia ao ‘escrever’

suas identidades, culturas e histórias.” (Id.) Logo, com a utilização da metodologia,

nos mais diferentes ambientes de aprendizado, pretende-se criar cidadãos críticos,

que saibam lidar com as complexidades, mudanças e incertezas dos contextos dos

quais participam, já que viver numa sociedade global, diversa e desigual exige tais

habilidades. (STERLING, 2001, p. 23)

A metodologia OSDE propõe uma série de princípios e procedimentos que

viabilizam a construção dos espaços abertos. Os princípios propostos pela OSDE

são:

18

1. Toda pessoa traz conhecimento válido e legítimo para o espaço,

construído a partir de seu contexto;

2. Todo conhecimento é parcial e incompleto; e

3. Todo conhecimento pode ser questionado.15

Estes princípios sugerem que todos são iguais dentro do espaço aberto, no

sentido de que nenhuma perspectiva, experiência, visão de mundo é melhor que a

outra, e que todos os participantes do espaço podem se sentir à vontade para

questionarem os outros e, principalmente, questionarem a si mesmos. É importante

lembrar que estes princípios são essenciais para o estabelecimento de espaços

abertos, uma vez que um espaço verdadeiramente aberto só é possível na medida

em que os participantes compartilham do paradigma de que todos os conhecimentos

são igualmente válidos, agindo dentro do caminho explicativo da “objetividade entre

parênteses” de MATURANA (2001). No entanto, mesmo essenciais, é importante

salientar que os princípios não devem ser impostos ao grupo, mas sim negociados a

fim de corresponder às características de cada espaço aberto construído.

A fim de que possa haver o desenvolvimento das habilidades necessárias

para se lidar criticamente com questões locais e globais, a metodologia sugere que

os participantes sejam expostos a diferentes perspectivas e, para tanto, sugere a

utilização dos seguintes procedimentos:

1. Estímulo, que tem como objetivo causar dissonância e promover a

percepção da complexidade e da contingência do assunto utilizando

materiais como charges, filmes, diferentes perspectivas, música, entre

outras possibilidades;

2. Perspectivas Globais, Perspectivas Locais, que visa informar os

participantes para o debate que se seguirá através de perspectivas

legitimadas e não-legitimadas sobre o tema;

3. Para Pensar..., que promove a identificação do participante com o

assunto e o questionamento dos pressupostos, contradições e

responsabilidades pessoais de cada indivíduo, estimulando assim a

reflexão através de perguntas cujas respostas normalmente não

gostaríamos de compartilhar com outras pessoas;

15 Cf. OSDE Methodology Booklet p. 04

19

4. Para Debater..., que tem como objetivo ajudar os participantes a

esclarecer suas percepções e as percepções dos outros, e a identificar

as contradições, a complexidade e as implicações que permeiam o

assunto, através do questionamento e diálogo entre os participantes do

grupo, promovendo a construção e reconstrução de significados;

5. Escolhas Responsáveis, que tem como objetivo fazer com que os

participantes testem o valor do seu processo de reflexão e que exprimam

seus próprios sentimentos e posicionamentos em relação a este

processo através de simulações de problemas reais (role-playing ou

outra tarefa criativa);

6. Avaliação16, momento em que os participantes avaliam a sessão e o

processo de reflexão e aprendizagem.

Estes procedimentos facilitam a organização do processo de

questionamento, mas não precisam ser seguidos rigidamente e, assim como os

princípios, podem e devem ser adaptados ao grupo no qual a metodologia está

sendo utilizada, pois cada grupo apresenta características e necessidades

diferenciadas.17

Para assegurar a construção efetiva dos espaços abertos, além dos

princípios, dos procedimentos e, mais importantemente, da abertura dos

participantes a se questionarem e serem questionados, é necessário que o professor

deixe de lado o papel de transmissor de conhecimento e assuma o papel de

mediador18. Num espaço aberto, cabe ao mediador “modelar comportamentos, abrir,

segurar e fechar o espaço e [controlar] o tempo, guiar os participantes pelos

estágios, e, durante as discussões, assumir o papel de advogado do diabo,

explorando ângulos diferentes e afastando o grupo de consensos. Os mediadores

devem evitar privilegiar ou impor suas perspectivas [ao grupo].” (OSDE

llkjsdlkjsdlksjd

16 Os títulos dos passos sugeridos originalmente pela metodologia (Stimulus, Informed Thinking, Reflexive Questions, Group Dialogue Questions, Responsible Choices e Debriefing) foram adaptados para o português pelo grupo de estudos Identidade e Leitura.

17 A fim de deixar mais claro como esses procedimentos podem ser organizados, ver a unidade didática, em português, elaborada pelo grupo Identidade e Leitura no anexo 2.

18 A metodologia OSDE, ao propor que o professor assuma um papel diferente na criação dos espaços abertos, sugere que ele assuma o papel de facilitador. No entanto, optei aqui pelo termo ‘mediador’, pois acredito que o termo ‘facilitador’ implica tornar o processo de questionamento mais fácil, o que não configura o caso, uma vez que a proposta da metodologia é o de desafiar e questionar as perspectivas dos participantes.

20

METHODOLOGY BOOKLET, p. 05) É preciso salientar que, em um espaço aberto,

o mediador não busca alcançar a neutralidade, mas sim uma não imposição de seus

pontos de vista. No entanto, assumir este papel é bastante desafiador, pois requer

que o professor adote um posicionamento crítico em relação a si mesmo e

estabeleça uma relação diferente com os alunos, o que implica em respeito aos

conhecimentos que os alunos trazem para o espaço.

5.1 UMA METODOLOGIA TRANSFORMATIVA

Com a proposta de construir espaços de aprendizagem onde as pessoas

possam se sentir à vontade para se engajarem criticamente com os seus próprios

entendimentos de mundo e com os entendimentos de mundo dos outros, a

metodologia OSDE se aproxima da pedagogia freireana, uma vez que prima pela

criação de espaços educacionais nos quais o professor não é o único sujeito da

educação, sendo que os alunos também trazem “conhecimento válido e legítimo

para o espaço” e, assim, alunos e professores, juntos, constroem saberes num

processo colaborativo, fazendo da aprendizagem um diálogo contínuo entre

professor, aluno e saber. É neste sentido que assumir o papel de mediador se faz

essencial: dentro do espaço aberto, ao se posicionar como mediador, o professor

está assumindo a postura de que o seu conhecimento não é melhor que o

conhecimento do aluno e, assim, um diálogo mais efetivo é estabelecido.

Tendo em vista que a metodologia visa à criação de espaços onde saberes

são construídos e não simplesmente transmitidos do professor para o aluno num

processo linear, entendo que a metodologia OSDE representa um modelo de

metodologia transformativa, que visa uma educação construtiva e participativa, como

proposto por STERLING (2001). Neste modelo, o que se pretende promover é uma

aprendizagem e mudança de segunda, ou até mesmo, de terceira ordem, que nos

leva a ver, compreender e agir de maneiras diferentes. Para que isso aconteça, é

preciso que vejamos o mundo de maneira ecológica19, sempre estabelecendo

conexões entre os diferentes conhecimentos. Este é justamente o propósito da

metodologia OSDE: a partir do contato com diferentes olhares sobre o mundo e de

sjls

19 Cf. p. 14 deste estudo para definição de “visão ecológica”.

21

nossa vontade de estar aberto para mudanças, somos levados a desenvolver uma

compreensão mais crítica sobre o mundo, estabelecendo assim, relações diferentes

com as pessoas e com o mundo, e passando a agir nele e com ele de outras

maneiras possíveis.

Sendo assim, a metodologia Espaços Abertos para Diálogo e

Questionamento apresenta uma alternativa ao modelo educacional formal vigente,

que é voltado para a capacitação e não para a formação humana dos indivíduos.20

Acredito que esta proposta da metodologia de construir espaços abertos nos quais

as pessoas são levadas a pensar sobre sua aprendizagem de maneira mais

ecológica e não tão compartimentalizada seja de extrema relevância para o contexto

de ensino de língua inglesa, pois neste espaço educacional, assim como nos outros,

a visão instrumentalista e transmissiva de ensino predomina em detrimento de

outras maneiras de se fazer educação, algo particularmente delicado uma vez que a

língua inglesa exerce um papel no mundo contemporâneo cada vez mais relevante

econômica, lingüística e culturalmente. (PENNYCOOK, 1999) Tendo isto em vista,

penso que seja fundamental, enquanto professora de língua inglesa, assumir o papel

de educadora que reflete sobre as implicações de sua prática e não simplesmente

ensina um código lingüístico. E é neste sentido que uma abordagem mais crítica

para o ensino de língua inglesa se faz essencial. Sendo assim, a utilização da

metodologia OSDE no ensino de língua inglesa apresenta uma maneira de a prática

pedagógica neste contexto não se limitar a somente ensinar a língua como um

código a ser decifrado à medida que conhecimento lingüístico é transmitido aos

alunos, mas, também a ver a língua como um construto discursivo e ideológico

através do qual construímos nossos entendimentos de mundo. (JORDÃO, 2006)

20 Vale aqui observar a diferenciação entre formação humana e capacitação feita por MATURANA (2003, p. 11): “a formação humana tem a ver com o desenvolvimento [do aluno] como pessoa capaz de ser co-criadora com outros de um espaço humano de convivência social desejável.” Por sua vez, “a capacitação tem a ver com a aquisição de habilidades e capacidades de ação no mundo no qual se vive, como recursos operacionais que a pessoa tem para realizar o que quiser viver.”

22

6 O CURSO OTHER WORLDS

O curso de conversação avançada em língua inglesa Other Worlds

aconteceu no primeiro semestre de 2007 no Centro de Línguas e Interculturalidade,

escola de aplicação do curso de Letras da UFPR. Baseado na metodologia OSDE,

este curso de 45 horas teve como objetivo principal criar espaços abertos de

aprendizagem onde os participantes puderam se relacionar uns com os outros, em

um exercício de engajamento crítico com as suas próprias perspectivas e com as

perspectivas dos outros através da conversação em língua inglesa. Por apresentar

uma proposta diferenciada dos demais cursos de conversação, não houve um

trabalho explícito com a língua através de exercícios de vocabulário, produção oral e

compreensão oral. O trabalho com a língua inglesa foi feito de uma maneira

informal, sem atividades direcionadas a melhorar a proficiência lingüística dos

participantes do curso, dando-se através da utilização de textos, filmes, charges,

poemas, dinâmicas e da produção oral dos participantes. A língua inglesa não foi um

fim, mas um meio de comunicação para a realização do trabalho reflexivo ao qual o

curso se propõe. Sendo assim, não houve avaliação por meio de notas durante o

curso, uma vez que acredito que valorar a performance dos alunos em termos

numéricos vai de encontro à proposta da metodologia OSDE e faz com que o

processo de reflexão sobre a própria aprendizagem e sobre os entendimentos de

mundo dos outros não seja tão eficaz, pois os alunos passam a agir dentro do curso

de maneira a atingir uma nota e não a desenvolver uma criticidade.

Participaram do Other Worlds 17 pessoas, entre 21 e 62 anos, com

diferentes níveis de proficiência lingüística, backgrounds e expectativas em relação

ao curso. O meu papel dentro do curso, como professora, foi o de mediar o espaço e

não consistiu em transmitir conteúdos e impor os meus pontos de vista aos alunos,

mas sim em propor conversas e questionamentos a fim de que os participantes

pudessem refletir e se expressar sobre assuntos que julguei relevantes serem

discutidos com o grupo. Como mediadora, procurei organizar o espaço, propondo

diferentes etapas para o processo de reflexão e procurei assegurar com que as

diferentes perspectivas dos participantes fossem ouvidas e levadas em

consideração. Além disso, de acordo com a proposta da metodologia OSDE,

procurei fazer o papel de advogada do diabo a fim de questionar determinados

23

posicionamentos dos alunos e de evitar com que consensos fossem atingidos,

contribuindo assim com a construção do espaço aberto.

O primeiro encontro do grupo deu-se em março de 2007 e foi uma aula

aberta da qual qualquer pessoa que estivesse interessada em conhecer a proposta

do curso, mesmo que não tivesse feito matrícula previamente, estava convidada a

participar. Neste primeiro encontro apresentei a proposta do curso aos participantes

e usei duas dinâmicas a fim de demonstrar de forma lúdica qual seria um dos

pressupostos principais do Other Worlds. A primeira das dinâmicas utilizadas

consistiu em fazer com que os participantes, em pares, conversassem por alguns

minutos sobre assuntos de relevância pessoal. Logo depois, eles tinham que

assumir a personalidade da pessoa com quem haviam acabado de conversar e se

apresentar para o grupo. Na segunda dinâmica, pedi aos participantes que, em

grupos, colocassem tinta guache em uma folha em branco e dobrassem o papel.

Com base na imagem formada através dessa técnica, os participantes discutiram

que figuras eles viam no papel. Tanto esta quanto a primeira dinâmica foram

utilizadas com o intuito de apresentar aos participantes a idéia de que diferentes

perspectivas seriam trazidas para o espaço e também de fazer com que os alunos

experimentassem o que significa tentar ver o mundo da maneira como os outros o

vêem. Para finalizar este encontro, apresentei os três princípios propostos pela

metodologia OSDE: 1. toda pessoa traz conhecimento válido e legítimo para o

espaço, construído a partir de seu contexto; 2. todo conhecimento é parcial e

incompleto; e 3. todo conhecimento pode ser questionado. No segundo encontro, os

princípios foram retomados e os entendimentos sobre os possíveis significados

destes princípios e a sua contribuição para a construção dos espaços abertos foram

negociados. Utilizei também textos e perguntas que abordavam o tema de

conhecimento e perspectivas, ou seja, que questionavam da onde vem o nosso

conhecimento de mundo, se há diferentes perspectivas possíveis e o porquê de

pensarmos da maneira que pensamos. Estes dois primeiros encontros foram de

fundamental importância para introduzir a proposta de engajamento crítico com

diferentes perspectivas da metodologia OSDE e para o dar o tom do trabalho de

caráter reflexivo que estava apenas começando.

Nos encontros que se seguiram, falamos sobre assuntos de relevância

global e local que julguei pertinentes levar para o grupo, tais como, noções de

24

desenvolvimento, o papel da língua inglesa, globalização, cultura e a maneira como

escutamos uns aos outros. Todas as discussões tinham como objetivo primordial

fazer com que os participantes refletissem sobre o assunto através do contato com

perspectivas diferentes e dissonantes, legitimadas, ou não, sobre o tema. Para que

essas discussões se dessem de maneira a desenvolver nos participantes as

habilidades necessárias para se lidar criticamente com os temas propostos, sempre

procurei levar diferentes tipos de estímulos para iniciar as discussões, como

imagens, citações e dinâmicas; de textos e filmes que refletissem perspectivas

legitimadas ou não tão legitimadas pelo senso comum, a fim de apresentar

diferentes maneiras de se abordar o tema; de questionamentos que fizessem com

que os alunos refletissem sobre o assunto e se engajassem em diálogo com os

outros participantes; de simulações de problemas, passíveis de acontecerem na vida

cotidiana, nas quais os alunos pudessem experimentar de maneira mais concreta a

discussão; e de avaliações reflexivas, feitas através do uso de imagens e produção

escrita, nas quais os participantes se expressavam em relação ao processo de

questionamento pelo qual passaram durante os encontros. Estes diferentes

procedimentos que utilizei durante o curso foram embasados nas etapas sugeridas

pela metodologia OSDE: Estímulo; Perspectivas Globais, Perspectivas Locais; Para

Pensar...; Para Debater...; Escolhas Responsáveis; e Avaliação.21 Em relação ao

material utilizado, a maior parte foi adaptada das unidades temáticas elaboradas

pelos idealizadores da metodologia OSDE22 e utilizei não só materiais em inglês,

mas, também, em português, pois acredito que, em determinados momentos, o mais

importante não era o contato com a língua-alvo, mas sim a reflexão sobre o tema.

Mesmo fazendo uso de uma gama variada de materiais para os encontros para

promover as discussões, procurei fazer com que a fonte primordial para as

discussões fossem as vozes dos participantes com seus diversos conhecimentos de

mundo.

Com o objetivo de fazer com que os alunos participassem de uma outra maneira na

construção do espaço aberto, em um segundo momento do curso propus aos

participantes que levassem temas para serem discutidos com o grupo e que

kjsdlksjd21 É importante salientar que os procedimentos não foram utilizados de maneira rígida,

sendo adaptados conforme o tipo de discussão proposta.22 Material disponível, em inglês, no site do projeto: www.osdemethodology.org.uk

25

mediassem essas discussões. Sendo assim, os alunos se organizaram em grupos

de três a quatro pessoas e elaboraram propostas bastante diferentes de discussões,

tais como responsabilidade e individualismo, problemas ambientais, motivação, e

Escher23 e perspectivas. Durante o processo de elaboração das propostas, minha

participação se restringiu a guiar os alunos de modo que promovessem algum tipo

de questionamento mais crítico. A fim de dar um certo embasamento sobre como

organizar estes encontros, uma vez que muitos deles não sabiam como poderiam

fazer a discussão, apresentei os procedimentos propostos pela metodologia OSDE

como uma sugestão de como organizar as discussões. A organização dos

encontros, bem como que tipo de material seria utilizado, ficou sob total encargo dos

próprios alunos. Ao assumirem o papel de mediadores do espaço, os participantes

puderam ter um outro tipo de voz que não fosse somente a do participante e assim

passaram pela experiência de construir discussões juntos, sem uma maior

interferência de minha parte, desenvolvendo uma maior autonomia dentro do espaço

aberto que estávamos construindo.

Após essas duas etapas, no momento final do Other Worlds, resolvi retomar

alguns dos temas e questionamentos que surgiram durante os quatro meses de

curso. Com o propósito de refletir sobre o processo de reflexão pelo qual havíamos

passado juntos, conversamos sobre como foi, para cada um de nós, a experiência

de aprender e desaprender juntos, de construir conhecimentos e também de

construir o espaço aberto colaborativamente.

23 M.C. Escher (1898-1972) foi uma artista gráfico holandês conhecido por suas gravuras de construções impossíveis, que desafiam a lógica comum, e pelo uso da tesselação, técnica na qual padrões (geométricos ou não) são repetidos e entrelaçados, cobrindo todo o plano e formando figuras que gradualmente se modificam.

26

7 METODOLOGIA DE PESQUISA

De acordo com o propósito desta pesquisa, que é a investigação de como a

metodologia OSDE foi utilizada no curso de conversação avançada em língua

inglesa Other Worlds, escolhi o paradigma interpretativista para guiar as minhas

reflexões, uma vez que este paradigma de pesquisa, segundo MOITA LOPES24,

citado por MORAES BEZERRA (2003), tem como foco “a investigação dos aspectos

processuais que envolvem a questão a ser investigada e não o produto” e leva em

conta as vozes dos sujeitos participantes e seus entendimentos sobre os espaços a

serem investigados. Acredito que, por este trabalho de pesquisa ter um caráter

eminentemente reflexivo, este paradigma teórico e metodológico provém meios mais

adequados para as reflexões sobre o tema proposto, uma vez que permite que o

olhar e o entendimento do pesquisador sejam os pontos de partida principais da

investigação em questão, algo que não é abertamente possível dentro do paradigma

positivista. E partindo do paradigma interpretativista, optei pela prática exploratória

como base metodológica para esta pesquisa.

A prática exploratória é um método de pesquisa relativamente recente,

desenvolvido por Dick Allwright, e voltado mais especificamente para o ensino de

inglês como língua estrangeira, mas perfeitamente passível de ser estendido para

pesquisas em outras áreas do conhecimento. A prática exploratória tem como

objetivos maiores observar “a qualidade de vida em sala de aula [grifo do autor], no

que se refere a como é entendida a vida na sala de aula, com as pessoas que lá

convivem e cuja afetividade, processos cognitivos e histórias entram em jogo no

processo de construção de conhecimentos, mediado pelo discurso” (MORAES

BEZERRA, 2001, p. 01) e “construir entendimentos que permitam iluminar as

relações entre os participantes, os processos de construção de conhecimento e

inter-relações no espaço de sala de aula.” (Id.) Sua característica principal é ter

como sujeitos de pesquisa professores, e também alunos, uma vez que este método

prima pelo entendimento de questões pedagógicas a partir da própria prática e

contexto de ensino e aprendizagem. Portanto, aqueles que participam dos espaços

a serem investigados são também aqueles que refletem sobre eles, colaborando

24 MOITA LOPES, L.P. Pesquisa interpretativista em lingüística aplicada: a linguagem como condição e solução. D.E.L.T.A., v. 3, n. 23, 1994. p. 329-338

27

juntos para uma melhor compreensão de suas práticas pedagógicas e de seus

aprendizados, e tornando o processo de investigação um discurso polifônico.

A prática exploratória possui muitas semelhanças com a pesquisa-ação.

Ambas visam uma maior compreensão de um contexto específico de ensino, têm

como agentes de pesquisa os praticantes, ao invés de pesquisadores externos, têm

um caráter essencialmente colaborativo, e sugerem etapas claras para a condução

da pesquisa.25 No entanto, apesar das semelhanças, há uma diferença fundamental

entre estes dois métodos de pesquisa: enquanto a pesquisa-ação tem como foco

principal a compreensão do problema visando uma mudança prática imediata e uma

melhora do contexto educacional que está sob investigação (NUNAN, 1999, p. 17-

18), a prática exploratória não visa provocar mudanças imediatas ou

necessariamente observáveis no contexto e sujeitos investigados. O diferencial

deste método de pesquisa em relação ao primeiro é que o seu maior objetivo é a

compreensão aprofundada do problema, ou puzzle26, e a mudança do contexto e dos

sujeitos participantes, que se dá de forma gradativa, é o reflexo, a conseqüência do

ato de compreender. Segundo ALLWRIGHT27, citado por MORAES BEZERRA

(2003), “a prática exploratória está localizada ‘entre a reflexão para entender e a

ação para mudança’ porque ela ‘focaliza a ação para entender’”, uma vez que o quê

é mais relevante dentro deste modo de fazer científico é a mudança de perspectivas

e a construção colaborativa de entendimentos sobre o contexto investigado.

Juntamente com o embasamento metodológico na prática exploratória, que,

no meu entendimento, é bastante pertinente ao propósito reflexivo desta pesquisa,

resolvi utilizar diários para uma investigação mais aprofundada de como o curso

Other Worlds se deu. Acredito que ferramentas introspectivas de pesquisa

promovem uma maior reflexão e são fontes mais produtivas para a obtenção de

dados, uma vez que possuem um caráter eminentemente subjetivo e permitem que

25 Não cabe aqui explicitar as etapas desses dois métodos de pesquisa uma vez que não utilizei as etapas sugeridas pela prática exploratória nesta pesquisa. Para as etapas da prática exploratória, cf. MORAES BEZERRA, 2003, p. 02-04, e para as etapas da pesquisa-ação, cf. NUNAN, 1992, p. 19.

26 Puzzle é o termo utilizado pelos teóricos da prática exploratória uma vez que ‘problema’ pode adquirir uma conotação negativa em determinados contextos

27 ALLWRIGHT, D. Three major processes of teacher development and the appropriate design criteria for developing and using them. In: JHONSTON, B.; IRUJO, S. (Ed.) Research and practice in language teacher education: voices from the field. Minneapolis: Center for Advanced Research on Language Acquisition, 2001. p. 115-133.

28

os sujeitos possam se expressar de maneira mais livre. Optei então por fazer uso de

um diário para os participantes do curso e um diário para a mediadora-pesquisadora.

O diário dos participantes, que chamarei de “reflexivo”, já previsto pela

metodologia OSDE28, consistia em fazer com que os alunos pensassem, através de

perguntas abertas para guiar o processo de reflexão, sobre os seguintes aspectos:

expectativas em relação ao curso, como os espaços abertos se deram, respeito às

diferentes perspectivas, experiência de aprendizagem, como foi o curso em si e

como os princípios da metodologia OSDE foram utilizados. Este diário29, elaborado

em língua inglesa, porém podendo ser respondido tanto em inglês quanto em

português, e adaptado para o curso, foi aplicado em três momentos distintos: início,

meio e fim do curso. No primeiro momento, ao final do encontro inicial, os

participantes tiveram um momento para refletir sobre as suas expectativas em

relação ao curso que estava começando e também escreveram (ou desenharam)

sobre quem eram e aquilo que os representava. No segundo momento, em meados

de maio, foram redistribuídos os diários e os participantes puderam levá-los para

casa e refletir sobre os encontros como espaços abertos onde eles se sentiram à

vontade para expressarem suas visões de mundo, sobre a questão das perspectivas

e o engajamento crítico com eles mesmos e com os outros, sobre suas

aprendizagens e suas experiências dentro do curso, sobre o que eles pensam sobre

o curso, e também sobre quaisquer outros aspectos que julgassem relevantes. No

terceiro momento, no final de junho, os participantes escreveram sobre as mesmas

questões da segunda entrada do diário e também sobre os princípios sugeridos pela

metodologia OSDE e como eles se relacionaram com os princípios.

O propósito de aplicar o diário para os participantes em três momentos

diferentes foi o de investigar se haveria alguma mudança de posicionamento dos

alunos em relação ao Other Worlds e à proposta de construção dos espaços abertos

no decorrer curso, e também em relação ao processo de reflexão e aprendizagem

dos próprios participantes. A aplicação do diário foi feita de acordo com a

disponibilidade de os participantes refletirem sobre as questões propostas. Sendo

kjshd28 Os diários, elaborados pelos idealizadores da metodologia OSDE, no projeto inicial

Learning about Ourselves, Learning about Others, foram originalmente utilizados em uma pesquisa feita pelos colaboradores do projeto, nas mais diversas áreas do conhecimento e em diferentes partes do mundo, a fim de verificar como a metodologia se deu nestes diversos contextos.

29 Ver anexo 3 para o diário reflexivo do participante.

29

assim, dos 17 alunos que participaram do curso, 10 consentiram que suas reflexões

fossem utilizadas para a elaboração desse estudo. Para preservar a identidade dos

participantes que completaram os diários, utilizarei a seguinte notação para fazer

referências às suas contribuições na análise dos diários reflexivos: P1, P2, P3, P4,

P5, P6, P7, P8, P9 e P10.30

Como mencionado anteriormente, foi também utilizado um diário para a

mediadora-pesquisadora, no qual enfoquei o meu papel como mediadora dos

espaços abertos que estavam sendo construídos com o grupo. O diário, que

também chamarei de “reflexivo”, foi utilizado após cada encontro do Other Worlds.

Nele anotei e refleti sobre minhas expectativas em relação ao curso, minhas

impressões sobre como os encontros haviam se dado, como foi a participação dos

alunos, se havia contribuído para construção dos espaços abertos no meu papel de

mediadora, sobre as minhas atitudes dentro do espaço, sobre o meu engajamento

crítico em relação às minhas perspectivas e às dos outros participantes, entre outros

pontos.31 Este diário, assim como o dos participantes, teve um caráter

eminentemente pessoal e contribuiu enormemente para com o processo de reflexão

no qual se baseia esta pesquisa, uma vez que pude verbalizar minhas impressões

sobre o processo de construção de espaços abertos no Other Worlds.

Com a utilização destes dois tipos de diários, tive a intenção de fazer desta

pesquisa, mesmo que a minha voz seja a que tenha prevalecido, um discurso um

pouco mais polifônico, tornando este trabalho mais reflexivo do que seria se tivesse

levado em conta apenas as minhas impressões sobre o processo de

investigação/reflexão ao qual me propus neste trabalho.

30 Ver capítulo seguinte. 31 Ver apêndice para o diário reflexivo da mediadora-pesquisadora.

30

8 ANÁLISE DOS DIÁRIOS REFLEXIVOS

O objetivo deste estudo, como mencionado anteriormente, é investigar a

aplicação da metodologia Espaços Abertos para Diálogo e Questionamento no curso

de conversação avançada em língua inglesa Other Worlds. Para esta investigação, a

principal fonte de dados são os diários reflexivos, respondidos em português ou em

inglês,32 aplicados a 10 participantes do curso e, também, as reflexões que fiz, no

decorrer do curso, baseadas no diário reflexivo da mediadora-pesquisadora.

Tomarei como ponto de partida para esta análise a discussão de como o

espaço aberto foi construído no Other Worlds, focando nos entendimentos dos

participantes de como o processo de questionamento de si e dos outros se deu, no

meu papel como mediadora do curso e, também, na utilização da língua inglesa

como meio de comunicação neste processo. Em um segundo momento, passarei à

análise sobre que impacto pode haver sobre nossos entendimentos de mundo

quando entramos em contato e nos engajamos com perspectivas diferentes. Logo

em seguida, irei analisar os diferentes entendimentos sobre o que é aprendizagem e

de como esta se deu dentro do curso, enfocando a validade desta aprendizagem.

Discutirei também as diferentes percepções sobre o que é o Other Worlds e qual é o

seu propósito e, por último, farei uma análise sobre como os três princípios

sugeridos pela metodologia OSDE33 foram utilizados para auxiliar a construção do

espaço aberto no Other Worlds.

8.1 O ESPAÇO ABERTO

Quando perguntados sobre se sentiram que houve, durante o curso, uma

atmosfera na qual as pessoas pudessem se sentir à vontade em se expressarem,

em desafiarem os seus próprios posicionamentos e os posicionamentos dos outros,

todos os participantes responderam afirmativamente. De acordo com os alunos,

houve uma atmosfera agradável e favorável à discussão, mas esta atmosfera não

sdçk

32 Vale salientar que, nesta análise, faço uma tradução livre dos trechos retirados de diários que foram respondidos em inglês.

33 Cf. capítulo 5.

31

existia desde o início; ela foi construída à medida que os encontros aconteciam. Nas

palavras de uma das participantes:

No início é mais difícil expressar idéias e opiniões, entretanto, com o passar do tempo e conforme nos conhecemos o processo se torna mais fácil, possibilitando uma expressão sem receios. (P1)

Adquirir confiança uns nos outros, portanto, foi fundamental para que alguns

dos participantes do grupo (ou talvez todos eles) se sentissem confortáveis ao se

exprimirem. Uma das participantes apontou que não somente os alunos se sentiram

à vontade para se exprimirem, mas também para contestarem, ou melhor,

desafiarem os posicionamentos dos outros e, ao assumirem este posicionamento de

questionarem e ouvirem uns aos outros, um clima de respeito mútuo prevaleceu,

principalmente mais ao final do curso:

Acredito que prevaleceu nas atividades um clima de respeito e de interesse pelo ponto de vista do outro: parece que conseguimos criar um open space! Pena estarmos tão perto do fim do semestre... (P8)

De acordo com os participantes, todos tiveram oportunidade para falar e se

posicionarem, mas nem todos fizeram uso dessa oportunidade. Houve pessoas que

se colocavam mais perante o grupo, que se exprimiam com maior facilidade e

freqüência, mas também houve aqueles que optaram pelo silêncio, por ouvir o que

os outros tinham para dizer.

...algumas pessoas detêm naturalmente a atenção alheia em uma discussão, outras buscam essa atenção incansavelmente (tornando-se, muitas vezes, inconvenientes) e existem aquelas pessoas que buscam o contrário: manter-se em silêncio, tanto por timidez, quanto por interesse em ouvir o que os outros falam. (P9)

Entendo esta dicotomia verbalização/silêncio, de duas maneiras. Há a

possibilidade de que este silêncio tenha sido uma opção deliberada de alguns dos

participantes, por fatores que podem ir desde timidez até a (suposta) falta de

conhecimento sobre o assunto, de somente ouvir e refletir sobre o que os outros

tiveram a dizer. Sendo assim, a participação dos alunos se deu de forma indireta, o

que muitos podem entender, de maneira negativa, como uma participação passiva

devido à não verbalização das idéias, mas que, no meu entendimento, foi ativa se

32

pensarmos que os participantes refletiam sobre o que estava sendo discutido pelos

outros. Uma outra possibilidade seria de que este silêncio não foi uma opção

consciente, mas sim uma imposição devido ao fato de que havia participantes que

se colocavam mais freqüentemente e mais incisivamente perante o grupo e que

argumentavam de uma maneira mais elaborada, o que fazia com que suas vozes

fossem mais ouvidas. Tendo isto em vista, alguns participantes silenciaram-se (ou

foram silenciados) pois eles não percebiam o espaço como propício para que se

exprimissem ou até mesmo por acharem que a sua opinião não era tão válida

quanto às daqueles que sabiam elaborar melhor seus argumentos ou que, de acordo

com FOUCAULT (2002), eram percebidos como tendo um saber mais legitimado do

que os dos outros.

8.1.1 O Papel da Língua Inglesa

Parte desta opção pelo silêncio pode ter sido devido à utilização da língua

inglesa como meio de comunicação para o processo reflexivo proposto pelo Other

Worlds.

Saber uma língua estrangeira, neste caso a língua inglesa, confere aos seus

falantes uma posição socialmente legitimada, uma vez que saber e poder são

indissociáveis34 e tendo em vista a posição cultural e econômica privilegiada da

língua inglesa na sociedade global contemporânea. (PENNYCOOK, 1999) No caso

do Other Worlds, percebo que aqueles que tinham uma maior proficiência lingüística

foram os que mais se colocavam no grupo. No entanto, isto não foi um fator

determinante no que diz respeito à participação dos alunos no espaço. Alguns dos

participantes, conscientes de suas limitações quanto a sua proficiência em língua

inglesa, perceberam que, em determinados momentos, o uso da língua inglesa

apresentou uma barreira para a expressão clara da mensagem que queriam

transmitir, porém isto não impossibilitou que os alunos participassem e exprimissem

suas opiniões perante o grupo.

Mais do que simplesmente uma barreira à transmissão clara de uma

mensagem, percebo que o uso da língua inglesa fez com que o processo de reflexão

34 Cf. capítulo 3, p. 11.

33

e questionamento ficasse em segundo plano, fazendo com que em primeiro lugar

ficasse a performance lingüística. Uma das participantes apontou o seguinte:

Procuro acompanhar o todo das discussões (o vaivém) e, quando falo, preciso fazer tanto esforço para lembrar das palavras/das estruturas que não consigo prestar atenção à reação dos colegas. (P8)

Já uma outra participante entende que o inglês não apresentou

necessariamente uma restrição à expressão de idéias, mas sim um certo estímulo

para a expressão de suas opiniões.

Eu acho que uma das vantagens de se usar o inglês durante as lições é que, a fim de melhor elaborar os argumentos, eu sinto a necessidade de escolher as palavras mais cuidadosamente. (P7)

No entanto, a língua, quando entendida como uma espécie de impedimento

para a fluência e clareza do diálogo, não foi a única barreira à expressão de idéias e

opiniões:

No meu caso, a língua tem sido uma barreira – prova disso é que estou respondendo [o diário] em português. Mas não é só a língua: às vezes noto que não consigo me expressar com clareza sobre algum assunto porque me faltam informações a respeito – mesmo em português eu teria dificuldade em colocar meu ponto de vista. (P8)

Percebo que, tanto para esta participante quanto para os outros, além do

conhecimento lingüístico35, havia uma preocupação em possuir um saber mais

embasado (leia-se, informado por perspectivas legitimadas socialmente) em relação

ao assunto que estava em pauta, o que por vezes fazia com que os alunos não se

colocassem perante o grupo.

8.2 OS PRINCÍPIOS

A fim de que viabilizar e assegurar a criação dos espaços abertos para a

aprendizagem, a metodologia Espaços Abertos para Diálogo e Questionamento,

como mencionado anteriormente, sugere a adoção de três princípios: 1. toda pessoa

35 Muitos dos alunos, em suas reflexões em seus diários, demonstraram que, para eles, a língua era algo mais importante do que o processo reflexivo ao qual o curso se propôs.

34

traz conhecimento válido e legítimo para o espaço, construído a partir de seu

contexto; 2. todo conhecimento é parcial e incompleto; e 3. todo conhecimento pode

ser questionado. Uma vez que o Other Worlds teve como base a metodologia

OSDE, no início do curso propus aos participantes a adoção destes três princípios

para nos auxiliar a construir o nosso próprio espaço aberto.

De acordo com uma das participantes do Other Worlds,

... os princípios da metodologia OSDE foram mantidos em todos momentos dos nossos encontros, ou seja, foram fielmente seguidos [grifo meu], tanto pela professora quanto pelos alunos... (P1)

Esta opinião foi compartilhada por uma grande parte dos alunos e, de acordo

com eles, os princípios foram muito bem utilizados e sustentados no decorrer de

todo o curso. É importante salientar que, no decorrer do curso, salvo o momento

inicial, os princípios não foram relembrados e nem retomados de modo a fazer com

o espaço aberto funcionasse efetivamente. Acredito que esta retomada dos

princípios não se fez necessária em nenhum momento devido ao fato de que, a meu

ver, tanto eu quanto o grupo adotamos, de uma maneira ou de outra, os princípios

gradualmente de modo a fazer uso deles de maneira implícita.

Eu acho que todos os três princípios foram seguidos, e nós nem notamos, o que é melhor, porque nós estávamos enfocando nos assuntos em questão. (P5)

Se por um lado houve participantes que disseram que os princípios foram

utilizados e sustentados durante todo o Other Worlds, por um outro houve quem

dissesse que os princípios não foram adotados o tempo todo:

Posso dizer que a maior parte do tempo todos os princípios da metodologia OSDE foram adotados. É muito difícil de alcançá-los/usá-los o tempo todo, mas a maior parte do tempo é possível. (P3)

Assim como este participante, acredito que haja uma real impossibilidade de

adotar integralmente estes três princípios, mesmo que estejamos tentando construir

um espaço aberto, devido às relações de poder, que nunca podem ser apagadas,

que se estabelecem nos espaços nos quais vivemos. (FOUCAULT, 2002) Dentro de

um espaço aberto, e mais especificamente no espaço aberto que estava sendo

35

construído no Other Worlds, mesmo que se prime por fazer com que todos os

saberes sejam reconhecidos como válidos e legítimos, acredito que, em

determinados momentos, seja o saber do aluno que sabia argumentar melhor ou

seja o do participante mais proficiente em língua inglesa, alguns conhecimentos

foram reconhecidos como mais válidos do que os outros. Notei também que, mesmo

que eu buscasse não assumir uma posição de professora que transmite linearmente

o seu saber e procurasse não impor os meus pontos de vista aos participantes do

curso, sinto que em determinados momentos as minhas colocações foram

reconhecidas como mais válidas, uma vez que eu ocupava uma posição mais

legitimada, e por isso privilegiada, como professora/mediadora do curso. Além disso,

percebo que a impossibilidade de fazer com que estes três princípios sejam

adotados integralmente de maneira a auxiliar na construção de espaços abertos

reside não só no fato de haverem posições de poder mais legitimadas que outras.

Percebo que, mesmo adotando um modelo metodológico transformativo, como a

metodologia OSDE, e como sugere STERLING (2001), ainda existe um eco bastante

forte de um modelo educacional transmissivo e mecanicista36, que prima por manter

estas relações de poder de maneira estanque, e que rege as nossas práticas

educativas, mesmo que não concordemos com tal modelo.

Tendo isto em vista, os três princípios, mesmo que não tenham sido feitos

presentes o tempo todo no Other Worlds, foram adotados e utilizados como que num

exercício extremamente válido de fazer com que um espaço verdadeiramente aberto

fosse construído, mesmo que isto se faça impossível por completo. Como uma das

participantes aponta,

...o curso todo foi uma tentativa – tanto da parte da professora quanto dos alunos – de adotar e defender os princípios da Metodologia OSDE. (P8)

8.3 AS PERSPECTIVAS

Ao serem questionados sobre se a participação no Other Worlds havia

ajudado os alunos a terem maior clareza quanto às suas próprias perspectivas e

quanto às perspectivas dos outros, e se as suas perspectivas haviam mudado de

36 Cf. capítulo 4.

36

alguma maneira, os participantes tiveram percepções bastante distintas sobre este

processo.

A maioria disse que o contato com visões de mundo diferentes fez com que

eles percebessem mais claramente as suas próprias visões de mundo e também as

dos outros:

O curso tem ajudado na observação e no conhecimento próprio e das outras pessoas e assim auxiliado a definir melhor as perspectivas de cada um. Minhas perspectivas não se modificaram totalmente, mas ficaram mais delineadas em meu pensamento. (P1)

Este contato com diferentes perspectivas fez com que os participantes

também percebessem seus posicionamentos e comportamentos em relação às

pessoas:

Eu me dei conta que sou uma fixer37 e de que eu tenho tentado fazer com que as pessoas vejam o meu [grifo do autor] ponto de vista e compartilhem minhas [grifo do autor] perspectivas, mas isto seria muito chato porque daí eu não terei ‘o outro’. Eu só teria um ‘espelho’ na minha frente... ninguém que pode questionar, apontar alguma contradição, me mostrar novos ‘ângulos’. (P5)

Em outras palavras, a presença do ‘outro’ e de uma perspectiva diferente é

salutar, pois permite que os nossos entendimentos de mundo sejam questionados e

postos em xeque, o que pode nos levar a enxergar outras maneiras de ver o mundo.

No entanto, para que este questionamento ocorra, é preciso que haja uma

disposição permanente em se perceber e perceber os outros:

Até agora, aprendi que existe em mim uma grande disposição de entender/conhecer outras pessoas, mesmo não concordando com elas. Sobre os outros – e eu me vejo neles – eu diria que é grande a dificuldade de abandonar/rever certos valores que fazem parte da história de vida de cada um, mesmo quando se passa a questionar esses valores. Se o curso tem me ajudado a ter mais clareza sobre minhas perspectivas, é no sentido de me fazer ver o tempo todo a minha falta de clareza. Os outros me parecem mais seguros em seus pontos de vista, mas talvez isso não possa ser atribuído ao curso. Se minhas perspectivas mudaram? Eu tento mudar quando me identifico com alguma coisa que me entusiasma (que me abre novos horizontes), mas nem sempre consigo – ou melhor, demoro a mudar. Assim, se alguma mudança houver, será num prazo mais longo que o deste semestre. (P8)

37 Termo utilizado, em uma dinâmica sobre maneiras de ouvir o outro, baseada na idéia de Jerry L. Hampton (http://www.community4me.com), que designa uma pessoa que, em uma conversa, não presta muita atenção àquilo que a outra pessoa diz, interrompendo-a para dar conselhos e consertar os defeitos e problemas da outra pessoa.

37

Esta permanente abertura para o questionamento, como nos propõe

FREIRE (1996),38 não implica uma mudança imediata, pois ver de outras maneiras é

bastante difícil uma vez que é um desafio abandonar certas práticas e pontos de

vista tão arraigados no sujeito. Sendo assim, a mudança é processual e requer que

haja, em maior ou menor grau, uma certa identificação com as diferentes

perspectivas, ou seja, é necessário que essas maneiras diferentes de ver o mundo

sejam significativas o suficiente para o sujeito para que algum tipo de processo de

mudança seja provocado nele. Além disso, vejo que o contato com e a percepção de

outras perspectivas dentro do espaço aberto nos faz querer tentar entender quais

são os pressupostos que informam determinadas perspectivas e quais são as

possíveis implicações delas, em uma tentativa de compreender os outros e seus

posicionamentos.

Reunindo pessoas tão diferentes – pela idade, pela formação, pela história de vida – o grupo oferece a oportunidade de entrarmos em contato com other worlds, o que nem sempre quer dizer perspectivas conflitantes. É surpreendente descobrir interesses e pontos de vista em comum com pessoas que dificilmente conheceríamos em outro ambiente. Por outro lado, quando os interesses e pontos de vista não coincidem, temos a sensação de nos compreender melhor, pois nos situamos em relação aos outros. (P8)

Dessa maneira, nesta tentativa de compreender o outro, mesmo que este

tenha uma perspectiva dissonante da nossa, passamos a refletir mais

profundamente e assim passamos a agir dentro do paradigma do letramento

crítico39, em um processo cíclico de questionamento e compreensão, chegando mais

perto da “mudança de terceira ordem”, proposta por STERLING (2001), que faz com

que passemos a agir de maneiras diferentes no mundo e com ele.40

Enquanto a maioria dos participantes, como mencionado anteriormente,

demonstrou ter uma disposição para mudança e para rever seus entendimentos,

reconhecendo, como disse P3, que não sabemos tudo e que há muitas coisas a

serem aprendidas, até mesmo sobre informações que acreditamos saber o

suficiente, proposição bastante semelhante ao segundo princípio da metodologia

OSDE (“todo o conhecimento é parcial e incompleto“), uma das participantes afirmou

categoricamente:

38 Cf. capítulo 3, p. 9.39 Cf. capítulo 2, p. 5.40 Cf. capítulo 4, p. 16.

38

Minhas perspectivas não mudaram, mas eu tenho a oportunidade de conhecer novas pessoas e suas perspectivas. (P10)

Percebo nesta declaração que, mesmo que haja uma certa disposição de

entrar em contato com perspectivas diferentes da dela, a participante não se coloca

em um posicionamento que permite o questionamento. No meu entendimento, ela

assume o posicionamento inflexível de que seu conhecimento é estanque, o que não

lhe permite enxergar de outras maneiras. No entanto, a meu ver, penso que é

impossível não haver algum tipo de mudança em suas perspectivas, como ela afirma

tão incisivamente, pois o simples contato com outras perspectivas faz com que

reflitamos, e, logo, em maior ou menor grau, uma mudança ocorre, mesmo que não

estejamos (ou não queiramos estar) conscientes dela.

8.4 A APRENDIZAGEM

Ao analisar os diários reflexivos dos participantes notei que, ao refletirem

sobre o que aprenderam sobre si mesmos e sobre os outros no decorrer do Other

Worlds, os alunos apresentaram diferentes entendimentos de que tipo de

aprendizagem se deu durante o curso, uns enfocando mais o aprendizado

meramente lingüístico, outros enfocando uma aprendizagem mais reflexiva.

Alguns dos participantes apontaram que um dos focos do curso é aprender a

compartilhar os seus entendimentos de mundo, a pensar de uma outra maneira, a

ouvir mais atentamente o que os outros têm a dizer e a negociar pontos de vista.

Mencionaram também que o contato com perspectivas diferentes através do diálogo

fez com que eles aprendessem uns com os outros:

É uma boa maneira de se aprender sobre um assunto: discutindo ele. Quando você está em contato com outros pontos de vista, outras pessoas, é mais fácil (e mais divertido / mais interessante) aprender. Debater é sempre uma boa maneira de aprender, porque você pode interagir com algumas outras pessoas, solucionando dúvidas, pensando de uma maneira diferente. Às vezes, com as discussões você consegue chegar a conclusões que você não poderia achar sozinho. (P3)

Noto que neste comentário há uma valorização pela discussão, em seu

sentido mais positivo, e pelo contato com as pessoas para poder aprender mais

sobre qualquer assunto. Aqui, o que é valorizado não é uma aprendizagem

39

transmissiva e linear, mas sim uma construção colaborativa de conhecimentos, na

qual todos têm saberes que contribuem para a construção do saber do outro

(FREIRE, 1996), algo que acredito ser o objetivo do Other Worlds, bem como o da

metodologia OSDE. E neste propósito de construir conhecimentos junto a outras

pessoas é que o processo de reflexão e questionamento se faz essencial:

...sem dúvida considero [o curso] uma experiência válida, porque nos faz refletir muito sobre diversos assuntos e desta maneira nós construímos novos conhecimentos ou modificamos/lapidamos os antigos. (P1)

Enquanto a maioria dos participantes do curso enfocou, em suas reflexões

em seus diários, uma aprendizagem sobre si mesmo e sobre os outros, houve

aqueles que mencionaram este tipo de aprendizagem, mas que voltaram seu olhar

para a aprendizagem da língua inglesa.

É uma ferramenta bastante válida para aprender uma língua estrangeira. Discutir faz com você pense mais rápido e é um bom exercício. (P3)

Mesmo que mencionassem que aprenderam a ouvir os outros e a perceber a

si mesmos, notei que, através de seus discursos, os alunos demonstravam uma

maior preocupação com aprimoramento de sua proficiência em língua inglesa,

posicionamento totalmente justificável tendo em vista que o Other Worlds, mesmo

com o propósito de promover um engajamento crítico com os saberes, foi um curso

de conversação avançada em língua inglesa. Sendo assim, houve uma das

participantes que afirmou:

Acho que esta experiência contribui com enriquecimento de vocabulário e formas de expressão e comunicação. Porém, há pouco aprendizado e correção de erros cometidos. (P9)

Percebo neste comentário que o entendimento de aprendizagem é

meramente lingüístico. Além disso, a meu ver, há uma certa contradição aqui: para

esta participante, enriquecimento de vocabulário não é o mesmo que aprendizado.

Pode-se entender que, para ela, se não existe a formalização do ensino, se a

gramática da língua, de técnicas de leitura, e de técnicas de compreensão e

produção oral não são ensinadas como normalmente se faz em cursos

40

convencionais de conversação, quer dizer que não há aprendizagem. Percebo aqui

um entendimento totalmente mecanicista do que é aprendizagem, um entendimento

que não leva em conta outros fatores que igualmente influenciam o aprendizado,

seja ele em qualquer âmbito, como, por exemplo, uma aprendizagem experiencial.

Tendo isto em vista, participar do Other Worlds fez com que tanto os

participantes quanto eu pudéssemos aprimorar nosso conhecimento da língua

inglesa de maneira informal. Além disso, e primordialmente, o contato e a

convivência com diferentes perspectivas, que foi possível durante o curso, fez com

que entrássemos em um processo de aprendizagem que tem como base o

questionamento e a compreensão de si mesmo e do outro. É importante salientar

que este processo de aprendizagem, dificilmente controlável por parte de um

professor ou mensurável através de notas, pode ter acontecido de maneira mais

superficial ou mais profunda, ou seja, a aprendizagem pode ter sido tanto de

primeira ordem (aprender mais do mesmo), de segunda ordem (pensar sobre o

nosso pensar) ou de terceira ordem (reflexão mais profunda que leva a outras

formas de ação). (STERLING, 2001) Além disso, como mencionou uma das

participantes esta aprendizagem/mudança, seja ela de qual ordem, pode não ser

facilmente perceptível de imediato, mas leva um certo tempo, que é o tempo de cada

um, para poder ser notada.

8.5 O CURSO

Ao fazerem uma análise sobre o curso no que diz respeito à metodologia,

bem como aos materiais, alguns dos participantes mencionaram que o Other Worlds

possui um perfil diferenciado e não se encaixa na categoria de um curso de

conversação convencional onde o foco é meramente o aprendizado de língua

inglesa.

Quando meus amigos perguntam sobre o curso costumo dizer que ele tem um estilo diferente dos outros “tradicionais”, pois temos encontros e não aulas. Explico que discutimos sobre assuntos polêmicos, seus pontos positivos e negativos e a influência destes na vida das pessoas. (P1)

Eu diria que este não é um curso, mas uma experiência onde você pode conhecer pessoas para interagir e trocar experiências. (P9)

41

É interessante notar, nestes dois comentários, as maneiras como os

participantes vêem o Other Worlds. Os entendimentos destas duas participantes

sobre o que foi o curso e como ele se estruturou refletem, de alguma maneira, o

meu entendimento do que eu pretendia que fosse o curso. Talvez isto seja somente

uma reprodução do meu entendimento, que foi dito abertamente aos alunos no

primeiro encontro, ou talvez tenha havido uma real compreensão do que o curso se

propôs a promover, algo que nunca saberei ao certo.

Ainda em relação à maneira como o curso se estruturou a participante P1

apontou:

As experiências que tive anteriormente foram de curso tradicionais, com turmas de poucos ou de muitos alunos, nos quais os conteúdos eram dados de acordo com os livros. No início do Other Worlds tudo me parecia muito solto, talvez por não trabalharmos com livros e avaliações tradicionais, e por isso achei estranho. Aos poucos me adaptei e tenho gostado da metodologia utilizada.

Tendo este comentário em vista, percebi que tanto no início quanto no

decorrer de todo o curso, houve uma certa preocupação por parte dos alunos quanto

à maneira como ele estava organizado. O curso, como mencionado anteriormente,

teve como base a metodologia OSDE41, não possuía um professor responsável pela

transmissão de conhecimentos pré-estabelecidos, não estava organizado a partir de

conteúdos determinados a priori e não tinha o objetivo de atribuir notas que

avaliassem a performance dos alunos.42 Todas estas características do curso

fizeram com que um certo estranhamento fosse causado, uma vez que, a meu ver,

os participantes, de uma certa maneira, ainda estavam presos a um modelo

educacional transmissivo.

Por um lado, o fato de o Other Worlds não se encaixar dentro do que pode

ser considerado um curso de conversação convencional pode ter tido um efeito

positivo quanto à participação dos alunos, pois como uma das participantes afirmou:

Uma das coisas que me encanta no curso é justamente o fato de as pessoas, sem outro motivo (já que não há notas nem controle de freqüência) senão a vontade de se encontrar para conversar / discutir em inglês, terem feito disso um compromisso – com você, com os colegas, consigo mesmos – e estarem buscando se aproximar/se conhecer (e nisso o break tem um papel fundamental!). (P8)

41 Cf. capítulo 5. 42 Cf. capítulo 6 para uma descrição das características do curso.

42

Por um outro lado, estas características podem ter tido um efeito negativo,

pois não se encaixavam dentro das expectativas, de alguns alunos, do que seria um

curso de conversação avançada em língua inglesa, mesmo que as características do

curso tivessem sido claramente explicitadas já nos primeiros encontros:

Eu estava esperando algo diferente do Other Worlds. Eu amei as aulas mas eu queria algo mais difícil. (P6)

No entanto, apesar de haverem reações distintas no que diz respeito ao tipo

de curso, é bastante interessante notar que não houve uma grande dificuldade

quanto à adaptação (ou até mesmo aceitação) ao modelo metodológico proposto.

Todos responderam de maneira receptiva à proposta do Other Worlds, bem como à

sua organização.

Quanto ao propósito do curso de criar espaços abertos de aprendizagem

onde os participantes puderam se engajar criticamente com as suas próprias

perspectivas e com as perspectivas dos outros através do diálogo e da conversação

em língua inglesa, todos pareceram concordar e agir de forma a construir um espaço

aberto de fato, em um grande exercício de questionamento crítico e reflexivo. No

entanto, como uma das participantes mencionou, é preciso que o aluno esteja

interessado em fazer parte deste processo. Em outras palavras, é necessário que o

aluno assuma esta abertura ao diálogo com outras perspectivas, da qual nos fala

FREIRE (1996), para que o processo de questionamento de si mesmo e dos outros,

e a construção de um espaço aberto possa acontecer.

Para finalizar a análise sobre o curso, reproduzo aqui o relato de uma das

participantes que, a meu ver, sintetiza muito bem o que foi o Other Worlds:

Eu diria que não se trata de uma turma convencional de conversação (pensando bem, será que é uma turma de conversação?), pois o foco não está no praticar a língua (embora se fale inglês todo o tempo), mas no interagir com o outro para tentar conhecê-lo e, nessa busca, aprender sobre si mesmo. Talvez por isso os resultados não fiquem evidentes (nem possam se materializar em notas): cada um, ao fim do processo, avaliará a si próprio em termos de autoconhecimento / conhecimento do outro.Um curso dessa natureza – acredito – só é possível num espaço aberto a novas metodologias, com pessoas dispostas a tomar parte na experiência. Nesse sentido, foi importante o esclarecimento inicial sobre a proposta OSDE: quem buscava outra coisa não permaneceu.(...)

43

8.5.1 A Mediação

Uma das características do Other Worlds, bem como da metodologia OSDE,

é propor que o professor assuma o papel de mediador para auxiliar na construção

do espaço aberto. Como mencionado anteriormente, o papel do mediador é propor e

organizar encontros nos quais os participantes do curso possam refletir e se

expressar sobre os mais diversos assuntos de relevância global e local. Cabe

também ao mediador, sem querer almejar a neutralidade, questionar os

posicionamentos dos alunos, fazendo o papel de advogado do diabo, a fim de evitar

que consensos sejam atingidos.43 No entanto, apesar de ter bem claro qual é o papel

de um mediador, percebo que tive uma certa dificuldade em assumir este papel por

completo.

Primeiramente, acredito que deixar de lado o papel de professora para

assumir o papel de mediadora no espaço de uma escola, e no contexto de uma sala

de aula, é bastante desafiador, pois requer que certos posicionamentos e práticas

sejam revistos criticamente. Esta dificuldade se deu não pelo fato de não conseguir

abandonar “o lugar soberano de detentor do saber”44, do qual nos fala FOUCAULT

(2002), afinal nunca acreditei possuir a verdade sobre as coisas do mundo e sempre

tentei não impor meus pontos de vista aos alunos (mesmo que uma atenção maior

fosse voltada para mim sempre que me colocava perante o grupo), mas por uma

dificuldade em abandonar gradualmente o controle do espaço. Durante o curso notei

que a minha maior preocupação era em fazer com que os encontros funcionassem

efetivamente, em fazer com que eles estivessem bem organizados a fim de que os

participantes pudessem dialogar. Por causa deste olhar voltado para a organização

e controle do encontro, que nem sempre acontecia da maneira eficaz que eu

pretendia, por vezes esquecia de voltar meu olhar para os participantes e perceber

como estavam se dando os seus processos de reflexão e questionamento.

Em segundo lugar, assumi um posicionamento de não fazer correções

quanto à performance lingüística dos alunos, mesmo sendo o Other Worlds um

curso de conversação em língua inglesa. Esta opção se deu pelo fato de eu

dsljlkdjlfff43 Cf. capítulo 5, p. 20.44 MUCHAIL, S.T. Foucault, simplesmente: textos reunidos. São Paulo: Edições Loyola,

2004. p. 58.

44

acreditar que este não era o papel que eu deveria exercer dentro do curso. No

entanto, isso gerou um certo incômodo, principalmente naqueles que tinham como

foco o aprimoramento da proficiência em inglês:

... eu quero aprender um pouco mais. E eu quero ser corrigida quando eu fizer algum erro em inglês. (P6)

Em terceiro e último lugar, penso que não consegui desafiar os pontos de

vista dos participantes de maneira tão efetiva quanto imaginava. Durante todo o

curso julguei que meu trabalho como mediadora ficou restrito a tentar fazer com que

todas as perspectivas fossem ouvidas e respeitadas, e a propor alguns

questionamentos que não eram tão aprofundados. No entanto, em conversas

informais com os participantes do curso, eles mencionaram que, de alguma maneira,

através de algumas colocações, eu os desafiava e fazia com que eles refletissem

sobre os seus posicionamentos. De certa forma, mesmo com este tipo de

comentário, vejo que meu trabalho como mediadora do Other Worlds poderia ter

sido mais aprofundado, mas penso que para uma primeira vez que tentei deixar de

lado o papel de professora e assumir o papel de mediadora, consegui fazer um

trabalho que não deixou tanto a desejar e acredito que consegui contribuir para a

construção do espaço aberto.

8.5.1.1 A mediação dos participantes

No que diz respeito à segunda parte do curso na qual os alunos puderam

propor e mediar discussões a fim de poderem assumir uma posição diferente dentro

do Other Worlds,45 acredito que a mediação e as atividades propostas pelos

participantes tiveram um efeito bastante positivo sobre o grupo:

Foi muito interessante a experiência de preparar em equipe um tema para discutir em sala. Acredito que isso, além de nos ter aproximado dos colegas, possibilitou um exercício de negociação de pontos de vista – na hora de decidir sobre as atividades que proporíamos à turma – em que todos procuraram colaborar e ninguém pensou em se impor. (P8)

45 Cf. capítulo 6, p. 25.

45

No entanto, percebi que foi bastante difícil para alguns alunos abandonarem

um posicionamento incisivo perante o grupo, sendo que alguns deles interferiram

diretamente no processo de reflexão de outros participantes e acabaram tentando

impor seus pontos de vista para o grupo, o que gerou uma certa dose de

desconforto para algumas pessoas. Por um outro lado, houve aqueles que

procuraram não se colocar em nenhum momento, talvez buscando não interferir de

maneira alguma no processo. Sendo assim, vejo que assumir o papel de mediador é

bastante desafiador e difícil, mas é um ótimo exercício para que possamos perceber

e avaliar nossos posicionamentos e atitudes perante os outros.

46

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, procurei entender como a metodologia Espaços Abertos para

Diálogo e Questionamento (OSDE) poderia ser aplicada no curso de conversação

avançada em língua inglesa Other Worlds, tendo como base para minha pesquisa o

letramento crítico, a pedagogia de Paulo Freire, as noções de poder e saber de

Michel Foucault, e a educação sustentável de Stephen Sterling.

Uma vez que foi pautada no paradigma interpretativista de pesquisa, que

tem como foco os aspectos processuais que envolvem a investigação e não os

resultados que ela pode provir, e que leva em consideração as vozes e os

entendimentos dos sujeitos que dela fazem parte, gostaria de ressaltar que esta

pesquisa tem um caráter eminentemente reflexivo e subjetivo, pois tem o meu olhar

e os meus entendimentos sobre o curso Other Worlds, com base nas leituras

teóricas que fiz e nas reflexões dos participantes do curso, como pontos que

permeiam toda a investigação proposta.

Acredito que a proposta de construção de espaços abertos de

aprendizagem, que tem como pressupostos básicos a parcialidade do

conhecimento, a sua validade e legitimidade, e a possibilidade de questionamento

dos saberes, seja bastante válida e de extrema relevância para a educação em geral

e, mais especificamente, uma vez que este é o enfoque dessa pesquisa, para o

contexto de ensino de língua inglesa. A meu ver, uma educação crítica e reflexiva

nos espaços em que a língua inglesa é ensinada como língua estrangeira se faz

necessária e urgente, principalmente quando a posição que a língua inglesa ocupa

no mundo é levada em conta.

No entanto, nas minhas observações como mediadora do Other Worlds

pude perceber que a proposta reflexiva da metodologia OSDE não é simples de ser

implementada. Não é pelo simples fato de adotar a série de procedimentos e

princípios sugeridos pela metodologia OSDE que garantimos a criação de um

espaço verdadeiramente aberto. É preciso que se leve em conta as subjetividades

dos sujeitos envolvidos no processo, o contexto e as relações de poder que o

permeiam. Sendo assim, percebi que um espaço aberto é construído

gradativamente pelos seus sujeitos e não implementado impositivamente, e que ele

nunca vai se estabelecer por completo, devido às relações de poder que permeiam

47

qualquer espaço, seja ele aberto ou não. Portanto, para que haja essa construção,

que entendo como colaborativa, é preciso que os participantes e mediadores

assumam uma disposição ao engajamento crítico com os saberes, uma abertura ao

questionamento reflexivo e um comprometimento para com o processo de

construção de um espaço aberto. E acredito que no Other Worlds, esta disposição,

abertura e comprometimento foram assumidos, tanto pelos participantes quanto por

mim, em uma tentativa de entender as diferentes perspectivas (e de onde elas vêm

e para onde elas vão), num contínuo e desafiador exercício de reflexão e

questionamento crítico dos outros e, principalmente, de si mesmo.

Partindo do pressuposto de que uma educação que promova a criticidade e

que prime pela construção colaborativa de saberes (e não pela sua transmissão

linear) se faz necessária uma vez que o mundo complexo no qual vivemos exige o

desenvolvimento de habilidades que nos fazem agir nele e com ele de maneira

sustentável, acredito que o curso Other Worlds, bem como a metodologia Espaços

Abertos para Diálogo e Questionamento na qual o curso está embasado,

apresentam uma alternativa e uma tentativa de fazer com este posicionamento

educacional se dê de maneira mais efetiva. No entanto, é preciso lembrar que esta

proposta por uma educação crítica e transformativa está inserida em um contexto

educacional maior que prima por uma educação transmissiva que não envolve

necessariamente uma aprendizagem reflexiva, o que torna a implementação de uma

abordagem educacional transformativa um pouco mais desafiadora, mas não

impossível.

48

REFERÊNCIAS

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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JORDÃO, C.M. O ensino de línguas estrangeiras: de código a discurso. In: VAZ BONI, V.; KARWOSKI, M. (Org.) Tendências contemporâneas no ensino de línguas. União da Vitória: Kaygangue, 2006. p. 26-32.

MARIOTTI, H. Complexidade e pensamento complexo. Disponível em: <http://www.geocities.com/pluriversu/introdut.html> Acesso em: 30 maio 2007.

MATURANA, H. Biologia do conhecer e epistemologia. In: _____. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 19-124.

MATURANA, H.; REZEPKA, S. N. de. Formação humana e capacitação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

MORAES BEZERRA, I.C.R. Prática exploratória: um caminho para compreensão. Disponível em: <http://www.letras.puc-rio.br/oldepcentre/eprecent/Webgrupo_WebIPELIsabel.htm> Acesso em: 03 maio 2007.

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OSDE METHODOLOGY BOOKLET. Nottingham, 2006.

OSDE METHODOLOGY. Disponível em: <www.osdemethodology.org.uk> Acesso em: 02 maio 2007.

PENNYCOOK, A. Development, culture and language: ethical concerns in a postcolonial world. Disponível em: <http://www.languages.ait.ac.th/hanoi_proceedings/pennycook.htm> Acesso em: novembro 2006.

PURCELL, D.V. et al. Pela qualidade de vida em sala de aula. Disponível em: <http://www.letras.puc-rio.br/oldepcentre/eprecent/Webgrupo_campinas.htm> Acesso em: 02 maio 2007.

49

SHOR, I. What is critical literacy? Disponível em: <http://www.lesley.edu/journals/jppp/4/shor.html> Acesso em: novembro 2006.

STERLING, S. Sustainable education: re-visioning learning and change. Bristol: Green Books Ltd, 2001.

50

APÊNDICE – DIÁRIO REFLEXIVO PESQUISADORA-MEDIADORA

51

Diário Reflexivo – Mediadora-pesquisadora

Antes do início do cursoExpectativas em relação ao curso

Durante todo o curso e após cada sessão

Espaço aberto

(Que tipo de atmosfera foi criada? Como contribuí para a criação deste espaço? Os participantes pareceram se

sentir à vontade para se expressarem? Eles pareceram se sentir à vontade com a discussão proposta? Eu me

senti à vontade para me expor meus pontos de vista? Eu me senti à vontade com a discussão proposta?)

Princípios

(Até que ponto eles foram respeitados pelo grupo? Por mim? Os princípios permearam as discussões

“naturalmente” ou tiveram que ser relembrados? Quem fez este papel?)

Mediação

(Agi como mediadora, propondo questionamentos e desafiando os pontos de vista ou interferi diretamente

impondo as minhas perspectivas? A minha atitude durante o encontro esteve mais próxima do papel de

participante, mediadora ou professora?)

Engajamento crítico

(Como mediadora/participante, estava engajada com o questionamento das minhas perspectivas ou só

reafirmei minhas perspectivas? Os participantes pareceram engajados com a reflexão proposta, dispostos a

perceber e questionar as diferentes perspectivas expostas? Eles pareceram dispostos a questionarem suas

próprias perspectivas? Como contribuí para que isso acontecesse?)

52

ANEXO 1 – TABELA COMPARATIVA LEITURA TRADICIONAL, LEITURA CRÍTICA E LETRAMENTO CRÍTICO

OSDE METHODOLOGY BOOKLET. Nottingham, 2006. p. 06.

53

54

ANEXO 2 – UNIDADE DIDÁTICA NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO

55

Noções de Desenvolvimento

Resolva as palavras cruzadas. Qual é a relação entre as palavras abaixo e o tema proposto?

Quais são as perspectivas apresentadas pelas definições das palavras acima? Há outras definições para essas mesmas palavras? Quais são? Selecione três e discuta as implicações de usar uma definição ou outra.

Perspectivas locais, perspectivas globais

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Vertical1. condição de um país ou de uma região, cujas principais características são baixo padrão de vida, pouco ou nenhum desenvolvimento tecnológico, escolarização de baixa qualidade, má qualidade dos serviços de assistência e saúde, etc.2. ausência de proporção, de equilíbrio; disparidade, distância4. conveniência, interesse, utilidade5. crescimento, progresso, adiantamento6. que ou aquele que possui muitos bens8. proveito obtido de maneira ilícita ou destituída de ética9. o conjunto de países, nações e/ou Estados que, política, social, cultural e economicamente, não se incluem nem entre os capitalistas desenvolvidos, nem entre os socialistas10. alforria, independência12. que abrange, compreende13. repartição social da riqueza (por meio de salários, ordenados, aluguéis, juros, lucros etc.)14. falta ou supressão de um bem

Horizontal 3. posição política, doutrina de que a adesão ao Primeiro Mundo é o melhor para todos os países7. desenvolvimento ou prosperidade11. capacidade de realização, de produção, de execução13. subordinação, sujeição15. forçar16. insuficiência de renda

Quem é “nós” e quem é “eles” nas perspectivas abaixo? Como “desenvolvimento” é definido? Quais são os pressupostos que permeiam estas perspectivas? Quais são as implicações desses pressupostos?

“Precisamos aprender com eles. Se eles são desenvolvidos e ricos, significa que eles podem nos ensinar. É claro que nem todos neste país conseguirão acompanhar, afinal de contas, a maioria das pessoas aqui não tem cultura nem educação, mas os melhores poderão ser que nem eles se ensinados apropriadamente.”

“Quando dizemos que um país é “subdesenvolvido”, estamos insinuando que ele é retrógrado e atrasado de alguma maneira, que seu povo tem mostrado pouca capacidade de conquistar e evoluir. A utilização da expressão “em desenvolvimento” é menos insultante, mais ainda é enganosa. Ela ainda sugere que a pobreza era uma condição histórica original baseada na “falta” de atributos de seu povo (em relação às características que “nós” temos”) – um modo de pensamento dominante nos tempos coloniais.”

“Eles não podem vir aqui e pensar que podemos aprender da noite pro dia. Temos pelo menos 50 anos de atraso. Nós precisamos de muito mais tempo para nos tornarmos o que eles são agora, mas nós temos o potencial!”

“Países em desenvolvimento são pobres porque não possuem tecnologia e educação. Seus sistemas de governo não são tão maduros quanto os nossos. Precisamos ajudar dando a eles tecnologia, hábitos de trabalho apropriados e boa educação.”

“Países desenvolvidos são ricos porque eles têm nos explorado por muito tempo. Primeiro, ao nos colonizar, depois com regras de comércio injustas, juros de dívidas e indústrias que exploram os trabalhadores. Se nos fosse dada uma oportunidade justa, poderíamos ser ainda mais ricos do que eles são.”

“Eles vêm aqui e impõem sua educação, sua tecnologia e seu modo de ver o mundo. Isto faz com que as pessoas sejam mais competitivas e individualistas e acaba com nossas comunidades. Nós não precisamos do que eles estão tentando vender. Precisamos de uma melhor distribuição de recursos e poder político para que possamos definir nosso próprio desenvolvimento.”

“Qualquer ação que dê às pessoas um maior controle sobre seus próprios interesses é uma ação para desenvolvimento, mesmo que não dê a elas uma melhor saúde ou mais alimento. Para nós, desenvolvimento significa a promoção da nossa independência e dignidade humana.”

Para pensar…

Individualmente, reflita sobre as perguntas abaixo:

1. Você acha que o lugar onde você mora (país, comunidade, região, bairro) é “desenvolvido”? 2. Quais são os parâmetros para avaliar desenvolvimento (conquista, mérito, etc)? De onde vêm estes

parâmetros?3. Como sua comunidade se vê em relação a outras comunidades? Como você acha que outras

comunidades vêem a sua e por quê?4. Como você acha que você contribui (ou não) para o desenvolvimento de seu país ou comunidade?

Quem estabelece os critérios dessa contribuição? Há algum grupo que teria maiores dificuldades em atender esses critérios?

Para debater...

57

Leia a lista de perguntas abaixo. Há outras questões cruciais que você gostaria de adicionar a esta lista? Selecione duas perguntas “prioritárias” para discutir com seu grupo.

1. Quais são as definições dominantes de desenvolvimento / subdesenvolvimento? Quais são os pressupostos sobre as causas de desenvolvimento e subdesenvolvimento de acordo com essas definições? Quais são as implicações desses pressupostos?

2. Você acha que seu país é desenvolvido?3. Todos os países deveriam estar almejando um ideal de desenvolvimento universal? Quem define este

ideal? Quais seriam as implicações de tomar esta direção?4. O que as pessoas nas sociedades que são consideradas parte do “Primeiro Mundo” têm em comum

com as pessoas naquelas do “Terceiro Mundo”? Você conhece a origem desses termos?5. Quais são as relações entre as noções dominantes de desenvolvimento e os processos de colonização?6. Quais são as conseqüências do desenvolvimento definido como acúmulo de riqueza? Quais são as

conseqüências do subdesenvovimento?7. Como as pessoas / empresas / governos geram riqueza? É somente o resultado de trabalho árduo e

sacrifício? Gerar riquezas implica em destituir do poder os outros competidores ou trabalhadores? O jogo de acumulação é justo? Quem define as regras? Quais são as implicações desse jogo?

8. Como o desenvolvimento de um país / comunidade afeta o desenvolvimento ou o subdesenvolvimento de outras comunidades?

9. Como os rótulos desenvolvido / subdesenvolvido afetam as relações sociais?

Escolhas responsáveis

Você está trabalhando com um grupo de jovens brasileiros que quer fazer diferença no mundo. Eles acreditam que as pessoas desprivilegiadas são pobres porque não têm educação, então eles escolheram uma favela na Etiópia e estão levantando fundos para uma viagem que permitirá a eles que passem algum tempo no país educando as pessoas naquela comunidade. Você tem uma oficina de duas horas para ajudá-los a refletir sobre seus pressupostos, alvos e objetivos. Você não quer que eles percam a motivação para agir e pensar independentemente, mas você quer que eles ajam de maneira consciente, responsável e ética. Como seria o esquema de sua oficina?

Avaliação

Pense sobre o seu processo de aprendizagem hoje. O que você aprendeu sobre você mesmo? O que você aprendeu sobre os outros? O que você aprendeu sobre noções desenvolvimento? Você acha que você e os outros participantes puderam se expressar em um espaço aberto e seguro? O que poderia ser feito para melhorar o processo de aprendizagem do grupo e os relacionamentos dentro do espaço?

Outros estímulos

FilmesO Jardineiro Fiel (The Constant Gardener, Inglaterra/EUA, 2005) – Um diplomata inglês à caça do assassino de sua mulher descobre uma conspiração traiçoeira que irá destruir milhares de vidas inocentes, ao menos que ele consiga revelar suas raízes sinistras.

58

InternetObjetivos de desenvolvimento do milênio, Nações Unidas. Disponível em: http://www.pnud.org.br/odm/index.php Acesso em: 10 de agosto de 2006. CASTRO, J. de. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Disponível em: http://www.josuedecastro.com.br/port/desenv.html Acesso em: 10 de agosto 2006. FURTADO, C. O novo Brasil. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/es/blue/2003/01/45049.shtml Acesso em: 10 de agosto de 2006.MACHADO, L.T. A teoria da dependência na América Latina. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141999000100018&script=sci_arttext&tlng=pt Acesso em: 10 de agosto de 2006.

59

ANEXO 3 – DIÁRIO REFLEXIVO DO PARTICIPANTE

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Reflective DiaryReflective Diary

Participant CodeParticipant Code

This reflective diary is part of a research that intends to examine the use of open spaces in English language teaching. By handing in this diary at the end of the series of sessions, you agree that the information you provide will be part of this research. Any information about your participation, including your identity, is completely confidential.

61

OtherOther WorldsWorlds

Reflective Diary Entry 1Reflective Diary Entry 1

AGE:

GENDER:

LANGUAGES SPOKEN:

Anything you would like to add about who you are and where you come from (write or draw):

Your expectations in relation to the course “Other Worlds” (write or draw):

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Reflective Diary Entry 2Reflective Diary Entry 2

1.Open Space (Did you feel there was an atmosphere where people could feel at ease about expressing themselves, being challenged and challenging others? Did you feel your input was valued? Was language a barrier?)

2. Perspectives (So far, what have you learned about yourself? What have you learned about others? Has this course helped you become clearer about your own perspectives and those of other people? Have your perspectives changed in any way?)

63

3. Learning (How would you compare this experience to other experiences you have had? Has it been valuable? Why?)

4. Course (How would you describe this course to a friend? What would you say are the objectives and expected results? Do you think they are possible? Do you have any comments on the materials used?)

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5. General comments (Feel free to express yourself in writing or drawing)

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Reflective Diary Entry 3Reflective Diary Entry 3

1.Open Space (Did you feel there was an atmosphere where people could feel at ease about expressing themselves, being challenged and challenging others? Did you feel your input was valued? Was language a barrier?)

2. Perspectives (So far, what have you learned about yourself? What have you learned about others? Has this course helped you become clearer about your own perspectives and those of other people? Have your perspectives changed in any way?)

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3. Learning (How would you compare this experience to other experiences you have had? Has it been valuable? Why?)

4. Course (How would you describe this course to a friend? What would you say are the objectives and expected results? Do you think they are possible? Do you have any comments on the materials used?)

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5. General comments (Feel free to express yourself in writing or drawing)

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Please turn over…

6. Principles (Please reflect on the suggested principles of the methodology in the box below and your experience in the sessions: have the principles been adopted and sustained?)

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In the OSDE methodology, we suggest:

a) that each individual brings to the space valid and legitimate knowledge constructed in their own contexts (everyone is a pot of knowledge and we construct the lenses we look through at the world in our contexts and interactions with others!)

b) that all knowledge is partial and incomplete (we all see the world through different lenses that continuously change and there are no universally better or clearer lenses)

c) that all knowledge can and should be questioned through dialogue (we should engage critically with actions, thoughts and beliefs of both ourselves and others as we need different lenses – other perspectives - to challenge and transform our own views).

Thank you for your collaboration in this research!