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Os trabalhadores e a relação com a natureza de São Paulo no final do século XIX e
início do XX.
EDUARDO LUIZ FORTTI*
I. Introdução:
Difícil não se deparar, atualmente, com notícias, campanhas e debates
sobre a disputa política travada entre os defensores do meio ambiente e a alta burguesia
industrial, agropecuária e o Estado, para os quais, a preservação do meio ambiente
muitas vezes é um entrave para o desenvolvimento econômico. A exemplo disso,
podemos citar, em âmbito nacional, o caso da construção da Usina de Belo Monte e da
Transposição do Rio São Francisco, e em âmbito estadual, a construção do Rodoanel no
Estado de São Paulo.
No entanto, este embate não está presente apenas nas grandes obras, mas
também nos pequenos detalhes do cotidiano, que passam muitas vezes despercebidas,
como por exemplo, a discussão enfrentada recentemente na cidade de São Paulo sobre a
utilização de sacolas plásticas no comércio.
No âmbito internacional, a decisão do presidente estadunidense, Donald
Trump, de sair do Acordo de Paris, com o argumento de que este ofereceria injustas
vantagens econômicas para outros países em detrimento dos Estados Unidos e seria uma
das causas da destruição dos empregos norte-americanos, é mais um exemplo do embate
existente entre desenvolvimentismo e a defesa do meio ambiente.
Neste sentido, torna-se a cada dia mais evidente as desastrosas
consequências que as opções políticas e econômicas e o descaso social com a natureza
têm gerado, como a catástrofe ambiental na cidade mineira de Mariana, a poluição da
Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro, a recente crise hídrica, que aparentemente
está voltando em 2018, enfrentada no Estado de São Paulo, apenas para citar alguns
exemplos.
*Mestrando em História, com a orientação do Dr. Prof. Janes Jorge, pela Universidade Federal
de São Paulo (EFLCH/UNIFESP).
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Dessa forma, é possível vislumbrar que o embate entre desenvolvimento
econômico e preservação do meio ambiente é um embate cotidiano e histórico, e cada
vez mais, a sua discussão tem se mostrado fundamental e urgente.
Segundo a doutora em História da América e professora associada e
coordenadora da linha de História Ambiental do Departamento de História da
Universidade Nacional da Colômbia, Stefanie Gallini, o debate em torno desta linha na
América Latina começa em 1980, e vem crescendo com desenvolvimento de
departamentos, revistas acadêmicas e publicações. Além de descobrir a sua riqueza para
as pesquisas e sua interdisciplinaridade (GALLINI. 2009: 93-96).
É um grande desafio pensar essas questões para quem vive em uma cidade
como São Paulo, tão afastada da natureza, mas ao mesmo tempo essa tarefa, analisada
historicamente pode ser um estímulo devido as grandes transformações econômicas,
urbanísticas e demográficas, em que ela passou por volta de um século atrás. Isso ao
acrescentar a questão: como era a relação da população da cidade com a sua natureza
outrora?
Para termos algum resultado, partimos do pressuposto de que a natureza,
historicamente, foi alvo de ações humanas, e que é preciso entender os motivos dessas
intervenções, de onde elas partem, quais são seus objetivos intrínsecos, quais são as
consequências que essas mudanças podem causar na formação e desenvolvimento da
sociedade. Segundo o debate sobre história ambiental:
“violência contra a natureza esteve acompanhada, e de perto, pela violência
contra os seres humanos. No caso brasileiro, as fontes e documentação para
uma História Ambiental podem ser, inicialmente, aquelas já utilizadas e
conhecidas pela historiografia, examinadas, agora, sob novas lentes do
historiador.” (MARTINEZ, 2006: 28)
Com isso, um caminho possível é pensar nas formas de alimentação,
lazer, comércio e trabalho, existentes na cidade de São Paulo. Para isso utilizaremos o
mesmo preceito empregado por Norberto Osvaldo Ferreras (FERRERAS, 2006) em seu
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trabalho sobre o cotidiano dos trabalhadores de Buenos Aires (1880-1920), segundo o
qual “a classe é um processo histórico, não um conceito a ser demonstrado. As classes,
como apresenta Thompson no debate com os estruturalistas, não são categorias
abstratas, podendo ser analisadas pelos papéis que os homens representam, à medida
que se sentem pertencentes à classe. A classe é uma relação entre pessoas, não uma
coisa, e ela se constrói a si própria, tanto quanto é construída pelas condições objetivas e
pelos seus adversários”(IDEM,:20).
Além disso, para acrescentar ainda mais nesta discussão, observando
algumas passagens de Emília Viotti da Costa, ao lembrar-se do debate entre
estruturalistas e os que defendem a experiência para entender a formação dos grupos de
trabalhadores, no texto sobre Estrutura Versus Experiência, citando Erickson, Pappe e
Spalding, que afirmam não ser possível entender as ações dos trabalhadores sem
incorporar às análises dos conflitos de elites e o papel do capitalismo internacional que
limita o campo de possibilidades abertas aos trabalhadores latino-americanos(COSTA,
1990: 4).
Continuando, Viotti, coloca questões importantes para pensar essa formação
de classe, ela cita o trabalho de Florencia Mallon (1980) para exemplificar como é
possível fazer uma história da classe trabalhadora pensando nas suas múltiplas
identidades. Como religião, etnia, partido político, classe, de que maneira a identidade
de classe vem a prevalecer sobre outros tipos de identidade?(IDEM: 7)
Por fim, buscamos demonstrar que os historiadores tem o dever de sempre
manter um diálogo entre passado e presente e que isso nos faz transformar os modos de
olhar a história e pensar o passado de novas perspectivas. E que podemos fazer sínteses
evitando formas de reducionismo e, principalmente, que não perderá de vista a
articulação entre o micro e a macrofisica do poder. E também estender o debate para
formação dessa nova história, ligando visões mais tradicionais com o novo (COSTA,
1998: 20).
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Visto isso, este trabalho se divide em três momentos para pensar a utilização
da natureza pela população da cidade de São Paulo: 1º uma breve apresentação da
cidade de São Paulo na virada do século XIX para o XX; 2º de trabalho e alimentação;
3º esporte e lazer.
II. A cidade:
Com o final do Império brasileiro, a liderança política e econômica ficou
concentrada com um grupo pequeno, porém poderoso, que detinha, principalmente, a
produção de café em suas mãos. Essa nova liderança nacional tinham a intenção de
montar no Brasil, superando o que era considerado atrasado dentro do seu ponto de
vista.
Essa elite do café, inspirada pela, muitas vezes, cultura europeia,
promovendo reformas e construções de cidades. Desta forma a engenharia e a
arquitetura deveriam se alinhar as ideias higienistas, médicas e de nova educação, para
se parecer com as que eles visitavam no velho continente (SANT’ANNA, 2011:303).
Além dessas propostas que desembarcava em São Paulo, chegava também
um grande contingente de trabalhadores vindos da Europa. Por inúmeros motivos, entre
eles, falta de trabalho e questões políticas (BIONDI, 2006:161).
Quando olhamos para cidade de São Paulo da virada do século XIX para o
XX, temos que perceber que ela viva uma verdadeira revolução demográfica, provocada
pelo aumento considerável de seus habitantes em um curte espaço de tempo e num
ritmo acelerado e com isso transformando seus habitantes, contribuindo na formação de
uma população proletária de imigrantes (PINTO, 1994: 33 e 35).
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Um turbilhão de mudanças, rápidas e numerosas acontecia na cidade, nas
palavras de Sevcenko:
“[...] São Paulo não era de negros, nem de brancos, e nem de mestiços; nem
de estrangeiros e nem de brasileiros; nem americana, nem europeia, nem
nativa; nem industrial, apesar do volume crescente das fabricas, nem
entreposto agrícola, apesar da importância crucial do café, não era tropical,
nem subtropical; não era ainda moderna, mas já tinha mais passado. Essa
cidade que brotou súbita e inexplicavelmente, como um colossal cogumelo
depois da chuva, era um enigma para seus próprios habitantes, perplexos,
tentando entende-lo como podiam, enquanto, lutavam para não serem
devorados.” (SEVCENKO, 2009:31).
Então essa grande transformação que a cidade passou na virada para o
século XX, desenvolvimento da economia do café, a industrialização e as políticas
migratórias transformaram a cidade em no grande centro demográfico e econômico do
Brasil. Em 1890 a população era de 64.934 pessoas, em 1920 chegava a ter 579.033
(IDEM). O cotidiano dessa população era diversificado, entre a elite cafeeira, que se
inspirava na cultura Europeia para construir seu local de convívio e uma grande massa
de pessoas pobres que sobreviviam com o conhecimento da terra natal e com o que a
cidade poderia oferecer.
A classe mais abastada que sonhava com uma cidade europeizada, como o
que produzia incomodo deveria ficar afastada do seu campo de visão, vai enfrentar um
cotidiano um tanto quanto diferente do que ela imaginava. O Código de Posturas
Municipal de São Paulo de 18861, editado no final do Império brasileiro, demonstra que
a elite política já se preocupava com as questões de higiene, disciplina e padronização
para desenvolvimento da cidade.
Porém, as questões econômicas e políticas poderiam até estar nas mãos da
elite do café, mas existia um grande grupo excluído das decisões, que viviam de formas
informais, sobreviviam do jeito que conseguiam, produzindo assim uma economia
1 O Código de Posturas da Cidade de São Paulo 1886. Encontra-se na biblioteca do Arquivo Municipal
de São Paulo Washington Luís. Ele está dividido em 22 títulos ditando novas regras para o município de
São Paulo em diversas áreas que faziam parte do cotidiano da população.
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invisível (PINTO, 1994:109-182) e frequentando, muitas vezes, os mesmos espaços
abertos que a elite circulava.
III. Trabalho e alimentação:
“Salvador peixeiro traz sôbre os ombros um pau roliço de cujas pontas
pendem dois cêstos, a modo dos peixeiros da China: tainha (peixe
ordinário), badejo, garoupa, robalo, camarões. Um robalo grande (para o
casal e 4 filhos e mais três empregadas) por 1,500, com camarões de graça,
para contrapeso.
Vem outro peixeiro. É um caipira que andou pescando uma dúzia de bagres
no Tietê. Está descalço, e traz os peixes enfiados pela guelra num cipó.”
(AMERICANO, 1954: 113-114)
Num tempo não tão distante, parte do comércio na cidade de São
Paulo foi realizado da forma como é retratado por Jorge Americano no seu livro de
memórias.
A incapacidade estrutural da economia paulistana em acomodar amplos
contingentes da classe trabalhadora disponível no processo produtivo, além de
contribuir para o desemprego permanente de largas parcelas do proletariado urbano,
influiu decisivamente no crescimento do mercado casual de trabalho e no aparecimento
dos mais variados tipos de profissões autônomas. O aumento populacional súbito da
cidade em decorrência do grande influxo imigratório, não foi proporcional ao seu
desenvolvimento econômico, as possibilidades de gerar empregos, o que ocasionou a
ampla persistência do casualismo e do semi-emprego (PINTO, 1994: 111). Era comum
encontrar uma diversidade de trabalhadores pobres, perambulando pela cidade,
vendendo uma diversidade de produtos, aqui ficaremos com o foco dos que trabalhavam
com ligação com a natureza, mas era comum, além dos vendedores de peixe
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encontramos amoladores de facas, baleiro, sorveteiro, entre outros (AMERICANO,
1954: 111 – 122).
A cidade de São Paulo, como foi citada anteriormente, cresce de forma
assustadora e tem um surto na expansão econômica, acentuada na década de 1880. Esse
crescimento da cidade deveu-se não só a sua consolidação como grande centro
capitalista agenciador das atividades agrícolas, integrador regional, a sua afirmação
como mercado distribuidor e receptador de produtos e serviços, mas também ao influxo
de imigrantes ou não, que ali permaneciam (PINTO, 1994: 33).
A imensa corrente imigratória favoreceu mais, nos seus primeiros tempos, a
pobreza do que a propriamente prosperidade dos imigrantes. Essa miséria do
trabalhador pobre em São Paulo deve ser vista como um problema estrutural, cujas
raízes devem ser remetidas, além dos problemas inerentes a uma sociedade capitalista
do Novo Oeste Paulista, empenhada em gerar a grande abundância de braços para a
lavoura e, em decorrência disso, o barateamento dos preços dos salários agrícolas
(IDEM: 37).
Observando com mais cuidado, podemos perceber que a incapacidade
estrutural da economia paulistana em acomodar amplos contingentes de classe
trabalhadora disponível no processo produtivo, além de contribuir decisivamente no
crescimento do mercado casual de trabalho e o aparecimento dos mais variados tipos de
profissões autônomas, criou setores que foram incluídos na chamada economia invisível
(IDEM: 109 - 111), ou seja, no trabalho informal.
O comércio ambulante, sobretudo de alimentos e produtos fundamentais à
rotina doméstica, representava a alternativa de trabalho para muitos que procuravam
alguma forma de ocupação, e para muitas donas-de-casa representava uma opção para
complementar seus suprimentos, comprando os alimentos que eram oferecidos
diariamente nas ruas (IDEM: 123).
Muitos desses trabalhadores se aproveitavam das áreas verdes, matas e rios
para produzir, através da caça e da pesca, os gêneros alimentícios comprados pelas
donas-de-casa. Como relata o historiador Janes Jorge, “para a multidão de imigrantes
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que se instalou em São Paulo a partir de fins do século XIX, e, sobretudo, no caso dos
pobres, conhecer o Rio Tietê e seus afluentes, mais especificamente os recursos naturais
que estes ofereciam, podia significar escapar da fome ou do desemprego” (JORGE,
2006: 88). E acrescenta, “quem tivesse sorte nas pescarias podia vender o excedente
conseguido no movimentado comércio de São Paulo (IDEM: 96)”.
Este meio de sobrevivência junto à natureza não é exclusividade do período
de mudança para o século XX, sendo, em verdade, uma continuidade de períodos
anteriores, como mostra o trabalho da historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, que
foi buscar documentação para incluir as mulheres na história, entre os oficio relatados
temos a trajetória das lavadeiras na cidade de São Paulo. E com o que ela encontrou
demonstra que a sobrevivência junto por meio da natureza que a cidade apresentada não
é exclusividade do período da lembrança de Americano.
Escreve:
“na beira dos rios, com os filhos às costas, desmanchavam as trouxas,
lavavam dentro d’água e às vezes estendiam roupas para secar nas guardas
das pontes. Estas eram pontos de encontro concorridos, onde se cobrava
pedágio e se reuniam comerciantes e caixeiros para bater papo e olhar as
lavadeiras.” (DIAS, 1995: 25)
Além do trabalho como lavadeiras encontramos “o movimento das roceiras
que passavam vendendo ovos, hortaliças e peixes fresco ‘por tutaméia’”(IDEM) e um
grande vaievém marcava a dura luta de sobrevivência de uma maioria de mulheres sós
chefes de família”(IDEM).
Apesar da vontade dos mais abastados de não ver mais o que incomodava os
seus olhos, ainda era muito comum a circulação vendedores ambulantes que
apresentavam-se longe desta vontade. Utilizando novamente a memória de Americano,
contando como era, um tipo, de venda de frango na cidade de São Paulo:
“Um homem traz às costas uma jacá de taquara prêso a tira colo. Pelos vãos
largos do tecido passam cabeças de frango.
- Quanto custa o frango?
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- Mil e quinhentos.
- Dou mil e duzentos.
Discute-se, e o vendedor deixa por mil e trezentos, afasta as malhas do jaca
com as mãos e tira um frango preto. A compradora sopra-lhe o pescoço:
“Êsse não quero, porque tem pele preta”
O homem tira outro, o mais magro de todos: “Não serve, pode ir-se
embora”.
O homem não quer ir. Discutem, discutem, e afinal fica um mais gordo pelos
mil e trezentos [...]” (AMERICANO, 1954: 121 e 122)
Apesar do sonho que a elite buscava pelo que acreditava ser a
modernidade através da higiene e novos padrões sociais, ela estava longe de alcançar,
porem conseguia viver e respirar aliviada, por dois motivos: os trabalhadores pobres
engajados no pequeno comércio ambulante aliviavam o mal-estar causado pelo grande
número de desocupados, sem recursos de sobrevivência (PINTO, 1994: 121). O outro
ponto faz parte do discurso da imprensa que ressaltava uma possível associação entre
sujeira e pobreza (SANT’ANNA,2001: 300). Criando assim uma sensação melhor nas
classes mais abastadas, enxergando uma relação natural entre esses pontos.
IV. Esporte e lazer:
“O nosso velho e querido Tietê, teatro de tantas brincadeiras e horas
felizes desaparecera.
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[...]O coração me constrangeu, ao lembrar-me quando nós nos divertíamos,
eu e meus companheiros de infância e, mais tarde, meus filhos. Que ali
também aprenderam a nadar e pescar.” (PENTEADO, 1962: 165).
Os rios e as suas matas auxiliares demonstravam uma grande importância
no cotidiano da cidade, na opção de trabalho informal e melhora na dieta da população.
Além disso, também vai ser um refugio para brincadeiras e prática de esportes.
O historiador Janes Jorge em seu trabalho, nos apresenta os rios de São
Paulo, principalmente o Tietê, e nos lembra que eles se faziam sentir na vida dos
moradores da cidade, mesmo aqueles que não se relacionavam diretamente com os rios,
usufruíram seus benefícios [...] afinal, o Tietê se tornara lugar de trabalho para muitos,
de lazer para outros, e em sua vizinhança crescia o número de moradias, fábricas e
estabelecimentos diversos, o mesmo ocorrendo no Tamanduateí e, em menor escala, no
Pinheiro (JORGE, 2006: 87).
Dentro desse usufruto do rio, os moradores da cidade de São Paulo
praticavam a natação, além de prazerosa era uma atividade muito útil na medida em que
os rios, córregos, lagoas faziam parte do cotidiano de todos (IDEM: 210).
Com a cidade crescendo e as classes populares utilizando os mesmo
espaços, isso vira um incomodo para os mais ricos. Esse mal-estar era nítido quando,
nas competições, equipes que possuíam atletas de classes populares ou negros
superassem aquelas exclusivamente formadas por elementos das classes privilegiadas,
um grande constrangimento para os ricos e um perigoso exemplo de igualitarismo social
(IDEM: 127-128).
As saídas para separar as classes nas competições foi à criação dos clubes,
que geralmente ficavam ao lado do rio. Além, das criações da União Paulista dos
Clubes de Remo em 1903 e da Federação Paulista Das Sociedades de Remo.
Os dirigentes das federações adotam uma regulamentação inglesa e
sintonizam com os valores da república oligárquica, criando um regulamento
extremamente elitista, afastando os trabalhadores dos esportes náuticos.
A Federação Brasileira de Esportes Aquáticos, como lembra Henrique
Nicolini, em 1933:
11
“... não reconhecia como amadores, condições indispensáveis
para participar das competições oficiais, entre outros,
‘analfabetos’, os que exerciam profissões ‘ou emprego que lhes
empreste o caráter serviçais, tais como: criados de servir, de
hotéis, cafés, bares, e botequins, armazém de secos e molhados,
‘tendas’, confeitaria, bilhares e casas de sorvete, barbeiro,
cabeleireiro. ‘chauffeeurs’, empregados de agência de loterias,
contínuos, e serventes em geral, vendedores de bilhetes de loteria
e exploradores de jogos proibidos, condutores ou recebedores de
veículos e, bem assim, os que receberem gorjetas no exercício da
profissão.”(NICOLINI, 2001: 208-209).
Essa forma de exclusão, não era exclusividade nos esportes náuticos em
São Paulo. O discurso e essa prática também aconteciam no Futebol (PEREIRA, 2000).
E, como muitos assuntos, ainda pouco explorado por estudiosos (IDEM: 3) podem
esconder ainda diversas contribuições para o entendimento da sociedade, da política e
da economia do Brasil.
Pereira apresenta no trecho do seu trabalho “a febre do foot-ball" como o
esporte bretão se desenvolveu, focando seu estudo na cidade do Rio de Janeiro, e como
os times de elite buscavam excluir os mais pobres2.
Porém, buscando uma diferença entre os esportes citados, o futebol, que
se espalhou rapidamente por todas as classes, resistiu devido à facilidade de sua prática,
qualquer espaço pode se tornar um cancha para pratica do esporte e qualquer objeto,
redondo ou não pode servir como bola. Mas os esportes aquáticos, principalmente em
2 PEREIRA, Leonardo A. M. Footballmania. Uma história social do futebol no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Descreve a preocupação do Fluminense na perigosa mistura social caso
times da primeira divisão, os verdadeiros sportmen caísse dando lugar para um time de operários da
segunda divisão. p. 103; Também podemos observar a ideia de quem não poderia praticar o futebol
amador: “que tirarem os seus meios de subsistência de quaisquer profissão braçal, considerando como tais
todas aquelas em que o individuo depende inteiramente de seus poderes físicos, e não dos recursos de sua
inteligência, aqueles, cuja a profissão lhes permita o recebimento de gorjetas; os criados de servir, aos
empregados (denominados caixeiros) de armazém de secos e molhados, vendas ou mercearias; os
contínuos, estafetas e serventes em geral; os guardas civis e praças de pret; e para completar, evitando
qualquer esquecimento, os que exercerem qualquer posição, profissão ou emprego que, a juizo do
Conselho Superior, esteja abaixo do nível moral e social exigido pelo sport do amadorismo.” p. 109.
12
São Paulo passam por uma clara limitação para sua continuidade, “com sua degradação
[dos rios] o nado deixou de pertencer ao repertorio de praticas costumeiras da maioria
dos moradores dessas localidades e tornou-se privilégio daqueles que podiam frequentar
um clube – o que não era o caso da maior parte dos paulistanos, em geral, pobres.”
(JORGE, 2006: 210).
V. Conclusão:
Ao buscar referencias na História Ambiental para entender o cotidiano na
cidade de São Paulo, em boa parte do século XIX e início do XX, nos deparamos com
um cotidiano turbulento, efervescente e com muitas disputas.
As transformações urbanísticas e demográficas atingem diretamente o
meio ambiente da cidade, que é uma opção de sobrevivência de muitos trabalhadores e
trabalhadoras de São Paulo. Além de oferecer uma opção de subsistência, essas áreas
também são aproveitadas para o lazer e a pratica de esportes.
Com um olhar mais crítico, não romantizando a relação população-
natureza, e tendo cuidado com as impressões dos memorialistas, podemos perceber que
para os mais podres da cidade ou os que acabavam de chegar, enxergavam nos rios e
áreas verdes uma forma de sobrevivência dentro do capitalismo financiado pela
produção de café, principalmente do Oeste paulista.
Podemos perceber as disputas de classe nas áreas citadas ao longo do texto.
Um ataque feroz da Elite contra os trabalhadores, que não deveriam ocupar os mesmos
espaços.
Esse levantamento demonstra que a classe trabalhadora em São Paulo
também foi crescendo pelo número cada vez maior de pessoas que praticavam
atividades dentro de uma economia invisível e também é formando pela negação dos
abastados. Afinal, até mesmo a formação de ideia da classe trabalhadora, como citado
no início: a classe é uma relação entre pessoas, não uma coisa, e ela se constrói a si
própria, tanto quanto é construída pelas condições objetivas e pelos seus adversários.
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Acrescento que, neste caso, ao determinarem quem poderia ser reconhecido, aceito e
bem visto, em determinadas atividades ou não.
VI. Documentos Oficiais:
Código de Posturas da Cidade de São Paulo de 1886.
VII. Bibliografia.
AMERICANO, Jorge. São Paulo Naquele Tempo 1895 – 1915. São Paulo: Edição
Saraiva, 1954.
COSTA, Emilia Viotti. Estrutura versus experiência: novas tendências do movimento
operário e das classes trabalhadoras na América Latina: o que se perde e o que se ganha.
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ao reducionismo cultural: em busca da dialética. Anos 90, vol. 6, n.10, 1998.
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14
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GALLINI, Stefania. “Historia, ambiente, política: el camino de la historia ambiental en
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JORGE, Janes. Tietê, o rio que a cidade perdeu: o Tietê em São Paulo 1890- 1940. São
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tradicional. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
15