802
1 Índice Agradecimentos 3 Abstract 4 Introdução 6 Biografia 17 I Parte Ezequiel de Campos e o arquipélago de S.Tomé 42 Saneamento da Cidade de S.Tomé (1900) 57 O Abandono das Obras Públicas de S.Tomé (1903) 84 A Viação de S.Tomé (1904) 114 Caminho-de-ferro do norte da ilha de S.Tomé (1907) 160 De regresso à Metrópole. Ainda S.Tomé e Príncipe e não só (1907-1908) 176 De novo em S.Tomé (1908) 193 A Luta 205 O Africano 218 A I República e o arquipélago de S.Tomé Os antecedentes da Implantação (1910) 260 Os “novos velhos” governantes (Outubro de 1910 a Maio de 1911) 271 Ezequiel de Campos e a I República em S.Tomé e Príncipe 291 Melhoramentos Públicos na ilha de S.Tomé (1910) 300 II Parte Ezequiel de Campos e a I República (1910-1919) O regresso à metrópole; o republicanismo ezequieliano (1911) 338

Os “novos velhos” governantes (Outubro de 1910 a Maio ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4469/2/ulsd61357_td_tese.pdf · Biografia 17 I Parte Ezequiel de ... Ezequiel de Campos

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    ndice

    Agradecimentos 3

    Abstract 4

    Introduo 6

    Biografia 17

    I Parte

    Ezequiel de Campos e o arquiplago de S.Tom 42

    Saneamento da Cidade de S.Tom (1900) 57

    O Abandono das Obras Pblicas de S.Tom (1903) 84

    A Viao de S.Tom (1904) 114

    Caminho-de-ferro do norte da ilha de S.Tom (1907) 160

    De regresso Metrpole. Ainda S.Tom e Prncipe e no s (1907-1908) 176

    De novo em S.Tom (1908) 193

    A Luta 205

    O Africano 218

    A I Repblica e o arquiplago de S.Tom

    Os antecedentes da Implantao (1910) 260

    Os novos velhos governantes (Outubro de 1910 a Maio de 1911) 271

    Ezequiel de Campos e a I Repblica em S.Tom e Prncipe 291

    Melhoramentos Pblicos na ilha de S.Tom (1910) 300

    II Parte Ezequiel de Campos e a I Repblica (1910-1919)

    O regresso metrpole; o republicanismo ezequieliano (1911) 338

  • 2

    O Constituinte 352

    O projecto de lei sobre os incultos 400

    Na Cmara dos Deputados (1911-1914)

    O entendimento das funes parlamentares e a relao com o crculo eleitoral 473

    O Estado e o Fomento 490

    essa a minha aspirao, o crescimento econmico e as infra-estruturas 548

    Plano de Fomento Nacional 565

    A utilizao da nossa terra e dos nossos recursos mineiros 590

    a crise actual demogrfica 602

    A Primeira Guerra Mundial de Ezequiel de Campos 644

    Ainda a Grande Guerra 703

    A guerra depois da Guerra 727

    Concluso 739

    Anexos 751

    Bibliografia 767

  • 3

    Agradecimentos

    O trabalho ora apresentado resultou de uma investigao desenvolvida por oito (longos)

    anos durante os quais beneficiei do estmulo e apoio constantes e bem assim do juzo

    esclarecido do meu orientador, o Sr. Professor Doutor Antnio Ventura, a quem deixo

    testemunho do meu agradecimento.

    Cabe-me agradecer ao meu orientador ainda a iniciativa de me proporcionar a co-

    orientao do Sr. Professor Doutor Joo Carlos Graa que, em boa hora, acedeu

    acompanhar este projecto.

    Ao Sr. Professor Doutor Joo Carlos Graa, agradeo a disponibilidade manifesta neste

    tempo, a ateno, os conselhos e as sugestes.

  • 4

    Abstract

    O iderio republicano de Ezequiel de Campos 1900-1919

    The present study examines the process of formation of Ezequiels thought inte

    the period described, in close connection with his professional career. For this reason, is

    divided into two parts. The first is dedicated to Ezequiels perspectives on S.Tom e

    Prncipe. This study presents the ideas developed by the author on the cocoa economy

    of the islands, but also the characteristics of the society; the population of the islands,

    their activity, livings conditions on the territory.

    These aspects lead the author on the characterization of a development model

    based on decentralization and financial management but also the adoption of a transport

    network to improve the economic performance of the islands and reduce the cost of

    cocoa produced in S.Tom. These ideas were followed by a structural change in

    agriculture, industrial and social development in the province, aimed to produt

    diverfication, development of industries and increase peoples skills.

    The second part examines the economic and social concepts developed by

    Ezequiel de Campos after the established the republican regime in Portugal. In

    particular, analyses the contributions of the author to the Portuguese agrarian

    restructuring, the development of the industry, energy problems, the implementation of

    land transport network and equipping the countrys ports. It also explains the impact of

    First World War in the authors thought. The possibilities of economic growth

    associated with the conflict or, alternatively, the scenario of national bankruptcy and the

    end of republican regime in Portugal.

    Key Words:

    Economy growth, Portuguese agrarian restructuring, I Repblica

    Palavras Chave:

    desenvolvimento econmico, reestruturao agrria, I Repblica

  • 5

  • 6

    O iderio republicano de Ezequiel de Campos

    (1900-1919)

    Introduo

    O contributo de Ezequiel de Campos no pensamento econmico portugus j era

    evidente aos olhos dos seus contemporneos1, uma dimenso posteriormente

    confirmada pela historiografia neste domnio2. No mbito das problemticas em torno

    1 Reportamo-nos s apreciaes de autores com quem Ezequiel de Campos se haveria de defrontar no decurso do perodo estudado como Toms Cabreira, Dirio do Senado, sesso n 44, 26 de Fevereiro de

    1912, p.10; Anselmo de Andrade, Portugal Econmico. Teorias e Factos. Nova edio em dois tomos, I

    Economia Descritiva, Coimbra, F.Frana Amado Editor, 1918. Tambm Bento Carqueja, com quem o

    autor no polemizou; Economia Poltica. Tomo I (Noes Gerais Histria), Tomo II, (a produo),

    Tomo III (moeda e crdito), Tomo IV (comrcio, propriedade, impostos), Tomo V (questes sociais),

    Porto, Of. do Comrcio do Porto, 1926. Ou ainda ao testemunho esclarecedor dos que, com o autor,

    partilharam as mesmas inquietaes acerca da realidade e problemas nacionais. Nas palavras de Antnio

    Srgio, o meu grande companheiro de pregao poltica foi, por esse tempo, Ezequiel de Campos.

    Ambos dirigamos a nossa ateno para os problemas da economia nacional. A poltica, para ele e para

    mim, referia-se sobretudo ao viver positivo, aos interesses do nosso Povo; muito mais do que ao Estado e

    s instituies do Governo. Nos assuntos que nos pareciam realmente bsicos, ele via de preferncia as facetas tcnicas de engenharia mecnica e de agronomia; e eu, sem embargo de atribuir importncia

    mxima a tais aspectos propriamente tcnicos, encarava sobretudo a faceta humana, a intabilidade dos

    fenmenos no seu complexo social, como era prprio de um pedagogista e de um poltico-socilogo,

    ligando a educao s fainas econmicas e buscando a justia. Jaime Corteso Raul Proena. Catlogo,

    coord. por Jacinto Baptista, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1985, pp. 54-55. A proximidade no impedia a

    referncia ao autor na Antologia dos Economistas Portugueses, editada em 1924. Contudo, no reunia o

    unanimismo, conforme se depreende das opes de Moses Amzalak em no incluir Ezequiel de Campos

    no seu Do Estudo e da Evoluo das Doutrinas Econmicas em Portugal, Revista do Instituto Superior

    de Comrcio de Lisboa, Lisboa, Ano XI, Abril de 1928, vol. XIX. 2 Na perspectiva de Jorge Borges de Macedo, Ezequiel de Campos era considerado um dos idelogos da

    Repblica e um dos economistas mais ligados ao republicanismo, no tanto aos partidos, semelhana de Baslio Teles. A ambos reconhecia um denominador comum, a defesa do fomento traduzido no

    aumento da produo agrcola pela valorizao do solo, melhor irrigao, adubos, sementes, etc e, a

    Ezequiel de Campos, uma aguda conscincia do papel da energia elctrica. Jorge Borges de Macedo,

    A problemtica tecnolgica no processo de continuidade Repblica Ditadura Militar Estado Novo,

    Economia, separata do vol. III, n 3, Outubro de 1979, pp. 433-434. Jos Lus Cardoso no hesitava em

    incluir as publicaes do autor em Pensamento Econmico (1750-1960). Fontes documentais e roteiro

    bibliogrfico, Lisboa, CISEP, 1998. Ezequiel de Campos seria igualmente objecto de anlise de Antnio

    Almodovar no Dicionrio Histrico de Economistas Portugueses, (coord. por Jos Lus Cardoso, Lisboa,

    Temas e Debates, 2001, pp. 69-72) onde surgia como representativo da tradio que remonta aos finais

  • 7

    da agricultura nacional, em particular a difcil relao entre produtividade agrcola e as

    prticas culturais ou o enquadramento agrrio, destacava-se como uma referncia quase

    obrigatria, desde a dcada de 20 do sculo passado, fruto da interveno multifacetada

    do autor neste tema3. Deste elenco j de si expressivo, mas alis incompleto, cabe

    do sc. XVIII, quando a Academia das Cincias de Lisboa se esforou por fornecer aos protagonistas da

    vida econmica uma base mais slida, fundada no conhecimento detalhado das efectivas potencialidades

    dos recursos naturais; no primeiro caso, o desempenho de Ezequiel de Campos em S.Tom e Prncipe ou

    na Cmara dos Deputados no sugere ateno particular; no segundo, a anlise incide num perodo

    posterior a 1918. Ou ainda em Pedro Calafate e Jos Lus Cardoso, Portugal como Problema, VI vol.,

    Lisboa, Fundao Luso-Americana, 2006. Comummente retratado como neofisiocrata, conforme a

    designao adoptada por Fernando Rosas, na esteira de Lino Neto partilhada pelos autores mencionados

    assim como por Rui Santos, A nuvem por Juno? O tema da fisiocracia na historiografia do pensamento

    econmico portugus, Anlise Social, vol. XXVIII, 1993, pp. 423-443, entre outros no deixou de ser particularizado no mbito do neofisiocratismo por Luciano Amaral ao evoluir do denominador genrico

    abrangente a outros autores (conforme a ideia de continuidade, sem actualizao, entre a aco

    doutrinria e poltica de Baslio Teles, Lino Neto, Oliveira Salazar e Oliveira Martins, Luciano Amaral,

    O Pas dos Caminhos que se bifurcam. Poltica agrria e evoluo da agricultura portuguesa durante o

    Estado Novo, 1930-1954. Dissertao de Mestrado, Lisboa, FSCH da Universidade Nova de Lisboa,

    1993, p. 29) para uma imagem enfatizada de Ezequiel de Campos, caracterizado como o mais importante

    e o mais consequente dos autores que, com inspirao em Oliveira Martins, defenderem a reforma agrria

    em Portugal. Idem, Ezequiel de Campos, in Dicionrio de Histria do Estado Novo, coord. por

    Fernando Rosas e J. M. Brando de Brito, I vol., Venda Nova, Crculo de Leitores, 1996, p. 117.

    Contudo, o autor suscita, no raras vezes apreciaes desencontradas, concluso extrada do confronto

    entre as posies Abel Mateus, A Tecnologia, Histria Econmica de Portugal 1700-2000. O Sculo

    XX, vol. III, org. por lvaro Ferreira da Silva e Pedro Lains, Lisboa, ICS, 2005, p. 132 (Embora a energia elctrica tivesse sido introduzida em Portugal nas ltimas dcadas do sc. XIX [] foi s na

    segunda dcada que se acelerou o seu uso, de todas as todas, incipiente. Graas ao esforo de Ezequiel de

    Campos, entre outros, em 1917, j se encontravam instaladas 39 centrais trmicas, a maioria das quais

    termoelctricas com uma produo anual de 18 milhes de kW, destinando-se metade indstria

    qumica), e Joo Martins Pereira, Para a Histria da Indstria em Portugal 1941-1965. Adubos

    azotados e siderurgia, Lisboa, ICS, 2005, p. 230 (Este ensasta [Ezequiel de Campos], cuja obra lhe d

    um incontestvel lugar na histria das ideias no o tem, no mesmo ttulo, na histria da indstria). 3 Eduardo Correia Barros, Escoros de Economia Rural. A Propriedade portuguesa. O Cadastro como

    base da sua reoganizao tributria, econmica e jurdica. O cadastro e a contribuio predial, Porto,

    Tip. do Porto Mdico, 1914; Fernando Emydgio da Silva, Emigrao Portuguesa, Lisboa, Tip. Universal,

    1917, Jos Pequito Rebelo, O Mtodo Integral, Lisboa, Tip. A Editora, 1918, Idem, A Cartilha do Lavrador, Lisboa, Ferin, 1921; As Falsas Ideias Claras em Economia Agrria, Lisboa, Nao

    Portuguesa, 1926 e O Desastre das Reformas Agrrias, Coimbra, Coimbra Editora, 1931 onde firmava

    a sua discordncia com as propostas de reestruturao fundiria de Ezequiel de Campos Nuno de

    Gusmo, Breves Consideraes sobre o Ensino Popular da Agricultura. Dissertao Inaugural do Curso

    de Engenheiro Agrnomo, apresentada ao Conselho Escolar do Instituto Superior de Agronomia, Lisboa,

    Empresa de Publicidade Agrcola, 1923, Andr Navarro, Algumas consideraes sobre a crise

    cerealfera, Agros, II srie, 1 ano, n 3, Abril de 1925, pp. 57-63, Mrio de Castro, Terra da Promisso.

    Linha geral de um pensamento agrrio, Lisboa, Tip. de A Seara Nova, 1932; Eugnio Castro Caldas,

    Formas de Explorao da Propriedade Rstica, Lisboa, S da Costa, 1947; Idem, A Modernizao da

    Agricultura, Lisboa, S da Costa, 1960; Idem, A Agricultura Portuguesa atravs dos Tempos, Lisboa,

    Instituto Nacional de Investigao Cientfica, 1991; Henrique de Barros, Sobre o Conceito de Reforma Agrria, Porto, Tip. Leixes, 1950, Verglio Moreira, Ezequiel de Campos e os nossos problemas

    econmicos fundamentais (a propsito do seu 80 aniversrio), Portucale, n 3, 1955, pp. 166-171,

    lvaro Cunhal, A Questo Agrria em Portugal, Rio de Janeiro, Civilizao Editora, 1968, Manuel

    Villaverde Cabral, Materiais para a Histria da Questo Agrria em Portugal sculos XIX e XX, Porto,

    Inova, 1974; Antnio Ventura, Subsdios para a Histria do Movimento Sindical Rural no Alto Alentejo

    (1910-1914), Lisboa, Seara Nova, 1976; Antnio Telo, O Sidonismo e o Movimento Operrio Portugus,

    Lisboa, 1977; Jos Pacheco Pereira, Conflitos Sociais nos Campos do Sul de Portugal, PEA, 1983; Vitor

    de S, Projectos de reforma agrria na I Repblica, Anlise Social, vol. XIX, n 77, 78 e 79, 1983, pp.

    591-610, Miriam Halpern Pereira, Das Revolues Liberais ao Estado Novo, Lisboa, Presena, 1994, Jos

  • 8

    salientar a perspectiva de A. H. de Oliveira Marques sobre a questo cerealfera e, por

    extenso, acerca da estrutura agrria portuguesa, tema onde o desempenho de Ezequiel

    de Campos suscitava anlise particular4. De resto, a ateno de Oliveira Marques pelas

    obras de Ezequiel de Campos estendia-se a outros aspectos como a evoluo

    demogrfica portuguesa, o problema energtico5 e o desenvolvimento da indstria

    6.

    Ainda no mbito cronolgico em apreo, a I Repblica, sublinhe-se a abordagem

    apresentada nos trabalhos de Maria Fernanda Rollo acerca da interveno de Ezequiel

    de Campos na implantao da indstria siderrgica em Portugal7, ou das

    potencialidades de crescimento econmico do pas nos anos anteriores Grande

    Guerra8; mas tambm do impacto do conflito mundial nas estruturas econmicas

    portuguesas e nos modelos em discusso no ps guerra9, como da projeco da

    engenharia portuguesa desde os primrdios do sc. XX, um aspecto em que Ezequiel de

    Campos merece uma anlise onde se entrecruzam as competncias tcnicas e as

    prestaes, pblicas e polticas, do autor10

    .

    M. Amado Mendes, Portugal Agrcola ou industrial? Contornos de uma polmica e suas repercusses no

    desenvolvimento (scs XIX-XX), Histria Memria Nao. Revista de Histria das Ideias, vol. XVIII,

    Coimbra, Instituto de Histria e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1996, pp. 187-230 ou Maria Antnia Almeida, A Reforma Agrria em Avis: Elites e Mudana num

    concelho alentejano (1974-1977). Tese de doutoramento, Lisboa, ISCTE, 2004, entre outros. 4 A. H. de Oliveira Marques, Introduo Histria da Agricultura em Portugal. A questo Cerealfera

    durante a Idade Mdia, Lisboa, Edio Cosmos, 1968; Idem, Histria da I Repblica Portuguesa: As

    Estruturas de Base, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1978. 5 Posteriormente, o empenho de Ezequiel de Campos neste domnio temtico e mbito temporal suscitou

    os trabalhos de Ana Cardoso de Matos, O Porto e a Electricidade, Lisboa, EDP, 2003 e A Electricidade

    em Portugal. Dos primrdios at 2 Guerra Mundial, Lisboa, EDP, 2004. Ou Nuno Lus Madureira, A

    Histria da Energia, Lisboa Horizonte, 2005. Mas tambm Manuel Vaz Guedes, Ezequiel de Campos e

    o Conceito de Rede Elctrica Nacional, 3 Encontro Nacional do Colgio de Engenharia Electrotcnica,

    Electricidade, n 355-364, Dezembro de 1997. 6 Considerava O Enquadramento Geo-Econmico da Populao Portuguesa, o estudo mais notvel (de

    conjunto) ainda que resumido, sobre a evoluo e distribuio da populao portuguesa, A. H. de

    Oliveira Marques, Guia de Histria da I Repblica Portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1981. A

    mesma orientao era evidenciada nos trabalhos de Joel Serro (A Emigrao Portuguesa. Sondagem

    Histrica, Lisboa, Livros Horizonte, 1972) e Miriam Halpern Pereira (Diversidades e Assimetrias

    Regionais. Portugal nos scs XIX e XX, Lisboa, ICS, 2001; Poltica Portuguesa de Emigrao (1850-

    1930), Lisboa, Instituto Cames, 2002) sobre o fenmeno migratrio portugus na segunda metade do

    sc. XIX e primeiras dcadas do sc. XX, embora menos enfatizada. Ainda sobre a indstria, Manuel

    Ferreira Rodrigues e Jos M. Amado Mendes, Histria da Indstria Portuguesa. Da Idade Mdia aos

    nossos dias, Mem Martins, Publicaes Europa-Amrica, 1999. 7 Maria Fernanda Rollo (coord.), Memrias da Siderurgia. Contribuies para a Histria da indstria Siderrgica em Portugal, Seixal, ed. de Histria e Cmara Municipal do Seixal, 2005. 8 Idem, Da insustentabilidade do modelo crise do sistema, Histria da Primeira Repblica

    Portuguesa, coord. por Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, Lisboa, Tinta da China, 2009. 9 Idem, Paradigmas frustrados: perseguio e fuga da modernidade e do progresso, Ibidem; Idem,

    Economia e Inovao: derivaes em cenrio de crise, Ibidem. 10 Idem, Percursos Cruzados, Engenho e Obra. Momentos da Inovao e da Engenharia em Portugal

    no sc. XX, coord. por J. M. Brando de Brito, Manuel Heitor e Maria Fernanda Rollo, Lisboa, Dom

    Quixote, 2004. Nesse sentido, o trabalho supramencionado contribui para consubstanciar a investigao

    de Maria Paula Diogo acerca da afirmao profissional da engenharia civil em Portugal enquanto

  • 9

    Essas, tambm reconhecidas nos trabalhos de Fernando Rosas, cediam espao

    sistematizao do pensamento econmico subjacente s propostas ezequielianas

    formuladas entre os anos de 1918 e 194411

    , contextualizadas essas num horizonte

    alargado, o do chamado neofisiocratismo portugus, concebido pelo historiador como

    tendncia inaugurada sob os auspcios da proposta de Fomento Rural de Oliveira

    Martins, apresentada em 1887 e cultivada por autores como Baslio Teles, Antnio Lino

    Neto, Ezequiel de Campos, E. Lima Bastos, Mrio de Azevedo Gomes, Antnio de

    Oliveira Salazar e Henrique de Barros, no perodo anterior ao Estado Novo12

    . Neste

    sentido, Fernando Rosas encontrava uma matriz martiniana dos trabalhos de Ezequiel de

    Campos traduzida em quatro aspectos fundamentais a saber, o regenadorismo, o

    produtivismo antiparasitrio e antiplutocrtico, o nacionalismo econmico e o

    autoritarismo poltico13

    , determinantes para a caracterizao do autor como figura

    representativa da direita das realizaes14

    .

    Todavia, tambm o tema do desenvolvimento santomense no incio do sc. XX e

    o desenvolvimento urbanstico da cidade do Porto sobrevieram como reas de

    interveno preferencial do autor. Esta multiplicidade explica-se, em larga medida, pela

    vivncia longa do autor, inscrita num perodo longo de mudanas sucessivas operadas

    no sistema poltico e institucional portugus, acompanhadas de profunda instabilidade

    econmico e social. Todavia, a circunstncia de haver atravessado quatro regimes

    polticos e de em cada um desses contextos se haver revelado, invariavelmente, um

    processo prvio e prenunciador da ascendncia poltica futura no Estado Novo. A Construo de uma

    Identidade Nacional. A Associao dos Engenheiros Civis Portugueses 1869-1937. Dissertao

    apresentada para a obteno do grau de Doutor, no ramo de Histria e Filosofia das Cincias, especialidade de Epistemologia das Cincias pela Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Faculdade de

    Cincias e Tecnologia, 1994. Sobre essa matria, vejam-se os trabalhos de J. M. Brando de Brito, em

    particular, Os engenheiros e o pensamento econmico do Estado Novo, in Contribuies para a

    Histria do Pensamento Econmico do Estado Novo, Lisboa, Dom Quixote, 1988. A charneira entre I

    Repblica e o Estado Novo surge enfatizada nos trabalhos de Antnio Telo, Decadncia e Queda da I

    Repblica Portuguesa, 2 vols, Lisboa, A Regra do Jogo, 1986 e Nuno Lus Madureira, A Economia dos

    Interesses. Portugal entre as Guerras, Lisboa, Livros Horizonte, 2005. 11 Ezequiel de Campos, Textos de Economia e Poltica Agrria e Indstria, 1918-1944. Coleco de

    Obras Clssicas do Pensamento Portugus, org. e introd. de Fernando Rosas, Lisboa, Banco de Portugal,

    1998. 12 Segundo Fernando Rosas, o quadro poltico instaurado pela Constituio de 1933 reflectia-se na afirmao de novos protagonistas como Rafael Duque, Mrio Pereira e Eugnio Castro Caldas. Fernando

    Rosas, O Pensamento Reformista Agrrio no sculo XX em Portugal: elementos para o seu estudo,

    Salazarismo e fomento econmico. O primado do poltico na histria econmica do Estado Novo, Lisboa,

    Editorial Notcias, 2000, p. 157. 13 Ezequiel de Campos, Textos de Economia e Poltica Agrria e Indstria, 1918-1944. Coleco de

    Obras Clssicas do Pensamento Portugus, org. e introd. de Fernando Rosas, Lisboa, Banco de Portugal,

    1998, p. XXI.S 14 Idem, p. XIII; Idem, Portugal sc. XX (1890-1976): pensamento e aco poltica, Lisboa, Editorial

    Notcias, 2004.

  • 10

    observador atento da realidade e necessidades nacionais, no comporta necessariamente

    uma dimenso perdurvel intrnseca obra de Ezequiel de Campos.

    Esta durabilidade resulta menos da longevidade aprecivel do autor, a mesma

    que lhe facultou a possibilidade de ter acompanhado o final da monarquia constitucional

    e de haver, numa esfera limitada, contribudo para o efeito; testemunhado a implantao

    da repblica e concorrido para a formao do novo estado enquanto deputado e

    publicista; reivindicado uma reforma e/ou refundao das instituies polticas atravs

    de uma Revoluo Nacional, no decurso da Grande Guerra, mas ainda assim ter

    integrado o elenco governativo de Jos Domingues dos Santos e assumido

    responsabilidade governativa na pasta da agricultura; exortar, antes e depois da

    experincia ministerial, o concurso mobilizador e determinante das elites nacionais no

    processo governativo; ter enjeitado a possibilidade de agir no mbito da Ditadura

    Militar, mas anuir finalmente ao ingresso da cmara corporativa, rgo onde

    desenvolveu actividade nas trs dcadas subsequentes. Antes constitui o resultado de

    uma persistncia inquebrantvel, por exercida no decurso de sessenta dcadas do sc.

    XX, na identificao das causas do subdesenvolvimento portugus em finais de

    Oitocentos, bem como do arrojo das solues preconizadas para erradicar os

    desequilbrios estruturais tidos por responsveis pelo desfasamento matricial, mantidos

    pelos ritmos de crescimento da economia portuguesa quando comparados com os

    congneres europeus.

    Todavia, o exerccio de reconstituio do pensamento e anlise dos trabalhos de

    Ezequiel de Campos tendeu a acompanhar momentos significativos e temticas

    especficas, por marcantes deste percurso prolixo, maioritariamente subsidirios e

    correspondentes com a fase de maior notoriedade na interveno pblica do autor, esta

    ltima convergente com as dcadas de 20 a 50 do sculo XX.

    Assim, a dissertao apresentada reporta-se a um mbito cronolgico anterior,

    uma opo devida ao propsito de caracterizar a matriz estruturante do iderio do autor,

    cujas convices republicanas, prvias implantao da Repblica, pareciam firmadas

    em incios de Novecentos. No mesmo passo, visou-se explicitar os factores

    determinantes para as orientaes constantes do pensamento ezequieliano, as

    metodologias e os suportes de anlise escrutinados pelo engenheiro civil e de minas no

    diagnstico dos problemas nacionais, assim como as fontes de influncia presentes nos

    seus trabalhos. Bem assim, procurou-se ainda esclarecer a evoluo dos mesmos, tendo

    em vista, por um lado, o exerccio de ajustamento conjuntural das prioridades exercido

  • 11

    pelo autor particularmente visvel no decurso do desempenho parlamentar e a

    propsito desse e, por outro, as mudanas substantivas operadas no seu entendimento

    sobre a realidade e os problemas nacionais, surgidas no mbito da Grande Guerra e em

    funo do impacto deste conflito na sociedade portuguesa e no regime republicano.

    O cumprimento destes objectivos determinou uma estrutura interna bipartida do

    trabalho, em observncia de critrios induzidos pela actividade de Ezequiel de Campos

    como a natureza das funes exercidas, o mbito geogrfico deste exerccio, a

    interveno pblica desenvolvida e o contributo da experincia adquirida na formulao

    do iderio em anlise. A aplicao dos parmetros supramencionados explica a

    necessidade de dedicar a primeira parte ao desempenho de Ezequiel de Campos no

    arquiplago de S.Tom e Prncipe, delimitado pelo mbito cronolgico da sua presena

    nas ilhas do Golfo da Guin, a saber entre Julho de 1899 e Maio de 1911. Com recurso

    a fontes institucionais, impressas e manuscritas, complementadas com outras como a

    imprensa peridica, os testemunhos deixados por congneres no territrio e outras

    figuras tambm suas contemporneas nesse espao, procuramos reconstituir o trajecto

    profissional do autor, com nfase para o retratado deixado sobre as dificuldades

    estruturais e a conjuntura econmica e social das ilhas no princpio do sculo passado.

    Na esteira deste exerccio, importa-nos recuperar os esforos sucessivos de

    sistematizao utilizados pelo ento engenheiro da Repartio das Obras Pblicas da

    provncia para minorar os obstculos expanso do sector primrio santomense e, em

    simultneo, proceder correco paulatina das suas fragilidades.

    Assim, d-se conta das ideias fundamentais do autor constantes do relatrio

    sobre o Saneamento da Cidade de S. Tom, elaborado em 1900, e das solues a

    insertas com o propsito de reduzir a insalubridade da capital insular e, por extenso,

    diminuir de forma expressiva uma das causas de mortalidade mais comum a africanos e

    europeus residentes na provncia. Todavia, tambm se explicitam os motivos, no

    despiciendos, do pedido de exonerao apresentado pelo autor em 1902 e as

    consequncias do facto no percurso do autor, em vista de uma permanncia insular

    tornada visvel no espao metropolitano atravs da participao, mais ou menos assdua,

    na imprensa lisboeta. Nessa, recolhemos o esboo de um modelo de crescimento

    econmico para as ilhas do cacau, denominao justamente refutada pelo autor em

    funo de um exclusivismo considerado potencialmente lesivo do desenvolvimento

    sustentvel das mesmas.

  • 12

    Em alternativa, dedicava-se ao exerccio demonstrativo das potencialidades

    santomenses, onde o cacau cumpria um papel indispensvel, entre outros gneros de

    igual ou valia aproximada no mercado externo. No entanto, ao esforo de diversificao

    da oferta produzida no arquiplago, o autor aduzia a necessidade de reduo dos custos

    associadas produo insular atravs do decrscimo das despesas com os transportes de

    mercadorias, ideias defendidas nos anos nos anos subsequentes, uma tese onde se

    evidenciava uma concepo de Estado cuja construo gradual acompanhamos neste

    trabalho. Este, por seu turno, visa salientar a correlao estreita entre a conjuntura

    econmica e social da poca e a consolidao do iderio republicano de Ezequiel de

    Campos nesse perodo, atestvel na natureza e objecto do discurso crtico dirigido

    monarquia constitucional perante a falncia do projecto colonial portugus e o

    desconhecimento das suas repercusses em tempos de rivalidade crescente, travada por

    potncias cujas caractersticas de fora enfatizava em contraponto s fragilidades

    portuguesas.

    A perspectiva ezequieliana de mudana drstica do quadro supramencionado

    associada substituio de regime, o mago das suas convices polticas bem como a

    presena do autor em S. Tom e Prncipe aquando da proclamao da Repblica em

    Lisboa, tornavam pertinente compreender os antecedentes da transio no arquiplago e

    a relevncia da provncia para o Partido Republicano Portugus no perodo

    imediatamente anterior ao 5 de Outubro. Ainda nesta linha, procurmos determinar a

    forma como o novo regime foi recebido no arquiplago santomense, uma anlise

    extensvel aos primeiros, e traumticos, meses do ano seguinte. Estes aspectos

    permitiram, por um lado, caracterizar a reaco primria veiculada por Ezequiel de

    Campos s alteraes verificadas na capital metropolitana e, por outro, explicar os seus

    fundamentos. Estes ditavam um protagonismo assumido pelo autor entre os meses de

    Dezembro de 1910 e Maio de 1911, temtica que se aborda na concluso da primeira

    parte da dissertao.

    A segunda parte do mesmo abrange o mbito cronolgico correspondente ao

    desempenho ezequieliano na Assembleia Nacional Constituinte (Junho a Agosto de

    1911), na Cmara dos Deputados (Agosto de 1911 a Maio de 1914) e em face da

    Primeira Guerra Mundial. No primeiro caso, este trabalho pretende apresentar as linhas

    gerais da interveno institucional do autor e complement-la com o publicismo do

    mesmo exercido nos peridicos de Lisboa e do crculo eleitoral responsvel pelo seu

    ingresso no poder legislativo, a Pvoa de Varzim. Os objectivos desta anlise consistem

  • 13

    na caracterizao do contributo oferecido pelo autor neste contexto, atravs do

    entendimento acerca da conjuntura econmica e social da poca como das suas

    perspectivas sobre a resoluo imediata dos aspectos prioritrios e as metodologias a

    implementar para alcanar tal desiderato, conforme o projecto de lei apresentado em

    Julho de 1911.

    Este projecto, embora no constitusse a primeira iniciativa do autor no domnio

    da reestruturao agrria do solo nacional (se consideradas as propostas deixadas no

    contexto santomense sobre a mesma temtica), detinha uma feio matricial no iderio

    republicano do autor que, sem reservas, compelia o novo regime a tornar extensvel a

    mudana revolucionria aos domnios agrrio e agrcola portugueses, uma exigncia

    ditada pelos legados da monarquia constitucional, o subdesenvolvimento dos sectores

    primrio e secundrio, o analfabetismo, o xodo rural e o surto migratrio

    inquebrantvel desde a dcada de sessenta do sc. XIX. No entanto, tratava-se de um

    imperativo deixado pelos propsitos da propaganda republicana no perodo anterior

    implantao da Repblica e dos contedos programticos estabelecidos em Janeiro de

    1891, cuja importncia se procura determinar. Esta iniciativa ocorreu no contexto dos

    debates travados em torno da relao entre produtividade agrcola e estrutura agrria,

    debates com uma influncia em crescendo a partir dos anos 80 de Oitocentos, cujas

    influncias no modelo apresentado pelo autor se procura estabelecer. Decerto, o

    apuramento em apreo implicava revisitar um universo que, em 1911, Ezequiel de

    Campos refutava como basilar dos seus trabalhos, com excepo dos elaborados por

    publicistas republicanos. Verssimo de Almeida e Baslio Teles configuravam os

    exemplos ilustrativos da selectividade ezequieliana, mais aparente do que efectiva

    quando confrontados os conceitos e/ou os mecanismos aduzidos para promover a

    redistribuio da superfcie arvel inculta na metrpole. O recurso a esses conceitos

    e/ou mecanismos reporta ao enquadramento do autor num movimento antecedente,

    perpetuado no imediato por Ezequiel de Campos, um dos cultores da transposio do

    mesmo tema para o mbito das instituies republicanas.

    Desta feita, interessam-nos tambm a anlise das diferenas subjacentes ao

    procedimento e opes dos vrios interlocutores no dilogo entabulado por Ezequiel de

    Campos na Assembleia Nacional Constituinte e mantido no decurso da sua prestao

    Cmara dos Deputados, onde a notoriedade do autor avolumava neste domnio com

    sucessivas abordagens temtica, analisadas no segundo captulo. Neste, procura-se

    igualmente proceder caracterizao global do desempenho parlamentar de Ezequiel de

  • 14

    Campos, tendo em conta as propostas de lei apresentadas e os recursos aplicados na

    divulgao das mesmas; mas tambm esclarecer os mbitos temticos das intervenes

    proferidas na cmara, o seu teor e circunstncias subjacentes, um exerccio que, por um

    lado, explicita a relao do autor com a estrutura partidria em formao no perodo em

    apreo, como propicia a compreenso dos factores determinantes do desfecho,

    comummente desfavorvel, das iniciativas legislativas da sua lavra. Todavia, nem a

    todas isso se aplica, razo pela qual importaria apurar os motivos de a sano

    parlamentar no corresponder, como efectivamente ocorreu, no implementao do

    projecto de lei sobre os incultos, segundo uma verso mitigada proposta pelo autor em

    1912.

    As respostas a este problema, bem como inoperncia generalizada em torno

    das questes consideradas fundamentais para o autor, tendem a assumir uma feio

    eminentemente partidria no discurso ezequieliano, no isento do processo de

    reconstruo do passado prximo ainda durante a vigncia do regime republicano; e esta

    ltima acompanha a tendncia de distanciamento gradual do deputado pela Pvoa de

    Varzim da Cmara dos Deputados, agravado pelo confronto inconcilivel com as

    prioridades dos governos liderados por Afonso Costa em 1913 e 1914, respectivamente,

    de onde resultou uma mudana substantiva do iderio ezequieliano, mas tambm da sua

    relao com as instituies republicanas.

    Em Maio de 1914, Ezequiel de Campos aumentava a contudncia das crticas s

    opes do executivo, definidas como contrrias aos interesses nacionais, uma panpolia

    composta pelo reequipamento porturio, redes viria e ferroviria, incremento da

    produo agrcola, reafectao do aparelho produtivo a fontes de energia hdrica,

    correco ambiental e fixao dos recursos demogrficos portugueses, em debandada

    acelerada nos anos ps Revoluo de 1910. Tais aspectos pareciam-lhe globalmente

    secundarizados pelo regime, afeito s questes ditas polticas, uma tendncia agravada

    pelas cises no Partido Republicano Portugus e o surgimento de novas formaes

    partidrias.

    A inoperncia das instituies republicanas, assim assumida pelo autor em vista

    do paralelo funesto entre a prtica republicana e a antecedente monrquica, conduzia

    Ezequiel de Campos a redefinies diversas; no no mago das propostas de

    crescimento econmico do pas, analisadas no captulo dedicado Grande Guerra, antes

    na refundao revolucionria do Estado, assente num movimento integrador das

    tendncias polticas e ideolgicas presentes na sociedade portuguesa, menos relevantes

  • 15

    perante o contributo de cada indivduo se enquadrado numa esfera aglutinadora dos seus

    congneres profissionais. Neste contexto, os propsitos do trabalho consistem em

    acompanhar esta viragem, onde o repdio pela prtica poltica no se confunde com a

    refutao dos princpios ideolgicos, vendo-se todavia os mesmos enformados numa

    estrutura institucional incompatvel com o exerccio das liberdades ou a manuteno de

    direitos, os laborais por exemplo, alcanados aps o 5 de Outubro. No mesmo passo,

    propomo-nos proceder anlise do modelo alternativo, eivado da refutao do sistema

    liberal, tornada comum no ps I Guerra Mundial; mas ainda explicar o significado da

    beligerncia europeia, apresentada por Ezequiel ora segundo o cenrio provvel de

    catastrofismo para a soberania nacional, ora enquanto derradeira oportunidade para

    promover em tempo til, o da mesma guerra, o conjunto de modificaes estruturais no

    desencadeadas pela revoluo republicana, a saber, a reestruturao fundiria nas reas

    de latifndio, sem prejuzo do recurso fiscalidade para incremento generalizado do

    sector primrio e do investimento na energia hidro-elctrica, para embaratecer a

    produo industrial e, em funo disso, suscitar o crescimento da mesma num contexto

    externo favorvel, de redefinio das necessidades das economias de pases em guerra.

    Veremos ento como a Grande Guerra poderia trazer a modernidade ao pas,

    tambm por motivos endgenos: os resultantes da contraco drstica do fluxo

    migratrio para o Brasil, acompanhada pela escalada dos preos dos combustveis

    importados e pelos efeitos da dependncia portuguesa da navegao estrangeira,

    mormente a inglesa. A interaco destes aspectos com a degradao das condies de

    vida e as consequncias sociais previsveis constitua o enquadramento da viragem

    poltica, orientada para uma perspectiva global do aproveitamento sustentado dos

    recursos naturais, a concretizar atravs de uma integrao comercial no todo ibrico.

    Desta feita, analisaremos as ideias ezequielianas em torno do chamado Zollverein

    ibrico e das virtualidades encontradas no estmulo imediato aos fluxos comerciais entre

    Portugal e a Europa, segundo uma premissa onde a Espanha, a parceira preferencial

    imposta pela geografia peninsular, desempenhava uma dupla funo: a de conferir um

    impulso primrio ao crescimento econmico portugus, indispensvel sob pena de a

    proximidade entre os estados da Ibria se transformar num cenrio de dominao e ou

    absoro do mais forte; por outro lado, sendo entendida como agente de intermediao

    entre Portugal e os mercados europeus onde detinha, na poca, uma presena

    expressiva.

  • 16

    Estas expectativas assentavam numa opo de neutralidade portuguesa perante o

    conflito mundial e, consequentemente, esgotavam-se na declarao de guerra do

    governo portugus Alemanha em Maio de 1916. Este facto no se reflectiu no trabalho

    de Ezequiel de Campos seno nos trs anos subsequentes, conforme as intervenes

    assinaladas neste estudo, onde se evidencia a confluncia dos problemas estruturais

    endgenos, mantidos irresolveis por sculos e regimes, com a alterao previsvel, e

    funesta para as economias menos desenvolvidas, do quadro internacional de trocas

    comerciais e de financiamentos. Estranhamente, o af de resgatar o imprio colonial e

    consolidar o reconhecimento externo do regime republicano, os factores determinantes

    da deciso assumida pela Unio Sagrada, davam segundo Ezequiel novo flego ao

    decadentismo portugus, ora em ritmo acelerado.

    De acordo com o autor, as solues extravasavam o consulado sidonista, to

    falho nas questes essenciais, quanto as experincias governativas republicanas

    anteriores, em repdio evidente do seu legado na orgnica do executivo. De igual forma,

    no se compadeciam com as medidas avulsas dos governos seguintes, aps o regresso

    frmula institucional republicana consagrada em 1911 e revista no ps-Guerra.

    Apreciaremos como o problema da economia portuguesa implicava um novo modelo

    governativo de mobilizao integral da sociedade, sob a gide de um Estado fortalecido

    nas suas competncias pela existncia de uma matriz refundadora, a constituio

    econmica, e suportado pelo papel determinante das elites, a econmica agrcola,

    industrial, comercial , a financeira, a intelectual e a proletria, garante da coeso

    interna e do progresso nacionais.

  • 17

    Biografia

    Ezequiel Pereira de Campos nasceu em Santa Eullia de Beiriz, concelho da

    Pvoa de Varzim, em 12 de Dezembro de 1874; terceiro filho de Albino Jos Pereira de

    Campos um alfaiate de profisso dedicado msica e formao musical dos jovens,

    actividade exercida como regente da filarmnica de Bouas e na Tuna de Beiriz15

    , cujas

    convices polticas conformes ao republicanismo em perodo anterior implantao da

    Repblica se adivinhavam na primeira vereao camarria formada na Pvoa de Varzim

    aps a Revoluo de Outubro de 191016

    e de Carolina Custdia de Azevedo, ambos

    naturais da freguesia moradores do lugar de Outeiro17

    . Os padrinhos pertenciam ao

    ncleo familiar prximo: Maria Rita Custdia de Azevedo, tia materna e Ezequiel Jos

    Pereira de Campos, tio paterno, ento emigrado no Brasil, Macei-Alagoas, e que, de

    regresso a Portugal, se estabelecera na cidade do Porto como comerciante de panos na

    Rua Passos Manuel.

    Estudante nos liceus da Pvoa de Varzim e, mais tarde, do Porto s expensas do

    tio padrinho, Ezequiel de Campos ingressava na Academia Politcnica do Porto em

    1892 no ano lectivo de 1892-1893, inscrito nos cursos de engenharia civil e de minas.

    Segundo o prprio descreveria mais tarde, por mltiplas ocasies, tratou-se de um

    15 Almanaque da Pvoa para 1905, Histrico, Descritivo, Ilustrado, Literrio e Anunciador, Pvoa de

    Varzim, Edio do jornal A Propaganda, 1905, pp. 55-56. 16 A Repblica na Pvoa a nova vereao da Cmara: Joo Pedro de Sousa Campos, mdido; Antnio

    Francisco dos Santos Graa, capitalista; Antnio Jos Fernandes, industrial; Joaquim Pereira Sampaio,

    comerciante; Antnio dos Santos Graa, comerciante e Albino Pereira de Campos, proprietrio de Beiriz.

    Suplentes, Manuel Alves Viana, capitalista; Hortncio Martins Rios, comerciante; Joo Nunes Benta,

    comerciante; Manuel Jos Cardoso Jnior, farmacutico; Cndido T.Guimares, cirurgio dentista;

    Francisco Xavier M. e Vasconcelos, proprietrio e Joaquim Jos Loureiro, proprietrio. Comrcio da

    Pvoa de Varzim, Ano VII, n 45, 10 de Outubro de 1910, p. 2. Esta caracterizao correspondia a um

    quintal da casa, descrito por Ezequiel de Campos como um palmo de terra. Est situado entre o Ave e o

    Cvado, a 4,5 quilmetros a nordeste da Pvoa de Varzim e a 5 do mar, por 70 metros de altitude, j ao

    abrigo dos pinheirais, com aspecto de transio entre a vrzea e a veiga. uma das leiras da Cotovia,

    tendo alm de um minsculo trecho de jardim, de horta e de pomar, um pouco mais de um quarto de hectare de lavradio (2.800 m. quadrados) e outro tanto de pinheiral. Ezequiel de Campos, Leivas da

    Minha Terra. Subsdios para a Economia Agrcola Portuguesa. Lies efectuadas na Universidade

    Popular do Porto, Porto, Edio da Renascena, 1918, p. 28. Dois anos depois integrava a Comisso

    Municipal. Almanaque da Pvoa para 1912, Histrico, Descritivo, Ilustrado, Literrio e Anunciador, 3

    ano, Pvoa de Varzim, Edio do jornal A Propaganda, 1912, p. 22. Sobre Antnio dos Santos Graa,

    Vitor S, Um democrtico tpico de republicano conservador: Santos Graa, Liberais e Republicanos.

    Obras de Vitor S, Lisboa, Livros Horizonte, 1986, pp. 187-225. 17 Neto de Antnio Francisco de Azevedo e Custdia Marcelina, por via materna, e Jos Joaquim Pereira

    de Campos e Maria Rita de Campos, via paterna, todos naturais da mesma freguesia.

  • 18

    perodo pouco relevante para a sua formao, colmatada a esforo com a experincia

    profissional adquirida em S. Tom e Prncipe e leituras muito diversas das

    proporcionadas pelos mestres da licenciatura. O percurso estudantil, no interrompido

    pelos deveres militares assentou praa em 21 de Outubro de 1896 como recrutado para

    servir por doze anos ao contigente de 1896, a cargo do distrito do Porto, concelho de

    Pvoa de Varzim, alistou-se no 2 Batalho de Regimento de Infantaria no 6, em 1 de

    Dezembro do mesmo ano, recebeu licena para efectuar os estudos, prorrogada

    sucessivas vezes at 1899, transitando nesta data para a 2 reserva e auferindo nova

    licena para se deslocar para a provncia de S.Tom e Prncipe, prorrogada at 1905,

    encontrando-se no distrito do regimento de reserva n 16 desde 16 de Janeiro de 1902

    decorreu de forma ininterrupta at 189818

    . Nesse ano, constava das listas de apuramento

    final de ambos os cursos, com mdia final de 13,6 valores a Engenharia Civil de Obras

    Pblicas e 13 valores em Engenharia de Minas19

    .

    18 Os anurios da Academia Politcnica do Porto permitem reconstituir o percurso acadmico do autor: no

    ano lectivo de 1892-1893 inscreveu-se nas disciplinas de Geometria Analtica, lgebra Superior,

    Trigonometria Esfrica, regidas por Lus Incio Woodhouse; mas tambm em Geometria Descritiva (1

    parte), Geometria Projectiva e Projeco Central, da responsabilidade de Jos Alves Bonifcio; ainda

    Qumica Inorgnica 1 parte Qumica Inorgnica Geral, do lente Jos Diogo Arroio e Desenho 1 parte Desenho de figura, paisagem e ornato, com o lente Francisco da Silva Cardoso. Anurio da Academia

    Politcnica do Porto 1892-1893, Porto, Tipografia Ocidental, 1893, p. 123. No segundo, ano lectivo de

    1893-1894, Ezequiel de Campos frequentava as disciplinas de Clculo Diferencial e Integral e Clculo

    das Diferenas e Variaes, com o lente Francisco Gomes Teixeira; Fsica 1 parte Fsica Geral, regida

    pelo Conde de Campo Bello; Qumica Orgnica e Analtica 2 parte Qumica Analtica, com o lente

    Antnio Joaquim Ferreira da Silva. Mas tambm Economia poltica. Estatstica. Princpios de direito

    pblico, administrativo e comercial. Legislao 1 parte e Desenho 2 parte Desenho de Arquitectura e

    Aguadas. Anurio da Academia Politcnica do Porto 1893-1894, Porto, Tipografia Ocidental, 1894, p.

    171. No terceiro ano, inscrevia-se nas disciplinas de Mecnica Racional e Cinemtica, com o lente

    Joaquim de Azevedo Sousa Veira da Silva de Albuquerque; Geometria Descritiva 2 parte Grafo-Esttica,

    regida por Jos Alves Bonifcio; Fsica 2 parte, Fsica Industrial, Qumica 1 parte, Qumica orgnica geral e biolgica, com o lente Antnio Joaquim Ferreira da Silva; Mineralogia, paleontologia e geologia,

    com Wenceslau de Sousa Pereira Lima. Ainda Botnica, 1 parte e Desenho 3 parte Desenho

    Topogrfico e Desenho de Mquinas com o lente Antnio Silva. Anurio da Academia Politcnica do

    Porto 1894-1895, Porto, Tipografia Ocidental, 1895, p. 124. No quarto ano, matriculava-se nas

    disciplinas de Geometria descritiva 3 parte, teoria das sombras, perspectivas e noes de esterotomia,

    com o lente Jos Alves Bonifcio; Astronomia e geodsia 1 parte, com o lente Duarte Leite Pereira da

    Silva; Qumica 2 parte, qumica orgnica industrial com o lente Antnio Joaquim Ferreira da Silva;

    Botnica 2 parte, Botnica industrial. Matrias primas de origem vegetal, regida pelo lente Manuel

    Amndio Gonalves; Zoologia 1 parte com o lente Aaro Ferreira de Lacerda alm de Resistncia dos

    Materiais e Estabilidade das Construes. Materiais de Construo. Resistncia dos Materiais. Grafo-

    esttica aplicada. Processos gerais de construo, com o lente Roberto Rodrigues Mendes. Anurio da Academia Politcnica do Porto 1895-1896, Porto, tipografia Ocidental, 1896, p. 110. No ano lectivo

    seguinte, matriculava-se nas disciplinas de Topografia e Geodsia, com o lente Duarte Leite Pereira da

    Silva; ainda Resistncia dos Materiais e Estabilidade das Construes, com o lente Roberto Rodrigues

    Mendes. Inscrevia-se ainda em Hidrulica e Mquinas, curso bienal (1 ano Hidrulica. Mquinas em

    geral. Mquinas hidrulicas; 2 ano Termodinmica; mquinas trmicas. Motores elctricos. Mquinas

    diversas e Construo de Mquinas, regido pelo lente Manuel da Terra Pereira Viana. Anurio da

    Academia Politcnica do Porto 1896-1897, Porto, Tipografia Ocidental, 1897, p. 44. 19 No primeiro caso, Engenharia Civil de Obras Pblicas, a mdia final resultava dos 12,83 valores

    conseguidos no curso preparatrio e dos 14,15 no curso especial; no segundo caso, correspondia aos

  • 19

    Este aproveitamento habilitava-o ao ingresso no quadro das Obras Pblicas; no

    na metrpole, devido exiguidade dos lugares disponveis, antes na provncia de S.

    Tom e Prncipe, onde desembarcava em Julho de 1899 para cumprir a ttulo provisrio

    as funes de engenheiro auxiliar. Segundo a portaria de nomeao, cabia-lhe assistir ao

    director da direco das Obras Pblicas da provncia nos estudos em curso sobre as

    redes virias e ferrovirias a desenvolver em S.Tom. Este assunto havia suscitado o

    interesse na metrpole de onde chegava, em finais de Setembro seguinte, uma carta de

    lei de D.Carlos subordinado ao plano geral de infra-estruturas de transportes, a executar

    no perodo de um ano, autorizando-se ao mesmo tempo a provncia a recorrer a

    financiamento para a execuo do mesmo plano. A provncia, por seu turno,

    demonstrou dificuldades considerveis em corresponder s solicitaes de Lisboa. Entre

    Setembro de 1899 e Agosto de 1902 o perodo inicial da actividade do autor na

    Repartio das Obras Pblicas de S.Tom no seria possvel a concretizao desse

    objectivo, fosse pelas condies naturais da ilha, fosse pela exiguidade de recursos da

    Repartio encarregue do referido plano, fosse ainda devido insalubridade do

    territrio, causadora de mortalidade elevada entre africanos e europeus. Estes aspectos,

    assim como a organizao deficiente da Repartio e o tratamento inadequado aos

    indgenas ao servio das Obras Pblicas, ficaram retratados no relatrio, extenso, da

    autoria de Ezequiel de Campos e enviado metrpole em Agosto de 1900, mas tambm

    nas informaes prestadas pelo mesmo acerca das irregularidades encontradas no

    funcionamento das Obras Pblicas da provncia durante o exerccio breve do cargo de

    director interino (de 8 a 19 de Abril de 1900).

    Estes procedimentos surtiam um alcance limitado com o afastamento

    temporrio do director e uma comisso designada para elaborar o regulamento interno

    para a Repartio das Obras Pblicas, onde Ezequiel de Campos participava como

    secretrio sem melhorias apreciveis no funcionamento da Repartio e nos resultados

    conseguidos. Acrescia ainda o litgio entre o engenheiro auxiliar e o director dos

    servios, dado a conhecer nas pginas de O Mundo em carta datada de Novembro de

    190220

    . Escapava, no entanto, ao subscritor da missiva a nomeao de Ezequiel de

    13,02 valores do curso preparatrio e dos 12,90, do curso especial. Anurio da Academia Politcnica do

    Porto. Ano Lectivo de 1898-1899, Porto, Tipografia Ocidental, 1899, p. 93; em apostilha Carta de

    Capacidade subscrita pelo Director Interino, Conde Bello e datada de 16 de Junho de 1899, a

    classificao final da licenciatura em Engenharia Civil de Obras Pblicas era definida em 14,07 valores. 20 Carta de S.Tom, 20 de novembro, O Mundo, Ano II, n 813, 20 de Dezembro de 1902, p. 2. Ao regozijo geral dos habitantes da ilha pela deciso do governador Mesquita Guimres de nomear uma

    sindicncia aos servios da direco das obras pblicas, o autor atribua relao estreita entre Teles de

  • 20

    Campos para o quadro das Obras Pblicas de Timor, em 3 de Maio de 1902, como a

    reaco do mesmo, com o pedido de exonerao, aceite por portaria de 9 de Agosto

    seguinte. O caso surgia tambm relatado em O Tempo21

    , peridico onde, semelhana

    do anterior, Ezequiel de Campos viria a colaborar posteriormente. Neste ltimo caso de

    forma breve, restrita ao ms de Maio de 1903, ao contrrio do envio de textos para O

    Mundo, prtica mantida entre os meses de Fevereiro e Setembro de 1903.

    O fim do vnculo com a administrao provincial no correspondeu ao

    afastamento da ilha. Ao invs, entre 1903 e meados de 1906 o autor permanecia em

    S.Tom, contratado para proceder aos levantamentos topogrficos das roas do marqus

    de Vila Flor e de Salvador Levy. Por portaria rgia de 5 de Junho de 1906 regressava s

    Obras Pblicas como chefe da seco especial do caminho de ferro de S.Tom,

    actividade desenvolvida de forma ininterrupta at 28 de Fevereiro de 1907. Nessa data,

    por parecer da junta mdica, partia para a metrpole e, a 22 de Maro seguinte, era

    exonerado de funes. Voltaria no ano seguinte, como responsvel tcnico do primeiro

    troo de via frra de S.Tom, a ligao entre o Cruzeiro da Trindade e a baa de Ana de

    Chaves, com estao terminal junto fortaleza de S. Sebastio. Levada a concurso

    pblico em 22 de Junho de 1908, esta obra seria contratada a Salvador Levy, conforme

    Vasconcelos e os empreiteiros da ilha como causa dos conflitos surgidos com Ezequiel de Campos: Era,

    com efeito, do domnio pblico que o director efectivo, agora ausente no reino, aonde foi chamado por

    ordem do ministro do ultramar, tinha com um antigo condutor, fora do servio, uma sociedade agrcola

    para explorao de terrenos, em que trabalhavam os serviais que um e outro tinham para ali retirado das

    Obras Pblicas que esses serviais eram pagos pelas Obras Pblicas e que o director favorecia esse

    seu scio encarregando-o do estudo dos projectos de estradas que no apareciam e que eram

    exorbitantemente retribudos. Rumorejava-se boca pequena que um empreiteiro recebera, a ttulo de

    pagamento de expropriaes em um lano da estrada do sul, certas quantias que notinham sido pagas,

    porque os proprietrios dos terrenos expropriados os tinham dado gratuitamente; e comentava-se com acrimnia que o director fora ilegalmente nomeado para o cargo, por ainda no ter os trs anos de servio

    que a lei exige, e o fra com preterio do engenheiro Miranda Guedes, mais antigo, muito distinto e

    tendo prestado na provncia relevantes servios, o qual por esse motivo foi transferido para Angola.

    Ao mesmo tempo notava-se com estranheza e admirao que o director nomeado afastasse de junto de si,

    fazendo-o ir para o Prncipe onde, por falta dos necessrios elementos, nada podia fazer um outro

    engenheiro de inquestionvel merecimento, Ezequiel de Campos que este, tendo conseguido voltar para

    S.Tom, contra a vontade do director, fosse em seguida, visado com uma perseguio injusta e rancorosa

    do mesmo e do governo central, que o levaram a abandonar a carreira oficial: - que o ministro da marinha,

    denotando enfim ter j pouca confiana na capacidade tcnica e profissional do director, nomeasse o

    engenheiro Miranda Guedes, ento em Angola, chefe de uma brigada especial de estudos de viao em

    S.Tom, inteiramente independente das Obras Pblicas; que, finalmente, no projecto e na execuo de alguns lanos da estrada do sul se viessem a reconhecer erros tcnicos, da exclusiva responsabilidade do

    director, e dos quais vai resultar a completa inutilizao de cerca de 800 metros de estrada j construda,

    em S.Joo dos Angolas. Estes factos e vrios outros, que seria longo enumerar, no podiam, pela sua

    gravidade, deixar de atrair a ateno do pblico e das estaes oficiais superiores; e um deles, o do

    aoitamento dos serviais, j deu lugar instaurao de um processo na Curadoria Geral, por se terem

    ultimamente apresentado na cidade dezoito serviais que diziam ter sido retirados das Obras Pblicas para

    irem trabalhar nas propriedades do director e do seu scio, por ordem daquele. 21 Nautilus, Carta de S.Tom, O Tempo, ano 8, n 1925, 8 de Janeiro de 1903, pp. 1-2; Idem, O Tempo,

    ano 8, n 1947, 5 de Fevereiro de 1903, p. 2.

  • 21

    a proposta apresentada pelo mesmo, da autoria de Ezequiel de Campos, seu

    representante no acto de assinatura do contrato provisrio. Iniciava-se assim a ltima

    fase do ciclo santomense, depois de uma estadia na metrpole marcada pela divulgao

    cientfica sobre S.Tom e Prncipe, a convite da Sociedade de Geografia de Lisboa, em

    Maro de 1908 e da Associao dos Engenheiros Civis Portugueses, em Junho do

    mesmo ano, ou ainda pelo envolvimento poltico nas estruturas partidrias republicanas

    povoenses, por ocasio das eleies de 5 de Abril. Refira-se que sem consequncia de

    vulto, alm da refundao do centro republicano de Beiriz.

    De regresso a S.Tom, a actividade de Ezequiel de Campos centrava-se na

    construo da via frrea, a propsito da qual se desentendia com o responsvel pelas

    Obras Pblicas na provncia, mas sentia-se tambm na colaborao em peridicos locais

    como o Africano. Semanrio independente ou a Ilha de S.Tom, do qual era co-

    fundador; mas tambm num esforo continuado de dar a conhecer a realidade

    santomense na metrpole, atravs de uma srie extensa de artigos publicados no jornal

    A Lucta entre Dezembro de 1908 e Junho do ano seguinte. A imprensa, quer a de S.

    Tom quer a da Pvoa de Varzim, permite esclarecer as reaces imediatas do autor

    sobre o 5 de Outubro; ufanante com os benefcios gerais da viragem poltica ocorrida

    em Lisboa, mas tambm os especficos que, no caso santomense, se reflectiam numa

    desejvel pausa na construo da via frrea, para proceder mudana dos traados

    estabelecidos. Por seu turno, no Comrcio da Pvoa de Varzim, a primeira Carta do

    Desterro exaltava as virtudes republicanas de Beiriz e ensaiava a associao do incio

    de um novo regime com o princpio de um novo ciclo de progresso econmico e social

    do pas. A estada em S. Tom e Prncipe prolongou-se at Maio do ano seguinte, motivo

    pelo qual Ezequiel de Campos presenciou a transio poltica difcil no territrio, sem

    que o concurso do governador interino, Antnio Miranda Guedes provido de larga

    experincia no arquiplago e conhecido pelas convices republicanas, designado para

    substituir o governador indigitado, Pedro Botto Machado, mas no empossado (sem

    quaisquer explicaes) pudesse travar o clima de contestao, posteriormente em

    escalada com a nomeao de Jaime Leote do Rego.

    Chegado metrpole em Maio de 1911, Ezequiel de Campos fazia um priplo

    breve pela Pvoa de Varzim e estabelecia-se em Lisboa para tomar assento nos

    trabalhos parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte, iniciados em 15 de

    Junho. Nos trs anos seguintes, a sua actividade centrava-se exclusivamente na Cmara

    dos Deputados. Membro das comisses de agricultura, das obras pblicas, da assistncia

  • 22

    e sade pblica e da administrao pblica, alm do oramento (em 1913, acerca da

    qual requereu alis a no participao, com base no regimento da Assembleia Nacional

    Constituinte, em vigor), Ezequiel de Campos adquiria notoridade entre os congneres

    pelo tratamento de temas especficos, a saber: a agricultura, a instruo agrcola, a

    hidrulica agrcola, o enquadramento da propriedade, a emigrao, o desenvolvimento

    da indstria, a reafectao energtica das estruturas produtivas, as redes viria e

    ferroviria nacionais, a articulao entre os mercados coloniais e metropolitano, a

    reforma da estrutura administrativa de S. Tom e Prncipe (e por extenso das demais

    provncias ultramarinas), o progresso econmico e social do mesmo territrio ou a

    reviso da fiscalidade. Em suma, nesses anos o autor perseguia o objectivo central de

    prover a Constituio Poltica aprovada em Agosto de 1911 com uma componente

    econmica ou, alternativamente, aduzir sucessivas disposies legislativas estruturantes

    para o tecido produtivo portugus.

    A perspectiva ezequieliana aferia-se das iniciativas apresentadas considerao

    da cmara dos deputados, das quais se salientava o projecto de lei sobre a Utilizao dos

    Incultos, em 26 de Julho de 1911, cujo impacto tendia a eclipsar as propostas

    subsequentes, a saber, acerca da reorganizao do ministrio das colnias, em 10 de

    Janeiro de 1912, de autorizao Empresa Exploradora da mina de S. Domingos para o

    desassoreamento ou canalizao da barra do rio Guadiana, em 25 de Janeiro de 1912,

    sobre a reunio em concesso nica dos jazigos de ferro de Moncorvo e de ferro-

    manganesferos do sul do pas, j concedidas, para facilitar o estabelecimento de uma

    siderurgia em larga escala no pas, na mesma data. Para alm destes, so ainda dignos

    de registo: o projecto de lei orgnica do governo e administrao de S.Tom e Prncipe,

    as propostas de organizao dos servios de obras pblicas de S.Tom, de

    melhoramentos diversos em S.Tom, de cultura da terra indgena em S.Tom e

    Prncipe, de assistncia hospitalar em S.Tom, de reservas florestais da mesma ilha, de

    organizao do servio de transportes no porto de Ana de Chaves, de pautas

    alfandegrias de S.Tom, em 18 de Abril de 1912, de criao de um conselho de

    Turismo para enquadramento da actividade e divulgao das potencialidades nacionais,

    em 18 de Junho de 1912, de iseno da taxa sumpturia aplicvel aos velocpedes, em 4

    de Maro de 1912, sobre o estabelecimento de um porto franco em Lisboa, a 9 de Julho

    de 1912, acerca da expropriao por utilidade pblica e urgente, at um dcimo, das

    terras claramente mal aproveitadas pela cultura ou arborizao, em 12 de Novembro de

    1912, para a venda por hasta pblica da mata de Valverde a dividir em lotes de 8

  • 23

    hectares para culturas hortcolas e cerealferas com cota correspondente da terra

    florestal, em 5 de Dezembro de 1912, acerca da classificao das estradas nacionais e

    regionais, em 17 de Dezembro de 1912, e de alienao da casa e dos terrenos do passal

    de Amorim, por hasta pblica, para a construo de uma escola na mesma localidade,

    em 20 de Dezembro.

    No ano seguinte, o autor apresentava um projecto de lei acerca de publicaes

    oficiais de divulgao agrcola, em tudo semelhante a uma iniciativa de Maro de 1912,

    em 23 de Janeiro de 1913, para a criao de uma escola de comrcio, em 11 de

    Fevereiro de 1913, de incremento produo de acar de beterraba, em 21 de Abril de

    1913, de alargamento das concesses de caminhos-de-ferro sobre estradas, ao abrigo da

    lei de Abril de 1906, para prolongamento das mesmas (linhas) segundo as condies

    estabelecidas no contrato e os planos aprovados pelo Governo, contanto que o

    prolongamento a conceder por uma s vez em cada ramal, pedindo simultnea ou

    sucessivamente, no excedesse a metade da concesso primitiva, em 29 de Abril de

    1913, acerca da construo de um porto no Cabo Mondego, em 12 de Maio de 1913.

    Em 12 de Janeiro de 1914 enviava um conjunto de quatro propostas de lei nova

    iniciativa sobre o estabelecimento da indstria siderrgica atravs do processo elctrico,

    acerca da concesso de um diferencial de 50% nas alfndegas da metrpole ao acar

    colonial at totalidade de 24000 ton., relativo demarcao topogrfica nas matas

    nacionais, com excepo de Sintra e do Bussaco, do terreno com potencial agrcola e

    desnecessrio para o uso pblico e, por ltimo, o referente colonizao militar para

    utilizao e povoamento da propriedade inculta, bem como a proposta de anexao do

    lugar de Poa da Barca comarca da Pvoa de Varzim, a 5 de Maro de 191422

    .

    A dedicao aos temas supramencionados manifestou-se ainda nos pareceres

    emitidos no mbito das comisses parlamentares de agricultura, em prol da eliminao

    faseada das leis dos cereais ou da manuteno das demarcaes vincolas de 1908, para

    estancar o alargamento da superfcie de vinha no territrio metropolitano; ou das obras

    pblicas, onde defendia a necessidade de investimento pblico (ou pblico e privado)

    no desenvolvimento das redes viria e ferroviria especficas, a saber, de ligao entre

    centros produtores e reas de consumo para incremento da actividade interna, apesar

    dos condicionalismos oramentais. Assim, justificava a interveno em regies to

    22 Parte destas iniciativas seriam reunidas pelo autor, mesmo antes da sua apresentao na Cmara dos

    Deputados em livro; Ezequiel de Campos, A Conservao da Riqueza Nacional. A Grei. Os Minerais. A

    Terra. As Matas. Os Rios, Porto, Ed. do autor Tip. A. J. da Silva Teixeira, 1913, 731 ps.

  • 24

    diversas quanto o Alto Minho ou o Alentejo, de igual prioridade embora caracterizadas

    por densidades demogrficas distintas. Expunha ainda a concepo de um plano de

    desenvolvimento integrado para o hinterland duriense, a incidir sobre o requalificao

    de Leixes, a navegabilidade do Douro, as vias frreas de ligao fronteira e, por

    ltimo, o estabelecimento de um sistema de barragens com capacidade para satisfazer as

    necessidades energticas dos sectores primrio e secundrio do mesmo hinterland.

    A prestao parlamentar de Ezequiel de Campos terminava em 7 de Maio de

    1914, data do regresso a S.Tom e Prncipe como administrador delegado da Direco

    de Portos e Viao da provncia23

    . Neste contexto, predispunha-se a agir com base nas

    suas concluses ao inqurito realizado em Novembro de 1911, por iniciativa do ento

    ministro das colnias. Essas, divulgadas no ano seguinte24

    , pressupunham um plano de

    modernizao infra-estrutural da ilha que extravasava largamente o mbito das funes

    de que se encontrava investido. No entanto, a avaliar pelo seu desempenho no territrio

    entre os meses de Junho a Outubro de 1914, esta circunstncia parecia no condicionar

    as expectativas largas do autor25

    . Contudo, os condicionalismos chegavam com a

    ecloso da I Guerra Mundial: o conflito viria agravar consideravelmente as dificuldades

    financeiras sentidas nos cofres da provncia, com reflexos na capacidade operativa dos

    servios. Assim, em Junho de 1914 o recm-nomeado director entendia proceder

    consulta da metrpole para efectuar uma suspenso dos trabalhos da linha, cujo traado

    poderia ser modificado com ganhos de eficcia e reduo de custos26

    . No ms seguinte,

    o ministrio anua a uma interrupo temporria para aperfeioamento do projecto

    enquanto se aguardava pela ferramenta em falta na ilha27

    . Dois meses depois, Ezequiel

    de Campos conclua os estudos definitivos aprovados pelo Conselho de Administrao

    dos Portos e Viao, mas a falta de materiais mantinha-se, um obstculo acrescido com

    a transferncia das obras municipais para a tutela da Direco dos Portos e Viao, sob

    a responsabilidade do engenheiro-adjunto da mesma estrutura. Em reaco portaria n

    23 Em 30 de Abril de 1914, Ezequiel de Campos assinava o contrato com a Direco Geral das Colnias

    para o exerccio das funes descritas no perodo de trs anos a contar do dia de desembarque na provncia ocorrido em 23 de Maio seguinte. Boletim Oficial do Governo da Provncia de S.Tom, n 22,

    30 de Maio de 1914, pp. 205-206. 24 Ezequiel de Campos, Obras Pblicas em S.Tom, Lisboa, Livraria Ferin, 1912, 341 ps. 25 Saliente-se, neste contexto, a conferncia realizada por Ezequiel de Campos no final do ms de Julho,

    intitulada Cidade Nova onde se percebiam os propsitos do autor, na esteira das ideias defendidas em

    momento anterior implantao da Repblica e reiteradas em 1911. Boletim Oficial do Governo da

    Provncia de S.Tom, n 30, 25 de Julho de 1914, p. 310. 26 Idem, n26, 27 de Junho de 1914, p. 258 27 Idem, n 30, 25 de Julho de 1914, p. 307.

  • 25

    320, de 8 de Outubro de 191428

    , Ezequiel de Campos apresentava a demisso das

    funes exercidas e, em 5 de Novembro seguinte, regressava metrpole29

    . Este retorno

    no diluiu a ligao do autor s ilhas do golfo da Guin, onde voltou em 1920, uma

    viagem da qual resultava A Revalorizao Agrcola da Ilha de S.Tom (Subsdios para

    a Poltica Colonial Conferncia realizada na Cmara Municipal de S.Tom em 5 de

    Agosto de 1920), publicado no ano seguinte.

    Durante um ano, aproximadamente, o ento engenheiro subalterno de 2 classe

    da seco de obras pblicas do corpo de engenharia civil permaneceu em situao de

    disponibilidade. Enquanto os ministrios das Colnias e Fomento trocavam ofcios

    sobre a frmula como o antigo director dos Portos e Viao havia rescindido, ou no, o

    contrato com a administrao provincial, o autor fixava residncia em Beiriz, publicava

    um relatrio sobre a ltima experincia, frustrada, em S.Tom30

    e A Grei. Subsdios

    para a Demografia Portuguesa31

    . Colaborava ainda em O Trabalho Nacional. Revista

    Mensal publicada pela Associao Industrial Portuense, com uma srie de artigos

    alusivos s possibilidades econmicas do Porto, ora considerado numa expresso

    geogrfica abrangente ao hinterland duriense, um exerccio que reportava s ideias

    defendidas sobre a revalorizao de Leixes e ao interesse estratgico na aproximao

    econmica Espanha, no contexto da beligerncia europeia. Segundo explicava, a

    excepcionalidade da guerra em curso poderia reverter em benefcio do desenvolvimento

    do sector secundrio portugus, protegido da concorrncia externa pelas quebras da

    produo externa e o consequente aumento da procura. Essas consideraes

    aprofundavam-se em Pela Espanha32

    , obra editada no ano seguinte, em jeito de relato

    de viagem onde acresciam as anlises sobre a economia espanhola e os benefcios da

    proximidade entre os pases da Ibria. Esta, definida como realidade geogrfica

    uniforme, predispunha naturalmente para a integrao econmica dos estados ibricos,

    cuja concretizao dependia da capacidade portuguesa de ombrear com os ritmos de

    crescimento espanhis. Tal experincia, no isenta de risco para a soberania portuguesa,

    era inconcilivel com a beligerncia portuguesa, deciso refutada pelo autor como

    contrria aos interesses nacionais.

    28 Ezequiel de Campos, Obras Pblicas em S.Tom e Prncipe. Subsdios para a elaborao e realizao

    de um plano, Porto, Tipografia da Renascena Portuguesa, s.d. [1915]. 29 Relao dos passageiros entrados e sados da ilha de S.Tom durante o ms de Novembro findo.

    Boletim Oficial do Governo da Provncia de S.Tom e Prncipe, n 50, 12 de Dezembro de 1914, p 525. 30 Vid nota n 13. 31 Ezequiel de Campos, A Grei. Subsdios para a Demografia Portuguesa Lies na Universidade

    Popular do Porto em Novembro de 1913, Porto, Renascena Portuguesa, 1915, 273 ps. 32 Idem, Pela Espanha, Porto, Renascena Portuguesa, 1916, 414ps.

  • 26

    Encontrava-se ento em vora, no exerccio de funes como chefe de seco

    dos engenheiros de conservao das Obras Pblicas dessa cidade desde 4 de Janeiro de

    191633

    . Manter-se-ia at 21 de Janeiro de 1918, data da sua transferncia para a 1

    Direco dos Servios Fluviais e Martimos34

    . Todavia, permaneceu ligado regio por

    fora da circunstncia de, entretanto, ter adquirido terra nos arredores desse ncleo

    urbano. Os propsitos desta opo residiam em consubstanciar as ideias defendidas

    desde 1911 sobre a possibilidade, bem sucedida, de modificar as prticas de explorao

    do solo alentejano, aumentar a sua produtividade sem prejuzo dos solos e, em

    simultneo, aumentar a densidade demogrfica regional. Foi uma experincia retratada

    em Leivas da minha Terra, publicado em Abril de 191835

    , onde expunha as fragilidades

    associadas agricultura nortenha e alentejana, mas tambm as frmulas de aumentar a

    capacidade produtiva em ambas as regies, com particular incidncia para a primeira. A

    segunda carecia de uma mudana de natureza estrutural, enunciada no ms seguinte, em

    A Evoluo e Revoluo Agrria36

    , na linha das ideias defendidas em Pela Grei37

    , com

    uma colaborao extensvel feitura do esboo de programa de fomento, divulgado

    em Suplemento pela Liga da Aco Nacional, grupo que no integrou.

    Ainda nesse ano, Ezequiel de Campos enfatizava a sua posio sobre o valor

    estratgico da gua, nos domnios agrcola e energtico, e o impacto dos recursos

    naturais e humanos no crescimento econmico, em peridicos nortenhos como O

    Comrcio do Porto e O Primeiro de Janeiro, onde manteve uma colaborao

    intermitente nos anos 20 (mais assdua no primeiro caso), n O Norte e A guia, em

    33 Antes da nomeao para o quadro das Obras Pblicas, em Janeiro de 1916, podemos deduzir a presena

    do autor em vora conforme demonstra as actas do Conselho Escolar da Escola Industrial da Casa Pia da

    mesma cidade; em 23 de Dezembro de 1915, Ezequiel de Campos j integrava o corpo docente da

    instituio e, em 5 de Fevereiro de 1916, assumia a direco. Manteve-se no cargo at Agosto, data do

    seu pedido de exonerao na sequncia de um litgio com a administrao da Casa Pia de vora por

    motivos documentados em Notcias de vora, peridico onde o autor colaborou entre os anos de 1916 e

    1917. 34Em 1948, atribua esta transferncia ao convite de Francisco Xavier Esteves, ento ministro do governo

    sidonista, para chefiar a brigada de estudos hidrulicos. Idem, Pregao no Deserto, Porto, Lello e Irmo

    Editores, 1948, p. 39. 35 Idem, Leivas da minha Terra. Subsdios para a Economia Agrcola Portuguesa. Lies efectuadas na Universidade Popular do Porto em Abril de 1918, Porto, Ed. da Renascena Portuguesa, 1918, 246 ps.

    Em Pregao no Deserto, Ezequiel de Campos apresentava uma descrio breve sobre os seus propsitos

    com a aquisio de terra nos arredores de vora, relacionados com a renovao das prticas agrcolas mas

    tambm com a fixao de famlias minhotas no Alentejo. Idem, Pregao no Deserto, Porto, Lello e

    Irmo Editores, 1948, pp. 33-38. 36 Idem, A Evoluo e a Revoluo Agrria. Conferncia realizada na Liga Agrria do Norte, em 18 de

    Maio de 1918, Porto, Ed. da Renascena Portuguesa, 1918. 37 Pela Grei. Revista para o Ressurgimento Nacional pela Formao e Interveno de uma Opinio

    Pblica Consciente, dir. por Antnio Srgio, Lisboa, tipografia da Aco Nacional, 1918-1919.

  • 27

    1919, n A Tribuna, no ano de 1921, ou ainda A Ptria, dois anos depois38

    . No entanto,

    o publicismo ezequieliano chegava tambm a Agros. Boletim da Associao de

    Estudantes de Agronomia e Peridico de Propaganda Agrcola, colaborao iniciada

    ainda em 1917, de forma espordica e assim mantida nos anos seguintes. Diversa, por

    isso, da relao do autor com O Economista, reaparecido em 1917 por iniciativa de

    Quirino de Jesus, onde a prestao de Ezequiel de Campos viria a consubstanciar-se

    numa obra conjunta com o director do ento quinzenrio, intitulada A Crise Portuguesa.

    Esta, publicada em 192339

    , reflectia a convergncia de anlises e solues

    preconizadas pelos autores respectivos; todavia, tambm o percurso partilhado por

    ambos na Seara Nova, conforme se apreciava na divulgao prvia do Programa

    governativo de reorganizao nacional, apndice ao Apelo Nao, lanado em

    Maro de 192340

    . Nesse documento, Ezequiel de Campos (tal como Quirino de Jesus)

    imprimia uma marca indelvel, patente nas orientaes sobre as polticas financeira,

    agrcola e agrria, poltica industrial, comercial e Colnias; semelhante, de resto, ao

    ocorrido com o Programa mnimo de salvao pblica, divulgado na mesma revista

    em Abril de 192241

    , onde se encontrava uma sntese das ideias desenvolvidas pelo autor

    em Lzaro! Subsdios para a Poltica Portuguesa42

    .

    Saliente-se que nessa poca, concretamente desde 9 de Maro de 1922, o

    interesse redobrado de Ezequiel de Campos pela questo da energia de origem hdrica

    resultava do envolvimento directo do autor no problema dos abastecimentos cidade do

    Porto, na sequncia da sua nomeao como director dos Servios Municipais de Gs e

    Electricidade43

    . No ano seguinte, esta experincia reflectia-se no Congresso Nacional de

    Electricidade, onde o autor apresentava como tese O governo deve intervir eficazmente

    no aproveitamento das quedas de gua a) promovendo a classificao de valores hidro-

    38 Parte destes textos foram coligidos em volume intitulado Poltica, (Porto, Marnus, 1924, 164 ps.; 2

    ed. actualizada, em 1954). 39 Ezequiel de Campos e Quirino de Jesus, A Crise Portuguesa. Subsdios para a poltica de

    Reorganizao Nacional, Porto, Empr. Ind. Grfica do Porto, 1923, 231 ps.. 40 Apelo Nao, Seara Nova, n 21, Maro de 1923, pp. 129-135. 41 Programa mnimo de salvao pblica, Seara Nova, n 12, 15 de Abril de 1921, pp. 297-302. 42 Ezequiel de Campos, Lzaro!... Subsdios para a Poltica Portuguesa, tomo I (1 parte), Vila Nova de Famalico, Tip. Minerva, 1922, 265 ps. Esta obra, dedicado questo agrria e aos mtodos de correco,

    continha trs propostas de lei, sobre o Povoamento e Aproveitamento dos Terrenos Pousios Desabitados,

    sobre a reforma da Contribuio Predial Rstica e sobre a Represso da Vadiagem e Valorizao dos

    Condenados, prometida estender-se a um segundo volume de anlise questo agrcola. Esse, editado em

    1928, incidia em especial no problema energtico; Idem, Lzaro !... Subsdios para a Poltica

    Portuguesa, Tomo II, Porto, Empr. Ind. Do Porto, 1928, 261ps. 43 Idem, Electricidade para o Porto. Relatrio do engenheiro Ezequiel de Campos, Director dos Servios

    Municipais de Gs e Electricidade, acerca das negociaes para o abastecimento de electricidade pela

    Cmara do Porto, Porto, Tip. Empresa Guedes, 192[2]3, 183 ps.

  • 28

    elctrics potenciais, e a sua melhor coordenao de acordo com a mais proveitosa

    adaptao s necessidades regionais; b) estimulando a realizao oportuna e suficiente

    dos aproveitamentos, segundo a melhor ordem de prioridade44

    . A mesma preocupao

    prevalecia na conferncia apresentada pelo autor no I Congresso do Trabalho Nacional,

    realizado no Porto45

    , no mesmo ano. Antes, em Junho, o autor abordava o Regime da

    Propriedade, no II Congresso promovido pela Federao dos Sindicatos Agrcolas,

    ocorrido em Viseu46

    .

    Numa vertente diversa, ou talvez no, a actividade do autor passava pela Unio

    Cvica, movimento no qual expressava as suas ideias no ciclo de conferncias realizadas

    na Sociedade de Geografia, em Maro de 192347

    ; mas tambm pelo elenco da revista

    Homens Livres, em Dezembro seguinte. No ano seguinte, na esteira de outros membros

    do Grupo Seara Nova como Antnio Srgio e Mrio de Azevedo Gomes, Ezequiel de

    Campos anua ao convite dirigido por Jos Domingues dos Santos para integrar o

    governo liderado pelo prprio. Quebrava um padro de conduta at ento seguido, se

    consideradas as recusas apresentadas a Sidnio Pais, em Outubro de 1918, e a

    Bernardino Machado em Outubro de 192148

    ; mas tambm as convices firmados do

    autor sobre a necessidade de refundao do regime republicano, escoradas em crtica

    feroz ao sistema parlamentar e ao quadro partidrio portugus. Contudo aceitava, pelo

    que sucumbia seduo da capacidade governativa, ao arrepio das ideias formuladas

    sobre a crise das instituies, ou apesar delas. A avaliar pelo testemunho de Sarmento

    Pimentel, seu futuro chefe de gabinete no ministrio da Agricultura, a anuncia do autor

    44 Congresso Nacional de Electricidade. Iniciou ontem os seus trabalhos, presidindo sesso o Presidente da Repblica, A Ptria, ano III, n 853, 17 de Maro de 1923, p. 1. A tese do autor foi

    discutida e aprovada pelo congresso que sancionou igualmente a iniciativa de Ezequiel de Campos sobre

    a definio de normas para a estabilidade das tarifas da electricidade a apresentar ao governo. A Ptria,

    ano III, n 855, 19 de Maro de 1923, p. 2. 45 Idem, A Energia de Origem Hidrulica e Trmica. Conferncia ao Primeiro Congresso do Trabalho

    Nacional realizado no Porto de 1 a 4 de Julho de 1923, Porto, Tipografia Sequeira Limitada, 1923, 46 ps. 46 O Congresso Agrcola de Viseu, O Primeiro de Janeiro, ano 55, n 126, 1 de Junho de 1923, p. 1. A

    assiduidade do autor em congressos iniciara-se com a presena no Congresso Luso-Espanhol para o

    Progresso das Cincias, realizado em Junho de 1921, onde apresentou a Memria acerca de um caso de

    perturbao climatrica, publicada no ano seguinte em O Instituto, ns 5-7, vol. 69; participou tambm

    dois primeiros congressos econmicos nacionais, promovidos pela Unio da Agricultura, Comrcio e Indstria, em Novembro de 1921 e Fevereiro de 1922, respectivamente; prolongava-se pela presena no II

    Congresso Nacional de Electricidade, realizado na cidade de Lisboa, em 1924 membro da comisso

    organizadora, teria oportunidade em exprimir a sua frustrao com os resultados da discusso e no III

    Congresso dos Sindicatos Agrcolas onde apresentou o tema As Condies Gerais da Economia Agrcola

    do Noroeste. 47 Ezequiel de Campos, Normas da Poltica de Reorganizao, Unio Cvica. Conferncias de

    Propaganda realizadas na Sociedade de Geografia de Lisboa, em Maro de 1923, Porto, Edio da

    Comisso Directiva do Norte imprensa do Norte Limitada, 1923. 48 Lus Bgotte Choro, A Crise da Repblica e a Ditadura Militar, Lisboa, Sextante, 2009.

  • 29

    resultava da negociao com o futuro chefe do governo, assente num conjunto de

    condies, a saber, ter como chefe de gabinete o ex-comandante do Esquadro da

    Guarda que restaurou a Repblica no Porto em 13 de Fevereiro de 1919 [o narrador];

    Jos Domingues dos Santos comprometia-se a apresentar discusso no Parlamento as

    duas leis que eram a nossa contribuio para o programa governamental: 1 Lei da

    imediata electrificao do norte de Portugal (quedas de gua do Cvado e Rabago e o

    Douro e uma central trmica utilizando os antracites de S.Pedro da Cova e Pejo); 2

    Lei da rega e das terras, a comear logo pela execuo dos planos de irrigao do

    Ribatejo e de parte da charneca alentejana, entregando-se as terras irrigadas ao povo

    lavrador que vivia de cultivas terras alheas, explorados pelos seus donos como o fallah

    do vale do Nilo49

    .

    Essa viria a integrar o programa do executivo empossado em Novembro de

    192450

    e, posteriormente, os contedos programticos do Partido Esquerda

    49 Joo Sarmento Pimentel, Memrias do Capito Joo Sarmento Pimentel, Porto, Inova, 1974, pp. 205-

    206. Sublinhe-se a discrepncia deste testemunho com o exarado por Ezequiel de Campos sobre as

    circunstncias que o conduziram ao governo de Jos Domingues dos Santos, em Pregao no Deserto:

    O Dirio do Governo, sem eu ter sido sequer consultado, fez-me ministro da Agricultura em Novembro

    de 1924. Idem, Pregao no Deserto, Porto, Lello e Irmo Editores, 1948, p. 41. Em 1954, os mesmos acontecimentos mereciam outra perspectiva do autor, no substancialmente diversa: Sem ter recebido o

    mais simples convite ou aviso, apareci nomeado ministro da Agricultura na subida ao poder da Esquerda

    Democrtica em 22 de Novembro de 1924. [] s nove horas da noite daquele dia 22 de Novembro

    recebi um telegrama de Lisboa do Dr. Quirino de Jesus, velho amigo, [] a transmitir-me a solicitao

    para eu entrar no governo. Coordenei depressa as condies gerais do meu sector governativo, todas

    subordinadas reduo rpida e efectiva das despesas pblicas de valor secundrio, para haver dinheiro

    com o qual o governo estimulasse um grande aumento da produo lucrativa []. Comuniquei por carta

    de 23, com este PS como vos disse agora pelo telefone, eu no acredito na durabilidade do ministrio do

    Sr. Dr. Jos Domingues dos Santos; e por isso no posso colaborar com ele []. O telefone continuou a

    instar: fui a Lisboa. Aqui soube da enorme crise de juzo que por l pairava, e do risco iminente de uma

    revoluo caso falhasse logo ao apresentar-se na Assembleia Nacional o governo da Esquerda Democrtica. S para tentar que no viessem mais tiros para as ruas, resignei-me ao grande sacrifcio de

    ser ministro. Idem, Poltica, 2 ed., Porto, Lello e Irmos Editores, 1954, pp. 143-145. 50 Segundo Jos Domingues dos Santos, o executivo tinha em vista uma larga e profunda reforma

    agrcola, suscitandona lavoura outros processos culturais e fornecendo-lhes meios abundantes de melhor

    aproveitamento e muito maior produo. Ser preciso que o Estado reivindique pelos convenientes modos

    jurdicos, reas importantes de terras latifundirias, no continente, repartindo-as por numerosas famlias,

    empresas e indivduos, acondicionados para a utilizao do solo. Ainda para isso projectamos tornar

    possvel, em larga escala a colonizao portuguesa []. Pretendemos lanar este movimento com toda a

    fora para ter um fim prximo a anomalia grave de haver uma notvel emigrao para o estrangeiro e um

    considervel proletariado urbano e rural no pas com territeios europeus e ultramarinos onde, com

    rapidez, poderia haver uma populao prspera dez vezes maior. [] Em conjuno com tudo isto, promoveremos os aproveitamentos hidro-elctricos de Portugal, especialmente no Douro, Cvado, Tejo,

    Zzere e Guadiana. Para tal fim, nacionalizando concesses feitas a estrangeiros sempre que isso seja

    indispensvel ao plano; despertaremos e auxiliaremos as iniciativas que queiram encarregar-se deste novo

    trabalho de organizao e progresso. Dessas empresas comparticipar o Estado e promoveremos a

    utilizao dos combustveis nacionais, sobretudo os de natureza mineral do centro do Pas. Promoveremos

    as obras de irrigao de vantagem regional, local e particular, ligando logo uma parte das primeiras com

    parcelamento e a povoao das terras. Promoveremos o desenvolvimento das indstrias necessrias,

    mormente, as que transformam os produtos agrcolas de Portugal. A Capital, 15 ano, n 4793, 27 de

    Novembro de 1924, pp. 1-2.

  • 30

    Democrtica, fundado por Jos Domingues dos Santos, em Maio de 192651

    . Todavia,

    tambm a mesma proposta, denominada de Organizao Rural, apresentada s duas

    cmaras do Congresso em 12 de Janeiro de 1925 e discutida em 6 de Fevereiro

    seguinte52

    , ficava indissociada do malogro governativo deste executivo, embora no de

    forma exclusiva. Durante a vigncia breve dois meses aproximadamente do governo

    canhoto, outras iniciativas do ento ministro da Agricultura adquiriram notoridade

    impopular junto de sectores importantes como a moagem ou o operariado. Exemplo

    disso, o decreto n 10381, de 10 de Dezembro de 1924, de estabelecimento de novas

    regras na fixao dos preos dos cereais, com regimes diferenciados previstos para reas

    de densidade demogrfica diversa53

    . Sucediam-se as disputas entre o governo e os

    industriais da panificao54

    . Dois dias depois, Ezequiel de Campos evocava dificuldades

    financeiras para suspender a reforma do ministrio decretada pelo seu antecessor, Torres

    51 Antnio Jos Queirs, A Esquerda Democrtica e o final da Primeira Repblica, Lisboa, Livros

    Horizonte, 2008, p.199. Ernesto Castro Leal, Partidos e Programas. O campo partidrio republicano

    portugus (1910-1926), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra,