Os Segredos de Uma Noite - Debora Mariano

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    ''alguemcerta vez ME FALOU QUE EM CIDADE PEQUENA NO EXISTEM SEGREDOS.ESSE ALGUEM, CERTAMENTE, JAMAIS PASSOU POR monte Seco... eu passei.''

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    Captulo 1 Conto de farsas.

    Bom e ruim. O ltimo dia de aula sempre assim, dbio. Bom por que Melanie poder,

    enfim, dar um tempo de matemtica, fsica e gramtica. No necessariamente, das matrias,

    mas de Nair, Cida e Vitrio, os professores que as lecionam e que hora sim, hora no,acham pequenos motivos para pegar no seu p. Ruim, porque vai ficar longe da escola, da

    biblioteca e dos amigos. Claro, no precisar sentir saudades das amigas mais prximas,

    porque essas ainda estaro presentes, certamente, em quase todos os dias das frias. Ainda

    tero as tardes no shopping, os fins de semana na praia, os shows e as festinhas de

    aniversrio. Mas sentir falta sim, da sala de aula em geral. Das brigas por maquiagem ou

    qualquer outra razo ainda mais banal, das disputas pelos melhores lugares nos jogos e

    apresentaes da equipe de natao, das brincadeiras que s ela e as amigas conseguiam

    entender. Daquela menina doida, Renatinha, que no tirava o mesmo moletom com capuz.

    Do menino, que toda semana recebia um novo apelido e que s sabia dormir na carteira. Da

    outra menina, Mayah, que s sabia falar da mesma bandinha de rock. Afinal, eles todos

    tambm eram para Melanie como uma banda. No podia faltar nenhum que a msica

    desafinava.

    - Mel, j deu minha hora. Disse Carol, oferecendo o rosto para o beijinho de sada. No

    esquece depois das sete, no Messenger, hein.

    - Combinado. - Respondeu Melanie enquanto retribua o beijo.

    - Olha l. Todo mundo vai entrar na mesma hora.

    - Ok! Pode deixar.

    Carol saiu distribuindo beijos e sorrisos. Alegre e comunicativa, a amiga de Melanie, era

    sempre o centro das atenes. Nascera para ser miss popular. J Melanie, sabia que jamais

    poderia ocupar esse posto. Era mais introspectiva. Mais na dela. Amigas por acidente, era

    como Melanie considerava essa relao. At estranhou ter feito amizade, justamente, com a

    mais popular de todas as meninas. Quando chegou no colgio chamou ateno, sim.

    Melanie ainda usava a cor roxa no cabelo. Na verdade, a maioria de suas roupas contm,

    mesmo que um pequeno detalhe, da sua cor predileta. Hoje, seus cabelos voltaram ao

    castanho escuro, mas o roxo ainda no saiu da sua vida. Sempre est l, ou na estampa da

    camiseta, ou no inseparvel All Star.

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    Melanie sentiu que estava na sua hora. Deu uma olhada geral na galera, sugeriu um tchau

    meio sem graa e saiu. A garota sentia o corao pesado ao atravessar, pela ltima vez,

    naquele ano, o porto da escola. Olhou com candura os desenhos pintados, pelos prprios

    alunos, no muro do colgio. Ela no havia participado da criao do desenho, que fora feitono incio do ano, nas aulas de arte, mas simpatizava com ele. O tema escolhido foi

    preconceito e ela sabia muito bem, como as pessoas podem ser rudes, quando ainda no te

    conhecem. Melanie tinha conscincia de que mais difcil do que fazer as novas amizades,

    era ter que abandon-las pelos prximos meses. A garota entrou no meio do ano, quando

    todos estavam bem entrosados e ela, outra vez, se sentia uma intrusa na colmia. A me,

    Flvia, tinha o pssimo habito de mudar de emprego e conseqentemente de cidade. Isso

    dificultava para Melanie, que sempre precisava iniciar novas amizades. Era um processo

    cansativo, afinal tem pessoas de todo jeito. Algumas favorecem a aproximao, j outras

    parecem ter algum tipo de repelente natural sobre a pele. Namorado ento, nem pensar. Sequisesse manter um namoro mais duradouro, teria que ser com algum dos garotos das sries

    de TV.

    Melanie cruzou a rua e logo avistou o carro da me. Um Fiesta 4 portas, prata, j h quase 5

    anos na famlia. Com um saliente amassado do lado direito, perto da porta. Flvia tinha dito

    que, um descuidado qualquer, bateu no carro e deu no p. Mas Melanie sabia que a estria

    poderia ser outra, j que conhecia muito bem, a condio de barbeira da me.

    - Quero que a garotinha fique sabendo que faz vinte minutos que estou te esperando. Disse Flvia querendo parecer irritada. Melanie sabia que no deveria fazer nem cinco.

    - ltimo dia, me. Esqueceu? Respondeu Melanie ainda parada do lado de fora.

    - Quer um convite impresso para entrar?

    - No. S estou dando uma ltima olhadinha. Quem me garante que ser neste colgio que

    irei estudar ano que vem?

    - O futuro a Deus pertence minha filha. Agora rapa pra dentro, que a mim s pertence o

    direito de chegar na hora.

    A tal olhadinha que Melanie se referia, tinha nome: Bruno. Tpico garoto im. Aquele

    que atrai todas as atenes para si. Durante esses meses ele fora seu sonho de consumo da

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    vez. Bonito, de sorriso conquistador e popular. Alm de Melanie e suas amigas, noventa e

    nove por cento das mulheres do colgio eram a fim dele. No um por cento restante, se podia

    colocar a diretora, as professoras, as atendentes e faxineiras. Se bem que aquela

    professorinha de ingls, demonstrava ter uma queda bem acintosa para o lado do bonito.

    Melanie antes de sair viu que Bruno ainda estava no ptio, perto da cantina, na jtradicional rodinha de amigos.

    Ela desejava, agora, neste instante, antes de entrar no Fiesta, poder v-lo s mais uma vez.

    Poderia manter essa imagem final guardada na memria, durante os prximos meses.

    - Meu Deus, Mel! Tenho hora! Disse Flvia agora irritada de verdade. E ainda tenho

    que passar na escola do Nicolas.

    - Ok! Calma que j estou indo.

    Melanie d a volta no carro, mas sem perder a ateno no porto de sada. Foi o mais

    devagar possvel. Mas era um Fiesta, um carro pequeno, no um Hammer. Nem sinal de

    Bruno. Teria que entrar de qualquer jeito.

    Ah! Que bobagem! Ficar esperando um cara que no me deu moral nenhuma nesses cinco

    meses. Pensou Melanie enquanto entrava no carro.

    - At que enfim. - Disse Flvia ligando a chave e a seta para sada. Pensei que queria criarrazes ai fora.

    - J disse. S estava me despedindo. Respondeu um pouco chateada Melanie Agora,

    ento j pode ir, Schumacher.

    Flvia balana a cabea sorrindo.

    Instantes depois estavam as duas seguindo pelas avenidas de Curitiba. O colgio de

    Melanie dava uns vinte minutos, mais ou menos, da escola onde Nicolas, seu irmo,

    estudava. Que por sua vez, dava vinte minutos da casa onde moravam. A escola do garoto

    ficava entre os dois pontos. Nicolas, na verdade, era meio irmo de Melanie. Era filho de

    Edgar, ex de Flvia, que a abandonou uns dois anos atrs, para voltar com a ex-mulher que

    j tinha abandonado para ficar com uma outra mulher, antes de conhecer Flvia. Parece

    doideira. Confuso. Mas a vida.

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    O garoto estava do mesmo jeito, parado, sozinho, encostado no muro, esperando. Ele v o

    carro e corre para encontr-las. Flvia nem havia estacionado direito e Nicolas j estava a

    postos para entrar.

    - Viu, isso ser eficiente. Disse Flvia com orgulho contido.

    - No, me. Isso ser anti-social. Refutou Melanie enfatizando a conduta do irmo. J

    que, toda vez ele est no mesmo lugar, sozinho, esperando as duas, enquanto que os seus

    colegas esto sempre em grupos, esperando os pais.

    - Nossa, menina! Te morderam na escola hoje?

    - Difcil, me. Para morder tem que se arriscar a chegar perto.

    - Em pensar que voc est estudando para um dia, quem sabe, virar chefe disse Flvia

    olhando pelo retrovisor se o filho havia colocado o cinto. Ai daquele que for teu

    subalterno.

    Bem que poderia ser aquele garoto metidinho da escola. Pensou Melanie, considerando

    ser uma boa alternativa para se vingar de Bruno.

    - Como foi na escola hoje, filho? Perguntou Flvia mais uma vez olhando para o filho

    pelo retrovisor.

    - At que foi bom, me. Respondeu Nicolas Me acertaram uma pedrada na cabea.

    Flvia olhou rapidamente para trs, quase se desconcentrando do trnsito. Ela tentava

    visualizar algum ferimento. Melanie olhou para o irmo pensando:

    Se esse foi um dia bom, dia ruim s se cair um satlite da Nasa na cabea dele.

    - Machucou voc, meu filho? Perguntou preocupada Flvia, agora olhando a cada instante

    pelo espelho.

    - No me. Eu estou legal. Disse Nicolas despreocupado.

    - Por que fizeram isso? Perguntou Melanie.

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    - Eu bati em um menino.

    Melanie riu e recebeu um olhar de reprimenda da me.

    - Por que voc fez isso, garoto? Perguntou Flvia no escondendo a irritao.

    - Ele falou que voc e meu pai so separados por culpa minha.

    Flvia mordeu os lbios. Melanie percebeu que essa situao mexia com o nimo da me.

    Nunca foi uma situao fcil nem para ela e nem para Nicolas. Apostou num

    relacionamento que s lhe trouxe complicaes. Mas, o que mais o fedelho poderia querer?

    Ele sempre podia ver o pai quando quisesse. Era s ligar. Edgar mora em outra cidade, mas

    ainda assim era perto. Agora ela no tinha a mesma sorte. Nem mesmo a voz do pai portelefone poderia ter. Nem uma foto sequer para olhar. Assim mesmo, de vez em quando,

    sentia falta do homem que nunca conheceu.

    A casa onde moravam, atualmente, era um pouco menor. Melanie, mesmo assim, a

    apreciava mais do que a anterior. Era na entrada da cidade, de quem vem de Campo Largo,

    pouco depois do Parque Barigi. A cor bege claro da casa, contribua na preferncia da

    garota. Tinha apenas dois quartos e o bsico. Sala, cozinha, banheiro, mas j era suficiente

    para Melanie sentir-se bem. No tinha boas lembranas da ltima casa que morou, da

    ltima cidade de onde vieram: Londrina. Sofreram uma invaso que traumatizou a todos.

    Um marginal entrou na casa, mesmo eles estando dentro e dormindo. O bandido no

    roubou nada. Nem mesmo a polcia soube explicar como ele entrou, j que nada foi

    arrombado. Mas Melanie ainda lembra da real presena de uma pessoa, dentro do seu

    quarto, a observando dormir. A garota acordou por dois motivos: era uma noite quente de

    vero e ela sentiu o corpo todo gelar de repente. Tambm, por ter o sono leve e pde sentir

    uma respirao descompassada e ofegante prximo a ela. Estava escuro. No conseguiu

    visualizar o rosto daquele que estava oculto pelas sombras. O pequeno facho de luz que

    entrava pela janela, apenas revelava sua postura. Com um terno, parecendo requintado, ele

    estava sentado na cadeira, ao lado do armrio, com as pernas, elegantemente cruzadas.

    Melanie teve o mpeto de clamar por socorro. O invasor pareceu perceber e levantou-se.

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    Melanie fechou os olhos e gritou. Quando novamente abriu os olhos, o invasor no estava

    mais l. Flvia acordou e correu em desespero para o quarto da filha. Chamou a polcia e

    tempo depois eles vieram. Remexeram tudo e nada encontraram. Chegaram a sugerir que

    era apenas um sonho, um pesadelo. Mas Flvia tinha o discernimento de saber quando a

    filha no falava a verdade. O que, certamente, no era o caso. Melanie no se contentousomente com o crdito recebido da me. Utilizando seu instinto, adquirido por algumas

    horas assistindo CSI, encontrou algo que os policiais no perceberam. Debaixo da cadeira,

    bem escondida no assoalho, algumas gotas de um lquido que lembrava sangue. Melanie

    sabia que at antes de se deitar no havia ali gota de coisa alguma. Talvez o tal invasor

    estivesse ferido. Ou pior, tivesse ferido algum. Dias depois, ela sentiu falta de um objeto.

    Uma caixinha de msica que mantinha guardada. Era de sua me, que passou para ela

    quando nasceu. Estava guardada por que tinha quebrado e a sua melodia, to familiar

    Melanie, no podia mais se ouvir.

    Como de costume, a chave da porta sempre emperrava. Flvia girava com cuidado, com

    medo de quebr-la. Depois daria um trabalho ter que trocar a fechadura, por causa do

    pedao da chave que ficaria emperrado. Era servio para homem, e o nico homem da casa,

    mal sabia consertar os Transformers que possua. Melanie j entrou abandonando a mochila

    no sof enquanto procurava o controle remoto da TV. Nicolas corre para o banheiro.

    - Hei, mocinha. Disse Flvia e apertando o boto da secretria eletrnica. No sabe

    onde guarda isso, no?

    - Claro que sei, me Disse Melanie pegando de novo a mochila. E isso uma

    mochila.

    Flvia apenas faz mais um gesto apontando a porta do quarto. Melanie segue arrastando a

    mochila, enquanto ouve a voz mecnica da secretria avisando que tinham duas mensagens.

    Curiosa, como sempre, Melanie pra no corredor para ouvir.

    Oi, Flvia... a Leonora... - Leonora colega de trabalho de Flvia.

    Seguinte, uma e meia tem reunio aqui na imobiliria.

    Flvia j trabalhou em muitos ramos de atividades. Inclusive j foi revendedora de

    cosmticos e at trabalhou com massoterapia. Atualmente trabalhava como corretora de

    imveis. Uma de suas tantas habilidades adquiridas forosamente.

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    E j vou adiantando... - A mulher diminuiu o tom da voz como se cochichasse. - O Seu

    Mathias est fulo da vida com voc. Acho que voc j de v saber o que irritou tanto o

    homem, no ?

    Flvia at gostaria de no saber. Mas o seu fraco desempenho, depois de tantas promessas

    de timos negcios, alardeado por ela no incio da contratao, seria a razo do mau humor

    do chefe.

    Beijo querida... Que j estou indo almoar. At depois.

    Melanie pensou depois do click final da mensagem que seria bom que o almoo de hoje

    fosse com talheres de plstico. Imaginando j, antecipadamente, que o mau humor de

    Flvia eclodiria por qualquer detalhe. Talvez a segunda mensagem pudesse amenizar as

    coisas. Poderia ser uma boa notcia. Melanie lembrou que sua me tinha um tique nervoso,principalmente quando era por motivos de raiva. Flvia piscava, sem parar. A garota

    reparou que a me j parecia o cursor do Word, quando apertou o boto para ouvir a

    segunda mensagem.

    O que vinha do telefone assemelhava-se a uma respirao, quase inaudvel, somado ao

    barulho de quando algum passa o aparelho de uma orelha para outra. Mais nada. Por

    alguns longos segundos a mesma coisa.

    - Tem gente que na tem o que fazer. Disse Flvia considerando ser um trote, ou coisaassim. Ela aponta o dedo indicador no boto de apagar.

    - Ol...

    Uma voz fraca. Grave. Daquelas que se demora um pouco a identificar se de homem ou

    mulher, fez-se ouvir.

    Sou eu...

    Era uma mulher, aparentando idade avanada. Ela no mencionou o nome, mas Melanie

    percebeu que Flvia j havia a identificado, j que foi se soltando levemente no sof, como

    se estivesse com medo de cair.

    Sei que no devia ligar... Mas no sei o que fazer...

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    Flvia levou a mo na boca. Sua mo tremia. Nicolas saiu cantarolando do banheiro e

    seguia para sala. Melanie o segurou pelo brao, quando passava por ela e tapou-lhe a boca.

    - O que foi? Disse Nicolas.

    Melanie apontou para a me e fez sinal para que o garoto permanecesse em silncio.

    Tudo est mudando por aqui... No tenho mais condies de passar por tudo aquilo de

    novo... -

    A mulher pronunciava com dificuldade as palavras entre tosses fortssimas. - Preciso que

    voc me ajude agora... Por favor... Assim como eu te ajudei um dia...

    A mulher foi tomada de uma tosse ininterrupta que a dificultava de pronunciar qualquerpalavra. A nica coisa que se pde ouvir antes do telefone desligar foi um Venha! Flvia!

    Depressa!

    Flvia desligou, empurrando a secretria eletrnica, com repulsa. Parecia que tinha criado

    nojo dela. Flvia afundou as mos nos cabelos e permaneceu imvel. Para Melanie, j era

    mais do que suficiente perceber o estado que a me ficara depois de ouvir a mensagem, mas

    a mulher idosa sabia pra quem tinha ligado. Ela disse um nome no fim da gravao. Disse o

    nome de Flvia. Com certeza, no era um trote.

    Durante seus 16, quase 17 anos de vida, Melanie j estava mais do que habituada com o

    jeito da me. Sabia o que a deixava feliz, triste, magoada e com medo. Definitivamente, o

    medo a estava dominando. Ficou sentada l no sof um bom tempo, quase na mesma

    posio. Melanie improvisou o almoo, um macarro bsico e uma salada rpida, j que

    isso era sempre a me que providenciava. Flvia no almoou, nem veio mesa. Melanie

    serviu Nicolas e at colocou comida em um prato para si mesma, mas j sabendo que seria

    perda de tempo. No tinha fome tambm. Melanie ficou pensando em quem seria aquela

    mulher? E por que apenas de ouvir sua voz em menos de um minuto de gravao, Flvia,

    ficou transtornada desse jeito? A garota no sabia nem por onde comear a encontrar

    respostas, alm das que poderiam ser dadas pela prpria me. Mas ela no teria coragem de

    perguntar nada.

    Melanie esperou Nicolas terminar e sair da mesa. Neste perodo ficou ali, sentada,

    separando com o garfo a comida no prato. Detestou o clima pesado que se instaurou na casa

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    quela hora. Estava absorta em seus pensamentos quando Flvia entrou na cozinha, com

    uma expresso nada amistosa.

    - Vou sair. Preciso resolver algumas coisas. Disse Flvia arrumando o interior da bolsa

    como que procurando algo. Cad minhas chaves?

    - Esto na sua mo, me. Respondeu Melanie notando que Flvia estava ainda bastante

    nervosa. - Tudo bem com voc? Arriscou perguntar a menina.

    - Est sim Respondeu Flvia, esforando-se para soar verdadeira. Fique tranqila. S

    cuide bem do seu irmo.

    - Isso eu fao sempre. Completou Melanie percebendo tardiamente que no era uma boa

    hora para instigar a me.

    Flvia deu um beijo em Nicolas que estava fazendo um desenho sobre a mesa e na

    seqncia ficou de frente com Melanie e a abraou apertado. A garota ficou com os braos

    esticados, imveis, envolvidos pelos da me. Ela estranhou essaa repentina manifestao de

    afeto. Flvia a olhou nos olhos e saiu. Melanie considerou que hoje, realmente, no estava

    sendo um dia normal.

    Tinha passado mais de meia hora, quando Melanie lembrou do combinado da galera da

    escola de estarem todos no mesmo horrio no Messenger. Mas no tinha mais importncia.Ela agora estava preocupada com a demora da me, que j deveria estar em casa uma hora

    atrs. Ela sentou-se na frente de casa, na elevao da mureta, segurando o celular na

    esperana de receber uma chamada, j que o celular da me s dava na caixa postal.

    Alguma coisa aconteceu. Flvia nunca se atrasa. Melanie deixou Nicolas vendo TV. Ele

    ficava entretido por horas, assistindo Discovery Kids. O seu desejo era ver logo o carro

    prateado dobrar a esquina. Era horrio de vero e a cor avermelhada do horizonte estava se

    dissipando, dando lugar a um cu negro, cravejado de brilhantes.

    Alguns minutos se passaram e a garota se levantou. Sentiu-se um pouco tonta. Aquela

    sensao de ficar vendo pequenas luzes depois que se levanta subitamente, se apossou dela.

    Labirintite, coisa assim. Um barulho estranho chamou sua ateno. Parecia duas espadas

    trocando golpes.

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    Ah! Esse peste. Ta assistindo filme violento de novo. Pensou seguindo para dentro de

    casa. Depois sai batendo nos colegas de escola e no sabe por que.

    Entrou na sala e o som cessou. Nicolas estava deitado no sof vendo os desenhos. Ele nem

    tinha se mexido. No poderia mudar rapidamente de canal, mesmo por que o controle daTV estava longe. Era estranho, mas Melanie deu de ombros e saiu novamente.

    A rua da casa onde moravam bem tranqila. Arborizada. Inclusive tem uma grande rvore

    bem na frente do muro, quase de frente com o porto. Se isso dificulta para quem est fora

    olhar quem est dentro, o mesmo acontece ao inverso; por isso ela estava do lado de fora do

    muro, na calada. Quanto antes ela visse a me chegando, acabaria logo sua angustia.

    Passou mais uma hora e j roia as unhas sem parar. Entrou novamente e Nicolas dormia,

    mesmo com o som alto da Tv. Saiu outra vez. Melanie estava muito nervosa e ficava aindamais a cada tentativa em vo para o celular da me. O nico movimento de carros e de

    pedestres eram a alguns quarteires adiante, numa rua transversal. Uma avenida. Na frente

    da casa, o nico movimento alm do da garota, eram dos pequenos besouros batendo,

    insistentemente, contra as lmpadas dos postes. De repente ela ouve um rudo, como som

    de passos. Olhou para a direo de onde o som partiu e viu um sujeito parado na esquina.

    Ele parou de perfil, em cima do meio-fio, igual quando algum espera para um carro passar,

    mas no havia carro nenhum vindo por aquela rua. Colocou as mos nos bolsos. Estava

    bem vestido. Jeans preto, camisa branca e usava sapatos caros. Tinha cabelos castanhos.Quase loiros. Desgrenhados, mas na moda. Bonito. Charmoso. At demais. Tanto que

    Melanie no conseguiu tirar os olhos dele.

    Nossa! O que o irmo mais novo do Brad Pitt est fazendo aqui? Pensou Melanie . Ele

    riu. Baixou a cabea levemente e a olhou por baixo.

    Credo! Ser que eu falei alto demais? Pensou de novo. Ele continuou olhando. Ela,

    evidentemente, s o observava com o canto dos olhos. Ele tinha um sorriso enigmtico.

    Uma mistura de cinismo e pureza. Satisfao e desejo. Era mais do que um garoto im: era

    irresistvel. Ele tirou algo do bolso, parecia um chaveiro de carro. Apertou o boto e o

    alarme de um carro estacionado um pouco mais longe, desligou. Nervosa pela demora da

    me, Melanie, nem havia notado o carro importado estacionado. Um Lamborghini

    Gallardo, vermelho. Imponente. Daqueles que difcil de se ver por a. Melanie olhou na

    direo do belo estranho. Ele permanecia olhando.

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    O que ele est pensando? Por que no pra de olhar pra mim? Pensou a garota. Logo

    ela, uma garota simples. Sentada sozinha em frente da casa. De cabelo preso e cara lavada.

    De calo jeans, camiseta bsica e chinelo. Chinelo. Ela se sentia uma piada.

    Melanie estava a ponto de entrar. Ela queria ficar ali, observando e sendo observada por

    aquele estranho. Mas estava com vergonha de si mesma. Ficou pensando porque as pessoas

    ficam to desleixadas quando esto em casa. Nunca se imagina que coisas como essas iro

    acontecer? De repente o Fiesta prata 4 portas converge para o lado da casa. Era Flvia.

    Graas a Deus. Agradeceu Melanie.

    Aliviada, ela olha na direo da esquina e o belo estranho no estava mais l. A garota

    percebeu o farol do Gallardo ligar. Flvia estacionou bem em frente da casa. Melanielevantou por que o Fiesta ficou bem na sua frente. O carro importado estava vindo. Ele, o

    estranho, passou com o vidro do carona abaixado e olhando para Melanie. Lanou sobre ela

    mais uma vez seu sorriso enigmtico. Depois seguiu pela direo contrria de onde Flvia

    tinha vindo. Flvia, desconfiada, desceu do carro e percebeu para onde os olhos da filha

    endereavam.

    - O que isso, Mel? Disse ela batendo a porta.

    - Isso o qu, me?

    - Quem era esse ai? Perguntou Flvia desconfiada.

    - Como eu vou saber. Devia estar s passando pela rua. Respondeu desconversando

    Melanie.

    Flvia fez um sinal para que Melanie olhasse para dentro do carro. A garota ento se deu

    conta que tinha uma pessoa dentro. Leonora. Melanie bloqueava a sada da amiga de

    trabalho de Flvia. A filha at tinha estranhado a me no ter pedido para que ela abri-se o

    porto para guardar o carro. Melanie retirou-se da frente da porta e Leonora saiu. Era bem

    baixinha e magra. Estava usando um tailleur marrom, com uma saia evas e um coque no

    cabelo. Parecia que tinha tomado banho de perfume.

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    - Oi. Leonora. Melanie cumprimentou a mulher chamando pelo nome. Ela havia dito que

    detestava quando a chamavam de Dona ou Senhora.

    - Oi lindinha. Respondeu Leonora to efusiva que Melanie pensou que a mulher apertaria

    as suas buchechas.

    - A Leonora est aqui por que veio me dar uma ajudinha. Disse Flvia. Leonora sorriu

    tanto que a garota pde ver a amlgama dos seus dentes do fundo.

    - Vamos entrar, ento. Sugeriu Flvia.

    A amiga do trabalho entrou por primeiro. Ela passou por Melanie que quase tonteou, ao

    sentir o forte perfume entrar em suas narinas. Flvia entrou atrs de Leonora e olhou para

    filha com uma careta, seguido de um sinal abanando o nariz. A garota imaginou o que ame deve ter sofrido dentro do carro.

    Melanie estava prestes a entrar quando olhou na direo de onde o belo estranho ficou

    parado. Algo no cho lhe chamou a ateno. Ela olhou para a porta de entrada da casa.

    Leonora e a me j tinham sumido.

    Vou ver o que . - Pensou j mudando o primeiro passo na direo da esquina.

    Quando chegou perto, se abaixou e a pegou. Era uma rosa. Uma linda rosa vermelha.Melanie a cheirou. A sua fragrncia era marcante. Seria possvel que havia se misturado

    com o cheiro do belo estranho? Ao menos, tinha cheiro de mistrio.

    Ela entrou escondendo a rosa. Conhecendo bem a me, ela sabia que seria submetida a um

    batalho de perguntas. Flvia estava junto ao sof, custando a acordar Nicolas. Leonora se

    ps sentada no sof menor, olhando um lbum de fotos.

    - Faz tempo que ele dormiu aqui? Perguntou Flvia lanando aquele olhar do tipo No

    te pedi pra cuidar dele.

    - Acho que sim. Respondeu Melanie ainda com as mos atrs das costas. Eu estava l

    fora esperando voc dar um sinal de vida.

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    Nicolas acordou ainda muito sonolento. Flvia considerou por bem no discutir com a filha.

    Afinal, tinha uma pessoa, praticamente, estranha dentro de casa. Era tambm uma coisa

    muito pequena pra se iniciar uma discusso. J que as duas tem conhecimento que Nicolas

    vive se jogando nos cantos pra dormir. E mais ainda, que Melanie tinha razo. Ela, Flvia,

    sumiu e no deu satisfao nenhuma a respeito, at agora.

    - Ento senta ai que precisamos conversar. Disse Flvia sem escolher as palavras.

    Ah! No. Pensou, imediatamente, Melanie; j ciente o que essas palavras queriam

    dizer. As tinha ouvido diversas vezes.

    - No vou ficar de p. Respondeu j prevendo a prpria reao. Pode falar.

    - Trouxe a Leonora aqui. Flvia continuou. Por que vamos precisar ficar longe uns diase ela vai cuidar da nossa casa.

    A mulher parou de ver as fotos e ficou olhando para Melanie como querendo ouvir palavras

    de agradecimento por seu gesto.

    - O qu? Perguntou a garota num tom mais alto, levando as mos para frente, esquecendo

    que segurava a rosa. Longe uns dias? Como assim?

    Leonora levantou e veio em sua direo. Ela envolveu a rosa com as minsculas mos.

    - Nossa! Que linda. Disse a mulher cheirando-a.

    Melanie ficou atenta, preocupada que ela a tocasse com mais fora e a despedaa-se.

    Leonora a olhou, sorrindo e voltou a sentar. Melanie ficou imaginando se a atitude da

    mulher foi de algum que nunca recebeu uma rosa se quer, em toda a vida.

    - Aconteceu uma coisa e preciso que vocs me acompanhem. Continuou Flvia olhando

    para rosa.

    - Mas para onde a gente vai? Perguntou Melanie colocando as mos para trs novamente.

    - Quando a gente chegar l voc v, Julieta. Respondeu Flvia com a cara torta.

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    S que a Julieta, pelo menos, sabia o nome do Romeu. Pensou a garota.

    - Bom... Sendo por alguns dias. Beleza.

    - S por uns dias sim. Eu j conversei com a Leonora e expliquei tudo para ela comofunciona aqui. Ela vai dar comida para os peixinhos do Nic. Vou deixar dinheiro para as

    contas que forem vencer... Essas coisas.

    Leonora gesticulou com a cabea demonstrando que tinha tudo anotado.

    - Se tiver uma recomendao pode dizer. Falou a prestativa Leonora.

    Melanie a olhou com um olhar grato. Afinal, ela cuidaria das suas coisas.

    Com certeza, essa viagem repentina era algo relacionado ao trabalho da me. Ela prometeu

    mundos e fundos para o tal Seu Mathias. Agora estava mais do que na hora de cumprir.

    Claro, que obviamente, se estivessem de volta o quanto antes.

    Mesmo acordando mais tarde do que nos outros dias, Melanie, sentia-se um trapo. Obrigou-

    se a dormir tarde, j que a amiga da me, Leonora, foi embora depois da meia noite.

    Ficaram ela e Flvia jogando conversa fora e tomando vinho. Era um vinho que Flviaguardava j desde os tempos de Edgar. Depois de uma garrafa inteira o volume das

    conversas e risadas se alteraram, ficando cada vez mais alto. Nicolas, para variar, dorme at

    com uma britadeira, funcionando a mil, do lado da cama. Melanie j no tem essa sorte.

    Mesmo que seu quarto fosse blindado ela no conseguiria dormir com tanto barulho. A

    risada de Leonora era estridente. E quando ela comeou a falar as primeiras bobagens, de

    carter mais adulto, Flvia sugeriu que precisava dormir. Chamaram um txi e a desmedida

    e feliz Leonora foi para casa cantarolando.

    O momento do caf da manh no era o que Melanie tinha planejado durante toda uma

    semana. Imaginou no seu primeiro dia de frias, iria acordar feliz, pronta para um dia cheio

    de atividades com as amigas. Mas no, sem antes, de manh ainda, dar uma passadinha na

    biblioteca municipal, para garantir uns dois bons romances. Depois compraria mais outros

    dois em uma livraria. Afinal, o dinheiro que ela ganha da me, para cuidar da casa e do

    irmo enquanto Flvia trabalha, a possibilita gastar um pouquinho com suas maiores

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    paixes. Dependendo do livro ela l em trs ou quatro dias. Mas leva muito mais tempo

    para se livrar da sensao, boa ou ruim, que ele lhe traz. Adora se fazer passar pelas

    heronas das estrias que l. Mesmo daquelas que tem as estrias mais tristes.

    Tombou seu corpo na cadeira e ficou olhando para a xcara na sua frente. Melanie desejavater neste momento o poder da telecinese. Colocaria assim, seus olhos sobre a garrafa

    trmica e ela se abriria, seguindo j quase deitada at a sua xcara e a encheria de caf.

    Nicolas tomava o caf como todos os dias fazendo os mesmos barulhos irritantes. Flvia

    estava de p, parada, com uma xcara na mo, olhando pela janela. Ela nem notou a filha

    chegar. Estava entretida em seus pensamentos.

    - A mame falou que ns vamos viajar. Disse Nicolas.

    Grande coisa. Pensou Melanie, o respondendo com uma careta. A me virou-se, enfimpercebendo sua presena.

    - Dormiu bem? Perguntou Flvia, tomando em seguida, um gole do caf.

    Pela cara que fez o caf j devia estar frio a muito tempo.

    - Dormi. Respondeu Melanie no querendo importunar a me com seus problemas.

    - Ainda tenho umas coisinhas para resolver. Depois a gente pega a estrada.

    - Posso saber do que se trata?

    Ela permaneceu pensativa. Parecia que ainda no tinha uma resposta.

    - So coisas... Ela pensou mais um pouco. Do meu trabalho.

    - E por que a gente precisa ir tambm?

    - Por que so meus filhos. Vou ficar uns dias fora e quero vocs debaixo da minha viso.

    - Eu quero ir junto. - Disse Nicolas.

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    Puxa saco - Pensou Melanie, enquanto observa a me passando a mo pelos cabelos

    arrepiados do irmo.

    - Preferia ficar aqui. Disse Melanie mesmo ciente que no haveria outra soluo para ela.

    - A sua amiga no vai cuidar da casa? Ento, cuida de mim tambm.

    - De jeito nenhum. Flvia respondeu j dando indcios que o mau humor da manh a tinha

    alcanado bem naquela hora. Vocs dois vo comigo. A Leonora s vem dar uma

    passadinha aqui, dia sim, dia no.

    Melanie considerou melhor no prosseguir com a discusso. Ela sabia que iria perder. O

    argumento da me sempre o mais eficiente: o tom de voz mais alto.

    Flvia antes de sair pela manh, avisou os filhos que, dependendo das circunstncias, noviria para o almoo. De fato, ela no veio. J tinha passado das duas da tarde e Melanie

    estava, completamente, aborrecida, em frente TV, passando um a um dos canais. Nada lhe

    prendia a ateno. At que surgiu na sua mente a imagem do estranho de ontem noite.

    Possivelmente, foi a primeira e nica vez que o veria. Foi at o seu quarto. Colocou uma

    cala jeans. Depois procurou uma blusinha que gostasse.

    Jogou longe o chinelo e colocou um tnis. Parou diante do espelho. Soltou os longos

    cabelos castanhos escuros e ajeitou com cuidado os fios. Pegou seu estojo de maquiagem efez uma produozinha bsica. Estava pronta para sair. Passou pelo pequeno corredor em

    direo a sala e notou que Nicolas jogava no computador. Esse era mais um dos seus

    hbitos saudveis.

    - J volto. Avisou para as paredes, j que Nicolas nem se mexeu alm de apertar os botes

    do teclado, enquanto mordia a lngua com o canto da boca.

    O movimento durante o dia mais vigoroso. Carros e pessoas passam mais constantemente.

    Durante a quase meia hora que ficou ali, Melanie no viu nem sinal do carro vermelho ou

    do seu dono. Sentiu-se uma idiota, ali fora, esperando um cara passar. Um cara que nem

    mesmo conhecia. Entrou chateada.

    Vou para um outro mundo mais feliz. Pensou j seguindo para sua coleo de livros,

    desejando tomar o lugar de uma das suas fiis companheiras em seus mundos perfeitos.

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    No deu tempo nem de pegar o primeiro livro e o telefone tocou.

    Minha me. Pensou. Nicolas estava concentrado demais na disputa do jogo. Ele sempre

    o primeiro a sair correndo e atender. Melanie foi at o aparelho.

    - Al! - Do outro lado da linha o silncio. - - Al! Repetiu.

    Nenhum sinal.

    - Ok! Vou desligar. Melanie utiliza sempre a mesma ttica. Fala que vai desligar e

    continua ouvindo. Numa dessa, a pessoa se manifesta. Ningum respondeu. S tinha uma

    alternativa, desligar de verdade. O telefone j estava a alguns centmetros, distante da sua

    orelha, quando ouviu um pigarro. Era um pigarro que ela j tinha ouvido antes. Era o da

    mulher da ligao de ontem.

    - Quem ? Perguntou Melanie um pouco nervosa. A mulher talvez tenha percebido a

    alterao na sua voz e entendeu que ela a tinha reconhecido.

    - Voc a filha da... A mulher hesitou um pouco e concluiu com aquela voz rouca.

    Cavernosa. Flvia?

    - Sou. Respondeu Melanie. - O que a senhora quer com a minha me? A garota jogou

    logo a pergunta.

    - Querida. Tem muita coisa que preciso resolver com sua me. A mulher tinha

    dificuldades para dizer frases com mais de trs ou quatro palavras, sempre as finalizando

    com uma tosse. Ela ouviu meu recado ontem?

    - Ouviu sim. Nunca vi minha me daquele jeito.

    - Onde ela est agora?

    - Foi trabalhar... Eu acho.

    - Voc sabe me dizer se ela est vindo me encontrar?

    - Acredito que no senhora. Acho que s foi trabalhar.

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    - Ela comentou algo sobre uma viagem?

    - Comentou. Ns vamos viajar em breve.

    - Disse para onde vocs iro?

    - No senhora.

    - Ento ela est vindo para c mesmo. A mulher falou como se estivesse afirmando para

    si mesma. E vai trazer a filha.

    - Claro que eu vou junto. Minha me no me deixaria... Nem deu tempo de terminar e

    Melanie ouviu o barulho do telefone sendo desligado. A mulher mal educada desligou nasua cara.

    Quando Flvia chegou Melanie considerou melhor no mencionar o telefone da mulher

    misteriosa. No gostaria de ver a me do mesmo jeito que ficou quando ouviu a mensagem.

    - Ento, meus lindos. Entrou dizendo Flvia, enquanto beijava a cabea dos filhos.

    Sentiram falta da mame aqui?

    - Eu senti. Disse Nicolas sorridente, ganhando mais um beijo da me. Melanie olhou parao irmo e balanou a cabea. - Como consegue ser to puxa saco, moleque? Pensou.

    - Algum ligou pra mim? Perguntou Flvia.

    - No. Respondeu Melanie sem mirar nos olhos da me. Se assim o fizesse, com certeza,

    entregaria que estava mentindo.

    - Ligaram sim Disse Nicolas com ar superior. Aquela mesmo mulher que no pra de

    tossir.

    Ferrou! Pensou Melanie se encolhendo no sof. Esse fofoqueiro ouviu.

    - Quem de vocs que atendeu? Irritou-se Flvia.

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    Nicolas acenou com a cabea apontando Melanie.

    Peste! Voc me paga Prometeu Melanie fuzilando com os olhos o irmo.

    - No acredito, Melanie! Explodiu Flavia. Voc no ia me dizer nada?

    - Claro que no, me. Respondeu gesticulando Melanie. No se lembra de como voc

    ficou da ltima vez?

    - Voc no pode esconder essas coisas de mim. Esbravejou Flvia segurando a filha pelos

    braos. Nunca mais tente esconder nada de mim.

    - Calma me - Respondeu assustada Melanie. s uma ligao.

    Flvia a soltou e percebeu o quanto tinha se alterado.

    - Ela ligou, eu atendi, ela perguntou por voc e eu disse que voc no estava. Explicou

    Melanie. Ela desligou. S isso.

    Flvia passou as mos pelos cabelos e respirou fundo. Em seguida olhou para Melanie e

    passou a mo pelos cabelos da filha.

    - Est bem. Disse Flvia calmamente. Mas quando essa mulher ligar e eu no estiveraqui, no fale mais com ela. Entendeu?

    Melanie anuiu com a cabea positivamente.

    - S eu falo com ela. Flvia mordeu os lbios. S eu!

    Flvia respirou fundo outra vez, pegou a pasta da imobiliria. Teve a inteno de sair da

    sala. Antes de passar pela porta virou-se para os filhos.

    - Ns vamos amanh. anunciou Flvia No posso mais esperar.

    Flvia saiu. Melanie olhou para o irmo. Nicolas lhe mostrou a lngua.

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    - Isso mesmo, seu cobrinha. Sussurrou Melanie. Qualquer dia desses, eu corto fora essa

    lngua afiada.

    Nicolas deu de ombros e voltou a ver TV. Melanie colocou os neurnios para funcionar. O

    que Flvia tinha de to grave para esconder? Afinal, ningum estoura assim s por umsimples telefonema. Seja como for, poderia estar prximo dela descobrir alguma coisa. J

    que a tal viagem de amanh, no parecia mais ser coisa s do trabalho da me. Mais parecia

    ter a ver com a mulher da ligao.

    Captulo Dois Carpe Diem?

    Melanie sabia que a me no tolerava dirigir a noite, nem quando est chovendo. Eram

    quase dez horas da noite, chovia forte e elas estavam no interior do Fiesta, na estrada. Agarota recebia no prprio corpo toda a tenso que sua me estava sentindo, ao se concentrar

    no pequeno vislumbre da rodovia, que dava para ver atravs da densa camada de gua, que

    escorria pelos pra-brisas. Estava no banco do passageiro, fingindo que estava tranqila,

    ouvindo msica em meu mp4. Mas, por muitas vezes, apertou o p contra o carro, como se

    fosse ela mesma que estivesse dirigindo. A me estava muito concentrada pra notar isso,

    alis, Melanie considerava que j h muito tempo ela no vem notando muita coisa que ela

    tem feito. Estava para sair de mais um emprego. O quarto em menos de dois anos. Flvia

    sempre demonstrou ser irrequieta contrastando com o jeito passivo que Melanie possua.

    Mas dessa vez, a garota pressentia que algo no ia bem, s no sabia o qu.

    - Tenho que ir para uma outra cidade. Preciso resolver algumas coisas, mas por pouco

    tempo. Preciso que voc e Nicolas entendam. Disse a me para Melanie, enquanto

    assistiam novela.

    Como eu posso entender? E os meus planos? E as coisas que eu teria que resolver? Como

    ficaro? - Pensou Melanie lembrando da conversa.

    Que m... Ia pensar um palavro quando ouviu um ainda pior da boca da me. Sentiu os

    solavancos. Ela havia sado da estrada outra vez e quase bateu em um barranco. Tirou os

    fones e tentou parecer natural, apesar de estar com muito medo. A me a olhou rapidamente

    com aquele olhar, querendo dizer:

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    O que foi? Falei! E da? Eu posso sou sua me. - Mas disse outra coisa. - Mel! Veja a

    como est o seu irmo.

    Melanie olhou para trs e constatou que Nicolas, dormia pesado.

    - Est bem! Respondeu Melanie Para variar est dormindo.

    Flvia ouviu e continuou concentrada. A luz forte de outro carro que seguia na direo

    contrria, cegou Melanie por alguns instantes. Instintivamente ela colocou as mos sobre os

    olhos.

    - Eu sei que est cansada tambm. Disse Flvia sem tirar a ateno da estrada A gente j

    est chegando.

    Ela pareceu hesitar e Melanie percebeu. A garota ficou em silncio. A me tentou alcanar

    seus pensamentos examinando-a com o canto dos olhos.

    - Entendo que voc est chateada por toda essa viagem repentina Continuou Flvia Mas

    eu precisava mesmo fazer isso. E afinal, j estamos aqui. No d mais pra voltar. Pelo

    menos, no por enquanto.

    Melanie continuou em silncio, engolindo muitas palavras que gostaria de dizer. Mas

    sabendo que em algo, realmente, a me tinha razo. No d mais pra voltar.

    - Quem sabe voc at goste de l. Prosseguiu Flvia Vai ser por poucos dias. Alem do

    mais, muito bonita a cidadezinha.

    Cidadezinha. Isso fez Melanie lembrar, de certa vez, quando ainda devia ter a idade do

    irmo. Uns oito ou nove anos, talvez. Quando ouviu o nome desta cidade pela primeira vez.

    Monte Seco. Lembrou, por que riu quando ouviu, achando o nome engraado. A me, na

    poca, falava com algum no telefone tambm. Melanie no sabia quem era. Depois de

    algum tempo ela comeou a ficar irritada e repetia em tom spero que jamais voltaria a por

    os ps em Monte Seco. Jamais. Depois disto, nunca mais ouviu o nome outra vez. At

    semana passada, quando soube que a tal cidade de nome engraado, no mais pareceu to

    engraado assim.

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    - No consigo entender uma coisa Resmungou Melanie Porque ns vamos pra esse fim

    de mundo?

    - J te falei. Eles precisam da minha presena por l, pra resolver algumas coisas. -

    Respondeu Flvia - Fique tranqila, no que tudo se acerte, em seguida a gente d meiavolta. Arrumei um lugarzinho bem famlia pra ficarmos. Vai ser bom pra vocs tambm.

    - Nada disso. Respondeu Melanie no ato - No que isso vai fazer bem pra mim?

    - Vai sim. Voc vai ver.

    - Claro! Vou ver a minhas frias afundar. Eu bem que poderia ter ficado na casa de uma das

    minhas amigas.

    - Meu Deus, Melanie! Voc est parecendo uma criana mimada. - Flvia olhou

    rapidamente para filha e voltou a concentrar-se na estrada. Eu sei que voc no assim.

    Melanie sabia que nisso Flvia tambm tinha razo. Ela no era de agir assim. Tinha mais

    conscincia e juzo do que muito de suas amigas. Mas essa reviravolta repentina, alm de

    mudar seus planos, a fez mudar de outra forma. Ficou mais amarga. Mais triste.

    - Como as aulas ainda vo demorar uns dias pra comear, vocs dois vo ter tempo de sobra

    pra conhecer a cidade, fazer novos amigos antes de voltarmos.

    Flvia parou bruscamente de falar percebendo o desinteresse de Melanie na conversa.

    - Por que no tenta dormir? Prosseguiu.

    - No vou conseguir.

    Flvia colocou a mo sobre a perna da filha e logo a retornou ao volante.

    - Ta bom. Suspirou no conseguindo esconder a tenso. S continue prestando ateno

    no seu irmo.

    Melanie percebeu neste instante que alm de estar preocupada com o perigo da estrada a

    me tambm estava sentindo medo. Alguma coisa estava tirando a paz de Flvia, mas ela

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    no queria dividir com ningum o que a estava preocupando. Tinha tambm outro

    agravante, recaa sobre ela a responsabilidade das coisas darem certo novamente, j que

    seus planos no dessem certo, teria que procurar outro emprego quando retornassem .

    Nas prximas quase duas horas que se seguiram, Melanie permaneceu em silncio, ouvindo

    as poucas palavras esboadas pela me, a respirao do irmo no banco de trs e o barulhoda chuva que diminua gradativamente, at cessar por completo. Pararam em um posto de

    combustvel e Flvia no demorou-se a descer pra pedir informao, colocar gasolina e

    comprar alguma coisa pra comerem. Nicolas acordou.

    - A gente j chegou? perguntou bocejando.

    - Ainda no.

    - Falta muito?

    - Acho que no. Mame foi ver.

    - Ser que fica muito longe? - Repetiu a pergunta

    - No sei garoto. - Melanie respondeu esbravejando.

    - Quero ir no banheiro.

    Melanie lembrou de quando se mostrava mais atenciosa no cuidado do irmo. Ao contrrio

    de muitas crianas que ficam enciumadas, com o nascimento de um irmo mais novo, ela o

    amou desde o primeiro dia. Apesar de, ultimamente, o irmo estar se tornando um saco, ela,

    assim mesmo, o ama sem medidas. Fazendo o papel de irm mais velha ela olhou para

    porta de onde supostamente seria o banheiro, estava semi-aberta. Era perto de onde o carro

    estava estacionado.

    - Desce e vai l. Apontou a direo. - S no demore.

    Nicolas abriu a porta do carro e seguiu at o banheiro, arrastando os braos, parecendo um

    pouco arqueado pelo sono. Ele sempre faz isso toda manh. Era sua marca registrada.

    Melanie observou-o entrar no banheiro e olhou para loja de convenincia na tentativa de

    avistar a me. No a viu. Provavelmente, ela estaria comprando comida ou conversando

    com o atendente. Encostou a cabea no vidro e fechou os olhos por alguns instantes.

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    Instantes depois, sentiu a cabea pendendo para frente e se segurou pra no dormir. No

    havia percebido o quanto estava cansada. Seu corpo doa. Os olhos pesavam. Estava quase

    adormecendo quando foi tomada por uma sensao que nunca antes havia experimentado.

    Era como um choque. Parecia que uma corrente eltrica a envolvia por inteira. Acordou de

    sobre-salto. Olhou na direo do banheiro, onde Nicolas estava e viu flashes de luzessaindo pela fresta da porta. Era estranho. Como se fosse o flash de muitas mquinas

    fotogrficas ao mesmo tempo. Olhou pra loja de convenincia e no viu sua me. Desceu

    cambaleante do carro. As luzes continuavam dentro do banheiro. Melanie notou que uma

    placa de publicidade que anteriormente agitava-se histrica pelo vento, agora estava parada.

    Nem vento mais tinha. Nem barulho de nada. Tudo estava muito quieto. Seguiu para o

    banheiro e s conseguia ouvir o barulho dos prprios passos. Ela tinha a impresso de estar

    caminhando em slow motion.

    - Nicolas!

    Chamou pelo irmo antes de entrar. Ele no respondeu. Aproximou-se da porta e devagar

    foi abrindo-a. As luzes se intensificaram. Melanie morria de medo, mas precisava entrar.

    Podia ouvir o bater acelerado do seu corao. Ela tremia. Entrou chamando por Nicolas de

    novo e no ouviu resposta. Ento, escutou algo indescritvel, talvez como se muitas espadas

    travassem uma disputa. As luzes eram muito fortes e piscavam intensamente. Ela se

    segurou na parede pra no cair e gritou:

    - Nicolas!

    Tudo girou ao seu redor. Ela sentiu suas pernas bambearem.

    - No temas!

    Uma voz suave, quase inaudvel, sussurrou levemente em seu ouvido. Sentindo como se

    fosse desmaiar, Melanie teve a percepo que alguma coisa lhe amparava encostando-a na

    parede. Tentou olhar ao redor. Estava escuro. As luzes haviam cessado. Sentiu algum

    passar e esbarrar em seu corpo combalido. No conseguiu identificar o que era. Apenas viu

    o vulto saindo pela porta.

    - Mel!

    Ela ouviu a voz do irmo enquanto se recuperava escorando-se na parede.

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    - voc, Nicolas? -Perguntou ainda bastante zonza.

    - Claro que sou eu.

    Nicolas veio ao seu encontro. Melanie j podia vislumbrar os olhos inocentes do irmo. Ele

    a abraou e os dois saram do banheiro.

    Estava muito escuro l dentro. Aquele homem ali ficou comigo pra eu no ficar com

    medo Nicolas apontou em direo a uma caminhonete velha que estava estacionada. Deu

    tempo de Melanie ver o homem que entrava nela.

    - Quem esse homem?

    - Eu no sei. Ele estava l dentro. Respondeu Nicolas. - Ele perguntou um monte de

    coisas pra mim.

    Ouvindo um barulho de motor Melanie olhou de novo para onde estava a caminhonete. O

    homem a encarou e mesmo um pouco distante, ela conseguiu ver a negritude dos seus

    olhos. Ele sorriu. Era um sorriso sarcstico. Ele acenou na direo deles e saiu para estrada.

    - Voc j sabe Nicolas. No pode falar com gente que voc no conhece. perigoso.

    - O que perigoso?

    Flvia chegou e escutou apenas o fim da frase. Melanie compreendeu que no deveria falar

    nada pra me, pelo menos, no por enquanto. Ela sabia que se falasse alguma coisa, Flvia

    iria querer sair atrs de polcia, ou pior, do prprio homem da caminhonete.

    - Lugar escuro, me. -Melanie tentou contornar. -O Nicolas queria fazer xixi no banheiro. -

    Ela olhou para Nicolas para que ele concordasse com a estria.

    - Estava escuro l dentro. - Continuou, enquanto Nicolas acenava com a cabea dando

    crdito para a narrao da irm. - Falei pra ele fazer ali no cantinho mesmo.

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    Flvia no engoliu muita a estria, mas fez sinal pra que entrassem no carro. Os filhos

    obedeceram e ela tambm entrou segurando uma sacola. Ps sobre o colo de Melanie,

    enquanto colocava a chave na ignio.

    - O rapaz me falou que falta menos de trs quilmetros de asfalto e mais uns cinco deestrada de cho por um desvio e chegamos.

    Melanie abriu a sacola plstica e viu bolachas, chocolates e refrigerantes.

    - Eu sei o que voc est pensando. - Disse Flvia dando a partida e colocando a marcha.

    Mas hoje eu fao uma exceo. Podem comer essas bobagens. s isso que eles tinham l

    mesmo.

    Instantes depois eles estavam novamente na estrada. S que agora Melanie refletia econsiderava que sua me havia se enganado desta vez. Ela realmente olhava para o interior

    daquela sacola, mas na verdade, o que ela estava pensando, era sobre tudo que acontecera

    agora pouco, naquele banheiro.

    O carro foi parando. Isso fez com que Melanie, desperta-se. Abriu com dificuldade os olhos

    e ainda deu tempo de ver a me estacionar. Ela olha para trs e Nicolas a encara sorrindo.

    - Chegamos. - Disse o garoto parecendo realmente no se importar por toda mudana que

    estava passando.

    J era hora. - Respondeu Melanie tentando identificar onde estavam.

    - Vamos ficar aqui esses dias. - Disse Flvia apontando para uma casa grande e velha.

    Melanie olhou com desapreo para o lugar. Pareceu-lhe aquelas pousadas administradas por

    velhas senhoras, com cara amarrada e olhar desaprovador pra tudo que o hspede faz.

    Principalmente os da idade dela e do irmo.

    - Vamos descendo. Sugeriu Flvia Por que amanh vai ser um dia muito cheio e

    precisamos descansar um pouco.

    Desceram e seguiram na direo da entrada. Flvia carregava uma pequena bolsa com

    documentos e roupas. Passaram em silncio pelo porto e continuaram at a porta da

    pousada. Era uma casa enorme de madeira, e apesar da pouca luminosidade, Melanie notou

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    que foi pintada com um verde musgo que a deixou ainda mais desagradvel. Ostentava uma

    rea que se estendia por toda a frente. Alguns poucos vasos pendurados com samambaias

    eram os nicos enfeites. A porta de entrada era grande e seu tom amarronzado

    compartilhava para denunciar o mau gosto do proprietrio do local. Ouviu-se o barulho da

    chave sendo girada. Melanie olhou na direo da fechadura e concluiu que, com certeza,sua fabricao no era deste sculo. A porta abriu lentamente e o rosto sorridente de uma

    menina, de uns seis ou sete anos, apareceu.

    - Dona Flvia? Perguntou a garotinha.

    - Isso mesmo Respondeu Flvia retribuindo o sorriso.

    - Oi! Eu sou a Raissa! Fizeram uma boa viagem? - A menina escancarou a porta. Minha

    av est esperando vocs.

    A menina deu as costas e entrou. Olhando para Flvia, Melanie identificou o motivo do seu

    leve sorriso de contentamento. Possivelmente ela estaria fazendo comparaes em sua

    mente. o que sempre ela faz quando depara com uma garotinha precoce. Pelo que

    Melanie sabe e a me no a deixa esquecer, que j foi espontnea e prodgio desse jeito.

    Uma Lisa Simpson.

    Entrando por ltimo, Melanie, perguntava-se que assuntos teria a me para resolver numa

    cidade como essa. No poderiam ser resolvidos por telefone? Por e-mail, quem sabe? Ela

    corre os olhos pela grande sala de entrada. Mveis antigos. Quadros antigos. Tudo antigo.Uma TV pr-histrica, daquelas que parecem preto-e-branco, estava desligada no canto. Se

    a TV era assim, computador ento, se existisse um por ali, claro, deveria funcionar a

    manivela. Melanie olhou para o sof coberto por uma capa com estampas florais, e este,

    pareceu exercer sobre a jovem uma fora de atrao muito grande. Vencida por ela,

    Melanie sentou-se pesadamente, no desconfortvel sof. Cruzou os braos e paralisou os

    msculos do corpo permanecendo inerte. Flvia e Nicolas entraram pelo corredor que

    levava aos demais cmodos da casa, seguindo a efusiva Raissa. O que uma menina na idade

    dela estaria fazendo acordada at essa hora? Na verdade, isso no interessava a Melanie.

    Afinal, agora, ela s nutria o desejo de dormir. Seus olhos pesaram novamente e ela foi

    soltando-se vagarosamente no sof, encostando a cabea na lateral e recolhendo as pernas

    sobre ele. Fechou os olhos.

    - No temas!

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    Melanie deu um sobressalto e sentou-se no sof. Seu corao disparou. Ela no soube

    discernir se ouviu aquela mesma voz suave sussurrar no seu ouvido novamente ou apenas

    lembrou do momento que vivenciou naquele banheiro do posto de gasolina.

    - O que foi?

    Ela olhou na direo de onde partiu a voz. Raissa com a cabea levemente inclinada para o

    lado, depositava os olhos azuis inquisidores, fixados nela.

    - Nada! - Respondeu Melanie sem ainda compreender o que sentiu.

    A garotinha sorriu e Melanie notou a perfeio dos seus dentes. Pareceu-lhe que, pelo

    menos, eles devem ter dentista na cidade.

    - Aqui no! Mas tem um que vem toda semana. Dr. Marcos. Disse Raissa enquanto

    olhava a garota deitada sobre o sof. Depois meneou a cabea e saiu saltitante.

    Nem deu tempo de Melanie digerir o que acabou de acontecer e sua me, ladeada de um

    Nicolas sonolento, entrou na sala. Uma senhora idosa, segurando a mo de Raissa, entrou

    na seqncia. Vestindo uma camisola e um penhoar azul, ela sustentava um ar nada severo.

    Bem ao contrrio do que Melanie havia imaginado. culos de aros grandes, cabelos

    totalmente brancos e possua um andar confiante, apesar da idade avanada.

    - Essa a minha filha Melanie. - Frisou Flvia apontando na direo da filha, que

    imediatamente se levantou, esboando um sorriso endereado a velha senhora.

    - Seja bem vinda minha filha. Disse a mulher num tom cordial.

    - A Dona Carmlia a proprietria daqui j h muitos anos. Completou Flvia E vai

    cuidar muito bem da gente.

    Sem saber o que dizer. Ou no querendo mesmo. A garota concordou com um aceno de

    cabea.

    - Vocs devem estar muito cansados. Querem ir pro quarto agora?

    - Por favor, Dona Carmlia. Concordou Flvia.

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    - Por aqui. - A velha senhora apontou o caminho.

    E o resto das nossas coisas no carro? - Pensou Melanie enquanto seguia a feliz comitiva.

    Deixa l. Acho que nem ladro existe neste fim de mundo.

    - Voc engraada! Disse Raissa rindo.

    Melanie olhou surpresa para menina um pouco a sua frente. Raissa estava olhando para

    ela, com os luminosos olhos azuis.

    - Fim de mundo... Repetiu a garotinha.

    Flvia dormiu mais do que o costume. Estava, realmente, cansada. Dirigiu por muitas

    horas. Quase atravessaram o Estado. Nicolas tambm acordou tarde. Como pode caber

    tanta sonolncia num s corpo? Melanie se perguntava. Ela, por sua vez, acordou por

    primeiro e se ps em seguida a olhar pela janela. As manhs em lugares assim, to

    buclicos, so lindas. Melanie at estranhou o desejo que sentiu de sair por ai, dar uma

    volta. A impresso que Melanie tinha criado do lugarejo na noite de ontem, poderia se

    dissipar com a luz do sol. A noite fica difcil visualizar as belezas que uma cidade tem, por

    mais minscula que possa ser. Monte Seco no deveria ser diferente. A garota precisaria

    ento tirar a prova nesta manh.Antes mesmo de chegar cozinha, Melanie sentiu o caracterstico e delicioso aroma de

    caf. Parecia que ela estava em uma fazenda. S estava faltando ouvir o som de uma vaca,

    ou o relincho de um cavalo. Ela passou pelo longo corredor e olhava as fotos penduradas na

    parede. Fotos antigas. Possivelmente com pessoas da famlia da proprietria. Parou diante

    de uma que lhe chamou a ateno. Era um grupo pequeno de pessoas enfileiradas e

    sorrindo. Certamente, todos da mesma famlia. Ela imaginava, apontando com o dedo sobre

    a pessoa, o que cada um poderia representar dentro do crculo familiar. O homem de

    bigode, que usava chapu e um terno velho deveria ser o pai. A mulher de vestido simples,

    era a me. O senhor mais velho, com a bengala e suspensrios, era o av. Na frente duas

    menininhas muito sorridentes. A mais velha, que usava um vestidinho mais claro, abraava

    a possvel irm mais nova. O seu rosto era um pouco familiar para Melanie. Parecia que j

    tinha visto a foto dessa menina. A mais nova sorria mostrando os dentes que faltavam na

    boca. Ela era muito engraadinha. Antes de seguir para cozinha, outro detalhe chamou a

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    ateno de Melanie. L no fundo uma outra mulher, mais velha, com a cara fechada,

    observava a famlia que estava em primeiro plano. Ela tinha um olhar nada amigvel.

    Se queria ser penetra na foto, pelo menos, sorrisse. - Pensou Melanie.

    - Bom dia, criana. Cumprimentou Dona Carmlia.

    Melanie virou-se e deu de cara com a amistosa senhora no fim do corredor, que dava acesso

    a cozinha.

    - Bom dia senhora. Respondeu ainda tmida Melanie.

    - Gosta de fotos antigas?

    - Mais ou menos. Respondeu sem graa a garota So da sua famlia?

    - Digamos que sim. Respondeu a senhora ajeitando o quadro que parecia estar um pouco

    torto. Se moram nesta cidade, ou mesmo temporariamente, nesta pousada, ento so da

    minha famlia.

    Melanie sorriu por se sentir includa na famlia da boa senhora. A mulher retribuiu o

    sorriso.

    - Quer saborear um cafezinho que eu mesma torrei? Perguntou, com certo orgulho, Dona

    Carmlia.

    Melanie respondeu positivamente com vrios balanares de cabea.

    - Eu garanto que voc nunca tomou um caf to saboroso.

    Dona Carmlia deu meia volta e entrou na cozinha, seguida por Melanie.

    Experimentou o caf, os pes, os bolos, as bolachas caseiras e outros quitutes colocados em

    sua frente pela sorridente Dona Carmlia. Como ela poderia dizer um no quela

    senhora? Saiu da cozinha como se estivesse almoado. Estava indo tomar um ar, quando

    deparou-se com Flvia e Nicolas no corredor.

    - Opa! Achamos a desaparecida. Brincou Flvia olhando para Nicolas.

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    - Eu estava na cozinha. Respondeu Melanie. Vou dar uma volta por ai. Reconhecimento

    de territrio.

    - No v se perder. Brincou mais uma vez Flvia seguindo com Nicolas para cozinha.- Como se isso fosse possvel?

    Flvia abraou o filho e seguiram pelo longo corredor. Melanie estava na porta de entrada

    quando olhou para trs e viu a me parada diante da mesma foto. A garota abriu a porta e

    saiu.

    A pequena cidade ainda mais pequena do que ela imaginou, quando sua me a comunicou

    de sua intrpida deciso. Minscula. Sufocante. Andou algumas quadras e a cidade

    terminou. O carro mais novo que viu era o deles. E ele j tem mais de dez anos de uso.Mas, ainda sim, tinha os seus atrativos. Poucos, mas tinha. As casas na maioria muito

    simples, eram aconchegantes. Ao redor da cidade, podia se notar, vrios montes que quase

    a circulavam, formando uma barreira natural. Um fator preponderante, poucas pessoas na

    rua. Bem poucas.

    Melanie estava voltando pela rua paralela, da qual, caminhou. Olhou uma placa com letras

    escritas a mo Mercadinho do Joo.

    Oh! Criatividade do povo do interior. Pensou entrando no mercado.

    Uma prateleira pregada na parede continha os itens de mais extrema necessidade. Arroz,

    feijo, sal, acar, trigo. Em geral, s alimentos. Tambm alguma coisa de limpeza e

    higiene. Uma mesa virou um improvisado balco. Atrs dele um homem, possivelmente o

    Joo, atendia uma garota, que aparentava a mesma idade de Melanie.

    Melanie se aproximou e notou que a garota a olhava de canto. Parecia envergonhada. O

    homem lanou em sua direo um olhar seco e balanou a cabea como dizendo: O que

    voc quer?

    Melanie deu um sorriso amarelo, indicando que o homem atendesse a outra garota

    primeiramente. O homem voltou ateno para os produtos em cima do balco e os

    relacionava em um caderno.

    - Pode levar, menina. Disse ele para a garota a sua frente.

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    Ela juntou os produtos rapidamente e saiu, quase correndo, sem mesmo olhar para Melanie.

    O homem fez o mesmo gesto que havia feito anteriormente. O balanar de cabea

    indicando: O que voc quer? Ela concluiu que deveria ser o jeito sutil e amigvel que ele

    costumava a atender as pessoas.

    - O senhor tem Trident? Perguntou olhando pelo balco na tentativa de encontrar o que

    desejava.

    - No. Respondeu seco o homem.

    No? Pensou Melanie. At no Plo Norte deve ter chicletes.

    - Obrigada ento. Agradeceu Melanie pela simpatia do homem e saiu lhe desejando todas

    as bnos do mundo.

    Na rua, Melanie avistou ao longe a menina seguindo na direo da pousada e apertou o

    passo, tentando alcan-la. Quando chegou a alguns metros de distncia, Melanie gritou:

    - Hei! Espere.

    A menina olhou para trs e comeou a andar mais rpido. Melanie diminuiu a passada.

    Nossa ser que tenho lepra e no sei? Pensou desgostosa Melanie. Ela ainda viu agarota arredia entrar na casa ao lado da pousada.

    Acabei de sair e j estou aqui de volta. Concluiu Melanie ao verificar que estava,

    novamente, em frente pousada. A garota torceu o lbio e procurou um lugar mais

    tranqilo, como se tudo ali j no fosse calmo, para sentar e dar um tempo antes de entrar.

    Evitaria um irnico J voltou?, vindo da parte da me. Ela olhou mais adiante, seguindo

    pela rua que d na auto-estrada, um campo aberto, com uma grande rvore solitria no

    centro. Era um pouco longe, teria que vencer uma subida no muito convidativa, mas pelo

    menos indo at a rvore, gastaria mais uma meia hora de tempo ficando por l, antes de

    entrar.

    Melanie estava debaixo daquela rvore que crescera sozinha naquele espaoso terreno.

    Quem a plantou no imaginou que aquela rvore, que Melanie no sabia identificar de qual

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    procedncia pertencia, representaria a garota da cidade grande, perdida e sozinha, que veio

    parar num lugar to tedioso.

    No vai fugir de mim, vai? Gostaria de perguntar para a rvore.

    Ela se obrigou a sentar e se encostar, no tronco largo da rvore. Poderia ficar ali um bom

    tempo, ouvindo msica, mas acabou esquecendo o mp4 na pousada. O jeito era ficar

    olhando para o movimento da estrada, que de vez em quando, recebia um carro, passando

    em alta velocidade.

    O vento soprava os galhos da rvore solitria e esta parecia danar, contente, pela presena

    incomum de uma pessoa usufruindo de sua sombra. Melanie olhava para pousada e pensava

    quanto tempo teria que permanecer ali, naquela cidade. Suas amigas deveriam estar cheiasde planos. Ela, por enquanto, no fazia parte deles. Pensou em levantar e voltar ao quarto,

    para ficar ainda mais aborrecida, mas algo mudou sua inteno. Passando a uns 100 metros

    a sua frente estava o maior homem que ela j tinha visto. Um poste ambulante. Devia ter

    bem mais que dois metros. Ele at caminhava com dificuldade. Melanie ficou de boca

    aberta vendo aquele homenzarro passar ao longe.

    - Wladmir! Espere!

    Melanie percebeu que algum chamava o grandalho. Ele parou e, muito lentamente, foivirando-se. Parecia que tinha uma grande dificuldade em se equilibrar. Melanie viu quem o

    havia chamado. Era um sorridente rapaz. Moreno de cabelos castanhos escuros, quase na

    altura do ombro. Era bonito. Estava sem camisa e vestia uma cala cqui. Ele parou ao lado

    do imenso homem e parecia um ano. Melanie riu. O garoto mal alcanava a cintura do

    homem.

    - No fica chateado, no, gigante. Melanie ouviu o rapaz falar. Mas que no precisa

    voc ficar atrs de mim toda hora.

    Hum. Devem ser de circo, sei l. Pensou Melanie.

    O rapaz devia ser algum artista que o grandalho precisava proteger, ou coisa assim. Tem

    muita coisa estranha neste mundo. Neste caso, Melanie olhou bem para o homem para tirar

    a prova de que ele no estaria usando uma perna de pau. Quem sabe? No dava indcios

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    disso. Sua excessiva altura pertencia a ele mesmo. Um carro surgiu na estrada e o motorista

    quando avistou o grandalho, foi diminuindo a velocidade e passou ao lado dos dois com a

    ntida expresso de espanto.

    - Vamos embora, gigante. Disse o rapaz olhando o carro seguir e retomar sua velocidadenormal. J est chamando a ateno de novo.

    O homem grande concordou com um aceno de cabea. O rapaz sorriu e pulou em suas

    costas. Foi uma cena engraada e Melanie no agentou e, mesmo sem querer, riu alto.

    Os dois olharam para a garota, que at ento no tinham notado, debaixo da rvore.

    Melanie corou e baixou os olhos. O rapaz desceu das costas do grandalho. Ele ficou

    parado por alguns segundos olhando para Melanie. Ela o espiava discretamente e estava

    ficando angustiada pelo olhar insistente do rapaz. Ele no se moveu at fazer um gesto

    esquisito. Sorveu o vento que seguia na sua direo e que passava por Melanie, balanandoas folhas da rvore.

    Que cara estranho. Pensou ela.

    - Temos que ir. Disse o grandalho e Melanie identificou seu sotaque. Era russo.

    - J vamos, gigante. Disse o rapaz ainda olhando para Melanie.

    - Ir agora! Frisou o russo.

    O rapaz olhou para o homem e em seguida desviou seu olhar para Melanie. Parecia que

    tinha a inteno de falar alguma coisa, mas se arrependeu. Lentamente seguiu at onde

    estava o grande homem que, equilibrando-se em suas enormes pernas, andava pela estrada

    na direo da cidade. Melanie notou que o rapaz a cada dois ou trs passos olhava para trs,

    at entrarem em definitivo em Monte Seco.

    Cada maluco. Pensou aliviada Melanie.

    A garota esperou uns dez minutos, mais ou menos, e levantou-se. Nem sinal da dupla de

    esquisitos. J estava mais do que na hora de retornar a pousada.

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    Captulo Trs Julian

    O garoto ficou parado quase uma meia hora, alheado, olhando para o horizonte. Em sua

    mente irrompia a imagem perfeita: a linda menina, com seu tnis All Star roxo, sentadadebaixo da rvore solitria. Ainda em seus ouvidos ele experimentava o som magistral de

    sua risada. Ela tinha uma fragrncia peculiar; um cheiro que ele jamais havia apreciado.

    - Est pronto garoto. Disse o homem da oficina S levar.

    O garoto voltou a olhar para o interior da pequena oficina montada no quintal de uma casa

    e viu a velha caminhonete da famlia. O russo de dois metros e dezoito centmetros, sorria

    magnificente, ao lado da F-100.

    - Obrigado Seu Carlos. Respondeu o garoto. Minha av manda o dinheiro e o mel

    depois.

    Esse conserto, assim como os das outras vezes, seria pago metade em dinheiro e metade em

    mel, que era produzido na fazenda que o garoto morava.

    - No se preocupe. Respondeu o homem batendo na caminhonete. Ela est firme como

    antes.

    - Valeu Seu Carlos. Por isso que a minha av gosta muito do senhor.

    - Mande um abrao pra ela. S diga que no fui eu mesmo levar a caminhonete e fazer uma

    visitinha, por que no seria bem recebido... O homem deu uma pausa. Voc sabe por

    quem.

    - Que isso, Seu Carlos? Minha av ficaria feliz em receber o senhor. Ningum dessas

    bandas vai visit-la, o senhor sabe.

    -. As pessoas daqui no a conhecem como eu. Levam suas vidas se baseando por essas

    estrias antigas.

    - Eu sinto isso na pele todo dia.

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    O homem concorda com um aceno de cabea pondo fim na conversa.

    O garoto Julian dirigia a velha, mas firme F-100, pelas ruas de terra que dariam na fazenda

    onde mora com a av e seus outros familiares. Wladmir, o gigante, ficava sempre na

    carroceria por dois motivos. Era muito mais confortvel para suas longas pernas e por queamava sentir o vento fresco no rosto. O vento era o nico toque de carinho que recebia. No

    seu pas o vento congelava; quase quanto o olhar das pessoas. Julian conhecia aquelas

    curvas da estrada de cor, desde menino transitava por elas. Mas no era esse o motivo pelo

    qual dirigia quase que automaticamente; era por que no parava de pensar na garota que

    nem mesmo sabia o nome. Julian olhou pela janela traseira da caminhonete e viu Wladmir

    rindo sozinho recebendo o vento no rosto.

    - Me responda, gigante Disse Julian - Como algum pode saber quando est diante da

    garota da sua vida? Daquela que no existe outra igual?

    Wladmir encolheu os ombros. Definitivamente, no saberia responder ao garoto. Ele nunca

    tinha feito uma pergunta desse assunto para o russo.

    - Wladmir no saber responder Disse sincero o russo.

    - Mas voc nunca esteve diante de uma garota que voc nunca tinha visto antes e sentiu o

    mundo parar? Disse Julian.

    Wladmir abaixou os olhos. Tinha sentido algo semelhante uma vez, na Rssia. Mas seu

    tamanho desproporcional, somado ao seu rosto disforme, no permitiu que sua amada

    sentisse o mesmo. Apesar de compreender o que Julian estava tentando dizer, Wladmir no

    saberia transformar em palavras.

    - Fala pra mim, gigante. Continuou Julian. normal isso que eu estou sentindo?

    - J disse no saber.

    - Me d uma luz. Disse Julian olhando para trs. Voc nico com quem posso falar

    essas coisas.

    - Mas garoto nunca falar antes essas coisas com Wladmir.

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    Julian pensa por alguns instantes.

    - Tem razo, amigo. Completou Julian que isso novo pra mim tambm.

    Julian avistou o grande porto que d acesso a fazenda da famlia. Estava na hora de voltar rotina de sempre. Mas amanh seria um outro dia e poderia voltar at aquela rvore.

    Quem sabe a garota, de cheiro agradvel, estaria sentada debaixo de seus galhos.

    O singelo canto de pssaros prximo a janela. Foi isso que acordou Melanie naquela

    manh. Pra quem dormia sem se incomodar com barulho dos motores de nibus. Afinal,

    eles j chegaram a morar quase ao lado de um terminal rodovirio. E toda manh aquela

    correria de pessoas transitando, falando alto, xingando o motorista, distribuindo-se pra l e

    pra c e at os insuportveis alarmes, quando se usa a r nos nibus, j fizeram parte da

    trilha sonora dos sonhos de Melanie.

    Procurou o celular pra ver que horas eram e notou que estava sozinha no quarto. Na

    verdade, depois de alguns dias j estava acostumando-se com o novo habitat. Velho e com

    coisas velhas assim como o resto de tudo na pousada. Bem diferente do seu quarto. No que

    ele fosse uma maravilha, mas pelo menos, tinha a sua cara. Sonolenta ela concluiu que os

    outros dois membros da famlia deviam ter acordado faz tempo. Apesar de no saber que

    horas eram, sentiu que dormira muito, como se fosse por quase toda sua juventude. E

    dormir o que mais tem feito esses dias. Considerando que no tem nada pra fazer nesta

    cidade. A TV pega apenas o canal de novela e com uma imagem, quase sempre,indefinvel. A rdio fm da cidade mais prxima s rola msica sertaneja e ainda conseguiu

    concentrar os piores locutores do planeta. As pessoas da cidade ento, sem condies de

    interao. At as da sua idade, as poucas que manteve contato, no caberiam no seu crculo

    de amizades. No que ela se imagine chata no sentido de renegar algum de ser meu amigo,

    mas as prprias pessoas no cedem muito para aproximao. Outro dia, tentou puxar papo

    com a menina que mora na casa ao lado da pousada. Ariela, a garota do mercadinho; mas

    ela nem sequer a respondeu corretamente. Raissa lhe disse que por que Ariela sente-se

    mal por ser gordinha. Melanie no liga pra isso. Ela tinha uma amiga assim na escola. E

    aqueles dois estranhos, ento? O cara grande e o garoto sem camisa. Bom, pelo menos o

    garoto a ficou encarando. De repente queria at fazer amizade; mas no falou nada e

    Melanie sabia que se tratando de garotos, era muito tmida. No seria ela a puxar papo por

    primeiro.

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    Ento s lhe resta ficar no quarto, fechada, ou lendo os mesmos dois livros que trouxe.

    Melanie j tinha acabado Razo e Sensibilidade e estava lendo novamente Orgulho e

    Preconceito. Ou relia os livros novamente, ou o que mais triste, ficaria olhando pela

    janela, por horas, na direo de casa. Tomou um banho demorado e trocou de roupa. Ficou

    paralisada diante do espelho olhando a si mesma tentando imaginar um timo do que ofuturo poderia lhe reservar. Desembaraou mecanicamente os longos cabelos pretos. O

    brilho que provinha dos seus olhos castanhos no era o mesmo de antes. Ela

    definitivamente era uma garota de cidade cosmopolita. Desceu imaginando as possveis

    outras caras que teria de encarar e cumprimentar. Afinal, a pousada tem outros hspedes.

    Se pudesse, ficava no quarto o dia todo. Quem sabe seja at uma boa idia dar meia volta,

    mas seu estmago no iria concordar e tambm desejava saber o que estariam fazendo a

    me e o irmo. Antes de entrar na cozinha percebeu que a foto que tinha notado ontem no

    estava mais ali; foi substituda por uma mais recente da menina Raissa. Melanie no

    conseguiu imaginar o que teria acontecido. Entrou na cozinha percebeu o homem careca,que sempre mantinha a gola da camisa plo abotoada at em cima, concentrado, lendo um

    jornal. Dona Carmlia estava onde se podia apostar que uma senhora como ela estaria: no

    fogo j iniciando os trabalhos para o almoo. Pensou em perguntar sobre a foto, mas no

    fez. Considerou melhor fazer essa pergunta quando Dona Carmlia estivesse sozinha. Do

    outro lado da mesa Nicolas e Raissa perceberam sua presena.

    - At que enfim, dorminhoca. - Falou Nicolas.

    Se estivssemos s ns dois ele iria ver a dorminhoca. - Pensou Melanie. Mas apenaslimitou-se a fulminar o irmo com o olhar. A senhora idosa olhou para trs e sobre os

    culos a encarou. O careca nem se mexeu.

    - Bom dia! Quer caf, criana?

    Criana. Detesto quando ela me chama assim. Pensou mais uma vez Melanie.

    - Criana no v! Exclamou a menina Raissa Melanie!

    A garotinha inclinou-se na direo da av e colocando uma das mos no canto da boca

    sussurrou:

    - Ela no gosta que a chamem assim.

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    Dona Carmlia percebeu a interrogao no rosto de Melanie sobre as atitudes da neta.

    - Raissa, vai brincar l fora. Disse a mulher.

    A menina bufa e sai, seguido por Nicolas. Dona Carmlia coloca uma xcara na frente dajovem.

    - Pode servir-se.

    Ela aponta uma garrafa trmica sobre o centro da mesa, que est quase toda ocupada por

    pes, bolos, broas e demais quitutes que possivelmente no sero to apreciados por

    Melanie, como foram na primeira manh.

    - A senhora sabe da minha me?

    - Ela saiu faz um tempinho. Disse que ia resolver algumas coisas importantes.

    Melanie tomou seu caf silenciosamente. Evitando at de fazer o barulho da xcara

    repousando no pires. Quem sabe assim ningum falaria com ela. Foi mais rpida do que de

    costume e saiu. Passou rapidamente pela rea de entrada e seguiu at o porto, no queria

    ouvir a voz de Nicolas e nem de sua nova amiga. Quando chegou na rua pensou: Ou saio

    dar uma volta por ai ou retorno pra clausura que aquele quarto.

    A rua que passava atrs da pousada era a rua principal da cidade. Foi por ela que seguiu atchegar na pracinha. Cruzou com poucas pessoas pelo caminho. Todos a olharam com certa

    curiosidade contida. Ficou esperando que algum a cumprimentasse, ningum se preocupou

    de faz-lo; tambm ela no se preocupou. Sentou no nico banco que no estava totalmente

    quebrado. Colocou seus cotovelos sobre as pernas e ficou imaginado quando aquela bola de

    vegetao, que o vento carrega no deserto, iria passar pela sua frente.

    E se eu for at aquela rvore? Pensou entediada Melanie. No. Vou ficar aqui

    mesmo.

    O que faz uma pessoa se interessar por outra? E quando isso acontece inesperadamente, o

    que est por trs? Melanie era uma garota que nunca acreditou muito em coincidncias. Pra

    tudo existe um porque ela pensava. E, talvez, estivesse certa. Menos de dez minutos depois

    foi s ela desviar seu olhar por instantes em outra direo que algo chamou a sua ateno.

    Era quase meio dia, o sol reinava absoluto no cu. Ela sentia o suor sobre a sua testa. Ento

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    no foi capaz de avaliar a razo, pelo qual, aquele cara seguia, solitrio, na sua direo

    vestindo um longo e pesado casaco preto. Ela procurou o adjetivo mais infame possvel

    para classific-lo, mas no conseguiu. Em um sol escaldante destes quem ousaria trajar uma

    roupa pesada como essas?

    A gente v cada coisa neste mundo. - Pensou. Achou melhor olhar novamente para o

    encasacado antes que ele estivesse bem perto, assim poderia rir da cara dele em seus

    pensamentos depois que ele passasse por ela. Olhou com o canto dos olhos e ele estava

    mais perto do que ela havia suposto. Estava bem perto. Moveu a cabea rapidamente para o

    outro lado e permaneceu assim. Sentiu-se incomodada de repente. No pelo fato de ser uma

    pessoa totalmente estranha que passaria em sua frente. Ela poderia fingir que estava

    concentrada em alguma coisa e ignorar. Mas algo diferente, angustiante, realmente mexeu

    consigo.

    - Ola!

    Sentiu a voz do encasacado bem junto dela. Olhou na direo dele e o viu parado quase na

    sua frente. Era o garoto que estava com o homem grande. Notou que ele estava sem camisa,

    de novo, debaixo do casaco e s depois vislumbrou o seu rosto. Era jovem, imberbe e no

    deveria ter mais do que vinte anos. Seus olhos tinham uma tonalidade diferente, quase

    como um cinza claro. Certamente, era bonito, daqueles de encher os olhos. Possua um

    magnetismo, evidenciado pelo sorriso cativante que somava-se ao estilo incomum que

    possua. Melanie o imaginou na escola, no primeiro dia de aula. Mas no vestido do jeitoque estava agora. Se estivesse com uma cala jeans, mesmo que surrada, e uma camiseta

    qualquer, ai sim, causaria suspiros em Melanie e seu grupo de amigas. Mas ele estava ali,

    agora, somente diante dela, esperando uma resposta.

    - Oi. Respondeu Melanie, mas sua voz quase no saiu.

    - Voc tem horas ai? Perguntou o desconhecido.

    Muito original Ironizou Melanie em seus pensamentos.

    - Tenho! - Respondeu a garota pegando o celular no bolso de trs. Falta vinte pro meio

    dia.

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    - Hum. Ele pronunciou ficando em silncio alguns instantes como que procurando alguma

    coisa pra dar seqncia na conversa. Melanie limitou-se a ficar olhando para o display do

    celular.

    - Eu sou Julian.

    Ela viu sua mo estendida em sua direo. Hesitou um pouco, mas a apertou.

    - Melanie. - Revelou a garota enquanto soltava, tmida, a mo do rapaz.

    - Eu te vi embaixo daquela rvore depois da estrada. Disse ele na tentativa de continuar a

    conversa. Melanie apenas moveu a cabea. - Vai ficar muito tempo na cidade?

    Ela respondeu negativamente com um aceno de cabea.

    - Vai morar aqui? Insistiu o rapaz.

    O que isso? O cara do FBI? Vai ficar me interrogando? - Pensou Melanie.

    - Por uns dias. Respondeu ela imaginando um infelizmente no fim da frase.

    - Ento, seja bem vinda a Monte Seco, Melanie.

    Pela primeira vez ela sentiu-se encorajada e olhou fixamente na direo do seu rosto.

    Encontrou seus olhos encarando-a.

    - Obrigada. - Respondeu ela agora ainda atnita com a sensao desconfortvel que estava

    sentindo. Sempre passava por isso, justamente quando algum chamava sua ateno.

    - Est na pousada?

    - Sim.

    - Eu moro naquela direo. Apontou para onde havia vindo. Uns dois quilmetros mais

    ou menos. Saindo da estrada. Depois do velho seminrio.

    Ela esboou um leve sorriso como que entendendo o que ele explicou.

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    - Voc parece incomodada com alguma coisa. Continuou Julian.

    Melanie esboou mais um sorriso sem graa.

    - Bom. J vou indo. Disse Julian desapontado. - Desculpa se incomodei voc.

    Melanie percebeu o quanto estava sendo hipcrita. Desde que chegou s sabia reclamar dos

    habitantes do lugar, considerava-os anti-sociais. Agora estava agindo da mesma maneira e

    justamente com a nica pessoa que quebrara essa regra. Mas no estava fazendo isso por

    mal; sentia-se desconfortvel nos primeiros contatos com rapazes desconhecidos. Ela

    precisaria passar por cima da timidez e tratar convenientemente o rapaz.

    - No. Eu que peo desculpas. Disse Melanie se levantando.

    No se preocupe. Completou sorridente Julian - As vezes eu falo demais.

    - Isso bom, j que por aqui ningum costuma usar o dom da palavra.

    - As pessoas so muito caladas, realmente. Mas isso o que, geralmente, acontece em

    cidades como essa. As pessoas so mais reservadas.

    - Ento. Estou h alguns dias aqui e j estou agindo assim.

    - Cuidado! Logo voc estar falando ! De casa ou Bo tamem.

    Melanie riu contida. O rapaz alm de bonito e educado parecia ter bom humor. Os melhores

    atributos para um homem, considerou ela. Ele percebeu o seu sorriso e a encarou

    profundamente. Parecia que estava querendo penetrar na sua mente.

    - Bom... Preciso ir agora. Estou indo at o mercadinho. Falou Julian imaginando ser

    melhor no chatear mais a garota, para no perder a oportunidade de falar com ela outra

    hora. - At depois.

    - At depois. Respondeu ela desviando o olhar.

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    Julian a analisou por inteiro mais uma vez e saiu. Melanie observou-o retornando o

    caminho anterior. Ela demorou a perceber que apesar do calor, estava com as mos

    congeladas. Ficou de cabea abaixada por alguns segundos e lentamente olhou na direo

    de onde ele seguia. Ele caminhava com um porte ligeiramente elegante, como se flutuasse

    sobre o cho. Ela o acompanhou com o canto dos olhos at ele desaparecer no fim daestrada.

    Melanie sabia que havia ficado impressionada. At depois foram as ltimas palavras do

    rapaz. Ela ficou imaginado quando isso seria. Passou toda a tarde pensando no estranho,

    que usava um sobretudo, no auge do calor do dia. Ele lhe disse o nome: Julian. Mais do que

    tudo, ficou impressionada consigo mesma. Normalmente esse o tipo de cara que no a

    atrairia. Era bonito e atraente, mas geralmente ela se dava bem com os menos bonitinhos.

    No tinha tanta presso sobre eles e ela no precisaria disput-los com a miss escolar.

    Por volta das trs da tarde Flvia retornou. Melanie, como sempre, estava absorta,debruada sobre o peitoril da janela. Agora no mais depositava sua ateno na direo da

    cidade onde morava e sim na direo da pracinha onde conheceu Julian.

    - Roendo as unhas de novo, menina. Alertou Flvia percebendo Melanie concentrada na

    janela. Pare com isso, j te falei. Vai comer todos os dedos assim.

    Melanie tirou o dedo da boca. Realmente ela tinha esse hbito horrvel.

    - De novo trancada neste quarto, menina? Repreendeu Flvia mais uma vez - Vai definharassim.

    - Eu j sai. Respondeu Melanie. - Fui dar uma volta hoje de manh.

    - Hum! Bom sinal. Alguma surpresa?

    - Comigo no. E com voc?

    - Se est me perguntando o que eu fui fazer. Respondeu Flvia jogando-se na cama

    Fique calma que j est tudo se resolvendo e j estaremos sumindo daqui. Flvia deu

    nfase, prolongando ainda mais no sumindo, somado a um gesto de decolar, como se eles

    fossem sair dali de avio.

    Melanie analisou as palavras da me. Era tudo o que ela desejaria ouvir. Antes, obviamente,

    daquela manh que enfim decidiu sair. Algo mudou sua vontade urgente de partir: Julian.

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    Captulo Quatro Cidade dos Segredos

    Ao contrrio dos primeiros dias e das primeiras horas que vivenciou na pequena cidade.

    Melanie observava agora que o tempo parecia, teimosamente, correr mais depressa. H

    alguns dias deparou-se com um desconhecido e agora suas perspectivas j eram outras.Quanta diferena aquele sobretudo fez. Se fosse um carinha do estilo gtico de cidade

    grande, v l. Mas um caipira desfilando em plena luz do meio dia como se estivesse no

    filme do Batman. Com certeza, seria motivo para um comentrio maldoso feito na rodinha

    de amigas quando voltasse. Mas era mais do que isso. O comentrio, entre amigas, poderia

    at acontecer, mas no seria engraado. Melanie