Os limites da ordem: respostas à ação da polícia em Vitória ao final do século XIX

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    Os limites da ordem: respostas ao da polciaem Vitria ao final do sculo XIX

    Geraldo Antonio Soares

    Quando criana, em Capitlio, uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, meu paicontava-nos uma histria de um mdico prtico, de nome Antero, que aliava fama de

    competente na cura de diversas doenas, a partir de medicamentos base de plantas que elemesmo manipulava, ao fato, tambm de conhecimento pblico, de seu gosto pela bebida. Numa

    manh meu pai, encontrando-o j bbado sendo conduzido at a delegacia por dois soldados,perguntou-lhe ento a respeito do que havia acontecido, ao que Antero respondeu com voz

    arrastada, mas decidida: Estou aqui dando um repasse nesta tropa do governo.

    Em um trabalho pioneiro no Brasil utilizando processos criminais como fonte, Maria Sylvia de Car-valho Franco constata que a violncia retratada nestas fontes aparecia por toda parte, como um ele-mento constitutivo das relaes mesmas que se visavam conhecer e conclui que foi a violncia en-tranhada na realidade social que fez a documentao, nela especializada, expressiva e vlida.1Nossaperspectiva outra. Para ns o fato da documentao policial e judiciria tratar da violncia no cons-titui prova de que se vivia em uma sociedade violenta, isto porque a violncia a matria-prima mes-ma deste tipo de fonte. O grau de violncia existente em uma sociedade s pode ser inferido a partir deuma perspectiva comparativa, seja no tempo ou no espao.

    Partimos da ideia de que embora os processos criminais tratem da violncia, ns podemos ir alm eperceber neles tambm um componente de ajuste social e mesmo de convivncia social. Um dado que

    refora esta nossa opinio diz respeito ao tipo de violncia que a mais aparece, qual seja, a violncia in-terpessoal, como agresses, injrias e vrias outras ocorrncias que poderamos considerar como nosendo graves. Eram essas ocorrncias que mais davam trabalho s autoridades policiais e judicirias emVitria no final do sculo XIX.

    Outra armadilha que procuraremos evitar a de pensar as relaes daqueles envolvidos nos processoscriminais, sejam rus ou testemunhas, com as autoridades judiciais a partir de uma espcie de dialticada opresso e da resistncia. Como assinala Ivan de Andrade Vellasco, ao tratar do carter sedutor da or-dem ao oferecer ganhos aos que a ela aderem, parece razovel tratar a atividade policial como uma ativi-dade de vigilncia e represso, o que , alis, sua funo precpua em toda sociedade; todavia o problemareferente ao grau de anuncia da sociedade, ou parte dela, a essas atividades no pode ser desprezado.2

    Procuramos perceber como os indivduos se relacionavam com a polcia na cidade a partir de inqu-ritos nos quais as respostas ao da polcia aparecem de forma mais clara, ou seja, utilizamos os pro-cessos que iam alm da funo investigativa da polcia e nos quais ela aparecia na sua funo de respon-svel pela ordem pblica.

    Em suas pesquisas sobre a polcia no Rio de Janeiro no final do Imprio e incio da Repblica, MarcosLuiz Bretas parte de uma renovao no corpusde conhecimento da sociologia a respeito da polcia na dca-da de 1860. De acordo com estas novas perspectivas o papel da polcia na sociedade seria mais amplo e nonecessariamente restrito a uma viso estritamente legal e formal. Como a polcia acaba por assumir vriasfunes ou tarefas que no tem como finalidade efetuar prises ou dar incio a procedimentos judiciais,

    em muitos casos, o procedimento judicial seria o tecnicamente correto, mas o policial decide agir de for-

    ma diferente, conduzindo a situao com outros recursos que no a deteno. [...] Nestas situaes a polciapode frequentemente agir de acordo com as normas legais, mas opta por um outro procedimento, levandoem conta uma experincia anterior que lhe apresenta melhores resultados.3

    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

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    Em nossas pesquisas tambm constatamos uma grande autonomia e mesmo uma informalidade naao da polcia em Vitria poca que, neste caso, no se explica apenas por sua falta de profissionali-zao, mas tambm pela grande proximidade das pessoas em relao polcia na cidade.

    Por uma lei estadual de 14 de junho de 18924podemos saber qual era a estrutura hierrquica e o

    que competia s autoridades policiais no Esprito Santo. Esta estrutura e competncia eram definidasrespectivamente nos artigos 1oe 4odesta lei da seguinte forma:

    Artigo 1o: A polcia do Estado confiada s seguintes autoridades: a) Chefe de polcia com residncia na ca-pital; b) Delegados de polcia em todos os distritos inclusive o da capital; c) Subdelegados nos subdistritospoliciais inclusive os das sedes dos distritos; d) Inspetores nos quarteires dos subdistritos policiais.

    Artigo 4o: A autoridade do chefe de polcia se estende a todo o Estado; a dos delegados ser exercida nosseus respectivos distritos; a dos subdelegados no passar dos subdistritos para que houverem sido nomea-dos; e a dos inspetores ser limitada a seus quarteires.

    A diviso em distritos e subdistritos constava do artigo 2oda mesma lei nos seguintes termos: Artigo

    2o

    : A administrao policial do Estado ser dividida em distritos tendo por cabea as sedes dos munic-pios, em subdistritos tendo por cabea as povoaes e outros pontos convenientes, e em quarteires.Previa ainda o artigo 6odesta lei: As autoridades policiais, menos os inspetores, devero ter junto a

    si um escrivo que poder ser o mesmo que servir perante o juiz distrital. Foram estes ltimos senho-res que muitas vezes nos fizeram quebrar a cabea para decifrar a sua caligrafia.

    Trabalhando tambm com autos criminais e processos judiciais para a provncia do Esprito Santono sculo XIX, Adriana P. Campos chega concluso de que a partir desses documentos pode-se per-ceber que aos policiais cabia uma ao mais direta com os indivduos da comunidade local, enquan-to do exame dos processos se depreende que magistratura cabia permanecer nos limites do simblico,com efeito dissuasrio.5

    No contato direto e cotidiano da polcia com a comunidade local no podemos partir de uma ideiaequivocada de que estes policiais estariam numa posio acima das pessoas com as quais tratavam, em-bora eles no deixassem de representar as autoridades constitudas. Em se tratando de uma cidade quepossua apenas entre 3.000 e 6.000 habitantes entre os anos 1870 e 1890, os policiais estavam muitoprximos dos demais habitantes da cidade. Alm disso, a profisso de policial no era bem remuneradae s vezes o recrutamento era forado. Referindo-se aos policiais militares do Rio de Janeiro do sculo

    XIX, Marcos Luiz Bretas ressalva que, apesar de

    agentes da dominao estatal, so eles muitas vezes vtimas do recrutamento forado e participantes cotidia-nos dos dramas das vidas da camada de homens livres e pobres. O engajamento no corpo militar no sig-nificava uma mudana de status e o imediato afastamento de sua condio anterior de filhos, irmos, ami-

    gos ou amantes; muito ao contrrio, o exerccio da atividade policial jamais conferiu atributos positivos nasociedade brasileira, e os policiais conviviam com os mesmos problemas de outros grupos de trabalhadores,e talvez com alguns mais.6

    Diversos termos de notificao e multa expedidos pela chefia de polcia, relativos ao ano de 1882,nos do uma ideia do que competia polcia e do quanto esta procurava zelar pela ordem na cidade.

    No dia 8 de abril de 1882 compareceram perante o chefe de polcia, Adolpho Ubaldino dos San-tos e Leopoldino dOliveira Leito, o primeiro residente em Campos, na provncia do Rio de Janeiroe o segundo em Itapemirim, na prpria provncia. Ambos foram enquadrados no artigo 93 da lei pro-vincial de 10 de maio de 1880 e multados em 100$000 (cem mil-ris), visto serem conhecidos como

    jogadores.7No dia 8 de novembro do mesmo ano, Loureno da Costa Pinto, sem profisso, e Cons-

    tantino Vaz da Silva Riscado, padeiro, tambm residentes em Campos, foram intimados pelo chefe depolcia a retirarem-se da provncia dentro de prazo de seis dias improrrogveis sob pena de serem pre-sos, expulsos e de no poderem a ela voltar sem atestado de autoridade competente. A razo desta inti-

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    mao foi ter o chefe de polcia informao oficial de serem o dito Loureno da Costa Pinto [e o ditoConstantino Riscado] jogadores e de jogos proibidos.8

    Em um auto de infrao de posturas municipais de 16 de maio de 1882 consta que compareceu pe-rante o chefe de polcia o italiano Antnio Inverzini, negociante, morador na Rua Conde dEu n o31,

    ao qual se notificou de uma multa de 10$000, como infrator do artigo 40 do cdigo de posturas muni-cipais por se achar com a porta de seu negcio aberta depois do toque de silncio e usar de vozeriasemsua casa.9Em um outro auto de infrao de posturas do mesmo ano, l-se:

    Sendo presente o sargento da companhia de polcia Jos Nunes de Oliveira, casa nmero 6 Rua Dois deDezembro, cuja casa estava cercada com a fora policial por ordem do senhor Dr. chefe de polcia; pois queali se fazia grande algazarra e batuque e toque de sanfona, observando-se da rua indivduos maltrapilhos eembriagados, que chegavam janela, depois do toque de silncio, e sendo por mim sargento rondante de-clarado ao morador do prdio de nome Francisco Safiat, que achava-se cercado aquele prdio, para o fimde ser imposta a multa, pela infrao do art. 48 das posturas municipais; foi a esta mesma hora franqueadaa entrada e por mim imposta a multa de dez mil ris a cada um dos turbulentos [...] e, como dispersaram-

    se em paz lavrei o presente auto [...]10

    Em um auto de advertncias feitas a Manoel de Jesus Loyola, Manoel Pinto Ribeiro, Joo Franciscodas Chagas e Luiza Maria da Conceio, datado de 27 de abril de 1882 consta:

    [...] presentes o D r. chefe de polcia e os conduzidos acima mencionados, pela referida autoridade foi ad-vertido cada um dos presos pelo procedimento dos mesmos como vagabundos, designado o prazo de oi-to dias para que cada um deles mostrem perante a delegacia de polcia de que esto entregues ocupaosria e a trabalhos decentes.11

    Estes documentos apresentam o inconveniente de no trazerem a defesa dos acusados, mas feliz-mente dispomos de outros nos quais os envolvidos procuram mostrar sua inocncia.

    Um interessante documento um termo de bem viver da secretaria de polcia da provncia do Es-prito Santo, datado de 22 de maio de 1880, aberto nos seguintes termos pelo chefe de polcia:

    Constando-me que Joo Arthur de Oliveira costuma embriagar-se e, neste estado provocar desordens, per-turbando assim o sossego pblico, e que no se entrega ocupao til de que possa tirar meios de subsistn-cia, mando que seja o mesmo citado para comparecer na audincia especial que abro na repartio da polciapara ouvir testemunha que deponha sobre o mesmo Oliveira, no dia 24 do corrente s onze horas do dia.12

    Uma testemunha de acusao, Manoel Pinto Aleixo Netto, de 26 anos, solteiro, empregado pbli-co, natural de Vitria, onde morador, sabendo ler e escrever, declara

    que conhece a Joo Arthur Tesch Horta de Oliveira, sabe que tem um ofcio, mas que parece no fazer usodele, visto achar-se constantemente pelas ruas desta cidade, e tabernas a toa; que lhe consta que o mesmoOliveira costuma embriagar-se e que ele mesmo testemunha o tem aconselhado muitas vezes para deixardesse vcio, e que sabe mais que o indiciado j esteve preso por causa de dar-se ao vcio de embriaguez.13

    O acusado Joo Arthur Tesch Horta de Oliveira tinha de 34 a 35 anos, era filho da escrava Victoria,solteiro, com profisso de alfaiate e vivendo de agncias, brasileiro, natural de Vitria, no sabendo lere escrever, contesta esta testemunha dizendo

    que falso o que dele disse a mesma testemunha; que ele contestante tem sido encontrado algumas vezesnas vendas porque tem havido festas nestes dias e o fato de ser sempre encontrado nas ruas porque morano lugar denominado Ilha das Caiheiras, perto desta cidade, aonde vem sempre a negcio.14

    Como testemunha de defesa depe Francisco de Arajo Rabelo, 21 anos, solteiro, negociante, na-tural de Portugal, residente em Vitria, sabendo ler e escrever e declara

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    que conhece Joo Arthur Tesch Horta de Oliveira; que sabe que ele tem o ofcio de alfaiate, mas que nun-ca o viu ocupado nele e que o mesmo Oliveira presta-se a fazer qualquer viagem de que se lhe encarrega ede que vive; e que costuma beber nos dias festivos e mais alguns, e que no lhe consta que ele seja pertur-bador do sossego pblico.15

    Domingos Antnio Rodrigues da Veiga, de 24 anos, casado, negociante, natural de Portugal, resi-dente em Vitria, sabendo ler e escrever, se apresenta como testemunha de defesa com um depoimen-to incisivo dizendo que

    conhece ao indiciado Joo Arthur Tesch Horta de Oliveira h cinco anos, que nunca o viu embriagado eque tem muito servido ele testemunha de barqueiro por diversas vezes, que o v sempre procurar trabalho,e que o no tem por desordeiro, visto que nunca o viu em barulho algum e nem foi encontrado armado, eque o tem como muito fiel tanto que lhe tem entregue por vrias vezes quantias e cargas.16

    Mas de pouco adiantaram os esforos de Joo Arthur em tentar convencer o chefe de polcia de queele no era um vadio, de que no exercia a profisso de alfaiate, mas que tinha meios de vida, notada-

    mente como barqueiro, que no vivia embriagado, que s bebia em dias de festas e que mesmo nestesdias no incomodava ningum. O chefe de polcia decidiu pela assinatura do termo de bem viver.Mas o que significaria precisamente assinar tal documento? Para encontrar tal resposta, passemos ao

    exame do caso de Possidnia Maria da Conceio, 21 anos, solteira, lavadeira, natural da freguesia deVianna, no sabendo ler nem escrever, que em julho de 1882 tambm assinou em Vitria um termo debem viver, mas que j em novembro do mesmo ano era acusada de desrespeit-lo.

    No dia 26 de julho de 1882, Possidnia Maria da Conceio comparecia casa do subdelegado de polcia,onde depois de ouvidas as testemunhas de acusao e no tendo a acusada apresentado defesa nem testemu-nhal nem escrita, depois de tudo bem visto e ponderado, a autoridade policial mandou que a dita indicia-da assinasse o presente termo de bem viver, pelo qual se obrigara a no mais provocar desordem com pessoa

    alguma, proferir palavras obscenas e empregar-se em um meio lcito de vida que lhe pudesse dar o sustento;sujeitando-se no caso de o quebrar, a trinta dias de cadeia e trinta mil-ris de multa.17

    Em 3 de novembro do mesmo ano de 1882, Possidnia novamente acusada, desta vez por quebrado termo de bem viverque assinara. A testemunha Joo Antnio Villas Boas, 23 anos, casado, profissode agncias, natural e morador em Vitria, sabendo ler e escrever, quando inquirido sobre o procedi-mento da acusada depois da assinatura do termo e o motivo de sua priso declara que sabe que a acu-sada presente ainda no deixou o costume de espiritualizar-se assim como sempre a v pelas ruas da ci-dade no sabendo porm se tem ocupao alguma.18

    Em sua defesa Possidnia diz

    que tendo o inspetor de quarteiro Joo Pinto da Victoria Pestana a mandado chamar e tendo ela respondi-do que nenhum negcio com ele tinha, e a encontrando em disputa com Aurlia Maria da Conceio, naporta da casa de negcio de Maria de tal, pelo vulgo Pano fino, mandou, depois de sua volta da fonte delavar, por um soldado de polcia, prend-la ordem do Dr. chefe de polcia, no sabendo por que motivo,visto que quem havia provocado com ela a desordem tinha sido a referida Aurlia.19

    A acusada acabou sendo condenada a 30 dias de priso, trinta mil-ris de multa e a pagar as custasdo processo.

    Nestes e em outros processos que analisamos, constatamos que a preocupao das autoridades coma ordem pblica tinha um alvo especfico sempre visado: a represso da vadiagem. Qual a razo de sevoltarem as autoridades para esta questo? Por que se procurava forar estas pessoas a encontrarem uma

    ocupao til, muitas vezes fixando um prazo para tal sob pena de priso?Tratando da histria da polcia na cidade do Rio de Janeiro durante o sculo XIX, Thomas Hollowayconstata que a preocupao maior desta instituio era com as ofensas ordem pblica, que, se por umlado, no atentavam contra o indivduo nem contra a propriedade, por outro, eram comportamentos

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    que aqueles que ditavam as regras consideravam inaceitveis. A polcia da Corte dedicava a maior par-te de seu tempo e de suas energias represso de transgresses como vadiagem, mendicncia, violaodo toque de recolher, desacato autoridade, insulto verbal, desordem em geral e embriaguez pblica.20Como estamos vendo, em Vitria no era muito diferente.

    Analisando esta questo do controle social das autoridades policiais sobre os que consideravam co-mo vadios ou desocupados na cidade de So Paulo no final do sculo XIX e incio deste sculo, BorisFausto se coloca as mesmas questes e, a nosso ver, chega a respostas inteiramente satisfatrias que seaplicam tambm a Vitria.

    Boris Fausto descarta como possvel resposta razes de ordem poltica, porque pelo menos em So Pau-lo, no h indcios de que os vadios fossem vistos como um estrato socialmente perigoso, capaz de engros-sar movimentos de rebeldia contra o poder constitudo [...].21Ainda segundo Boris Fausto, no poss-vel tambm ligar a presso sobre os vadios a razes econmicas, considerando-a um instrumento necessriopara garantir a oferta de mo de obra, pois, de um modo geral no havia este problema na cidade.22

    Como para So Paulo, tambm para Vitria a nosso ver a melhor explicao para a preocupao e

    o controle efetivo que sempre procuravam realizar as autoridades policiais sobre pessoas que elas consi-deravam como vadios ou desocupados era a de que:

    Os desocupados permanentes ou mesmo transitrios eram perseguidos (e muitas vezes tolerados) porque cons-tituam no um perigo, mas um inconveniente social, tanto quanto os delinquentes com os quais quase semprese confundem. Os relatrios das autoridades, assim como os projetos de regenerao dos vadios refratrios, re-velam uma viso da vadiagem como desvio comportamental e no como decorrncia de contingncias sociais,um indicador adicional de que os vadios no eram encarados como uma ameaa ordem pblica.23

    Esta preocupao de ordem moral com o trabalhador-que-no-trabalha bem descrita por RobertCastel, comentando a respeito da oposio das classes proprietrias quando da conquista de frias pagasobtidas pela classe trabalhadora francesa nos anos trinta do sculo XX. Segundo Robert Castel,

    a hostilidade burguesa s frias remuneradas comum aos pequenos trabalhadores independentes, aoscomerciantes, etc., e a toda a Frana no assalariada manifesta bem a perenidade desta clivagem. Esta ati-tude reativa, para ficarmos apenas num eufemismo, o desprezo secular das classes proprietrias em relaoao trabalhador-que-no-trabalhae que no saberia estar desocupado porque sofre de uma tara moral, notendo outro emprego de uma liberdade roubada ao trabalho que saciar seus vcios, vagabundagem, bebedei-ra e lubricidade. No h qualquer modalidade de existncia possvel ao trabalhador que no seja o trabalho:no se trata de uma tautologia, mas de um julgamento, ao mesmo tempo, moral e social, comum a todosos bem-pensantes e que encerra o operrio num papel sempre associado s tarefas fsicas.24

    Se considerarmos que a famlia sempre foi considerada como um fator de estabilidade social, um as-

    pecto da composio da populao de Vitria devia preocupar as autoridades policiais, qual seja o consi-dervel nmero de pessoas solteiras. Em 1872, de um total de 3.360 homens e mulheres livres de Vitria,2.630 eram solteiros.25Em 1890, da populao total da cidade de 6.626 pessoas, 5.012 eram solteiros. 26

    Dispomos de dados sobre idade da populao de Vitria apenas para 1872. Naquele ano, da po-pulao total da cidade de 3.360 pessoas, 571 mulheres tinham menos de 15 anos e 727 homens me-nos de 20 anos (incluindo 11 homens e 2 mulheres ausentes temporrios). Do total de 2.062 homense mulheres com mais de 20 anos (homens) e de 15 anos (mulheres), 1.332 eram solteiros, o que repre-sentava 65% das pessoas nesta faixa de idade.27

    Os dados do recenseamento de 1890 tambm mostram que havia um grande nmero de pessoasde filiao ilegtima na cidade. No dispomos de dados a este respeito para 1872, mas em 1890 havia

    em Vitria 2.100 ilegtimos para uma populao total de 6.626 pessoas28

    , ou seja um ndice de 32%de ilegitimidade.Como observa Elizabeth Kuznesof, se um ndice de ilegitimidade desta magnitude for comparado com

    nmeros sobre a Europa que levantaram pesquisadores como Peter Laslett para a Inglaterra e Pas de Ga-

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    les no sculo XIX, ele pareceria extremamente elevado. Mas observa ainda a mesma autora, que estima-tivas sobre as propores de nascimentos ilegtimos nas comunidades brasileiras dos sculos XVIII e XIXvariam entre 5,5% e 65%, com vrias comunidades registrando entre 20% e 40% de ilegitimidade.29

    No temos como fornecer uma explicao mais completa para o nmero de solteiros e de ilegtimos

    porque no dispomos de dados demogrficos tais como idade de casamento, nmero de mes solteirasetc. No entanto, os traos que existem em nossas fontes so de que as unies consensuais no formali-zadas entre solteiros eram vistas com naturalidade na cidade. Nossas fontes no nos mostram como aIgreja via essas unies, mas vizinhos e as prprias autoridades policiais as aceitavam bem.

    Estamos seguros de que o nmero de solteiros e ilegtimos em Vitria no implicava ausncia delaos familiares. Em nossas fontes encontramos vrios casos de pessoas solteiras que viviam juntas, ouamasiadas, e que declaravam esta sua condio em seus depoimentos sem qualquer constrangimento.Um outro dado importante o de que pelo mesmo recenseamento de 1890, podemos constatar quepraticamente no havia crianas abandonadas na cidade. Este recenseamento registra apenas uma crian-a nesta situao,30um dado para ns surpreendente e que devemos tomar com certas ressalvas porque

    no temos como verificar se ele correspondia de fato realidade.Na sua funo de preservao da ordem, as autoridades policiais fiscalizavam o porte de armas, oqual s era admitido com licena da polcia e sem licena para algumas profisses, como aos mdicosno exerccio de sua profisso, aos caadores, que deveriam trazer suas armas desaparelhadas no trajetoda cidade, aos militares e poucos outros.31Quando algum era flagrado com armas e sem licena paraseu porte, evidentemente esta pessoa no podia alegar que o porte da arma em questo era para ela umanecessidade, para apenas ser usada em caso de defesa por exemplo. Neste caso era necessrio encontraruma explicao que convencesse a polcia, e a a criatividade de cada um entrava em cena.

    No dia 26 de maio de 1882, noite, foi preso em flagrante por porte de armas proibidas Joo Brand,30 anos, solteiro, negociante, sdito ingls, natural da Jamaica, sabia ler e escrever, mas pouco.

    Como o acusado no [era] pessoa tida na conta de vagabundo,32

    o chefe de polcia ordenou quefosse colocado em liberdade, dando-lhe o prazo de 48 horas para se apresentar novamente polcia pa-ra as devidas explicaes.

    No dia seguinte o acusado se apresenta com seu advogado que ditou a defesa verbal do ru da for-ma seguinte:

    Declarou que o seu constituinte reside nesta capital a 14 anos, vivendo sempre de profisses honestas, sen-do ordeiro e pacfico, respeitador das leis e das autoridades constitudas, e somente o acaso permitiu o en-contrar com uma faca na algibeira a patrulha e isto deu-se pela razo seguinte: na casa do mercado ondeele tem dois quartos alugados com um hotel em pequena escala, apareceu-lhe um indivduo da roa ofere-cendo-lhe um caixo com ovos, que o mesmo seu constituinte comprara, dando-lhe nessa ocasio o mesmoindivduo a guardar, uma faca, que recebendo-a, a colocou dentro do bolso do seu palitot que estava sobreuma estaca pendurado. De noite, sabendo-lhe que Maria Justina, cozinheira de seu hotel, havia sido presapela patrulha, apanhou s pressas o palitot, vestiu-o e seguiu para a Rua da Assemblia desta cidade casaaonde mora a me da mesma Maria Justina afim de comunicar-lhe o ocorrido, feito o que, voltou para suacasa, sendo em caminho preso pela patrulha, a qual nessa ocasio, pegando o mesmo seu constituinte pelopalitot e o puxando com fora, a faca desprendeu-se do bolso e foi por ela apanhada [...].33

    A denncia contra Joo Brand foi julgada improcedente, mas acreditamos que muito mais em ra-zo de seus antecedentes do que pela explicao que forneceu para o fato.

    No dia 15 de agosto deste mesmo ano de 1882 foi preso no mercado pblico de Vitria, FranciscoJos da Silva, 19 anos, solteiro, marinheiro do vapor Cres, brasileiro, nascido na cidade do Penedo, naprovncia de Alagoas, no sabendo ler e escrever.

    O praa de polcia que o prendeu declarou ao juiz que este marinheiro estava no mercado pblicoembriagado e a provocar desordens, pelo que foi mandado que o recolhesse cadeia para ali ficar deti-do at que lhe passasse a embriaguez. Mas que ao chegaram priso e ao revistar o preso, encontraram

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    no bolso de seu palet uma navalha, pelo que foi de novo conduzido presena do chefe de polcia porter sido apanhado em flagrante delito pelo crime de uso de armas proibidas.34

    Quando perguntado se era verdade o que havia dito a seu respeito o praa de polcia que o deteve,Francisco Jos da Silva respondeu que era verdade o que diziam o condutor e as pessoas presentes, mas

    que a navalha pertencia a Jos Faustino, morador em So Mateus, que lhe havia dado para ele aqui amandar amolar por um barbeiro.35

    Os argumentos do acusado no devem ter convencido o juiz, apesar do mesmo t-lo inocentado, porqueem seu despacho este alega que inocentava o ru por ser este rstico e desconhecer a proibio em questo.

    Em uma cidade pequena como Vitria, praticamente todos que ali viviam deviam se conhecer. Massendo uma capital de provncia e uma cidade porturia, cabia polcia exercer o controle sobre os estra-nhos que por ali passavam. Para isto ela tinha acesso s listas de passageiros de navios e, quando consi-derava necessrio, os convocava para interrogatrio a fim de saber as razes pelas quais se encontravamna cidade. Foi o caso de alguns artistas de circo em 1885.

    No interrogatrio a estes artistas, se perguntou sobre o nome, a idade, estado civil, naturalidade,

    profisso, filiao, gnero de vida e atual pretenso.Nestes interrogatrios de julho de 1885 compareceram, dentre outros, um italiano, de nome Leo-

    poldo Temperani, com 31 anos de idade, profisso artista, que declarou trabalhar em sua arte, sabendoler e escrever. Compareceu tambm uma francesa, de nome Paulina Antonietta Magri, nome de fam-lia, 21 anos, casada, artista, natural de Paris, sabendo ler e escrever, e que declarou o seguinte sobre seugnero de vida e atual pretenso: que tem vivido de trabalhar em circos equestres desde pequena e pre-tende continuar no mesmo trabalho e talvez aqui mesmo [em Vitria] exiba trabalhos artsticos. 36

    A polcia exercia assim uma vigilncia permanente sobre a conduta e, como acabamos de ver, mes-mo sobre as intenes de cada um. Tomando na devida conta as diferenas quanto s funes, o nvelde organizao e os efetivos da polcia parisiense no antigo regime e a de Vitria no final do sculo XIX,

    vale citar algumas passagens de Michel Foucault sobre o poder e os limites da ao policial porque elasnos mostram no apenas a onipresena da polcia como aparelho repressor e de vigilncia, mas tambmsua presena mais prosaica no cotidiano da cidade. Segundo Foucault, a instituio policial

    um aparelho que deve ser coextensivo ao corpo social como um todo e no s pelos limites extremos queele alcana, mas tambm pela mincia dos detalhes dos quais ele se ocupa. O poder policial deve se esten-der sobre tudo [...] a todos os acontecimentos, aes, condutas, opinies tudo que se passa; o obje-to da polcia, so essas coisas de cada instante, essas coisas menores [...]. Estamos, com a polcia, no in-definido de um controle que procura idealmente se aproximar do gro mais elementar, do fenmeno maispassageiro do corpo social [...].37

    Esta sem dvida uma das razes maiores pelas quais os arquivos de polcia se revelam uma exce-lente fonte para a reconstituio da vida cotidiana.

    No entanto, devemos ser cuidadosos ao tomarmos a obra de Michel Foucault como um apoio aoexame das foras policiais no Brasil do sculo XIX e mais ainda para uma pequena cidade como era Vi-tria naquela poca. A este respeito, Thomas Holloway tem razo ao observar que

    certamente causa impacto descrever a vigilncia e o controle totais dopanopticon, a depravao dos reclu-sos e o seu suplcio, e depois sugerir que o que a vemos claramente a organizao do mundo moderno. Asatividades policiais, por outro lado, produzem uma amostra muito mais ampla da operao institucional eda resposta pblica, na maioria das vezes envolvendo violaes menos sensacionais das normas de compor-tamento e punio menos severa. Saindo da penitenciria para as ruas, devemos passar da fascinao pelogrotesco a uma considerao mais ponderada das banalidades da vida cotidiana.38

    A polcia em Vitria se ocupava de jogadores, de desocupados, de lavadeiras e marinheiros bbados,e mesmo de suspeitos de curandeirismo e feitiaria.

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

    Geraldo Antonio Soares

    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

    No dia 4 de julho de 1879 abre-se um inqurito policial em Vitria em que acusado Antnio Da-mzio Camillo, vulgo Trem, 38 anos de idade, solteiro, declarando curandeiro como profisso, naturalde Valena, na provncia do Rio de Janeiro, morador em Vitria, no sabendo ler e escrever. O acusadoresponde ao interrogatrio seguinte:

    Perguntado se ele era chamado por algum nesta cidade para fechar corpo e curar de feitio? Respondeu queno, que apenas indo casa da parda Urbana, que mora na Rua da Alfndega, vendo que ela estava doen-te, perguntou-lhe o que tinha e ela respondeu-lhe que desconfiava que estava com feitio posto pela crioula

    Anglica, ento ele respondente ensinou Urbana que comprasse dois ovos, e que cozinhasse-os em aguar-dente e que depois esfregasse os ovos no corpo, e se fosse feitio que havia de aparecer, e ela assim fazendo,diz que apareceu-lhe agulhas.Perguntado se ele fez esses curativos por meio de banhos ou beberagens? Respondeu que fez seus curativospor meio de rezas.Perguntado que rezas eram essas que usava? Respondeu que era Santo Antnio pequenino.Perguntado, se alm de Urbana, ele tem curado a mais algum? Respondeu que tambm rezou ao filho dosenhor Neves Xavier, de nome Jos, saindo do corpo deste vidros e unhas.Perguntado se sabia por feitio? Respondeu que por feitio no sabia; porm que tirar sabia, por meio desuas rezas.39

    Antes de prosseguirmos neste interessante caso, um pequeno parntese: Laura de Mello e Souza ob-serva que enquanto na Europa a feitiaria foi sempre associada figura da mulher,

    curioso constatar, nas Minas Gerais do sculo XVIII, a grande incidncia de feiticeiros homens mais nu-merosos talvez do que as mulheres. Isto se deve em grande parte sua extrao social, homens pobres queeram, negros forros e, algumas vezes escravos; ora, nas culturas primitivas, africanas e indgenas, a magia desempenhada sobretudo pelos homens.40

    Depe no processo Benedito, escravo de Josephina Afonso Martins do Sacramento, 28 anos maisou menos, solteiro, jornaleiro, natural de Vitria. A autoridade policial pergunta a Benedito se ele foicurado de feitio pelo acusado, ao que responde

    que a vinte dias mais ou menos, ele respondente queixando ao acusado que tinha uma ferida incurvel na per-na, ele pediu para ver a ferida, e depois de examin-la, disse que ele respondente estava carregado de feitio, en-to tratou de a curar, pediu que comprasse um copo, aguardente, e dois ovos; isto feito, ps aguardente dentrodo copo, e cozinhou os ovos, mandou os quebrar, e nada tinha dentro, porm, pelas costas dele respondentefez aparecer uma moeda antiga de dez ris, que ele respondente conheceu que era artimanha, custando-lhe essecurativo, em dinheiro, dois mil e quinhentos ris, alm do que gastou com o copo e a aguardente e ovos.41

    Admitido ao acusado contestar o depoimento da testemunha, este diz que tudo era verdade, menos na

    parte do aparecimento da moeda de dez ris, que ele respondente bem sabia que no tinha sado do ovo.42

    Tambm depe no processo Anglica Maria da Conceio, que ignorava sua idade, solteira, engo-madeira, moradora na Rua Francisco de Arajo, natural da prpria provncia, no sabendo ler e escre-ver. Esta testemunha declara que

    vindo ela respondente da roa na tera-feira passada, soube que o acusado estava curando a parda Urbana, eque dissera que ela testemunha era a autora de por feitio em Urbana, tanto que fez ela respondente apare-cer em uma bacia dgua, vestida de vestido verde e tranas de cabelo. Disse mais que hoje soube que o acu-sado deu remdio Benedito, escravo de Dona Josephina. Disse mais que soube que o acusado, com seusremdios fez sair do corpo de Urbana umas agulhas de fundo de ouro.43

    Admitido ao ru contestar a testemunha, este diz que quanto a mostrar ela na bacia dgua era fal-so, e que o mais era verdade.44

    Alm de Anglica, de quem Antnio Damzio Camillo dissera que ela havia lanado um feitio naparda Urbana, tambm Ladislau, escravo de Jos da Silva Cabral, 34 anos mais ou menos, solteiro, na-

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

    Geraldo Antonio Soares

    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

    tural da prpria provncia e residente em Vitria, parece ter tido o seu nome usado como de algumque tinha esse hbito pouco salutar de jogar feitios e que assim dava profisso de Antnio DamzioCamillo uma grande utilidade social.

    Ao ser interrogado, Ladislau diz

    que sabendo ele respondente que o acusado tinha dito que ele respondente tinha posto feitio em Christia-no Francisco Ribeiro, ele respondente foi imediatamente ter com este e perguntando-lhe se era verdade oque Christiano se queixara, por ele lhe foi respondido que no era verdade, e ento conheceu que era umafalsidade que o acusado lhe imputava. Disse mais que soube que o acusado dera remdio parda Urbana, eque sara do corpo dela umas agulhas. Disse mais que o acusado aplicou remdio uma rapariga, Veridia-na, escrava de seu senhor Cabral, e de um ovo cozido em aguardente em um saio fez sair umas folhas, porcujo curativo recebeu nove mil-ris, sendo este dinheiro posto debaixo do saio, cujo dinheiro levou, pordizer que no podia ficar em casa da curada.45

    Como de hbito, dada a palavra ao acusado para contestar a testemunha, por ele foi dito que quan-to ao dinheiro, no era exato a maneira do recebimento, que o senhor Cabral, no dia do curativo, o gra-

    tificara com seis mil-ris e no outro dia, trs mil e duzentos ris, e quanto ao mais era verdade; e quemo mandara chamar fora o senhor Cabral e sua senhora.46

    No consta nos autos qualquer resultado. Assim no ficamos sabendo se o argumento utilizado pe-lo ru de que por feitio no sabia; porm que tirar sabia, produziu algum efeito.

    A polcia em Vitria estava longe de se constituir como uma fora bem preparada. A violncia, afalta de profissionalizao e o despreparo da polcia aparecem em casos de excessos e de abuso de poderdesta em relao a suspeitos, muitas vezes pelos motivos mais insignificantes.

    Segundo Ivan A. Vellasco, quando se parte do princpio de que alguns temas e conceitos como osde Estado, de dominao, de controle social, seriam mais nobres, no se percebe a discrepncia entreas funes atribudas, nem tanto pelos contemporneos, e sim pelos historiadores, polcia, enquan-

    to instituio capaz de assegurar a vontade ordenadora do Estado imperial, e a realidade que podemosconstatar nas fontes que a precariedade, indigncia e toda a sorte de deficincias institucionais que ca-racterizam este aparato na maior parte do territrio nacional. Deficincias que passam pela falta de ar-mamentos e uniformes, as pssimas condies das cadeias, o despreparo dos praas e soldados de linhae que fazem com que a polcia pudesse ser mais bem caracterizada como tendo apenas uma funo bemlimitada: a de uma fora precria de conteno de conflitos interpessoais e manuteno de uma ordempossvel nas ruas, o que a distanciava muito de uma instituio propriamente de controle social. 47

    Se soldados cometiam excessos pela cidade, excessos estes presenciados por testemunhas, podemosimaginar o que devia acontecer na cadeia pblica.

    No dia 25 de outubro de 1884, dois homens foram denunciados como suspeitos de serem escravos

    fugitivos por Manoel Joaquim Gomes, 35 anos, casado, pescador, natural e morador em Vitria, saben-do ler e escrever. Esta testemunha declara no inqurito que

    uma hora da noite mais ou menos, a 25 de outubro do ano passado, indo ele testemunha desta cidade pa-ra sua casa na Capixaba, encontrou no alto da Ladeira de Pernambuco, nesta cidade, os dois acusados pre-sentes que saram de um cafezal que ali tem trazendo cada um deles ao lombo um saco com diferentes ob-

    jetos, e desconfiando ele testemunha que os ditos acusados, a quem no conhecia, eram escravos fugidos,voltou, e no quartel da polcia, deu parte do ocorrido ao sargento Ribeiro, o qual mandou alguns praas noencalo dos acusados, os quais j foram encontrados pelos mesmos praas e por ele testemunha no cais daobra do Batalha embarcando numa canoa; que nessa ocasio foi preso o acusado Joo Ferreira, no o tendosido o seu companheiro Victorino porque, jogando-se ao mar, evadiu-se, [...]48

    Apurou-se que os dois homens no eram escravos, mas desta suspeita inicial, passou-se ento acusa-o de roubo amsia de um deles, do que havia se jogado ao mar. Posteriormente este acusado foi pre-so. Tratava-se de Victorino Thomaz Dantas, 42 anos, solteiro, pedreiro, brasileiro, sabendo ler e escrever.Nos autos Victorino apresenta as razes pelas quais no se entregou polcia na ocasio. Diz ele

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

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    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

    que no se entregou priso no s porque alterado como estava por efeito da aguardente, no sabia o quefazia, como tambm porque receava ser maltratado pelos policiais com pancadas, pois ele acusado, que foipraa durante dezessete anos, sabe perfeitamente como costuma ser feito servio semelhante a este pelossoldados, principalmente quando se trata de pessoas de certa ordem, como ele acusado, e quanto esses ser-

    vios so feitos, como naquela ocasio, alta noite.49

    Como bem lembra Marcos Luiz Bretas,

    o policial tem como expectativa, sempre, o comportamento legal, que aprendeu a valorizar, embora reservepara si um repertrio de opes fora da legalidade, das quais lana mo de acordo com sua viso dos fatos.Numa forma simplificada podemos dizer que o leque de opes abrange da deciso de no intervir, no vero que se passa, at o emprego da violncia.50

    Mas encontramos tambm um inqurito em que a ao da polcia se caracterizava muito mais pe-lo burlesco que pela violncia.

    No dia 6 de dezembro de 1881, abre-se uma diligncia na delegacia de polcia de Vitria para se

    apurar as responsabilidades pela fuga do gal Damio, que havia fugido quando saiu escoltado por umsoldado para vender chapus no dia 9 ou 10, ao que tudo indica do ms anterior (h imprecises nosautos quanto data exata do fato).

    O carcereiro Juvncio da Rocha Coutinho, 45 anos, solteiro, natural da prpria provncia, sabendo lere escrever, declara que na manh do dia 10 o gal Damio sara escoltado pelo soldado Raymundo de Sou-za Pegada, para vender chapus. Explica que autorizara a sada do preso porque o chefe de polcia permitiaque presos sassem para venderem os produtos que faziam na priso. Ao meio dia, quando do recolhimen-to dos presos que haviam sado, notou a falta do gal Damio. Prossegue o carcereiro dizendo que

    neste nterim chega o dito soldado dizendo ter o referido preso se evadido; achando-se o mesmo soldadobastante embriagado, do que imediatamente dei parte ao Dr. chefe de polcia. Disse mais que dirigindo-se Fonte Grande, lugar de onde havia se evadido o preso, ali soube que o soldado Pegada e o gal estiveramem uma taberna prxima ao lugar por algum tempo; voltando porm fonte, Pegada sentara-se no muro

    junto a ela e o gal tomou direo para traz do chafariz. Tempos depois despertou Pegada do sono em quese achava e perguntando a algumas lavadeiras pelo preso, responderam-lhe que tinha seguido para trs dochafariz, para onde ele se dirigiu em vo a procur-lo.51

    O soldado da companhia de infantaria Raymundo de Souza Pegada, 30 anos pouco mais ou me-nos, casado, natural do Cear, no sabendo ler e escrever, nos d mais detalhes desta histria que cer-tamente a polcia do Esprito Santo teria preferido que continuasse adormecida nos arquivos. Quan-do perguntado como se tinha dado o fato da evaso do gal Damio, confiado sua guarda, o soldado

    Raymundo Pegada nos dizque saiu com o gal Damio para vender uns chapus e depois de haver efetuado a venda, pediu mais parair Fonte Grande dar um pouco de roupa a lavar; nesta ocasio pediu para fazer uma preciso, qual elerespondente concedeu, e seguiu para traz da caixa dgua, sempre sua vista, mas encoberto com o mato.Tendo decorrido algum tempo, ele respondente chamou-o e no lhe respondendo, foi ao lugar e no o en-controu. Tratou de procur-lo imediatamente por aquelas imediaes e perguntou a algumas lavadeiras quese achavam em uma fonte particular se tinha passado ali um preso, elas lhe responderam que no, ao queele respondente subiu o morro, procurando-o em vo por diversos lugares, no continuando a o fazer porter sido chamado guarda da cadeia, onde estava de servio.52

    Referindo-se s classes populares inglesas no incio do sculo XX, Richard Hoggart observa que as

    relaes destas pessoas com a polcia no so sempre tensas, mas, sejam elas boas ou ms, o agente depolcia antes de tudo aquele que representa a autoridade, aquele que est de olho em voc, e no ofuncionrio pago para tir-lo das dificuldades ou para proteg-lo.53

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

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    Poderamos dizer que a polcia em Vitria tambm no era vista como uma instituio que prote-gia as pessoas e nem que representava uma autoridade bem definida ou reconhecida. O quadro da pol-cia em Vitria ao final do sculo XIX estava mais prximo do descrito por Ivan A. Vellasco para todo oterritrio nacional na primeira metade daquele sculo, no estando Vitria entre as capitais de provn-

    cia que constituam uma exceo:Consideradas as condies materiais e os efetivos das foras regulares encarregadas da manuteno da or-dem pblica durante a primeira metade do sculo XIX, poderamos afirmar que na maior parte do territ-rio nacional, exceo da Corte e de algumas capitais de provncia, parece ter existido uma sociedade sempoliciamento. Ou, pelo menos, uma sociedade na qual a existncia da polcia foi muito pouco relevante.54

    Em Vitria, a viso que tinha a polcia do que era a ordem social e do seu direito de mant-la era mui-to diferente daquela que tinha o homem comum. Percebemos em vrios momentos que as pessoas tinhamuma clara definio de limites para a polcia. Quando esta ultrapassava esses limites, a reao era imediata.

    Esta reao das pessoas comuns, fixando a barreira alm da qual a polcia no devia ir, no se dava

    por exploses de violncia, motins etc. Eram reaes individuais, que no entanto encontravam apoioem grupos mais amplos, sejam de vizinhos, de passantes na rua que presenciavam algum conflito doqual a polcia era participante, ou de modo geral, de testemunhas que depem nos processos. A impres-so que ficou para ns que se tinha uma grande preveno em relao polcia. Em alguns casos, che-gamos a ter a sensao de que as pessoas, implicitamente ou inconscientemente, pareciam estar de acor-do para desautorizar e mesmo ridicularizar as autoridades policiais.

    Havia tambm reaes que nos mostram que a definio de quais eram os limites permitidos po-lcia envolvia uma questo de definio do seu poder de coero ou de represso de forma mais geral,e objetivamente em relao a resistncias que se colocavam ao que se entendia como sendo espaos, se-no privados, ao menos no franqueados polcia.

    No dia 29 de janeiro de 1890 aberto um inqurito policial a partir da seguinte denncia da Pro-motoria Pblica:

    Levo ao vosso conhecimento que ontem pelas onze horas da noite, ao passar pela porta do negociante JooCoutinho da Victoria, os agentes Jos Gomes Dias da Silva e Jos Vicente do Esprito Santo, este ao ver ainda aporta aberta, pediu em bons termos que no continuasse com a porta aberta, o que respondeu o mesmo Couti-nho, que a polcia no devia se intervir com sua porta e que quem podia fech-la eram seus credores e que elesse retirassem; advertindo o mesmo agente, e mesmo porque ali era o lugar que sempre se aglomeravam praas eque para que no se desse algum distrbio, o pediu; deu lugar que Coutinho levantasse, com a cadeira em pu-nho, trouxe a polcia mais baixa inobservncia, em altas vozes, e declarou mesmo que a polcia daqui era demerda e esta que se... (faz vergonha declarar) e que os agentes e ela mesma que vo porra (termos dele).55

    Passavam pelo local naquele momento, Cypriano Alves da Cunha, 35 anos, solteiro, empregado p-blico, morador em Vitria e natural da prpria provncia, sabendo ler e escrever, e Ludgero FranciscoGuimares, 31 anos, solteiro, tambm empregado pblico, morador e natural de Vitria, sabendo ler eescrever. Ambos declaram que passavam por ali por acaso e que presenciaram a discusso, confirmandoque o comerciante Joo Coutinho da Vitria realmente havia desacatado a polcia com palavras injurio-sas e que ofendiam a moral pblica. As duas testemunhas tambm informam que no momento da dis-cusso chegou Cndido de Miranda Freitas Jnior, o qual conseguiu fazer com que o comerciante JooCoutinho se retirasse para o interior da casa.56

    Cndido de Miranda Freitas Jnior, 33 anos, casado, empregado pblico, morador e natural de Vi-tria, no sabendo ler e escrever, depe no processo declarando o seguinte:

    Que com efeito estando conversando com o cidado Augusto Nunes da Silveira no pavimento trreo da ca-sa de sua residncia, Rua da Assembleia, foram despertados por uma vozeria entre o negociante Joo Cou-tinho da Victoria e os agentes policiais Jos Gomes Dias da Silva e Jos Vicente da Conceio, com trocas

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

    Geraldo Antonio Soares

    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

    de palavras obscenas. A conselho do cidado com quem conversava, dirigiu-se ao negociante Coutinho, pe-dindo-lhe que fechasse a sua porta, a fim de que terminasse a discusso estabelecida entre ele e os agentes;no que foi prontamente atendido; sabendo mais do dito Coutinho, que a este procedimento foi levado, porter um dos agentes o insultado, ofendido seus crditos de comerciante; tendo esse fato se dado s onze ho-

    ras, pouco mais ou menos.

    57

    No depoimento citado acima, Cndido de Miranda se refere pessoa com quem conversava em sua ca-sa como um cidado. Esta forma de tratamento constitui uma raridade em nossas fontes. Mas este processo de apenas dois meses e meio aps a proclamao da repblica no Brasil, em 15 de novembro de 1889.

    Cndido de Miranda era um vizinho do comerciante que entendia que, alm dele, s os seus credo-res tinham direito de fechar o seu negcio; ao que tudo indica, um pequeno bar. Em momento algumesta testemunha diz que o comerciante teria ofendido os policiais. Diz apenas que houve troca de pala-vras obscenas e que o seu vizinho reagiu daquela forma porque os policiais teriam ofendido os seus briosde comerciante. Tratando da polcia parisiense de meados do sculo XVIII, Arlette Farge e Jacques Re-vel afirmam que a mesma possua a seguinte representao da tranquilidade pblica: A ordem pblica

    deve ser gerida pelas autoridades e apenas por elas; a nica atitude que compete ao povo conformar-secom elas.58Como vimos, o problema que o comerciante em questo no se conformava.

    Um outro aspecto interessante da situao aparece na prpria denncia, na parte em que o policialintima o comerciante Joo Coutinho da Vitria a fechar as portas de seu negcio. O policial advertiu ocomerciante da necessidade de fechar as portas por ser ali um lugar onde se aglomeravam praas de po-lcia e, assim, propenso a distrbios. O estabelecimento de Joo Coutinho ficava prximo ao quartel dapolcia, os policiais o frequentavam e ele ainda estava aberto s onze horas da noite, de onde deduzimosque devia se tratar de um pequeno bar.

    A situao no deixa de ser paradoxal. Para manter a ordem, dois policiais intimam um comercian-te a fechar seu estabelecimento. Mas se reconhece que um dos riscos de perturbao da ordem estava naprpria polcia, j que policiais frequentavam habitualmente o local e provocavam distrbios. A polciaprocurava se proteger dela mesma. Talvez tenha sido nesse momento que o comerciante Joo Coutinhoda Vitria achou que as coisas estavam passando de seus limites.

    No dia 17 de novembro de 1897, em torno de cinco horas da tarde, aglomerou-se o povo na RuaDuque de Caxias, esperando a passagem de um preso que vinha escoltado por dois policiais e um te-nente, este ltimo vindo a cavalo.

    Honrio Joo Rabelo, 34 anos, casado, negociante, morador em Vitria, natural do prprio Esta-do, sabendo ler e escrever, presenciou o que ento aconteceu:

    Disse que achava-se na porta de seu estabelecimento, quando avista, vindo pela Rua Duque de Caxias, um

    preso escoltado por dois praas e o tenente Elsio a cavalo; o povo que se achava no Largo da Alfndega, vie-ra pelo beco entre a casa de Cesrio e a do Sousa, afim de v-los passar, nisto, sem motivo algum comeouo tenente Elsio a atropelar o povo, metendo o chicote a torto e a direito, dando lugar a que muitos se re-fugiassem em casa de Cesrio e outros corressem e que chegando nessa ocasio o capito Barbosa e o alferes

    Aristides, entraram no estabelecimento de Cesrio e tocavam para fora o povo que ali se achava socos epontaps, sendo que estes ainda c fora eram espancados pelo tenente Elsio; que Cesrio, pulando do bal-co para fora a fim de trancar as portas do seu estabelecimento, foi tambm espancado pelos referidos capi-to e alferes, que o arrastaram para fora de sua casa, sendo ainda do lado de fora, espancado pelos mesmosoficiais e pelo tenente Elsio, que com o cabo do chicote descarregara-lhe diversas bordoadas, e que o tenen-te Elsio, na ocasio do barulho procurou por mais de uma vez servir-se do revlver que consigo trazia. Quetodos os fatos que acaba de narrar foram presenciados por grande nmero de pessoas.59

    Frederico Constncio de Mattos, de 32 anos de idade, solteiro, artista, morador em Vitria, natu-ral do prprio Estado, no sabendo ler e escrever, tambm estava presente. Mas antes de passarmos aoseu depoimento, um pequeno parntese no qual aproveitaremos a oportunidade para esclarecer o que

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

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    significava esta profisso de artista, antes que sejamos levados a crer que Vitria era uma cidade onde acultura se expandia de vento em popa porque vrias pessoas declaravam artista como profisso.

    Frederico Constncio de Mattos j apareceu em nossas fontes como o maior amigo dos escravosMarcellino e Florncio, quando estes escravos foram acusados de roubo em novembro de 1884.60Na-

    quela ocasio Frederico declarou pedreiro como profisso. Na verdade Frederico no mudou de profis-so entre 1884 e 1897. Por estes e vrios outros inquritos, chegamos concluso de que o sentido dotermo artista prximo do de arteso independente. Pedreiros, marceneiros etc., muitas vezes declaramterem a profisso de artista.

    Voltando aos acontecimentos daquela tarde de novembro de 1897 na Rua Duque de Caxias, passe-mos ao depoimento de Frederico de Mattos, no qual podemos constatar que a sua verso dos fatos coin-cide quase que inteiramente com aquela apresentada pela testemunha Honrio Joo Rabelo. Mas Frede-rico ainda mais incisivo na parte de seu depoimento que diz que o povo foi atacado pelos policiais semque tenha dado motivos para isto. Nos diz ele que o povo nenhum motivo deu para o procedimentodaqueles oficiais pois nenhuma manifestao fizeram contra a priso, ou contra os mesmos oficiais e que

    somente por curiosidade aglomerou-se para ver a passagem do preso, como de costume.61Estaria o povo ali reunido realmente passivamente, apenas como espectador?Pode ser que sim. Mas no temos como deixar de pensar nas observaes de Michel Foucault sobre

    a forma como o povo assistia s execues pblicas na Frana do Antigo Regime, e fazer certas associa-es, que no caso so inevitveis.

    Michel Foucault nos diz que:

    O horror dos suplcios acendia focos de ilegalismo: nos dias de execuo, o trabalho era interrompido, oscabars ficavam cheios, insultavam-se as autoridades, lanavam-se injrias ou pedras ao carrasco, aos poli-ciais e aos soldados; procurava-se apoderar do condenado, seja para salv-lo ou para melhor acabar com ele;brigava-se, e os ladres no tinham melhor ocasio que a agitao e a curiosidade em torno do cadafalso.62

    Se as relaes das pessoas comuns com a polcia na cidade nem sempre eram tranquilas, problemasparecidos tambm parecem ter sempre existido entre a populao e os fiscais da cmara municipal en-carregados de zelar pelo cumprimento do que dispunha as posturas municipais. Notamos que haviauma intolerncia muito grande em relao ao trabalho desses fiscais. As multas emitidas eram tidas co-mo injustas pelos que eram multados, o que, alis, seria de se esperar. Mas no se tratava de simples rea-es individuais. Havia uma questo mais de fundo, que era a de que a aplicao das interdies previs-tas nestes cdigos de posturas era percebida pela populao como um cerceamento do espao pblico,uma forma de controle do acesso e do uso da prpria cidade.

    No dia 30 de agosto de 1877 abre-se um processo em Vitria a partir de uma acusao do procura-dor da cmara municipal, Galdino Pinto da Terra. A denncia foi apresentada nos seguintes termos:

    Tendo ontem pelas quatro horas da tarde, pouco mais ou menos, chegado uma canoa da pesca com peixe fres-co no porto do Hotel Goulart e ali vendido peixe, e sendo isto uma transgresso das respectivas posturas e re-gulamento da Praa do Mercado, fui chamado pelo guarda daquela praa, a mandado do respectivo fiscal, e alichegando denunciou-me o guarda policial Antnio da Rocha, que havia proibido a Benedito Pinto do Roza-rio, mestre da dita canoa para que no vendesse peixe fora da praa, e como se verificasse aquela transgressopassei a multar ao dito mestre da canoa como incurso no art. 116 do cdigo de posturas; porm no ato em queme achava no desempenho das funes de meu cargo, em companhia do referido fiscal e guarda servente dapraa, compareceu Jos Goulart de Souza, e tomando parte no ato, aps a um baldode insultos a ns dirigido,e at corporao da comarca, disse que a multa era arbitrria, mas que ele pagava pelo infrator, e ainda no sa-tisfeito lana-me uma nota de dez mil-ris cara, dizendo ele, que cinco mil-ris era para pagamento da multa,

    e os outros cinco mil ris dava de esmola para encher a barriga dos miserveis empregados da Cmara [...].63

    O acusado Jos Goulart de Souza era o proprietrio do Hotel Goulart e compadre do pescador acu-sado de estar vendendo peixe no porto do referido hotel, o que era proibido (a venda de peixe s era

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    autorizada na Praa do Mercado). Do processo pode-se inferir que o referido hotel teria um porto par-ticular, o que no bem exato. No se tratava propriamente de um porto e sim de um simples local deatracao de pequenos barcos e canoas. Todas as casas que davam fundo para o mar tinham poca es-ses pequenos atracadores.

    Depe no processo em que Jos Goulart de Souza acusado de injrias. Joo Correa dos SantosMarinho, 31 anos, empregado pblico, solteiro, natural da prpria capital e nela residente, sabendo lere escrever. Diz esta testemunha

    que na tarde de um dos dias de meses passados, cuja data no pode precisar, recordando-se apenas que fo-ra neste corrente ano, entrando na Praa do Mercado observou que algumas pessoas achavam-se reunidas porta de um dos quartos do mesmo mercado, e de outras mais, distinguiu o procurador da cmara, Galdi-no Pinto da Terra, com uma nota de dez mil-ris nas mos, dizendo: Vou comer, pois preciso muito dela!Por curiosidade ele testemunha aproximou-se e soube que tratava-se de uma multa, que fora pelo mesmoprocurador imposta ao pescador Benedito pelo fato de haver vendido peixe ao denunciado fora da Praa doMercado. Neste ato apareceu o denunciado que, defendendo o pescador, seu compadre, disse que se ele es-

    tava no caso de ser multado por infrao das posturas municipais, tambm o presidente da Cmara, refe-rindo-se Caparica, o fiscal e o procurador estavam no caso de serem multados por infratores, como ele de-nunciado provaria; dito isto, ia o denunciado a retirar-se quando foi chamado pelo procurador para recebero troco; ao que o denunciado respondeu dizendo que no precisava, que ficasse com ele; respondeu o pro-curador que o no queria, e ento, o denunciado disse-lhe que o desse aos pobres; depois do que retirou-seo denunciado, assim como ele testemunha, que por esta razo de nada mais sabe.64

    Em sua defesa por escrito, Jos Goulart de Souza, 44 anos, casado, comerciante, natural de Vit-ria, sabendo ler e escrever, alega que no proferiu injria verbal alguma contra quem quer que seja, quesentiu a maior surpresa ao ver-se processado por injrias verbais contra uma corporao distinta, pe-lo carter solene que a reveste. Diz ainda que na verdade causa mgoa ver-se assim perturbada a tran-

    quilidade de qualquer cidado, por motivos frvolos, isto , sem o menor fundamento jurdico.65

    Emrelao acusao propriamente dita, diz que entre ele, o procurador Galdino Pinto da Terra, e o ex-fiscal da Cmara, Manoel Pinto Aleixo, houve simplesmente uma conversa sobre a multa imposta a seucompadre Benedito, na qual pronunciou-se dizendo que este ato parecia-lhe injusto. Conclui alegandoque o abaixo assinado no conhece o cdigo que estabelea pena para punir o juzo particular que for-ma cada um sobre qualquer fato, elogiando ou censurando o mesmo.66

    A denncia foi julgada improcedente.Neste processo podemos perceber no s que o acusado contestava a multa aplicada a seu compa-

    dre, como tambm contestava as autoridades municipais, insinuando que elas mesmas no cumpriamos regulamentos de que eram responsveis. Tudo isto apesar dos termos respeitosos de sua defesa. Nosparece que o Sr. Jos Goulart de Souza tinha conscincia dos limites da lei nos termos de Edward P.Thompson, ou seja, sabia que a maior de todas as fices legais a de que a lei se desenvolve, de ca-so em caso, pela sua lgica imparcial, coerente apenas com sua integridade prpria, inabalvel frente asconsideraes de convenincia.67

    Trs anos antes era apresentada em juzo uma denncia tratando de um assunto parecido. Mas nes-ta denncia de 9 de maio de 1874, de certa forma os papis se invertem, porque agora algum que foimultado que apresenta uma curiosa denncia contra o fiscal da Cmara que o multou.

    Jorge Tiburtino de Andrade, brasileiro, morador em Vitria, apresenta queixa contra Jacintho Es-cobar Arajo, 45 anos, casado, fiscal da cmara municipal da capital, brasileiro, natural de Vitria. Ostermos da queixa eram os seguintes:

    Na noite de cinco do corrente ms, havendo o queixado de seguir viagem, amarrara o seu cavalo na porta dasua residncia, onde dava-lhe a rao de milho; e tendo outros afazeres, ali deixara o animal. Quando pre-cisara do animal, j no o encontrara na porta de sua casa, onde o deixara; resolvera o queixoso o procur-lo por toda a cidade e no o encontrara.

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    Debalde o queixoso no s por si achava-se em busca, como tambm mandara procurar o cavalo; eis que o dito animal encontrado na chcara do acusado situada na Fonte Grande, amarrado entre umas pedras;pedira-lhe que lhe fosse entregue o seu cavalo; de dentro da casa respondera-lhe que o cavalo estava preso,porque o queixoso infringira os artigos das posturas municipais; e para dali levar o cavalo era preciso quepagasse a multa no valor de dois mil-ris.O que fora feito pelo queixoso, no se lhe dando conhecimento de haver pago a multa e mais tarde soubeque lhe tiraram o animal da porta e o prenderam sem ser ele conduzido para o depsito pblico, e como ofiscal tem um moinho para moer milho, tem por hbito mandar prender animais alheios para trabalhar emseu moinho, e desde que o proprietrio reclama, ele alega que se acha preso.Tanto que ele no lavra de conformidade com a lei o auto de infrao de posturas, como prova o documento jun-to, e muito menos mandou intimar ao queixoso para tirar o seu animal e pagar a multa, como do seu dever.

    Ao passo que para uns o acusado, como fiscal, procede com tanta energia, para outros tem a mais excessivabenevolncia, ao ponto dos seus animais percorrerem dia e noite as ruas da cidade.68

    Refora os argumentos da acusao o depoimento de Aureliano Manoel Nunes Pereira, 39 anos, ca-sado, natural e residente em Vitria, sabendo ler e escrever. Esta testemunha declara que

    que em um dos dias do ms de maio, estando porta da casa de sua residncia, aparecendo-lhe o queixosocom uma carta e pediu-lhe que a lesse; o que fez ele testemunha lendo o seguinte: que Antnio Igncio Ro-drigues pedia ao acusado o favor de soltar o cavalo do queixoso, que se achava preso em sua chcara; e que oliberasse da multa por esta vez. Na mesma carta a seguinte resposta do acusado: no podia servi-lo no que pe-dia, porque libertara [o de] Antnio Igncio, [do] capito Laranja, e do escrivo Augusto, que constantemen-te vagavam pelas ruas, sem que pudesse ele cumprir seus deveres; isto quando apreenso do cavalo, quantoporm ao hbito de mandar prender animais para ocup-los no servio de seu moinho, como se diz na queixa,ele testemunha tem ouvido, vagamente, acusar-se disso o ru, mas de positivo nada sabe ele testemunha.69

    O acusado, Jacintho Escobar Arajo, apresenta defesa por escrito nos seguintes termos:

    [...] Em outubro do ano prximo passado, quando fui nomeado fiscal da cmara, no existindo curral doConselho, pedi e obtive autorizao do atual presidente da municipalidade (atestado junto) para proviso-riamente estabelecer o dito curral na chcara que possuo na Fonte Grande; assim ali que desde esse tempoat hoje fao depositar os animais, que vagam pastando pelas praas e ruas da cidade.Quando assim tenho praticado constantemente em cumprimento dos meus deveres, como fiscal, e em ob-servncia das posturas municipais, no poderia sem censura abrir exceo ao cavalo do queixoso, que ne-nhum privilgio tem. Portanto na noite de seis de maio prximo passado, pastando este animal solto, e vontade pelas ruas, mandei prend-lo e conduzi-lo para o curral do Conselho. Nestas circunstncias e vistoque no poderia ser entregue ao seu dono sem o pagamento da multa de 2$000 estabelecida para este casode infrao ao cdigo de posturas.[...] O queixoso pretende abalar a minha reputao como fiscal da cmara, visto que entendeu, como con-

    fessa em sua queixa, que eu no deveria para com ele proceder com tanta energia; [...] Desde novembro doano passado que o meu moinho est desconcertado, como notrio, fao constar com os documentos jun-tos, que exibo para por em relevo a inexatido da queixa, quando imputa-me o plano ignbil de mandarprender os animais alheios para trabalharem em meu moinho. Se eu empregasse neste servio o queixoso,ou seu cavalo, ou ambos ao mesmo tempo, pagaria o jornal ou aluguel, que merecessem, e certamente noiria agarr-los na rua [...].70

    Vale notar neste caso que o queixoso Jorge Tiburtino no contesta que tenha infringido o cdigode posturas municipal, no contesta tambm a multa, a qual pagou prontamente. O que ele visa coma queixa claramente atingir a autoridade do fiscal da Cmara, dando contornos oficiais ao que j eracomentado pelo povo, expondo assim mais ainda o dito fiscal da Cmara.

    A denncia foi julgada improcedente. Mas fica a impresso de que o queixoso atingiu seu objetivo,porque a reputao do fiscal Jacintho Escobar no foi restabelecida e sim acaba mais comprometida pe-la exposio oficial das suspeitas que pesavam sobre ele. Esse nos parece um caso tpico de um acusadorque sai moralmente vencedor da contenda, na medida em que o fato de ser citado na justia por al-

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    gum tipo de delito j implicaria transtornos e custos, inclusive materiais, capazes de dissuadir e refrearas aes futuras daqueles que se viam sob a esfera de ao e alcance dos juzes. 71

    No dia 25 de novembro de 1872 abriu-se um inqurito policial contra Manoel Ferreira Dias pelasseguintes razes que constam na denncia:

    O chefe de polcia desta provncia, vindo no conhecimento de que Manoel Ferreira Dias, sdito portugus, mo-rador nesta cidade, acaba de efetuar a alienao de um relgio de ouro no valor de trezentos mil-ris (300$000)por meio de sorte fazendo correr esta loteria ou rifa ilegal anexa a uma das loterias extradas na Corte do Rio de

    Janeiro, para cujo fim exps venda e realizou a tiragem [?] de cem bilhetes razo de 3$000 cada um [...]72

    Passa-se ento ao interrogatrio de alguns compradores de bilhetes e as respostas so reveladoras deum aspecto fundamental da situao, qual seja, o de que as autoridades levaram o delito muito mais asrio que essas pessoas. Poderamos dizer mesmo que os compradores dos bilhetes no viam nenhumailegalidade em se fazer uma rifa com fins particulares. Esta no deixa de ser uma atitude inusitada namedida em que era de conhecimento pblico que quem acabou por ganhar o relgio rifado foi um fi-

    lho menor do prprio Manoel Ferreira Dias.Antnio Pinto Aleixo, 28 anos, solteiro, empregado pblico, morador em Vitria, sabendo ler e es-crever, respondeu, dentre outras, s seguintes perguntas:

    Perguntado se sabe a quem coube, por sorte, o relgio rifado? Respondeu que sabe, porque o prprio Fer-reira Dias lhe disse que sara para um seu filho.Perguntado que idade tinha o filho do dito Dias? Respondeu que supe ser menor de 15 anos.Dada a palavra ao Dr. Promotor Pblico, fez este as seguintes perguntas:Perguntado se sabe se o filho de Dias, que menor, a quem saiu por sorte o relgio, mora com o seu paiou em teto diferente, fora da companhia dele? Respondeu que parece que mora com seu prprio pai, de-baixo do mesmo teto.Perguntado se sabia informar quem escolhera o bilhete ao qual coube o relgio, se fora o prprio pai, o pr-

    prio filho ou algum? Respondeu que no sabe.Perguntado se para ter lugar o curso da rifa, se foi convidado ou no por Dias, antes ou durante a venda dosbilhetes? Respondeu que fora durante a venda.Perguntado se em tempo algum ele testemunha ou outras pessoas que compraram os bilhetes nutriram des-confiana contra o autor acerca do xito da rifa? Respondeu que quanto a si, no teve desconfiana alguma.Perguntado sobre o conceito de Manoel Ferreira Dias para ter comprado bilhete por ele emitido em rifa?Respondeu que nutre os melhores conceitos.Perguntado se os bilhetes foram assinados por Dias? Respondeu que no.73

    Os bilhetes foram impressos na tipografia do jornalCorreio da Vitriapelo que nos informa AprgioGuilhermino de Jesus, 28 anos, solteiro, tipgrafo, natural de Vitria, sabendo ler e escrever. Este funcio-

    nrio da tipografia, ao ser perguntado se a tipografia enviou um exemplar do bilhete impresso ao promo-tor pblico como previa a lei, respondeu que no. Aprgio Guilhermino, que tambm comprara um bilhe-te de rifa, declara ainda que no sabia quem tirou o prmio ou relgio rifado, por no se ter importadodisso desde que seu bilhete saiu branco.74No seria necessrio interrogar este tipgrafo do Correio da Vi-tria, a no ser para obter a confirmao de que os bilhetes foram ali impressos, porque Manoel Pinto de

    Azevedo Maciel, 30 anos, solteiro, negociante, natural e morador em Vitria, sabendo ler e escrever,que era outro comprador da rifa, declara ao ser interrogado que a impresso foi feita na tipografia doCorreio da Vitriaporque nos prprios bilhetes est declarado o nome do mesmo estabelecimento.75

    A parte mais reveladora de toda esta histria de uma rifa que ao que tudo indica Manoel Ferrei-ra Dias no teve maiores dificuldades em vender, tendo ainda a sorte de ter o seu prprio filho comoganhador, se encontra no depoimento de outro comprador da rifa, o empregado pblico Philomenode Andrade Gomes Rezende, 28 anos, solteiro, natural e morador em Vitria, sabendo ler e escrever.Quando interrogado pelo chefe de polcia e em presena do promotor pblico, lhe foram feitas, den-tre outras, as seguintes perguntas:

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    Perguntado quantos bilhetes foram rifados e o valor de cada um? Respondeu que quanto ao nmero de bilhe-tes no sabe, e que so do valor de 3$000 cada um; e que ele testemunha ainda possui um bilhete dessa rifa.Perguntado se pode ceder ao chefe de polcia esse bilhete? Respondeu que sim, e cede ao referido Dr. chefede polcia visto no servir-lhe mais.76

    Neste ponto dos autos consta a seguinte observao do escrivo: Neste ato retirou-se o Dr. Promo-tor Pblico por achar-se incomodado.77

    O que estaria incomodando o promotor pblico? No temos como saber com exatido, mas te-mos fortes suspeitas de que era a prpria naturalidade com que as testemunhas viam a contravenoem questo.

    Nesse caso, no era s o promotor pblico que devia se sentir incomodado. A reao de desqualifi-cao do delito por parte das testemunhas colocava em questo a prpria funo da justia. Era como seestas pessoas quisessem dizer s autoridades policiais e judicirias que elas no deviam se envolver comestas pequenas questes, as quais poderiam ser resolvidas por elas mesmas, sem a sua interveno.

    A polcia e a justia tinham a sua ao validada apenas dentro de certos limites, que embora impre-cisos, eram concretos. Isto se aplicava principalmente polcia. Esta frequentemente era vista como in-cmoda, abusiva e dispensvel. Estamos certos de que, mais do que serem enquadradas pela polcia, aspessoas procuravam enquadr-la no limite do que desejavam ou do que consideravam razovel.

    Notas

    1FRANCO, Maria Sylvia C. Homens livres na ordem escravocrata. 4aed. So Paulo: Editora da Unesp, 1997, p. 17.2VELLASCO, Ivan A. As sedues da ordem: violncia, criminalidade e administrao da justia; Minas Gerais, sculo XIX.Bauru: Editora da Edusc/ Anpocs, 2000, p. 216.3BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polcia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,

    1997, p. 20-21.4Esprito Santo, Lei de 14 de junho de 1892 no3 Da organizao policial do Estado, Typographia do Estado do EspritoSanto, Vitria, p. 25 e 26.5CAMPOS, Adriana P. Crime e escravido: uma interpretao alternativa. In: CARVALHO, Jos Murilo de (Org.). Naoe cidadania: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, p. 230.6BRETAS, Marcos Luiz. A Polcia carioca no Imprio. Estudos Histricos, v. 12, no22, 1998, p. 220.7APEES (Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo), Inqurito no729, Cx. 681, 1882, Diversos sobre infrao de pos-turas, vagabundagem etc., 7 autos, 15 fls. manuscritas.8APEES, Inq. no729, Cx. 681, 1882, inq. cit.9APEES, Inq. no729, Cx. 681, 1882, inq. cit.10APEES, Inq. no729, Cx. 681, 1882, inq. cit.11APEES, Inq. no729, Cx. 681, 1882, inq. cit.12APEES, Inqurito no609, Cx. 676, 22.05.1880, Termo de bem viver, ex-officio, Joo Arthur Tesch Horta de Oliveira,acusado, 10 fls. no numeradas manuscritas, fl. 2. Referindo-se ao Dr. Herculano Matos Ingls de Souza, nomeado pre-sidente da provncia do Esprito Santo por carta imperial de 24 de maro de 1882, Maria Stella de Novaes nota que pre-ocupou-se este presidente em estimular o povo ao emprego sensato e eficiente do tempo. Na mensagem apresentada assembleia legislativa, registrou que institura o termo de bem-viver, que deveria ser assinado pelos indivduos ociosos, deso-cupados, que viviam na misria e na vagabundagem. Com mais esse elogio, entre tantos outros dirigidos s personalidadesda poca que aparecem em seu livro, Maria Stella de Novaes acaba por nos dar uma ideia precisa do que se pretendia quan-do se condenava algum a assinar este termo. NOVAES, Maria Stella de. Histria do Esprito Santo. Vitria: Fundo Edito-rial do Esprito Santo, s.d., p. 284.13APEES, Inq. no609, Cx. 676, 22.05.1880, inq. cit., fl. 5.

    14APEES, Inq. no609, Cx. 676, 22.05.1880, inq. cit., fl. 5.15APEES, Inq. no609, Cx. 676, 22.05.1880, inq. cit., fl. 8.16APEES, Inq. no609, Cx. 676, 22.05.1880, inq. cit., fl. 6.

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    17APEES, Inqurito no698, Cx. 680, 03.11.1882, Termo de bem viver, A Justia, Possidnia Maria da Conceio, r, 13fls. manuscritas, fl. 5.18APEES, Inq. no698, Cx. 680, 03.11.1882, inq. cit., fls. 7 e 8.19APEES, Inq. no698, Cx. 680, 03.11.1882, inq. cit., fl. 7.20

    HOLLOWAY, Thomas. Polcia no Rio de Janeiro: represso e resistncia numa cidade do sculo XIX. Traduo de FranciscoC. Azevedo. Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 1997, p. 25.21FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em So Paulo (1880-1924). So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 42.22Idem, Ibid, p. 42.23Ibid, p. 43.24CASTEL, Robert. Les mtamorphoses de la question sociale: une chronique du salariat. Paris: Fayard, 1995, p. 342.25Brasil, Recenseamento do Brazil de 1872, Esprito Santo, p. 1.26Brasil, Populao recenseada em 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro: Officina da Estatstica, 1898, p. 32 e 33.27Brasil, Recenseamento do Brazil de 1872, Esprito Santo..., recenc. cit., p. 1.28Brasil, Populao recenseada em 31 de dezembro de 1890..., recenc. cit., p. 238.29

    KUZNESOF, Elizabeth A. Ilegitimidade, raa e laos de famlia no Brasil do sculo XIX: uma anlise da informao decensos e de batismos para So Paulo e Rio de Janeiro. In: NADALIN, Sergio Odilon; MARCILIO, Maria Luiza & BALHA-NA, Altiva P. (Orgs.). Congresso sobre a histria da populao da Amrica Latina (1989: Ouro Preto, MG). Histria e Popu-lao: estudos sobre a Amrica Latina. So Paulo: Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados, 1990, p. 166-167.30Brasil, Populao recenseada em 31 de dezembro de 1890..., recenc. cit., p. 238.31Esprito Santo, Contendo leis e resolues promulgadas pela Assembleia Legislativa na 1a sesso ordinria da 24a legislatura em1880 (Lei no21)..., artigos 71 e 72, p. 52-53.32APEES, Inqurito no679, Cx. 679, 27.05.1882, Processo Policial, Joo Brand, ru, 22 fls. manuscritas, fl. 4.33APEES, Inq. no679, Cx. 679, 27.05.1882, inq. cit., fls. 11 e 12.34APEES, Inqurito no713, Cx. 680, 20.08.1882, Uso de armas proibidas, A justia, Francisco Jos da Silva, ru, 14 fls.manuscritas, fl. 6.

    35APEES, Inq. no713, Cx. 680, 20.08.1882, inq. cit., fl. 6.36APEES, Inqurito no897, Cx. 689, 20.07.1885, Auto de perguntas feitas Antonietta Argentina e outras, 3 fls no nu-meradas. manuscritas, fls. 1 e 2.37FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir: naissance de la prison. Paris: Gallimard, 1975, p. 249.38HOLLOWAY, Thomas. Polcia no Rio de Janeiro..., op. cit., p. 263.39APEES, Inqurito no559, Cx. 673, 04.07.1879, Inqurito Policial, Ex-offcio, Antnio Damzio Camillo, vulgo Trem,10 fls. no numeradas manuscritas, fls. 3 e 4.40SOUZA, Laura de M. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no sculo XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 185.41APEES, Inqurito no559, Cx. 673, 04.07.1879, inq. cit., fls. 5 e 6.42APEES, Inq. no559, Cx. 673, 04.07.1879, inq. cit., fl. 6.43

    APEES, Inq. no

    559, Cx. 673, 04.07.1879, inq. cit., fls. 8 e 9.44APEES, Inq. no559, Cx. 673, 04.07.1879, inq. cit., fl. 9.45APEES, Inq. no559, Cx. 673, 04.07.1879, inq. cit., fls. 9 e 10.46APEES, Inq. no559, Cx. 673, 04.07.1879, inq. cit., fl. 10.47VELLASCO, Ivan A. Policiais, pedestres e inspetores de quarteiro: algumas questes sobre as vicissitudes do policiamen-to na provncia de Minas Gerais. In: CARVALHO, Jos Murilo de (Org.). Nao e cidadania: novos horizontes. Rio de Janei-ro: Civilizao Brasileira, 2007, p. 254.48APEES, Inqurito no824, Cx. 685, 23.12.1884, Summario Crime, A Justia, Joo Ferreira da Silva e Victorino ThomazDantas, rus, 88 fls. manuscritas, fl. 40.49APEES, Inq. no824, Cx. 685, 23.12.1884, inq. cit., fl. 35.50BRETAS, Marcos Luiz.A guerra das ruas..., op. cit., p. 22.51APEES, Inqurito no638, Cx. 677, 06.12.1881, Responsabilidade, A justia, Juvncio da Rocha Coutinho, carcereiro dacadeia desta capital, ru, 16 fls. manuscritas, fls. 7 e 8.52APEES, Inq. no638, Cx. 677, 06.12.1881, inq. cit., fl. 11.

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    Geraldo Antonio Soares

    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

    53HOGGART, Richard. La culture du pauvre: tude sur le style de vie des classes populaires en Angleterre. Paris: Les Editionsde Minuit, 1970, p. 118.54VELLASCO, Ivan A. Policiais, pedestres e inspetores de quarteiro..., op. cit., p. 254.55APEES, Inqurito no1131, Cx. 702, 29.01.1890, Inqurito Policial, Joo Coutinho da Victoria, ru, 7 fls. manuscritas, fl. 3.56

    APEES, Inq. no

    1131, Cx. 702, 29.01.1890, inq. cit., fls. 6 e 7.57APEES, Inq. no1131, Cx. 702, 29.01.1890, inq. cit., fl. 6.58REVEL, Jacques & FARGE, Arlette. As regras do motim: o caso dos raptos de crianas (Paris, maio de 1750). In: REVEL,Jacques.A inveno da sociedade. Traduo de Vanda Anastcio. Lisboa / Rio de Janeiro: Difel / Bertrand Brasil, s. d., p. 232.59APEES, Inqurito no1356, Cx. 714, 18.01.1897, Summario Crime, A Justia, Capito Joaquim Barboza dos Santos, Te-nente Elsio Nogueira da Gama, Alferes Aristides Jos do Carmo, rus, 21 fls. manuscritas, fl. 8.60APEES, Inqurito no875, Cx. 687, 22.11.1884, Summario Crime, A Justia, Marcellino, escravo de Manoel Vieira deMattos, Florncio, escravo de D. Triphina dos Santos Pinto, rus, 54 fls., fl. 13.61APEES, Inq. no1356, Cx. 714, 18.01.1897, inq. cit., fl. 12.62FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir..., op. cit., p. 75.63APEES, Inqurito no517, Cx. 671, 30.08.1877, Injrias, A Promotoria Pblica, denunciante, Jos Goulart de Souza, de-

    nunciado, 18 fls. manuscritas, fl. 5.64APEES, Inq. no517, Cx. 671, 30.08.1877, inq. cit., fl. 8.65APEES, Inq. no517, Cx. 671, 30.08.1877, inq. cit., fl. 10.66APEES, Inq. no517, Cx. 671, 30.08.1877, inq. cit., fl. 10.67THOMPSON, Edward P. Senhores e caadores: a origem da Lei Negra. Traduo de Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paze Terra, 1987. p. 338.68APEES, Inqurito no465, Cx. 668, 09.05.1874, Responsabilidade, Jacintho Escobar Araujo, ru, 28 fls. manuscritas, fls.2 e 3.69APEES, Inq. no465, Cx. 668, 09.05.1874, inq. cit., fl. 24.70APEES, Inq. no465, Cx. 668, 09.05.1874, inq. cit., fls. 9 e 10.71VELLASCO, Ivan A.As sedues da ordem..., op. cit., p. 181.

    72APEES, Inqurito no375, Cx. 664, 25.11.1872, Processo Policial Ex officio de Manoel Ferreira Dias, 16 fls. manuscritas, fl. 2.73APEES, Inq. no375, Cx. 664, 25.11.1872, inq. cit., fls. 5 e 6.74APEES, Inq. no375, Cx. 664, 25.11.1872, inq. cit., fl. 8.75APEES, Inq. no375, Cx. 664, 25.11.1872, inq. cit., fl. 9.76APEES, Inq. no375, Cx. 664, 25.11.1872, inq. cit., fl. 7.77APEES, Inq. no375, Cx. 664, 25.11.1872, inq. cit., fl. 7.

    Fontes

    APEES (Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo), Inqurito no375, Cx. 664, 25.11.1872, Processo Poli-

    cial Ex officiode Manoel Ferreira Dias, 16 fls. manuscritas.APEES, Inqurito no465, Cx. 668, 09.05.1874, Responsabilidade, Jacintho Escobar Araujo, ru, 28 fls. manus-critas.

    APEES, Inqurito no517, Cx. 671, 30.08.1877, Injrias, A Promotoria Pblica, denunciante, Jos Goulart deSouza, denunciado, 18 fls. manuscritas.

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  • 7/24/2019 Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

    Geraldo Antonio Soares

    Topoi, v. 10, n. 19, jul.-dez. 2009, p. 112-132.

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    APEES, Inqurito no729, Cx. 681, 1882, Diversos sobre infrao de posturas, vagabundagem etc., 7 autos, 15fls. manuscritas.

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    APEES, Inqurito no875, Cx. 687, 22.11.1884, Summario Crime, A Justia, Marcellino, escravo de ManoelVieira de Mattos, Florncio, escravo de D. Triphina dos Santos Pinto, rus, 54 fls.

    APEES, Inqurito no897, Cx. 689, 20.07.1885, Auto de perguntas feitas Antonietta Argentina e outras, 3 flsno numeradas, manuscritas.

    APEES, Inqurito no1131, Cx. 702, 29.01.1890, Inqurito Policial, Joo Coutinho da Victoria, ru, 7 fls. ma-nuscritas.

    APEES, Inqurito no1356, Cx. 714, 18.01.1897, Summario Crime, A Justia, Capito Joaquim Barboza dosSantos, Tenente Elsio Nogueira da Gama, Alferes Aristides Jos do Carmo, rus, 21 fls. manuscritas.

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    Os limites da ordem: respostas ao da polcia em Vitria ao final do sculo XIX

    Geraldo Antonio Soares

    VELLASCO, Ivan A. Policiais, pedestres e inspetores de quarteiro: algumas questes sobre as vicissitudes do po-liciamento na provncia de Minas Gerais. In: CARVALHO, Jos Murilo de (Org.). Nao e cidadania: novos ho-rizontes. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007, p. 237-265.

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    RESUMO

    A partir da anlise de inquritos policiais procuramos perceber como os indivduos que viviam em Vitria (EspritoSanto, Brasil), no final do sculo XIX, se relacionavam com a polcia. O que nos interessa so as respostas que essas pes-soas davam ao da po