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Os pigmentos naturais utilizados em pintura António João Cruz Departamento de Arte, Arqueologia e Restauro, Instituto Politécnico de Tomar, Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, Portugal Centro de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal E-mail: [email protected] Resumo Desde há 30 mil anos que pigmentos naturais têm sido utilizados em pintura, mas já nas mais antigas obras conhecidas foram usados juntamente com pigmentos artificiais, tal como acontece actualmente. De facto, ao contrário do que se poderia imaginar, a história dos pigmentos não é uma história linear que começa com materiais naturais e só tardiamente dá papel de relevo aos pigmentos artificiais. De qualquer forma, os antigos tratados de pintura sugerem que a origem natural ou artificial dos pigmentos não tem influenciado a escolha dos materiais. Por outro lado, mostram que os critérios em que assenta esta classificação têm variado ao longo do tempo. Do conjunto de pigmentos naturais com importância na história da pintura merecem destaque o azul ultramarino, o cinábrio, a azurite e a malaquite, a terra verde e os ocres. O azul ultramarino (obtido do precioso lápis-lazúli) e o cinábrio (sulfureto de mercúrio, de cor vermelha) foram considerados materiais de luxo e de prestígio, respectivamente, na Idade Média e na época romana, mas hoje não são utilizados tendo sido substituídos, já há alguns séculos, por outros pigmentos mais económicos. A azurite (carbonato básico de cobre, de cor azul), a malaquite (composição semelhante, mas com cor verde) e a terra verde (argilas) foram usadas com alguma frequência na pintura mural e, no caso da primeira, na pintura a têmpera; o desenvolvimento da pintura a óleo e as vicissitudes da história política são algumas das razões que conduziram a uma perda da sua importância e, no caso da azurite e da malaquite, ao seu abandono. Os ocres (óxidos de ferro, de cor amarela, castanha ou vermelha) têm sido uma constante da paleta dos artistas; tiveram particular importância nos

Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

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Os pigmentos naturais utilizados em pintura

António João Cruz

Departamento de Arte, Arqueologia e Restauro, Instituto Politécnico de Tomar, Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, Portugal Centro de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, PortugalE-mail: [email protected]

 

Resumo

Desde há 30 mil anos que pigmentos naturais têm sido utilizados em

pintura, mas já nas mais antigas obras conhecidas foram usados

juntamente com pigmentos artificiais, tal como acontece

actualmente. De facto, ao contrário do que se poderia imaginar, a

história dos pigmentos não é uma história linear que começa com

materiais naturais e só tardiamente dá papel de relevo aos pigmentos

artificiais. De qualquer forma, os antigos tratados de pintura sugerem

que a origem natural ou artificial dos pigmentos não tem influenciado

a escolha dos materiais. Por outro lado, mostram que os critérios em

que assenta esta classificação têm variado ao longo do tempo.

Do conjunto de pigmentos naturais com importância na história da

pintura merecem destaque o azul ultramarino, o cinábrio, a azurite e

a malaquite, a terra verde e os ocres. O azul ultramarino (obtido do

precioso lápis-lazúli) e o cinábrio (sulfureto de mercúrio, de cor

vermelha) foram considerados materiais de luxo e de prestígio,

respectivamente, na Idade Média e na época romana, mas hoje não

são utilizados tendo sido substituídos, já há alguns séculos, por outros

pigmentos mais económicos. A azurite (carbonato básico de cobre, de

cor azul), a malaquite (composição semelhante, mas com cor verde) e

a terra verde (argilas) foram usadas com alguma frequência na

pintura mural e, no caso da primeira, na pintura a têmpera; o

desenvolvimento da pintura a óleo e as vicissitudes da história

política são algumas das razões que conduziram a uma perda da sua

importância e, no caso da azurite e da malaquite, ao seu abandono.

Os ocres (óxidos de ferro, de cor amarela, castanha ou vermelha) têm

sido uma constante da paleta dos artistas; tiveram particular

importância nos séculos XVII e XVIII quando contribuíram para que os

pintores se pudessem considerar criadores como Deus.

Introdução

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Os pigmentos são os principais constituintes das tintas utilizadas

em pintura. São os materiais responsáveis pela cor que surgem

nas tintas sob a forma de pequenas partículas ligadas entre si

pelo aglutinante (óleo, ovo ou outro, conforme a técnica de

pintura). Actualmente, as tintas para artistas são geralmente

comercializadas prontas a usar, em tubos cuja invenção remonta

a cerca de 1840. Antes, eram vendidas em bexigas de porco.

Porém, a não ser nos séculos mais recentes, as tintas eram feitas

nos ateliers ou, talvez mais correctamente, nas oficinas dos

pintores, quer a partir dos pigmentos adquiridos em lojas de

materiais para artistas, boticas ou conventos, quer a partir dos

pigmentos preparados pelos próprios pintores e seus ajudantes.

Com efeito, durante muito tempo, sobretudo nos séculos XV, XVI

e XVII, são frequentes as pinturas ou gravuras que, representando

um pintor no seu trabalho, mostram os ajudantes a preparar as

tintas, moendo os pigmentos numa pedra com óleo ou água (1,

2). Além disso, em vários tratados de pintura medievais ou dos

séculos posteriores - de que o melhor exemplo é O Livro da Arte,

escrito pelo italiano Cennino Cennini cerca de 1390 - surgem

detalhadas instruções a esse respeito (3).

Embora num sentido lato a palavra pigmento designe um

qualquer material responsável pela cor, num sentido mais

restrito, aqui adoptado, apenas são considerados pigmentos os

materiais insolúveis usados na forma de pó muito fino

(tipicamente com partículas com diâmetro da ordem de 1 mm)

que, portanto, ficam em suspensão no aglutinante. De uma forma

geral, são materiais inorgânicos que têm a sua principal utilização

em tintas e, consequentemente, em pintura. Obviamente,

mantêm cor intensa nessa forma de pó. Distinguem-se dos

corantes, os quais, também tendo a função de dar cor, são

materiais solúveis, orgânicos, especialmente utilizados no

tingimento de têxteis. No entanto, alguns corantes igualmente

têm sido usados em pintura, mas na forma de laca, ou seja, um

material resultante da fixação de um corante à superfície das

partículas de um pigmento branco transparente (carbonato de

cálcio ou alumina, por exemplo) que, usado desta forma, é

designado por carga. Esta fixação é semelhante àquela que

ocorre nos tecidos. Tipicamente as lacas dão origem a camadas

de tinta transparentes (1, 4, 5).

É importante referir que estas designações são recentes:

independentemente do seu significado, o uso da

palavra pigmento apenas está documentado desde 1881 e o

de corante desde 1862 (6). O vocábulo francês pigment, com o

sentido de um dos materiais dos pintores, também é em 1881

que surge registado pela primeira vez (7). A palavra

inglesa pigment já era aplicada com esse significado em 1398 (8),

mas antes do século XX, quer em inglês quer noutros idiomas,

Page 3: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

estes materiais geralmente eram designados por cores ou

respectiva tradução, como colours em inglês e couleurs em

francês. No entanto, estas denominações eram mais utilizadas

para a tinta do que para os constituintes responsáveis pela cor da

tinta, ou seja, os pigmentos. No entanto, também eram

empregues apenas para estes, como se vê na seguinte indicação

de Filipe Nunes, em 1615: «A Pintura à têmpera não se diferencia

da Pintura de óleo mais que em ser a cola, e em algumas cores

que se não usam a óleo, como é verde bexiga, e outro verde

escuro de Anil, e Jalde, e ainda o montanha» (9). Com o mesmo

significado se encontra no tratado escrito pelo espanhol Francisco

Pacheco, mestre e sogro de Vélazquez, em 1638, quando diz que

«as cores finas que agora se usam e moem misturadas com óleo

de linhaça ou de nozes, moíam-se com água» quando eram

usadas a têmpera (10). Em castelhano a palavra pigmento,

referida a material de artistas, só entra nos dicionários da Real

Academia Espanhola em 1985 (11), enquanto colores, com esse

sentido, surge logo no primeiro dicionário, em 1729 (12).

Obviamente, desta nomenclatura resulta alguma confusão entre

um material e uma das suas propriedades ópticas, sobretudo na

literatura mais antiga. Talvez por isso alguns autores reservam o

singular cor para a propriedade e o plural cores para o material.

Por exemplo, é o que faz Francisco de Assis Rodrigues no seu

dicionário dos termos utilizados nas artes, datado de 1875, de

onde obviamente está ausente o vocábulo pigmento. Depois do

verbete correspondente à palavra cor, significando a «impressão

que fazem sobre o órgão da vista os raios da luz reflectidos da

superfície dos corpos», surge a seguinte entrada: «CORES, s. f. do

lat. colores, (pint.) dá-se em pintura este nome às substâncias

colorantes, simples ou misturadas, de que se faz uso para colorir

os objectos» (13).

Pigmentos naturais e pigmentos artificiais

Os pigmentos utilizados em pintura podem ser classificados de

várias formas uma das quais corresponde à sua divisão entre

pigmentos naturais e pigmentos artificiais. Um pigmento é natural

se é obtido directamente da natureza, sendo apenas sujeito a

processos de purificação de natureza física que permitem separar

o material de que se aproveita a cor dos outros materiais a que

surge associado. Atendendo à composição inorgânica dos

pigmentos, é um material com origem mineral. Evidentemente,

um pigmento artificial é obtido através de reacções químicas,

quer a partir de materiais mais simples (pigmento sintético) quer

por decomposição de materiais mais complexos.

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Na história da humanidade, o uso de produtos naturais

geralmente precedeu a utilização dos respectivos equivalentes

artificiais, como aconteceu, por exemplo, com os corantes. No

caso dos pigmentos não foi este o percurso, já que ao longo de

toda a história da pintura tem sido uma constante a utilização

simultânea de pigmentos naturais e pigmentos artificiais. Com

efeito, já nas mais antigas pinturas conhecidas - a da gruta de

Chauvet, com cerca de 30 mil anos -, a par dos ocres de origem

natural, foi usado - aliás em grande extensão - um pigmento

preto, constituído essencialmente por carbono, preparado por

calcinação de madeira, portanto através de uma reacção de

decomposição, o qual serviu precisamente para datar as pinturas

(14). Actualmente conhecido como negro de carvão, foi empregue

em muitas outras pinturas parietais pré-históricas tal como outro

pigmento preto obtido por um semelhante processo de calcinação

de ossos ou marfim, presentemente designado como negro de

osso ou negro de marfim (15-17). Além disso, há evidências que

sugerem que alguns ocres vermelhos usados nas pinturas pré-

históricas foram artificialmente preparados por calcinação de

ocres amarelos (18). Mas na Antiguidade também foram utilizados

pigmentos sintéticos obtidos através de processos bem mais

complexos do que a calcinação. O exemplo mais importante é

proporcionado pelo pigmento presentemente identificado como

azul egípcio - provavelmente o primeiro pigmento sintético -,

obtido por fusão de cobre, sílica e calcário, correspondente à

fórmula CaCuSi4O10. Já preparado no 3.º milénio a.C., foi o

principal pigmento azul do Egipto antigo e da civilização romana,

embora tenha caído em desuso a partir do século IX (19, 20). Em

contrapartida, há pigmentos naturais, como os mencionados

ocres, que actualmente continuam a ter grande utilização.

A história dos pigmentos, portanto, sugere que a distinção entre

pigmentos naturais e pigmentos artificiais não parece ter tido

grande relevância, pelo menos do ponto de vista prático. No

mesmo sentido parecem apontar os antigos tratados de pintura e

outros livros de natureza técnica, não só pelos pigmentos que

referem como pelas considerações que desenvolvem, ou não, a

seu respeito.

Em primeiro lugar, deve-se notar que são sempre referidos

pigmentos naturais e pigmentos artificiais.

Em segundo lugar, sucede que este tipo de literatura

geralmemente apenas pretende ensinar a preparar e usar os

pigmentos, portanto, sugerindo que são pouco relevantes as

questões de natureza menos prática. Como pergunta o teórico

renascentista Alberti, em 1435, «o que interessa ao pintor saber

como é que a cor é feita da mistura de raro e denso, ou quente e

seco, ou frio e molhado? [...] É suficiente para o pintor saber quais

são as cores e como devem ser usadas em pintura» (21).

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Em terceiro lugar, quando é efectuada uma classificação dos

pigmentos, durante vários séculos ela frequentemente é feita,

antes de mais, com base em critérios de outra natureza. Por

exemplo, no século I, Plínio começa por dividir os pigmentos, a

partir do seu preço e do estatuto que por essa via adquirem, em

«cores austeras e cores opulentas», sendo estas «fornecidas ao

pintor pelo encomendante» (22). No século XVII, não é raro os

pigmentos serem separados em cores principais e cores

secundárias, ou em cores simples e cores compostas, ou noutras

categorias equivalentes, em qualquer um dos casos envolvendo

alguma confusão entre os materiais e as suas propriedades. Por

exemplo, cerca de 1656, um anónimo autor de um Tractado del

Arte de la Pintura, escrito em castelhano, diz: «As cores principais

com que se pintam todas as coisas da arte são sete: alvaiade -

ocre - almagre - ancorca - sombra - negro - espalto. As restantes

não são principais senão acidentais e para meias-tintas e

variedades de adornos» (23). Com sentido semelhante, o pintor

Pierre Lebrun escreve em 1635: «A paleta do pintor é a mãe de

todas as cores, pois da mistura de três ou quatro cores mestras o

seu pincel faz nascer e como que florir todas as outras cores»

(24). Deve-se notar que simultaneamente surgem materiais

naturais e materiais artificiais quer na lista de cores principais do

autor espanhol quer no conjunto das cores mestras de Lebrun.

Em quarto lugar, podem-se referir vários outros indícios de não

valorização dos pigmentos naturais. Por exemplo, diz Vitrúvio, no

século I a.C.: «O branco de chumbo, se for queimado num forno,

muda a sua cor por acção do fogo e dá origem a mínio

[sandaraca] [...] que é de muito melhor qualidade que o mineral

que se obtém nas minas» (25). Ainda que hoje se saiba que este

mineral não é o pigmento a que actualmente chamamos mínio,

mas sim o realgar, e, portanto, a comparação feita envolve dois

materiais diferentes, não era assim que Vitrúvio via a situação e

ao comparar dois pigmentos que julgava serem o mesmo,

claramente preferia a variedade artificial. De forma semelhante,

em 1724, o espanhol Antonio Palomino acha que entre o cinábrio

e o vermelhão, que são as variedades natural e sintética de um

mesmo pigmento, geralmente é «mais formoso o artificial» (26).

Ainda nesta perspectiva da não valorização dos materiais

naturais, pode-se referir o seguinte caso ocorrido em meados do

século XX: para as suas falsificações de pinturas holandesas do

século XVII, o pintor Han van Meegeren teve o cuidado de utilizar

azul ultramarino natural, como era usual no século XVII, e não a

variedade sintética que era habitualmente utilizada na sua época;

porém, verificou-se que o fornecedor do azul ultramarino,

certamente com o objectivo de melhorar a cor do material

natural, tinha-lhe adicionado um pouco de azul de cobalto, um

pigmento sintético que surgiu em 1802 e, portanto, sem querer,

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proporcionou um importante argumento a respeito da não

autenticidade das tais pinturas (27).

Nesta literatura antiga, porém, também se encontram exemplos

de utilização da origem dos pigmentos como primeiro critério

para a sua classificação e de valorização dos materiais naturais.

Assim, no século I a.C., Vitrúvio começa por dizer das cores que

«algumas formam-se, elas próprias, em determinados locais, de

onde se obtêm por mineração, mas outras são obtidas

artificialmente a partir de outras substâncias sujeitas a certos

tratamentos e misturas» (25). Em finais do século XIV, Cennino

Cennini inicia o assunto dizendo: «Deves saber que há sete cores

naturais» (3). Em 1587, diz Giovanni Batista Armeinini: «Creio que

é sabido, mesmo pelos pintores mais indiferentes, que todas as

cores usadas em pintura devem ser de dois tipos,

designadamente natural, também chamado mineral, e artificial»

(28). Século e meio depois, Palomino diz: «Voltando pois às cores

que são úteis e necessárias para pintar a óleo, umas são minerais

e outras artificiais» (26). Em 1757, Antoine-Joseph Pernety

começa por se referir às cores dos artistas nos seguintes termos:

«As naturais são aquelas que a natureza nos fornece tal e qual

são empregues, simples ou compostas; as artificiais são aquelas

que a arte forma através do fogo ou de qualquer outro agente por

combinação de vários ingredientes ou pela transformação que

esses agentes produzem sobre uma única e mesma matéria»

(29). Portanto, também não se trata de uma questão desprovida

de importância, pelo menos do ponto de vista teórico.

A classificação dos pigmentos em naturais e artificiais,

independentemente da importância atribuída a esta distinção, por

vezes envolve discrepâncias em relação à perspectiva actual, as

quais resultam quer de diferenças ao nível dos conceitos - que

não são de estranhar antes do desenvolvimento da química que

ocorre em finais do século XVIII - quer do desconhecimento da

real origem dos materiais. Por exemplo, Vitrúvio coloca os

corantes utilizados nalgumas lacas entre as cores artificiais (25)

tal como Plínio insere nesse conjunto o ocre amarelo, que designa

por ochra (22). Cennini, depois de referir que há sete cores

naturais, corrige que só quatro têm verdadeiramente essa

origem, pois as outras três «devem ser ajudadas artificialmente».

Entre estas conta-se ogiallorino, muito provavelmente o amarelo

de chumbo e estanho, um material sintético, sobre o qual diz: «E

julgo que esta cor é uma pedra nascida em lugares montanhosos

de grande aridez, mas digo-te que é uma cor artificial, ainda que

não de alquimia». As suas confusões a respeito do que é, ou não,

natural manifestam-se também no conceito de meio natural que

utiliza a propósito de outro pigmento: «Há uma cor verde que é

meio natural, pois faz-se artificialmente, pois faz-se de azurite

[azurro della Magnia], e esta cor chama-se malaquite [verde

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azurro]» (3). Neste caso talvez a sua confusão se possa explicar

pelo facto de a malaquite surgir associada à azurite e, por outro

lado, em determinadas circunstâncias, esta se transformar em

malaquite. Em relação ao giallorino, Thompson explica a situação

notando que, segundo a interpretação que faz do texto de

Cennini, o pigmento era recolhido na natureza, mas tinha origem

em vulcões e, portanto, era sujeito a tratamentos pelo fogo

semelhantes aos de alguns pigmentos realmente artificiais (30).

Principais pigmentos naturais

Têm sido muitos os pigmentos naturais utilizados nos últimos 30

mil anos, mas somente um número reduzido tem tido grande

importância, seja em resultado do seu uso, seja devido ao seu

valor. O azul ultramarino, o cinábrio, a azurite e a malaquite, a

terra verde e os ocres constituem, talvez, os melhores exemplos,

ainda que por razões diferentes.

Azul ultramarino

O azul ultramarino é, em certo sentido, o mais importante dos

pigmentos. «Cor nobre e bela, a mais perfeita de todas as cores,

da qual nada se pode dizer ou fazer que a sua qualidade não

ultrapasse» - diz Cennini (3). Tem origem no lápis-lazúli, uma

pedra semi-preciosa, que durante muitos séculos provinha quase

exclusivamente de uma certa região do actual Afeganistão - daí o

seu nome, ultramarino, porque vinha do outro lado do mar. Marco

Pólo no seu livro de viagens, escrito cerca de 1298, refere-se às

montanhas de onde vinha o azul ultramarino, que ele apenas vê

ao longe: «Em um monte desta província se acha pedra de azul,

da qual fazem azul fino que é o melhor que se acha no mundo, e

se acha em minas como ferro, e ainda acham prata em aquelas

minas» (31). Ainda hoje o acesso a essa região é extremamente

difícil (32).

Muitos dos pigmentos naturais podem ser obtidos apenas por

simples trituração dos respectivos minerais, mas isso não sucede

com o azul ultramarino. O lápis-lazúli é uma rocha constituída por

vários minerais, dos quais apenas a lazurite, correspondente à

fórmula química (Na,Ca)8[(SO4, S,Cl)2|(AlSiO4)6], tem cor azul. Se

este não for separado dos outros minerais, nomeadamente a

calcite (de cor branca) e a pirite (de cor amarela), obtém-se um

pigmento de cor acinzentada e não com a tão apreciada cor azul.

O processo de separação é muito mais complexo do que o

empregue no caso dos outros pigmentos e só foi descoberto cerca

de 1200, razão pela qual os pigmentos obtidos a partir do lápis-

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lazúli foram pouco utilizados em pintura antes dessa data (20,

33).

O processo de preparação do azul ultramarino é minuciosamente

descrito por Cennino Cennini: «Tritura-a [a pedra] num almofariz

de bronze tapado para que não te escape o pó. Depois coloca-a

sobre a pedra de pórfiro e mói-a sem água. Depois passa-a por

uma peneira tapada como os boticários fazem às suas drogas [...].

Quando este pó estiver pronto, compra a um boticário seis onças

de resina de pinheiro, três onças de mástique e três onças de

cera nova por cada libra de lápis-lazúli. Num recipiente novo,

mistura bem todas estas coisas. Depois toma um pano de linho e

coloca isto numa taça vidrada. Depois toma uma libra do dito pó

de lápis-lazúli, mistura-o bem e faz com ele uma pasta com todas

as coisas bem incorporadas. E para poderes trabalhar esta pasta

toma óleo de sementes de linho e mantém as tuas mãos bem

untadas com este óleo. Deves deixar repousar esta pasta pelo

menos três dias e três noites, trabalhando-a um pouco todos os

dias. [...] Quando fores extrair o azul, fá-lo da seguinte maneira:

faz dois bastões de uma vara forte, nem muito grossa nem muito

fina, cada um com um pé de comprimento, de forma que fiquem

arredondados nas extremidades e bem polidos. E depois coloca a

pasta na taça vidrada, onde estava, e junta uma tigela de lixívia

[=solução com os extractos de cinzas] moderadamente quente e

com os bastões, um em cada mão, revolve e amassa a mistura

como se fosse massa de pão, exactamente deste modo. Quando a

lixívia estiver bem azul, despeja-a para uma tigela vidrada. [...]

Mexe a lixívia com a tua mão e verás que o azul, devido ao seu

peso, irá ao fundo; e assim conhecerás os extractos do dito azul»

(3).

A origem remota, o laborioso processo de preparação e a cor

apreciada, intensa e estável facilmente explicam o elevado preço

que o azul ultramarino adquire na Idade Média e o estatuto de

material precioso que consequentemente alcança. Vários factos

dão conta deste elevado valor do pigmento, quer monetário quer

simbólico. Antes de mais, há as referências que se encontram nos

tratados. Por exemplo, o português Filipe Nunes diz claramente

em 1615: «O azul Ultramarino, como é tão caro não se usa muito,

e portanto se não sabe o uso dele tão facilmente» (9). Pouco

depois, o espanhol Francisco Pacheco diz a mesma coisa, ou seja,

«que nem se usa em Espanha nem têm os pintores espanhóis

capital para o usar» (10). Por outro lado, há vários contratos

relativos a encomendas de pinturas que obrigam os pintores a

usar azul ultramarino na obra em causa e outros que estabelecem

que o pigmento é pago à parte ou é fornecido directamente pelo

encomendante (34, 35). Este tipo de cláusulas geralmente apenas

envolve o azul ultramarino e o ouro - o que dá conta da

equivalência entre os dois materiais no que respeita ao seu custo.

Page 9: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

Finalmente, há pequenos factos avulsos, de natureza vária, como,

por exemplo, a história contada por Vasari, em 1568, a respeito

de uma pintura encomendada pelo prior de um convento

florentino a Pietro Vannucci, chamado Perugino, cerca de 1500:

«Segundo ouvi contar, o prior era muito bom a preparar o azul

ultramarino e, como o tinha em grande abundância, pretendia

que Pietro o utilizasse generosamente em todas as obras; mas

era tão avarento e desconfiado que, não confiando em Pietro,

queria estar sempre presente quando este utilizasse a cor. Pietro,

que por natureza era íntegro e honesto e dos outros só desejava o

que lhe era devido pelo seu trabalho, levou a mal a desconfiança

do prior e pensou em envergonhá-lo. E, assim, pegou uma

pequena bacia com água e sempre que pintava tecidos ou outros

motivos com azul e branco dirigia-se ao prior que,

miseravelmente, pegava no saco e colocava ultramarino no pote

onde estava água para o destemperar; começando o seu

trabalho, Pietro lavava o pincel na bacia com água após cada

duas pinceladas de forma que ficava mais ultramarino na água do

que na pintura. E o prior, que via o saco esvaziar e a pintura sem

tomar forma, repetidamente dizia: "Oh! Quanto ultramarino leva

esta argamassa". "Pode ver", respondia Pietro. Depois de o prior

sair, Pietro recolhia o ultramarino que estava no fundo da bacia; e

quando lhe pareceu oportuno, disse ao prior: "Padre, isto é seu;

aprendei a confiar num homem de bem que não engana quem

confia nele, mas que, se quiser, sabe muito bem como enganar

homens desconfiados como vós"» (36).

Devido ao facto de o lápis-lazúli chegar à Europa pelos portos

italianos, particularmente o de Veneza, o azul ultramarino era

com frequência e abundância usado em Itália nas pinturas mais

importantes ou grandiosas. Porém, não eram inexistentes as

situações de escassez do pigmento, como a que esteve envolvido

Miguel Ângelo: provavelmente deixou uma pintura inacabada,

a Deposição no Túmulo, actualmente na National Gallery,

Londres, por causa da demora em receber a quantidade de azul

ultramarino necessária para a representação da Virgem Maria que

devia figurar na obra (37). Fora de Itália era usado com mais

parcimónia. Filipe Nunes refere que «quem o quiser usar há-de

lavrar primeiro as roupas, ou o que quiser com azuis de Castela

ou Cinzas e depois de enxuto há-de lavrar por cima o Ultramarino,

que como é muito delgado se se usa só não cobre bem, porque

não tem corpo» (9), ou seja: devia ser aplicado numa fina camada

superficial, apenas para dar a sua tonalidade característica, sobre

uma camada de azurite, muito mais económica. Deste

procedimento encontram-se vários exemplos na pintura flamenga

do século XV, o qual também vem a ser empregue em Itália (33,

38).

Page 10: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

O elevado valor do azul ultramarino tornou-o num pigmento

especialmente utilizado nos motivos mais importantes das

pinturas como, por exemplo, o manto da Virgem Maria. Aliás,

provavelmente sucede que na Idade Média esse manto passou a

ser pintado de azul, em vez de vermelho ou branco, precisamente

porque essa era a cor do pigmento mais precioso (39).

Os séculos XIV a XVII correspondem ao período em que teve

maior importância (40). O aparecimento de outros pigmentos

azuis, sintéticos, muito mais económicos, especialmente o azul da

Prússia (sintetizado pela 1.ª vez entre 1704 e 1707), o azul de

cobalto (1802) e, finalmente, o azul ultramarino sintético (1828),

este último em resultado de um concurso criado em França com

um elevado prémio, e, por outro lado, a perda da carga simbólica

dos materiais, que é iniciada com a adopção da pintura a óleo,

levam à sua gradual substituição e desaparecimento quase total

das paletas dos pintores (1, 33).

Cinábrio

O cinábrio, quimicamente um sulfureto de mercúrio (HgS), é um

pigmento com uma história semelhante à do azul ultramarino,

pois já foi um pigmento com um estatuto de luxo e actualmente é

a sua variedade sintética, designada por vermelhão, que é

utilizada.

Foi na Antiguidade, designadamente no período romano, que teve

maior uso - sobretudo em pintura mural - e prestígio. Vitrúvio

conta o caso do «escriba Faberius que queria ter a sua habitação

no Aventino decorada com elegância e [por isso] fez pintar com

cinábrio [minium] todas as paredes do peristilo» (25). Sendo este

escriba o secretário de César, junto de quem tinha grande

influência, este episódio - que acabou mal porque o cinábrio, ao

contrário do que é comum, escureceu muito rapidamente - dá

uma ideia do valor que então estava associado ao pigmento. De

acordo com Plínio, «a mais famosa mina de cinábrio que abastece

o povo Romano é a de Sisapo, na Bética. Nada é guardado mais

rigorosamente. Não é permitida a purificação do minério no local,

mas duas mil libras por ano são levadas para Roma e em Roma é

feita a purificação. O preço de venda está fixado por lei, para que

não vá além de LXX sestércios por libra. Mas é adulterado de

muitas formas, do que resultam grandes proveitos para a

sociedade que o produz» (22).

O processo de preparação era simples. Segundo Vitrúvio,

«quando o minério está seco, é moído com pilões de ferro e,

através de sucessivas lavagens e aquecimentos, são removidas

as impurezas e é obtida a cor» (25).

Page 11: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

A síntese do vermelhão, a partir de enxofre e mercúrio, já era

conhecida no século VIII e a partir dessa ocasião o cinábrio

rapidamente é substituído pela variedade artificial (41).

Azurite e malaquite

A azurite e a malaquite, respectivamente com cor azul e cor

verde, são dois pigmentos muito semelhantes, quer nas

propriedades quer na utilização, em virtude de a sua composição

química ser idêntica: são carbonatos básicos de cobre que se

distinguem pela diferente proporção entre os iões carbonato e os

iões hidróxido, já que à azurite corresponde a fórmula

2CuCO3·Cu(OH)2 e à malaquite a fórmula CuCO3·Cu(OH)2 (42, 43).

Nas fontes escritas romanas, a azurite era designada

por Armenium, em virtude de provir sobretudo da Arménia, e a

malaquite, oriunda sobretudo da Macedónia, era conhecida

como chrysocolla (22, 25). De acordo com Plínio, eram duas das

seis «cores opulentas - fornecidas ao pintor pelo encomendante

-», entre as quais também se contava o cinábrio (22). No entanto,

ou talvez por isso, estes dois pigmentos parece terem sido pouco

utilizados nessa época (44, 45).

A malaquite, de uma forma geral, sempre foi pouco usada no

Ocidente, mas a azurite foi um dos principais pigmentos azuis

medievais e, quando misturada com um pigmento ou corante de

cor amarela, também foi utilizada em motivos de cor verde (40).

Geralmente os dois pigmentos eram obtidos em minas de cobre e

prata. Segundo Biringuccio, em 1540, a azurite «resulta dos

fumos dos minerais de prata» e a malaquite «é a exalação dos

minerais de cobre que têm uma mistura de prata» (46). Cennini

diz do pigmento azul que «há muito na Alemanha e em Siena» (3)

e, certamente por isso, a azurite era frequentemente designada

por azul da Alemanha. No entanto, a Hungria vem a tornar-se a

principal fonte dos dois pigmentos, como é evidenciada na

seguinte nota de João Pacheco, de 1738, a respeito da malaquite:

«Verde montanha, que é um verde azulado, mais delgado que o

Verde terra. Cria-se nos montes de Hungria, a modos de grãos de

areia» (47). A mesma origem se refere Diogo de Carvalho e

Sampayo, em 1787, quando se refere ao verde montanha: «se faz

de uma certa areia fina, que se tira das montanhas de Hungria, e

Moldávia» (48). A ocupação da Hungria pelos turcos nos séculos

XVI e XVII, que veio dificultar o comércio com o Ocidente e,

portanto, a causar a escassez dos dois minerais, contribuiu

significativamente para o abandono da azurite e da malaquite em

finais do século XVII (1, 42).

No entanto, as propriedades dos dois pigmentos e o aparecimento

de novos azuis, como o já mencionado azul da Prússia, também

Page 12: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

tiveram a sua quota de responsabilidade nesse abandono. Com

efeito, a azurite e a malaquite distinguem-se da generalidade dos

outros pigmentos pelo facto de terem cor pouco intensa que,

além disso, diminui significativamente com o decréscimo do

tamanho das partículas. Por isso, devem ser usados com uma

granulometria relativamente grosseira, o que origina uma tinta

com textura pouco agradável (49).  Deste problema dá conta

Cennini a propósito da malaquite: «Esta cor é grosseira por

natureza e parece areia fina. Para o bem desta cor trabalha-a

muito, muito pouco, só levemente, pois se a moeres demasiado

torna-se numa cor desbotada e cinzenta» (3). Além disso, os dois

pigmentos podem-se alterar com alguma facilidade, dizendo

Palomino que «o azul fino e o azul verde degeneram de sorte que

um e outro vêm a originar um mau verde» (26). Acresce ainda

que a azurite e a malaquite são relativamente transparentes - o

que é mais significativo na pintura a óleo do que na pintura a

têmpera -, sendo pouco adequados a certas técnicas de pintura

(49).

Terra verde

A terra verde é a designação aplicada a um conjunto de

pigmentos que devem a sua cor a minerais argilosos de cor verde

como a celadonite, a glauconite e a clorite. Quimicamente,

corresponde-lhe uma fórmula do tipo K[(Al,FeIII),(FeII,Mg)]

(AlSi3,Si4)O10(OH)2 e geralmente tem uma cor pouco saturada  (18,

50). Segundo Vitrúvio, «a terra verde [creta viridis] surge em

muitos locais, mas a melhor é a de Esmirna; os gregos chamam-

lhe theodoteion porque Theodotus era o nome do dono da

propriedade onde pela primeira vez foi encontrada esta terra» .

Provavelmente teve na época Romana a sua maior utilização, pois

é um pigmento especialmente adequado à pintura mural, devido

à sua grande estabilidade química e tonalidade (49, 51). Na Idade

Média foi bastante usada na pintura a têmpera, sobretudo numa

camada subjacente à camada de carnação (50). Cennini descreve

essa utilização da seguinte forma: «pega num pouco de terra

verde e num pouco de branco de chumbo, bem misturados; aplica

duas camadas por baixo da face, por baixo das mãos, por baixo

dos pés e por baixo das zonas de carnação»; ao aplicar as

camadas de cor rosada, «tem em mente que na pintura sobre

madeira têm que ser aplicadas mais camadas do que na pintura

mural; mas não muitas mais, de forma a que não deixe de ser

visível um pouco do verde que já está sob as zonas de carnação»

(3). Designada também por verdacho e terra de Verona, como

acontece, por exemplo, nos tratados de Filipe Nunes (9) e

Palomino (26), respectivamente, a terra verde tornou a ser

bastante frequente nas camadas superficiais das pinturas dos

Page 13: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

séculos XVII e XVIII, mas as mudanças de gosto e o aparecimento

de novos pigmentos verdes vieram originar uma significativa

diminuição do seu uso após essa época (40).

Actualmente, a terra verde tem uma importância muito reduzida,

ainda que continue a fazer parte das paletas dos pintores.

Ocres e outras terras

Não obstante a terra verde, a maior parte das terras têm cores

que vão do amarelo ao vermelho, passando pelo castanho, e, sob

o nome de ocres, têm sido utilizadas em pintura desde as mais

antigas pinturas pré-históricas - onde, frequentemente, são os

pigmentos mais abundantes. Estes pigmentos correspondem

essencialmente a materiais de natureza argilosa cuja cor é devida

a alguns minerais de ferro, nomeadamente a goetite (α-FeO(OH),

o principal constituinte do ocre amarelo) e a hematite (Fe2O3, o

responsável pela cor do ocre vermelho). A cor do ocre castanho

geralmente é devida a uma mistura de goetite com hematite, em

que aquela é predominante, salvo na terra de Úmbria, ou terra de

sombra, que também contém dióxido de manganês (MnO2). À

semelhança da terra verde, estes pigmentos são quimicamente

muito estáveis e podem ser usados em qualquer técnica de

pintura, quer na sua forma natural quer na sua forma calcinada (a

que, em princípio, corresponde uma cor mais avermelhada devido

à transformação da goetite em hematite em consequência do

aquecimento) (1, 18).

Os ocres utilizados em pintura têm sido obtidos em muitos locais,

mas os ocres amarelos e castanhos de origem italiana, entre os

quais a terra de Siena, têm sido especialmente apreciados.

Vitrúvio já se refere a essa origem quando diz: «O ocre amarelo

[sil] é encontrado em muitos locais, como em Itália; mas o

melhor, o ático, já não há agora» (25). Entre os ocres de cor

vermelha era especialmente conhecido o de Sinope, na Ásia

Menor, que em português ficou conhecido pelo nome de sinopla

ou variantes (6), o qual, além do uso geral comum a qualquer

pigmento, foi especialmente empregue na realização do desenho

subjacente das pinturas a fresco. O mesmo Vitrúvio menciona-o

quando refere que «o ocre vermelho [rubrica] também se acha

com abundância em muitos locais, mas o bom é raro e encontra-

se apenas em Sinope (Ponto), e no Egipto, nas Baleares (Hispânia)

e não menos em Lemnos, ilha cujas receitas foram atribuídas aos

atenienses pelo Senado e pelo Povo Romano» (25).

Há algumas referências a ocres de origem portuguesa utilizados

em pintura. Uma é a do português Filipe Nunes à sombra de

Sintra (9). Outra é a do espanhol Francisco Pacheco: «O ocre claro

Page 14: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

ou escuro deve ter muito corpo, como o de Flandres e de

Portugal» (10).

Como já foi referido, os ocres têm sido abundantemente

empregues nas pinturas de todas as épocas. No entanto, talvez se

possa destacar o seu uso na pintura mural romana e medieval e,

sobretudo, na pintura de cavalete dos séculos XVII e XVIII. Nesta,

além da cor predominante de muitas obras se dever aos ocres,

especialmente ao ocre castanho, sucede que frequentemente o

seu uso não se limita às camadas de tinta visíveis à superfície,

mas começa na camada de preparação aplicada sobre o suporte

de tela ou madeira. Com efeito, o recurso a preparações coradas

é uma das características da pintura dos séculos XVII e XVIII - por

oposição às preparações de cor branca preferencialmente usadas

quer antes quer depois - e os ocres amarelos, castanhos ou

vermelhos geralmente são os seus constituintes principais (52).

É interessante notar-se que decorriam então vários movimentos

que tinham como objectivo mover a pintura e os pintores do

universo dos ofícios mecânicos, como acontecia na Idade Média,

para uma situação social de maior prestígio e liberdade (53).

Neste contexto é frequente argumentar-se que os pintores mais

não fazem do que imitar Deus, como sucede no seguinte trecho

escrito pelo português Félix da Costa em 1696: «Para relatar a

excelência da Pintura, é conveniente dar notícia de seu princípio,

e antiguidade. Seu primeiro Autor foi Deus nosso Senhor em a

criação do primeiro homem [...]. Imitador é o Pintor da

Omnipotência Divina, pois quando pinta o corpo humano, lhe

forma corpo, e infunde viveza; se bem o pinta mudo: dando-lhe

alma em suas acções. Pelo sangue, a mescla do vermelho, em a

cor da carne; pela cólera, a mescla do pálido; pela fleuma, a

mescla do branco; pela melancolia, o denegrido das sombras;

compondo estas quatro cores, a cor da carne, e a viveza do

objecto; sendo uma matéria terrestre, assentada com o saber da

Arte, que lhe inspira a vida. [...] Formou Deus nosso Senhor ao

homem do lodo da terra, e lhe inspirou em seu rosto o alento de

vida, e ficou feito o homem com alma vivente. Com cores

terrenas imita o Pintor a seu Criador: as mais das cores são terras

e ainda as compostas da terra trazem seu princípio com os quais

se forma o corpo pintado; imitando com a ciência da Arte um

corpo relevado em uma superfície plana: da superfície da terra

tirou também a matéria com que formou Adão; as Cores, é a

matéria, a ciência, e o poder da Arte, é que lhe infunde a vida»

(54). Mais do que nunca, a pintura desta época ilustra essa

comparação, já que à semelhança de Deus, que fez com a terra o

homem e sobre a terra o colocou juntamente com os outros seres,

sobre as terras (ocres) da preparação e com as terras (ocres) das

tintas fazem os pintores surgir toda a vida que sai dos seus

pincéis.

Page 15: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

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António João Cruz, “Os pigmentos naturais utilizados em pintura”, in Alexandra Soveral Dias, António Estêvão Candeias (org.), Pigmentos e Corantes Naturais. Entre as artes e as ciências, Évora, Universidade de Évora, 2007, pp. 5-23

 

As cores dos artistas

História e ciência dos pigmentos utilizados em pintura

Page 19: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

António João Cruz

Departamento de Química e BíoquímicaFaculdade de Ciências de Lisboa1749-016 [email protected]

 

 

Embora sejam inúmeros os materiais com cor, poucos são

aqueles que têm sido utilizados em pintura por causa desta

propriedade - pois é relativamente limitado o número dos que são

acessíveis e mantêm uma cor intensa e estável, especialmente

quando reduzidos à forma de pó (figura C1). Além disso, para que

estes materiais se tornem interessantes aos olhos dos pintores, as

tintas resultantes da sua mistura com um aglutinante, como o

óleo, que liga essas pequenas partículas entre si e as fixa ao

suporte da pintura, devem exibir outras caraíterísticas,

designadamente relacionadas com o tom e a opacidade, que

estejam de acordo com algumas exigências que dependem da

técnica de pintura, da época, do contexto sócio-cultural e,

naturalmente, do pintor.

1. História ^

1.1. Antiguidade^

Desde as primeiras utilizações documentadas, os materiais

responsáveis pela cor de uma pintura correspondem sobretudo a

materiais inorgânicos e insolúveis no aglutinante, isto é,

pigmentos, embora ao longo da história também tenham sido

usados materiais orgânicos mais especificamente designados

como corantes - os quais, contudo, têm no tingimento dos têxteis

a sua principal utilização.

Nas pinturas pré-históricas, como as da gruta de Chauvet-Pont-

d'Arc (algumas com cerca de 30 mil anos) ou as da gruta de

Lascaux (com cerca de 17 mil anos), foram usados pigmentos

minerais relativamente comuns, como a hematite (Fe2O3, o

principal constituinte do pigmento actualmente designado como

ocre vermelho) e a goetite (α-FeO(OH), correspondente ao ocre

amarelo), mas foram igualmente utilizados pigmentos de carbono

preparados pelo homem pré-histórico através da calcinação de

madeiras (C, equivalente ao actual negro de carvão) ou, menos

frequentemente, de ossos (C+Ca3(PO4)2, negro de osso ou negro

de marfim). Ainda que também tenham sido identificados outros

pigmentos em pinturas parietais pré-históricas, designadamente

Page 20: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

pirolusite (MnO2, negro de manganês) e argilas (aluminosilicatos),

de facto, os mais importantes parece terem sido os ocres

vermelho e amarelo, entre os naturais, e o negro de carvão, entre

os artificiais - de acordo com as designações actualmente usadas

nos materiais para artistas.

Foi no Egipto antigo, no 3.º milénio a.C., que surgiu o primeiro

pigmento sintético, isto é preparado a partir de materiais mais

simples, já que o negro de carvão, usado há mais tempo, era

obtido a partir de materiais mais complexos. No século I a.C.,

Vitrúvio descreveu-o nos seguintes termos emSobre a

Arquitectura ou Os Dez Livros de Arquitectura: "A preparação do

azul egípcio foi inicialmente inventada em Alexandria e mais

tarde Vestório deu início à sua preparação em Puzzuoli. A

invenção é admirável, vistas as substâncias a partir das quais é

preparado. Areia e flores de natrão são moídas juntamente até

ficarem tão finas como farinha; adiciona-se limalha de cobre de

Chipre feita com limas grossas e rega-se tudo com um pouco de

água para fazer uma pasta com a qual se moldam várias bolas

com as mãos, que se deixam secar; depois de secas, colocam-se

estas bolas num pote e o pote no forno: o cobre e a areia, devido

à veemência do fogo, dão e recebem os suores libertados ao

serem aquecidos e perdem as suas propriedades devido à

veemência do fogo e originam a cor azul" (livro VII, cap. XI)1.

O azul egípcio (CaCuSi4O10) foi o pigmento azul mais usado no

ocidente durante o período romano (com o nome de caeruleum

aegyptium). De acordo com as fontes escritas da época,

designadamente o citado tratado de Vitrúvio, e a História Natural,

escrita por Plínio, o Velho, no século I d.C., há cerca de dois mil

anos também foram utilizados os seguintes pigmentos, entre

outros: azurite (2CuCO3·Cu(OH)2, caeruleum

cyprium ou armenium) e azul ultramarino (aproximadamente

(Na,Ca)8[(SO4,S,Cl)2|(AlSiO4)6], caeruleum scythicum, figura C2),

entre os azuis; terra verde (minerais argilosos, creta

viridis ou appianum), malaquite

(CuCO3·Cu(OH)2, chrysocolla ou armenium) e verdigris, isto é

verde da Grécia, ou verdete

(Cu(CH3COO)2·2Cu(OH)2, aeruca ou aerugo), entre os verdes;

cinábrio (HgS, minium ou cinnabaris, figura C2), ocre vermelho

(rubricaou sinopis), vermelho de chumbo ou mínio

(Pb3O4, sandaraca, secondarium minium, usta, cerussa

usta, purpurea ou syricum) e realgar (As4S4, sandaraca), entre os

vermelhos; ocre amarelo (sil ou ochra), auripigmento

(As2S3,auripigmentum), massicote (PbO, usta) e litargírio

(PbO+Pb3O4, spuma argenti), entre os amarelos; paretónio

(CaCO3, paraetonium), cré (CaCO3, creta) e branco de chumbo

(2PbCO3·Pb(OH)2, cerussa), entre os brancos; e negro de carvão,

Page 21: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

negro de fumo (C, atramentum) e negro de marfim

(elephantinum), entre os pretos.

Muitos destes pigmentos eram minerais recolhidos em diversos

locais, nomeadamente os ocres (era da Ática o melhor de cor

amarela, dizia Vitrúvio, e de Sinope, no Egipto, das ilhas Baleares

e de Lemnos, na Grécia, o de cor vermelha), o auripigmento e o

realgar (de Pontus, na Anatólia), o cinábrio (incialmente de Éfeso,

aliás Selçuk, na Turquia, e depois de Espanha), a azurite (da

Arménia), a malaquite (da Macedónia), o azul ultramarino (de

Badakshan, no Afeganistão), a terra verde (a melhor era de

Esmirna, na Turquia, afirmava Vitrúvio), a aragonite (proveniente

do Egipto, de Creta ou de Cyrenae, na Líbia, de acordo coí Plínio)

e o cré (de Esmirna, segundo Vitrúvio).

Outros, porém, eram preparados artificialmente. Assim sucedia

com os compostos de chumbo (massicote, litargírio e vermelho e

branco de chumbo) e com os compostos de cobre (azuí egípcio

e verdigris), obtidos ou por ataque dos metais ou por calcinação

ou fusão de outras substâncias. Origem artificial tinham também

os pigmentos resultantes da combustão de materiais de origem

vegetal ou animal (negros de uva, de fumo e de marfim,

preparados, respectivamente a partir de borras de vinho, resina e

ossos). A tecnologia utilizada, no entanto, era relativamente

rudimentar, como é ilustrado pelo azul egípcio. Um outro

exemplo, ainda mais simples, é proporcionado pelo branco de

chumbo: segundo Vitrúvio, "em Rodes colocam sarmentos no

fundo de uma vasilha de barro, onde deitam vinagre, e sobre os

sarmentos colocam pedaços de chumbo; as vasilhas são bem

fechadas para impedir a evaporação. Ao fim de certo tempo

abrem-se e os pedaços de chumbo estão transformados em

branco de chumbo" (livro VII, cap. XII). Este processo, que, no

essencial, continuou a ser utilizado durante muitos séculos, servia

também para preparar o verdigris ou verdete a partir de cobre.

Sobre o vermelho de chumbo, dizia Plínio que tinha sido

descoberto por acidente quando potes com branco de chumbo

tinham estado expostos a um incêndio em Pireu, na Grécia (livro

XXXV, 38). Embora, provavelmente, esta história não tenha

qualquer fundamento, dá conta, porém, do tipo de ambiente em

que foram inventados ou descobertos muitos dos pigmentos

tradicionais.

Os pigmentos referidos, obviamente, não eram utilizados com a

mesma frequência. Plínio referia que os grandes pintores do

passado, como o celebérrimo Apeles, usavam apenas quatro,

respectivamente melino (caulinite,melinum), de cor branca, ocre

amarelo da Ática, ocre vermelho de Sinope e negro de fumo. Mas

na sua época, dizia, a paleta e as paredes começavam a ter mais

cores, especialmente as que resultavam de pigmentos com

elevado valor (livro XXXV, 50). Entre estes destacava-se o

Page 22: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

cinábrio (figura C2), de intensa cor vermelha, que uma mina na

Bética, segundo Plínio guardada como mais nenhum outro local,

fornecia para todo o Império através de Roma (livro XXXIII, 118).

Além do cinábrio, Plínio também incluía a azurite e a malaquite

entre os pigmentos que, pelo seu elevado preço, eram fornecidos

aos pintores pelos autores das encomendas, a par de dois

corantes (índigo e púrpura) e uma resina (sangue de dragão)

(livro XXXV, 30). O quadro 1 apresenta mais alguns dados a este

respeito.

Quadro 1Preço dos pigmentos segundo Plínio. Havendo várias qualidades do mesmo pigmento, o quadro regista apenas o valor mais elevado. As referências

remetem para o local daHistória Natural onde se encontra a menção.

PigmentoPreço*(Denários / libra)

Referência

Aragonite (paraetonium) 8.33 XXXV, 36Margas (melinum) 0.25 XXXV, 37Ocre amarelo  da Ática (sil atticum) 2 XXXIII, 158Cinábrio (cinnabaris) 17.5 XXXIII, 118Ocre vermelho (sinopis) 2 XXXV, 31Mínio asiático (usta) 6 XXXV, 38Mínio (realgar adulterado) (sandaraca) 0.31 XXXV, 39Sandyx (ocre vermelho+mínio) 0.16 XXXV, 40Púrpura (purpurissum) 30 XXXV, 45Azurite da Arménia (armenium) 75 XXXV, 47Azurite de Espanha (hispanias harena) 6 XXXV, 47Azurite (lomentum) 10 XXXIII, 162Azurite (caeruleum) 8 XXXIII, 162Azul egípcio (azul de Vestório) 11 XXXIII, 162Índigo (indicum) 20 XXXV, 46Índigo (indicum) 7 XXXIII, 163Terra verde (appianum) 0.25 XXXV, 48* “Não ignoramos que os preços que indicámos antes variam com o lugar e variam todos os anos, de acordo com o custo dos transportes e com as aquisições feitas pelos mercadores [...]. No entanto, pareceu-me necessário indicar os preços habitualmente praticados em Roma, de forma a dar uma ideia do valor normal das coisas” (Plínio, livro XXXIII, 164).

 

1.2. Idade Média e séculos XVI e XVII ^

Os pigmentos usados na época romana continuaram a fazer parte

da paleta dos pintores, pelo menos, até finais do século XVII. A

única excepção é, possivelmente, o azul egípcio, que deixou de

ser usado após o século IX. No entanto, não só houve mudanças

Page 23: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

significativas a respeito da importância relativa de cada um

desses materiais que vieram da Antiguidade, como surgiram

novos pigmentos ou novas variedades dos pigmentos já

conhecidos.

No conjunto dos pigmentos vermelhos, o dispendioso e luxuoso

cinábrio foi substituído pela sua forma sintética, o vermelhão, que

se tornou no pigmento vermelho mais comum, ficando o

vermelho de chumbo, ou mínio, praticamente limitado às

iluminuras, isto é, miniaturas, ou seja desenho feito a mínio. A

preparação do vermelhão é descrita por Filipe Nunes, na sua Arte

da Pintura, em 1615: "Toma-se um púcaro novo, e nele se bota o

enxofre, & o azougue [=mercúrio] partes iguais, e depois se barra

muito bem que não saia o bafo fora, e posto ao fogo até que se

incorpore uma cousa com outra por espaço de cinco ou seis

horas" (figura 1). No entanto, não obstante a simplicidade do

processo que a descrição parece traduzir, a sua obtenção era

consideravelmente trabalhosa, sucedendo que Cennino Cennini,

cerca de 1390, em O Livro da Arte, recomendava a compra do

pigmento numa botica (figura C3) em vez da sua preparação na

oficina (cap. XL).

Entre os pigmentos azuis, o ultramarino, obtido do lápis-lazúli,

passou a ser mais usado, não obstante o seu elevadíssimo preço,

comparável com o do ouro, resultante de uma origem longínqua

(actual Afeganistão, como na Antiguidade) e de um processo de

purificação muito trabalhoso, só estabelecido cerca de 1200,

pormenorizadamente descrito por Cennini (cap. LXII). Essa

utilização foi mais importante no sul da Europa, nas regiões mais

em contacto com o porto de Veneza, aonde atracavam os navios

que transportavam os pigmentos com origem mais longínqua, do

que no Norte da Europa, nomeadamente na Flandres, onde os

pintores que o usavam, mais do que quaisquer outros, tentaram

minimizar as quantidades gastas e, portanto, os custos. Com

efeito, em várias obras flamengas, designadamente de Jan Van

Eyck e Dieric Bouts, sob uma fina camada superficial

(parcialmente transparente, cf. secção 2.2) de azul ultramarino,

encontra-se um pigmento azul mais económico, como a azurite.

De qualquer forma, o ultramarino parece ter sido mais enaltecido

do que usado. Por exemplo, sobre ele escreveu Cennini: "Cor

nobre e bela, a mais perfeita de todas as cores, da qual nada se

pode dizer ou fazer que a sua qualidade não ultrapasse" (cap.

LXII). A azurite, ainda que moderadamente dispendiosa, tornou-se

assim o pigmento azul mais frequente. O esmalte, um vidro

potássico com cobalto, surgido em meados do século XV, não veio

a alterar significativamente o panorama, entre outras razões,

devido à sua cor pouco intensa.

A terra verde, especialmente adequada à pintura a fresco (como

era maioritariamente a pintura romana, pelo menos a que

Page 24: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

conhecemos), na pintura de cavalete foi em grande parte

substituída pelo verdigris, ou verdete, e, em menor extensão, pelo

resinato de cobre (composição variável, por exemplo

(C19H29COO)2Cu), preparado por reacção do verdigris com uma

resina. Embora o período medieval tenha sido avesso à mistura

de cores, pois a cada pigmento era atribuído um valor íntrínseco

que devia ser realçado, em honra de Deus e dos doadores, com

alguma frequência a cor verde era obtida por mistura de

pigmentos azuis e amarelos, em virtude de serem fracas as

alternativas. Entre os amarelos, o ocre continuou a ser o mais

importante até ao século XIV, mas nos séculos XV e XVI cedeu

essa posição ao amarelo de chumbo e estanho - um novo

pigmento, sintético, de cor intensa, com duas variedades, que

surgiram, respectivamente, cerca de 1300 e cerca de 1420, a

primeira correspondente a um material heterogéneo formado por

uma matriz vítrea com inclusões cristalinas (tipo II,

aproximadamente Pb(Sn,Si)O3 ou PbSn2SiO7), e a segunda, que

rapidamente substituiu aquela, com uma estrutura cristalina bem

definida (tipo I, Pb2SnO4). No século XVII começou a ser usado um

outro pigmento da mesma cor, conhecido como amarelo de

Nápoles (Pb3(SbO4)2), com origem na indústria do vidro, ainda que

se trate de um material cristalino, obtido por calcinação de uma

mistura de óxidos de chumbo e de antimónio. No entanto, só no

século seguinte teve significativa divulgação.

Finalmente, importa referir que o branco de chumbo quase se

tornou no único pigmento branco utilizado na pintura de cavalete,

com muita vantagem para a conservação das obras e estudo

laboratorial das mesmas. Com efeito, por requerer uma

relativamente reduzida quantidade de óleo, as zonas pintadas

com este pigmento mostram pouco os problemas de alteração

que geralmente têm origem no aglutinante. Por outro lado, muitos

dos estudos de pinturas feitos a partir de radiografias devem a

sua possibilidade à grande opacidade que o branco de chumbo

apresenta aos raios X e à sua ubiquidade. Os outros pigmentos da

mesma cor, designadamente o cré e o gesso, ficaram

praticamente limitados à camada preparatória aplicada sobre o

suporte, a qual, no século XV, geralmente era de cré no norte da

Europa e de gesso no sul. O seu abandono na pintura a óleo está

relacionado com a sua falta de opacidade neste meio (cf. secção

2.2).

1.3. Pigmentos modernos ^

No século XVIII iniciou-se uma nova etapa na história dos

pigmentos, a qual está profundamente relacionada com o

desenvolvimento da química, em geral, e, em particular, com a

descoberta de novos elementos eía síntese laboratorial de novos

Page 25: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

materiais. O primeiro destes pigmentos foi o azul da Prússia

(Fe4[Fe(CN)6]3), preparado pela primeira vez, ainda que

acidentalmente, algures entre 1704 e 1707, em Berlim. De acordo

com o relato de G. E. Stahl, de 1731, "o fabricante de pigmentos

Diesbach costumava fazer uma laca florentina adicionando a

cochinilha em ebulição, alúmen e sulfato ferroso e depois um

certo alcali que originava a sua precipitação. Um dia, tendo

acabado o alcali, pediu emprestado algum a J. C. Dippel, em cujo

laboratório trabalhava. Dieppel deu-lhe um alcali que

repetidamente tinha utilizado na destilação de um óleo animal e

que já não servia para o efeito. Para surpresa de Diesbach,

quando o usou, surgiu uma bela cor azul em vez da cor vermelha

que esperava". Devido, por um lado, à inexistência de um

pigmento azul de cor intensa economicamente acessível, e, por

outro lado, à preferência que esta cor ia ganhando por esta

ocasião, rapidamente se tornou num dos pigmentos mais usados

e quase fez desaparecer da paleta dos pintores os outros azuis.

A descoberta do azul da Prússia, no entanto, foi um caso isolado

que se desenvolveu ainda num ambiente pré-Lavoisier. Só várias

décadas depois surgiram outros pigmentos. O primeiro a ganhar

importância foi o azul de cobalto (CoAl2O4), sintetizado por L. J.

Thenard (figura 2) em 1802, o qual não só depressa substituiu o

esmalte, como adquiriu uma importância semelhante à do azul da

Prússia. Pouco depois, em França, iniciou-se um processo que

levou à criação de um prémio de 6 mil francos, em 1824,  para

quem descobrisse uma forma de produzir artificialmente azul

ultramarino com um custo inferior a 300 francos/kg, cerca de dez

vezes inferior ao da variedade natural. O prémio veio a ser ganho

por J. B. Guimet, em 1828, embora o alemão L. Gmelin também o

tenha reclamado. A comercialização desta variedade do azul

ultramarino, conhecida por ultramarino francês, iniciou-se em

1830 e, tendo-se tornado no azul mais económico, em curto prazo

conquistou um lugar muito importante à superfície das pinturas.

Pouco depois do aparecimento do azul de cobalto surgem as

primeiras referências ao amarelo de crómio (PbCrO4) - um

pigmento directamente relacionado com a descoberta do

elemento crómio, em 1797, por L. N. Vauquelin. Começou a ser

usado, possivelmente, entre 1804 e 1809. A descoberta do

cádmio, por F. Stromeyer, em 1817, por sua vez, possibilitou o

aparecimento de um outro pigmento, o amarelo de cádmio (CdS),

sugerido pelo mesmo Stromeyer em 1818: "este sulfureto, devido

à beleza e estabilidade da sua cor, bem como à propriedade que

tem de se ligar bem às outras cores, especialmente ao azul,

promete ser útil em pintura". Não obstante as referências de 1829

ao seu emprego em pintura, a sua comercialização só se iniciou

cerca de 1846, embora devido ao seu elevado preço, resultante

da escassa produção do metal, só ganhe grande divulgação a

Page 26: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

partir de 1917, puro, e, sobretudo, a partir de 1921, neste caso

co-precipitado com sulfato de bário, na forma de litopone de

amarelo de cádmio (CdS+BaSO4). Ainda em 1880, dizia C.-E.

Guignet sobre o amarelo de cádmio: "uma cor perfeita, se não

fosse tão cara".

O verde - a outra cor, além do azul, que se encontrava mal

representada no conjunto dos pigmentos - também foi

enriquecido durante a primeira metade do século XIX com um

número significativo de novos materiais. O verde esmeralda

(3Cu(AsO2)2·Cu(CH3COO)2) começou a ser fabricado em 1814 em

Schweinfurt, na Alemanha, e em Viena, na Áustria. Depois

apareceram vários pigmentos que incluem o crómio na sua

composição. O primeiro foi o verde de óxido de crómio (Cr2O3),

provavelmente já conhecido cerca de 1815, embora a sua

expansão não tenha ocorrido antes de cerca de 1840. O verde de

óxido de crómio hidratado (Cr2O3·2H2O), em Inglaterra designado

por viridian e em França por vert émeraude, transparente e com

uma cor viva e intensa, muito mais interessante do que a do

verde de óxido de crómio, terá sido preparado pela primeira vez

por Pannetier, em Paris, cerca de 1838. Contudo, foi o

desenvolvimento de um outro processo de fabrico, por Guignet,

em 1859, que, ao permitir diminuir o seu custo, conduziu à sua

ampla divulgação. Um terceiro pigmento foi o verde de crómio

(PbCrO4+Fe4[Fe(CN)6]3), obtido por co-precipitação de amarelo de

crómio e azul da Prússia, com referências conhecidas a partir de

1842.

Foi igualmente na primeira metade do século XIX, mais

precisamente em 1834, que ficou disponível no comércio o branco

de zinco (ZnO), ainda que as primeiras tentativas de utilização do

pigmento remontem, pelo menos, a 1780. Por detrás deste

relativamente longo processo, que culmina na sua utilização em

metade das pinturas de cavalete executadas em finais de

oitocentos, está a intenção de substituição do branco de chumbo,

não por causa das suas qualidades em pintura (aliás, excelentes),

mas por razão da sua toxicidade. Este objectivo, contudo, só foi

razoavelmente alcançado no século XX após o aparecimento do

branco de titânio (TiO2), já que as propriedades do branco de

zinco, pelo menos nos primeiros tempos, foram consideradas

bastante inferiores às do branco de chumbo. A produção regular

do branco de titânio iniciou-se em 1918, primeiro na forma de

anátase e depois de rútilo, embora a possibilidade da sua

utilização em pintura tenha sido formulada cerca de 1908 e o

primeiro processo de fabrico tenha sido estabelecido cerca de

1910. Hoje é o pigmento branco mais utilizado, em arte e não só.

Também no início do século XX surgiu um outro pigmento que

igualmente veio a tornar-se muito importante - o vermelho de

cádmio (CdS+CdSe). Começou a ser produzido cerca de 1910 e o

Page 27: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

respectivo litopone de vermelho de cádmio (CdS+CdSe+BaSO4),

muito mais económico, cerca de 1926. Depois o número de cores

para os artistas aumentou muito significativamente, mas, de uma

forma geral, foram corantes, e não pigmentos, os responsáveis

por esta situação.

1.4. Algumas consequências do aparecimento dos

pigmentos modernos ^

Uma das consequências da introdução dos novos pigmentos em

pintura, sobretudo no século XIX, foi o desaparecimento de outros

ou, pelo menos, a diminuição da sua frequência de utilização. No

caso do azul ultramarino natural isso resultou, antes de mais, do

seu elevado custo, sendo muito significativa a este respeito a

afirmação proferida por Filipe Nunes em 1615, repetida por João

Pacheco em 1734 e citada por Francisco de Assis Rodrigues em

1875 de que "o azul ultramarino, como é tão caro, não se usa

muito, e portanto se não sabe o uso dele tão facilmente". Para a

perda de importância da azurite e da malaquite terão contribuído

várias causas, mas as mais significativas possivelmente terão sido

a ocupação, pelos turcos, da Hungria, onde se encontrava a

principal origem, e a melhor adequação do pigmento para a

pintura a têmpera do para a pintura a óleo - como é a maior parte

da pintura de cavalete posterior ao século XV. A este respeito é

interessante a observação de A.-J. Pernety, no seu Dictionnaire

Portatif de Peinture, Sculpture et Gravure, em 1757: "As cinzas

azuis [=azurite], que são uma cor traiçoeira em óleo, são

encantadoras em têmpera e ocupam um lugar de destaque entre

os pigmentos que se usam nessa pintura". No caso da terra verde

terá pesado principalmente a sua cor pouco saturada, mas o

completo desaparecimento do amarelo de chumbo e estanho das

paletas e da memória dos pintores, cerca de 1750, é ainda um

mistério, já que se trata de um pigmento com excelentes

propriedades. Só foi redescoberto cerca de 1940, por R. Jacobi.

Uma outra consequência dos novos pigmentos traduziu-se nas

condições que criaram para o desenvolvimento da pintura

naturalista e, muito especialmente, para o surgimento do

Impressionismo. Com efeito, torna-se difícil imaginar a pintura de

ar livre da segunda metade do século XIX sem os novos

pigmentos verdes e azuis que, geralmente, ocupam significativas

áreas desses quadros. Mas também convém referir que para

essas obras de igual forma contribuíram outros progressos

técnicos, como a invenção dos tubos de tinta, em 1841. Como

afirmou Renoir, "sem os tubos de tinta não teria existido um

Cézanne, nem um Monet, nem um Sisley ou um Pissaro, nem

nada do que os jornalistas mais tarde chamaram

Impressionismo".

Page 28: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

Os novos processos utilizados na síntese destes novos pigmentos,

as condições laboratoriais que exigem e o conhecimento

especializado que pressupõem, contudo, modificaram de forma

negativa a relação dos artistas, em particular dos pintores, com

os materiais que usam. Se durante muitos séculos grande parte

do trabalho de preparação dos pigmentos era realizado no atelier,

como mostram muitas pinturas e gravuras (figura 3) e se

depreende das minuciosas instruções dos tratados técnicos, a

possibilidade de aquisição das tintas prontas a usar, primeiro

vendidas em bexigas de porco (figura 4), depois em tubos de

metal, criou uma maior separação entre os artistas e os materiais

e deu aos pintores uma maior liberdade, mas também os colocou

numa situação de dependência em relação às formulações

preparadas em laboratórios e fábricas, originou a ideia (mito?) de

que os antigos mestres faziam uma pintura de muito melhor

qualidade material, assente em sólidos princípios técnicos

transmitidos de geração em geração, e proporcionou o

aparecimento de obras com gravíssimos problemas de

conservação em resultado de incorrectas utilizações dos

materiais. Como sintetizou o pintor pré-rafaelita William Hunt, em

1880, "antigamente, os segredos eram guardados pelo artista;

agora ele é o primeiro a ficar na ignorância dos materiais que

usa".

2. Física e química ^

2.1. A origem da cor ^

Quando a luz branca incide numa partícula de um certo pigmento

ocorre a absorção preferencial da radiação com determinados

comprimentos de onda que, precisamente, correspondem à cor

complementar do material (figura C4). Por exemplo, o vermelhão

remove mais as componentes amarela, verde e azul da radiação

do que a componente vermelha pelo que, estando esta em

excesso na luz que alcança os nossos olhos, esta é a cor exibida

pelo pigmento (figura C5). Constituem excepção os pigmentos

ideais de cor preta e de cor branca, pois os primeiros absorvem

toda a radiação luminosa e os últimos nada absorvem. Na

realidade, porém, os pigmentos pretos absorvem quase toda a luz

que neles incide e os brancos reflectem-na quase totalmente.

Além disso, em qualquer um dos casos, a absorção não é

constante ao longo de todo o espectro visível, dependendo do

pigmento, e, portanto, os de cor branca não têm exactamente a

mesma cor, da mesma forma que os de cor preta também não. É

por isso que, por exemplo, pode dizer-se que o branco de titânio é

o mais branco dos pigmentos brancos.

Page 29: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

A absorção da radiação visível está associada a transições

electrónicas entre as orbitais moleculares das substâncias

coloridas. No caso particular dos pigmentos há duas ou três

situações que é costume distinguir-se de acordo com as

características das orbitais envolvidas, nomeadamente tendo em

consideração as diferentes contribuições atómicas para essas

oribtais moleculares. Esta distinção tem a grande vantagem de

permitir explicações relativamente simples, pois em cada

situação são apenas considerados os aspectos concretos mais

relevantes e não é invocado um modelo geral muitíssimo mais

complexo. É assim que devem ser entendidas as referências às

várias causas da cor.

O caso mais simples, provavelmente, é o dos pigmentos que têm

na sua composição iões com orbitais d parcialmente preenchidas,

pertencentes a elementos de transição, os quais geralmente

devem a sua cor a transições que apenas envolvem estas orbitais,

ou seja, transições d-d. Este facto resulta de as orbitais d não

terem todas a mesma energia quando estão sujeitas ao campo

electromagnético de outras espécies químicas na sua vizinhança

(ligandos). Com efeito, como é explicado pela teoria do campo

cristalino, numa estrutura tetraédrica há três orbitais d (t2g) que,

devido à sua orientação espacial, aproximam-se mais dos quatro

ligandos e, consequentemente, têm energia superior à das outras

duas orbitais d (eg), em virtude de um electrão numa das

orbitais t2g ficar sujeito a maior repulsão por parte dos electrões

dos ligandos do que se ocupar uma das orbitais eg (figura 5).

Embora um electrão tenha tendência a ocupar a orbital de menor

energia, pode transitar para uma orbital com maior energia se for

excitado através da absorção de radiação com energia

correspondente precisamente à diferença energética entre as

duas orbitais, a qual, tendo um valor relativamente reduzido,

frequentemente corresponde a radiação visível. Vários

fenómenos, nomeadamente os movimentos vibratórios que

provocam oscilações em torno das posições de equilíbrio das

espécies envolvidas na interacção, fazem com que essa diferença

energética não seja constante e, assim, dão origem a um

espectro em que a absorção não se traduz por uma risca no

espectro, mas sim por uma banda. A absorção selectiva de

determinados comprimentos de onda do espectro visível que

ocorre nestas condições está na origem da cor de pigmentos

como o azul de cobalto (figura 6) e o esmalte. No caso do ião

central estar rodeado de seis ligandos, numa estrutura

octaédrica, sucede algo semelhante, excepto no facto de se

encontrar invertida a situação energética das

orbitais eg e t2 (figura 5). Além disso, as transições entre

orbitais d são proibidas numa estrutura octaédrica, devido à sua

simetria. Contudo, os movimentos vibratórios removem-na

temporariamente, pelo que efectivamente ocorrem algumas

Page 30: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

transições d-d, ainda que em número muito inferior às que se

verificam nas estruturas tetraédricas. Em consequência é

relativamente pouco intensa a cor dos pigmentos em que o ião

metálico faz parte de uma estrutura octaédrica, como é o caso do

verde de óxido de crómio e verde esmeralda2. De uma forma

geral, os pigmentos de crómio (III), ferro, cobalto e cobre,

independentemente da estrutura de coordenação, têm uma cor

que é devida a transições d-d, ou, pelo menos, para a qual estas

contribuem (pigmentos de ferro). Deve salientar-se que a cor dos

pigmentos de crómio (VI), como o amarelo de crómio, tem

necessariamente outra origem, pois o ião Cr6+ não tem

orbitais d semi-preenchidas. Por outro lado, pode notar-se que as

transições d-d, pelo menos no caso dos materiais utilizados em

pintura, envolvem energias correspondentes à fracção menos

energética do espectro visível, ou seja sobretudo radiação

vermelha e amarela, e, portanto, originam pigmentos de cor

verde ou azul.

Uma segunda origem para a cor reside nas transições

electrónicas de transferência de carga que, de certa forma,

traduzem reacções de oxidação-redução envolvendo os iões

metálicos e os ligandos ao seu redor. Com efeito, verifica-se

nalguns pigmentos que a absorção de radiação do espectro

visível é acompanhada de uma transferência de um electrão de

uma orbital p do ligando para uma orbital do metal, sendo a

transferência de carga, portanto, no sentido do ligando para o

metal, ou seja, no sentido inverso ao da formação dos iões.

Consequentemente, o processo é tanto mais favorecido quanto

maior é o carácter covalente da ligação metal-ligando. Além

disso, os ligandos têm que ser facilmente oxidáveis e dispor de

electrões de valência não compartilhados. Por outro lado, é

necessário que o ião metálico possa ser reduzido com alguma

facilidade. Assim, normalmente envolvem metais do lado direito

da tabela periódica e elementos como o oxigénio e o enxofre.

Entre os pigmentos que devem a sua cor a transferências de

carga do ligando para o metal contam-se o massicote, o amarelo

de crómio, os ocres, o amarelo de Nápoles, o amarelo de cádmio,

o vermelhão, o auripigmento e o realgar. De uma forma geral, as

transições de carga envolvem energias superiores às das

transições d-d, pelo que estão associadas a absorção no domínio

do ultravioleta ou, como acontece com os pigmentos, das

componentesívisíveis mais energéticas, situação em que originam

materiais de cor amarela ou vermelha. Estas transições são

permitidas e a cor que delas resulta habitualmente é muitíssimo

mais intensa do que a que tem origem nas transições d-d. Por isso

os principais constituintes dos ocres, designadamente a hematite

e a goetite, que também apresentam transições d-d, têm as cores

que lhes conhecemos e não são azuis ou verdes como se

esperaria em resultado daquelas transições.

Page 31: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

O azul da Prússia é um caso particular pois a sua cor deve-se à

transferência de carga que ocorre entre os iões de ferro no estado

de oxidação +2 (dos ligandos, [Fe(CN)6]4-) e os que se encontram

no estado de oxidação +3 (iões centrais). A energia envolvida é

menor, pois o estado fundamental e o estado excitado são neste

caso energeticamente mais semelhantes, e, assim, a sua cor é

diferente da dos outros pigmentos que devem a cor a

transferências de carga.

Um outro caso atípico entre os pigmentos é o do azul ultramarino,

em que são os constituintes minoritários, designadamente o

radical S3-, que estão envolvidos nos processos de transferência

de carga.

Não obstante o facto de o enxofre e o oxigénio pertencerem ao

mesmo grupo da tabela periódica e, portanto, apresentarem

significativas semelhanças químicas, as transferências de carga

explicam melhor a cor dos pigmentos que correspondem a óxidos

do que a cor dos que são sulfuretos. Estes têm propriedades que

levam a classificá-los como semi-condutores e a sua cor pode ser

explicada alternativamente, com vantagem, através de transições

electrónicas entre a banda de valência e a banda de condução -

bandas estas que estão relacionadas com a periodicidade da

estrutura cristalina dos pigmentos. Com efeito, sendo a diferença

energética entre as duas bandas menor do que 3,1 eV, como

sucede no auripigmento, realgar, vermelhão e amarelo e

vermelho de cádmio, a absorção da radiação visível é suficiente

para provocar essa transição e, consequentemente, ocorre a

remoção das componentes visíveis do espectro com energia

superior à diferença energética entre as duas bandas. Portanto,

nestes casos, os menores comprimentos de onda do espectro

visível são sempre removidos e, assim, estes pigmentos

necessariamente têm cores que correspondem às componentes

menos energéticas, ou seja, são vermelhos ou amarelos (figura

7).

2.2. A opacidade ^

Quando a luz incide numa partícula de um pigmento, uma parte é

reflectida. Em termos geométricos pode considerar-se que esta

reflexão ocorre rigorosamente à superfície da partícula (tal como

é feito nos esquemas aqui apresentados), mas, na realidade, este

fenómeno geralmente envolve uma fina camada do material, com

uma espessura de cerca de metade do comprimento de onda da

radiação incidente, na qual ocorre alguma absorção da radiação,

absorção esta que é responsável pela cor apresentada pela luz

reflectida. A outra fracção da luz incidente penetra no material

segundo uma direcção diferente da direcção do feixe incidente

Page 32: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

(figura C6). Este último fenómeno, que consiste na refracção, é

devido ao facto de a velocidade da luz ser diferente nos dois

meios, isto é no pigmento e no exterior. A relação entre o ângulo

de incidência ai e o ângulo de refracção ar é dada pela lei de Snell,

,

em que n e next representam o índice de refracção do pigmento e

do meio exterior, respectivamente. No quadro 2 estão registados

valores para alguns pigmentos, bem como para alguns possíveis

meios exteriores (por exemplo, ar, água, óleo).

Quadro 2Índice de refracção de alguns pigmentos e aglutinantes, na maior parte dos casos determinados a 589,3 nm (risca D do sódio). Quadro elaborado a partir de Brill, 1980.

Material nGesso 1,42Esmalte 1,4 - 1,5Azul ultramarino natural 1,50Azul da Prússia 1,56Cré 1,59Azul de cobalto 1,74Azurite 1,77Malaquite 1,81Branco de zinco 2,00Amarelo de Nápoles 2,0 - 2,3Branco de chumbo 2,04Amarelo de cádmio 2,3 - 2,5Ocre 2,37Mínio 2,41Verde de óxido de crómio 2,5Terra verde 2,5 - 2,7Branco de titânio (anátase) 2,54Massicote 2,63Realgar 2,64Vermelho de cádmio 2,6 - 2,8Branco de titânio (rútilo) 2,71Auripigmento 2,74Vermelhão 2,97Ar 1,003Água 1,33Gema de ovo 1,35

Page 33: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

Goma arábica 1,48Óleo de linho 1,48 

Da componente não reflectida à superfície, apenas uma parte

atravessa completamente a partícula, ou seja, é transmitida, pois

ocorre absorção pelo pigmento, através de vários processos,

entre os quais os referidos na secção anterior. Como a absorção é

selectiva, a luz transmitida não é branca, mas tem a cor do

pigmento (figura C6). A fracção transmitida da radiação que

incide segundo a normal à superfície é dada pela lei de Lambert,

,

em que Ii e It representam as intensidades dos feixes incidente e

transmitido, respectivamente, a é um coeficiente de absorção,

característico do pigmento, embora dependente do comprimento

de onda da radiação, e l a espessura da partícula. A luz reflectida

também tem a cor do pigmento, mas como geralmente resulta da

absorção numa espessura menor do que a atravessada pela

fracção transmitida, naquele caso a absorção é menor e,

consequentemente, a luz reflectida é menos saturada do que a

luz transmitida (figura C6).

Na ausência de absorção, o índice de refracção diminui com o

aumento do comprimento de onda da radiação, ou seja, do violeta

para o vermelho, mas a absorção dá origem a um fenómeno, dito

de dispersão anómala, que se traduz no facto de, na vizinhança

da banda de absorção, ser mais elevado do lado dos maiores

comprimentos de onda do que do lado dos menores (figura 8).

Resulta daqui que os pigmentos que absorvem as componentes

da luz com menor comprimento de onda, isto é, pigmentos

vermelhos e amarelos, têm índices de refracção maiores do que

aconteceria se não houvesse dispersão anómala, enquanto se

passa o contrário com os materiais que absorvem na zona de

maiores comprimentos de onda, ou seja, pigmentos azuis e

verdes. Por isso, estes frequentemente têm índices de refracção

menores do que aqueles (cf. quadro 2).

A fracção de luz reflectida na interface (figura C6), no caso mais

simples em que incide perpendicularmente à superfície, pode ser

calculada através da expressão

,

em que Id é a intensidade do feixe reflectido. De acordo com esta

equação, quanto maior é a diferença entre os dois índices de

Page 34: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

refracção, maior é o valor da fracção Id/Ii e, portanto, mais opaco é

o pigmento (figura 9). Assim, de uma forma geral, os pigmentos

vermelhos e amarelos, com maior índice de refracção e,

consequentemente, maior diferença n-next, são mais opacos do

que os azuis e verdes.

Na pintura a óleo, em que as partículas dos pigmentos ficam

envolvidas por óleo, a diferença n-next é menor do que na pintura

a fresco, em que as partículas ficam directamente expostas ao ar,

e na pintura a têmpera, em que ficam em contacto com a gema

de ovo (figura C7). Assim, por um lado, os pigmentos são mais

transparentes em óleo. Por outro lado, têm maior saturação, isto

é intensidade de cor, porque a fracção de luz branca reflectida à

superfície é menor (figura C7).

A opacidade de uma camada de pintura, no entanto, também é

função da relação pigmento/aglutinante e da granulometria do

pigmento. Os dois efeitos, porém, têm uma mesma causa, que

reside no facto de as partículas dos pigmentos dispersos na

matriz do aglutinante constituírem um obstáculo à propagação da

luz que entra na camada de tinta em consequência da diferença

entre os índices de refracção dos dois materiais (cf. quadro 2).

Ora, cada vez que um certo feixe de luz encontra a superfície de

uma partícula de pigmento, uma fracção do mesmo é reflectida,

ou seja, é desviada da sua trajectória. Quanto maior é o número

de partículas num certo volume, maior é o número de desvios e,

assim, menos provável é que um feixe luminoso incidente numa

camada de pintura a consiga atravessar, ser reflectido na

interface interior e sair dessa camada de forma a chegar aos

olhos do observador (figura 10). Consequentemente, maior é a

opacidade quanto maior é o número de partículas por unidade de

volume, o qual, evidentemente, aumenta quando aumenta a

razão pigmento/aglutinante ou quando diminui o tamanho das

partículas se se mantiver constante a quantidade de pigmento e

de aglutinante (figura C8). Para partículas com dimensões

superiores ao comprimento de onda da radiação, a opacidade é

tanto maior quanto menor é a granulometria dos pigmentos. No

entanto, sucede que se as dimensões forem inferiores aquele

comprimento de onda não constituem obstáculo significativo à

propagação da luz e, portanto, são transparentes - como acontece

com os corantes, devido à sua solubilidade. Há, assim, um

máximo de obstrução à passagem da luz e, logo, de opacidade,

que geralmente se verifica para partículas com dimensões de

cerca de metade do comprimento de onda da radiação luminosa,

ou seja, cerca de 0,3 µm.

2.3. A granulometria e a intensidade da cor ^

Page 35: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

As partículas que constituem os pigmentos têm dimensões e

formas variadas que são características e dependem da natureza

do respectivo material, dos processos químicos envolvidos na sua

preparação e da tecnologia usada na sua manipulação.

Tradicionalmente os pigmentos eram moídos na oficina do pintor,

sobre uma pedra de pórfiro (figura 3). Cennini, por exemplo,

afirmava a propósito do branco de chumbo: "quanto mais moeres

esta cor, mais perfeita será" (cap. LVIII). E sobre o vermelhão: "se

o moesses todos os dias durante vinte anos, ficaria cada vez

melhor e mais perfeito" (cap. XL). Indicações deste tipo são

relativamente comuns nos antigos tratados técnicos e, além de

visarem a obtenção de um pó muito fino e com granulometria

homogénea, procuravam garantir que a superfície dos pigmentos

era molhada completamente pelo óleo ou pela água, eliminando

as bolhas de ar, de modo a se obter uma tinta o mais homogénea

possível. Desta forma tornava-se possível a sua aplicação em

finas camadas com espessura regular, sem ser visível o relevo

das partículas e sem se manifestarem problemas de

sedimentação do pigmento em suspensão no aglutinante.

Alguns pigmentos, nomeadamente a azurite, a malaquite e o

esmalte, contudo, constituíam uma excepção. Por exemplo, sobre

a malaquite dizia o mesmo Cennini: "Esta cor é grosseira por

natureza e parece areia fina. Para bem da cor, trabalha-a muito,

muito pouco, só ao de leve; pois se a moeres demasiado tornar-

se-á sombria e pálida" (cap. LII). Esta perda de cor está

relacionada com o facto de a luz reflectida numa partícula de

pigmento, como já se explicou, ser menos saturada que a luz

transmitida. Como, por outro lado, a diminuição do tamanho das

partículas implica, tal como também já foi dito, um aumento da

reflexão, menor granulometria significa cores menos saturadas (e

pigmentos mais opacos). Isto é especialmente verdade para

pigmentos de cor muito pouco intensa, como os mencionados,

razão pela qual geralmente não era recomendada uma moagem

prolongada. No caso dos pigmentos que absorvem fortemente a

radiação visível, como o azul da Prússia, a luz reflectida tem uma

cor muito mais intensa e a sua saturação é pouco dependente do

tamanho das partículas em virtude de a reflexão ocorrer muito

mais superficialmente.

De qualquer forma, tradicionalmente a granulometria dos

pigmentos estava sobretudo subordinada aos processos de

obtenção dos mesmos. Geralmente os de origem mineral, como a

azurite e a malaquite eram os mais grosseiros (diâmetro > 10

µm), independentemente da intensidade da cor. Os pigmentos

mais finos (diâmetro < 1 µm) eram os obtidos na forma de fumo

(negro de fumo e branco de zinco) ou através de reacções de

precipitação (azul da Prússia). Os outros pigmentos,

nomeadamente os obtidos por ataque de metais (branco de

Page 36: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

chumbo) ou através de outras reacções de síntese (vermelhão),

tinham habitualmente dimensões intermédias (1 µm < diâmetro

< 10 µm). Observados ao microscópio óptico tipicamente com

ampliações de 100 a 400 vezes, os mais finos mostram

caracteristicamente pequenas formas esféricas e os mais

grosseiros formas relativamente irregulares e com arestas vivas

(figura C9).

Os materiais modernos, preparados industrialmente, geralmente

têm menores dimensões (diâmetro < 2 µm), e mais regulares,

que os seus equivalentes mais antigos, dado que os cilindros de

moagem, utilizados na indústria, são bastante mais eficazes do

que a pedra de pórfiro. De forma semelhante, nos casos em que

existe uma variedade natural e uma variedade artificial, como

acontece com o cinábrio/vermelhão e o azul ultramarino, a

variedade artificial distingue-se por uma granulometria mais fina

e bastante mais homogénea.

2.4. A alteração ^

Comparados com outros materiais, nomeadamente os corantes,

os pigmentos são relativamente estáveis, embora o

amarelecimento e o escurecimento de algumas pinturas antigas

pareça sugerir o contrário. Porém, sucede que estas situações

geralmente traduzem problemas ao nível da camada superficial

de verniz, de amarelecimento e acumulação de sujidades, ou,

mais raramente, resultam da alteração do óleo, utilizado como

aglutinante, e nada têm que ver com os pigmentos. Da mesma

forma, a fractura e o destacamento da camada cromática, aquela

responsável pela rede de craquelures, este pelas lacunas, são

problemas que não envolvem qualquer alteração dos pigmentos.

Não obstante a relativa estabilidade destes materiais, malgrado

as aparências, por um lado, alguns pigmentos

caracteristicamente apresentam certos problemas de alteração e,

por outro lado, há algumas condições que favorecem a ocorrência

de tais processos.

Um problema que pode envolver um número muito importante de

pigmentos, embora não seja tão grande o número de obras

significativamente afectadas, é o escurecimento daqueles que

têm chumbo ou cobre na sua composição. Este escurecimento

resulta da formação dos respectivos sulfuretos, com cor preta ou

castanha, geralmente em consequência da reacção com o

sulfureto de hidrogénio presente na atmosfera. Os casos mais

conhecidos envolvem o branco de chumbo (figura C10), o resinato

de cobre e o verdigris, residindo a razão deste destaque,

provavelmente, na grande utilização do primeiro e na relativa

reactividade dos outros dois. No entanto, estes sulfuretos de

Page 37: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

chumbo ou de cobre, de cor escura, também se podem formar

por reacção entre um pigmento de chumbo ou de cobre e um

pigmento como o vermelhão, o auripigmento, o realgar ou o

amarelo de cádmio, que são sulfuretos. É desta forma, aliás, que

devem ser interpretadas várias referências ao escurecimento do

auripigmento - como a de Cennino Cennini quando diz que "não

deve ser usado em pintura mural, nem a fresco, nem a têmpera,

porque se torna preto por exposição ao ar" (cap. XLVII). Embora

esta afirmação sugira que a reacção responsável pelo

escurecimento é a reacção de formação de óxidos de arsénio, não

é isso que acontece, pois esses óxidos são todos de cor clara.

Muito provavelmente, as situações deste tipo relatadas nos textos

antigos, devem dar conta da reacção do sulfureto de arsénio com

um pigmento de chumbo ou de cobre, relativamente comuns, e

formação do respectivo sulfureto.

O escurecimento do mínio, já relatado por Cennino Cennini no

final do século XIV (cap. XLI), adicionalmente pode resultar da

formação de dióxido de chumbo.

Os pigmentos de chumbo e de cobre, contudo, não são os únicos

a escurecer. No século I a.C., Vitrúvio referiu o caso do "escriba

Faberius que queria ter a sua habitação no Aventino decorada

com elegância e fez pintar com cinábrio todas as paredes do

peristilo, mas ao fim de XXX dias as paredes tinham adquirido

uma cor desagradável e desigual. Assim, teve que as mandar

pintar com outras cores" (livro VII, cap. IX). Cennini também

avisava a propósito do vermelhão: "tem em mente que não é da

sua natureza poder ser exposto ao ar [...] pois com o passar do

tempo, devido ao contacto com o ar, torna-se preto quando é

usado em pintura mural" (cap. XL). De facto, este é um problema

que resulta da transformação, por acção da luz, da estrutura

cristalina hexagonal do sulfureto de mercúrio, que constitui quer o

cinábrio, quer o vermelhão, na estrutura cúbica do metacinábrio,

de cor preta.

Como sugerem as fontes históricas citadas, o problema do

escurecimento, na relativamente pequena dimensão que tem, é

muito mais importante na pintura mural, especialmente na

pintura a fresco, do que na pintura de cavalete. Acontece que na

pintura a óleo, como é a maior parte da pintura de cavalete que

conhecemos, as partículas dos pigmentos estão revestidas por

um filme de óleo que dificulta o contacto dos pigmentos quer com

os outros materiais constituintes das obras, quer com os

poluentes atmosféricos, o que não se verifica quando os

pigmentos são utilizados num meio aquoso, como se verifica na

pintura a fresco. A este respeito é interessante a observação de

Vitrúvio, a propósito do escurecimento do cinábrio na habitação

de Fabério, em que diz que "quem é mais cuidadoso e quer que

as paredes pintadas com cinábrio conservem a sua cor, depois de

Page 38: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

seca sobre ela aplica com um pincel cera púnica derretida no fogo

misturada com um pouco de óleo" (livro VII, cap. IX).   

Muito menor é o número de pigmentos que, pelo contrário, pode

sofrer descoloração - fenómeno que, contudo, é relativamente

frequente entre os corantes. O principal exemplo é proporcionado

pelo esmalte (figura C11). Sendo um vidro, está sujeito aos

processos de alteração deste tipo de materiais, ou seja, à

remoção de catiões por acção da água, como a existente na

atmosfera, através de mecanismos de troca iónica, tanto mais

que se trata de um vidro potássico, em geral menos estável do

que os vidros sódicos. Contudo, ao contrário do que se poderia

supor, a descoloração não parece estar relacionada com a

remoção do cobalto - que não é observada -, mas sim com a

lixiviação do potássio e consequente mudança de iões cobalto de

posições com simetria tetraédrica para outras com simetria

octaédrica, ou seja, mudança de uma estrutura onde são

permitidas as transições d-d para outra onde são proibidas

(cf. secção 2.1).

Noutros casos os pigmentos participam em reacções com outros

constituintes das obras, mas as consequências vêem-se

sobretudo nesses outros materiais e não nos pigmentos.

Provavelmente, as situações mais frequentes são aquelas em que

pigmentos de cobre, especialmente o verdigris, funcionando

como catalisadores, aceleram muito significativamente a

velocidade das reacções de hidrólise a que estão sujeitos os

materiais à base de celulose utilizados como suporte. Isto é

particularmente importante no caso de documentos gráficos,

como os manuscritos iluminados, em que os pigmentos

contactam directamente com o papel, já que numa pintura de

cavalete, entre as camadas cromáticas onde se encontram os

pigmentos de cobre e as moléculas de celulose que fazem parte

da tela, geralmente existem outras camadas, nomeadamente a

de preparação.

Desta interacção entre pigmentos e materiais orgânicos resulta,

contudo, uma consequência positiva: a catálise das reacções que

conduzem à secagem dos óleos utilizados em pintura, secagem

esta que frequentemente é um processo excessivamente lento. A

este respeito dizia Félibien, no século XVII, que overdigris, que "é

a peste de todas as cores e capaz de perder um quadro", "usa-se

porque seca muito bem; e adiciona-se um pouco às tintas pretas

que nunca secariam de outra forma". Esta acção secante, porém,

não é exclusiva dos pigmentos de cobre, dos quais, como já se

disse, o verdigris é o mais reactivo. Também a têm os pigmentos

de chumbo, cobalto e manganês, devido a estes elementos

poderem existir, na forma de catião, em diferentes estados de

oxidação.

Page 39: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

Uma segunda situação em que os pigmentos dão origem a

alterações visíveis de outros materiais das obras que integram é

proporcionada pelo branco de titânio. Neste caso sucede que a

energia absorvida pelo dióxido de titânio, quando é exposto a

radiação ultravioleta, é parcialmente dissipada através de

reacções em que participam os materiais orgânicos em contacto

com o pigmento, ou seja aglutinante e corantes. No entanto, o

assunto parece estar muito mais estudado in vitro, por causa de

aplicações que nada têm que ver com as obras de arte, do que foi

detectado em pinturas.

É importante referir que os problemas aparentemente

manifestados por um pigmento podem resultar, por vezes, das

impurezas involuntariamente introduzidas durante o processo de

preparação, o que foi comum durante os primeiros anos de

comercialização das tintas em que são usados. Estes problemas

podem igualmente ser devidos aos adulterantes

propositadamente acrescentados com o objectivo de diluir os

pigmentos e, assim, diminuir os custos e aumentar os lucros, ou

"melhorar" a cor do material. Queixas sobre a adulteração dos

pigmentos foram especialmente frequentes no século XIX. Serve

de exemplo a de William Hunt, em 1875, a respeito "de o

vermelhão - a primeira cor de que eu suspeitei - ter revelado por

análise a presença de 10 a 12 % de matéria estranha,

principalmente chumbo" e "de este vermelhão, utilizado em duas

ou três experiências, ficar com cor de café com leite quando

misturado com branco de chumbo". Porém, o problema é

bastante mais antigo, pois já Plínio (livro XXXIII, 34, 117) e

Cennini (cap. XL) diziam que o cinábrio era adulterado com ocre

vermelho, sangue de cabra, bagas de sorveira, mínio ou tijolo e o

segundo fornecia algumas informações que julgava úteis para a

detecção de tais situações. Muito provavelmente, estará aqui a

explicação do referido problema da habitação de Fabério e de

outros casos que levaram a associar a alteração do cinábrio ou

vermelhão com a exposição ao ar. O problema, contudo, não é

exclusivo deste pigmento. Por exemplo, Plínio também se referiu

à adulteração do paretónio (paraetonium) com argilas, que era

feita na cidade de Roma (livro. XXXV, 36).

Embora, em geral, os pigmentos sejam relativamente estáveis na

pintura de cavalete, o mesmo não se passa na pintura a fresco,

isto é, executada sobre uma argamassa húmida de hidróxido de

cálcio. Além de não ficarem envolvidos por um filme

relativamente impermeável que os protege, como acontece na

pintura a óleo, vários pigmentos com facilidade sofrem reacções

neste meio fortemente básico. É o que se passa com o azul da

Prússia, o verde esmeralda e o amarelo de crómio, entre outros.

Por isso, o número de pigmentos recomendados para pintura a

fresco é muito mais reduzido do que o daqueles que são usados a

Page 40: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

óleo. No século XIV, numa época em que o fresco tinha grande

importância e divulgação, Cennini aconselhava a utilização,

somente, de branco de cal (ou branco de San Giovanni, CaCO3),

negro vegetal, negro de fumo, amarelo de chumbo e estanho,

ocres, terra verde e índigo (um corante, figura 11). A figura C10

mostra um caso em que não foram seguidos os seus conselhos.

2.5. Toxicidade ^

Do conjunto de materiais que têm sido utilizados como

pigmentos, alguns são especialmente tóxicos -sobretudo devido

aos elementos metálicos que entram na sua composição.

Os mais tóxicos provavelmente são os pigmentos de arsénio,

entre os quais se contam o auripigmento, o realgar e o verde

esmeralda. Sobre o primeiro já Cennini avisava cerca de 1390:

"Não o deixes chegar à tua boca, para que não sofras danos"

(cap. XLVII). Sobre o verde esmeralda basta dizer que, sob a

designação de verde de Paris, foi comercializado como insecticida

(figura 12).

Os pigmentos de chumbo formam um segundo conjunto de

materiais também muito tóxicos. Dele fazem parte, entre outros,

o branco de chumbo, o amarelo de chumbo e estanho, o amarelo

de Nápoles, o massicote, o amarelo de crómio, o mínio e o verde

de crómio. No século XVIII, um dos sintomas da intoxicação por

chumbo era designado, precisamente, por "cólicas dos pintores",

não obstante o problema atingir também as outras pessoas que

lidavam com os materiais, designadamente as que estavam

envolvidas na sua preparação. De qualquer forma, sugere uma

significativa disseminação da doença no meio artístico, de acordo,

aliás, com as movimentações que foram feitas no sentido de

substituir o branco de chumbo por outro pigmento, como atrás se

referiu.

O mercúrio no vermelhão e o cádmio no amarelo e no vermelho

de cádmio são os responsáveis pela toxicidade destes três

pigmentos. Finalmente, deve referir-se a toxicidade do verde de

óxido de crómio e do viridian, devido à presença do crómio no

estado de oxidação +3 (muito mais tóxico do que no estado +6).

Actualmente, devido à utilização dos pigmentos adquiridos em

tubos, já na forma de tinta, os problemas de toxicidade podem ser

minimizados pelos pintores evitando o contacto das tintas com a

boca - aliás, como recomendava Cennini -, já que a absorção

através da pele não é significativa devido à insolubilidade que

caracteriza os pigmentos. No entanto, antes da comercialização

dos tubos, iniciada há cerca de século e meio, havia também o

problema da inalação dos pigmentos na forma de pó, já que a

Page 41: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

preparação das tintas era geralmente efectuada no atelier, como

se vê representado em muitas pinturas ou gravuras (figura 3). A

este respeito é interessante dar conta da referência de Plínio

segundo a qual, no seu tempo, "aqueles que manipulam o

cinábrio nas oficinas prendem à face máscaras feitas de bexigas

para evitarem a inalação do pó, que é muito venenoso" (livro

XXXIII, 122).

3. Análise ^

A identificação dos pigmentos utilizados em pintura, há mais de

dois séculos que é tradicionalmente efectuada através de testes

de identificação de catiões e aniões (figura 13). Ao longo do

tempo, o método foi naturalmente aperfeiçoado e no último

século os testes de coloração, solubilidade e precipitação foram

geralmente conduzidos ao microscópio óptico, sobre amostras de

dimensões inferiores a 1 mm3, como notavelmente fez M. de Wild

em 1929. Esta reduzida dimensão das amostras é uma vantagem

extremamente importante, atendendo-se à natureza das obras de

onde são removidas. Desde 1956 está estabelecido o protocolo,

devido a J. Plesters, que ainda hoje, no essencial, continua a ser

utilizado, embora já não tenha a importância usufruída noutros

tempos devido ao desenvolvimento dos métodos instrumentais.

Na primeira metade do século XX, sobretudo graças ao trabalho

desenvolvido por R. J. Gettens, tais análises começaram a ser

acompanhadas da observação ao microscópio de amostras de

pintura, montadas transversalmente numa resina, que permite

determinar o número das camadas de tinta usadas na elaboração

dos motivos representados nos quadros, a sua sequência e

algumas das suas propriedades físicas, designadamente

espessura, heterogeneidade e formas das partículas que as

constituem. Pretende-se assim pôr em evidência determinadas

características técnicas das obras e dos artistas (figura C9). Entre

as vantagens do método baseado nos testes microquímicos

contam-se também a sua grande acessibilidade, resultante dos

escassos recursos laboratoriais que exige e, consequentemente,

reduzido custo das análises, a sua aplicabilidade a todos os tipos

de pigmentos e a sua resolução espacial se as análises forem

realizadas em conjugação com as observações estratigráficas,

como habitualmente sucede. Pelo contrário, tem a desvantagem

de ser um método relativamente lento quando está envolvido um

grande número de amostras e só permitir identificar espécies

testadas - o que, por exemplo, explica a muito tardia

redescoberta do amarelo de chumbo e estanho.

Até há pouco, os métodos instrumentais mais utilizados na

identificação dos pigmentos eram a espectrometria de

Page 42: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

fluorescência de raios X (XRF), a difractometria de raios X (XRD)

e, mais recentemente, a microscopia electrónica de varrimento

associada a espectrometria de raios X (SEM-EDS ou SEM-EDX).

A utilização do primeiro deve-se, em grande parte, a duas razões.

Antes de mais, à possibilidade de análise directa das obras, sem

haver necessidade de remoção de qualquer amostra - o que foi

determinante para que o espectrómetro de fluorescência de raios

X já tenha sido designado como "o instrumento de sonho do

conservador". Em segundo lugar, à natureza multielementar do

método, que torna possível análises num curto lapso de tempo e

permite a detecção dos elementos químicos independentemente

de se suspeitar ou não da sua presença. No entanto, tem o

grande inconveniente de apresentar uma resolução espacial

relativamente reduzida e dificilmente permitir distinguir

pigmentos com a mesma composição elementar qualitativa ou

que só diferem nos elementos mais leves da tabela periódica que

não são detectáveis.

A importância da difractometria de raios X resulta de este ser o

mais seguro método de identificação dos pigmentos, em virtude

de os difractogramas traduzirem a estrutura do material na sua

totalidade e não apenas fragmentos da mesma. O tempo

necessário a cada análise e as dificuldades que podem surgir com

as misturas, os materiais de menor grau de cristalinidade e a

pequena dimensão das amostras são os seus pontos mais fracos.

O microscópio electrónico de varrimento com espectrómetro de

raios X acoplado tem sido usado como um espectrómetro de

fluorescência de raios X, mas com a vantagem de proporcionar

uma elevada resolução espacial, além de  fornecer outras

informações sobre as partículas, designadamente a forma,

dimensão e estruturas em que participam. Esta resolução

espacial, a maior dos métodos habitualmente disponíveis, torna

possível analisar separadamente cada uma das partículas de uma

camada de pintura e, se houver interesse nisso, permite detectar

gradientes de concentração entre o interior e o exterior das

partículas dos pigmentos, eventualmente relacionáveis com

fenómenos de alteração. Implica, contudo, recolha de amostras.

Nos últimos anos, a este conjunto de métodos juntou-se a

microscopia Raman, a qual resulta da combinação de um

espectrómetro Raman com um microscópio óptico ou outro

equipamento de microscopia óptica. Com esta configuração é

possível fazer análises in situ e com boa resolução espacial, o

que, conjugado com os espectros simples obtidos e a

versatilidade do método, que igualmente permite analisar

materiais orgânicos como os aglutinantes, justifica a importância

que a microscopia Raman tem adquirido e o facto de prometer vir

Page 43: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

a tornar-se num futuro muito próximo um dos métodos mais

empregues na identificação dos pigmentos.

4. Bibliografia ^

A bibliografia seguinte, uma miscelânea de livros e artigos, com

diferentes graus de acessibilidade a respeito do conteúdo e da

facilidade de consulta em bibliotecas, corresponde, antes de

mais, à bibliografia que directa ou indirectamente maior

contribuição teve na elaboração deste texto; por outro lado, serve

de pequeno guia para quem quiser desenvolver alguns dos

assuntos abordados. Desta lista permito-me destacar o livro de R.

J. Gettens e G. L. Stout, fisicamente pequeno, mas extremamente

informativo, não obstante a sua idade. Do ponto de vista

histórico, o livro de P. Ball proporciona uma interessantíssima

leitura.

Alguns livros também têm interesse para o desenvolvimento de

outros assuntos além dos que correspondem às secções onde são

referidos; porém, a inclusão numa secção que não a geral dá

conta do assunto que actualmente constitui a contribuição mais

importante ou interessante de um livro. Está nesta situação, por

exemplo, o livro de A. P. Laurie.

Uma última nota prévia a respeito das fontes: não são aqui

enumeradas as diferentes edições existentes ou consultadas das

fontes primárias citadas, nomeadamente, as de autoria de

Vitrúvio, Plínio e Cennini. Para cada uma destas fontes indica-se

apenas a edição consultada que se julga ser a melhor (pelo

menos no que diz respeito aos pigmentos). No entanto, há um

interesse acrescido no confronto de várias edições a respeito das

passagens mais obscuras. Além disso, importa ter presente que

um bom conhecimento da língua original não é garantia de uma

adequada tradução, por causa dos aspectos técnicos envolvidos.

4.1. Geral ^

Feller, R. L. (org.) - Artists' Pigments. A Handbook of their History and Characteristics. Volume 1. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

Fitzhugh, E. (org.) - Artists' Pigments. A Handbook of their History and Characteristics. Volume 3. Washington: National Gallery of Art, 1997.

Gettens, R. J.; Stout, G. L. - Painting Materials: A Short Encyclopedia. New York: Dover Publications, 1966. [1.ª edição: 1942. Existem várias reimpressões.]

Page 44: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

Roy, A. (org.) - Artists' Pigments. A Handbook of their History and Characteristics. Volume 2. Washington: National Gallery of Art, 1993.

4.2. As fontes e a sua interpretação ^

Cennini, C. - Il Libro dell'Arte. Ed. de F. Frezzato. Vicenza: Neri Pozza Editore, 2003. [Texto datável de cerca de 1390.]

Clarke, M. - The Art of All Colours. Medieval Recipe Books for Painters and Illuminators. London: Archetype Publications, 2001.

Bordini, S. - Materia e Imagen. Fuentes sobre lás técnicas de la pintura. Tradução de R. Ibero. Barcelona: Ediciones de Serbal, 1995.

Félibien - Des Principes de l'Architecture, de la Sculpture, de la Peinture. Paris: 1676. (Acessível em http://gallica.bnf.fr/scripts/ConsultationTout.exe?E=0&O=N050597.)

Forbes, R. J. - Studies in Ancient Technology. Vol. III, 3rd ed., Leiden-New York-Köln: E. J. Brill, 1993.

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Figuras a cor ^

Page 47: Os Pigmentos Naturais Utilizados Em Pintura

Figura C1. Loja de pigmentos em Veneza, Itália. Fotografia de Michael Douma, webexhibits.org, usada com permissão.

Figura C2. Amostras de cinábrio, proveniente de Espanha, e lápis-lazúli, a partir do qual se obtém o azul ultramarino, proveniente do Afeganistão.

Figura C3. Botica segundo gravura de Quiricus de Augustis, Dlicht d' Apotekers, Bruxelas, 1515.

Figura C4. O círculo cromático de Chevreul, de 1864, que teve significativa influência na pintura impressionista. Cores complementares encontram-se em posições opostas. A sequência das cores encontradas no espectro da radiação visível, no essencial, está aí representada e inicia-se sensivelmente a sudoeste e, no sentido dos ponteiros do relógio, corresponde a crescentes comprimentos de onda e, portanto, decrescentes valores de energia.

Figura C5. A formação da cor: um objecto de cor vermelha absorve as várias componentes da luz que sobre ele incide excepto a corresponde ao vermelho a qual, assim, é a única componente que atinge os nossos olhos.

Figura C6. O comportamento da luz na interface ar/pigmento. a) Feixes incidente (i), reflectido (d), refractado (r) e transmitido (t) e respectivas intensidades (I) e geometria.b) Relação qualitativa entre a cor dos feixes incidente, reflectido, refractado e transmitido no caso de um pigmento vermelho iluminado com luz branca.

Figura C7. O efeito do meio exterior aos pigmentos na opacidade destes, simulado com vidro de garrafa moído (amostra da esquerda, na figura C8). À esquerda o vidro seco; à direita a mesma amostra de vidro, mas molhada.

Figura C8. O efeito da granulometria na cor (saturação) de um pigmento, simulado com vidro de garrafa moído. Da esquerda para a direita, fracções sucessivamente mais finas.

Figura C9. Corte estratigráfico de uma amostra recolhida na pintura Apresentação da Virgem no Templo, de Bento Coelho da Silveira, século XVII.. Estratigrafia da base para o topo: camada de preparação (ocre, cré, vermelhão e negro animal) e camada azul (azurite, ocre, vermelhão e negro animal). Observação ao microscópio óptico com luz reflectida e ampliação de 110 x.

Figura C10. Alteração do branco de chumbo, pintura mural da igreja de Santa Clara do Sabugueiro, Arraiolos. O processo corresponde à reacção: PbCO3·Pb(OH)2 + 2H2S ->  2PbS + 3H2O + CO2. Fotografia de Irene Frazão, usada com permissão.

Figura C11. Alteração do esmalte na pintura representando, S. Lucas, de Hendrick ter Brugghen, 1621. Do lado do braço esquerdo do apóstolo a imagem mostra o manto do apóstolo como se encontra actualmente. Do lado direito, é apresentada uma reconstituição (virtual) da situação inicial. Reconstituição de Joris Dik, publicada emNature, 417, 2002: 219, usada com permissão do autor e do editor, Nature Publishing Group.

Figuras a preto e branco ^

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Figura 1. A Arte da Pintura, do pintor Filipe Nunes, foi pela primeira vez publicada em 1615 como parte da sua Arte Poética, e da Pintura. Teve 2.ª edição, "correcta, emendada e acrescentada com seu index" em 1767. Uma edição fac-similada da 1.ª foi editada em 1982 (cf. bibliografia). Provavelmente, é o tratado português sobre pintura com mais ampla divulgação e maior interesse histórico. Alguns extractos foram traduzidos para inglês em Zahara Veliz - Artist's Techniques in Golden Age Spain: Six Treatises in Translation. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

Figura 2. Louis Jacques Thenard (1777-1857). Procurando um substituto para o azul ultramarino, muito caro, e para o azul da Prússia, por vezes pouco estável, Thenard obteve em 1802 um excelente pigmento por calcinação de uma mistura de fosfato de cobalto e hidróxido de alumínio, pigmento este que já estava comercialmente disponível em França em 1807. Actualmente conhecido como azul de cobalto, e preparado por outro processo, já foi descrito como azul de Thenard.

Figura 3. Gravura de Johannes Galle, segundo um original de Jan van der Straet (1525-1605), dito Stradanus, publicada em Antuérpia cerca de 1633, representando uma oficina de pintura. Além do pintor, são visíveis vários aprendizes, a realizarem diversas tarefas, dois dos quais, no canto superior direito, procedem à moagem dos pigmentos.

Figura 4. Antes da invenção dos tubos de tinta, em 1841, as tintas já preparadas para utilização eram vendidas em bexigas de porco, como as que se vêem em várias gravuras, como a inserida por Pierre Louis Bovier no seu Manuel dês Jeunes Artistes et Amateurs en Peinture, publicado em 1827.

Figura 5. Desdobramento energético das orbitais d de um ião metálico rodeado de outras seis (estrutura octaédrica) ou quatro espécies químicas (estrutura tetraédrica). A transição de um electrão do conjunto de orbitais menos energéticas para o conjunto de orbitais mais energéticas, em resultado da absorção de radiação luminosa, está na origem da cor de alguns pigmentos.

Figura 6. Espectro de absorção do azul de cobalto. O pigmento encontra-se misturado com um pigmento branco (5%). O máximo de absorção (que ocorre a cerca de 600 nm) corresponde à energia absorvida nas transições d-d. Uma das zonas de menor absorção (entre 400 e 550 nm) corresponde sobretudo à cor azul, a outra (entre 650 e 700 nm) a vermelho. Estas são as cores que predominam na luz reflectida à superfície do pigmento. Porém, como os nossos olhos são mais sensíveis à radiação da zona central do espectro visível do que à radiação próxima dos limites do mesmo, para nós é o azul que sobressai e, portanto, esta é a cor que associamos ao pigmento.

Figura 7. Comparação entre o espectro de absorção de um pigmento cuja cor está relacionada com transições d-d ou transições de transeferência de carga (situação a) e o espectro de um pigmento que tem propriedades semi-condutoras (situação b). No esquema considera-se que a separação entre as orbitais ou as bandas entre as quais ocorre a transição é igual nos dois casos e tem o valor de 2.4 eV.

Figura 8. Na ausência de absorção, o índice de refracção de um pigmento diminui quando aumenta o comprimento de onda l da radiação que nele incide (dispersão normal). No entanto, na zona do espectro em que há absorção da radiação pelo pigmento, fenómeno que está na origem da cor deste, o índice de refracção aumenta com o comprimento de onda (dispersão anómala).

Figura 9. Fracção da luz que é reflectida à superfície de uma partícula de pigmento (Id/Ii) em função da diferença entre os índices de refracção do

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pigmento (n) e do meio (next). Considera-se que a luz incide segundo a direcção perpendicular à superfície.

Figura 10. Efeito do número de partículas na transparência de uma camada de pintura. O feixe a encontra um reduzido número de partículas de um pigmento de modo que atinge a camada subjacente e é devolvido para fora da camada superficial. Sendo este feixe detectado por um observador, a camada superficial surge como transparente, pois permite ver a subjacente. O feixe b é completamente absorvido pelas partículas de pigmentos, em muito maior número, de forma que não volta à superfície. Nessa zona a camada de pintura é opaca.

Figura 11. Estrutura da molécula do índigo, um corante que desde a Antiguidade tem tido importância em pintura. Tradicionalmente era obtido da planta Indigofera tinctoriaatravés de processos muito penosos para quem os praticava. A sua produção, sobretudo destinada ao tingimento de têxteis, teve consequências económicas e sociais muito significativas mesmo à escala global.

Figura 12. Anúncio de 1883 do insecticida verde de Paris, isto é, verde esmeralda.

Figura 13. Humphry Davy (1778-1829) foi um químico inglês com uma obra extremamente importante para o desenvolvimento da química, nomeadamente relacionada com a descoberta de vários elementos químicos. Interessou-se também pela identificação dos pigmentos utilizados na Antiguidade, tendo procedido à análise de amostras de pigmentos encontrados em escavações arqueolgicas e pinturas murais de Roma e Pompeia, cujos resultados apresentou em 1815 numa sessão da Royal Society of London (Philosophical Transactions, 105, 1815: 97-124). Identificou o pigmento hoje conhecido como azul egípcio, que não era usado no seu tempo, e relacionou-o com as referências encontradas nos textos da Antiguidade, nomeadamente de Vitrúvio e Plínio.

 

1 Como não fica claro nesta descrição, importa referir que, além do cobre e da sílica (SiO2) esta introduzida sob a forma de areia, um ingrediente igualmente indispensável preparação deste pigmento, aliás mais antigo do que Alexandria, é o carbonato de cálcio (CaCO3), o qual, no entanto, se encontra em concentração significativa nalgumas areias, nomeadamente no Egipto. O natrão (Na2CO3·10H2O) tem o papel de fluxo ou fundente, isto , torna possível a obtenção do pigmento a uma temperatura mais baixa do que a necessária na sua ausência.

2 Importa sublinhar que a explicação acima apresentada foi formulada do modo mais simples possível, pois, mesmo a nível qualitativo, na realidade, há vrias outras interacções que não podem ser ignoradas, especialmente quando as orbitais d de um ião têm mais do que um electrão. Consequentemente, os espectros são mais complexos do que sugere a descriço apresentada. Um aperfeiçoamento deste modelo pode ser encontrada em qualquer livro de qumica inorgnica.

 

António João Cruz, As Cores dos Artistas – História, Química, Física e Análise dos Pigmentos Utilizados em Pintura, Lisboa, Apenas Livros, 2004, 44 pp. ISBN 972-8777-79-5