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OS MÉTODOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 1 Olivier REBOUL 2 Eu defendo que o objeto essencial, talvez único, da filosofia da educação é os fins, o saber as razões pelas quais se educa, que objetivo se procura atingir com a educação das crianças. Tal é a especificidade da filosofia em relação à pedagogia e às ciências da educação. Ela é uma reflexão metódica a respeito dos fins da educação. Mas o que significa “metódica”? Existe um método que seja próprio à filosofia? Eu penso que é necessário ser muito cuidadoso sobre essa questão, porque a história nos ensina pelo menos duas coisas: a primeira é que não há um método em filosofia, mas vários; da dialética de Platão até a análise lógica contemporânea. A segunda, é que a escolha de um método filosófico é sempre uma escolha igualmente filosófica. A mathesis universalis 3 de Descartes, a crítica de Kant, a dialética de Hegel, não são preliminares da doutrina, mas dela decorrem. Pela minha própria experiência e pela minha filosofia, sem dúvida eu me permitiria propor cinco métodos, ao mesmo tempo concorrentes e complementares. Evidentemente, esse inventário não é absolutamente exaustivo e creio que se poderiam encontrar outros métodos ainda. O essencial, é que se faça bem a distinção entre os cinco métodos e que cada um deles possa ser considerado como autenticamente filosófico. 1 Texto traduzido por Damião B. Oliveira. 2 Nascido em 1925. Em 1975 ele é nomeado professor titular de filosofia na Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg. Reboul publicou dezenas de artigos de filosofia e nove livros. 3 Seria uma ciência universal baseada em conceitos como ordem e medida (N.T.).

OS MÉTODOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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OS MÉTODOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO1

Olivier REBOUL2

Eu defendo que o objeto essencial, talvez único, da filosofia da

educação é os fins, o saber as razões pelas quais se educa, que objetivo se

procura atingir com a educação das crianças. Tal é a especificidade da

filosofia em relação à pedagogia e às ciências da educação. Ela é uma

reflexão metódica a respeito dos fins da educação.

Mas o que significa “metódica”? Existe um método que seja próprio

à filosofia? Eu penso que é necessário ser muito cuidadoso sobre essa

questão, porque a história nos ensina pelo menos duas coisas: a primeira é

que não há um método em filosofia, mas vários; da dialética de Platão até a

análise lógica contemporânea. A segunda, é que a escolha de um método

filosófico é sempre uma escolha igualmente filosófica. A mathesis

universalis3 de Descartes, a crítica de Kant, a dialética de Hegel, não são

preliminares da doutrina, mas dela decorrem.

Pela minha própria experiência e pela minha filosofia, sem dúvida eu

me permitiria propor cinco métodos, ao mesmo tempo concorrentes e

complementares. Evidentemente, esse inventário não é absolutamente

exaustivo e creio que se poderiam encontrar outros métodos ainda. O

essencial, é que se faça bem a distinção entre os cinco métodos e que cada

um deles possa ser considerado como autenticamente filosófico.

1 Texto traduzido por Damião B. Oliveira. 2 Nascido em 1925. Em 1975 ele é nomeado professor titular de filosofia na Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg. Reboul publicou dezenas de artigos de filosofia e nove livros. 3 Seria uma ciência universal baseada em conceitos como ordem e medida (N.T.).

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O MÉTODO HISTÓRICO

Em comparação às ciências humanas, a filosofia mostra-se

particularmente desarmada. Ela não conta com estatísticas, enquetes,

experimentação ou com qualquer coisa de exterior em que se apoiar ou sob

a qual se abrigar. Nela trabalha-se sem essas garantias.

Poder-se-ia replicar que o filósofo não parte, de fato, do zero, porque

tem atrás de si, a história da filosofia, que lhe mostra que seus problemas já

foram postos, e lhe sugere soluções sobre as quais não terá que pensar

espontaneamente.

Sem dúvida. Mas a história da filosofia pode ser um obstáculo assim

como um trampolim. Além disso, o termo mesmo poderia dissimular uma

contradição interna. Porque ou se considera a história e o estudo dos

autores como se fossem um estudo de qualquer fato histórico, sem

perguntar se têm ou não razão; ou se faz deles filosofia. E como se exclui,

ipso facto, o princípio de autoridade, o pensamento dos autores não pode

servir ao nosso, senão de ilustração ou apoio.

Para sair desse dilema, a única atitude válida é, parece-me, aprender

com os filósofos, entrar na sua escola, estando bem entendido que uma

escola é, por definição, um lugar do qual se deve sair... Dizemos que a

história da filosofia não é útil, a menos que se observem duas condições: o

respeito ao pensamento dos autores de quem se fala e o estabelecimento de

um tipo de relação com eles na qual não pensem em nosso lugar.

Como abordar a história e o que se pode esperar dela? Pode-se, como

George Kneller (1964), estabelecer uma espécie de tipologia dos grandes

sistemas filosóficos, mostrando que a cada um deles, corresponde uma

doutrina específica de educação. Destaca-se, por exemplo, que o

racionalismo clássico, de Platão a Alain, justifica uma didática de tipo

maiêutica, um programa que insiste menos sobre os conteúdos que sobre os

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métodos e privilegia as matemáticas, une ética dos valores universais e da

autonomia pessoal.

Dentro dessa perspectiva, o mestre é, sobretudo, alguém que estimula

e provoca. O empirismo privilegia, ao contrário, uma dialética à base de

experiências, um programa centrado nas ciências da natureza, uma ética

utilitarista e pragmática; o mestre, nessa perspectiva, seria, sobretudo,

aquele que prepara o ambiente, que organiza e facilita as experiências.

O interesse do método histórico é o de mostrar que tal escolha

implica ou exclui outras escolhas determinadas. Ele mostra que tal fim

inclui tal meio e exclui outros. A “lição” da República me parece ser, desse

modo, que a meritocracia inclui a seleção e exclui a igualdade. Mas a

história não nos diz se a meritocracia é preferível ou não ao igualitarismo.

Mas a grande lição da história é, sobretudo, a de nos revelar o que

nós sentimos confusamente, e, por vezes, contraditoriamente. Eu gostaria

de tomar um exemplo que considero paradigmático, que é a questão: o que

é ser adulto? De fato, o nosso conceito de adulto está longe de ser claro. Ele

resulta de duas correntes de idéias, provavelmente, incompatíveis e cuja

origem a história da filosofia nos revela.

A primeira corrente remonta aos gregos, e encontra a sua expressão

mais proeminente na Rhetórique de Aristóteles (L. II, 1389, a, ss.). Aqui, o

filósofo pretende exprimir o sentido comum de seu tempo, partindo do

modelo biológico da maturidade. Ela é o apogeu, a parte mais elevada do

crescimento, de onde começa o declínio, tanto do corpo como da

inteligência, das atitudes, do caráter, da virtude: depois de um estado ótimo,

passa-se, em seguida à acomodação, e em movimento de descendência,

chega-se, paulatinamente à morte. Esta concepção será retomada por um

psicólogo como Wechsler, o qual afirma que as funções intelectuais se

deterioram após certa idade, na maioria das vezes a partir dos 25 anos;

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claro progresso depois de Aristóteles que estabelecia a maturidade aos 49

anos.

A segunda corrente remonta ao Iluminismo e encontrou a sua

expressão mais bela, no opúsculo de Kant, Was ist Aufklarung. Ele define o

adulto a partir do modelo jurídico de maioridade; ser adulto é ter atingido

uma independência financeira, afetiva, intelectual; independência que

depende de nós, perdê-la, mantê-la ou fazê-la crescer, qualquer que seja a

nossa idade. Reencontra-se esta doutrina num psicólogo como Erikson,

para quem os “estágios de desenvolvimento” se escalonam para bem além

da adolescência até o fim da vida.

As duas correntes têm isso em comum: elas consideram o ser adulto

como um valor, um fim do conhecimento que a educação deve perseguir. A

maturidade de Aristóteles é um equilíbrio, um acabamento, uma

otimização, o que vem a desqualificar a velhice assim como a juventude. A

maioridade de Kant é um ideal, ao mesmo tempo, individual e coletivo: a

coragem de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de outrem;

um ideal que não tem mais ligação com a idade real.

Como conciliar a maturidade aristotélica e a maioridade kantiana?

Eis o ponto preciso em que a história nos abandona e nos passa,

precisamente, o tarefa de pensar por nós mesmos. Para resumir, eu diria

que a história pode servir desde que a consideremos como uma escola e não

como um museu.

O MÉTODO REFLEXIVO

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“A filosofia”, dizia Léon Brunschvicg, “é a ciência dos problemas

resolvidos”. O segundo método que chamarei de reflexivo, consiste em

partir dos problemas resolvidos pelas técnicas e pelas ciências da educação,

e daí pôr em questão as condições e os limites dentro dos quais eles se dão.

Esse método tem a imensa vantagem de ser interdisciplinar; ele impõe aos

filósofos, conhecer as técnicas e as ciências sobre as quais eles refletem, do

mesmo modo que se permitem aos pedagogos e cientistas filosofar sobre os

seus próprios resultados. O ideal seria, para além de qualquer outro

objetivo, uma cooperação efetiva e durável entre filósofos e não filósofos.

Encontra-se um bom exemplo no livro John Wilson sobre a educação moral

(1967), onde o autor, após expor suas próprias teorias, as faz serem

“testadas” por um psicólogo e um sociólogo.

Eu retorno ao meu problema “paradigmático”: o que é ser um

adulto? Certos cientistas da educação o tem tratado abundantemente; mas

eles chegaram a resolvê-lo? Como e em que medida?

A biologia define as normas da maturidade orgânica que variam, de

resto, de um órgão ao outro; nossos nervos são infinitamente mais precoces

que os nossos ossos. Ela não define a maturidade psíquica, que designa

menos uma idade que um estágio de desenvolvimento, um estágio que

certos homens jamais atingem e que ninguém, provavelmente, atinge

totalmente.

Atualmente, a psicologia do desenvolvimento responde a nossa

questão? A obra de Piaget nos dar bem os critérios que permitem avaliar a

maturidade, tanto do ponto de vista intelectual quanto afetivo: as operações

formais, o equilíbrio, a reversibilidade, a descentração, a reciprocidade etc.

Esses critérios definem somente, não um estado real e observável como os

que precedem e preparam a maturidade, mas um ideal, uma norma lógica e

ética. De resto, pode-se criticar esse ideal por ser aquele da sociedade

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burguesa (cf. Lapassade, 1963); em todo caso, ele não tem nada de

universal.

A psicanálise não é mais objetiva. Freud descreve sem cessar o

“infantilismo” das doenças nervosas e das perversões; ele define a cura

analítica como “uma educação progressiva para superar em cada um de nós

resíduos da infância” (1966, p. 57). Mas os critérios de maturidade,

segundo Freud – a sexualidade genital, o primado do princípio de realidade

sobre o princípio de prazer, a passagem do id ao ego – esses critérios estão

longe de ser indiscutíveis, e nada prova que não constituam um ideal

inacessível; perguntam-se, por vezes, si só o adulto verdadeiramente

reconhece que a psicanálise não é o psicanalista.

Quanto à sociologia, ela nos dar preciosas indicações da passagem ao

estado adulto nas sociedades primitivas, mas ela é impotente para definir

esse estado, também, nas sociedades complexas e dinâmicas como a nossa;

a menos que ela se limite a reproduzir os prejuízos como se fossem normas

científicas. Certos psicólogos americanos incluem entre os traços da

maturidade, a capacidade de adoração religiosa no que não estão bem de

acordo os europeus. Enfim, e, sobretudo, caso se admita que a maturidade

nada mais seja que uma norma definida por tal sociedade, quem nos

garante que essa sociedade não é ela mesma infantil, e que a verdadeira

maturidade não consiste, justamente, em contestá-la? Sócrates não é mais

adulto que seus juízes?

Esse fracasso parcial das ciências em definir o adulto não é

contingente. Explica-se por duas razões: de início porque as ciências do

homem são plurais, daí porque parciais, enquanto que a maturidade é um

fato global, que concerne a toda personalidade. Em seguida, porque essas

ciências se querem objetivas, enquanto que a maturidade repousa sobre um

julgamento de valor. Atualmente, o fato de as ciências não resolverem

esses problemas, não significa que sejam insolúveis. Todo educador pode

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se achar impelido a resolvê-los de um modo ou outro. Que se quer dizer

quando se afirma que alguém não é “maduro” para um determinado estágio

ou tal carreira? Ou mais genericamente quando se fala de “formação de

adulto”?

Aqui começa a tarefa da filosofia; ela parte dos resultados das

ciências da educação para unificá-los tanto quanto possível e responder,

também, sempre tanto quanto possível, as questões que o homem se põe

sobre si mesmo.

O MÉTODO DE ANÁLISE LÓGICA

Eu retomo a questão: “Que se quer dizer quando...?” Existe

precisamente um método que consiste em interrogar sobre a linguagem, ou

melhor, sobre o discurso da educação, em definir seus termos, em analisar

suas fórmulas, em testar seus raciocínios, e termina por esclarecer suas

ambigüidades ou as contradições internas do seu discurso.

O que significa, por exemplo, a fórmula “Democratizar o ensino?”

Para os que a emprega, ela designa adequadamente um fim. Mas em que

sentido? Analisando a expressão, constata-se que ela não tem um sentido,

mas vários. Democratizar o ensino pode significar:

(1) Confiar a organização e a gestão do ensino a todo o povo;

(2) Tornar o ensino acessível a todos;

(3) Dar a todos os estudantes a mesma chance de ter sucesso;

(4) Dar um ensino suplementar aos estudantes mais desfavorecidos;

(5) Confiar a gestão da classe da sala, da escola, aos próprios alunos;

(6) Transformar o ensino nos seus conteúdos e métodos para que

venha a ser uma arma do povo contra os que o explora.

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Poder-se-ia encontrar, ainda, outros sentidos. Encontrar-se-iam os

sentidos ideológicos subjacentes aos seis antes citados. Em todo caso, essa

breve análise revela três coisas. De início, a fórmula não tem um sentido,

mas vários, alguns não implicam os outros. Pode-se ter (2) sem (3) e vice-

versa; a escola de Jules Ferry quis (1) e (2), excluindo inteiramente (5). Em

seguida, certos sentidos são incompatíveis com os outros, par exemple (3),

dar a todos a mesma oportunidade de ter sucesso, e (4), dar um ensino atual

aos estudantes mais desfavorecidos, ou (1) a escola de todo povo, e (6) a

escola contra a classe dominante.

Enfim, a fórmula contém, talvez, uma contradição interna que deixa

aparecer os verbos, “dar”, “confiar”, “tornar”, etc.- de nossas seis traduções

de “democratizar”. Este verbo, ativo e transitivo, implica, com efeito, um

sujeito distinto do seu objeto, há alguém que democratiza. É quem deixa

entender que a democracia, poder do povo, é conferido, outorgado ao povo

por um outro poder, por um déspota esclarecido ou por um partido

revolucionário.

Eu não digo que não é desejável democratizar o ensino: penso que é

igualmente desejável saber o que se quer dizer quando isso é dito.

A análise lógica vai mais longe que a simples análise lingüística.

Como o mostra claramente Israel Scheffler (1960) ela busca não somente o

que vem dito, mas o que se pode dizer. Partamos de um exemplo

aparentemente banal. Se eu indico um caminho a um estrangeiro, se trata

de um ensinamento? Não, isso é uma simples informação. O que distingue,

então, ensinar de informar? Precisamente, o que não se apresenta no

exemplo: a intenção de fazer aprender, num longo tempo, o método, o

programa, a instituição, o caráter transferível do conteúdo. Dizer a um

transeunte “É a terceira rua à direita”, oferece um saber útil dentro da

imediaticidade, mas não servirá minimamente para outras situações.

Enquanto que ensinar alguém a ler uma carta permite-lhe ler um número

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indefinido de outras cartas. Aos que repetem mecanicamente que o ensino é

“transmissão” e “inculcamento”, é preciso destacar que o verdadeiro ensino

dar ao aluno o saber-fazer e o saber que pode lhe servir nas mais diferentes

situações, para além dos momentos de aquisição, o que confere aos alunos

não as performances, como refazer, nomear, recitar, mas uma competência.

A análise lógica aplicada ao nosso problema pode contribuir para

estudar fórmulas tais como “tu és maior, comporte-te como adulto”, “na tua

idade, pare de se fazer de criança”. Ela confirma que nem a maturidade

nem a maioridade são realidades biológicas ou mesmo estados constatáveis

objetivamente. Ela mostra que esses termos são em realidade metáforas,

uma de origem biológica e outra de origem jurídica, e não têm toda a

precisão que elas pretendem ter, como nos seus domínios de origem. Do

mesmo modo, quando a psicologia parte de “crescimento”, de

“desenvolvimento”, de “equilíbrio”, trata-se de metáforas emprestadas das

ciências da natureza as quais se empregam dentro de um novo campo de

pertinência, de modo que esse uso deve ser justificado.

A análise lógica tem uma utilidade, antes de tudo negativa. Ela nos

permite “desconstruir” seja conceitos ambíguos seja clichês pedagógicos

como “a transmissão do saber”, “a escola dentro da vida”, “igualdade de

oportunidades”, “todas as crianças na sala de aula”. Em de todos os

discursos, ela permite revelar os fins, explícitos e implícitos que se

assinalam para a educação.

Todavia, pode-se fazer à análise lógica duas objeções. Inicialmente,

ela se limita abusivamente à língua inglesa, enquanto é a comparação de

diversas línguas que pode ser fecundo. Em seguida, o que busca a filosofia

da educação não é somente o conjunto de análises, mas uma síntese. Seja o

exemplo dado por Hirst e Peters (1970, pp. 8 ss) da palavra punishment; a

análise nos mostra que a punição só existe como “uma conexão entre o fato

de violar a regra e o de impor qualquer coisa desagradável ao transgressor.

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Agora, saber se a punição é útil à educação não é mais competência

da análise lógica, é um problema empírico, como se diz. Seja. Mais se pode

ir mais longe e procurar saber se a afirmação segundo a qual a pena é

imposta ao transgressor (the affender) é realmente lógica, quer dizer, a

priori, ou se não é, ela também, empírica; porque, enfim, sejam as culturas

sejam as religiões, todas admitem o castigo substituto, e a culpabilidade

coletiva. De fato, a ligação entre a pena e o transgressor não é de ordem

lógica, mas doutrinal.

Em suma, uma simples análise lógica não pode nos informar, nem a

respeito do valor educativo da correção - sobre o que Platão, insistiu no

Górgias -, nem mesmo com respeito ao princípio que deve ser imposto ao

culpado e somente a ele. A análise lógica se reconhece, com justiça,

dissolvendo as falsas questões. Infelizmente, ele se detém à entrada da

verdade.

O MÉTODO “A CONTRARIO”

Não é, pois, para surpreender que a análise lógica se abstenha

explicitamente de todo julgamento de valor, que ela “deixe as coisas como

estão” (leaves every things as it is, op. Cit., p. 39), contentando-se em

torná-las mais claras. Eu vejo nisso, um acanhamento da filosofia que

poderia muito bem significar sua morte.

Parece-me que um método pode permitir a filosofia avançar. Trata-se

do método a contrario. Ele se inspira no método lógico, ainda que esteja

menos ligado a uma língua particular. Ele é mais semântico que lingüístico.

Sobretudo, ele permite determinar de forma positiva os fins da educação.

Para fazê-lo, ele parte do que, para a opinião geral, não se pode querer,

daquilo que ninguém reivindicaria como seu objetivo.

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Por exemplo, se se quer definir o ensino verdadeiro, notar-se-á que

ninguém aceita relacioná-lo a uma técnica de adestramento, de maltrato ou

de doutrinação. Ninguém quer reduzir a formação a uma informação, e

menos ainda a uma deformação. Certamente, conclui-se que o fazer

desmente o dizer. Sabe-se, por exemplo, que quase sempre o humanismo

eufórico do discurso oficial dissimula uma prática ao extremo oposto do

que se preconiza. Contudo, se esta realidade é inegável, o fato mesmo que a

denuncia testemunha a favor dos valores que ela contradiz.

Eu tomo um exemplo mais limitado e mais preciso. Admite-se que o

aluno recebesse um ensino sem participar ativamente dele? Não, ninguém o

admitiria. Outra questão: admitir-se-á que o ensino de uma língua tenha por

objetivo reproduzir as “performances” e não a aquisição de uma

“competência lingüística” na língua? Aqui, então, a resposta unânime será

não. Nenhum professor de língua admitiria ser seu objetivo fazer

papagaios.

No sentido estrito, um objetivo pedagógico descreve sem equívocos,

uma conduta mantida pelo aluno, observável, avaliável e analisável. Uma

conduta mantida pelo aluno: quer dizer, que objetivos como “sensibilizar à

informática” não responde à definição; pelo contrário, “diagnosticar tal ou

tal doença”, “explicar claramente o caminho mais curto de um ponto a

outro de uma cidade” são objetivos corretos. Uma conduta observável:

“consertar, classificar, colocar em relação, marcar, medir, reproduzir” são

objetivos corretos, mas não “sentir, querer, amar”. Avaliável: deve-se poder

constatar se o aluno atingiu ou não o objetivo; por exemplo, o aluno é

capaz de transformar qualquer frase inglesa à forma interrogativa? Ou

então: deve-se poder constatar em que medida ele atingiu o objetivo; por

exemplo, admite-se que tal estudante em artes plásticas atingiu o objetivo

do curso se ele puder identificar certa categoria de quadros com somente

10% de erros. Analisável: é necessário, com efeito, que se possa decompor

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esta conduta que é objetiva em seus elementos e explicá-la por seus fatores,

a fim de saber com precisão como o aluno pôde adquiri-los. Assim

definido, o objetivo se encadeia com os outros e sua organização é o objeto

do que se denomina a taxonomia.

Eu retomo agora meus dois critérios. A pedagogia por objetivos faz o

aluno participar do seu ensino? Sim; e nisso ela é uma inovação feliz. Ela

ensina a ele uma competência e não uma simples performance? Aqui, a

resposta é menos clara. No seu estado atual, esse método considera que um

objetivo é tanto melhor quanto mais é preciso; assim, “compreender” é pior

que “reproduzir” ou que “assinalar”; e “criar” é ainda pior porque se é

possível de constatar, através de testes adequados que o aluno

compreendeu, não se ver bem como observar, avaliar, analisar a criação ou

o pensamento pessoal. Ora, a criação, o pensamento pessoal, parecem-me

ser o fim de um verdadeiro ensino, daquele cujo objetivo é formar

competências, no sentido em que Chomsky fala de competência lingüística.

Inspirando-me nas exposições de Hameline (1979), eu diria que a

pedagogia por objetivos abandona o ensino no momento preciso em que ele

se orienta em direção ao seu verdadeiro objetivo.

Que nos oferece o método a contrário sobre o nosso exemplo

paradigmático, o do adulto? Sabe-se que – isso é corrente atualmente e cujo

exemplo mais marcante é o livro de Lapassade (1963)-, que se contesta o

valor e existência mesma do adulto; ele é denunciado como significando a

esclerose do indivíduo e, de outro lado, a repressão de tudo o que é jovem,

novo, criador; o adulto, sob essa tríplice máscara de pai, de mestre e de

modelo, é, em realidade, o homem “acabado”, quer dizer, o homem que

mais nada tem a aprender, o homem completado. E quem reprime todos os

outros que não são “acabados” e “completados”.

Experimentemos o método a contrario. Dizer a alguém: “Tu não és

adulto” pode significar duas coisas: tu és uma criança, tu és infantil. Ora, as

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duas não têm a mesma importância e nem podem se endereçar ao mesmo

interlocutor. A primeira é a constatação de um fato; a segunda é uma

avaliação. Dizer a um homem que ele é infantil, é afirmar que ele não é o

que deveria ser e que uma expectativa legítima foi quebrada. Sem dúvida

o julgamento pode ser inexato; esse homem que eu trato como infantil não

o é, talvez, realmente; a coisa pode ser discutida. Mas o que não se discute

é o fato que a pessoa, não mais que a pessoa do outro, não quer ser taxada

de infantilismo; ninguém se reconhece voluntariamente nos traços que

definem esse termo: irrealismo, irresponsabilidade, impotência,

dependência e parasitarismo, faltam de humor. A partir desse consenso

negativo, mas bem real, pode-se definir, a contrario o adulto e o adulto

como valor, como finalidade do crescimento e da educação.

O método a contrario revela bem o valor. Eu me servi dele (cf. 1977)

para definir, partindo do doutrinamento, o que pode ser o ensino

verdadeiro, levando em consideração o contrário do doutrinamento. O

limite desse método é que ele se apóia sobre o consenso, implícito, mas

bem real, que é aquele de uma sociedade ou de uma cultura. Ora, nada nos

prova que o mesmo consenso se encontra dentro de outras sociedades ou de

outras culturas; nós vimos o exemplo, para o castigo do inocente. É

necessário completá-lo com o método histórico.

O MÉTODO DIALÉTICO

Contudo, o método que parece o mais apto a superar os impasses da

análise lógica e a estabelecer uma síntese no domínio dos fins da educação,

não seria a dialética? Este método, o mais utilizado, consciente ou

inconscientemente, pelos filósofos, parte das oposições de idéias ou de

teorias e mostra que cada conceito, pelo fato mesmo de suas insuficiências,

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nos remete ao seu contrário, e que suas oposições não podem ser superadas

senão por uma síntese qualitativamente diferente.

A dialética é utilizada, também, por não marxistas, como Dewey

como por marxistas como Snyders. Em toda a sua obra (notadamente a

editada em 1966), Dewey opôs aos conceitos de pedagogia tradicional,

como o crescimento natural a eficácia social, o interesse ao esforço, a

experiência ao pensamento abstrato, o jogo ao trabalho, as ciências às letras

e a formação profissional ao ensino humanista... Para mostrar que os dois

termos da oposição advêm, de cada vez, de uma perspectiva falsa, e que se

pode superar essa contradição por uma perspectiva mais englobante.

Assim, ele remete de um lado à pedagogia do prazer e do outro à do

esforço (cf. ed. 1967). Á primeira falta aprender a querer; abandona a

criança a sua dispersão e instabilidade, deixa-o desarmado diante das

experiências e provas da vida. A segunda, elogiando o esforço

“desinteressado”, faz real apelo, e sem o dizer, aos interesses bastante

baixos, como o temor do castigo ou do fracasso, o que continua a dividir o

eu do aluno, a mascarar sob uma disciplina totalmente exterior uma

anarquia profunda. As duas pedagogias repousam sobre o mesmo erro: a

idéia de que o trabalho escolar é uma tarefa exterior à criança, e que ela não

trabalhará, por conseguinte, senão sob a ameaça ou graças aos estímulos

artificiais, como a esperança de uma recompensa. As duas pedagogias

desconhecem a verdadeira natureza do interesse que, para além do esforço

ingrato como do prazer passivo, é a participação do eu inteiro no trabalho

que se deve realizar. Se o educador souber encontrar ocasião de suscitar

este interesse profundo, o fará se houver continuidade entre o eu da criança

e o objetivo do seu trabalho. Enquanto o interesse vier dele mesmo, o

prazer será o signo de uma atividade criativa e livre. É, finalmente, o

conceito de continuidade que, de acordo com Dewey, carrega todas as

contradições da pedagogia.

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Para Snyders, as contradições pedagógicas provêm, em última

análise da luta de classes (cf. 1973; 1976). A pedagogia tradicional não

pode mais responder às aspirações e às experiências dos alunos das classes

populares. Porém, a educação nova, outra que sacrifica os modelos e as

verdades indispensáveis ao ensino, funda-se sobre uma criatividade, uma

liberdade, uma cooperação, que não têm lugar na sociedade capitalista; ela

se condena, então, a não ser nada mais que um engodo. Para Snyders, essas

contradições poderiam ser ultrapassadas numa sociedade socialista, e que a

escola, se é realmente democrática, contribui, para preparar. Essa dialética,

Snyders a aplica, também e igualmente, aos problemas da família como aos

da escola.

Para o nosso problema do adulto, como se pode utilizá-la? Ao

contrário da concepção tradicional, que faz do adulto a causa motriz,

formal e final da educação, contesta-se, atualmente, o “adulto-padrão”

(Lapassade, 1963) por ser identificado ao conformismo, à repetição e à

esclerose que seriam os corolários da maturidade; por conseqüência, exalta-

se a adolescência permanente e inacabada.

Cada uma dessas duas posições é forte, sobretudo, por sua crítica a

outra. A tradicional continuidade como efeito a reprimir na criança, e, por

conseguinte, no homem, tudo que ele tem de livre, de criador,

paradoxalmente, o infantilizará para sempre. Mas a outra, refutando o

modelo adulto, leva ao mesmo resultado: os entes infantis, instáveis e

irresponsáveis; e nada mais fácil para os poderes instituídos que manipular

esses eternos adolescentes. A dialética, que quebra os conceitos fixos, os

retoma de um lado ao outro. O adulto “acabado” não é um fim da

educação; esta não tem sentido a menos que permita aos indivíduos não

parar de aprender, mas de tomar conta da sua própria aprendizagem. Mas

se fixar para sempre dentro da sua adolescência, é se fechar numa

caricatura; o adolescente como a criança, se caracteriza, antes de tudo, pelo

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desejo de crescer. Em resumo, nem os fósseis nem os infantes são adultos.

A verdadeira maturidade é uma necessidade de se superar sem parar, uma

juventude preservada.

Agora, é preciso escolher uma dialética idealista ou uma dialética

materialista? Eu penso, pela minha parte, que a dialética e sempre idealista,

no sentido de significar, afinal de contas, a introdução do espírito na

natureza. As oposições que denunciam os pensadores dialéticos são, sem

dúvida, bem reais, mas a síntese pela qual se pretende resolvê-las, não o é.

Que se tratasse de uma transformação de mentalidade, como o desejou

Dewey, ou de uma revolução, como espera Snyders, a síntese é sempre da

ordem da utopia. De resto, a utopia pode, por vezes, realizar-se, mais ou

menos bem. De tudo, interessa saber se se trata de uma utopia, não de um

resultado científico, logo, infalível.

Eu retomo agora os dois critérios enunciados no início, partindo do

segundo. Nossos cinco métodos são realmente filosóficos? Cada um, em

todo caso, pode colocar-se sob o patrocínio de um autêntico filósofo.

O método histórico foi utilizado desde Aristóteles cujo pensamento

caminha a partir de verdades e de erros, dos seus predecessores. O Método

reflexivo encontra o seu modelo acabado na crítica kantiana. A análise

lógica remonta à Sócrates e igualmente o método a contrario. Para a

dialética, não há necessidade de insistir.

Quanto ao primeiro critério, era que esses métodos fossem bem

distintos. Não somente eles são, mas eu penso mesmo que o são em

demasia. Porque é difícil de discernir sua unidade profunda, e mesmo de

saber qual utilizar em determinado caso. Em conclusão desse estudo, eu

tenho o sentimento de ter trazido um tipo de caixa com instrumentos,

deixando que cada um os tire a seu modo. Em suma, contribui menos a

uma construção que a uma bricolagem...

Page 17: OS MÉTODOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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Agora, si admitirmos com Heidegger que das denken ist ein

handwerk, que o pensamento filosófico não pode ser mais que artesanal,

não é necessário se resignar a essa pluralidade de métodos? Se a escolha de

um método é sempre uma escolha filosófica, a pluralidade dos métodos

decorre do pluralismo filosófico. Eu não vejo outra alternativa ao

dogmatismo.

Obras utilizadas

DEWEY, J. Democracy & Education, Toronto,

1964.Collier-Macmillian.

DEWEY, J. L’école et l’enfant,

1967. Celachaux.

FREUD, S. Cinq leçons sur la psychanalyse.

Ed. 1966. Payot.

HAMELINE, D. Les objetives pédagogiques,

1979, E.S.F.

HIRST, P.H.; PETERS, R.S. The logik of education,

Londres, 1970. Routledge & Kegan Paul.

KANT, E. Le philosophie de l’histoire, ed. 1947,

Aubier Montaigne.

KNELLER, G. Introduction to philosophy of education.

New-York. Wiley.

RECOUL, O. L’endoctrinement,

1977, PUF.

SCHEFFLER, L. The language of education.

Spring-fields, 1960. Thomas.

SNYDERS, G. Pédagogie progressive.

1973, PUF.

Page 18: OS MÉTODOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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SNYDERS, G. Où vont les pedagogies non directrives?

1973, PUF.

WECHSLER, The measurement of adult intelligence.

Baltimore, 1994.

WILSON, J. et al. Introduction to moral Education,

1967, Penguin Books.